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cRIMES CONTRA A PESSOA

2a EDIÇÃO/2022

1. CRIMES CONTRA A VIDA 7

1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 7

1.2. COMPETÊNCIA 7

1.3. AÇÃO PENAL 7

1.4. CONTINUIDADE DELITIVA 7

2. HOMICÍDIO - ART. 121 8

2.1. HOMICÍDIO SIMPLES - ART. 121, CAPUT 8

2.1.1. CONCEITO 8

2.1.2. OBJETO JURÍDICO 8

2.1.3. OBJETO MATERIAL 9

2.1.4. SUJEITO PASSIVO 9

2.1.5. SUJEITO ATIVO 9

2.1.6. ELEMENTO SUBJETIVO 9

2.1.7. CLASSIFICAÇÃO DO HOMICÍDIO 11

2.2. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO - ART. 121, §1° 12

2.2.1. NATUREZA JURÍDICA 12

2.2.2. COMUNICABILIDADE 13

2.2.3. MOTIVO DE RELEVANTE VALOR SOCIAL 13

2.2.4. MOTIVO DE RELEVANTE VALOR MORAL 13

2.2.5. DOMÍNIO DE VIOLENTA EMOÇÃO, LOGO EM SEGUIDA A INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA 14

2.2.6. REQUISITOS (CUMULATIVOS) 14

2.2.7. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO-QUALIFICADO 14

2.2.8. VIOLENTA EMOÇÃO: PRIVILÉGIO E ATENUANTE GENÉRICA 16

2.2.9. PATAMAR DE REDUÇÃO DA PENA 17

2.2.10. PRISÃO PREVENTIVA 17

2.3. HOMICÍDIO QUALIFICADO - ART. 121, §2° 17

2.3.1. COEXISTÊNCIA DE DUAS OU MAIS QUALIFICADORAS 18

2.3.2. QUALIFICADORAS 19

2.3.2.1. MEDIANTE PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA, OU POR OUTRO MOTIVO TORPE 19

2.3.2.2. MOTIVO FÚTIL 22

2.3.2.3. COM EMPREGO DE VENENO, FOGO, EXPLOSIVO, ASFIXIA, TORTURA OU OUTRO MEIO
INSIDIOSO OU CRUEL, OU DE QUE POSSA RESULTAR PERIGO COMUM 23

CRIMES CONTRA A PESSOA - 1


2.3.2.4. À TRAIÇÃO, DE EMBOSCADA, OU MEDIANTE DISSIMULAÇÃO OU OUTRO RECURSO QUE
DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO 24

2.3.2.5. PARA ASSEGURAR A EXECUÇÃO, A OCULTAÇÃO, A IMPUNIDADE OU VANTAGEM DE OUTRO


CRIME 25

2.3.2.6. CONTRA A MULHER POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DE SEXO FEMININO - FEMINICÍDIO        26

2.3.2.6.1. CAUSA DE AUMENTO DE PENA NO FEMINICÍDIO 28

2.3.2.7. CONTRA AUTORIDADE OU AGENTE DESCRITO NOS ARTS. 142 E 144 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, INTEGRANTES DO SISTEMA PRISIONAL E DA FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA,
NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO OU EM DECORRÊNCIA DELA, OU CONTRA SEU CÔNJUGE,
COMPANHEIRO OU PARENTE CONSANGUÍNEO ATÉ TERCEIRO GRAU, EM RAZÃO DESSA CONDIÇÃO
29

2.3.2.8. COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO OU PROIBIDO 30

2.3.2.9. HOMICÍDIO CONTRA MENOR DE 14 ANOS 30

2.4. HOMICÍDIO DOLOSO CIRCUNSTANCIADO 31

2.5. HOMICÍDIO CULPOSO - ART. 121, §3º 31

2.5.1. TIPO ABERTO 32

2.5.2. MODALIDADES DE CULPA 32

2.5.3. CAUSA DE AUMENTO DE PENA 32

2.6. PERDÃO JUDICIAL - ART. 121, §5º 35

3. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO OU A AUTOMUTILAÇÃO - ART. 122 37

3.1. ASPECTOS INICIAIS 38

3.2. SUJEITO ATIVO 38

3.3. SUJEITO PASSIVO 38

3.4. ELEMENTO SUBJETIVO 39

4. INFANTICÍDIO - ART. 123 39

4.1. ASPECTOS INICIAIS 39

4.2. ELEMENTO SUBJETIVO 40

4.3. SUJEITO ATIVO 40

4.4. SUJEITO PASSIVO 40

4.5. ESTADO PUERPERAL 41

4.6. MOMENTO DO CRIME 41

4.7 CRIME PRÓPRIO OU DE MÃO-PRÓPRIA 42

5. ABORTO (ART. 124 – 127) 42

5.1. ASPECTOS INICIAIS 43

5.2 ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE OU COM SEU CONSENTIMENTO (ART. 124) 43

5.3. ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO, SEM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE (ART. 125) 44

5.4. ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO, COM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE (ART. 126) 44

5.5. ABORTO MAJORADO PELO RESULTADO (ART. 127) 45

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5.6. ABORTO LEGAL (ART. 128) 45

6. DAS LESÕES CORPORAIS - ART. 129, CP 47

6.1. LESÃO CORAL LEVE - Art. 129, caput 49

6.2. LESÃO CORPORAL GRAVE - Art. 129, §1º 50

6.3. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA - Art. 129, §2º) 53

6.4. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE - Art. 129, §3º 55

6.5. DIMINUIÇÃO DA PENA - Art. 129, §4º 57

6.6. LESÃO CORPORAL CULPOSA - Art. 129, §6º 57

6.7. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - Art. 129, §9° 58

6.8. LESÕES CORPORAIS CONTRA POLICIAIS OU INTEGRANTES DAS FORÇAS ARMADAS OU SEUS FAMILIARES
- Art. 129, §12 58

6.9. LESÕES CORPORAIS CONTRA MULHER, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO - Art. 129, §13
58

7. ABANDONO DE INCAPAZ - ART. 133, CP 59

7.1. ASPECTOS INICIAIS 59

7.2. SUJEITO ATIVO 60

7.3. SUJEITO PASSIVO 60

7.4. ELEMENTO SUBJETIVO 60

8. EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO - ART. 134 60

8.1. ASPECTOS INICIAIS 60

8.2. SUJEITO ATIVO 61

8.3. SUJEITO PASSIVO 61

8.4. ELEMENTO SUBJETIVO 61

9. OMISSÃO DE SOCORRO - ART. 135, CP 61

9.1. ASPECTOS INICIAIS 61

9.2.TIPO OBJETIVO 61

9.3. SUJEITO ATIVO 62

9.4. SUJEITO PASSIVO 62

9.5. ELEMENTO SUBJETIVO 62

9.6.TENTATIVA 62

9.7. CAUSA DE AUMENTO DE PENA 62

10. RIXA - AR. 137, CP 62

10.1. ASPECTOS INICIAIS 63

10.2.OBJETO JURÍDICO 63

10.3. SUJEITO ATIVO 63

10.5. ELEMENTO SUBJETIVO 63

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10.6. SURGIMENTO DA RIXA 63

10.7. TENTATIVA 64

10.8. RIXA QUALIFICADA 64

10.8.1.TEORIAS DA RIXA QUALIFICADA 64

10.9. SITUAÇÕES ESPECIAIS 65

11. CRIMES CONTRA A HONRA 65

11.1. CALÚNIA - ART. 138, CP 65

11.1.1 ASPECTOS INICIAIS 66

11.1.2. FORMAS DE CALÚNIA 66

11.1.3. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO 66

11.1.4. REQUISITOS 66

11.1.5. ELEMENTO SUBJETIVO 66

11.1.6.SUJEITO ATIVO 67

11.1.7. SUJEITO PASSIVO 67

11.1.8. MEIOS DE EXECUÇÃO 68

11.1.9. CONSUMAÇÃO 68

11.1.10. TENTATIVA 68

11.1.11. EXCEÇÃO DA VERDADE - ART. 138, §3º 69

11.2. DIFAMAÇÃO - ART. 139, CP 70

11.2.1 ASPECTOS INICIAIS 71

11.2.2. REQUISITOS 71

11.2.3. ELEMENTO SUBJETIVO 71

11.2.4. SUJEITO ATIVO 71

11.2.5. SUJEITO PASSIVO 71

11.2.6. MEIOS DE EXECUÇÃO 71

11.2.7. CONSUMAÇÃO 72

11.2.8. TENTATIVA 72

11.2.9. EXCEÇÃO DA VERDADE - ART. 139, PARÁGRAFO ÚNICO 72

11.2.10. CALÚNIA X DIFAMAÇÃO60 72

11.3. INJÚRIA - ART. 140, CP 72

11.3.1. OBJETIVIDADE JURÍDICA 73

11.3.2. REQUISITOS 73

11.3.3. ELEMENTO SUBJETIVO 73

11.3.4. SUJEITO ATIVO 73

11.3.5. SUJEITO PASSIVO 73

CRIMES CONTRA A PESSOA - 4


11.3.6. CONSUMAÇÃO 74

11.3.7. TENTATIVA 74

11.3.8. EXCEÇÃO DA VERDADE 74

11.4. PERDÃO JUDICIAL - ART. 140, §1º 74

11.5. INJÚRIA REAL - ART. 140, §2º 75

11.6. INJÚRIA PRECONCEITUOSA OU RACIAL - 140, §3º 75

11.7. DISPOSIÇÕES COMUNS 78

11.8. EXCLUDENTES DE ILICITUDE - ART. 142 79

11.9. RETRATAÇÃO - ART. 143 80

11.10. AÇÃO PENAL - ART 145 82

12. CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL 83

12.1. PERSEGUIÇÃO - ART. 147-A 83

12.1.1. ASPECTOS INICIAIS 84

12.1.2. MEDIDAS DESPENALIZADORAS 85

12.1.3. BEM JURÍDICO TUTELADO 85

12.1.4. SUJEITOS DO CRIME 85

12.1.5. CONDUTA 85

12.1.5.1. ESTRUTURAS DA AÇÃO NUCLEAR 86

12.1.5.2. HABITUALIDADE 87

12.1.6 REQUISITOS PARA DEFINIR O CRIME 87

12.1.7. ELEMENTO SUBJETIVO 87

12.1.8. CONSUMAÇÃO 87

12.1.9. TENTATIVA 87

12.1.10. PRISÃO EM FLAGRANTE 87

12.1.11. CAUSA DE AUMENTO DE PENA 88

12.1.12. CONCURSO DE CRIMES E CONFLITO DE LEIS PENAIS68 88

12.1.13. AÇÃO PENAL 89

12.2. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER - ART. 147-B 90

12.2.1. BEM JURÍDICO TUTELADO 90

12.2.2. MEDIDAS DESPENALIZADORAS 90

12.2.3. SUJEITO ATIVO 90

12.2.4. SUJEITO PASSIVO 90

12.2.5. CONDUTA 91

12.2.6. ELEMENTO SUBJETIVO 92

12.2.7. CONSUMAÇÃO 92

CRIMES CONTRA A PESSOA - 5


12.2.8. PRESCRIÇÃO 92

12.2.9. AÇÃO PENAL 93

12.2.10. CONFLITO APARENTE DE NORMAS79 93

CRIMES CONTRA A PESSOA - 6


1. CRIMES CONTRA A VIDA

1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

São eles:

1. Homicídio- Art. 121;

2. Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou automutilação- art. 122;

3. Infanticídio- art. 123;

4. Aborto- Arts. 124 a 128.

Percebe-se que o legislador buscou proteger integralmente o direito à vida do ser humano, desde a
concepção, ou seja, previamente ao seu nascimento. 1

OBSERVAÇÃO

● Ao longo do Código Penal existem diversos tipos penais que têm o resultado morte, mas não são crimes
contra a vida, como por exemplo: latrocínio.

1.2. COMPETÊNCIA

No que diz respeito à competência, os crimes previstos neste Capítulo, à exceção da modalidade
culposa do homicídio e, para parcela da doutrina2, do crime de participação em automutilação, são
julgados pelo Tribunal do Júri, na medida em que o art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição Federal, confere ao
Tribunal Popular competência para julgar os crimes dolosos contra a vida.

1.3. AÇÃO PENAL

A ação penal em tais crimes é pública INCONDICIONADA.

1.4. CONTINUIDADE DELITIVA

Súmula 605-STF: Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida.

Em que pese a Súmula ainda estar vigente, encontra-se superada, visto que foi editada antes da Lei nº
7.209 /84, que reformou a Parte Geral do Código Penal, passando a admitir a continuidade delitiva em crimes
contra a vida, senão vejamos:

1
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.11.
2
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.

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Crime continuado

Art. 71. Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem
como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do
parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.

2. HOMICÍDIO - ART. 121

2.1. HOMICÍDIO SIMPLES - ART. 121, CAPUT

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

2.1.1. CONCEITO

O homicídio consiste na eliminação da vida humana extrauterina provocada por outra pessoa3.

2.1.2. OBJETO JURÍDICO

Vida humana extrauterina.

Para a doutrina majoritária, é possível o cometimento de homicídio a partir do início do trabalho de


parto, mesmo sem ter saído completamente do corpo da mulher. Assim, se for comprovado que não ocorreu o
início do trabalho de parto, não houve homicídio e sim aborto.

Para o direito penal, pouco importa se a vida humana em questão é viável ou não, sendo irrelevante
se havia ou não possibilidade do ser permanecer vivo, ressalvado os casos de aborto permitido.

Iniciado o trabalho de parto, não há falar mais em aborto, mas em homicídio ou


infanticídio, conforme o caso, pois não se mostra necessário que o nascituro tenha
respirado para configurar o crime de homicídio, notadamente quando existem nos
autos outros elementos para demonstrar a vida do ser nascente, razão pela qual não
se vislumbra a existência do alegado constrangimento ilegal que justifique o

3
Gonçalves, Victor Eduardo Rios Direito penal : parte especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves. / coord. Pedro Lenza. – 11. ed. – São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 150.

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encerramento prematuro da persecução penal. (STJ, HC 228.998, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, 5ª Turma, j. 23.10.2012)

A prova da morte pode ser feita de várias formas, todavia, o único critério legal é encontrado na Lei
9434/97, art. 3, que apresenta a morte encefálica como marco que autoriza a extração dos órgãos para
doação, contudo, o médico pode utilizar vários parâmetros para declarar um óbito.

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano


destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de
morte encefálica, constatada e registrada por 2 médicos não participantes das
equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e
tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

2.1.3. OBJETO MATERIAL

É o ser humano que suporta a conduta criminosa.

2.1.4. SUJEITO PASSIVO

Qualquer pessoa titular do bem jurídico lesionado, ou seja, a vida.

2.1.5. SUJEITO ATIVO

Qualquer pessoa (crime comum).

2.1.6. ELEMENTO SUBJETIVO

Dolo, direto (vontade livre e consciente de eliminar a vida humana alheia) ou eventual (o agente, com
sua conduta, assume o risco de provocar a morte).4

OBSERVAÇÕES

🔴 TRANSMISSÃO DE VÍRUS HIV: Para Masson , aquele que consciente da letalidade da moléstia,
5

efetua intencionalmente com terceira pessoa ato libidinoso que transmite a doença, matando-a, responderá
por homicídio doloso consumado. Caso a vítima não venha a falecer, ao agente deverá ser imputado o
crime de homicídio tentado.

4
Gonçalves, Victor Eduardo Rios Direito penal : parte especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves. / coord. Pedro Lenza. – 11. ed. – São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 171.
5
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.16.

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Porém, segundo o STJ (HC 160.982/DF), a transmissão do HIV de forma dolosa caracteriza lesão
corporal gravíssima, se enquadrando no art. 129, §2, II do CP como doença incurável. O STF também afasta o
crime doloso contra a vida nessa situação, sem, contudo, concluir acerca da tipicidade do delito efetivamente
cometido (HC 98.712/SP).

1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 98.712/RJ, Rel. Min. MARCO


AURÉLIO (1.ª Turma, DJe de 17/12/2010), firmou a compreensão de que a conduta de
praticar ato sexual com a finalidade de transmitir AIDS não configura crime
doloso contra a vida. Assim não há constrangimento ilegal a ser reparado de ofício,
em razão de não ter sido o caso julgado pelo Tribunal do Júri.

2. O ato de propagar síndrome da imunodeficiência adquirida não é tratado no


Capítulo III, Título I, da Parte Especial, do Código Penal (art. 130 e seguintes), onde não
há menção a enfermidades sem cura. Inclusive, nos debates havidos no julgamento
do HC 98.712/RJ, o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, ao excluir a
possibilidade de a Suprema Corte, naquele caso, conferir ao delito a classificação de
"Perigo de contágio de moléstia grave" (art. 131, do Código Penal), esclareceu que, "no
atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não é só grave, nos
termos do art. 131".

3. Na hipótese de transmissão dolosa de doença incurável, a conduta deverá será


apenada com mais rigor do que o ato de contaminar outra pessoa com moléstia
grave, conforme previsão clara do art. 129, § 2.º inciso II, do Código Penal.

4. A alegação de que a Vítima não manifestou sintomas não serve para afastar a
configuração do delito previsto no art. 129, § 2, inciso II, do Código Penal. É de
notória sabença que o contaminado pelo vírus do HIV necessita de constante
acompanhamento médico e de administração de remédios específicos, o que
aumenta as probabilidades de que a enfermidade permaneça assintomática. Porém, o
tratamento não enseja a cura da moléstia.

5. Não pode ser conhecido o pedido de sursis humanitário se não há, nos autos,
notícias de que tal pretensão foi avaliada pelas instâncias antecedentes, nem
qualquer informação acerca do estado de saúde do Paciente.

6. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.

(STJ, HC 160.982/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em


17/05/2012, DJe 28/05/2012)

🔴 HOMICÍDIO POR EMBRIAGUEZ NO TRÂNSITO: O CTB foi alterado em 2017, para prevê no art. 302
como homicídio culposo, o que não afasta a possibilidade de homicídio doloso com embriaguez no trânsito,
conforme se entende a partir do estudo da parte especial nas espécies de dolo.

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🔴 HOMICÍDIO E A LEI DE CRIMES HEDIONDOS (alteração pela lei 11464/19): Homicídio simples
não é hediondo, salvo se praticado em atividade típica de extermínio (matança generalizada de pessoa
pertencente a determinado grupo social), ainda que o autor do homicídio seja apenas um integrante do grupo.

Art. 1º, Lei 8072/90: São considerados hediondos os seguintes crimes, todos
tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal,
consumados ou tentados:

- homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio,


ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º,
incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);”

🔴 HOMICÍDIO SEM MOTIVAÇÃO: a ausência de motivos não configura qualificadora para efeitos de
motivo fútil (STJ Resp. 769651/SP, quinta turma), sendo assim, homicídio simples.

2. Como é sabido, fútil é o motivo insignificante, apresentando desproporção entre o


crime e sua causa moral. Não se pode confundir, como se pretende, ausência de
motivo com futilidade. Assim, se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não
incide essa qualificadora, à luz do princípio da reserva legal. (STJ, REsp 769.651/SP,
Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/04/2006, DJ 15/05/2006, p.
281)

2.1.7. CLASSIFICAÇÃO DO HOMICÍDIO

CRIME SIMPLES atinge um único bem jurídico.

CRIME DE DANO exige efetiva lesão ao bem jurídico.

o ordenamento não prevê um modus operandi específico, podendo ser


CRIME DE AÇÃO LIVRE
comissivo ou comissivo por omissão.

CRIME MATERIAL necessita de um resultado naturalístico.

CRIME MONOSSUBJETIVO pode ser praticado por apenas um agente ou mais.


(UNISSUBJETIVO OU DE
CONCURSO EVENTUAL)

permite que a execução seja fracionada em diversos atos, permitindo,


PLURISSUBSISTENTE
assim, a modalidade tentada.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 11


CRIME COMUM não exige característica especial do agente

CRIME INSTANTÂNEO DE a sua consumação ocorre em um momento específico, não se


EFEITOS PERMANENTES prologando no tempo. Porém, os efeitos do delito perduram no tempo.

NÃO TRANSEUNTE deixa vestígios, havendo necessidade de exame de corpo de delito.

OBSERVAÇÃO

SUJEITO PASSIVO: o homicídio que envolve irmãos gêmeos que são unidos pelo
corpo (conhecidos como siameses), configura duplo homicídio, ainda que o sujeito
ativo tenha atingido o corpo de apenas um deles, visto que o evento morte de um
leva, necessariamente, à morte do outro.
XIFÓPAGOS

(GÊMEOS SIAMESES) SUJEITO ATIVO: sendo o xifópago autor do delito, se um pratica o crime e o outro
não compartilha da mesma intenção, o que praticou será condenado, mas não será
preso ou cumprirá pena, pois a liberdade do outro prepondera sobre o jus puniend
do estado, não podendo a pena transcender àquele que não participou (sob uma
análise de dolo e culpa) da conduta criminosa.

2.2. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO - ART. 121, §1°

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou


moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 a 1/3.

2.2.1. NATUREZA JURÍDICA

Tem a natureza jurídica de CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA.

A redução decorrente do privilégio é direito subjetivo do réu?

Segundo Gonçalves (2021, p. 176), “É pacífico o entendimento de que, apesar de a lei mencionar que o
juiz pode diminuir a pena se reconhecido o privilégio, tal redução é obrigatória, na medida em que o art. 483,
IV, do Código de Processo Penal, diz que as causas de diminuição de pena devem ser apreciadas pelos jurados
na votação dos quesitos e, assim, se estes votarem favoravelmente ao reconhecimento do privilégio, a redução
deverá ser aplicada pelo juiz em decorrência do princípio constitucional da soberania dos vereditos do júri (art.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 12


5º, XXXVIII, c, da Constituição Federal). Por isso é que se diz que a redução da pena decorrente do privilégio
— se reconhecido pelos jurados — é direito subjetivo do réu. Ao juiz cabe apenas escolher o índice de
diminuição entre um sexto e um terço.”

2.2.2. COMUNICABILIDADE

Por ter caráter subjetivo, relacionando-se diretamente com o agente, não se comunica aos demais
coautores e partícipes, em consonância com o regramento do art. 30 do CP.6

2.2.3. MOTIVO DE RELEVANTE VALOR SOCIAL

Diz respeito aos interesses de toda uma coletividade, logo, nobre e altruístico (ex.: indignação contra
um traidor da pátria, matar um perigoso estuprador que aterroriza mulheres do bairro).7

2.2.4. MOTIVO DE RELEVANTE VALOR MORAL

Atém-se aos interesses individuais, particulares do agente, entre eles os sentimentos de piedade,
misericórdia e compaixão.

Da leitura do §1º é possível perceber que o homicídio poder ser privilegiado pelo Relevante valor
moral, sendo aquele que se relaciona a um interesse particular do responsável pela prática do homicídio,
aprovado pela moralidade prática e considerado nobre e altruísta8. Exemplo: eutanásia.

A eutanásia, apontada como hipótese de homicídio privilegiado pelo relevante valor moral, é
conhecida como morte piedosa. A ortotanásia (retirada do tratamento médico, em caso de doença incurável,
onde o tratamento não tenha eficácia) não se enquadra na tipicidade material, assim não seria punível. A
distanásia (o oposto da eutanásia) não é crime, pois é o uso de todos os recursos médicos para prolongar a
vida do paciente.

Eutanásia ativa Atos positivos com o fim de matar alguém, eliminando ou aliviando seu sofrimento.

Dá-se com a omissão de tratamento ou de qualquer meio capaz de prolongar a


Eutanásia passiva
vida humana.

Supressão de cuidados de reanimação de paciente em estado de coma profundo e


Ortotanásia
irreversível.

6
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.20.
7

meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/01/29/no-homicidio-privilegiado-diferenca-entre-os-motivos-de-relevante-valor-moral
-e-de-relevante-valor-social-reside-basicamente-na-abrangencia/
8
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.22.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 13


2.2.5. DOMÍNIO DE VIOLENTA EMOÇÃO, LOGO EM SEGUIDA A INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA

Espécie de reação impulsiva imediata, com isso, segundo a doutrina, um dia depois não se
enquadraria na expressão “logo em seguida”.

A emoção deve ser violenta, intensa, capaz de alterar o estado de ânimo do agente.

OBSERVAÇÕES

● A injusta provocação não precisa ser criminosa. Provocação injusta é o comportamento apto a
desencadear a violenta emoção e a consequente prática do crime.9 Exemplos: brincadeira indesejada e
inoportuna, falar mal do agente, encontra a esposa em flagrante adultério.

● O domínio de violenta emoção é compatível com o dolo eventual, quando o agente assume o risco de
matar a vítima. Por outro lado, não há possibilidade do cometimento de homicídio privilegiado de
forma premeditada, pois o lapso temporal que o planejamento exige afasta o domínio de violenta
emoção logo em seguida a provocação.

2.2.6. REQUISITOS (CUMULATIVOS)

🔸 Domínio de violenta emoção


🔸 Injusta provocação da vítima: Segundo Cleber Masson (2011, p. 24), “Não se exige ppr parte da
vítima o propósito direto e específico de provocar, sendo suficiente que o agente sinta-se provocado
injustamente.”

🔸 Reação imediata: logo em seguida à injusta provocação. Deve-se considerar o instante em que o
sujeito toma ciência da provocação injusta e não aquele em que realmente ocorreu (MASSON, 2011, p.
24)

2.2.7. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO-QUALIFICADO

Possível quando a qualificadora for objetiva (meios ou modos de execução).

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiterado entendimento no


sentido de que há compatibilidade entre as qualificadoras de ordem objetiva e as
causas de diminuição de pena do § 1.º do art. 121 do Código Penal, que, por sua
vez, têm natureza subjetiva. (STJ, HC 171.652/SP, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA TURMA, julgado em 18/10/2012,
DJe 23/10/2012)

1. A atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a possibilidade de


ocorrência de homicídio privilegiado- qualificado, desde que não haja

9
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.24.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 14


incompatibilidade entre as circunstâncias aplicáveis. Ocorrência da hipótese quando
a paciente comete o crime sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, mas o pratica disparando os tiros de surpresa, nas
costas da vítima (CP, art. 121, § 2º, IV) A circunstância subjetiva contida no
homicídio privilegiado (CP, art. 121, § 1º) convive com a circunstância
qualificadora objetiva "mediante recurso que dificulte ou torne impossível a
defesa da vítima" (CP, art. 121, § 2º, IV). Precedentes. A superveniência das Leis nºs.
8.072/90 e 8.930/94, que tratam dos crimes hediondos, não altera a jurisprudência
deste Tribunal, observando-se que no caso do homicídio qualificado não foi definido
um novo tipo penal, mas, apenas, atribuída uma nova qualidade a um crime
anteriormente tipificado. (STF, HC 76196, Relator(a): MAURÍCIO CORRÊA, Segunda
Turma, julgado em 29/09/1998, DJ 15-12-2000 PP-00063 EMENT VOL-02016-03
PP-00448)

O FEMINICÍDIO é uma qualificadora de ordem OBJETIVA, portanto, compatível com o privilégio.

Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de


feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência
doméstica e familiar. Isso se dá porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem
OBJETIVA - vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e
familiar propriamente dita, enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja,
continuará adstrita aos motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito.
STJ. 6ª Turma. HC 433898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info
625).10

OBSERVAÇÕES

● O quantum de diminuição da pena dependerá do nível do domínio de emoção, bem como da


intensidade a injusta provocação. Portanto, quanto maior o grau emotivo maior será a diminuição da
pena, aplicando-se o mesmo raciocínio na análise da injusta provocação da vítima.

Homicídio privilegiado-qualificado NÃO É HEDIONDO.

I - Por incompatibilidade axiológica e por falta de previsão legal, o homicídio


qualificado-privilegiado não integra o rol dos denominados crimes hediondos

10
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Motivo torpe e feminicídio: inexistência de bis in idem. Buscador Dizer o Direito, Manaus.
Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/166cee72e93a992007a89b39eb29628b>. Acesso
em: 04/12/2021

CRIMES CONTRA A PESSOA - 15


(Precedentes). (STJ, HC 153.728/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,
julgado em 13/04/2010, DJe 31/05/2010)

Provocação putativa: provocação que não é real, mas que o agente compreende como sendo. Para
Nelson Hungria, se o agente entende a provocação como real, não afasta a privilegiadora.

Perdão judicial: não admite pois o homicídio privilegiado é uma modalidade de homicídio doloso.

2.2.8. VIOLENTA EMOÇÃO: PRIVILÉGIO E ATENUANTE GENÉRICA

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III - ter o agente:

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem


de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por
ato injusto da vítima;

Segundo Gonçalves (2021, p. 184), “No privilégio, exige-se que o agente esteja sob o domínio de
violenta emoção porque o ato se dá logo em seguida à injusta provocação. Na atenuante (art. 65, III, c), basta
que ele esteja sob influência de violenta emoção decorrente de ato injusto, sem a necessidade de que o ato
homicida ocorra logo em seguida àquele.”

Art. 121, § 1º11 Art. 65, inc. III, alínea c

O privilégio somente é aplicável ao homicídio doloso A atenuante genérica é aplicável para qualquer crime

O privilégio reclama o domínio de violenta emoção Para a atenuante genérica basta a influência de
violenta emoção

Injusta provocação da vítima Ato injusto da vítima

Reação imediata Pode ocorrer a qualquer momento

Havendo privilégio, exclui-se a atenuante genérica.

11
www.dizerodireito.com.br

CRIMES CONTRA A PESSOA - 16


2.2.9. PATAMAR DE REDUÇÃO DA PENA

Há constrangimento ilegal no ponto em que aplicado o privilégio do § 1º do art. 121 do


Código Penal no patamar de 1/4, visto que as instâncias ordinárias não apontaram
nenhum elemento concreto dos autos — como a relevância do valor moral ou social
que motivou a conduta, a intensidade do domínio do réu pela violenta emoção ou o
grau da injusta provocação da vítima — que evidenciasse a impossibilidade de
aplicação da fração máxima de 1/3. (STJ, RHC 55.236, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª
Turma, j. 18.02.2016)

2.2.10. PRISÃO PREVENTIVA

O simples fato de ter o Tribunal do Júri reconhecido a minorante do § 1º do art. 121 do


CP, denominada de circunstância privilegiadora, não afasta, por si só, a necessidade
da prisão, máxime quando presentes os requisitos e pressupostos da medida
restritiva. (STJ, AgRg no HC 574.060, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, j. 18.08.2020)

2.3. HOMICÍDIO QUALIFICADO - ART. 121, §2°

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe


(motivo abjeto, indigno, desprezível, imoral);

II - por motivo fútil (motivo bobo, insignificante, pequeno, mesquinho);

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que


dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução (TELEOLÓGICA), a ocultação, a impunidade ou


vantagem de outro crime (CONSEQUENCIAL):

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino – Feminicídio

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição
Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública,
no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro
ou parente consanguíneo até 3° grau, em razão dessa condição:

CRIMES CONTRA A PESSOA - 17


VIII - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.

Pena - reclusão, de 12 a 30 anos.

É possível haver homicídio qualificado praticado com dolo eventual?12

🔸 Qualificadoras do motivo fútil e/ou torpe (art. 121, § 2º, I e II, do CP): SIM. Não há dúvidas
quanto a isso. Trata-se da posição do STJ e do STF.

🔸 Qualificadoras de meio (art. 121, § 2º, III e IV, do CP):


● 1ª corrente: SIM. O dolo eventual no crime de homicídio é compatível com as
qualificadoras objetivas previstas no art. 121, § 2º, III e IV, do Código Penal. As referidas
qualificadoras serão devidas quando constatado que o autor delas se utilizou dolosamente
como meio ou como modo específico mais reprovável para agir e alcançar outro resultado,
mesmo sendo previsível e tendo admitido o resultado morte. STJ. 5ª Turma. REsp 1.836.556-PR,
Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 15/06/2021 (Info 701).

● 2ª corrente: NÃO. O dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, §
2º, IV (traição, emboscada, dissimulação). Para que incida a qualificadora da surpresa é
indispensável que fique provado que o agente teve a vontade de surpreender a vítima,
impedindo ou dificultando que ela se defendesse. Ora, no caso do dolo eventual, o agente não
tem essa intenção, considerando que não quer matar a vítima, mas apenas assume o risco de
produzir esse resultado. Como o agente não deseja a produção do resultado, ele não
direcionou sua vontade para causar surpresa à vítima. Logo, não pode responder por essa
circunstância (surpresa). STF. 2ª Turma. HC 111442/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
28/8/2012 (Info 677).

A qualificadora de natureza objetiva prevista no inciso III do § 2º do art. 121 do Código


Penal não se compatibiliza com a figura do dolo eventual, pois enquanto a qualificadora
sugere a ideia de premeditação, em que se exige do agente um empenho pessoal, por meio da
utilização de meio hábil, como forma de garantia do sucesso da execução, tem-se que o agente
que age movido pelo dolo eventual não atua de forma direcionada à obtenção de ofensa ao
bem jurídico tutelado, embora, com a sua conduta, assuma o risco de produzi-la. STJ. 6ª Turma.
EDcl no REsp 1848841/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 2/2/2021.

2.3.1. COEXISTÊNCIA DE DUAS OU MAIS QUALIFICADORAS

Na hipótese de estarem presentes duas ou mais qualificadoras, o magistrado deve utilizar uma
delas para qualificar o crime, e as demais como agravantes genéricas na segunda fase da dosimetria da
pena. Nesse sentido tem entendido o STF:

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível haver homicídio qualificado praticado com dolo eventual?. Buscador Dizer o Direito,
12

Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/26588e932c7ccfa1df309280702fe1b5>.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 18


As circunstâncias evidenciadas na espécie refletem o entendimento da Corte,
preconizado no sentido de que, ‘na hipótese de concorrência de qualificadoras
num mesmo tipo penal, uma delas deve ser utilizada para qualificar o crime e as
demais serão consideradas como circunstâncias agravantes. (STF. RHC
114.458/MS. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgado em 19/02/2013).

Inexiste bis in idem nos casos em que, havendo condenação por homicídio
duplamente qualificado, uma adjetivadora é utilizada para qualificar abstratamente o
delito e a outra para incrementar a pena na segunda fase da dosimetria. (STJ, STJ, HC
562.135, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 23.06.2020)

2.3.2. QUALIFICADORAS

2.3.2.1. MEDIANTE PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA, OU POR OUTRO MOTIVO TORPE


Circunstância subjetiva, pois diz respeito ao agente, e não ao fato. Por essa razão, não se comunica
aos demais coautores e partícipes.

▸▸Paga ou promessa de recompensa: caracterizam o homicídio mercenário ou homicídio por


mandato remunerado13. Em ambos os casos a vantagem não precisa obrigatoriamente ser econômica,
como é o caso da prestação de favores sexuais ou promessa de casamento.

▸▸Outro motivo torpe: é uma hipótese genérica que segue as hipóteses casuísticas. É o motivo vil,
repugnante, abjeto, que causa repulsa na sociedade.

III - A qualificadora do motivo torpe para restar configurada, até pela própria
redação do Código Penal, deve assemelhar-se ao crime de homicídio cometido
"mediante paga ou promessa de recompensa", porquanto tem-se aí típica
hipótese de interpretação analógica. Isso significa que o "outro motivo torpe" a que
faz alusão a lei no final do dispositivo deve ter intensidade equiparada às hipóteses
constantes no tipo. (STJ, HC n. 77.309/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma,
julgado em 6/5/2008, DJe de 26/5/2008.)

OBSERVAÇÕES

■ A vingança nem sempre pode ser considerada motivo torpe, pois existem diversas hipóteses e
situações de vingança, devendo ser analisada à luz do caso concreto.

2. Esta esta Corte Superior, ao analisar o tema, posicionou-se de forma clara,


adequada e suficiente ao concluir: (iv) que não se desconhece que a vingança, por si

13
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.28.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 19


só, não substantiva o motivo torpe; a sua afirmativa, contudo, não basta para
elidir a imputação de torpeza do motivo do crime, que há de ser aferida à luz do
contexto do fato (STF, HC 83.309/MS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
de 06/02/2004) (REsp 1816313/PB, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA,
julgado em 10/09/2019, DJe 16/09/2019), ocorre que, apresentado fato concreto, a
verificação de ser ele razão abjeta ou não à prática do homicídio é matéria afeta ao
Conselho de Sentença. (STJ, EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1926967/AM, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe
12/11/2021)

A vingança, por si só, não torna torpe o motivo do delito. Análise do contexto
fático-probatório.Ainda que reprovável a conduta do réu, mostra-se desarrazoado
imputar a torpeza a ela na situação dos autos, uma vez que o agente haveria
praticado o delito para vingar as ameaças da vítima à vida dele e de sua família, bem
como as agressões físicas e a tentativa de golpes de faca que ele teria sofrido na noite
anterior ao crime.Agravo regimental não provido. (STJ, AgInt no AREsp n.
1.770.465/MT, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em
24/5/2022, DJe de 30/5/2022.)

■ O motivo torpe não se confunde com o motivo fútil. Segundo a doutrina, o motivo fútil é aquele
em que trás uma desproporção entre o crime e sua causa moral, enquanto o motivo torpe é aquele que causa
repugnância, nojo (ex: matar os pais para ficar com a herança).

HABEAS CORPUS. Júri. Homicidio. Agravantes qualificativas. As circunstancias


determinantes do evento expressamente previstas no art. 121, par-2., incisos I e II, do
Código Penal, são, em tese, conceitos subjetivos independentes e podem coexistir em
uma mesma situação fática. IN CASU, não há incompatibilidade ou contradição no
reconhecimento simultâneo pelo Júri das agravantes do motivo torpe e fútil. O
comportamento torpe, consistente em homicidio cometido "mediante paga ou
promessa de recompensa", atribuível tanto a quem paga quanto a quem recebe
(art. 29, do mesmo estatuto penal), não exclui a futilidade do motivo que
determinou o mandante a contratar o crime. Ordem denegada unanimemente.(HC
66571, Relator(a): CELIO BORJA, Segunda Turma, julgado em 20/06/1989, DJ
04-10-1991 PP-13779 EMENT VOL-01636-01 PP-00052 RTJ VOL-00135-01
PP-00090)

CRIMES CONTRA A PESSOA - 20


■ A qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” se comunica ao mandante do crime? Há
divergência no STJ a respeito do tema14

1ª corrente: NÃO. A qualificadora de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de
recompensa é circunstância de caráter pessoal e, portanto, incomunicável, por força do art. 30 do CP.
Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. HC 403263/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/11/2018.

2ª corrente: SIM. No homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é


elementar do tipo qualificado, comunicando-se ao mandante do delito. Sobre o tema: STJ. 6ª Turma. AgInt no
REsp 1681816/GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 03/05/2018.

■ Motivo torpe e feminicídio

Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de


feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência
doméstica e familiar. STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em
24/04/2018 (Info 625)15.

5. O acórdão combatido se alinha ao entendimento desta Corte Superior segundo o


qual "as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio não possuem a mesma
natureza, sendo certo que a primeira tem caráter subjetivo, ao passo que a
segunda é objetiva, não havendo, assim, qualquer óbice à sua imputação
simultânea" (HC n. 430.222/MG, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado
em 15/3/2018, DJe 22/3/2018). 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no
AREsp 1830776/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
24/08/2021, DJe 30/08/2021).

■ Ciúmes e motivo torpe

"O ciúme, por si só, sem outras circunstâncias, não caracteriza o motivo torpe."(STJ,
HC 123.918/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2009,
DJe 05/10/2009).

14
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” também se comunica ao mandante do
crime?. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/b495ce63ede0f4efc9eec62cb947c162>.
15
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Motivo torpe e feminicídio: inexistência de bis in idem. Buscador Dizer o Direito, Manaus.
Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/166cee72e93a992007a89b39eb29628b>.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 21


2.3.2.2. MOTIVO FÚTIL
É a desproporção entre o motivo e a causa moral, motivo banal, desproporcional, insignificante.
Exemplo: marido que mata a esposa por não ter feito seu café da manhã.

■ Motivo torpe e fútil

Segundo MASSON (2017, p.65), “por absoluta incompatibilidade, um motivo não pode ser
simultaneamente fútil e torpe. Uma motivação exclui a outra. É fútil ou torpe, obrigatoriamente”.

■ Todo motivo fútil é injusto, mas nem sempre o motivo injusto pode ser considerado fútil16.

Ex: Maria anuncia que vai se separar de Abel após 10 anos de casamento em razão de ter se
apaixonado por Pedro, vizinho do casal. Inconformado, Abel mata Maria. O motivo é injusto, considerando que
não há justificativa para ceifar a vida de uma pessoa por conta do fim de um relacionamento. Por outro lado,
não se pode dizer que a razão que motivou o agente seja insignificante (desprezível). Nesse sentido: STJ HC
77.309/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 06/05/2008.

■ Motivo fútil e discussão anterior

5. "A alegação defensiva de que a animosidade prévia desconfigura a qualificadora do


motivo fútil não merece guarida, uma vez que a existência de discussão anterior,
por si só, não é suficiente para afastar tal qualificadora" (STJ, AgRg no AREsp
968.444/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado
em 15/09/2016, DJe 23/09/2016).

■ Motivo fútil e dolo eventual

1. Não há incompatibilidade na coexistência da qualificadora do motivo fútil


com o dolo eventual em caso de homicídio causado após pequeno desentendimento
entre agressor e agredido. Precedentes do STJ e STF.

2. Com efeito, o fato de o recorrido ter, ao agredir violentamente a vítima, assumido o


risco de produzir o resultado morte, aspecto caracterizador do dolo eventual, não
exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o
dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a
conduta. (STJ, REsp 1601276/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017)

16
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Homicídio qualificado por motivo fútil e fato que surgiu como uma bobagem, mas virou uma briga. Buscador Dizer
o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/884ce4bb65d328ecb03c598409e2b168>.
Acesso em: 07/06/2022

CRIMES CONTRA A PESSOA - 22


■ Motivo fútil e racha

Não incide a qualificadora de motivo fútil (art. 121, § 2°, II, do CP), na hipótese de
homicídio supostamente praticado por agente que disputava "racha", quando o
veículo por ele conduzido — em razão de choque com outro automóvel também
participante do "racha" — tenha atingido o veículo da vítima, terceiro estranho à
disputa automobilística. STJ. 6ª Turma. HC 307617-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para
acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 19/4/2016 (Info 583)17.

2.3.2.3. COM EMPREGO DE VENENO, FOGO, EXPLOSIVO, ASFIXIA, TORTURA OU OUTRO MEIO INSIDIOSO OU
CRUEL, OU DE QUE POSSA RESULTAR PERIGO COMUM
▸▸Meio insidioso: é o que consiste no uso de estratagema, de perfídia, de uma fraude para cometer o
crime sem que a vítima perceba.

▸▸Meio cruel: é aquele que proporciona à vítima interno e desnecessário sofrimento físico ou mental,
quando a morte poderia ocorrer de forma menos dolorosa.18

▸▸Meio de que possa resultar perigo comum: é aquele que expõe não somente a vítima, mas
também um número indeterminado de pessoas a uma situação de probabilidade de dano.

OBSERVAÇÕES

■ O veneno, segundo a exposição de motivos do nosso CP, para qualificar o homicídio deve ser
ministrado de maneira insidiosa sem que a vítima perceba. Assim, se numa situação hipotética o agente
amarra a vítima e a obriga beber veneno sabendo do que se trata, não se enquadraria na presente
qualificadora e sim por meio cruel.

■ A tortura prevista no inciso em tela é um meio de execução do homicídio, o agente realiza a


tortura para matar. A tortura como finalidade da ação é prevista na lei 9455/97 e, caso ocorra o resultado
morte, o agente responderá pelo crime de tortura com resultado morte, tratando-se de crime preterdoloso, ou
seja, o sujeito tem o dolo de torturar e acaba causando, culposamente, a morte da vítima.

2. O homicídio qualificado pela tortura requer a ocorrência de um processo cruel,


prolongando maldosamente o sofrimento intenso e desnecessário da vítima.

3. No caso, a Corte local afastou a qualificadora da tortura por terem sido as


agressões momentâneas e passageiras, não causando prolongado sofrimento na

17
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Hipótese de inexistência de motivo fútil em homicídio decorrente da prática de "racha".
Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3bf55bbad370a8fcad1d09b005e278c2>.
18
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.32.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 23


vítima. (STJ, AgRg no AREsp 1886886/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021)

■ Para o STJ, meio cruel não é incompatível com o dolo eventual, pois o dolo do agente, direto ou
indireto, não exclui a possibilidade da prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável.

2. Inexiste incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio


cruel para a consecução da ação, na medida em que o dolo do agente, direto ou
indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio
mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel (AgRg no RHC 87.508/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 03/12/2018). (STJ - REsp:
1829601 PR 2019/0139667-5, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento:
04/02/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/02/2020). (grifo nosso)

■ Meio cruel e reiteração de golpes

3. É entendimento desta Corte que a reiteração de golpes na vítima, ao menos em


princípio e para fins de pronúncia, é circunstância indiciária do 'meio cruel'
previsto no inciso III do parágrafo 2o do artigo 121 do Código Penal, não se tratando,
pois, de qualificadora manifestamente improcedente que autorize o excepcional
decote pelo juiz da pronúncia, pena de usurpação da competência
constitucionalmente atribuída ao Tribunal do Júri (REsp 1 241 987/PR, Rei. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 24/02/2014) (AgRg no REsp 1721923/PR, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018)

2.3.2.4. À TRAIÇÃO, DE EMBOSCADA, OU MEDIANTE DISSIMULAÇÃO OU OUTRO RECURSO QUE DIFICULTE


OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO
Modos de execução do crime de homicídio, ou seja, alguns modus operandi para a realização do
crime de homicídio.

▸▸Traição: pode ser tanto física quanto moral, valendo-se o agente da confiança que o ofendido nele
previamente depositava para o fim de matá-lo em momento em que ele se encontrava desprevenido e sem
vigilância.19

▸▸Emboscada: é a conhecida tocaia, onde o autor aguarda a vítima, conhecendo seu trajeto e a
surpreende para consumar o delito.

19
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.38.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 24


▸▸Dissimulação: é a atuação disfarçada, hipócrita, que oculta a real intenção do agente, podendo
ocorrer com o uso de recursos materiais, que ludibriem a vítima e ocultem o agente de sua identidade real
(exemplo: barba falsa); ou com o uso de palavras, com lábia ou conversa de modo a induzir a vítima para a
situação em que se consumará o crime (Exemplo: o maníaco do parque que atraia suas vítimas afirmando ser
fotógrafo).

▸▸Outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima: é uma fórmula genérica,
deve ser interpretada em conformidade com as hipóteses casuísticas.

OBSERVAÇÃO

■ Superioridade numérica e recurso de dificulte a defesa da vítima:

2. In casu, verifica-se que persistem as razões que justificaram o encarceramento


cautelar do recorrente para assegurar a ordem pública, pois sua periculosidade está
evidenciada no modus operandi do delito. Segundo consta, os recorrentes, em razão
de disputa referente ao domínio do tráfico de drogas na região, mediante recurso
que dificultou a defesa, já que estavam em superioridade numérica, efetuaram
disparos contra a vítima enquanto esta estava de costas e desarmada. (STJ, AgRg no
RHC 150.709/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
21/09/2021, DJe 27/09/2021)

■ Chama-se de HOMICÍDIO PROCUSTIANO aquele praticado com emprego de traição, dissimulação


ou meio cruel.

2.3.2.5. PARA ASSEGURAR A EXECUÇÃO, A OCULTAÇÃO, A IMPUNIDADE OU VANTAGEM DE OUTRO CRIME


Qualificadora de natureza subjetiva, mais especificamente relacionada à motivação do agente.

▸▸Conexão teleológica: o homicídio é praticado para assegurar a execução de outro crime, sendo
desnecessário a efetividade em assegurar a execução do outro delito, bastando a intenção.

▸▸Conexão consequencial: o homicídio ocorre para assegurar a ocultação, a impunidade ou a


vantagem de um crime já praticado. 20

OBSERVAÇÕES

■ A qualificadora tem prevalência, mesmo que:

✓ O crime que seria assegurado pelo homicídio já consumado, não ocorra;

✓ Que o crime fim já esteja prescrito;

✓ Que o crime a ser assegurado seja um crime impossível;

20
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.39-41.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 25


■ Se o objetivo da prática do homicídio for assegurar a execução de contravenção penal, a
qualificadora deixa de existir, em razão da proibição de analogia em malam partem, podendo configurar a
qualificadora do motivo torpe ou fútil, a depender do caso concreto.

2.3.2.6. CONTRA A MULHER POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DE SEXO FEMININO - FEMINICÍDIO       


O feminicídio é o homicídio doloso cometido contra mulher por razões da condição do sexo
feminino. Portanto, não é qualquer homicídio contra mulher que se enquadra na hipótese de feminicídio.

Trata-se de uma qualificadora objetiva, segundo entendimento do STJ por questões de política
criminal, em razão da finalidade da norma:

1. Evidencia-se que a sedimentada orientação desta Corte é firme no sentido de que


não é cabível sustentação oral no julgamento de agravo regimental, em observância,
notadamente, aos arts. 159, IV, e 258, ambos do RISTJ. 2. Nos termos do art. 121, §
2º-A, II, do CP, é devida a incidência da qualificadora do feminicídio nos casos em que
o delito é praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar,
possuindo, portanto, natureza de ordem objetiva, o que dispensa a análise do
animus do agente. Assim, não há se falar em ocorrência de bis in idem no
reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio, porquanto, a
primeira tem natureza subjetiva e a segunda objetiva. (STJ - AgRg no HC 440945 / MG
2018/0059557-0, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO (1159), Data do Julgamento:
05/06/2018, Data da Publicação: 11/06/2018, T6 - SEXTA TURMA) (grifo nosso).

■ NÃO CONFUNDIR COM FEMICÍDIO

FEMINICÍDIO FEMICÍDIO

Homicídio doloso cometido contra mulher por Qualquer homicídio praticado contra mulher, mesmo
razões da condição do sexo feminino. que não seja por razões da condição do sexo

O crime envolve uma das seguintes situações: feminino.

- violência doméstica e familiar;

- menosprezo ou discriminação à condição de


mulher.

Na lição de Cleber Masson, "é importante destacar que feminicídio e femicídio não se confundem.
Ambos caracterizam homicídio, mas, enquanto aquele se baseia em razões da condição de sexo feminino,

CRIMES CONTRA A PESSOA - 26


este consiste em qualquer homicídio contra a mulher. Exemplificativamente, se uma mulher matar
outra mulher no contexto de uma briga de trânsito está configurado femicídio, mas não feminicídio"21

■ RAZÕES DE CONDIÇÃO DE SEXO FEMININO

O parágrafo segundo tem natureza de norma explicativa, pois apresenta a explicação dos conceitos
trazidos no inciso VI.

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime


envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Menosprezo, aqui, pode ser entendido no sentido de desprezo, sentimento de aversão, repulsa,
repugnância a uma pessoa do sexo feminino; discriminação tem o sentido de tratar de forma diferente,
distinguir pelo fato da condição de mulher da vítima.22

Ou seja, nem todo homicídio praticado contra mulher será feminicídio, o qual exige as situações
previstas nos incisos I e II.

Para que se entenda o conceito de violência doméstica, é preciso recorrer à lei 11.34/06 (Lei Maria da
Penha) em seu artigo 5º,:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão BASEADA NO GÊNERO que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - NO ÂMBITO DA UNIDADE DOMÉSTICA, compreendida como o espaço de


convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;

II - NO ÂMBITO DA FAMÍLIA, compreendida como a comunidade formada por


indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;

III - EM QUALQUER RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO, na qual o agressor conviva ou


tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de


orientação sexual.

21
MASSON, Cleber, Direito Penal Esquematizado, vol. 2, 8ª edição ed. rev. e ampl., São Paulo: Método, 2015, pág. 43
22
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Vol. 2.: Parte Especial. 17.ed. Impetus. 2020. p. 14.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 27


■ SUJEITO ATIVO: pode ser qualquer pessoa (crime comum).

■ SUJEITO PASSIVO: Obrigatoriamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa,
desde que do sexo feminino)23.

OBSERVAÇÕES

■ Mulher que mata sua companheira homoafetiva: pode haver feminicídio se o crime foi por
razões da condição de sexo feminino.

■ Homem que mata seu companheiro homoafetivo: não haverá feminicídio porque a vítima deve
ser do sexo feminino. Esse fato continua sendo, obviamente, homicídio.

■ No caso dos transexuais, a doutrina majoritária entende mulher como conceito legal e não
biológico, assim, se juridicamente a identificação da pessoa é como mulher (mudança no registro), ela é sujeito
passivo de tal crime. Para o STJ, compete ao Júri decidir:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DIREITO PENAL. TRIBUNAL


DO JÚRI. FEMINICÍDIO TENTADO. VÍTIMA TRANSEXUAL. PEDIDO DE EXCLUSÃO DA
QUALIFICADORA. TESE A SER APRECIADA PELO CONSELHO DE SENTENÇA. PRINCÍPIO
IN DUBIO PRO SOCIETATE. EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. IMPROCEDENTE. HABEAS
CORPUS NÃO CONHECIDO.

3. No caso, havendo indicativo de prova e concatenada demonstração de possível


ocorrência da qualificadora do feminicídio, o debate acerca da sua efetiva
aplicação ao caso concreto é tarefa que incumbirá aos jurados na vindoura
Sessão de Julgamento do Tribunal do Júri. (HC 541.237/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN
PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020)

■ O crime pode ser praticado contra a empregada doméstica, visto que se insere em ambiente
doméstico.

Súmula 600-STJ: Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no art.


5º da Lei 11.430/06, lei Maria da Penha, não se exige coabitação entre autor e
vítima.

2.3.2.6.1. CAUSA DE AUMENTO DE PENA NO FEMINICÍDIO

O art. 121, §7º, do CP prevê uma série de hipóteses que configuram causa de aumento de pena ao
crime de feminicídio, vejamos:

23
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Motivo torpe e feminicídio: inexistência de bis in idem. Buscador Dizer o Direito, Manaus.
Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/166cee72e93a992007a89b39eb29628b>.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 28


§ 7o A PENA DO FEMINICÍDIO é aumentada de 1/3 até 1/2 se o crime for
praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa maior de 60 anos, com deficiência ou com doenças


degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física
ou mental; (LEI 14344/22)
III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;

IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos


incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

ATENÇÃO

O artigo 24-A da lei Maria da Penha, prevê como crime autônomo o descumprimento de medida
protetiva. Entretanto, se para executar o crime de homicídio, o agente descumpra a medida protetiva, o autor
responde apenas pelo feminicídio com causa de aumento, é a posição defendida por Rogério Sanches.

O homicídio qualificado praticado na presença de descendente ou ascendente da vítima não exige


que se presencie todo o iter criminis. Nesse sentido:

Não se mostra necessário, para a incidência da causa de aumento de pena


prevista no inciso III do § 7º do art. 121 do CP (“na presença física ou virtual de
descendente ou de ascendente da vítima”), que os descendentes presenciem todo o
iter criminis. Tendo os filhos da vítima testemunhado parte do evento criminoso,
integra-se o suporte fático da majorante em causa, tornando obrigatório o incremento
da sanção penal. (STF, AgRg no RHC 189.088, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, j.
03.08.2021)

2.3.2.7. CONTRA AUTORIDADE OU AGENTE DESCRITO NOS ARTS. 142 E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
INTEGRANTES DO SISTEMA PRISIONAL E DA FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, NO EXERCÍCIO DA
FUNÇÃO OU EM DECORRÊNCIA DELA, OU CONTRA SEU CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE
CONSANGUÍNEO ATÉ TERCEIRO GRAU, EM RAZÃO DESSA CONDIÇÃO
São eles:

AUTORIDADE, AGENTE OU INTEGRANTE da(o) (s):

● Forças Armadas (Marinha, Exército ou Aeronáutica);

● Polícia Federal;

● Polícia Rodoviária Federal;

CRIMES CONTRA A PESSOA - 29


● Polícia Ferroviária Federal;

● Polícias Civis;

● Polícias Militares;

● Corpos de Bombeiros Militares;

● Guardas Municipais;

● Agentes de segurança viária;

● Sistema Prisional (agentes, diretores de presídio, carcereiro etc.);

● Força Nacional de Segurança Pública.

Apesar de divergente, a maior parte da doutrina entende que tal qualificadora possui caráter
subjetivo.

Segunda a doutrina dominante, não incide a qualificadora quando se tratar de filho adotivo, uma
vez que o dispositivo fala expressamente em “parente consanguíneo” e seria analogia in malam partem
abranger outras relações que não de parentesco consanguíneo.24

2.3.2.8. COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO OU PROIBIDO


Qualificadora introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13964/19)

2.3.2.9. HOMICÍDIO CONTRA MENOR DE 14 ANOS

Homicídio contra menor de 14 anos


IX - contra menor de 14 anos:

A Lei 14344/22, denominada “Lei Henry Borel”, acrescentou uma nova qualificadora ao crime de
homicídio, qual seja, homicídio contra menor de 14 anos.

Ademais, trouxe causas de aumento de pena específicas para tal crime, no §2°-B:

§ 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 anos é aumentada de:


I - 1/3 até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que
implique o aumento de sua vulnerabilidade;
II - 2/3 se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge,
companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.

24
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.53.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 30


Veja que antes, a pena do feminicídio era aumentada de 1/3 até metade quando o crime era praticado
contra menor de 14 anos, agora, temos 2 causas de aumento específicas para o homicídio praticado contra
vítima menor de 14 anos:

A pena será aumentada de 1/3 até metade se a vítima:

✓ É pessoa com deficiência

✓ ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade

Sofrerá aumento de 2/3 se o autor é:

✓ Ascendente

✓ Padrasto ou madrasta

✓ Tio

✓ Irmão

✓ Cônjuge, companheiro

✓ Tutor, curador, preceptor

✓ Empregador da vítima ou

✓ Por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.

2.4. HOMICÍDIO DOLOSO CIRCUNSTANCIADO

§ 4° Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 se o crime é praticado


contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos.

§ 6o A pena é aumentada de 1/3 até 1/2 se o crime for praticado por milícia
privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de
extermínio.

Crime praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos: a idade deve ser considerada ao
tempo do crime.

Praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por
grupo de extermínio: Nesse caso, temos um homicídio simples, com causa de aumento de pena, se for
praticado por milícia privada ou por grupo de extermínio. Não se trata de homicídio qualificado!

2.5. HOMICÍDIO CULPOSO - ART. 121, §3º

CRIMES CONTRA A PESSOA - 31


Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo:

Pena - detenção, de 1 a 3 anos.

2.5.1. TIPO ABERTO

Trata-se de um tipo aberto, pois há várias formas de se matar culposamente. A culpa constitui-se em
elemento normativo do tipo, uma vez que sua presença deve ser obtida por meio de um juízo de valor, no qual
o magistrado, colocando-se na posição de homem médio, constata se o resultado naturalístico produzido pelo
agente era ou não previsível a um ser humano dotado de inteligência e prudência medianas.25

Ocorre o homicídio culposo quando o agente realiza uma conduta voluntária, com violação do dever
objetivo de cuidado, por negligência, imprudência ou imperícia, produzindo o resultado morte involuntário,
mas objetivamente previsível.

2.5.2. MODALIDADES DE CULPA

Também chamada de culpa positiva (decorre de uma ação), é a precipitação,

IMPRUDÊNCIA afoiteza, agindo o agente sem os cuidados que o caso requer.26

Exemplo: dirigir em alta velocidade em dia chuvoso e pista molhada.

É a ausência de precaução. Diferentemente da imprudência, a negligência é

NEGLIGÊNCIA negativa (omissão).

Exemplo: Deixar arma de fogo carregada ao alcance de outras pessoas.

É a falta de aptidão para o exercício de arte, ofício ou profissão para a qual o


agente, em que pese autorizado a exercê-la, não possui conhecimentos

IMPERÍCIA teóricos e práticos para tanto.27

Exemplo: Cirurgião plástico que mata sua paciente por falta de habilidade para
realizar o procedimento cirúrgico.

2.5.3. CAUSA DE AUMENTO DE PENA

25
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.62.
26
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.
27
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.63.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 32


§ 4o No HOMICÍDIO CULPOSO, a pena é aumentada de 1/3, se o crime resulta de
inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente
deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as
consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo
DOLOSO o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 se o crime é praticado contra
pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos.

OBSERVAÇÕES

■ Há divergência tanto doutrinária quanto jurisprudencial em definir se a majorante da negligência


profissional configuraria bis in idem ao aumentar a pena, uma vez que a imperícia já integra a elementar do
crime culposo dentro da inobservância do dever objetivo de cuidado. Sobre o tema, vejamos o posicionamento
do STJ:

“Se a caracterização da culpa está lastreada na negligência (omissão no dever de


cuidado) e a aplicação da causa de aumento da inobservância de regra técnica se
assenta em outros fatos (prescrição de medicamento inadequado), inexiste o
alegado bis in idem na incidência da aludida majorante”. (REsp 1385814/MG, Rel.
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe
15/09/2016)

“A imputação da causa de aumento de pena por inobservância de regra técnica de


profissão, objeto do disposto no art 121, § 4º, do Código Penal, só é admissível
quando fundada na descrição de fato diverso daquele que constitui o núcleo da
ação culposa, o que não ocorreu na espécie.” (STJ, HC 143.172/RJ, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 05/02/2016)

■ Incidência da majorante e morte instantaneamente:

III - Incide a causa de aumento prevista no art. 121, § 4º do CP (omissão de socorro)


quando o agente possui condições de realizar a conduta exigida, sem que isso
comprometa a preservação de sua vida ou integridade física. (Precedentes desta
Corte).

IV - In casu, o comportamento imposto pela norma não pode ser afastado ao


argumento de que houve a morte instantânea da vítima, situação que, aliás, não
pode, via de regra, ser atestada pelo agente da conduta delitiva no momento da
ação. (Precedentes).

CRIMES CONTRA A PESSOA - 33


V - Ademais, a causa de aumento prevista na segunda parte do § 4º do art. 121 do CP
tem por fundamento a obrigação do agente intentar esforços para minimizar as
consequências de sua conduta culposa, realçando-se a ratio da norma, que é a
necessidade de observância da solidariedade nas relações sociais. (STJ, HC 269.038/RS,
Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/12/2014, DJe 19/12/2014)

"Irrelevante o fato de a vítima ter falecido imediatamente, tendo em vista que não
cabe ao condutor do veículo, no instante do acidente, supor que a gravidade das
lesões resultou na morte para deixar de prestar o devido socorro". (STJ, AgRg no Ag n.º
1.140.929/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ)

O Professor Márcio Cavalcante pontua que:

“o aumento imposto à pena decorre do total desinteresse pela sorte da vítima. O


fundamento da norma incriminadora do § 4º do art. 121 é resguardar o dever de
solidariedade humana que deve reger as relações na sociedade brasileira (art. 3º, I, da
CF/88). O que pretende a regra em destaque é realçar a importância da alteridade
(preocupação com o outro). Assim, o interesse pela integridade da vítima deve ser
demonstrado, a despeito da possibilidade de êxito, ou não, do socorro que possa
vir a ser prestado. Dessa forma, o dever imposto ao autor do homicídio de tentar
socorrer a vítima persiste, a não ser que seja evidente a morte instantânea,
perceptível por qualquer pessoa. Em outras palavras, havendo dúvida sobre a
ocorrência do óbito imediato, compete ao autor da conduta imprimir os esforços
necessários para minimizar as consequências do fato. Ao agressor, não cabe, no
momento do fato, presumir as condições físicas da vítima, medindo a gravidade das
lesões que causou e as consequências de sua conduta. Tal responsabilidade é do
especialista médico, autoridade científica e legalmente habilitada para, em tais
circunstâncias, estabelecer o momento e a causa da morte.28

Essa é também a lição de Cleber Masson:

“Não tem cabimento a causa de aumento de pena na hipótese de morte instantânea


incontestável. Contudo, se houver dúvida quanto à morte, a solidariedade impõe a
prestação de socorro, pois a majoração da pena se deve à moralidade da conduta do
agente, e não ao resultado naturalístico, inerente a todo e qualquer homicídio.” 29

28
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Morte instantânea da vítima nem sempre irá afastar a majorante do § 4º do art. 121 do CP.
Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/17326d10d511828f6b34fa6d751739e2>.
29
Direito Penal esquematizado. Vol. 2., São Paulo: Método, 2014, p. 200)

CRIMES CONTRA A PESSOA - 34


■ A doutrina discute a respeito da fuga para fugir de linchamento, prevalecendo o entendimento que
nessa ocasião não incidiria a causa de aumento por deixar de prestar imediato socorro.

■ Quanto às causas de aumento de pena no homicídio doloso, para sua incidência é necessário que o
agente conheça ou tenha a possibilidade de conhecer a idade da vítima.

■ “Não é possível utilizar a idade da vítima para aumentar a pena-base (primeira fase da
dosimetria da pena) e para fazer incidir a causa de aumento de pena do art. 121, § 4º, do CP. Se essa
circunstância (tenra idade da vítima) for utilidade em dois momentos diferentes da dosimetria da pena, o caso é
de bis in idem, o que é vedado pelo ordenamento jurídico”30.

■ Causa de aumento de pena por inobservância de regra técnica de profissão:

A imputação da causa de aumento de pena por inobservância de regra técnica de


profissão, objeto do disposto no art. 121, § 4º, do Código Penal, só é admissível
quando fundada na descrição de fato diverso daquele que constitui o núcleo da ação
culposa. (STF, HC 95.078, Rel. Min. Cesar Peluso, 1ª Turma, j. 15.05.2009)

■ Causa de aumento de pena e bis in idem:

A causa de aumento do art. 121, § 4º, do CP não pode incidir com base no mesmo
fato que ensejou a condenação pelo homicídio culposo, sob pena de ocorrência
do vedado bis in idem. (STJ, AgRg no AgRg no Ag em REsp 1.582.317, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornick, 5ª turma, j. 15.09.2020)

Não configura bis in idem, a incidência conjunta da causa de aumento da pena


definida pelo art. 121, § 4°, do Código Penal, relativa à inobservância de regra técnica
de profissão, arte ou ofício, no homicídio culposo cometido com imperícia médica.
(STJ, AgRg nos EDcl no Ag em REsp 1.686.212, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª
Turma, j. 23.06.2020)

2.6. PERDÃO JUDICIAL - ART. 121, §5º

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se

30
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A tenra idade da vítima é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de
homicídio pela valoração negativa das consequências do crime. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/96e07156db854ca7b00b5df21716b0c6>.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 35


as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que
a sanção penal se torne desnecessária.

O perdão judicial é instituto pelo qual o juiz, não obstante a prática de um fato típico e antijurídico por
um sujeito comprovadamente culpado, deixa de lhe aplicar o preceito sancionador cabível nas hipóteses
previstas na legislação.31

A natureza jurídica do perdão judicial é de CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, conforme


previsto no art. 107 do CP.

A sentença que aplica o instituto tem NATUREZA DECLARATÓRIA de extinção da punibilidade, não
sendo condenatória, conforme informa a Súmula 18 do STJ.

Súmula 18-STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção


da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.

Para o STJ, ainda, o perdão judicial é uma condição a ser aferida pelo julgador, não bastando o
sofrimento, necessitando de um laço afetivo prévio, seja de parentesco ou afetividade e, posteriormente,
causando sofrimento.

O perdão judicial é ato de clemência do Estado que afasta a punibilidade e o


efeitos condenatórios da sentença penal. Pressupõe o preenchimento de
determinados requisitos - grau de parentesco e insuportável abalo físico ou
emocional. O instituto deve ser aplicado com cautela, evitando-se a banalização,
diante do atual cenário de violência no trânsito, que tanto se tenta combater.” (STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 1339809/MT, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
23/02/2016.)32

O perdão judicial não pode ser concedido ao agente de homicídio culposo na direção
de veículo automotor (art. 302 do CTB) que, embora atingido moralmente de forma
grave pelas consequências do acidente, não tinha vínculo afetivo com a vítima nem
sofreu sequelas físicas gravíssimas e permanentes. (STJ. 6ª Turma. REsp 1455178-DF,
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/6/2014) (Info 542)33

31
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.
32
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Perdão judicial deve ser aplicado com cautela. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível
em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/4ffb0d2ba92f664c2281970110a2e071>. Acesso em:
05/12/2021
33
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Perdão judicial e homicídio culposo na direção de veículo automotor. Buscador Dizer o Direito,
Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/39e4973ba3321b80f37d9b55f63ed8b8>. Acesso em:
05/12/2021

CRIMES CONTRA A PESSOA - 36


ATENÇÃO

O perdão judicial não se confunde com o perdão do ofendido, o qual necessita de aceite e é oferecido
pela vítima.

3. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO OU A AUTOMUTILAÇÃO - ART. 122

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou


prestar-lhe auxílio material para que o faça:

Pena - reclusão, de 6 meses a 2 anos.

§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de


natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:

Pena - reclusão, de 1 a 3 anos.

§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:

Pena - reclusão, de 2 a 6 anos.

§ 3º A pena é duplicada:

I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de


resistência.

§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede


de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real.

§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo


ou de rede virtual.

§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de


natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 anos ou contra quem,
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código.

§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14


anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do
ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde
o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código

CRIMES CONTRA A PESSOA - 37


3.1. ASPECTOS INICIAIS

O tipo penal ora em comento foi reformulado com o advento da Lei nº 13.968/19, possuindo diversas
novidades que merecem atenção e cuidado.

Dentre muitas mudanças, uma das mais notáveis é a inclusão da participação em automutilação,
uma vez que antes da reforma só havia a previsão da participação em suicídio. Ademais, o crime deixou de ser
crime material e passou a ser crime formal, com isso, consuma-se mesmo que a vítima não consiga se suicidar
ou se automutilar.

NÃO CONFUNDA34

O agente faz surgir a ideia do suicídio ou da automutilação na vítima, sugerindo a


INDUZIMENTO
ela tais atos e a incentivando a realizá-los.

INSTIGAÇÃO Reforçar a intenção suicida ou de automutilação já presente na vítima.

AUXÍLIO ou Colaborar de alguma forma com o ato executório do suicídio ou da automutilação.


PARTICIPAÇÃO A vítima já está convicta de que quer se matar e o agente a ajuda a concretizar o
MATERIAL ato.

É possível, mas apenas nas hipóteses em que o agente tem o dever jurídico de
AUXÍLIO POR OMISSÃO
evitar o resultado (suicídio ou automutilação) e, intencionalmente, não o faz.

OBSERVAÇÕES

■ O tipo penal não pune o suicídio, a automutilação ou quem tenta tirar a própria vida (princípio da
alteridade), mas sim aquele, terceiro, que de alguma forma participa instigando, induzindo ou auxiliando
alguém a suprimir sua própria vida ou a mutilar-se.

■ Com as alterações legislativas, o crime deixou de exigir resultado naturalístico, para ser apenas
de perigo. Não há necessidade de ocorrer o suicídio ou automutilação, a simples instigação ou induzimento
(participação moral) já configura o delito, consequentemente não se admite a tentativa. Porém, caso haja
resultado morte ou mutilação, teremos uma figura qualificada.

3.2. SUJEITO ATIVO

Qualquer pessoa (crime comum).

3.3. SUJEITO PASSIVO

Qualquer pessoa que tenha um mínimo de capacidade de discernimento e resistência.

34
Gonçalves, Victor Eduardo Rios Direito penal : parte especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves. / coord. Pedro Lenza. – 11. ed. – São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. (Coleção Esquematizado®). p. 290.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 38


3.4. ELEMENTO SUBJETIVO

Dolo, direto ou eventual. O crime não admite modalidade culposa.

OBSERVAÇÕES

■ Para a doutrina majoritária, se a vítima for menor de 14 anos ou não tiver capacidade nenhuma de
resistência e o crime resultar em morte ou lesão, o autor responde por homicídio ou lesão corporal.

■ Para a incidência do delito, é necessário que a conduta seja dirigida a uma ou a várias pessoas
determinadas. Dessa maneira, se houver o induzimento genérico (a pessoas desconhecidas e
indeterminadas) não haverá o crime do art. 122. Exemplo clássico de induzimento genérico é a obra literária
que aborde o suicídio e que de alguma forma incentive sua prática.

■ Pacto de morte. No pacto de morte, se uma das pessoas morrer é preciso análise do caso concreto,
vejamos exemplo: Se A e B combinam de se matar por sufocamento com gás, B abre a válvula e morre, mas A
sobrevive responderá por auxílio ou instigação ao suicídio ou automutilação. Por sua vez, se A morrer e B
sobreviver, este responderá por homicídio, uma vez que praticou ato executório. Não seria auxílio material, pois
a conduta extrapola a mera ajuda, já que foi execução.

■ Roleta-russa em grupo. Por haver estimulação mútua para apertar o gatilho de uma arma voltada
contra o próprio corpo, os sobreviventes respondem pelo crime de participação em suicídio.

■ Se os atos executórios (instigação, induzimento ou auxílio) ocorrerem dentro do território nacional,


mesmo que a consumação ou tentativa do suicídio ou automutilação ocorra fora do país, o autor responderá
pelo crime do art. 122 do CP, pois os atos executórios se iniciaram no território nacional.

4. INFANTICÍDIO - ART. 123

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o
parto ou logo após:

Pena - detenção, de 2 a 6 anos.

4.1. ASPECTOS INICIAIS

O infanticídio é o homicídio praticado pela genitora contra o próprio filho, influenciada pelo
estado puerperal, durante ou logo após o parto. O delito é etiquetado pela doutrina como uma forma
especial (privilegiada) de homicídio, considerando os sintomas fisiopsicológicos da gestante.35

Tal crime já tem previsão no ordenamento brasileiro desde 1830, contudo adotava o critério
psicológico, pois descrevia o delito como uma prática para ocultar a desonra da mãe. O nosso código atual

35
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 39


adota o CRITÉRIO FISIOPSÍQUICO, pois considera as consequências do parto e da gravidez no corpo da mulher,
sejam elas hormonais ou psicológicas, seria o estado puerperal.

4.2. ELEMENTO SUBJETIVO

É o dolo, não há previsão de modalidade culposa para tal crime.

Atenção: Se a mãe em estado puerperal mata seu filho sem a intenção, não ocorre feminicídio, pois
não há previsão da modalidade culposa, neste caso incide o homicídio culposo, com a possibilidade do perdão
judicial.

4.3. SUJEITO ATIVO

Somente a mãe (parturiente), sob a influência do estado puerperal, pode ser sujeito ativo (crime
próprio).

4.4. SUJEITO PASSIVO

É o filho (crime próprio).

OBSERVAÇÕES

■ Caso a mãe, sob a influência do estado puerperal, logo após o parto, pensando ser seu filho (vítima
virtual), acaba, por engano, matando filho alheio (vítima real), pratica o crime de infanticídio (INFANTICÍDIO
PUTATIVO), aplicando-se a regra contida no art. 20, §3º, do CP:

Art. 20 (...)

Erro sobre a pessoa

§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena.
Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da
pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

■ Por ser um crime que exige uma qualidade especial tanto do sujeito ativo (mãe), quanto do sujeito
passivo (filho), é denominado pela doutrina de crime bipróprio.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 40


4.5. ESTADO PUERPERAL

É o conjunto de alterações físicas e psíquicas que ocorrem no organismo da mulher em razão do


fenômeno do parto. O tipo penal exige, para a configuração do infanticídio, que a mãe mate sob a influência do
puerpério, isto é, que as alterações ocorridas em seu organismo a tenham levado a um sentimento de rejeição
ao filho36.

Para a comprovação da pertubação psíquica, deve-se comprovar por meio de perícia. Vejamos o que
diz a Exposição de Motivos do CP:

O infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela


parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não
quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso
que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele, de
modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de autoinibição da parturiente.
Fora daí, não há por que distinguir entre infanticídio e homicídio

4.6. MOMENTO DO CRIME

Durante o parto (dilatação do colo do útero ou incisão das camadas abdominais), ou logo após.
Ademais, não basta que a mulher esteja em estado puerperal, é fundamental que se demonstre o nexo causal
entre esse estado e a conduta praticada, conforme a exposição de motivos do Código Penal.

● Durante o parto: dilatação do colo do útero e expulsão da placenta.

● Logo após: a doutrina majoritária entende que esse intervalo compreende todo o período do estado
puerperal, circunstância a ser analisada pelos peritos médicos no caso concreto

NÃO CONFUNDA

ESTADO PUERPERAL INIMPUTABILIDADE

diminui a capacidade de autodeterminação ausência total da capacidade

Há situações nas quais o estado puerperal poderá ocasionar outra e enfermidade (exemplo: depressão pós
parto) que possa ocasionar a inimputabilidade.

36
Gonçalves, Victor Eduardo Rios Direito penal : parte especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves. / coord. Pedro Lenza. – 11. ed. – São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. (Coleção Esquematizado®). p. 306..

CRIMES CONTRA A PESSOA - 41


4.7 CRIME PRÓPRIO OU DE MÃO-PRÓPRIA

Embora haja intensa discussão acerca da natureza do delito, prevalece que o infanticídio é crime
próprio, razão pela qual admite coautoria e participação.

Temos ainda outras duas correntes, minoritárias, a primeira, diz que o estado puerperal seria um
elementar personalíssima e portanto, o coautor ou partícipe responderiam por homicídio. A segunda, adora
um critério misto, pois se o terceiro ajuda a mãe em estado puerperal a matar o filho, seria infanticídio, já se
este executa a criança a pedido da mãe em estado puerperal, ele responderia por homicídio.

5. ABORTO (ART. 124 – 127)

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de 1 a 3 anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 3 a 10 anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 1 a 4 anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14


anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante
fraude, grave ameaça ou violência.

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de 1/3,
se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da


gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 42


5.1. ASPECTOS INICIAIS

O aborto é um crime contra a vida humana intrauterina e pode ocorrer a partir da nidação
(implantação no óvulo fecundado nas paredes do útero materno). Assim, se a gravidez for ectópica (nas
trompas de falópio), não há aborto.

Pouco importa se a gravidez é natural ou fruto de inseminação artificial, em ambos os casos haverá a
prática do crime se houver a interrupção intencional da gravidez, salvo os casos permitidos.

No julgado da ADI 3510, o Ministro Ayres Britto argumenta que a colocação do embrião in vitro, antes
da introdução no útero, não provoca nidação para o aborto, assim, é necessária nidação no útero para que
possa ocorrer o aborto.

IV - AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO. MATÉRIA


ESTRANHA À PRESENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. É constitucional a
proposição de que toda gestação humana principia com um embrião igualmente
humano, claro, mas nem todo embrião humano desencadeia uma gestação
igualmente humana, em se tratando de experimento "in vitro". Situação em que
deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos enquanto o ovócito
(óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino. O modo de
irromper em laboratório e permanecer confinado "in vitro" é, para o embrião,
insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento de
que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente
cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não, porém, ser
humano em estado de embrião. A Lei de Biossegurança não veicula autorização para
extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou
aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida de
interromper gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A "controvérsia
constitucional em exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto."
(Ministro Celso de Mello). (STF, ADI 3510)

5.2 ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE OU COM SEU CONSENTIMENTO (ART. 124)

O art. 124 traz duas formas de aborto criminoso: o autoaborto e o aborto praticado com o
consentimento da gestante.

Sujeito Ativo: a mulher grávida diretamente (crime de mão própria).

OBSERVAÇÃO

A doutrina diverge quanto ao crime ser próprio ou de mão própria.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 43


2ª CORRENTE (Cezar Roberto Bitencout e Cleber
1º CORRENTE (Rogério Sanches)37
Masson)38 - Majoritário

Trata-se de crime próprio, admitindo concurso de As duas condutas só podem ser praticadas
agentes na forma de coautoria. diretamente pela mulher grávida, tratando-se de
crime de mão própria, sendo possível a participação
de terceiros mas não a coautoria.

Sujeito Passivo: o produto da concepção (óvulo, embrião, feto).

OBSERVAÇÃO

Há quem defenda que o sujeito passivo seria somente o Estado, uma vez que o feto não seria titular
de direitos.

5.3. ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO, SEM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE (ART. 125)

A modalidade de aborto do art. 125 espelha a forma mais grave do crime, verificando -se quando o
aborto é provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante.

Sujeito Ativo: qualquer pessoa (crime comum)

Sujeito Passivo: gestante e feto.

OBSERVAÇÕES

■ O art. 125 é um crime de dupla subjetividade passiva, porque a gestante não consente com o
aborto, sendo assim vítima, juntamente com o feto.

■ Se o aborto for cometido em gestante que seja menor de 14 anos ou pessoa incapaz, considera-se
que não houve consentimento, respondendo o agente pelo crime do art. 125 do CP.

5.4. ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO, COM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE (ART. 126)

O tipo penal pune o terceiro que provoca o aborto com o consentimento da gestante.

Sujeito Ativo: qualquer pessoa (crime comum)

Sujeito Passivo: apenas o feto.

OBSERVAÇÃO

37
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.
38
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.87.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 44


■ Caso a gestante, durante a operação (mas, antes da interrupção da gravidez), optar por desistir da
prática do crime e o terceiro insistir e continuar com o procedimento, haverá a prática do crime previsto no art.
125 (aborto sem o consentimento da gestante).

■ Dissenso presumido: o art. 126, parágrafo único, desconsidera a vontade positiva da gestante
quando menor de 14 anos, alienada ou débil mental ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave
ameaça ou violência. Nesse caso, aplica-se ao terceiro provocador o art. 125, ficando a gestante isenta de
sanção penal.

5.5. ABORTO MAJORADO PELO RESULTADO (ART. 127)

O art. 127 traz causas de aumento de pena (e não forma qualificada). Pela simples leitura do
dispositivo legal, percebe-se que as causas de aumento somente se aplicam aos crimes definidos nos arts.
125 e 126, uma vez que o direito penal não pune a autolesão nem o ato de matar-se. Assim, não é aplicável
ao crime do art. 124.39

Em qualquer dos casos, está presente a figura do preterdolo.

Se o houver tentativa de aborto e lesão grave/morte da mulher, seria possível aplicar a causa de
diminuição do art. 14, II e causa de aumento do 127?

1ª CORRENTE 2ª CORRENTE

(Fernando Capez e Rogério Sanches) (Frederico Marques, Mirabete, Hungria e Pirangeli)

Se a gestante sofrer lesão ou óbito, o autor responde Se houve dolo de abortar, mas não aconteceu a
por aborto consumado e mais a causa de aumento consumação, apesar da lesão grave ou morte da
do art. 127 (seguindo o raciocínio da súmula 610 do gestante, o agente responde por tentativa, mais
STF sobre latrocínio), sendo crime preterdoloso. causa de aumento do art. 127.

5.6. ABORTO LEGAL (ART. 128)

🔸 Não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da
gestante: aborto necessário ou terapêutico.

🔴 Requisitos:
✓ Deve ser praticado por médico: caso outra pessoa sem habilitação profissional de médico
pratique o aborto nessa situação, apesar de o fato ser típico, estará o agente acobertado pela descriminante do
estado de necessidade.40

✓ Perigo de vida da gestante: não basta um perigo à saúde.

✓ Impossibilidade de outro meio para salvar a vida da gestante.

39
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.
40
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 45


🔸 Não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é
precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal: aborto
sentimental, humanitário ou ético.

Traz a situação de aborto no caso de gravidez resultante de estupro. O motivo de tal permissão legal
consiste em que nada justificaria impor-se à vítima do atentado sexual uma maternidade que talvez lhe fosse
odiosa e que sempre lhe lembraria o crime sofrido.41

🔴 Requisitos:
✓ Deve ser praticado por médico: se a interrupção se der pela gestante ou por outra pessoa que
não médico, o fato será típico e ilícito. Porém, é de se reconhecer a incidência de uma dirimente, fundada na
inexigibilidade de conduta diversa (causa supralegal de exclusão da culpabilidade).42

✓ Gravidez resultante de estupro; e

✓ Prévio consentimento da gestante ou de seu representante legal.

OBSERVAÇÕES

■ Para a doutrina majoritária, o art. 128 traz duas causas especiais de exclusão da ilicitude.43

■ A hipótese de aborto permitido em razão do risco de vida da gestante é uma escolha do legislador,
sendo assim, mesmo que a gestante escolha salvar o filho e morrer, o médico não pode permitir tal escolha.
Ademais, como a vida é um bem indisponível, não é exigível o consentimento da gestante, podendo o médico
fazer o procedimento mesmo sem o consentimento daquela. Para a doutrina majoritária, trata-se de um estado
de necessidade na parte especial do código.

■ Ambas as hipóteses de aborto permitido, previstas no art. 128, não exigem autorização judicial.

■ Aborto De Feto Anencefálico: O STF entendeu que é permitido, sendo conduta atípica. Vejamos:

“É inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto


anencéfalo seria conduta tipificada nos arts. 124, 126 e 128, I e II, do CP. A interrupção
da gravidez de feto anencéfalo é atípica.” (STF. Plenário. ADPF 54/DF, rel. Min. Marco
Aurélio, 11 e 12.4.2012.)

■ Interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação: A 1ª Turma do STF, no julgamento


do HC 124306, mencionou a possibilidade de se admitir a interrupção da gravidez no primeiro trimestre da
gestação provocado pela própria gestante (art. 124) ou com o seu consentimento (art. 126), sem que tal conduta
fosse considerada crime.

41
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.
42
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.99.
43
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.97.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 46


“A interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação provocada pela própria
gestante (art. 124) ou com o seu consentimento (art. 126) não é crime. É preciso
conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 124 a 126 do Código Penal –
que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a
interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização,
nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio
da proporcionalidade. (STF. 1ª Turma. HC 124306/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red.
p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/11/2016) (Info 849).44

6. DAS LESÕES CORPORAIS - ART. 129, CP

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem (leve):

Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano.

Lesão corporal de natureza grave

§ 1º Se resulta (grave):

I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2° Se resulta (gravíssima):

I - Incapacidade permanente para o trabalho;

II - enfermidade incurável;

III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V - aborto:

Pena - reclusão, de 2 a 8 anos.

Lesão corporal seguida de morte

§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o


resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo (crime preterdoloso):

Pena - reclusão, de 4 a 12 anos.

Diminuição de pena

44
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação. Buscador Dizer o Direito, Manaus.
Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/db9e6eef2eb4f0d8c55ecc7beaf2d78d>. Acesso
em: 05/12/2021

CRIMES CONTRA A PESSOA - 47


§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 a 1/3.

Substituição da pena

§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção
pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:

I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior (lesão corporal


privilegiada)

II - se as lesões são recíprocas.

Lesão corporal culposa

§ 6° Se a lesão é culposa:

Pena - detenção, de 2 meses a 1 ano.

Aumento de pena

§ 7o Aumenta-se a pena de 1/3 se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do


art. 121 deste Código.

§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121 – perdão judicial

Violência Doméstica

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou


companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda,
prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 meses a 3 anos.

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo (lesão grave, gravíssima e
seguida de morte), se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo
(violência doméstica), aumenta-se a pena em 1/3.

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo (violência doméstica), a pena será aumentada


de 1/3 se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e
144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de
Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu
cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3° grau, em razão dessa
condição, a pena é aumentada de 1/3 a 2/3.

§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo
feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código (Considera-se que há razões
de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e
familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher): (LEI 14188/21)

CRIMES CONTRA A PESSOA - 48


Pena - reclusão, de 1 a 4 anos (LEI 14188/21)

6.1. LESÃO CORAL LEVE - Art. 129, caput

▸ Abrangência do tipo: dano físico, psíquico, fisiológico.

OBSERVAÇÃO

A pluralidade de lesões praticadas no mesmo contexto fático, configura um crime único. O número de
lesões será considerado como circunstâncias desfavoráveis na fixação da pena base. (art. 59).

▸ Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum).

▸ Sujeito passivo: o homem (ser humano) vivo.

▸ Elemento subjetivo: dolo ou culpa.

▸ Lesão por omissão: É possível responder, desde que o omitente tenha o dever jurídico de evitar a
lesão, isto é, seja garantidor

▸ Autolesão: A autolesão não é crime, por aplicação do princípio da alteridade.

OBSERVAÇÕES

■ Se a autolesão é para fraudar seguro, é crime de estelionato (art. 171, §2º, do CP).

■ Vias de fato: Não se pode confundir o crime de lesão corporal com a contravenção penal de vias de
fato (art. 21 LCP), vez que nesta não existe (e sequer é a intenção do agente) qualquer dano à incolumidade
física da vítima (exemplo: mero empurrão).45

■ Eritema e dor (vermelhidão): Se não acompanhados de ferimentos não configuram o crime de lesão
corporal, já a equimose e hematomas são considerados.46

■ Intervenção médica: Tradicionalmente as cirurgias médicas são classificadas como exercício regular
do direito, principalmente quando se trata de risco de vida e impossibilidade de demonstração do
consentimento do paciente. Logo, não configuram o crime estudado.

■ Lesão em atividades esportivas: Nos esportes em que ferimentos decorrem naturalmente de sua
prática, como boxe, judô, karatê e demais artes marciais, não há crime em razão da exclusão da ilicitude pelo
exercício regular do direito.47

■ Corte de cabelo: Pode configurar crime de injúria real se a intenção é humilhar a vítima. Ou lesão
corporal de acordo com parte da doutrina, porque o cabelo integra o corpo.

45
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.
46
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.108.
47
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.112.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 49


■Consentimento do ofendido (causa excludente de ilicitude criada doutrinariamente/supralegal):
Ocorre nas pequenas lesões autorizadas. Ex. furar orelha.

■ Princípio da insignificância: Para a doutrina e jurisprudência é possível aplicar na lesão corporal


culposa e na lesão dolosa leve.

▸ Modalidade tentada: É possível, inclusive tentativa de lesão corporal grave ou gravíssima.

OBSERVAÇÃO

Não é possível tentativa de lesão corporal culposa e preterdolosa, porque tais crimes não admitem
tentativa.

Para os fins de caracterização do caput do art. 129 do CP, é possível que se configure o crime de lesão
corporal mesmo que a vítima sofra “apenas” um dano “mental”?48

SIM. Conforme lição de Nelson Hungria, o crime de lesão corporal consiste “em qualquer dano
ocasionado por alguém, sem animus necandi, à integridade física ou a saúde (fisiológica ou mental) de outrem”.
Assim, também pratica o referido delito aquele que causa lesão à saúde mental de outrem. Ainda conforme
Nelson Hungria, “mesmo a desintegração da saúde mental é lesão corporal, pois a inteligência, a vontade ou a
memória dizem com a atividade funcional do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo. Não se
concebe uma perturbação mental sem um dano à saúde, e é inconcebível um dano à saúde sem um mal
corpóreo ou uma alteração do corpo”. (Comentários ao código penal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 5;
fls. 337-340).

6.2. LESÃO CORPORAL GRAVE - Art. 129, §1º

O parágrafo primeiro traz LESÕES QUALIFICADAS PELO RESULTADO.

🔸 Incapacidade para ocupações habituais por mais de 30 dias


➽ O termo “ocupações habituais” não significa trabalho, e sim tudo que a pessoa faz com
habitualidade, desde que lícita. Sendo assim, pessoas que não trabalham podem ser vítimas de tal crime.

➽ A incapacidade deve ser por mais de 30 dias, ou seja, a partir de 31 dias.

➽ O crime se prova através de exame de corpo de delito complementar, conforme estabelece o art.
168 do CPP. Porém, a falta de exame pericial pode ser suprida por prova testemunhal, caso tenham
desaparecidos os vestígios.

48
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A qualificadora prevista no art. 129, § 2º, IV, do Código Penal (deformidade permanente) abrange somente lesões
corporais que resultam em danos físicos. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/4aee31b0ec9f7bb7885473d95961e9a6>. Acesso em: 08/06/2022

CRIMES CONTRA A PESSOA - 50


1. "Na apuração do delito tipificado no artigo 129, § 1º, inciso I, do Código Penal, em
regra, haverá necessidade de exame complementar para efeitos de configuração
da qualificadora, nos termos do art. 168, § 2º, do Código de Processo Penal (GRECO,
Rogério. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 274). Diz-se 'em
regra' porque, emanando das provas coletadas que as lesões sofridas pelo
ofendido ensejaram sua incapacidade para as ocupações habituais por mais de
30 (trinta) dias, fica suprida a exigência do exame pericial complementar" (AgRg
no AREsp 145.181/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA,
julgado em 20/06/2013, DJe 28/06/2013).

3. Se os exames realizados foram suficientes para se averiguar o grau das lesões


sofridas pelo ofendido, ensejando sua incapacidade para as ocupações habituais
por mais de 30 (trinta) dias, desnecessária a realização do exame pericial
complementar, nos termos da legislação de regência e da jurisprudência desta Corte.
(STJ, HC 495.722/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 30/05/2019,
DJe 11/06/2019)

A ‘incapacidade permanente' é a deformidade física decorrente de lesões corporais


graves, que não desaparecem nem se modificam para melhor com as medidas
terapêuticas comuns, habituais e aceitas pela ciência da época" (REsp 876.102/DF,
Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22.11.2011, DJe
01.02.2012).

A ausência do laudo pericial não impede que a materialidade do delito de lesão


corporal de natureza grave seja reconhecida por outros meios, como
testemunhas e relatórios de atendimento hospitalar.

STF. 2ª Turma. HC 114567/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/10/2012 (Info
684).

🔸 Se resultar perigo de vida


➽ O perigo de vida deve ser real, sério, concreto, comprovado por perícia, não bastando uma
mera presunção ou conjecturas.

➽ Só admite o preterdolo (dolo na conduta e culpa no resultado), pois se a vontade for de matar,
deve o agente responder por tentativa de homicídio.

🔸 Debilidade permanente de membro, sentido ou função

CRIMES CONTRA A PESSOA - 51


➽ Debilidade é a diminuição ou o enfraquecimento da capacidade funcional, devendo ser duradoura
e de recuperação incerta, porém, não se exige perpetuidade.49

OBSERVAÇÕES

■ A recuperação de membro, sentido ou função por meio cirúrgico ou ortopédico não acarreta a
exclusão da qualificadora.

■ Se houver perda total do membro, sentido ou função o crime passa a ser lesão corporal gravíssima
(129, §2º, III).

■ Em caso de órgãos duplos, a perda de um só é debilidade permanente. No caso de dentes e


dedos, a lesão pode ser grave ou gravíssima, a depender do laudo

1. A amputação parcial da falange do 3º quirodácito direito configura debilidade


permanente a caracterizar o crime de lesão corporal de natureza grave (art. 129,
§1º, III, do CP) e não gravíssima (art. 129, §2º, III e IV, do CP).

2. Como bem leciona Guilherme de Souza Nucci, os membros do corpo humano são
os braços, as mãos, as pernas e os pés. Os dedos são apenas partes dos membros, de
modo que a perda de um dos dedos constitui-se em debilidade permanente da
mão ou do pé. (in Código Penal Comentado, 19ª edição, pág. 797).(STJ, AgRg no AREsp
1895015/TO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado
em 17/08/2021, DJe 20/08/2021)

A lesão corporal que provoca na vítima a perda de dois dentes tem natureza grave
(art. 129, § 1º, III, do CP), e não gravíssima (art. 129, § 2º, IV, do CP). A perda de dois
dentes pode até gerar uma debilidade permanente (§ 1º, III), ou seja, uma dificuldade
maior da mastigação, mas não configura deformidade permanente (§ 2º, IV). STJ. 6ª
Turma. REsp 1620158-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/9/2016 (Info
590).

🔸 Aceleração de parto
➽ Ocorre quando, em decorrência da lesão, o feto é expulso, com vida, antes do tempo normal (parto
prematuro).

➽ É imprescindível que o agente saiba (ou pudesse saber), em razão das circunstâncias de fato, estar
a ofendida grávida.50

ATENÇÃO

49
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.117-118.
50
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 52


■ Todas as qualificadoras contidas no §1º são de natureza objetiva, logo se comunicam aos coautores
e partícipes, desde que ingressem no dolo deles.

■ É possível o reconhecimento do crime de lesão corporal grave por outros meios

A ausência do laudo pericial não impede seja reconhecida a materialidade do delito de


lesão corporal de natureza grave por outros meios. (STF, HC 114.567, Rel. Min. Gilmar
Mendes, 2ª Turma, j. 16.10.2012)

6.3. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA - Art. 129, §2º)

Os casos de lesão gravíssima são, em regra, irreparáveis ou de maior permanência.

🔸 Incapacidade permanente para o trabalho


➽ A incapacidade não precisa ser eterna e irreversível, bastando que seja longa e duradoura, ou
seja, que não permita fixar seu limite temporal.51

➽ A incapacidade deve ser para o trabalho e não para qualquer ocupação habitual.

➽ A doutrina entende que esta qualificadora só se aplica se a vítima ficar incapacitada para qualquer
trabalho e não apenas para o trabalho que ela exercia ao tempo da agressão. Em outras palavras, a
incapacidade para o trabalho deve ser genérica.

Comprovada por meio de laudo pericial a debilidade permanente da vítima da


audição no ouvido esquerdo e a limitação do sentido da audição do ouvido
direito a partir de determinada frequência (3.000 khz), com a consequente
impossibilidade do retorno às atividades laborativas, é de rigor a manutenção da
capitulação do delito como lesão corporal gravíssima. (AgRg no HC 533.834/MG, Rel.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe
02/12/2019)

🔸 Enfermidade incurável
➽ Enfermidade incurável é aquela que não tem previsão de cura na medicina atual, ainda que
posteriormente seja descoberta a cura.

➽ Deve ser comprovada mediante exame pericial.

➽ A doutrina também considera incurável a enfermidade se o restabelecimento da saúde depender


de procedimentos cirúrgicos complexos ou tratamentos incertos.

51
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.119.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 53


O crime de lesão corporal grave estrita de debilidade permanente é postfactum
impunível do crime mais grave de lesão corporal gravíssima, por enfermidade
incurável, sendo irrelevante a conclusão das instâncias ordinárias acerca da
autonomia de desígnios para produzir ambos os resultados, porquanto um é mero
exaurimento do outro. Nesse passo, inviável a condenação pelo crime de lesão
corporal grave estrito, ressalvando-se, contudo, que, para efetivar a devida
individualização da pena, de rigor a valoração negativa da pena-base pelas
consequências danosas à vítima, decorrente da diminuição da capacidade visual
causada pela ptose palpebral. (STJ, HC 325.961/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS,
QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 24/08/2016)

🔸 Perda de membro / sentido / função


➽ Não se trata de debilidade (lesão grave), mas da perda, ou seja, inutilização do membro, sentido
ou função, tornando-os inoperantes.

OBSERVAÇÕES

■ A lesão que acarreta impotência sexual na vítima configura lesão gravíssima.

■ Em se tratando de órgãos duplos (ex. rins), a lesão para ser qualificada como gravíssima deve atingir
ambos.

🔸 Deformidade permanente
➽ A deformidade permanente consiste no dano estético, aparente e considerável, sendo capaz de
provocar constrangimento a quem possui e em quem ver.

➽ A deformidade precisa ser permanente, mas não eterna e irreversível. Ex. Uma queimadura na face
que deixe cicatriz e que seja possível reparar com tratamentos estéticos.

Na jurisprudência, A deformidade permanente apta a caracterizar a qualificadora


no inciso IV do § 2º do art. 129 do Código Penal, segundo parte da doutrina, precisa
representar lesão estética de certa monta, capaz de produzir desgosto,
desconforto a quem vê ou humilhação ao portador, não sendo qualquer dano
estético ou físico. Embora se entenda que a deformidade não perde o caráter de
permanente quando pode ser dissimulado por meios artificiais, ela precisa ser
relevante.(REsp 1220094/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em
22/02/2011, DJe 09/03/2011).

A qualificadora “deformidade permanente” do crime de lesão corporal (art. 129, § 2º,


IV, do CP) não é afastada por posterior cirurgia estética reparadora que elimine

CRIMES CONTRA A PESSOA - 54


ou minimize a deformidade na vítima. Isso porque, o fato criminoso é valorado no
momento de sua consumação, não o afetando providências posteriores, notadamente
quando não usuais (pelo risco ou pelo custo, como cirurgia plástica ou de tratamentos
prolongados, dolorosos ou geradores do risco de vida) e promovidas a critério
exclusivo da vítima. STJ. 6ª Turma. HC 306677-RJ, Rel. Min. Ericson Maranho
(Desembargador convocado do TJ-SP), Rel. para acórdão Min. Nefi Cordeiro, julgado
em 19/5/2015 (Info 562).

➽ A “alteração permanente da personalidade” pode ser considerada como uma “deformidade


permanente”?52 Não. Quando o art. 129, § 2º, IV, do CP fala em “deformidade permanente” ele está se referindo
a lesões estéticas de grande monta, capazes de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador. Logo, o art.
129, § 2º, IV, do CP abrange apenas lesões corporais que resultam em danos físicos.

Pratica o tipo penal fundamental da lesão corporal aquele que ofende a integridade
corporal ou a saúde física ou mental de outrem. Contudo, conforme entendimento
firmado por ambas as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior de
Justiça, a qualificadora prevista no art. 129, § 2º, inciso IV, do Código Penal
(deformidade permanente), deve representar lesão estética de certa monta, capaz de
causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador, abrangendo, portanto, somente
as condutas que resultam em lesão física. No caso, a vítima, após o evento danoso,
fora acometida de transtorno de estresse pós-traumático e alteração
permanente da personalidade, circunstância que não se enquadra no inciso IV
do § 2.o do art. 129 do Código Penal. (STJ, HC 689.921, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ª
Turma, j. 08.03.2022)

🔸 Aborto
➽ Pune-se a título de dolo a lesão e a título de culpa o abortamento, logo, trata-se de crime
necessariamente preterdoloso.

➽ Se o dolo é provocar o aborto e, a título de culpa, a mulher sofre lesão grave, estaremos diante do
crime de aborto qualificado pela lesão gravíssima.

6.4. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE - Art. 129, §3º

A doutrina o chama de homicídio preterdoloso ou preterintencional. Nesse caso, o agente quer


apenas ofender a integridade corporal ou a saúde da vítima, mas acaba matando-a. Falta o animus necandi.

Trata-se de crime necessariamente preterdoloso. Em razão disso, é incompatível com a tentativa.

52
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A qualificadora prevista no art. 129, § 2º, IV, do Código Penal (deformidade permanente) abrange somente lesões
corporais que resultam em danos físicos. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/4aee31b0ec9f7bb7885473d95961e9a6>. Acesso em: 08/06/2022

CRIMES CONTRA A PESSOA - 55


É de competência do juiz singular e não do Tribunal do Júri.

NÃO CONFUNDA53

Se o agente agiu com... Praticou qual crime:

Homicídio doloso
Dolo no antecedente Ex: ao desferir os golpes, o agente queria não apenas que a vítima
+ fosse lesionada, mas também que morresse.

Dolo direto no resultado agravador Caso este resultado aconteça, ou seja, a vítima morra, o agente
responderá por homicídio.

Homicídio doloso

Ex: ao desferir os golpes, o agente queria diretamente que a vítima


fosse apenas lesionada.
Dolo no antecedente
O agente previu que, com os golpes, a vítima poderia cair e bater a
+
cabeça, vindo inclusive a falecer em decorrência da queda, mas
Dolo eventual no resultado
mesmo assim assumiu o risco deste resultado acontecer (demonstrou
agravador
indiferença ao bem jurídico vida).

Caso este resultado aconteça, ou seja, a vítima morra, o agente


responderá por homicídio.

Lesão corporal seguida de morte

Ex: ao desferir os golpes, o agente queria apenas que a vítima fosse


lesionada (não queria o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo).
Dolo no antecedente Pode ser culpa inconsciente: o agente não previu (embora fosse
+ previsível) que, com os golpes, a vítima poderia cair e bater a cabeça,

Culpa no resultado agravador vindo inclusive a falecer em decorrência da queda.

Pode ser culpa consciente: o agente previu o resultado, mas acreditou


sinceramente que não iria acontecer.

Crime preterdoloso.

Lesão corporal simples


Dolo no antecedente
Ex: ao desferir os golpes, o agente queria apenas que a vítima fosse
+
lesionada (não queria o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo).
Sem culpa no resultado agravador

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Lesão corporal qualificada pelo resultado morte e nexo de causalidade. Buscador Dizer o
53

Direito, Manaus. Disponível em:


<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/8e2cfdc275761edc592f73a076197c33>

CRIMES CONTRA A PESSOA - 56


O resultado que aconteceu não era previsível ao agente, ou seja, ele
não poderia prever que acertando os golpes ocasionaria a morte da
vítima.

A morte aconteceu não pelo simples fato de terem sido desferidos os


golpes ou por ter a vítima caído, mas principalmente em decorrência
de uma debilidade de saúde da vítima, que era desconhecida até
então.

ATENÇÃO

Se o agente comete vias de fato (ato agressivo sem intenção de lesionar) e disso decorre a morte da
vítima — o agente responde apenas por homicídio culposo54.

6.5. DIMINUIÇÃO DA PENA - Art. 129, §4º

Chamado pela doutrina de LESÃO CORPORAL PRIVILEGIADA, cujas considerações foram feitas na
parte referente a homicídio.

Victor Eduardo Rios Gonçalves ressalta que a sua incidência, se presentes os requisitos legais, é direito
subjetivo do réu.

Para a aplicação do art. 129, § 4º, do Código Penal (lesão corporal privilegiada), é
necessário que o agente cometa o delito sob o domínio de violenta emoção logo em
seguida à injusta provocação da vítima. (STJ, AgRg no HC 559.005/SP, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/04/2020, DJe 20/04/2020)

6.6. LESÃO CORPORAL CULPOSA - Art. 129, §6º

Diferencia-se do Homicídio culposo apenas em razão do resultado e respectiva pena.

Não há distinção quanto à gravidade das lesões, como na modalidade dolosa.

É pública condicionada à representação (art. 88 da 9.099/95). Mas, o STF, na ADI 4424, decidiu que,
nos casos de lesão culposa decorrentes de violência doméstica ou familiar contra a mulher, a ação é pública
incondicionad54.

Lesão corporal culposa no trânsito: configura crime mais grave (art. 303 do CTB)

O STJ considera, nos casos de lesão corporal culposa no trânsito, a possibilidade de


comprovação da materialidade por outros meios idôneos, tais como prontuários
médicos de atendimento, conforme a hipótese dos autos. (STJ, AgRg no AREsp

54
Direito Penal: Parte Especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves ; coord. Pedro Lenza. – 12. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Esquematizado®)

CRIMES CONTRA A PESSOA - 57


1719304/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
26/10/2021, DJe 04/11/2021)

6.7. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - Art. 129, §9°

Crime de lesão corporal dolosa leve qualificada pela violência doméstica.

Não se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo, portanto, inaplicáveis os


institutos da Lei n. 9.099/95.

Não cabe acordo de não persecução penal em crime que envolva violência doméstica ou familiar
contra mulher (art. 28-A, §2°, IV, CPP).

Não confundir com a lei 11.430/06, pois o §9° tem aplicação abrangente, não se resumindo à
mulher. Contudo, os institutos peculiares da Lei Maria da Penha só se aplicam quando a vítima for mulher.

A qualificadora prevista no § 9º do art. 129 do CP aplica-se também às lesões


corporais cometidas contra HOMEM no âmbito das relações domésticas. STJ. 5ª
Turma. RHC 27622-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/8/2012.

Em casos de lesão grave, gravíssima e seguida de morte no contexto de violência doméstica (§9°),
aumenta-se a pena em 1/3.

Quando cometido contra pessoa com deficiência (física e mental) no contexto de violência doméstica
(§9°), aumenta-se a pena em 1/3.

Ação Penal: no crime de lesão leve qualificado pela violência doméstica ou familiar contra mulher a
ação penal é pública incondicionada.

Súmula 542-STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de


violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.

6.8. LESÕES CORPORAIS CONTRA POLICIAIS OU INTEGRANTES DAS FORÇAS ARMADAS OU SEUS
FAMILIARES - Art. 129, §12

Para que seja aplicada essa causa de aumento é preciso que a vítima seja agredida no exercício da
função policial ou em razão desta.

Se a lesão for gravíssima ou seguida de morte é CRIME HEDIONDO.

6.9. LESÕES CORPORAIS CONTRA MULHER, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO - Art. 129, §13

Condição especial da vítima juntamente com uma motivação específica do agente. Há necessidade,
portanto, que a vítima seja mulher, não se encaixando em tal hipótese o homem.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 58


Assim como o feminicídio, o crime precisa ser praticado por razões do sexo feminino.

Qualificadora consistente em menosprezar ou discriminar a condição de mulher. Trata-se, pois, da


lesão corporal misógina, que é o sentimento negativo em relação ao sexo feminino, que leva o agente a
um comportamento hostil e discriminatório, a ponto de agredir simplesmente pelo desprezo à condição de
mulher55.

Não se exige, para a incidência desta qualificadora, a situação de violência doméstica ou


familiar, podendo o crime ser cometido até contra uma mulher que o agente nem conhecia. Dessa forma,
presente a situação de violência doméstica e familiar, o §13 do art. 129 do CP se configura, na primeira
modalidade, quaisquer que sejam as razões da condição do sexo feminino. Em contrapartida, ausente a
situação de violência doméstica e familiar, o §13 do art. 129 do CP, para ser aplicado, em sua segunda
modalidade, exige que as razões de gênero do sexo feminino consistam na misoginia, que é o fim de
menosprezar ou discriminar a condição de mulher48.

7. ABANDONO DE INCAPAZ - ART. 133, CP

Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos
resultantes do abandono:

Pena - detenção, de 6 meses a 3 anos.

§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 1 a 5 anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de 4 a 12 anos.

Aumento de pena

§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de 1/3:

I - se o abandono ocorre em lugar ermo;

II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador


da vítima.

III – se a vítima é maior de 60 anos

7.1. ASPECTOS INICIAIS

O legislador buscou proteger a vida e a integridade físico-psíquica da vítima, pessoa incapaz de


sozinha se proteger.

Abandonar significa deixar ao desamparo, pouco importando se o abandono é temporário ou


permanente.

55
https://cursofmb.com.br/2021/08/10/lesao-corporal-praticada-contra-mulher-por-razoes-da-condicao-do-sexo-feminino/

CRIMES CONTRA A PESSOA - 59


É uma infração de médio potencial ofensivo, cabendo suspensão condicional do processo (art. 89 da
Lei nº 9.099/95). Permite também o ANPP (art. 28-A do CPP).

7.2. SUJEITO ATIVO

Deve ter a vítima sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade (crime próprio).

7.3. SUJEITO PASSIVO

A pessoa assistida (crime próprio).

7.4. ELEMENTO SUBJETIVO

O crime exige o dolo de expor a vítima a perigo por meio do abandono. Caso o dolo seja de dano,
como na situação que o agente abandona um idoso para que venha a morrer, haverá alteração da capitulação
legal do delito (homicídio consumado ou tentado).

Tanto o §1º quanto o §2º trazem qualificadoras, sendo que em todas elas estamos diante de um crime
preterdoloso, ou seja, dolo quanto ao abandono, culpa quanto ao consequente, uma vez que o agente não
tinha a intenção de causar a morte ou a lesão grave. Por sua vez, o §3º traz hipóteses de causas de aumento de
pena, tratando-se de um rol taxativo e que não admitindo a analogia in malam partem.

8. EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO - ART. 134

Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - detenção, de um a três anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

8.1. ASPECTOS INICIAIS

O motivo do abandono (ocultar desonra própria) faz com que o crime seja tratado como uma forma
privilegiada do crime previsto no Art. 133 (abandono de incapaz).56

56
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.162.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 60


8.2. SUJEITO ATIVO

Somente a mãe ou o pai (crime próprio).

8.3. SUJEITO PASSIVO

Somente o recém-nascido (crime próprio).

8.4. ELEMENTO SUBJETIVO

Exige-se o dolo específico de ocultar desonra própria. Para a consumação, é desnecessário que a
mulher consiga efetivamente ocultar a desonra própria.

Tanto o §1º quanto o §2º trazem qualificadoras, sendo que em todas elas estamos diante de um crime
preterdoloso, ou seja, dolo quanto ao abandono para ocultar a desonra, culpa quanto ao consequente, uma vez
que o agente não tinha a intenção de causar a morte ou a lesão grave.

9. OMISSÃO DE SOCORRO - ART. 135, CP

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,
à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo
ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da
autoridade pública:

Pena - detenção, de 1 a 6 meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade (1/2), se da omissão resulta lesão


corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

9.1. ASPECTOS INICIAIS

O fundamento para a tipificação da conduta está amparado no dever de solidariedade social, um


princípio moral erigido à condição de dever jurídico.

9.2.TIPO OBJETIVO

● Falta de assistência imediata: o agente pode prestar o socorro pessoalmente à pessoa que
dele necessita, e não o faz. só se configura, nos termos da lei, quando a prestação do socorro não põe em risco
a vida ou a incolumidade física da pessoa, que, em verdade, não precisa realizar atos heroicos, que podem ter
como consequência a própria morte. Se a prestação de socorro implicar produção de risco à terceira pessoa, a
omissão não constituirá crime57.

57
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 61


● Falta de assistência mediata: o agente, não podendo prestar o socorro pessoalmente, deixa
de solicitar auxílio às autoridades públicas quando havia meios para tanto.

9.3. SUJEITO ATIVO

Qualquer pessoa (crime comum).

9.4. SUJEITO PASSIVO

A criança abandonada ou extraviada, o inválido ou ferido desamparado, ou aquele que se achar em


grave e iminente perigo.

A omissão de socorro dispensa a existência de vínculo especial entre os sujeitos ativo e passivo,
diferentemente do que ocorrer nos crimes dos arts. 133 e 134.

9.5. ELEMENTO SUBJETIVO

Dolo.

9.6.TENTATIVA

Não é possível, na medida em que se trata de crime omissivo puro (próprio).

9.7. CAUSA DE AUMENTO DE PENA

O parágrafo único traz uma causa de aumento de pena quando da omissão resulta lesão corporal ou
morte.

Se a morte do periclitante for inevitável, o agente não responderá de forma majorada pela omissão,
uma vez que a atuação do omitente não evitaria o resultado.

10. RIXA - AR. 137, CP

Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores:

Pena - detenção, de 15 dias a 2 meses, ou multa.

Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se,


pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos
(resquício de responsabilidade objetiva no Direito Penal)

CRIMES CONTRA A PESSOA - 62


10.1. ASPECTOS INICIAIS

Rixa é um crime plurissubjetivo ou de concurso necessário onde três ou mais pessoas brigam
entre si com condutas contrapostas.

Exige ações materiais que causem perigo ou ofendam a integridade física, ações morais como
palavrões não configuram a rixa.

10.2.OBJETO JURÍDICO

Em que pese o crime atente contra a ordem social e a paz pública, o bem jurídico tutelado é a
incolumidade física e mental da pessoa humana.58

10.3. SUJEITO ATIVO

Qualquer pessoa (crime comum).

10.4. SUJEITO PASSIVO

Qualquer pessoa.

ATENÇÃO

O crime de rixa possui um aspecto sui generis, pois cada participante é ao mesmo tempo sujeito ativo
e passivo do crime. É ainda classificado como crime de condutas contrapostas, pois os rixosos atuam uns contra
os outros.59

10.5. ELEMENTO SUBJETIVO

Dolo (de perigo). Por ser crime de perigo, não é necessário que qualquer dos rixosos sofra lesões corporais.

10.6. SURGIMENTO DA RIXA60

PREORDENADA OU “EX PROPOSITO” os rixosos planejam o encontro

DE IMPROVISO OU “EX IMPROVISO” surge sem previsão, de forma súbita, sem ordenação das condutas
pelos participantes.

58
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.
59
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 10. ed. Método. 2020. p.191.
CAPEZ, 2005, p. 219/220
60

CRIMES CONTRA A PESSOA - 63


10.7. TENTATIVA

A doutrina diverge quanto à possibilidade da tentativa no crime de rixa, para Nelson Hungria, se a rixa
fosse inesperada (não planejada), como numa confusão repentina, não caberia tentativa. Já, se houvesse
premeditação, haveria a possibilidade se assim não se consumasse por razões alheias à vontade dos agentes.

OBSERVAÇÃO

Tal tipo admite a forma omissiva imprópria e comissiva.

10.8. RIXA QUALIFICADA

Também chamada de rixa complexa.

Mesmo que o envolvido na rixa só apanhe, se houver morte ou lesão grave responderá pela rixa
qualificada. Portanto, é um dos resquícios de responsabilidade penal objetiva no nosso código penal. Assim, se
for possível identificar quem realizou a conduta gravosa que causou a lesão corporal ou a morte, este
responderá por rixa mais lesão grave ou homicídio na forma do concurso material de crimes.

Caso a morte ou lesão grave ocorrer antes da entrada do rixoso, este não responderá pela rixa
qualificada pois não deu causa ao resultado.

10.8.1.TEORIAS DA RIXA QUALIFICADA61

Todos responderiam pela ocorrência de lesão grave e ou homicídio,


TEORIA DA SOLIDARIEDADE
independente do autor ser ou não identificado, respondendo todos os
ABSOLUTA
rixosos igualmente.

Penalizaria todos igualmente somente no caso de não identificação do


autor responsável pela gravidade da rixa, desse modo todos os
TEORIA DA CUMPLICIDADE
contendores seriam penalizados pela lesão corporal e ou homicídio,
CORRESPECTIVA
porém essa pena seria uma pena mais branda, fixada entre aquele que se
aplicaria ao autor e ao partícipe.

Desvincula o crime de rixa da lesão corporal e do homicídio, sendo punida


por si mesmo e caso haja tais resultados ditos acima somente o
TEORIA DA AUTONOMIA
qualificaria, respondendo só o autor pela lesão grave ou morte, caso
identificado.

Adotado pelo CP.

61
https://jus.com.br/artigos/56403/crime-de-rixa-e-a-responsabilidade-penal-do-agente

CRIMES CONTRA A PESSOA - 64


10.9. SITUAÇÕES ESPECIAIS

Inimputável pode participar de rixa? É possível computar a participação de inimputáveis envolvidos


para fins de configuração do crime de rixa, sendo necessária o envolvimento de ao menos uma pessoa
imputável, sob pretexto de configuração de fato atípico. Caso a inimputabilidade seja pela menoridade, os
menores responderão pelo Estatuto da Criança e do adolescente, não respondendo portanto, por crime de rixa,
o que não ocorre com o maior.

Autores não identificados: Se for identificado apenas um indivíduo envolvido, mas se sabe que
houve rixa, ele poderá ser punido.

Vias de fato e lesão: Quem se envolve na rixa e pratica lesão, responde por lesão e pelas vias de fato
porventura praticadas no contexto. Contudo, quanto à pessoa que pratica apenas via de fato, há debate na
doutrina quanto à sansão a ser aplicada.

Rixa e legítima defesa: Quem entra para separar, não responde conforme expressa previsão no
artigo. Já se alguém entra para defender um terceiro que está sendo agredido, se enquadra em legítima defesa.

Contudo, se alguém participante da rixa age de forma a impedir algum rixoso de agir com força
desproporcional (com uma arma, por exemplo) e vem a mata-lo, ele agiu com legítima defesa, entretanto
responderá pela rixa qualificada por ser responsabilidade penal objetiva.

11. CRIMES CONTRA A HONRA

11.1. CALÚNIA - ART. 138, CP

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou


divulga.

§ 2º - É PUNÍVEL a calúnia contra os mortos.

Exceção da verdade

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi
condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo


estrangeiro;

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por
sentença irrecorrível.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 65


11.1.1 ASPECTOS INICIAIS

O crime de calúnia tutela a honra objetiva, isto é, o bom nome, a reputação das pessoas perante o
grupo social. Em poucas palavras, honra objetiva é o que os outros pensam a respeito dos atributos morais de
alguém.62

Na calúnia, o agente atribui a prática de um fato criminoso a outrem, ou seja, narra que alguém
teria cometido um crime. Como a calúnia dirige-se à honra objetiva, é necessário que essa narrativa seja
feita a terceiros e não ao próprio ofendido. Dessa maneira, a título de exemplo, não basta que o agente
chame alguém de ladrão, corrupto ou assassino, pois é necessário imputar um fato específico que configure
crime.

11.1.2. FORMAS DE CALÚNIA63

🔸 Inequívoca ou explícita: Ocorre quando a ofensa é feita às claras, sem deixar qualquer margem
de dúvida em torno da intenção de ofender.

🔸 Equívoca ou implícita: Quando a ofensa é velada, sub-reptícia. O agente dá a entender que


alguém teria feito alguma coisa.

🔸 Reflexa: Quando o agente quer caluniar uma pessoa, mas, na narrativa do fato, acaba também
atribuindo crime a uma outra. Em relação a esta última, a calúnia é reflexa.

11.1.3. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO

A honra é um bem jurídico disponível, por essa razão o consentimento do ofendido exclui a ilicitude
do fato (causa supralegal de exclusão de ilicitude).

11.1.4. REQUISITOS

✓ Imputação de fato concreto definido como crime: logo, se o infrator acusa a vítima de ter
cometido uma contravenção penal ou fato atípico comete DIFAMAÇÃO.

✓ Falsidade da imputação: a imputação tem que ser falsa, se for verdadeira não há crime. A
falsidade pode se referir tanto aos fatos quanto à autoria.

11.1.5. ELEMENTO SUBJETIVO

Trata-se do dolo de ofender a honra objetiva da vítima, é o que se chama de animus injuriandi vel diffamandi.64

62
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.
63
Direito Penal: Parte Especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves ; coord. Pedro Lenza. – 12. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção
Esquematizado®)
64
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 66


OBSERVAÇÕES

■ A doutrina majoritária admite a figura do dolo eventual quando o agente está em dúvida quanto a
veracidade dos fatos ou da autoria e mesmo assim resolver falar, comprovando-se posteriormente que a
imputação era falsa.

■ Exige-se seriedade na conduta, pois, se a narrativa é feita por brincadeira (jocandi animu), o fato é
atípico por falta de dolo.

11.1.6.SUJEITO ATIVO

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum).

11.1.7. SUJEITO PASSIVO

Pode ser qualquer pessoa, inclusive a que não tem capacidade de discernir a ofensa, pois o crime
atinge a honra objetiva da vítima perante terceiros, pouco importando se a mesma se sentiu ofendida.

OBSERVAÇÕES

■ Em relação aos mortos, existe previsão expressa no art. 138, § 2º, do Código Penal, no sentido de
que é punível a calúnia contra os mortos. Ressalta-se, todavia, que o sujeito passivo, em tal caso, não é o
falecido, que não mais é titular de direitos, mas sim os familiares, interessados na manutenção do bom nome
do morto.

2. Por se tratar de crime de calúnia contra pessoa morta (art. 138, § 2.º, do Código
Penal), os Querelantes - mãe, pai, irmã e companheira em união estável da vítima
falecida - são partes legítimas para ajuizar a ação penal privada, nos termos do
art. 24, § 1.º, do Código de Processo Penal ("§ 1.º No caso de morte do ofendido ou
quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao
cônjuge, ascendente, descendente ou irmão").

3. A companheira, em união estável reconhecida, goza do mesmo status de


cônjuge para o processo penal, podendo figurar como legítima representante da
falecida. Vale ressaltar que a interpretação extensiva da norma processual penal tem
autorização expressa no art. 3.º do CPP ("A lei processual penal admitirá interpretação
extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de
direito"). (STJ, APn 912/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em
07/08/2019, DJe 22/08/2019)

■ Em regra, pessoas jurídicas não podem cometer fato definido como crime, não podem também
ser sujeito passivo da calúnia. Excepcionalmente, é possível caluniar uma pessoa jurídica imputando-lhe

CRIMES CONTRA A PESSOA - 67


falsamente um fato definido como crime contra o meio ambiente. Como pontuado por Greco, nas demais
hipóteses, ou seja, fora da Lei Ambiental, o fato deverá ser considerado crime de difamação, em face da
impossibilidade de as demais infrações penais serem praticadas pelas pessoas morais.65

O STF entende que pessoa jurídica somente pode ser sujeito passivo do crime de difamação.

A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes de injúria e calúnia,
sujeitando-se apenas à imputação de difamação. (STF, Pet-AgR 2.491, Rel. Min.
Maurício Corrêa, 1ª Turma, j. 14.06.2002)

2. A difamação, semelhante ao que ocorre em caso da calúnia, consiste em imputar a


alguém fato determinado e concreto ofensivo a sua reputação. 3. Os fatos imputados
ao Querelado não se subsumem ao tipo penal de difamação, mas ao de injúria e
calúnia, uma vez que não há a imputação de fato preciso, concreto e determinado. 4.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a prática dos crimes de injúria e calúnia
somente é possível quando a vítima é pessoa física. 5. O Querelante é pessoa
jurídica, razão pela qual a conduta é atípica, não havendo justa causa para a
instauração da ação penal. 6. Queixa-crime rejeitada.

(Pet 8481, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 30/11/2020,


PROCESSO ELETRÔNICO DJe-026 DIVULG 10-02-2021 PUBLIC 11-02-2021)

11.1.8. MEIOS DE EXECUÇÃO

Pode ser cometida de forma verbal, por escrito, por gestos ou por qualquer outro meio simbólico.

11.1.9. CONSUMAÇÃO

Como a calúnia é crime formal, o delito pressupõe que o agente queira afetar o bom nome da vítima
(honra objetiva), mas se consuma quando a imputação chega ao conhecimento de terceiro, ainda que a
reputação da vítima não seja efetivamente abalada.

11.1.10. TENTATIVA

É possível tentativa de calúnia na forma escrita, porém, não é possível tentativa na forma oral.66

● Na forma oral o crime é unissubsistente, esgotando-se a conduta em um único ato.

● Na forma escrita o crime é plurisubsistente.

65
https://jus.com.br/artigos/22390/pessoa-juridica-como-sujeito-passivo-nos-crimes-contra-a-honra
66
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. Juspodivm. 2020.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 68


11.1.11. EXCEÇÃO DA VERDADE - ART. 138, §3º

🔸 Em regra, admite exceção da verdade.


🔸 Excepcionalmente, não se admite nos seguintes casos:
▸ se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença
irrecorrível;

▸ se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

▸ se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

O crime de calúnia pressupõe que a imputação seja falsa. Se ela for verdadeira, o fato é atípico. A
falsidade da imputação é presumida, sendo, entretanto, uma presunção relativa, uma vez que a lei permite que
o acusado (ofensor) se proponha a provar, no mesmo processo, por meio de exceção da verdade, que sua
imputação é verdadeira.67

OBSERVAÇÃO

■ A exceção da verdade é um verdadeiro procedimento incidental, usado como meio de defesa,


que deve ser apresentada no prazo da defesa prévia (se o procedimento tramitar no Jecrim, nas hipóteses em
que a pena máxima da calúnia não supere dois anos), ou da resposta escrita (se a tramitação se der no juízo
comum por estar presente alguma causa de aumento que retire a competência do Juizado Especial).68

2. A exceção da verdade é meio processual de defesa, é instituto de defesa


indireta do réu, podendo ser apresentada nos processos em que se apuram
crimes de calúnia e de difamação, quando praticado em detrimento de
funcionário público no exercício de suas funções. Tem-se entendido que referido
instituto defensivo deve ser apresentado na primeira oportunidade em que a
defesa se manifestar nos autos. 3. No entanto, o rito dos processos que tramitam
em tribunais superiores prevê a apresentação de defesa preliminar antes mesmo do
recebimento da denúncia, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme dispõe o art. 4º da
Lei n. 8.038/1990. Prevê, ademais, após o recebimento da denúncia, o prazo de 5
(cinco) dias para a defesa prévia, contado do interrogatório ou da intimação do
defensor dativo, nos termos do art. 8º da referida Lei. Um exame superficial poderia
levar a crer que a primeira oportunidade para a defesa se manifestar nos autos, de
fato, é no prazo de 15 (quinze) dias, antes mesmo do recebimento da denúncia.
Contudo, sem o recebimento da inicial acusatória, nem ao menos é possível
processar a exceção da verdade, que tramita simultaneamente com a ação
penal, devendo ser resolvida antes da sentença de mérito. Outrossim, diante da
natureza jurídica do instituto, que é verdadeira ação declaratória incidental, tem-se
como pressuposto lógico a prévia instauração da ação penal. Assim, conclui-se que

67
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.
68
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 69


o prazo para apresentação da exceção da verdade, independentemente do rito
procedimental adotado, deve ser o primeiro momento para a defesa se manifestar
nos autos, após o efetivo início da ação penal, o que de fato ocorreu no presente
caso.

4. O ordenamento jurídico não dispõe sobre a possibilidade de sustentação oral


em exceção da verdade, não havendo previsão nesse sentido no Regimento Interno
do TJMG nem do STF, que pode ser aplicado subsidiariamente. Ademais, a própria Lei
n. 8.038/1990, cujo rito está sendo observado no caso dos autos, faculta a sustentação
oral apenas na deliberação acerca do recebimento da denúncia (art. 6º, § 1º, da Lei n.
8.038/1990) e no julgamento do mérito da ação (art. 12 da Lei n. 8.038/1990).
Dessarte, tem-se que não é franqueada a utilização da sustentação oral para questão
processual incidental. (STJ, HC 202548 / MG)

■ Exceção de notoriedade do fato69: o querelado, nos crimes de calúnia e difamação, visa


demonstrar que apenas falou coisas que já eram de domínio público, de modo que sua fala não atingiu a honra
da vítima, pois o assunto já era, anteriormente, de conhecimento geral.

■ Calúnia X Denunciação Caluniosa 65

CALÚNIA DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

1) Intenção de atingir a honra (crime contra a honra 1) Intenção de prejudicar a vítima perante as
objetiva); autoridades (crime contra a administração da justiça);

2) Imputação falsa de crime; 2) Imputação falsa de crime ou contravenção;

3) Ação penal privada. 3) Ação penal pública incondicionada.

11.2. DIFAMAÇÃO - ART. 139, CP

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.

Exceção da verdade

Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é


funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

69
Direito Penal: Parte Especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves ; coord. Pedro Lenza. – 12. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção
Esquematizado®)

CRIMES CONTRA A PESSOA - 70


11.2.1 ASPECTOS INICIAIS

Assim como o crime de calúnia, o crime de difamação tutela a honra objetiva, isto é, o bom nome, a
reputação da pessoa perante o grupo social.

Difamar significa causar má fama, arranhar o conceito de que a vítima goza perante seus pares, abalar
sua reputação.

11.2.2. REQUISITOS

✓ Imputação de fato determinado que não seja definido como crime: ou seja, imputação de
contravenção ou fato atípico que cause desonra no meio social é difamação.

✓ Desnecessidade de falsidade da imputação: não se exige que a imputação seja falsa, podendo,
portanto, ser verdadeira. Em outras palavras, a lei tenciona que cada um tome conta da própria vida e evite
fazer comentários desairosos sobre a vida alheia, pois, ainda que verdadeiros, constituirão crime de difamação.
70

11.2.3. ELEMENTO SUBJETIVO

Dolo direto ou eventual. É necessário dolo de afetar negativamente a honra alheia (animus diffamandi).

11.2.4. SUJEITO ATIVO

Qualquer pessoa.

11.2.5. SUJEITO PASSIVO

Qualquer pessoa ainda que não tenha condições de entender a ofensa, pois o objeto tutelado é a
reputação social da vítima.

OBSERVAÇÃO

A difamação contra mortos não é descrita como crime no código penal, mas tão apenas a calúnia.

11.2.6. MEIOS DE EXECUÇÃO

Pode ser cometida de forma verbal, por escrito, por gestos ou por qualquer outro meio simbólico.

11.2.7. CONSUMAÇÃO

Ocorre no momento em que a acusação chega ao conhecimento de terceira pessoa, pouco


importando se, de fato, ocorreu a desonra (crime formal).

70
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 71


11.2.8. TENTATIVA

A tentativa só é possível na forma escrita.

11.2.9. EXCEÇÃO DA VERDADE - ART. 139, PARÁGRAFO ÚNICO

Como na difamação a veracidade da imputação não afasta a tipicidade, evidente que, em tal infração
penal, a exceção da verdade é incabível, pois não geraria qualquer efeito prático. Entretanto, de forma
excepcional o art. 139, parágrafo único, do CP, prevê a possibilidade de exceção da verdade se o fato é
imputado a funcionário público e diz respeito ao exercício de suas funções.

11.2.10. CALÚNIA X DIFAMAÇÃO60

CALÚNIA DIFAMAÇÃO

1) O fato imputado deve ser definido como crime. 1) O fato imputado deve ser desonroso,

2) A imputação deve ser falsa. mas nunca definido como crime.

3) É punível contra os mortos. 2) Não é necessário que a imputação seja falsa.

4) Admite, em regra, a exceção da verdade. 3) Não é possível contra os mortos.

5) Possui subtipo. 4) Não admite, em regra, a exceção da verdade.

5) Não possui subtipo.

11.3. INJÚRIA - ART. 140, CP

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de 1 a 6 meses, ou multa.

§ 1º - O juiz pode DEIXAR DE APLICAR A PENA:

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º – INJÚRIA REAL: Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua
natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa, além da pena correspondente à


violência.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,


religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de 1 a 3 anos e multa.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 72


11.3.1. OBJETIVIDADE JURÍDICA

Protege a honra subjetiva da vítima, ou seja, o sentimento que cada um tem acerca de seus próprios
atributos físicos, morais ou intelectuais. É um crime que afeta a autoestima da vítima, seu amor-próprio.
Atribuição de qualidade negativa a outrem.71

11.3.2. REQUISITOS

Xingamentos ou acusações genéricas sem a individualização de fato específico.

11.3.3. ELEMENTO SUBJETIVO

Só cabe dolo direto, não se fala em dolo eventual;

11.3.4. SUJEITO ATIVO

Qualquer pessoa (crime comum).

11.3.5. SUJEITO PASSIVO

É qualquer pessoa que tenha capacidade mental de discernir a ofensa.

OBSERVAÇÕES

■ Injúria contra os mortos não é crime.

■ Pessoa jurídica não pode ser vítima de injúria por não ter honra subjetiva.

2. A pessoa jurídica, por não ser uma pessoa natural, não possui honra subjetiva,
estando, portanto, imune às violências a esse aspecto de sua personalidade, não
podendo ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio e
autoestima (REsp 1.573.594/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
10/11/2016, DJe 14/11/2016). Preliminar acolhida em relação às expressões dirigidas à
pessoa jurídica. 3. Expressões utilizadas de caráter genérico, sem se referir
objetivamente a nenhum fato concreto, tornam impossível a adequação típica
dos delitos de difamação e injúria majoradas. Preliminar que se confunde com o
mérito. Atipicidade da conduta com consequente absolvição sumária. (STJ, APn
969/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/03/2021, DJe
17/03/2021)

71
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 73


■ Injúria contra funcionário público: Segundo Victor Gonçalves, “o crime de injúria contra
funcionário público, referente ao desempenho de suas funções, excepcionalmente, só pode ser cometido na
ausência da vítima. É que a ofensa irrogada em sua presença constitui crime mais grave, previsto no art. 331 do
Código Penal, chamado desacato.”

11.3.6. CONSUMAÇÃO

A injúria só se consuma quando a ofensa chega ao conhecimento da própria vítima.

OBSERVAÇÕES

■ A ofensa não precisa ser explícita, pode ser implícita, desde que as pessoas entendam a ofensa.

■ Injúria contra funcionário público, referente ao desempenho de suas funções: só pode ser
cometido na ausência da vítima, pois se for em sua presença, comete crime de desacato (art. 331, CP).

11.3.7. TENTATIVA

A tentativa só é possível na forma escrita. Na forma verbal, o crime é unissubjetivo e não admite
tentativa.

11.3.8. EXCEÇÃO DA VERDADE

Não cabe exceção da verdade no crime de injúria.

11.4. PERDÃO JUDICIAL - ART. 140, §1º


O perdão judicial é causa extintiva da punibilidade. A finalidade do dispositivo é permitir a isenção
de pena quando o juiz perceber que um xingamento foi proferido em momento de irritação decorrente de
provocação da vítima, que fez com que o agente perdesse momentaneamente o controle emocional.

Retorsão significa revide, isto é, trata-se de hipótese em que uma pessoa ofende outra imediatamente
após ter sido ofendida por esta. Ambas praticaram crimes de injúria. O fato de alguém ter feito xingamento
não torna lícito o revide. O juiz, porém, pode conceder o perdão a ambos.72

11.5. INJÚRIA REAL - ART. 140, §2º

A injúria real é figura qualificada do crime de injúria, em que o agente ofende a vítima por meio
de uma agressão física (violência ou vias de fato).

Para a configuração da injúria real, é preciso que a agressão perpetrada seja considerada aviltante
(humilhante).

72
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 74


OBSERVAÇÃO

Se da violência empregada para ofender resultarem lesões corporais, ainda que leves, o agente
responderá pelos dois crimes.

11.6. INJÚRIA PRECONCEITUOSA OU RACIAL - 140, §3º


O crime de injúria, como todos os demais crimes contra a honra, pressupõe que a ofensa seja
endereçada a pessoa determinada ou, ao menos, a um grupo determinado de indivíduos. Já o crime de racismo,
por meio de manifestação de opinião, estará presente quando o agente se referir de forma preconceituosa
indistintamente a todos os integrantes de certa raça, cor, religião etc.73

A qualificadora da injúria, no que diz respeito a pessoas idosas (com mais de 60 anos) ou deficientes,
só se configura quando a ofensa for referente a essa condição pessoal da vítima.

1. A Lei nº 9.459/97 acrescentou o § 3º ao artigo 140 do Código Penal, dispondo sobre


o tipo qualificado de injúria, que tem como escopo a proteção do indivíduo contra a
exposição a ofensas ou humilhações, pois não seria possível acolher a liberdade
que fira direito alheio, mormente a honra subjetiva.

2. O legislador ordinário atentou para a necessidade de assegurar a prevalência dos


princípios da igualdade, da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas
para, considerados os limites da liberdade de expressão, coibir qualquer
manifestação preconceituosa e discriminatória que atinja valores da sociedade
brasileira, como o da harmonia inter-racial, com repúdio ao discurso de ódio.

3. O writ veicula a arguição de inconstitucionalidade do § 3º do artigo 140 do Código


Penal, que disciplina o crime de injúria qualificada, sob o argumento de que a sanção
penal nele prevista – pena de um a três anos de reclusão – afronta o princípio da
proporcionalidade, assentando-se a sugestão de ser estabelecida para o tipo sanção
penal não superior a um ano de reclusão, considerando-se a distinção entre injúria
qualificada e a prática de racismo a que se refere o artigo 5º, inciso XLII, da
Constituição Federal.

3.1 – O impetrante alega inconstitucional a criminalização da conduta, porém sem


demonstrar a inadequação ou a excessiva proibição do direito de liberdade de
expressão e manifestação de pensamento em face da garantia de proteção à honra e
de repulsa à prática de atos discriminatórios.

4. A pretensão de ser alterada por meio de provimento desta Corte a sanção penal
prevista em lei para o tipo de injúria qualificada implicaria a formação de uma terceira
lei, o que, via de regra, é vedado ao Judiciário. Precedentes: RE nº 196.590/AL, relator
Ministro Moreira Alves, DJ de 14.11.96; ADI 1822/DF, relator Ministro Moreira Alves, DJ
de 10.12.99; AI (Agr) 360.461/MG, relator Ministro Celso de Mello, DJe de 06.12.2005;

73
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 11. Ed. Saraiva. 2021.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 75


RE (Agr) 493.234/RS, relator Ricardo Lewandowski, julgado em 27 de novembro de
2007. (STF, HC 109676, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 11/06/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 13-08-2013 PUBLIC 14-08-2013)

ATENÇÃO

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm entendido que, assim como o
racismo, a injúria racial é imprescritível e inafiançável, uma vez que seria espécie do gênero racismo.74

1. Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, com o advento da Lei n.


9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário
do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão
(AgRg no AREsp n. 686.965/DF, Ministro Ericson Maranho (Desembargador Convocado
do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 18/8/2015, DJe 31/8/2015) - (AgRg no AREsp n.
734.236/DF, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 8/3/2018).

O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua


caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição
constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito
de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial. 3. A simples distinção topológica entre os
crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o
condão de fazer deste uma conduta delituosa diversa do racismo, até porque o
rol previsto na legislação extravagante não é exaustivo. 4. Por ser espécie do
gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. (STF, HC 154248, Relator(a):
EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 28/10/2021, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-036 DIVULG 22-02-2022 PUBLIC 23-02-2022)

NÃO CONFUNDA75:

INJÚRIA RACIAL
RACISMO
(art. 140, § 3º do CP)
(art. 20 da Lei 7.716/89)
-alguns autores chamam de racismo impróprio-

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
ou o decoro: preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.

AgRg no AREsp 734.236/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em 27-2-2018, DJe 8-3-2018.
74

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O crime de injúria racial, espécie do gênero racismo, é imprescritível. Buscador Dizer o Direito,
75

Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/212ab20dbdf4191cbcdcf015511783f4>

CRIMES CONTRA A PESSOA - 76


§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos Pena: reclusão de um a três anos e multa.
referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a
condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa.

O agente ofende, insulta, ou seja, xinga alguém O agente pratica algum ato discriminatório que faz
utilizando elementos relacionados com a sua raça, com que a vítima fique privada de algum direito
cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa em virtude de sua raça, cor, etnia, religião ou
idosa ou portadora de deficiência. procedência nacional. Há um ato de segregação.

A ofensa é praticada contra uma pessoa Também pode ser caracterizado mediante uma
determinada ou um grupo determinado de ofensa verbal (sem um ato de segregação), desde
indivíduos (exs: cinco amigos negros, árabes etc.). que a ofensa seja dirigida a todos os integrantes
de certa raça, cor, etnia, religião etc.

A intenção do agente é atacar a honra subjetiva de A intenção é segregar a pessoa ou um grupo de


uma pessoa ou de um grupo determinado de pessoas, pessoas por conta de um dos elementos já
utilizando os elementos já mencionados. mencionados.

Ex: “seu macaco”. Ex: nesta festa não pode entrar negros.

Ex: “vocês 5 são um bando de terroristas”. Ex: todos os judeus são ladrões.

O agente visa a atingir uma pessoa determinada ou O agente visa a atingir um número indeterminado
determinável. de pessoas (todos que compõem aquela
coletividade).

O bem jurídico tutelado é a honra subjetiva. O bem jurídico tutelado é a igualdade.

Trata-se de crime de ação penal pública Trata-se de crime de ação penal pública
condicionada à representação da vítima (art. 145, incondicionada.
parágrafo único, do CP).

O racismo, previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/89, é um crime imprescritível?72

SIM. Nunca houve dúvidas quanto a isso, aplicando-se a ele o art. 5º, XLII, da CF/88: Art. 5º (...)XLII - a
prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

O crime de injúria racial, previsto no art. 140, § 3º do CP, também é crime imprescritível? A injúria
racial pode ser enquadrada também no art. 5º, XLII, da CF/88? 72

SIM. A prática de injuria racial, prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, traz em seu bojo o emprego
de elementos associados aos que se definem como raça, cor, etnia, religião ou origem para se ofender ou
insultar alguém. Em ambos os casos, há o emprego de elementos discriminatórios baseados na raça para a

CRIMES CONTRA A PESSOA - 77


violação, o ataque, a supressão de direitos fundamentais do ofendido. Sendo assim, não se pode excluir o crime
de injúria racial do mandado constitucional de criminalização previsto no art. 5º, XLII, restringir-lhe
indevidamente a aplicabilidade. STF. Plenário. HC 154248/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/10/2021
(Info 1036). No mesmo sentido, já era o entendimento do STJ: AgRg no REsp 1849696/SP, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, julgado em 16/06/2020.

11.7. DISPOSIÇÕES COMUNS

Disposições comuns

Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de 1/3, se qualquer dos
crimes é cometido:

I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;

II - contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os


Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo
Tribunal Federal; (LEI 14197/2021)

III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da


calúnia, da difamação ou da injúria.

IV - contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 anos ou pessoa com


deficiência, exceto na hipótese prevista no § 3º do art. 140 deste Código (INJÚRIA
RACIAL). (LEI 14344/22)
§1° Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se
a pena em dobro.

§2°, Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais


da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena (LEI 13964/19)

Prevalece o entendimento de que os crimes contra a honra são crimes formais. O crime existe ainda
que não se consuma o resultado naturalístico da desonra.

Concurso de crimes

🔸 1ª Corrente: prevalece o crime mais grave;


🔸 2ª Corrente: há concurso entre calúnia ou difamação (honra objetiva) e injúria (honra subjetiva);
11.8. EXCLUDENTES DE ILICITUDE - ART. 142

CRIMES CONTRA A PESSOA - 78


Exclusão do crime

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:

I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu


procurador;

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando


inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou


informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único - Nos casos I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe
dá publicidade.

Natureza jurídica das imunidades: Prevalece na doutrina de que têm a natureza de excludente de
ilicitude.

Decisões importantes

Imunidade do advogado por ofensas ao Juiz ou autoridade dirigente de processo


administrativo: superação, pelo art. 7º EAOAB (L. 8.904/94) da jurisprudência formada
sob o art.142, I, C.Pen., que os subtraía, de modo absoluto, do alcance da libertas
conviciandi, que, entretanto, continua a reclamar que as expressões utilizadas pelo
profissional - ainda que, em tese, injuriosas ou difamatórias -, guardem
pertinência com a discussão da causa e não degenerem em abuso da
prerrogativa, mediante contumélias e epítetos pessoais, absolutamente
dispensáveis ao exercício do nobre múnus da advocacia. (STF, RHC 80536,
Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 04/09/2001, DJ
16-11-2001 PP-00023 EMENT VOL-02052-01 PP-00198)

IMUNIDADE DO ADVOGADO – INAPLICABILIDADE. A imunidade conferida aos


advogados não abrange o magistrado, que não pode ser considerado parte na
relação processual para os fins da norma ( STF. 1º Turma. Habeas Corpus n°
104.385 – São Paulo. Relator Min. Marco Aurélio, de 28/06/2011).

1. Da leitura do disposto no artigo 7º, § 2º, da Lei n. 8.906/1994, percebe-se que a


imunidade dos advogados restringe-se aos crimes de injúria e difamação, e pressupõe
que as manifestações sejam proferidas no exercício de sua atividade, ainda que fora
do juízo.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 79


2. Desse modo, eventual comportamento ilícito adotado pelo advogado fora do
exercício de suas atividades profissionais não está acobertado pela imunidade
que lhe é conferida por lei, sendo passível de punição. (STJ, HC 352.390/DF, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 28/06/2016, DJe 01/08/2016)

O STF e o STJ entendem inexistir ato ilícito se os fatos divulgados forem verídicos
ou verossímeis, ainda que eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas,
notadamente quando se tratar de figuras públicas que exerçam atividades típicas
de estado, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica dizerem respeito a
fatos de interesse geral e conexos com a atividade desenvolvida pela pessoa
noticiada. Além de verdadeira, a informação deve ser útil; isto é, deve haver
interesse público no fato noticiado. Se uma notícia ou reportagem sobre
determinada pessoa veicula um dado que, de fato, interessa à coletividade, a balança
pende para a liberdade de imprensa. Do contrário, preservam-se os direitos da
personalidade (REsp 1.297.660/RS). Somado à veracidade e ao interesse público, a
mídia tem o dever de evitar que o conteúdo difundido afronte os direitos da
personalidade de outrem. A liberdade de informação não pode ser exercida com o
intuito de difamar, injuriar ou caluniar. (STJ, AgInt no AREsp 1588394/SP, Rel.
Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021)

A imunidade judicial, prevista no art. 142, inciso I, do Código Penal, não alcança o
delito de calúnia e não tem aplicação quando a ofensa é dirigida ao juiz da
causa. Precedentes. (STJ, REsp 1374213/MG, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2013,
DJe 19/08/2013)

11.9. RETRATAÇÃO - ART. 143

Retratação

Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da CALÚNIA ou


da DIFAMAÇÃO, fica isento de pena.

Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a


difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim
desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa.

Cabe somente na calúnia e na difamação, visto que retratação é desmentir o fato imputado e apenas
nestes dois institutos ocorre a imputação de fato.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 80


3. A isenção de pena para os delitos de calúnia e de difamação prevista no art. 143 do
CP em razão de retratação antes da sentença se aplica para querelado (ação penal
privada), não alcançando delitos contra a honra processados mediante
requisição ou representação do ofendido (art. 145, parágrafo único, do CP). (STJ,
AgRg no REsp 1860770/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA,
julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020).

Causa extintiva da punibilidade.

A teor do art. 143 do Código Penal, para que se conheça a causa extintiva da
punibilidade, pela retratação, o agente deve voltar atrás, de forma cabal e
completa, naquilo que afirmou, reconhecer que se equivocou e retificar o
alegado, não bastando o simples pedido de desculpas. (STJ, REsp 1374213/MG, Rel.
Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA
TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 19/08/2013)

Deve ocorrer até sentença de 1ª instância. Se ocorrer em grau de recurso, não extingue a
punibilidade.

Ato unilateral, não depende de aceitação da vítima para que se extinga a punibilidade.

1. A retratação cabal da calúnia, feita antes da sentença, de forma clara,


completa, definitiva e irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou
ambiguidade quanto ao seu alcance - que é justamente o de desdizer as palavras
ofensivas à honra, retratando-se o ofensor do malfeito -, implica a extinção da
punibilidade do agente e independe de aceitação do ofendido. Inteligência do art.
143, c.c. o art. 107, VI, do CP.

2. Em se tratando de ofensa irrogada por meios de comunicação - como no caso,


que foi por postagem em rede social na internet -, "a retratação dar-se-á, se assim
desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa" (art. 143,
parágrafo único, do CP; grifei).

3. A norma penal, ao abrir ao ofendido a possibilidade de exigir que a retratação seja


feita pelo mesmo meio em que se praticou a ofensa, não transmudou a natureza do
ato, que é essencialmente unilateral. Apenas permitiu que o ofendido exerça
uma faculdade.

4. Se o ofensor, desde logo, mesmo sem consultar o ofendido, já se utiliza do


mesmo veículo de comunicação para apresentar a retratação, não há razão para

CRIMES CONTRA A PESSOA - 81


desmerecê-la, porque o ato já atingiu sua finalidade legal. (STJ, APn 912/RJ, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/03/2021, DJe 23/03/2021)

11.10. AÇÃO PENAL - ART 145

Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa
(ação penal privada), salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta
lesão corporal.

Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do


inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no
caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3° do art. 140 (injúria racial)
deste Código.

AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A HONRA

REGRA Ação penal privada

Ação penal pública incondicionada – injúria real com lesões corporais

Ação penal pública condicionada:


EXCEÇÕES
- Requisição do MJ: art. 141, I

- Representação do ofendido: art. 141, II e art. 140, §3°

NÃO CONFUNDA

▸ Acusação de fato definido como crime;

▸ A acusação deve ser falsa;

▸ Atinge a honra objetiva;

▸ Se consuma quando a informação chega ao conhecimento de terceiro;


CALÚNIA
▸ Em regra cabe exceção da verdade;

▸ Contra os mortos é punida;

▸ Admite retratação;

▸ Não admite perdão judicial.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 82


▸ Acusação de fato não definido como crime (atípico ou contravenção);

▸ A acusação pode ser verdadeira;

▸ Atinge a honra objetiva.;

▸ Só cabe exceção da verdade se for contra funcionário público relacionada com


DIFAMAÇÃO
suas funções;

▸ Contra os mortos não é punida;

▸ Admite retratação;

▸ Não admite perdão judicial.

▸ Xingamentos/acusações genéricas;

▸ Não existe xingamento falso ou verdadeiro;

▸ Atinge a honra subjetiva;

▸ A consumação ocorre quando a ofensa chega ao conhecimento da própria vítima;


INJÚRIA
▸ Nunca cabe exceção da verdade;

▸ Contra os mortos não é punida;

▸ Não admite retratação;

▸ Admite perdão judicial, nos casos do art. 140 §1º.

12. CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL

12.1. PERSEGUIÇÃO - ART. 147-A

Perseguição (“Stalking”) (LEI 14132/21)

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio,


ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade
de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de
liberdade ou privacidade. (LEI 14132/21)

Pena – reclusão, de 6 meses a 2 anos, e multa. (LEI 14132/21)

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido: (LEI 14132/21)

CRIMES CONTRA A PESSOA - 83


I – contra criança, adolescente ou idoso; (LEI 14132/21)

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A
do art. 121 deste Código; (LEI 14132/21)

III – mediante concurso de 2 ou mais pessoas ou com o emprego de arma. (LEI


14132/21)

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à


violência. (LEI 14132/21)

§ 3º Somente se procede mediante representação (LEI 14132/21)

12.1.1. ASPECTOS INICIAIS

O art. 147-A do Código Penal revoga expressamente o art. 65 da Lei das Contravenções Penais. Houve
abolitio criminis?

Conforme Rogério Sanches, não necessariamente. As contravenções penais até então existentes, mas
com características do novo tipo penal vão continuar sendo perseguidas, observando-se, é claro, as penas do
art. 65 da Lei das Contravenções Penais, pois a penalidade agora está mais severa (princípio da continuidade
normativo-típica). Agora, se a contravenção penal da perturbação não tiver características do novo tipo
incriminador (sem reiteração), haverá abolitio criminis.

Crime de perseguição76 Contravenção penal de molestamento

(art. 147-A do CP) (art. 65 do DL 3.688/41)

Exige uma perseguição reiterada. Não falava expressamente em reiteração.


Contentava-se com a conduta de molestar alguém
ou perturbar-lhe a tranquilidade.

Exige que o agente tenha: Não exigia nenhuma dessas três condutas.

· ameaçado à integridade física ou psicológica da Bastava molestar alguém ou perturbar-lhe a


vítima; tranquilidade.

· restringido à sua capacidade de locomoção; ou

76
https://www.dizerodireito.com.br/2021/04/lei-141322021

CRIMES CONTRA A PESSOA - 84


· invadido/perturbado a sua esfera de liberdade ou
privacidade.

12.1.2. MEDIDAS DESPENALIZADORAS

Em regra, admite-se transação penal e suspensão condicional do processo.

Se praticado na modalidade majorada por violência doméstica contra a mulher, não se aplicam tais
institutos despenalizadores, por força do artigo 41 da Lei 11.340/0677.

Não cabe acordo de não persecução penal, pois o delito admite transação penal, podendo ainda
incidir as proibições de crime habitual ou praticado com violência doméstica (artigo 28-A, §2º, do CPP)67.

12.1.3. BEM JURÍDICO TUTELADO

Liberdade individual, abalada por condutas que constrangem alguém a ponto de invadir severamente
sua privacidade e de impedir sua livre determinação e o exercício de liberdades básicas.

12.1.4. SUJEITOS DO CRIME

Crime comum, não se exigindo dos sujeitos do crime qualquer característica especial (crime
bicomum).

OBSERVAÇÃO

Se a vítima é criança, adolescente, idoso ou mulher perseguida por razões da condição do sexo
feminino, a pena será aumentada de metade (§ 1º).

12.1.5. CONDUTA

Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou


psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua
esfera de liberdade ou privacidade.

OBSERVAÇÃO

O núcleo perseguir, além de significar “ir freneticamente no encalço de alguém”, também tem um
sentido de importunar, transtornar, provocar incômodo ou tormento, inclusive com violência ou grave ameaça
(essa é a principal conotação que faz provocar o crime de perseguição do art. 147-A).

77
https://www.conjur.com.br/2021-abr-06/academia-policia-stalking-crime-perseguicao-ameacadora

CRIMES CONTRA A PESSOA - 85


12.1.5.1. ESTRUTURAS DA AÇÃO NUCLEAR

🔸 Ameaçar a integridade física ou psicológica: o tipo incorpora o crime de ameaça, que consiste em
ameaçar alguém por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e
grave (violência psicológica, que está conceituado no art. 7º, II, da Lei Maria da Penha).

OBSERVAÇÃO

O ato de perseguição não se restringe às situações de violência doméstica e familiar contra a mulher
(aliás, não se limita nem mesmo a vitimar mulheres, embora seja o mais comum).

🔸 Restringindo a capacidade de locomoção: os atos de perseguição ostensiva reduzem a capacidade


da vítima de exercer suas liberdades de locomoção.

🔸 Invadir ou perturbar a esfera de liberdade ou privacidade: há a invasão ou perturbação da esfera


de liberdade ou privacidade, podendo consistir em qualquer ato que iniba a vítima de desempenhar suas
atividades cotidianas.

OBSERVAÇÕES

Na vigência do art. 65 da Lei das Contravenções Penais, decidiu o STJ que a contratação de um
detetive particular não é suficiente para justificar ação penal por perturbação da tranquilidade.

Não descrevendo claramente a denúncia que o agente, por acinte ou motivo


reprovável, contratou detetive particular para “ostensivamente” vigiar e, assim,
molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, não se tem configurada a
contravenção penal do art. 65 do Decreto-Lei n. 3.688/41 (LCP). A ausência do elemento
subjetivo específico torna atípica a conduta e indevida a imputação penal, pois contrária
à teoria da responsabilidade penal subjetiva. STJ. 5ª Turma. RHC 140.114/DF, Rel. Min.
Ribeiro Dantas, julgado em 09/03/2021.

Para Rogério Sanches, o raciocínio não será diferente diante do novo tipo do art. 147-A do Código
Penal. Não custa lembrar que a Lei 13432/2017 regulamentou a profissão de detetive particular, criando
normas a serem observadas para o seu regular exercício. Assim, quando no regular exercício, observando os
limites legais, não há que se cogitar de crime.

E nos casos dos fotógrafos que perseguem celebridades e pessoas públicas para obterem
imagens inéditas (paparazzi)? Para Sanches, a tendência é não reconhecer o crime quando o “alvo” está em
local público. A figura criminosa, contudo, pode ser cogitada quando a conduta do paparazzi, reiteradamente,
invadir ou perturbar a esfera de liberdade ou privacidade da celebridade ou pessoa pública.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 86


12.1.5.2. HABITUALIDADE

O tipo penal é expresso sobre a necessidade de a perseguição ser praticada reiteradamente. Apenas
um ato importuno, ainda que restrinja momentaneamente a capacidade de locomoção ou invada a privacidade
de alguém, não caracteriza este crime, embora seja possível que a conduta de adeque a outro tipo penal, como
a ameaça, por exemplo.

12.1.6 REQUISITOS PARA DEFINIR O CRIME

✓ Comportamento doloso e habitual, composto necessariamente por mais de um ato de perseguição


ou assédio à mesma vítima;

✓ O motivo do autor para praticar a conduta é um interesse pessoal, como admiração, crença,
interesse relacional ou vingança; e

✓ A vítima, por conta da repetição, deve se sentir incomodada em sua privacidade e/ou temerosa por
sua segurança.

12.1.7. ELEMENTO SUBJETIVO

Dolo genérico (ou seja, desacompanhado de elemento subjetivo), embora seja comum que os atos de
perseguição tenham o propósito de alterar o estado de ânimo da vítima, de lhe provocar medo e de limitar sua
liberdade, o tipo não pressupõe nenhuma finalidade específica.

12.1.8. CONSUMAÇÃO

Tratando-se de crime habitual, consuma-se com a reiteração dos atos de perseguição.

12.1.9. TENTATIVA

Não é possível, pois não se admite tentativa em crime habitual.

12.1.10. PRISÃO EM FLAGRANTE

Não é possível, pois é crime habitual, que exige reiteração de condutas para a sua configuração.

12.1.11. CAUSA DE AUMENTO DE PENA78

A pena aumenta-se da metade quando a infração for praticada (§ 1º):

🔸 Contra criança, adolescente ou idoso: nestes casos, sequer há necessidade de o crime estar
inserido em contexto de violência doméstica ou familiar ou de violência de gênero. Poderia o legislador ter
avançado mais e previsto tal majorante na proteção de pessoa com deficiência, se a intenção é proteger

78
https://www.conjur.com.br/2021-abr-06/academia-policia-stalking-crime-perseguicao-ameacadora

CRIMES CONTRA A PESSOA - 87


aqueles em situação de maior vulnerabilidade (o que foi feito nas majorantes e qualificadoras dos arts. 121,
122, 129, 140, 141, 149-A, 171, 203, 207, 217-A, 218-B e 234-A).

🔸 Contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121
deste Código: só há incidência do aumento quando exista violência doméstica e familiar, ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher, na esteira da fórmula do feminicídio.

🔸 Mediante concurso de 2 ou mais pessoas ou com o emprego de arma: no caso do concurso de


2 ou mais pessoas, importante destacar que o crime só se aperfeiçoará se os agentes praticarem atos de
perseguição de forma ameaçadora, sendo que a ameaça não decorre simplesmente da superioridade
numérica. Em outras palavras, ausente qualquer evidência concreta de ameaça, o mero número de agentes
envolvidos no evento sequer tem o condão de representar ameaça à integridade física ou psicológica da vítima.
Esse mesmo raciocínio impede que o furto praticado em concurso de agentes se transforme em roubo, sob o
falso argumento de que a quantidade de agentes induz maior temor à vítima. Por fim, quanto ao emprego de
arma, note-se que o legislador não fez qualquer restrição (diferentemente do art. 157, §2º-A, I do CP),
abrangendo tanto a arma branca quanto a arma de fogo (seja de uso permitido, restrito ou proibido).

12.1.12. CONCURSO DE CRIMES E CONFLITO DE LEIS PENAIS68

➽ Falsa identidade: No caso de utilização de perfis falsos para a prática delituosa, o agente
responderá pelo crime do art. 147-A em concurso com o art. 307 do CP, pois não é necessário que todo
stalkeador encubra sua identidade, ou seja, a falsa identidade não deve ser considerada ante factum impunível
do referido delito, já que não é meio de execução ordinário do crime de perseguição.

➽ Invasão de dispositivo informático: Se houver cyberstalking com o perseguidor agindo pela


internet, e não se limitar a mandar mensagens, mas hackear o celular ou computador da vítima, violando
indevidamente mecanismo de segurança para obter, adulterar ou destruir dados sem autorização, ou
instalando vulnerabilidades para obter vantagem ilícita, incide nas penas do art. 154-A em concurso formal ou
material, a depender do caso concreto, com o art. 147-A do CP, não se falando em absorção dada a proteção de
bens jurídicos distintos e o fato da invasão do dispositivo não ser meio necessário para concretizar uma
perseguição.

➽ Revenge porn Se o intimidador enviar mensagens ou perseguir pessoalmente informando que


registrou fotos ou vídeos de nudez da vítima, ou as divulgou, aplica-se também o delito do art. 216-B ou art.
218-C do CP, respectivamente, em concurso formal ou material, a depender do caso concreto, não havendo
consunção em razão da tutela de interesses distintos e de a vingança pornográfica não ser meio necessário
para concretizar uma perseguição.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 88


➽ Arma de fogo: Se o crime de perseguição for praticado com o emprego de arma de fogo, algumas
situações podem ser vislumbradas:

● se o agente possuir porte de arma, responderá apenas pelo crime de perseguição, incidindo a
causa de aumento de pena (art. 147-A, § 1º, III do CP);

● se o agente não possuir porte de arma de fogo, mas a utilizar única e exclusivamente para
perseguir a vítima, responderá apenas pelo crime de perseguição majorado (art. 147-A, § 1º, III
do CP). O crime de porte ilegal de arma de fogo fica absorvido (princípio da consunção), sendo
considerado meio para a prática do crime fim.

● se o agente portar ilegalmente a arma de fogo em contexto fático distinto, seja antes de iniciar
as investidas em desfavor da vítima ou depois da perseguição, responderá pelo crime do art.
147-A, caput, em concurso material com o crime do Estatuto do Desarmamento (art. 14 ou 16,
conforme o caso). Não se cogita da majorante do crime de perseguição nessa hipótese para
evitar o bis in idem.

➽ Descumprimento à medida protetiva de urgência: Quando a perseguição caracterizar ato de


não obedecer à medida protetiva de urgência, haverá concurso material entre a perseguição majorada - contra
mulher por razões da condição de sexo feminino (art. 147-A, § 1º, II do CP) e o descumprimento de medida
protetiva de urgência (art. 24-A da Lei Maria da Penha). Por mais que o stalking tenha pena maior, o que pode
justificar a opção de alguns pela absorção, há outro fator que permite a cumulação: os bens jurídicos tutelados
não são afins. No artigo 24-A da Lei 11.340/06 protege-se a administração da Justiça, ao passo que no novo art.
147-A, tutela-se a liberdade pessoal da vítima. O cúmulo material parece a melhor interpretação. Se a
perseguição se der por descumprimento de medidas de proteção ao idoso (art. 45 da Lei 10.741/03) ou criança
ou adolescente (art. 101 do ECA), a perseguição majorada (art. 147-A, § 1º, II do CP) não será cumulada com
outro delito, seja porque inexiste previsão típica de crime específico, seja porque não se aplica o crime de
desobediência (art. 330 do CP) quando o agente desatende a ordem e existe lei prevendo sanção não penal
para esse descumprimento sem ressalvar a sanção criminal, cabendo a decretação da prisão preventiva (art.
313, III do CPP).

12.1.13. AÇÃO PENAL

A ação penal é pública condicionada à representação do ofendido. A regra se aplica inclusive nos
casos em que incidem as disposições da Lei Maria da Penha, pois o legislador, embora tenha majorado a pena
do crime cometido segundo a definição do art. 5º daquela lei, não impôs nenhuma exceção à regra da ação no §
3º. Contudo, não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, por força do art. 41 da Lei
11.340/06.

12.2. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER - ART. 147-B

CRIMES CONTRA A PESSOA - 89


Violência psicológica contra a mulher (LEI 14188/21)

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu
pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação
do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde
psicológica e autodeterminação: (LEI 14188/21)

Pena - reclusão, de 6 meses a 2 anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais
grave (LEI 14188/21)

12.2.1. BEM JURÍDICO TUTELADO

O direito fundamental a uma vida livre de violência tanto na esfera pública como na esfera privada,
em especial a liberdade da ofendida de viver sem medo, traumas ou fragilidades emocionais impostos
dolosamente por terceiro.

12.2.2. MEDIDAS DESPENALIZADORAS

Para Rogério Sanches, é uma infração de menor potencial ofensivo, de competência do JECRIM, o que,
em tese, possibilita a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Eventualmente admitida a transação penal, fica inviabilizado o acordo de não persecução penal, nos
exatos termos do art. 28-A, § 2º, inc. I, do CPP.

Se o crime for cometido no ambiente doméstico e familiar, não se aplicam as medidas


despenalizadoras da Lei 9099/1995 (art. 41 da Lei Maria da Penha).

12.2.3. SUJEITO ATIVO

Crime comum, razão pela qual pode ser cometido por qualquer pessoa (homem ou mulher).

12.2.4. SUJEITO PASSIVO

Crime próprio, só podendo figurar como ofendida a mulher.

E a ofendida transgênero? Para Rogério Sanches, inclui-se na tutela penal a mulher transgênero,
ainda que não tenha se submetido a cirurgia de redesignação sexual ou alterado o nome e sexo no registro civil.
Basta que se trate de pessoa com identidade de gênero feminina79.

79
https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/

CRIMES CONTRA A PESSOA - 90


12.2.5. CONDUTA

O legislador iniciou a descrição típica indicando o resultado e, em seguida, traz uma relação
exemplificativa de condutas que podem causar o resultado.

O resultado típico é causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno
desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.

O resultado central é causar dano emocional à mulher, já que as locuções seguintes são predicados
alternativos do dano emocional.

Condutas executivas: mediante ameaça (promessa de mal injusto e grave), constrangimento


(insistência importuna), humilhação (rebaixamento moral), manipulação (manobra para influenciar a vontade),
isolamento (impedimento da convivência com outras pessoas), chantagem (pressão sob ameaça de utilização de
fatos criminosos ou imorais, verdadeiros ou falsos), ridicularização (escarnecimento, zombaria, que não passa
de uma forma de humilhação), limitação do direito de ir e vir (restrição da livre movimentação) ou qualquer
outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação (estende-se o tipo a quaisquer
outras condutas que possam interferir na saúde psicológica e no exercício de se decidir - rol exemplificativo).

OBSERVAÇÕES

■ A redação do tipo penal é muito semelhante à do art. 7º, II, da Lei 11340/2006 (violência psicológica).

■ No conceito de violência psicológica, há comportamentos para o crime de stalking, CP, art. 147-A:
vigilância constante, perseguição contumaz, violação de sua intimidade. Os demais se encaixam no crime agora
estudado (CP, art. 147-B).

■ Definição do que se entende por violência psicológica: Conforme Sanches, é uma forma de slow
violence, uma violência cumulativa que gera, de forma silenciosa e invisível, uma progressiva redução da esfera
de autodeterminação da mulher, com abalos emocionais significativos.

■ Não é um crime propriamente habitual, embora geralmente ocorra de forma reiterada.

■ Dano psíquico e violência psicológica são sinônimo? Não. A violência psíquica seria causadora de
uma patologia médica; enquanto a psicológica não poderia gerar qualquer tipo de patologia somática, estando
restrita ao campo do sofrimento não qualificável enquanto doença. Ou seja, caso advenha uma patologia
médica, haverá o crime de lesão corporal à saúde psicológica; para o dano emocional (sem a correspondente
patologia) é que haverá o crime do art. 147-B.

■ O art. 147-B só se aplica no contexto doméstico e familiar? Não. O tipo penal não se restringe aos
âmbitos afetivos, doméstico e familiar de que trata a Lei Maria da Penha. Abrange outras formas de
violência contra a mulher ocorridas no âmbito estatal, comunitário, religioso, laborativo (cuidado com a
empregada doméstica, que se aplica a Lei Maria da Penha), etc. O art. 147-B é mais amplo, aplicando-se a
diversas formas de violência de gênero contra a mulher, na linha do que estabelece a Convenção de Belém do
Pará (Decreto 1973/1996).

CRIMES CONTRA A PESSOA - 91


12.2.6. ELEMENTO SUBJETIVO

O crime é doloso quanto à conduta de praticar atos de violência psicológica. O agressor, com
consciência e vontade, ameaça, constrange, humilha, manipula, isola, chantageia, ridiculariza, limita o direito de
ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.

Em relação ao resultado, este pode ocorrer tanto a título de dolo quanto de culpa.

12.2.7. CONSUMAÇÃO

Consuma-se com a provocação do dano emocional à vítima. Cuida-se de delito material (o resultado,
contudo, pode ser perseguido ou não pelo agente).

A prova do resultado pode ser feita pelo depoimento da ofendida, por depoimentos de testemunhas,
relatórios de atendimento médico, relatórios psicológicos ou outros elementos que demonstrem o impacto do
crime para o pleno desenvolvimento da mulher, o controle de suas ações, o abalo de sua saúde psicológica ou
algum impedimento à sua autodeterminação.

Considerando que o resultado do crime não é a lesão à saúde psíquica (CP, art. 129, precisando de
prova técnica), mas o dano emocional (dor, sofrimento ou angústia significativos), laudos técnicos não são
necessários.

OBSERVAÇÕES

■ Aplica-se ao crime do art. 147-B, quando cometido fora do contexto doméstico e familiar, o
entendimento do STJ que decidiu que, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, seria
possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da
acusação ou da parte ofendida, ainda que não especializada a quantia e independentemente de instrução
probatória (in re ipsa)? Sim.

■ O crime não é propriamente habitual, podendo se configurar com a prática de apenas um único ato.
Segundo Sanches, o crime poderia ser classificado como habitual impróprio, não se exigindo a reiteração de
condutas para sua tipicidade, mas, se praticadas dentro de um mesmo contexto fático, será considerado crime
único, não desnaturando a unidade do crime, devendo o juiz considerar na aplicação da pena-base (CP, art. 59).

12.2.8. PRESCRIÇÃO

A prescrição será regulada pela prática do último ato de violência psicológica individualizado na
denúncia.

12.2.9. AÇÃO PENAL

No silêncio, a ação penal é pública incondicionada.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 92


12.2.10. CONFLITO APARENTE DE NORMAS79

O preceito secundário do art. 147-B contém subsidiariedade expressão: aplicam-se as penas da


violência psicológica se a conduta não caracteriza crime mais grave (soldado de reserva).

OBSERVAÇÕES

■ Se houve lesão à saúde psicológica comprovada por exame e demonstrado nexo de causalidade,
indicando-se o respetivo CID, haverá o crime do art. 129 do Código Penal. Quando leve, será o § 13. Mas pode
ser grave, quando, por exemplo, causar a incapacidade da vítima para exercer suas ocupações habituais por
mais de trinta dias. Também haverá lesão grave se a doença psicológica gerar ideação suicida, diante do risco à
vida.

■ É possível que o art. 147-B venha a absorver infrações penais menos graves. Será o caso, por
exemplo, dos crimes de ameaça, constrangimento ilegal ou mesmo da contravenção penal de vias de fato, que
inegavelmente carrega o sentido comunicativo de humilhação e constrangimento, uma demonstração de poder
sobre a vítima. Em outros países, a agressão física sem lesão é expressamente indicada como modalidade do
crime de violência psicológica em ambiente doméstico.

■ Conflito aparente de normas entre o stalking ou crime de perseguição (art. 147-A) com o crime de
violência psicológica contra a mulher (art. 147-B), especialmente porque o stalking (art. 147-A) é sujeito a ação
penal pública condicionada à representação, apesar de ter pena mais elevada que a violência psicológica (art.
147-B), diante de causa de aumento de pena prevista no art. 147-A, § 1º, II.

■ É possível o concurso dos dois crimes (CP, arts. 147-A e 147-B)? Em tese, será possível o concurso
efetivo entre o art. 147-A e o 147-B, quando cometidos em contextos fáticos distintos. Logo, se o casal, por
exemplo, está separado, e o ofensor persegue reiteradamente a vítima através de ameaças, que a intimida,
restringem sua liberdade de locomoção e geram um dano emocional à vítima (sofrimento, angustia
significativos), estando presente o mesmo contexto fático, considerando que ambos os delitos estão inseridos
no mesmo título “dos crimes contra a liberdade pessoal”, será possível que o criem mais grave (a perseguição)
venha absorver o menos grave (a violência psicológica), sendo o dano emocional avaliado na fixação da
pena-base (CP, art. 59).

E se não houve representação da vítima em relação ao crime mais grave (CP, 147-A), o que acontece
com a violência psicológica absorvida (CP, art. 147-B)? A violência psicológica, neste caso, voltará hidratado,
podendo o Estado punir o agressor, pois, se estava absorvido, deixou de estar absorvido quando a vítima não
representou o sujeito ativo (sem risco de bis in idem, pois está respondendo pelo fato por um só crime que
tinha sido absorvido, mas deixou de ser absorvido)

NÃO CONFUNDA80

80

https://www.dizerodireito.com.br/2021/07/comentarios-lei-141882021-crime-de.html#:~:text=147%2DA.,dois)%20anos%2C%20e%20
multa.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 93


PERSEGUIÇÃO CONTRA MULHER VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

(ART. 147-A, § 1º, II) (ART. 147-B)

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a
qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou
psicológica, restringindo-lhe a capacidade de que vise a degradar ou a controlar suas ações,
locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou comportamentos, crenças e decisões, mediante
perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do

multa. direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause


prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é
cometido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e
multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
(...)

II – contra mulher por razões da condição de sexo


feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste
Código;

A pena é maior, em razão da causa de aumento do § A pena da violência psicológica é menor que a do
1º, II do art. 147-A. stalking praticado contra mulher por razões da
condição de sexo feminino.

É crime de ação pública condicionada. É crime de ação pública incondicionada.

Exige uma perseguição reiterada. Não exige reiteração.

Trata-se de crime habitual. Não é crime habitual.

Não se exige produção de resultado naturalístico. Exige a produção de resultado naturalístico (a conduta

Trata-se de crime formal. deve causar dano emocional à mulher).

Trata-se de crime material.

CRIMES CONTRA A PESSOA - 94

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