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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO


REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE - PSOL
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : DISTRITO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO DISTRITO FEDERAL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ACRE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ACRE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE ALAGOAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE ALAGOAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO
AMAZONAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAPÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAPÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA BAHIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA BAHIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DO CEARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO MARANHÃO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO
MARANHÃO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9937785.
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ADPF 347 MC / DF

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO


GROSSO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO
GROSSO DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA PARAÍBA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA PARAÍBA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE PERNAMBUCO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE
PERNAMBUCO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PIAUÍ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PIAUÍ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARANÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RONDÔNIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SERGIPE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO TOCANTINS

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PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS

CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA


PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de
descumprimento de preceito fundamental considerada a situação
degradante das penitenciárias no Brasil.

SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO


CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA –
VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS
ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL –
CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de
direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de
políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de
natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema
penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas
inconstitucional”.

FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS –


CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o
interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário
Nacional.

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA.


Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos
Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia,
viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária
no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal em, apreciando os pedidos de medida cautelar
formulados na inicial, por maioria e nos termos do voto do Relator,
deferir a cautelar em relação à alínea “b”, para determinar aos juízes e
tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e
Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos,
realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo
máximo de 24 horas, contados do momento da prisão, com a ressalva do
voto da Ministra Rosa Weber, que acompanhava o Relator, mas com a
observância dos prazos fixados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ,
vencidos, em menor extensão, os Ministros Teori Zavascki e Roberto
Barroso, que delegavam ao CNJ a regulamentação sobre o prazo da
realização das audiências de custódia; em relação à alínea “h”, por
maioria e nos termos do voto do Relator, em deferir a cautelar para
determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário
Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado,
abstendo-se de realizar novos contingenciamentos, vencidos, em menor
extensão, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que
fixavam prazo de até sessenta dias, a contar da publicação desta decisão,
para que a União procedesse à adequação para o cumprimento do que
determinado; em indeferir as cautelares em relação às alíneas “a”, “c” e
“d”, vencidos os Ministros Relator, Luiz Fux, Cármen Lúcia e o
Presidente, que as deferiam; em indeferir em relação à alínea “e”,
vencido, em menor extensão, o Ministro Gilmar Mendes; e, por
unanimidade, em indeferir a cautelar em relação à alínea “f”; em relação
à alínea “g”, por maioria e nos termos do voto do Relator, o Tribunal
julgou prejudicada a cautelar, vencidos os Ministros Edson Fachin,
Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que a deferiam nos
termos de seus votos. O Tribunal, por maioria, deferiu a proposta do
Ministro Roberto Barroso, ora reajustada, de concessão de cautelar de

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ofício para que se determine à União e aos Estados, e especificamente ao


Estado de São Paulo, que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal
informações sobre a situação prisional, vencidos os Ministros Marco
Aurélio, Relator, que reajustou o voto, e os Ministros Luiz Fux, Cármen
Lúcia e Presidente, em sessão presidida pelo Ministro Ricardo
Lewandowski, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas
notas taquigráficas.

Brasília, 9 de setembro de 2015.

MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR

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Relatório

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27/08/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO


REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE - PSOL
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : DISTRITO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO DISTRITO FEDERAL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ACRE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ACRE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE ALAGOAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE ALAGOAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO
AMAZONAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAPÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAPÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA BAHIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA BAHIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DO CEARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO MARANHÃO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO
MARANHÃO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO

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Relatório

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PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO


GROSSO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO
GROSSO DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA PARAÍBA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA PARAÍBA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE PERNAMBUCO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE
PERNAMBUCO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PIAUÍ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PIAUÍ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARANÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RONDÔNIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SERGIPE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO TOCANTINS

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Relatório

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PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O Partido Socialismo e


Liberdade – PSOL busca, por meio de arguição de descumprimento de
preceito fundamental, com pedido de medida liminar, seja reconhecida a
figura do “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema
penitenciário brasileiro e a adoção de providências estruturais em face de
lesões a preceitos fundamentais dos presos, que alega decorrerem de
ações e omissões dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do
Distrito Federal.
Afirma alicerçada a inicial em representação formalizada pela
Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Clínica UERJ Direitos.
Aponta a adequação da via eleita ante o preenchimento dos
requisitos próprios: violação de preceitos fundamentais decorrentes de
atos do Poder Público e inexistência de outro meio eficaz de sanar a
lesividade.
Assevera que a superlotação e as condições degradantes do sistema
prisional configuram cenário fático incompatível com a Constituição
Federal, presente a ofensa de diversos preceitos fundamentais
consideradas a dignidade da pessoa humana, a vedação de tortura e de
tratamento desumano, o direito de acesso à Justiça e os direitos sociais à
saúde, educação, trabalho e segurança dos presos.
Sustenta que o quadro resulta de uma multiplicidade de atos
comissivos e omissivos dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do
Distrito Federal, incluídos os de natureza normativa, administrativa e
judicial. Consoante assevera, os órgãos administrativos olvidam preceitos
constitucionais e legais ao não criarem o número de vagas prisionais
suficiente ao tamanho da população carcerária, de modo a viabilizar
condições adequadas ao encarceramento, à segurança física dos presos, à

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saúde, à alimentação, à educação, ao trabalho, à assistência social, ao


acesso à jurisdição. A União estaria contingenciando recursos do Fundo
Penitenciário – FUNPEN, deixando de repassá-los aos Estados, apesar de
encontrarem-se disponíveis e serem necessários à melhoria do quadro. O
Poder Judiciário, conforme aduz, não observa os artigos 9.3 do Pacto dos
Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, nos quais é previsto o direito à audiência de custódia. Alega
que o procedimento poderia reduzir a superlotação prisional. Sustenta a
sistemática ausência de imposição, sem a devida motivação, de medidas
cautelares alternativas à prisão, assim como a definição e execução da
pena sem serem consideradas as condições degradantes das
penitenciárias brasileiras. O Poder Legislativo estaria, influenciado pela
mídia e pela opinião pública, estabelecendo políticas criminais insensíveis
ao cenário carcerário, contribuindo para a superlotação dos presídios e
para a falta de segurança na sociedade. Faz referência à produção de
“legislação simbólica”, expressão de populismo penal.
No tocante ao requisito da subsidiariedade, entende estar
preenchido, ante a circunstância de inexistir outro instrumento, no
âmbito do controle abstrato de normas, mediante o qual se possa sanar as
lesões a preceitos fundamentais veiculadas. Assim, estariam presentes
todos os pressupostos próprios ao cabimento da arguição.
Em relação ao mérito, discorre sobre o quadro fático do sistema
penitenciário do Brasil. Argumenta serem as prisões “verdadeiros
infernos dantescos”. Destaca as seguintes situações: celas superlotadas,
imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida
intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos
higiênicos básicos, homicídios frequentes, espancamentos, tortura e
violência sexual contra os presos, praticadas tanto por outros detentos
quanto por agentes do Estado, ausência de assistência judiciária
adequada, bem como de acesso à educação, à saúde e ao trabalho.
Enfatiza estarem as instituições prisionais dominadas por facções
criminosas. Salienta ser comum encontrar, em mutirões carcerários,
presos que já cumpriram a pena e poderiam estar soltos há anos.

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Ressalta que essas mazelas comprometem a segurança da sociedade,


considerada a “mistura”, ocorrida nos presídios, entre presos com graus
diferentes de periculosidade, o que afasta a possibilidade de
ressocialização, contribuindo para que as taxas de reincidência cheguem a
70%. Consoante articula, os estabelecimentos prisionais convertem-se em
“escolas do crime”. Alude à colocação da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos segundo a qual, “quando os cárceres não recebem a
atenção e os recursos necessários, a sua função se distorce e, em vez de
proporcionarem proteção, se convertem em escolas da delinquência e
comportamento antissocial, que propiciam a reincidência em vez da
reabilitação”.
Conforme ressalta, as autoridades públicas e a sociedade têm
conhecimento da situação. Assevera que a Câmara dos Deputados,
mediante a “CPI do Sistema Carcerário”, e o Conselho Nacional de
Justiça – CNJ, a partir de mutirões carcerários, já produziram relatórios a
revelarem o quadro dramático e inconstitucional do sistema prisional
brasileiro. Relembra a declaração do Ministro de Estado da Justiça, José
Eduardo Cardozo, de que as prisões brasileiras são verdadeiras
“masmorras medievais” e de que prefere morrer a ficar em uma delas.
Evocando o julgamento do Recurso Extraordinário nº 580.252/MS,
menciona trechos do voto do ministro Teori Zavascki nos quais
consignado que “em nossas prisões as condições de vida são intoleráveis”
e, na prática, “os presos não têm direitos”. O ministro Luís Roberto
Barroso teria assentado que “mandar uma pessoa para o sistema é
submetê-la a uma pena mais grave do que a que lhe foi efetivamente
imposta, em razão da violência física, sexual e do alto grau de
insalubridade das carceragens, notadamente devido ao grave problema
da superlotação”.
Cita intervenções da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a
condenação do Brasil a tomar medidas que erradiquem “situações de
risco e a proteção à vida e à integridade pessoal, psíquica e moral de
pessoas privadas de liberdade em várias penitenciárias do país”.
Explicita estar se agravando o drama descrito, em virtude do

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crescimento significativo da população carcerária, que, de cerca de 90.000


presos, em 1990, chegou, em maio de 2014, a 563.000, sem contar os mais
de 147.000 em regime de prisão domiciliar. Argumenta que, hoje, o
número deve ultrapassar 600.000, possuindo o Brasil a quarta maior
população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, da
China e da Rússia. Se somadas as prisões domiciliares, o Brasil passaria a
Rússia. Em 25 anos, verificou-se majoração de mais de 650%. O déficit
seria de, pelo menos, 206.307 vagas, o qual aumentaria para 730 mil
vagas, se fossem cumpridos todos os mandados de prisão expedidos.
Destaca que outro fato a contribuir para a superlotação é o uso
abusivo da prisão provisória. Segundo relatórios do Conselho Nacional
de Justiça – CNJ, 41% dos presos brasileiros estão nessa condição. Alega a
banalização da adoção da medida constritiva antes do trânsito em julgado
da sentença condenatória, evidenciando-se uma “cultura do
encarceramento”. Aponta, mais, inexistir separação, nos presídios, entre
os presos provisórios e os definitivos.
Ressalta o sofrimento das mulheres encarceradas ante a ausência de
estabelecimento próprio e adequado, não havendo berçários, locais
destinados à gestante e à parturiente ou creches para abrigar crianças
maiores de seis meses e menores de sete anos. Afirma a falta de cuidados
com a saúde das gestantes presas – não sendo assegurado
acompanhamento médico, no pré-natal e no pós-parto, ou ao recém-
nascido –, bem como a carência de ginecologistas e de fornecimento
regular de absorventes íntimos e de outros materiais de higiene.
Enfatiza comporem as minorias sexuais outro grupo a sofrer com o
encarceramento inadequado. Consoante realça, esses indivíduos ficam
expostos, constantemente, a abusos sexuais, inclusive a servidão,
contraindo doenças sexualmente transmissíveis.
Sustenta que o cenário implica a violação de diversos preceitos
fundamentais da Constituição de 1988: o princípio da dignidade da
pessoa humana (artigo 1º, inciso III), a proibição da tortura, do
tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, inciso III) e das sanções
cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”), assim como o dispositivo que

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impõe o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo


com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, inciso
XLVIII), o que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral
(artigo 5º, inciso XLIX) e o que prevê a presunção de não culpabilidade
(artigo 5º, inciso LVII), os direitos fundamentais à saúde, educação,
alimentação apropriada e acesso à Justiça. Articula com a inobservância
de tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo país –
Pacto dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos.
Assevera que a situação retratada decorre de falhas estruturais em
políticas públicas, de modo que a solução do problema depende da
adoção de providências por parte dos diferentes órgãos legislativos,
administrativos e judiciais da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Menciona que o quadro configura o que a Corte Constitucional da
Colômbia denominou de “estado de coisas inconstitucional”, sendo, ante
a gravidade, indispensável a intervenção do Supremo, no exercício do
papel contramajoritário próprio das cortes constitucionais, em proteção
da dignidade de grupos vulneráveis.
Conforme esclarece, a técnica da declaração do “estado de coisas
inconstitucional” permite ao juiz constitucional impor aos Poderes
Públicos a tomada de ações urgentes e necessárias ao afastamento das
violações massivas de direitos fundamentais, assim como supervisionar a
efetiva implementação. Considerado o grau de intervenção judicial no
campo das políticas públicas, argumenta que a prática pode ser levada a
efeito em casos excepcionais, quando presente transgressão grave e
sistemática a direitos humanos e constatada a imprescindibilidade da
atuação do Tribunal em razão de “bloqueios institucionais” nos outros
Poderes. Afirma que essas condições estão presentes e são notórias no
sistema prisional brasileiro, a legitimar a atividade do Supremo por meio
desta arguição.
Alega que medidas judiciais não implicam ofensa ao princípio
democrático, nem pressupõem o conhecimento especializado em políticas

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públicas. Diz não ofender a democracia a atuação judicial voltada à


proteção de direitos fundamentais, principalmente quando envolvidas
minorias impopulares, como são os presos. Sustenta que os poderes
políticos não possuem qualquer motivação para resolver o problema ante
a antipatia da opinião pública relativamente à população carcerária.
Enfatiza, mais uma vez, a “falência total das políticas públicas existentes
para a questão prisional”. Esclarece não estar formulando pedidos cujo
deferimento implicará determinações judiciais rígidas e soluções ditadas
pelo próprio Tribunal, e sim a intervenção judicial por meio de ordens
flexíveis que, baseadas no diálogo e na cooperação entre os diversos
Poderes estatais, atribuam ao Governo e ao legislador a possibilidade de
formulação de planos de ação para a superação do “estado de coisas
inconstitucional”. Aponta caber ao Supremo, ou quem lhe faça as vezes, o
monitoramento da fase de implementação, devidamente auxiliado por
entidades dotadas do indispensável conhecimento, inclusive com a
participação deliberativa da sociedade civil. Dessa forma, o Tribunal
interviria sem abrir mão “do potencial institucional dos outros poderes”.
Salienta que o argumento de escassez de recursos não pode
prevalecer, por tratar-se da satisfação do mínimo existencial dos presos, o
que afasta a limitação pela reserva do possível, assim como “a posição de
garante do Estado em relação aos presos”. No mais, alega que, a médio e
longo prazos, a solução pretendida poderá gerar a redução de gastos
públicos, considerado o custo médio mensal de cada preso, que
ultrapassa dois mil reais.
No tocante ao Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, criado, pela
Lei Complementar nº 79/1994, e regulamentado mediante o Decreto nº
1.093/1994, para fazer frente ao financiamento de medidas e programas
voltados à modernização e humanização do sistema prisional brasileiro,
anota a ausência de destinação dos valores aos fins próprios. Destaca
haver saldo de R$ 2,2 bilhões ante o contingenciamento orçamentário pela
União. Menciona pesquisa na qual identificado o uso, em 2013, de menos
de 20% dos recursos do referido Fundo. Afirma o excesso de rigidez e de
burocracia da União para liberação de recursos aos demais entes

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federativos. Alega que, evidenciado o “estado de coisas inconstitucional”,


o contingenciamento de recursos do FUNPEN revela-se afrontoso à
dignidade humana de centenas de milhares de pessoas.
Conclui que, presente cenário de forte violação de direitos
fundamentais dos presos e falência do conjunto de políticas públicas
voltado à melhoria do sistema carcerário, o Supremo deve impor aos
poderes públicos, em síntese, as seguintes medidas: elaboração e
implementação de planos de ação sob monitoramento judicial; realização
das audiências de custódia; fundamentação das decisões que não
aplicarem medidas cautelares diversas da prisão, a fim de reduzir o
número de prisões provisórias; consideração do “estado de coisas
inconstitucional” quando da aplicação e execução da pena.
Sob o ângulo do risco, aponta estar caracterizada a necessidade de
adoção urgente de providências a equacionar o problema relatado,
inclusive em prol da segurança de toda a sociedade. Postula o
deferimento de liminar para que seja determinado:

a) aos juízes e tribunais – que lancem, em casos de determinação ou


manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não
aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade,
estabelecidas no artigo 319 do Código de Processo Penal;

b) aos juízes e tribunais – que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos


Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia,
viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária
no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão;

c) aos juízes e tribunais – que considerem, fundamentadamente, o


quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de
implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o
processo de execução penal;

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d) aos juízes – que estabeleçam, quando possível, penas alternativas


à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente
cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo
arcabouço normativo;

e) ao juiz da execução penal – que venha a abrandar os requisitos


temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a
progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão
condicional da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da
pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do
quadro do sistema carcerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade
da sanção;

f) ao juiz da execução penal – que abata, da pena, o tempo de prisão,


se constatado que as condições de efetivo cumprimento foram
significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de
forma a compensar o ilícito estatal;

g) ao Conselho Nacional de Justiça – que coordene mutirão


carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em
curso no país, que envolvam a aplicação de pena privativa de liberdade,
visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”;

h) à União – que libere as verbas do Fundo Penitenciário Nacional,


abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.

No mérito, além da confirmação das medidas cautelares, pede que:

a) haja a declaração do “estado de coisas inconstitucional” do


sistema penitenciário brasileiro;

b) seja determinado ao Governo Federal a elaboração e o

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encaminhamento ao Supremo, no prazo máximo de três meses, de um


plano nacional visando à superação, dentro de três anos, do quadro
dramático do sistema penitenciário brasileiro;

c) o aludido plano contenha propostas e metas voltadas,


especialmente, à (I) redução da superlotação dos presídios; (II) contenção
e reversão do processo de hiperencarceramento existente no país; (III)
diminuição do número de presos provisórios; (IV) adequação das
instalações e alojamentos dos estabelecimentos prisionais aos parâmetros
normativos vigentes, no tocante a aspectos como espaço mínimo, lotação
máxima, salubridade e condições de higiene, conforto e segurança; (V)
efetiva separação dos detentos de acordo com critérios como gênero,
idade, situação processual e natureza do delito; (VI) garantia de
assistência material, de segurança, de alimentação adequada, de acesso à
justiça, à educação, à assistência médica integral e ao trabalho digno e
remunerado para os presos; (VII) contratação e capacitação de pessoal
para as instituições prisionais; (VIII) eliminação de tortura, maus-tratos e
aplicação de penalidades sem o devido processo legal nos
estabelecimentos prisionais; (IX) adoção de providências visando a
propiciar o tratamento adequado para grupos vulneráveis nas prisões,
como mulheres e população LGBT;

d) o plano preveja os recursos necessários à implementação das


propostas e o cronograma para a efetivação das medidas;

e) o plano seja submetido à análise do Conselho Nacional de Justiça,


da Procuradoria Geral da República, da Defensoria-Geral da União, do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho
Nacional do Ministério Público e de outros órgãos e instituições que
desejem se manifestar, vindo a ser ouvida a sociedade civil, por meio da
realização de uma ou mais audiências públicas;

f) o Tribunal delibere sobre o plano, para homologá-lo ou impor

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providências alternativas ou complementares, podendo valer-se do


auxílio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do
Conselho Nacional de Justiça;

g) uma vez homologado o plano, seja determinado aos Governos dos


estados e do Distrito Federal que formulem e apresentem ao Supremo,
em três meses, planos próprios em harmonia com o nacional, contendo
metas e propostas específicas para a superação do “estado de coisas
inconstitucional” na respectiva unidade federativa, no prazo máximo de
dois anos. Os planos estaduais e distrital deverão abordar os mesmos
aspectos do nacional e conter previsão dos recursos necessários e
cronograma;

h) sejam submetidos os planos estaduais e distrital à análise do


Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República, do
Ministério Público da respectiva unidade federativa, da Defensoria-Geral
da União, da Defensoria Pública do ente federativo, do Conselho
Seccional da OAB da unidade federativa, de outros órgãos e instituições
que desejem se manifestar e da sociedade civil, por meio de audiências
públicas a ocorrerem nas capitais dos respectivos entes federativos,
podendo ser delegada a realização das diligências a juízes auxiliares, ou
mesmo a magistrados da localidade, nos termos do artigo 22, inciso II, do
Regimento Interno do Supremo;

i) o Tribunal delibere sobre cada plano estadual e distrital, para


homologá-los ou impor providências alternativas ou complementares,
podendo valer-se do auxílio do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas
Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça;

j) o Supremo monitore a implementação dos planos nacional,


estaduais e distrital, com o auxílio do Departamento de Monitoramento e

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Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas


Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça, em processo público e
transparente, aberto à participação colaborativa da sociedade civil.

A requerente cumpriu o disposto no artigo 3º, parágrafo único, da


Lei nº 9.882, de 1999. O processo encontra-se concluso para apreciação do
pedido de medida acauteladora.
É o relatório.

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

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27/08/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – O pedido


é voltado a obter do Supremo o reconhecimento de o sistema prisional
brasileiro caracterizar-se como o denominado “estado de coisas
inconstitucional” ante a ocorrência de violação massiva de direitos
fundamentais dos presos, resultante de ações e omissões dos Poderes
Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal, considerado o
quadro de superlotação carcerária e das condições degradantes das
prisões do país. O requerente pede que o Tribunal determine a esses
Poderes a adoção de providências, de conteúdo e natureza diversos, para
afastar lesões de preceitos fundamentais.
O tema das condições inconstitucionais dos presídios brasileiros está
na ordem do dia do Tribunal.
No Recurso Extraordinário nº 580.252/MS, da relatoria do ministro
Teori Zavascki, o Supremo decidirá se o Estado deve indenizar, por meio
de reparação pecuniária, presos que sofrem danos morais por cumprirem
pena em presídios com condições degradantes. O relator votou pela
responsabilidade estatal, sendo acompanhado pelo ministro Gilmar
Mendes. Em voto-vista, o ministro Luís Roberto Barroso também
assentou o dever de indenizar, apontando, contudo, o cabimento da
remição de dias de pena, em vez de pagamento em pecúnia. O exame foi
interrompido por pedido de vista da ministra Rosa Weber.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil formalizou
ação direta de inconstitucionalidade, de nº 5.170/DF, versando o mesmo
tema. O pedido é de emprestar interpretação conforme à Constituição aos
artigos 43, 186 e 927 do Código Civil, a fim de ser declarada a

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

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responsabilidade civil do Estado pelos danos morais causados aos


detentos submetidos a condições sub-humanas, insalubres, degradantes
ou de superlotação carcerária. A relatora é a ministra Rosa Weber.
No Recurso Extraordinário nº 641.320/RS, relator ministro Gilmar
Mendes, o Tribunal reconheceu a repercussão geral da matéria relativa ao
direito de o condenado, estando em regime semiaberto, poder cumprir a
pena em regime aberto ou prisão domiciliar, quando ausente acomodação
adequada no sistema prisional. Para subsidiar o julgamento, o relator
designou audiência pública. Conforme notícia do sítio do Supremo, Sua
Excelência declarou ter assistido a relatos que deram conta dos problemas
graves do sistema carcerário brasileiro, vindo a concluir só haver três
formas de alcançar soluções “para a falência do sistema prisional:
comprometimento federativo, alocação de recursos financeiros e
integração institucional”.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.356/MS, relator
ministro Luiz Edson Fachin, impugna-se lei estadual por meio da qual foi
estabelecida a obrigação de instalar bloqueadores de sinais de
radiocomunicação nos estabelecimentos prisionais.
Tem-se o Recurso Extraordinário nº 592.581/RS, da relatoria do
ministro Ricardo Lewandowski, no qual o Tribunal assentou, sob o
ângulo da repercussão geral, a possibilidade de o Poder Judiciário obrigar
a União e os estados a realizarem obras em presídios para garantir a
integridade física dos presos, independentemente de dotação
orçamentária, constatada violação da dignidade da pessoa humana e
inobservância do mínimo existencial dos presos.
Esta arguição envolve a problemática do dever de o Poder Público
realizar melhorias em presídios ou construir novos com a finalidade de
reduzir o déficit de vagas prisionais. Vai além: versa a interpretação e a
aplicação das leis penais e processuais de modo a minimizar a crise
carcerária, implantar a forma eficiente de utilização dos recursos
orçamentários que compõem o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN
e o dever de elaboração, pela União, estados e Distrito Federal, de planos
de ação voltados a racionalizar o sistema prisional e acabar com a

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ADPF 347 MC / DF

violação de direitos fundamentais dos presos sujeitos às condições de


superlotação carcerária, acomodações insalubres e falta de acesso a
direitos básicos, como saúde, educação, alimentação saudável, trabalho,
assistência jurídica, indispensáveis a uma vida minimamente digna e
segura.
Por isso, entendo de relevância maior a apreciação do pedido de
implemento de medida cautelar. Não se tem tema “campeão de
audiência”, de agrado da opinião pública. Ao contrário, trata-se de pauta
impopular, envolvendo direitos de um grupo de pessoas não
simplesmente estigmatizado, e sim cuja dignidade humana é tida por
muitos como perdida, ante o cometimento de crimes. Em que pese a
atenção que este Tribunal deve ter em favor das reivindicações sociais
majoritárias, não se pode esquecer da missão de defesa de minorias, do
papel contramajoritário em reconhecer direitos daqueles que a sociedade
repudia e os poderes políticos olvidam, ou fazem questão de ignorar.

PRELIMINAR

O autor sustenta a adequação da via eleita, porque estariam


preenchidos os requisitos de violação de preceitos fundamentais, de
impugnação de atos do Poder Público e de inexistência de outro meio
eficaz de sanar a lesividade. Tenho-os como satisfeitos.
Os direitos apontados como ofendidos consubstanciam preceitos
fundamentais: dignidade da pessoa humana, vedação de tortura e de
tratamento desumano, assistência judiciária e os direitos sociais à saúde,
educação, trabalho e segurança dos presos.
Há relação de causa e efeito entre atos comissivos e omissivos dos
Poderes Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal, atacados
nesta ação, e o quadro de transgressão de direitos relatado. O
afastamento do estado de inconstitucionalidades, conforme se pretende
nesta ação, só é possível mediante mudança significativa do
comportamento do Poder Público, considerados atos de natureza
normativa, administrativa e judicial.

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Quanto ao disposto no artigo 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99 – a regra de


que não será admitida arguição de descumprimento de preceito
fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a
lesividade –, entendo estar atendido, porquanto inexiste, no âmbito do
controle abstrato de normas, instrumento diverso mediante o qual
possam ser impugnados de forma abrangente, linear, os atos relacionados
às lesões a preceitos fundamentais articuladas.
Assento a adequação do instrumento.

MÉRITO

A situação vexaminosa do sistema penitenciário brasileiro

O autor aponta violações sistemáticas de direitos fundamentais dos


presos decorrentes do quadro revelado no sistema carcerário brasileiro. O
Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, comparou as prisões
brasileiras às “masmorras medievais”. A analogia não poderia ser melhor.
Dados da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos
Deputados (2007-2009), do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e da
Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Clínica UERJ Direitos, cuja
representação ao autor deu origem a este processo, confirmam o cenário
descrito pelo requerente.
Segundo as investigações realizadas, a população carcerária, maioria
de pobres e negros, alcançava, em maio de 2014, 711.463 presos, incluídos
147.397 em regime domiciliar, para 357.219 vagas disponíveis. Sem levar
em conta o número de presos em domicílio, o déficit é de 206.307,
subindo para 354.244, se computado. A deficiência de vagas poderia ser
muito pior se não fossem os 373.991 mandados de prisão sem
cumprimento. Considerando o número total, até mesmo com as prisões
domiciliares, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do
mundo, depois dos Estados Unidos e da China. Tendo presentes apenas
os presos em presídios e delegacias, o Brasil fica em quarto lugar, após a

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Rússia.
A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes condições:
superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas
imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida
imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de
acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem
como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas,
insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas,
discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.
Com o déficit prisional ultrapassando a casa das 206 mil vagas, salta
aos olhos o problema da superlotação, que pode ser a origem de todos os
males. No Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da
Câmara dos Deputados, formalizado em 2009, concluiu-se que “a
superlotação é talvez a mãe de todos os demais problemas do sistema
carcerário. Celas superlotadas ocasionam insalubridade, doenças, motins,
rebeliões, mortes, degradação da pessoa humana. A CPI encontrou
homens amontoados como lixo humano em celas cheias, se revezando
para dormir, ou dormindo em cima do vaso sanitário”.
Consta, na representação da Clínica UERJ Direitos, que, nos
presídios e delegacias, por todo o país, as celas são abarrotadas de presos,
que convivem espremidos, dormem sem camas ou colchões, em redes
suspensas no teto, “dentro” das paredes, em pé, em banheiros,
corredores, pátios, barracos ou contêineres. Muitas vezes, precisam se
revezar para dormir.
Os presídios e delegacias não oferecem, além de espaço, condições
salubres mínimas. Segundo relatórios do Conselho Nacional de Justiça –
CNJ, os presídios não possuem instalações adequadas à existência
humana. Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas
imundas, sem iluminação e ventilação representam perigo constante e
risco à saúde, ante a exposição a agentes causadores de infecções
diversas. As áreas de banho e sol dividem o espaço com esgotos abertos,
nos quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso a água, para
banho e hidratação, ou a alimentação de mínima qualidade, que, muitas

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vezes, chega a eles azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as


mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem material de higiene
básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, para as mulheres,
absorvente íntimo. A Clínica UERJ Direitos informa que, em cadeia
pública feminina em São Paulo, as detentas utilizam miolos de pão para a
contenção do fluxo menstrual.
Além da falta de acesso a trabalho, educação ou qualquer outra
forma de ocupação do tempo, os presos convivem com as barbáries
promovidas entre si. São constantes os massacres, homicídios, violências
sexuais, decapitação, estripação e esquartejamento. Sofrem com a tortura
policial, espancamentos, estrangulamentos, choques elétricos, tiros com
bala de borracha.
Quanto aos grupos vulneráveis, há relatos de travestis sendo
forçados à prostituição. Esses casos revelam a ausência de critério de
divisão de presos por celas, o que alcança também os relativos a idade,
gravidade do delito e natureza temporária ou definitiva da penalidade.
O sistema como um todo surge com número insuficiente de agentes
penitenciários, que ainda são mal remunerados, não recebem treinamento
adequado, nem contam com equipamentos necessários ao desempenho
das próprias atribuições.
O quadro não é exclusivo desse ou daquele presídio. A situação
mostra-se similar em todas as unidades da Federação, devendo ser
reconhecida a inequívoca falência do sistema prisional brasileiro.

A violação de diversos direitos fundamentais e o aumento da


criminalidade

Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema


prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos
fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e
integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das
instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo
Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento

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degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia.


As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios
convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se “lixo
digno do pior tratamento possível”, sendo-lhes negado todo e qualquer
direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto do
Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as
“masmorras medievais”.
Nesse contexto, diversos dispositivos, contendo normas nucleares do
programa objetivo de direitos fundamentais da Constituição Federal, são
ofendidos: o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso
III); a proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante de seres
humanos (artigo 5º, inciso III); a vedação da aplicação de penas cruéis
(artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”); o dever estatal de viabilizar o
cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a
natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a
segurança dos presos à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX);
e os direitos à saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e
assistência social (artigo 6º) e à assistência judiciária (artigo 5º, inciso
LXXIV).
Outras normas são afrontadas, igualmente reconhecedoras dos
direitos dos presos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis,
Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos
Humanos.
Também a legislação interna é transgredida: a Lei nº 7.210, de 1984, a
chamada “Lei de Execução Penal”, na qual são assegurados diversos
desses direitos, inclusive o alusivo a cela individual salubre e com área
mínima de seis metros quadrados, e a Lei Complementar nº 79/94, por
meio da qual foi criado o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, cujos
recursos estão sendo contingenciados pela União, impedindo a
formulação de novas políticas públicas ou a melhoria das existentes e
contribuindo para o agravamento do quadro.
Importa destacar que a forte violação dos direitos fundamentais dos

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presos repercute além das respectivas situações subjetivas, produzindo


mais violência contra a própria sociedade. Segundo as palavras da
professora Ana Paula de Barcellos, “o tratamento desumano conferido
aos presos não é um problema apenas dos presos: a sociedade livre recebe
os reflexos dessa política sob a forma de mais violência” (BARCELLOS,
Ana Paula de. Violência urbana, condições das prisões e dignidade
humana. Revista de Direito Administrativo nº 254, 2010 [Biblioteca Digital
Fórum de Direito Público]).
Os cárceres brasileiros não servem à ressocialização dos presos. É
incontestável que implicam o aumento da criminalidade, transformando
pequenos delinquentes em “monstros do crime”. A prova da ineficiência
do sistema como política de segurança pública está nas altas taxas de
reincidência. E o que é pior: o reincidente passa a cometer crimes ainda
mais graves. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, essa
taxa fica em torno de 70% e alcança, na maioria, presos provisórios que
passaram, ante o contato com outros mais perigosos, a integrar alguma
das facções criminosas.
A situação é, em síntese, assustadora: dentro dos presídios, violações
sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e
da insegurança social.

A responsabilidade do Poder Público

A responsabilidade pelo estágio ao qual chegamos, como aduziu o


requerente, não pode ser atribuída a um único e exclusivo Poder, mas aos
três – Legislativo, Executivo e Judiciário –, e não só os da União, como
também os dos estados e do Distrito Federal. Há, na realidade, problemas
tanto de formulação e implementação de políticas públicas, quanto de
interpretação e aplicação da lei penal. Falta coordenação institucional. O
quadro inconstitucional de violação generalizada e contínua dos direitos
fundamentais dos presos é diariamente agravado em razão de ações e
omissões, falhas estruturais, de todos os poderes públicos da União, dos
estados e do Distrito Federal, sobressaindo a sistemática inércia e

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incapacidade das autoridades públicas em superá-lo.


Apesar de muitos dos direitos violados serem assegurados na Lei nº
7.210/84 – Lei de Execução Penal – e na Lei Complementar nº 79/94 – Lei
do Fundo Penitenciário Nacional –, assiste-se à omissão reiterada e
persistente das autoridades públicas no cumprimento das obrigações
estabelecidas em favor dos presos. Verifica-se situação de fracasso das
políticas legislativas, administrativas e orçamentárias. Há defeito
generalizado e estrutural de políticas públicas e nada é feito pelos
Poderes Executivo e Legislativo para transformar o quadro.
A inércia configura-se não apenas quando ausente a legislação, mas
também se inexistente qualquer tentativa de modificação da situação,
uma vez identificada a insuficiência da proteção conferida pela execução
das normas vigentes. Esse é o cenário legislativo dos direitos dos presos –
as leis, versando-os, simplesmente “não pegaram”, não se concretizaram
em proteção efetiva daqueles que deveriam ser beneficiados, e nada se
tenta para alterar isso. É possível citar, por exemplo, o fato de, mesmo
instalada a mencionada Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara
dos Deputados, constatadas as inconstitucionalidades decorrentes de
sistema carcerário e notificadas diversas autoridades a respeito, não
foram envidados esforços e propostas para modificá-lo.
A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias
eficazes representa falha estrutural a gerar tanto a violação sistemática
dos direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da situação. A
inércia, como dito, não é de uma única autoridade pública – do
Legislativo ou do Executivo de uma particular unidade federativa –, e sim
do funcionamento deficiente do Estado como um todo. Os poderes,
órgãos e entidades federais e estaduais, em conjunto, vêm se mantendo
incapazes e manifestando verdadeira falta de vontade em buscar superar
ou reduzir o quadro objetivo de inconstitucionalidade. Faltam
sensibilidade legislativa e motivação política do Executivo.
É possível apontar a responsabilidade do Judiciário no que 41%
desses presos, aproximadamente, estão sob custódia provisória. Pesquisas
demonstram que, julgados, a maioria alcança a absolvição ou a

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condenação a penas alternativas, surgindo, assim, o equívoco da chamada


“cultura do encarceramento”.
Verifica-se a manutenção de elevado número de presos para além do
tempo de pena fixado, evidenciada a inadequada assistência judiciária.
Não é por menos que os mutirões carcerários do Conselho Nacional de
Justiça – CNJ tiveram como resultado a libertação, desde 2008, de dezenas
de milhares de presos que já haviam cumprido pena. Os reclusos, muitas
vezes, não possuem sequer informações sobre os processos criminais. É
certo que o Judiciário e a Defensoria Pública contam com número
insuficiente de Varas de Execuções Penais, implicando o encarceramento
acima do que determinado judicialmente. A violação aos direitos
fundamentais processuais dos presos agrava ainda mais o problema da
superlotação carcerária.
A responsabilidade do Poder Público é sistêmica, revelado amplo
espectro de deficiência nas ações estatais. Tem-se a denominada “falha
estatal estrutural”. As leis existentes, porque não observadas, deixam de
conduzir à proteção aos direitos fundamentais dos presos. Executivo e
Legislativo, titulares do condomínio legislativo sobre as matérias
relacionadas, não se comunicam. As políticas públicas em vigor mostram-
se incapazes de reverter o quadro de inconstitucionalidades. O Judiciário,
ao implementar número excessivo de prisões provisórias, coloca em
prática a “cultura do encarceramento”, que, repita-se, agravou a
superlotação carcerária e não diminuiu a insegurança social nas cidades e
zonas rurais.
Em síntese, assiste-se ao mau funcionamento estrutural e histórico
do Estado – União, estados e Distrito Federal, considerados os três
Poderes – como fator da violação de direitos fundamentais dos presos e
da própria insegurança da sociedade. Ante tal quadro, a solução, ou
conjunto de soluções, para ganhar efetividade, deve possuir alcance
orgânico de mesma extensão, ou seja, deve envolver a atuação
coordenada e mutuamente complementar do Legislativo, do Executivo e
do Judiciário, dos diferentes níveis federativos, e não apenas de um único
órgão ou entidade.

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Trata-se do que a doutrina vem designando de “litígio estrutural”,


no qual são necessárias outras políticas públicas ou correção daquelas
que não alcançam os objetivos desejados, alocação de recursos
orçamentários, ajustes nos arranjos institucionais e nas próprias
instituições, novas interpretações e aplicações das leis penais, enfim, um
amplo conjunto de mudanças estruturais, envolvida uma pluralidade de
autoridades públicas.
A vontade política de um único órgão ou poder não servirá para
resolver o quadro de inconstitucionalidades. A eliminação ou a redução
dos problemas dependem da coordenação de medidas de diferentes
naturezas e oriundas da União, dos estados e do Distrito Federal:
intervenções legislativas, executivas, orçamentárias e interpretativas
(Judiciário). A solução requer ações orquestradas, a passagem do concerto
(com C) institucional para o conserto (com S) do quadro inconstitucional.
Importante identificar qual papel pode o Supremo desempenhar
para viabilizar esse novo arranjo.

O possível papel do Supremo

O requerente diz estar configurado o denominado, pela Corte


Constitucional da Colômbia, de “estado de coisas inconstitucional”.
Segundo as decisões desse Tribunal, há três pressupostos principais:
situação de violação generalizada de direitos fundamentais; inércia ou
incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em
modificar a situação; a superação das transgressões exigir a atuação não
apenas de um órgão, e sim de uma pluralidade de autoridades (Corte
Constitucional da Colômbia, Sentencia nº SU-559, de 6 de novembro de
1997; Sentencia T-068, de 5 de março de 1998; Sentencia SU – 250, de 26 de
maio de 1998; Sentencia T-590, de 20 de outubro de 1998; Sentencia T – 525,
de 23 de julho de 1999; Sentencia T-153, de 28 de abril de 1998; Sentencia T
– 025, de 22 de janeiro de 2004).
A formulação da tese do requerente me fez lembrar passagem do
voto do ministro Aliomar Baleeiro, proferido, em 23 de agosto de 1967,

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como relator, no Recurso Extraordinário nº 62.731, originário do antigo


Estado da Guanabara, envolvida a constitucionalidade da disciplina da
“purgação da mora em contratos de locação comercial” por meio de
decreto-lei (o de nº 322, de 7 de abril de 1967). O Presidente da República
havia formalizado o ato com base na faculdade, versada no artigo 58,
inciso I, da Carta de 1967, de disciplinar “assuntos de segurança
nacional” por esse instrumento. Ante a dificuldade em definir todos os
casos que poderiam ser alcançados pelo conceito de segurança nacional, o
ministro Aliomar Baleeiro disse: “por exclusão, podemos dizer o que é
‘segurança nacional’[...]: bola de futebol não é segurança nacional, batom
de moça não é segurança nacional, cigarro de maconha não é segurança
nacional”. Locação também não seria segurança nacional. Sua Excelência
assentou uma zona de certeza negativa do conceito para concluir pela
inconstitucionalidade do uso do decreto-lei a versar locação, no que foi
acompanhado pela maioria.
O raciocínio lógico do ministro Aliomar Baleeiro vale para este
processo, apenas sendo preciso considerar o sentido inverso. Ante os
pressupostos formulados pela Corte Constitucional da Colômbia para
apontar a configuração do “estado de coisas inconstitucional”, não seria
possível indicar, com segurança, entre os muitos problemas de direitos
enfrentados no Brasil, como saneamento básico, saúde pública, violência
urbana, todos que se encaixariam nesse conceito. Todavia, as dificuldades
em se definir o alcance maior do termo não impedem, tendo em conta o
quadro relatado, seja consignada uma zona de certeza positiva: o sistema
carcerário brasileiro enquadra-se na denominação de “estado de coisas
inconstitucional”.
Independentemente de rótulos, importa esclarecer quais
implicações, presentes os limites de atuação do Supremo, surgem a partir
do reconhecimento de se encontrarem satisfeitos os pressupostos
próprios desse estado de coisas. Qual papel o Supremo está legitimado a
desempenhar ante o estágio elevadíssimo de inconstitucionalidades?
Com relação aos problemas causados pela chamada “cultura do
encarceramento”, do número de prisões provisórias decorrente de

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possíveis excessos na forma de interpretar-se e aplicar-se a legislação


penal e processual, cabe ao Tribunal exercer função típica de racionalizar
a concretização da ordem jurídico-penal de modo a minimizar o quadro,
em vez de agravá-lo, como vem ocorrendo.
Há dificuldades, no entanto, quanto à necessidade de o Supremo
exercer função atípica, excepcional, que é a de interferir em políticas
públicas e escolhas orçamentárias. Controvérsias teóricas não são aptas a
afastar o convencimento no sentido de que o reconhecimento de estarem
atendidos os pressupostos do estado de coisas inconstitucional resulta na
possibilidade de o Tribunal tomar parte, na adequada medida, em
decisões primariamente políticas sem que se possa cogitar de afronta ao
princípio democrático e da separação de poderes.
A forte violação de direitos fundamentais, alcançando a transgressão
à dignidade da pessoa humana e ao próprio mínimo existencial justifica a
atuação mais assertiva do Tribunal. Trata-se de entendimento pacificado,
como revelado no julgamento do aludido Recurso Extraordinário nº
592.581/RS, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, no qual
assentada a viabilidade de o Poder Judiciário obrigar a União e estados a
realizarem obras em presídios para garantir a integridade física dos
presos, independentemente de dotação orçamentária. Inequivocamente, a
realização efetiva desse direito é elemento de legitimidade do Poder
Público em geral.
Há mais: apenas o Supremo revela-se capaz, ante a situação descrita,
de superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o
avanço de soluções, o que significa cumprir ao Tribunal o papel de retirar
os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas
públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. Isso é o que se
aguarda deste Tribunal e não se pode exigir que se abstenha de intervir,
em nome do princípio democrático, quando os canais políticos se
apresentem obstruídos, sob pena de chegar-se a um somatório de inércias
injustificadas. Bloqueios da espécie traduzem-se em barreiras à
efetividade da própria Constituição e dos Tratados Internacionais sobre
Direitos Humanos.

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Repita-se: a intervenção judicial mostra-se legítima presente padrão


elevado de omissão estatal frente a situação de violação generalizada de
direitos fundamentais. Verificada a paralisia dos poderes políticos,
argumentos idealizados do princípio democrático fazem pouco sentido
prático.
No caso dos presos, os bloqueios ou desacordos políticos encontram
razões tanto na sub-representação parlamentar como na impopularidade
desses indivíduos. A primeira decorre do fato de os condenados
criminalmente ficarem impedidos de votar e serem votados. Têm os
direitos políticos suspensos enquanto perdurarem os efeitos da sentença
condenatória transitada em julgado (artigo 15, inciso III, da Constituição
Federal). Então, não gozam de representação política direta.
A segunda é ainda mais problemática, configurando os presos
minoria socialmente desprezada. Conforme apontou Ana Paula de
Barcellos, os cidadãos livres acreditam, recusando a dimensão ontológica
da dignidade humana, que o criminoso perde o direito à vida digna ou
mesmo a condição humana, não sendo titular de quaisquer direitos
fundamentais (BARCELLOS, Ana Paula de. Violência urbana, condições
das prisões e dignidade humana. Revista de Direito Administrativo nº 254,
2010 [Biblioteca Digital Fórum de Direito Público]). Com tais conceitos
disseminados, a opinião pública não aceita seja dada prioridade, no
tocante aos gastos públicos, à melhoria das instalações prisionais. Muitos
até acreditam que as condições desumanas das prisões consubstanciam
retribuição aos crimes praticados pelos detentos.
Em síntese, a impopularidade dos presos faz com que os políticos,
salvo raríssimas exceções, não reivindiquem recursos públicos a serem
aplicados em um sistema carcerário voltado ao oferecimento de condições
de existência digna. A opinião pública está no coração da estrutura
democrático-parlamentar. Ignorá-la pode significar não só o fracasso das
políticas que defendem, mas também das tentativas de reeleição a cargos
no Legislativo e no Executivo. Essa preocupação é tanto maior quanto
mais envolvida matéria a atrair a atenção especial do público. Questões
criminais são capazes de gerar paixões em um patamar que outros temas

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e áreas do Direito não conseguem. A sociedade não tolera mais a


criminalidade e a insegurança pública, e isso implica ser contrária à
preocupação com a tutela das condições dignas do encarceramento.
Essa rejeição tem como consequência direta bloqueios políticos, que
permanecerão se não houver intervenção judicial. Pode-se prever a
ausência de probabilidade de os poderes políticos, por si sós, tomarem a
iniciativa de enfrentar tema de tão pouco prestígio popular. Em casos
assim, bloqueios costumam ser insuperáveis.
Comparem com a saúde pública: há defeitos estruturais sérios nesse
campo, mas tem-se vontade política em resolvê-los. Não existe um
candidato que não paute a campanha eleitoral, entre outros temas, na
melhoria do sistema. Todos querem ser autores de propostas que elevem
a qualidade dos serviços. Deputados lutam pela liberação de recursos
financeiros em favor da população das respectivas bases e territórios
eleitorais. A saúde pública sofre com déficits de eficiência, impugnados
judicialmente por meio de um sem-número de ações individuais, mas não
corre o risco de piora significativa em razão da ignorância política ou do
desprezo social. O tema possui apelo democrático, ao contrário do
sistema prisional.
É difícil imaginar candidatos que tenham como bandeira de
campanha a defesa da dignidade dos presos. A rejeição popular faz com
que a matéria relativa à melhoria do sistema prisional enfrente o que os
cientistas políticos chamam de “ponto cego legislativo” (legislative
blindspot): o debate parlamentar não a alcança. Legisladores e governantes
temem os custos políticos decorrentes da escolha por esse caminho,
acarretando a incapacidade da democracia parlamentar e dos governos
popularmente eleitos de resolver graves problemas de direitos
fundamentais. A história possui vários exemplos de agentes políticos
haverem acionado cortes constitucionais, visando encontrar soluções a
casos moralmente controvertidos e impopulares e, assim, evitar choques
com a opinião púbica. Os poderes majoritários apostam no perfil
contramajoritário das cortes constitucionais ou supremas: condenadas
judicialmente a atuar, autoridades públicas se escudam no Estado de

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Direito e no consectário dever de observar ordens judiciais para


implementar aquilo que teriam feito voluntariamente se não temessem
custos políticos.
Não se quer dizer com isso que o Tribunal não deva atenção à
opinião pública. Mesmo o Judiciário não pode prescindir da confiança
popular acerca da legitimidade das decisões que produz. Juízes e
Tribunais não podem permitir que o público perca a fé na instituição
“Judiciário” e no sistema de justiça penal. A credibilidade moral da justiça
criminal é relevante como fator de respeito difuso às leis e às instituições
e de prevenção a iniciativas de “justiça com as próprias mãos”. Consoante
ressaltei na apreciação do 26º Agravo Regimental na Ação Penal nº 470,
da relatoria do ministro Joaquim Barbosa – com acórdão, redigido pelo
ministro Luís Roberto Barroso, publicado no Diário da Justiça de 17 de
fevereiro de 2014 –, é sempre salutar a “harmonia entre os
pronunciamentos do Tribunal e os anseios legítimos – não os ilegítimos –
da sociedade na busca de rumos”. O Direito – afirmei à época – “é, acima
de tudo, bom senso e está ao alcance do próprio leigo”, de forma que os
Ministros devem ter presente a percepção da sociedade em relação ao
Supremo.
Todavia, essa atenção não pode implicar desprezo aos mais
relevantes princípios e regras da Carta Federal. A opinião pública não
possui diploma de bacharel em Direito. Como destaquei no julgamento
no qual o Supremo assentou a aplicação da anualidade eleitoral à Lei da
Ficha-Limpa – a Lei Complementar nº 135, de 2010 –, apesar de ser
“muito bom quando há coincidência entre o convencimento do juiz e o
anseio popular”, o magistrado não pode se deixar impressionar se a
necessária observância da Constituição pressupor rumo diverso do
desejado pela opinião pública. A “cadeira vitalícia” de Ministro do
Supremo assegura a atuação “segundo a ciência e a consciência
possuídas”, com insulamento político e social suficiente para diferenciar
anseios sociais legítimos da influência opressiva da opinião pública
contra princípios e direitos fundamentais da ordem constitucional
(Recurso Extraordinário nº 633.703/DF, relator ministro Gilmar Mendes,

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apreciado em 23 de março de 2011).


Isso significa que se atua, no Supremo, por meio de códigos distintos
perante a opinião pública, comparados aos dos Poderes Legislativo e
Executivo. Deve-se rejeitar o populismo judicial, ainda mais consideradas
as esferas de liberdade e dignidade dos indivíduos, sempre envolvidas
nos processos penais. Juízes e Tribunais devem buscar credibilidade
popular, mas mediante os motivos juridicamente adequados das decisões.
No sistema carcerário brasileiro, conforme já consignado, são violados
diversos preceitos constitucionais: o da dignidade da pessoa humana e
vários direitos sociais no patamar do mínimo existencial. Promove-se,
indiretamente, o aumento da criminalidade. Tanto do ponto de vista
liberal da dignidade inerente a todos os seres humanos, quanto sob o
ângulo utilitarista da maximização do bem-estar dos membros da
sociedade, a atitude certa é a de buscar soluções para a tragédia diária
dos cárceres brasileiros, pouco importando a opinião majoritariamente
contrária.
Em síntese, a solução das graves violações de direitos fundamentais
dos presos, decorrentes da falência do sistema prisional, presentes
políticas públicas ineficientes e de resultados indesejados, não consegue
avançar nas arenas políticas ante a condição dos presos, de grupo social
minoritário, impopular e marginalizado. Nesse cenário de bloqueios
políticos insuperáveis, fracasso de representação, pontos cegos
legislativos e temores de custos políticos, a intervenção do Supremo, na
medida correta e suficiente, não pode sofrer qualquer objeção de natureza
democrática.
No tocante ao possível óbice atinente à separação de Poderes, à
alegação das capacidades institucionais superiores do Legislativo e do
Executivo comparadas às do Judiciário, há de se atentar para as falhas
estruturais ante o vazio de políticas públicas eficientes. É impertinente
levar em conta, no caso examinado, essas formulações teóricas, uma vez
que é a própria atuação estatal deficiente o fator apontado como a gerar e
agravar a transgressão sistêmica e sistemática de direitos fundamentais. A
intervenção judicial é reclamada ante a incapacidade demonstrada pelas

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instituições legislativas e administrativas, o que torna o argumento


comparativo sem sentido empírico. Daí por que a intervenção judicial
equilibrada, inclusive quando há envolvimento de escolhas
orçamentárias, não pode ser indicada como fator de afronta às
capacidades institucionais dos outros Poderes, se o exercício vem se
revelando desastroso.
Nada do que foi afirmado autoriza, todavia, o Supremo a substituir-
se ao Legislativo e ao Executivo na consecução de tarefas próprias. O
Tribunal deve superar bloqueios políticos e institucionais sem afastar
esses Poderes dos processos de formulação e implementação das soluções
necessárias. Deve agir em diálogo com os outros Poderes e com a
sociedade. Cabe ao Supremo catalisar ações e políticas públicas,
coordenar a atuação dos órgãos do Estado na adoção dessas medidas e
monitorar a eficiência das soluções.
Não lhe incumbe, no entanto, definir o conteúdo próprio dessas
políticas, os detalhes dos meios a serem empregados. Em vez de
desprezar as capacidades institucionais dos outros Poderes, deve
coordená-las, a fim de afastar o estado de inércia e deficiência estatal
permanente. Não se trata de substituição aos demais Poderes, e sim de
oferecimento de incentivos, parâmetros e objetivos indispensáveis à
atuação de cada qual, deixando-lhes o estabelecimento das minúcias. Há
de se alcançar o equilíbrio entre respostas efetivas às violações de direitos
e as limitações institucionais reveladas na Carta da República.
Ao Supremo cumpre interferir nas escolhas orçamentárias e nos
ciclos de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas,
mas sem detalhá-las. Deve formular ordens flexíveis, com margem de
criação legislativa e de execução a serem esquematizadas e avançadas
pelos outros Poderes, cabendo-lhe reter jurisdição para monitorar a
observância da decisão e o sucesso dos meios escolhidos. Ao atuar assim,
reservará aos Poderes Executivo e Legislativo o campo democrático e
técnico de escolhas sobre a forma mais adequada para a superação do
estado de inconstitucionalidades, vindo apenas a colocar a máquina
estatal em movimento e cuidar da harmonia dessas ações. Como destaca

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a doutrina colombiana, o Tribunal não chega a ser um “elaborador” de


políticas públicas, e sim um “coordenador institucional”, produzindo um
“efeito desbloqueador” (GRAVITO, César Rodríguez; FRANCO, Diana
Rodríguez. Cortes y Cambio Social. Cómo la Corte Constitucional transformó el
desplazamiento forzado en Colombia. Bogotá: Dejusticia, 2010, p. 39).
Esse é, enfim, o papel que deve desempenhar o Tribunal em favor da
superação do quadro de inconstitucionalidades do sistema prisional:
retirar as autoridades públicas do estado de letargia, provocar a
formulação de novas políticas públicas, aumentar a deliberação política e
social sobre a matéria e monitorar o sucesso da implementação das
providências escolhidas, assegurando, assim, a efetividade prática das
soluções propostas. Ordens flexíveis sob monitoramento previnem a
supremacia judicial e, ao mesmo tempo, promovem a integração
institucional cogitada pelo ministro Gilmar Mendes, formuladas que são
no marco de um constitucionalismo cooperativo.

Das medidas cautelares pleiteadas

A fundamentação desenvolvida alcança todo o conjunto de pedidos


formulados pelo requerente. Entretanto, a apreciação, neste momento,
deve-se limitar aos oito pedidos de natureza cautelar: sete versando a
interpretação e aplicação da legislação penal e processual penal e um
tratando de medida orçamentária da União.
Os dois primeiros dirigem-se à redução do número de prisões
provisórias e, consequentemente, do déficit de vagas do sistema prisional.
O requerente pede seja determinado a juízes e tribunais, em casos de
formalização ou manutenção de prisão provisória, que lancem a
motivação expressa pela qual não aplicam medidas cautelares
alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no artigo 319 do
Código de Processo Penal. Consubstancia reivindicação antiga para
modificação do artigo 310 do aludido Código. Como se sabe, a prisão
provisória, que deveria ser excepcional, virou a regra, ficando os
indivíduos meses ou anos detidos, provisoriamente, sem exame

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adequado das razões da prisão. Banaliza-se o instituto, olvida-se o


princípio constitucional da não culpabilidade (artigo 5º, inciso LVII) e
contribui-se para o problema da superlotação carcerária. Tenho como
adequado o pedido.
O segundo pleito concerne à audiência de custódia, instrumento ao
qual o ministro Ricardo Lewandowski, como Presidente do Conselho
Nacional de Justiça – CNJ, vem dando atenção especial, buscando torná-
lo realidade concreta, no Judiciário, em diferentes unidades federativas e
combatendo a cultura do encarceramento. A imposição da realização de
audiências de custódia há de ser estendida a todo o Poder Judiciário do
país. A medida está prevista nos artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e
Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, já
internalizados no Brasil, o que lhes confere hierarquia legal. A
providência conduzirá, de início, à redução da superlotação carcerária,
além de implicar diminuição considerável dos gastos com a custódia
cautelar – o custo médio mensal individual seria, aproximadamente, de
R$ 2.000,00. A pretensão também merece acolhimento.
Ante o quadro dramático do sistema prisional, devem ser deferidos
os pleitos voltados à observância do estado de inconstitucionalidades
apontado, quando da concessão de cautelares penais, da aplicação da
pena, durante o processo de execução penal e ao tempo da escolha de
penas alternativas à prisão definitiva.
O requerente formula dois últimos pedidos da espécie, envolvendo o
tempo de prisão: o abrandamento dos requisitos temporais para a fruição
de benefícios e direitos dos presos, uma vez constatadas as condições
desumanas do sistema carcerário, e o abatimento do tempo de prisão pelo
mesmo motivo. Tenho-os como insubsistentes.
Em relação aos benefícios e direitos dos presos, há disciplina legal
que não pode ser flexibilizada em abstrato. A contagem de tempo para a
fruição desses direitos há de ser feita caso a caso, observando-se os
parâmetros legais. Quanto ao pedido de compensação do tempo de
custódia definitiva, falta previsão legal para tanto.
Indeferidos esses pleitos, o mesmo deve ser feito, por prejuízo,

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 210

ADPF 347 MC / DF

relativamente ao que envolve a atuação do Conselho Nacional de Justiça


visando o implemento das medidas.
O último pedido diz respeito a escolha orçamentária da União e
volta-se à imediata liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional
– FUNPEN e à proibição de a União realizar novos contingenciamentos.
O Fundo foi criado pela Lei Complementar nº 79, de 1994, sendo
destinado, segundo a cabeça do artigo 1º, a “proporcionar recursos e
meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização
e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro”. A gestão desses
recursos cabe ao Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN.
Narra-se que esses valores têm sido, desde a criação do Fundo,
muito mal aplicados. Relatórios do próprio Departamento dão conta de
que a maior parte é contingenciada ou, simplesmente, não utilizada. Para
o ano de 2013, por exemplo, a dotação foi de R$ 384,2 milhões, tendo sido
empenhados R$ 333,4 milhões. Todavia, apenas R$ 73,6 milhões foram
usados: R$ 40,7 milhões do orçamento do ano e R$ 32,8 milhões de restos
a pagar. Isso significa que mais de 80% dos valores deixaram de ser
utilizados. De acordo com a organização Contas Abertas, o saldo contábil
do Fundo, no ano de 2013, chegou a R$ 1,8 bilhão. Segundo o requerente,
ao fim de 2014, o saldo já era de R$ 2,2 bilhões.
A situação levou a senadora Ana Amélia, do Rio Grande do Sul, a
apresentar projeto de lei complementar – PLC nº 25, de 2014 – voltado a
proibir o contingenciamento, versado de forma genérica na Lei de
Responsabilidade Fiscal, dos recursos do mencionado Fundo. Em um dos
raros exemplos de preocupação de um agente político com o ocaso do
sistema penitenciário brasileiro – outro é a própria formalização desta
arguição por partido político –, a parlamentar justifica a proposta na
necessidade de serem criados meios de garantir “a segurança da
população, ao mesmo tempo em que se possibilite a reinserção social
daqueles que um dia cometeram um erro”.
Não obstante a iniciativa, o que revela tentativa interna de
ultrapassar os bloqueios políticos existentes no Congresso, a situação
dramática não pode esperar o fim da deliberação legislativa. Protocolado

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 210

ADPF 347 MC / DF

em 6 de fevereiro de 2014, o projeto, sem parecer, encontra-se na


Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, aguardando a
designação de novo relator. A existência de propostas legislativas não
significa deliberação e decisão política sobre o tema.
A violação da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial
autoriza a judicialização do orçamento, sobretudo se considerado o fato
de que recursos legalmente previstos para o combate a esse quadro vêm
sendo contingenciados, anualmente, em valores muito superiores aos
efetivamente realizados, apenas para alcançar metas fiscais. Essa prática
explica parte do fracasso das políticas públicas existentes. Como assevera
o professor Eduardo Bastos de Mendonça, “políticas públicas são
definidas concretamente na lei orçamentária, em função das
possibilidades financeiras do Estado”, de forma que “a retenção de
verbas tende a produzir, na melhor das hipóteses, programas menos
abrangentes”. Segundo o autor, a medida mostra-se ainda mais
problemática tendo em conta “que os cortes têm atingido programas
relacionados a áreas em que, para além de qualquer dúvida, a atuação do
Estado tem sido insatisfatória ou insuficiente”, como é o caso do sistema
penitenciário nacional (MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. A
Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar,
2010, p. 97-98).
Os valores não utilizados deixam de custear não somente reformas
dos presídios ou a construção de novos, mas também projetos de
ressocialização que, inclusive, poderiam reduzir o tempo no cárcere. No
mais, é de todo duvidosa a possibilidade de limitar despesas dessa
natureza ante o disposto no § 2º do artigo 9º da Lei Complementar nº 101,
de 2000:

Art. 9º. Se verificado, ao final de um bimestre, que a


realização da receita poderá não comportar o cumprimento das
metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no
Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público
promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos
trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 210

ADPF 347 MC / DF

movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei


de diretrizes orçamentárias.
[..]
§ 2º. Não serão objeto de limitação as despesas que
constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive
aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as
ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias.

A cabeça do dispositivo trata da situação em que o Governo deixa de


executar, parcialmente, o orçamento, vindo a contingenciar os valores
ordenados a despesas, ao passo que, no § 2º, consta exceção consideradas
obrigações decorrentes de comandos legais e constitucionais. Tratando o
Funpen de recursos com destinação legal específica, é inafastável a
circunstância de não poderem ser utilizados para satisfazer exigências de
contingenciamento: atendimento de passivos contingentes e outros riscos
e eventos fiscais imprevistos (artigo 5º, inciso III, alínea “b”, da Lei
Complementar nº 101, de 2000).

Ante o exposto, defiro, parcialmente, a medida liminar requerida,


determinando:

a) aos juízes e tribunais – que lancem, em casos de determinação ou


manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não
aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade,
estabelecidas no artigo 319 do Código de Processo Penal;

b) aos juízes e tribunais – que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos


Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia,
viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária
no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão;

c) aos juízes e tribunais – que considerem, fundamentadamente, o


quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 42 de 210

ADPF 347 MC / DF

concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo


de execução penal;

d) aos juízes – que estabeleçam, quando possível, penas alternativas


à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente
cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo
arcabouço normativo;

e) à União – que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário


Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado,
abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.

É como voto.

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Extrato de Ata - 27/08/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 210

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE - PSOL
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : DISTRITO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO DISTRITO FEDERAL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ACRE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ACRE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE ALAGOAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE ALAGOAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAZONAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAPÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAPÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA BAHIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA BAHIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DO CEARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO MARANHÃO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA PARAÍBA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA PARAÍBA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE PERNAMBUCO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PIAUÍ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PIAUÍ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARANÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 27/08/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 44 de 210

INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE


PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RONDÔNIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SERGIPE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO TOCANTINS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS

Decisão: O julgamento foi suspenso após o voto do Ministro


Marco Aurélio (Relator), que deferia parcialmente a medida liminar
requerida para determinar: a) aos juízes e tribunais – que lancem,
em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a
motivação expressa pela qual não aplicam medidas cautelares
alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no artigo 319
do Código de Processo Penal; b) aos juízes e tribunais – que,
observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos
e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem,
em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo
máximo de 24 horas, contados do momento da prisão; c) aos juízes e
tribunais – que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático
do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de
cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de
execução penal; d) aos juízes – que estabeleçam, quando possível,
penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão
ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do
que as admitidas pelo arcabouço normativo; e e) à União – que
libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para
utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de
realizar novos contingenciamentos. Falaram, pelo requerente
Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, o Dr. Daniel Antonio de
Moraes Sarmento, OAB/RJ 73.032; pela União, o Ministro Luís Inácio
Lucena Adams, Advogado-Geral da União; pelo Estado de São Paulo, o
Dr. Thiago Luiz Santos Sombra, OAB/DF 28.393, e pelo Ministério
Público Federal, a Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Vice-
Procuradora-Geral da República. Presidência do Ministro Ricardo
Lewandowski. Plenário, 27.08.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes

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Extrato de Ata - 27/08/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 210

à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio,


Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber,
Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer


de Castilho.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira Duarte


Assessora-Chefe do Plenário

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 210

03/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor Presidente,


ilustres Pares, eminente representante do Ministério Público Federal,
Doutor Eugênio Aragão, eminentes Advogados, permito-me,
inicialmente, realçar o brioso voto com que, com a sua lucidez habitual, o
eminente Relator Ministro Marco Aurélio já trouxe a matéria para esse
exame, expondo, no relato, na fundamentação e nas conclusões, a
essência do tema. Permito-me, ainda, adiantar que vou subscrever parte
substancial das premissas do voto de Sua Excelência, o Relator, e pedir
vênia para divergir apenas no que diz respeito às conclusões.
Eu estou apresentando, Senhor Presidente, um voto de cerca de duas
dezenas de páginas que vou juntar ao feito e tomo a liberdade, neste
momento, de apenas sumariar a apreciação que faço das preliminares,
especialmente suscitadas do cabimento da ADPF, e depois o exame dos
oito pedidos, tais como foram formulados. E adianto desde logo que,
desses oito pedidos, em sede cautelar, eu estou aqui, pedindo vênia para
divergir do eminente Relator, deferindo três, e cinco, reputando-os
imbricados ao mérito.
Portanto, para começar o exame, tomo a liberdade de assentar o
seguinte.
(Lê voto).

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 210

03/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Trata-se de Arguição de


Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo Partido
Socialismo e Liberdade- PSOL, mediante representação da Clínica de
Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ, instruída com
Parecer do Professor Titular de Direito Penal da UERJ Juarez Tavares,
para que seja reconhecido o “estado de coisas inconstitucional” do
sistema penitenciário brasileiro e, por conseguinte, sejam determinadas
providências para sanar lesões a preceitos fundamentais da Constituição.
Por ora, a análise se circunscreve ao pedido de medida cautelar, em
que se requer ao Supremo Tribunal Federal que:
a) determine a todos os juízes e tribunais que, em caso de decretação
de prisão provisória, motivem expressamente as razões que
impossibilitam a aplicação das medidas cautelares alternativas à privação
de liberdade, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal;
b) reconheça a aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto dos
Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, determinando a todos os juízes e tribunais que passem a
realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a
viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em
até 24 horas contadas do momento da prisão;
c) determine aos juízes e tribunais brasileiros que passem a
considerar fundamentadamente o dramático quadro fático do sistema
penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais,
na aplicação da pena e durante o processo de execução penal;
d) reconheça que como a pena é sistematicamente cumprida em
condições muito mais severas do que as admitidas pela ordem jurídica, a

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 210

ADPF 347 MC / DF

preservação, na medida do possível, da proporcionalidade e humanidade


da sanção impõe que os juízes brasileiros apliquem, sempre que for
viável, penas alternativas à prisão;
e) afirme que o juízo da execução penal tem o poder- dever de
abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos do
preso, como a progressão de regime, o livramento condicional e a
suspensão condicional da pena, quando se evidenciar que as condições de
efetivo cumprimento da pena são significativamente mais severas do que
as previstas na ordem jurídica e impostas pela sentença condenatória,
visando assim a preservar, na medida do possível, a proporcionalidade e
humanidade da sanção;
f) reconheça que o juízo da execução penal tem o poder-dever de
abater tempo de prisão da pena a ser cumprida, quando se evidenciar que
as condições do efetivo cumprimento da pena foram significativamente
mais severas do que as previstas na ordem jurídica e impostas pela
sentença condenatória, de forma a preservar, na medida do possível, a
proporcionalidade e humanidade da sanção;
g) determine ao Conselho Nacional de Justiça que coordene um ou
mais mutirões carcerários, de modo a viabilizar a pronta revisão de todos
os processos de execução penal em curso no país que envolvam a
aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às
medidas “e” e “f” acima;
h) imponha o imediato descontingenciamento das verbas existentes
no Fundo Penitenciário Nacional- FUNPEN, e vede à União Federal a
realização de novos contingenciamentos, até que se reconheça a
superação do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional
brasileiro.
É a síntese dos pedidos na cautelar, como bem relatado e exposto no
brioso voto lançado por Sua Excelência o Eminente Relator.
Vive-se no ápice do poder judiciário no Brasil momento de alta
voltagem, para utilizar expressão cunhada por José Rodrigo Rodriguez.
Imensa legitimidade desfruta hoje a Constituição e seus preceitos. A
riqueza do paradoxo bateu às portas do Supremo Tribunal Federal:

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 210

ADPF 347 MC / DF

felizmente os pedidos ao Supremo praticamente não tem limites; e


infelizmente os pedidos ao Supremo praticamente não tem limites.
Isso se dá no presente debate que atesta uma dupla carência: de um
lado, da gestão pública em concretizar as promessas de 1988, sem aliar ao
poder o seu respectivo dever, seus instrumentos reais e efetivos para
concretizar realmente o País como sociedade livre, justa e digna; de outro
lado, da arena do Parlamento, que cedeu a uma cultura democrática de
boas promessas legislativas.
Restou, assim, novo perfil ao Judiciário; daí a esperança de que haja
juízes em Brasília, como se disse da tribuna.
O problema, porém, está nesse figurino de constituinte permanente
que se quer atribuir ao Supremo. A política sem partidos, o Estado sem
efetividade, entre outros fatores, conduz a um Judiciário que não deveria
ser aclamado como a ponte de salvação única entre o inferno e o céu,
como se deflui do uso de trecho da “Divina Comédia” na petição inicial.
Quem pede o que quer pedir não pode mesmo se demitir da
responsabilidade com aquilo que almeja do juiz.
Será que é mesmo esse o caso presente, aquele que intenta dar ao
Supremo função constituinte permanente de sentidos?
Concluí que não e que, por isso, deve ser conhecida a ADPF.
A ADPF 347 trata dos direitos mais fundamentais da pessoa
humana. Não me refiro apenas à dignidade da pessoa humana (art. 1, III,
CRFB/88), mas ao direito fundamental à integridade física e moral dos
encarcerados (art. 5, XLIX, CRFB). É um direito fundamental
expressamente previsto que contem, assim, uma faceta objetiva (integra a
base do ordenamento jurídico e é um vetor de eficácia irradiante a ser
seguido pelo Poder Público e pelos particulares) e outra subjetiva
(correspondente à exigência de uma prestação positiva ou negativa por
parte do Estado ou dos particulares).
A guarda da Constituição pelo STF pode e deve ser provocada por
aqueles assim legitimados pela Constituição (art. 103, CRFB). A
legitimação de partido político (art. 103, VIII) existe para possibilitar que
os representantes do povo acessem e provoquem o STF a exercer a guarda

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 210

ADPF 347 MC / DF

da Constituição. Essa legitimação de partido político é importante porque


permite que tanto a representação majoritária (maiorias) quanto à
representação minoritária (minorias) tenham acesso ao STF. Ou seja,
possibilita que as maiorias provoquem o STF, mas também propicia que
as minorias se façam presentes e audíveis.
As questões atinentes ao sistema penitenciário nacional há muito
não encontram espaço fértil ou adequado de tratamento pelos poderes
Executivo e Legislativo. Os direitos dos encarcerados não encontram
qualquer espaço na criação e implementação de políticas públicas
(Executivo) e tampouco em qualquer atuação legislativa (Legislativo).
Nesses casos em que a política democrática majoritária não realiza
por inteiro o seu papel de efetivação de direitos, sobretudo direito
fundamentais, ainda que se reconheça ser este o espaço adequado para as
conquistas dos direitos declarados no texto, não caberia justamente aos
representantes da minoria (partido político com baixa representatividade
numérica, como o é o Partido Político autor) provocar a atuação do Poder
Judiciário como última trincheira de guarda desses direitos mais básicos à
sobrevivência digna? O que há na presente ADPF 347, em verdade, não
trata de usar o Poder Judiciário e o STF como espaço constituinte
permanente, mas sim como um Poder que atua contramajoriatamente
para a guarda da Constituição e a proteção de direitos fundamentais que
vem sendo sistematicamente violados pelos Poderes que lhes deveriam
dar concretude.
Pondero que este caso demonstra justamente que a separação entre
os Poderes e a política democrática muitas vezes são invocados como
escusas para impedir a atuação, em especial diante da inércia intencional
e sistemática dos demais Poderes, de quem deve guardar a Constituição.
Não creio que a ADPF 347 esteja sendo utilizada para fazer do STF um
espaço de debate constituinte permanente ou para tencionar um uso
indevido de sua competência. Ao contrário, quando os direitos de
minorias excluídas são sistematicamente violados, é o Poder Judiciário o
último guardião desses direitos e o Supremo Tribunal Federal deve deles
fazer a sua morada.

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Dos pressupostos da Arguição de Descumprimento de Preceito


Fundamental

Em relação ao que se poderia definir como preceito fundamental,


uma observação deve ser feita. O conceito ainda apresenta fluidez na
definição do seu conteúdo, não obstante algumas diretrizes tenham sido
traçadas, conforme se verifica do trecho do voto da lavra do min. Gilmar
Mendes, que se transcreve:

“Parâmetro de controle – É muito difícil indicar, a priori, os


preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave
que justifique o processo e o julgamento da argüição de
descumprimento. Não há dúvida de que alguns desses preceitos estão
enunciados, de forma explícita, no texto constitucional. Assim,
ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais
da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais
(art. 5º, dentre outros). Da mesma forma, não se poderá deixar de
atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos
pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, da Constituição, quais
sejam, a forma federativa de Estado, a separação de Poderes e o
voto direto, secreto, universal e periódico. Por outro lado, a
própria Constituição explicita os chamados ‘princípios sensíveis’,
cuja violação pode dar ensejo à decretação de intervenção federal nos
Estados-Membros (art. 34, VII). É fácil ver que a amplitude conferida
às cláusulas pétreas e a idéia de unidade da Constituição (Einheit der
Verfassung) acabam por colocar parte significativa da Constituição
sob a proteção dessas garantias. (...) O efetivo conteúdo das 'garantias
de eternidade' somente será obtido mediante esforço hermenêutico.
Apenas essa atividade poderá revelar os princípios constitucionais
que, ainda que não contemplados expressamente nas cláusulas pétreas,
guardam estreita vinculação com os princípios por elas protegidos e
estão, por isso, cobertos pela garantia de imutabilidade que delas
dimana. Os princípios merecedores de proteção, tal como enunciados
normalmente nas chamadas ‘cláusulas pétreas’, parecem despidos de
conteúdo específico. Essa orientação, consagrada por esta Corte para

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os chamados ‘princípios sensíveis’, há de se aplicar à concretização das


cláusulas pétreas e, também, dos chamados ‘preceitos fundamentais’.
(...) É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e
nas suas relações de interdependência que permite identificar as
disposições essenciais para a preservação dos princípios basilares dos
preceitos fundamentais em um determinado sistema. (...) Destarte, um
juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito fundamental
consistente nos princípios da divisão de Poderes, da forma federativa
do Estado ou dos direitos e garantias individuais exige,
preliminarmente, a identificação do conteúdo dessas categorias na
ordem constitucional e, especialmente, das suas relações de
interdependência. Nessa linha de entendimento, a lesão a preceito
fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível
afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem
constitucional, mas também a disposições que confiram densidade
normativa ou significado específico a esse princípio. Tendo em vista as
interconexões e interdependências dos princípios e regras, talvez não
seja recomendável proceder-se a uma distinção entre essas duas
categorias, fixando-se um conceito extensivo de preceito fundamental,
abrangente das normas básicas contidas no texto constitucional.”
(ADPF 33, rel. min. Gilmar Mendes, DJ 06.08.2004)

Disso se extrai que o pano de fundo do que se impugna nesta ação


por descumprimento de preceito fundamental é a situação dos
estabelecimentos penais brasileiros e, por conseguinte, a violação dos
direitos de integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX), do devido
processo legal (art. 5º, LIV), da ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV) e,
por fim, o princípio da humanidade das penas (art. 5º, XLVII), ou seja, a
violação de direitos fundamentais. E, nesta, perspectiva, como pondera o
Ministro Luís Roberto Barroso em obra doutrinária:

“Embora conserve a fluidez própria dos conceitos


indeterminados, existe um conjunto de normas que inegavelmente
devem ser abrigadas no domínio dos preceitos fundamentais. Nessa
classe estarão os fundamentos e objetivos da República, assim como as
decisões políticas estruturantes, todos agrupados sob a designação

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geral de princípios fundamentais, objeto do Título I da Constituição


(arts. 1º a 4º). Também os direitos fundamentais se incluem nessa
categoria, o que abrangeria, genericamente, os individuais, coletivos,
políticos e sociais (arts. 5º e s.)
(...)
Para evitar essa malversação do mecanismo, parece possível
enunciar alguns parâmetros para que se reconheça a possibilidade de
sua utilização. Assim, a questão constitucional discutida: (a) deve
interferir com a necessidade de fixação do conteúdo e do alcance do
preceito fundamental; (b) não pode depender de definição prévia de
fatos controvertidos; e (c) deve ser insuscetível de resolução a partir de
interpretação do sistema infraconstitucional.”[1][1]

Considerando a relevância dos direitos fundamentais no arcabouço


normativo do Estado Democrático de Direito brasileiro, fica atendido o
primeiro pressuposto da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental.

Do pressuposto da subsidiariedade

Entende-se atendido também o pressuposto da subsidiariedade, haja


vista que não se impugna a constitucionalidade de lei ou ato normativo a
atrair a propositura da ação direta de inconstitucionalidade ou
declaratória de constitucionalidade. Tampouco, subjaz discussão acerca
da omissão do dever de legislar ou de providência de índole
administrativa a provocar a jurisdição constitucional. Em verdade,
aponta-se uma situação em que as normas existentes e as providências
administrativas não se mostram adequadas e suficientes à proteção dos
direitos fundamentais dos presos, sejam os condenados definitivamente,
sejam os provisórios.
Diante de tal moldura e da relevância da controvérsia veiculada nos
autos, admite-se a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental na espécie.

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Da Medida Cautelar - do estado de coisas inconstitucional e da


situação dos estabelecimentos prisionais no Brasil

Sem aprofundamento sobre o tema por ora, o que será feito na


análise do mérito desta Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, destacam-se apenas os pressupostos de configuração do
“estado de coisas inconstitucional”:

“A descrição dessas sentenças revela haver três pressupostos


principais do ECI. O primeiro pressuposto é o da constatação de um
quadro não simplesmente de proteção deficiente, e sim de
violação massiva e generalizada de direitos fundamentais que
afeta a um número amplo de pessoas. Para além de verificar a
transgressão ao direito individual do demandante ou dos demandantes
em um determinado processo, a investigação da Corte identifica
quadro de violação sistemática, grave e contínua de direitos
fundamentais que alcança um número elevado e indeterminado
de pessoas. Nesse estágio de coisas, a restrição em atuar em favor
exclusivamente dos demandantes implicaria omissão da própria Corte,
que deve se conectar com a dimensão objetiva dos direitos
fundamentais.
O segundo pressuposto é o da omissão reiterada e
persistente das autoridades públicas no cumprimento de suas
obrigações de defesa e promoção dos direitos fundamentais. A
ausência de ou falta de coordenação entre medidas legislativas,
administrativas e orçamentárias representaria uma “falha estrutural”
que gera tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a
perpetuação e agravamento da situação. Não seria a inércia de uma
única autoridade pública, e sim o funcionamento deficiente do Estado
como um todo que resulta na violação desses direitos. Além do mais,
os poderes, órgãos e entidades em conjunto se manteriam omissos em
buscar superar ou reduzir o quadro objetivo de inconstitucionalidade.
O terceiro pressuposto tem a ver com as medidas necessárias
para a superação do quadro de inconstitucionalidades. Haverá o ECI
quando a superação de violações de direitos exigir a expedição
de remédios e ordens dirigidas não apenas a um órgão, e sim a

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uma pluralidade destes. O mesmo fator estrutural que se faz


presente na origem e manutenção das violações, existe quanto à busca
por soluções. Como disse Libardo José Arida, ao mal funcionamento
estrutural e histórico do Estado conecta-se a adoção de remédios de
“igual ou similar alcance” [13]. Para a solução, são necessárias novas
políticas públicas ou correção das políticas defeituosas, alocação de
recursos, coordenação e ajustes nos arranjos institucionais, enfim,
mudanças estruturais.”[2][2]

Recentemente, ao julgar o RE 592.581 submetido à sistemática da


repercussão geral, este Supremo Tribunal Federal reconheceu a situação
precária de estabelecimento penal no Estado do Rio Grande do Sul e a
ofensa ao direito fundamental de proteção à integridade física e moral do
preso. Nesta senda, determinou-se a execução de obras de reformas
gerais a fim de garantir o conteúdo normativo veiculado pelo dispositivo
em comento amplamente regulamentado pela legislação
infraconstitucional, conforme deixei consignado em meu voto em que
acompanhei o ministro relator.
A realidade prisional no Brasil mostra números alarmantes,
conforme último relatório divulgado do Infopen[3][3], que transcrevo:

Brasil- 2014
População prisional 607.731
Sistema penitenciário 579.423
Secretárias de Segurança/Carceragens 27.950
de delegacias
Sistema Penitenciário Federal 358
Vagas 376.669
Déficit de vagas 231.062
Taxa de ocupação 161%
Taxa de aprisionamento 299,7

Segundo a pesquisa:

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“Ao analisar o gráfico, a informação que se destaca é a proporção


de pessoas negras presas: dois em cada três presos são negros. Ao
passo que a porcentagem de pessoas negras no sistema prisional é de
67%, na população brasileira em geral, a proporção é
significativamente menor (51%)40. Essa tendência é observada tanto
na população prisional masculina quanto na feminina.
(...)
De acordo com as informações levantadas, existem 1.575 pessoas
privadas de liberdade com deficiência. Esse valor corresponde a 0,8%
do total da população das unidades que tiveram condições de informar
esse dado. Em mais da metade dos casos (54%), a natureza da
deficiência é intelectual. Segundo dados do IBGE, cerca de 24% da
população brasileira tem pelo menos uma das deficiências
investigadas.
(...)
O grau de escolaridade da população prisional brasileira é
extremamente baixo.
Como evidencia a figura 42, aproximadamente oito em cada dez
pessoas presas estudaram, no máximo, até o ensino fundamental,
enquanto a média nacional de pessoas que não frequentaram o ensino
fundamental ou o têm incompleto é de 50%. Ao passo que na
população brasileira cerca de 32%45 da população completou o ensino
médio, apenas 8% da população prisional o concluiu. Entre as
mulheres presas, esta proporção é um pouco maior (14%).”

Tais dados revelam uma realidade assombrosa de um Estado que


pretende efetivar direitos fundamentais. Os estabelecimentos prisionais
funcionam como instituições segregacionistas de grupos em situação de
vulnerabilidade social. Encontram-se separados da sociedade os negros,
as pessoas com deficiência, os analfabetos. E não há mostras de que essa
segregação objetive - um dia - reintegrá-los à sociedade, mas sim, mantê-
los indefinidamente apartados, a partir da contribuição que a
precariedade dos estabelecimentos oferece à reincidência.
O ilustre Professor Juarez Tavares enumera valiosos dados em seu
Parecer juntado aos autos:

10

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“61. O primeiro está relacionado à taxa de reincidência em


processos concernentes a adolescentes submetidos a medidas
socioeducativas de internação. Dados apresentados em 2012 pelo
Conselho Nacional de Justiça indicaram um elevado valor de 56% nos
processos analisados.
62. O segundo, relativo à dosimetria das penas, indica ‘ que a
reincidência é a circunstância agravante mais frequente, incidente em
97,37% dos casos’.
63. Por fim, o terceiro conjunto de dados, concernente
especificamente ao município do Rio de Janeiro, apresenta uma
elevada taxa de internos anteriormente condenados, qual seja, 39,13%
entre os detentos do regime semiaberto e 48,67% entre os sentenciados
em cumprimento de pena no regime fechado.
64. Fazendo, pois, uma análise congruente dos dados
apresentados, pode-se conjecturar que o sistema carcerário,
além de não apresentar as condições mínimas para a
concretização do projeto de reinserção previsto nas normas
nacionais e internacional, é ineficaz quanto a tal objetivo
manifesto e, frise-se, apresenta uma atuação deformadora e
estigmatizante sobre o condenado.” (eDOC 07. p. 33-34):

Embora incidam diversos princípios na aplicação e execução da


pena, a situação dos estabelecimentos penais no Brasil poderia ser
analisada sob o viés único do princípio da humanidade. Ao discorrer
sobre esse princípio, Cezar Roberto Bitencourt assim o expõe:

“A proscrição de penas cruéis e infamantes, a proibição de


tortura e maus-tratos nos interrogatórios policiais e a obrigação
imposta ao Estado de dotar sua infra-estrutura carcerária de meios e
recursos que impeçam a degradação e a dessocialização dos
condenados são corolários do princípio de humanidade. Este
princípio determina ‘a inconstitucionalidade de qualquer pena ou
consequência do delito que crie uma deficiência física (morte,
amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica etc.),
como também qualquer consequência jurídica inapagável do delito’

11

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(Zaffaroni)”[4][4].

Quando o Estado atrai para si a persecução penal e, por conseguinte,


a aplicação da pena visando à ressocialização do condenado, atrai,
conjuntamente, a responsabilidade de efetivamente resguardar a
plenitude da dignidade daquele condenado sob sua tutela. A pena não
pode se revelar como gravame a extirpar a condição humana daquele que
a cumpre. Deve funcionar sim como fator de reinserção do transgressor
da ordem jurídica, para que reassuma seu papel de cidadão integrado à
sociedade que lhe cerca.
A pergunta a ser feita é se o ordenamento jurídico pátrio permite
esta recolocação do condenado na sociedade e sua consequente
ressocialização ou se funciona eminentemente como fator de
marginalização, tendo em vista que a situação de precariedade dos
estabelecimentos penais fomenta a escola do crime[5][5]. Seguindo os
ensinamentos do Professor Juarez Tavares no elucidativo Parecer anexado
à inicial da presente Arguição:

“Dessa forma, extraem-se acerca da variante negativa da


prevenção especial, duas conclusões: em relação ao ambiente
intramuros, a pena de prisão tem sua eficácia neutralizadora
relativizada, uma vez que a reiterada ocorrência de delitos violentos
demonstra o déficit empírico de eficácia do projeto preventivo especial,
isto para não mencionar a notória e ramificada estrutura de corrupção
e as mais distintas formas de negociações ilegais que existem em
qualquer cadeia; quanto ao ambiente extramuros, sem desconsiderar o
acerto da lição de Juarez Cirino dos Santos, convém observar que os
efeitos do confinamento não podem ser tomados em conta apenas no
que toca à estrita conduta do indivíduo encarcerado. O
encarceramento produz outros efeitos no âmbito social, os quais podem
corresponder à prática de outros delitos por parte do próprio
encarcerado e de pessoas a ele vinculadas, ainda que fora do
estabelecimento prisional.
(...)
Ademais, as tarefas de prevenção de delito mediante pura e

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simples segregação não podem descurar-se da proteção dos direitos


fundamentais do encarcerado, que não pode ser tratado como uma
coisa inservível nas prateleiras bolorentas dos almoxarifados ou de um
arquivo morto.
(...)
Já no que se refere às teorias da prevenção especial positiva, foco
principal da discussão, impõe-se concluir – tendo em vista os dados
apresentados anteriormente – que o sistema prisional brasileiro
não apresenta as condições mínimas para a realização do
projeto técnico-corretivo de ressocialização, reeducação ou
reinserção social do sentenciado.” (eDOC 7. p. 28-29)

Avista-se um estado em que os direitos fundamentais dos presos,


definitivos ou provisórios, padecem de proteção efetiva por parte do
Estado[6][6][7][6][7]. Nesta toada, ao discorrer sobre o estado de coisas
inconstitucional, Carlos Alexandre de Azevedo Campos afirma:

“Trata-se de graves deficiências e violações de direitos que se


fazem presentes em todas as unidades da Federação brasileira e podem
ser imputadas à responsabilidade dos três poderes: Legislativo,
Executivo e Judiciário. Significa dizer: são problemas tanto de
formulação e implementação de políticas públicas quanto de aplicação
da lei penal.”
(...)
Por certo que, não se trata de inércia de uma única autoridade
pública, nem de uma única unidade federativa, e sim do
funcionamento deficiente do Estado como um todo que tem resultado
na violação desses direitos. Os poderes, órgãos e entidades federais e
estaduais, em conjunto vem se mantendo incapazes e manifestado
falta de vontade política em buscar superar ou reduzir o quadro
objetivo de inconstitucionalidade. Falta sensibilidade legislativa
quanto ao tema da criminalização das drogas, razão maior das prisões.
O próprio Judiciário tem contribuído com o excesso de prisões
provisórias, mostrando falta de critérios adequados para tanto. Falta
estrutura de apoio judiciário aos presos. Trata-se, em suma, de mau
funcionamento estrutural e histórico do Estado como fator do primeiro

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pressuposto, o da violação massiva de direitos.” [8]

Outras recomendações já foram recebidas da Organização dos


Estados Americanos (OEA) para adoção de soluções efetivas para a crise
dos presídios nacionais[9][9].

Dos pedidos cautelares

Passo a analisar os pedidos cautelares veiculados na peça inicial.


No tocante ao pedido veiculado na alínea b – audiência de custódia -
verifica-se que, com o objetivo de assegurar garantias fundamentais
previstas na Constituição da República e nos pactos de Direitos
Humanos, o Presidente desta Corte e do Conselho Nacional de Justiça,
Min. Ricardo Lewandowski, assinou três acordos de cooperação técnica
com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o presidente do
Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Augusto de Arruda
Botelho, para facilitar a implantação do projeto “Audiência de Custódia”
em todo o país e para viabilizar a aplicação de medidas alternativas
cautelares, como o uso de tornozeleiras eletrônicas.[10][10]
No termo de cooperação técnica[11][11], a cláusula primeira
estabelece que:

“CLÁUSULA PRIMEIRA- A cooperação entre os partícipes


buscada neste instrumento volta-se à conjugação de esforços, visando
à efetiva implantação do ‘Projeto Audiência de Custódia’, de modo a
fomentar e viabilizar a operacionalização da apresentação pessoal de
autuado (as) presos (as) em flagrante delito à autoridade judiciária, no
prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após sua prisão, contando
com o apoio do efetivo funcionamento de Centrais Integradas de
Alternativas Penais, Centrais de Monitoração Eletrônica e serviços
correlatos com enfoque restaurativo e social, aptos, em suma a oferecer
opções concretas e factíveis ao encarceramento provisório de
pessoas.”

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Compulsando o sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça, é


possível visualizar no Mapa da Implantação da Audiência de Custódia no
Brasil[12][12] número expressivo de Estados com a audiência
implementada, dos quais cito São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo,
Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão,
Pernambuco, Paraíba, Amazonas. Paralelamente, outros estados
aguardam implantação da audiência, tais como: Santa Catarina, Rio de
Janeiro, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Bahia, Piauí, Ceará, Pará,
Amapá, Roraima, Acre, Rondônia. Por fim, Sergipe, Alagoas e Rio Grande
do Norte são Estados com interesse em implantar a audiência de
custódia.
Embora louvável e pertinente a ação do Conselho Nacional de
Justiça, o Pacto de São José da Costa Rica possui status supralegal,
conforme entendimento firmado por esta Corte, e, nos termos do art. 5º, §
1º, da Constituição Federal, suas normas têm aplicação imediata e,
portanto, não pode ter sua implementação diferida ao fim da assinatura
dos respectivos convênios de cooperação técnica. Inexistem motivos para
prorrogar a aplicabilidade da norma convencionada internacionalmente,
sejam por razões de ordem técnica ou financeira, ou ainda de necessidade
de adequação. A cultura jurídica precisa dar efetividade aos
compromissos firmados pela República Federativa do Brasil e às normas
positivadas democraticamente debatidas no âmbito do Poder Legislativo
e sancionadas pelo Poder Executivo. Diante disso, acolho por inteiro o
pedido contido na letra “b” do pedido cautelar.
Mesma sorte não acompanha os pedidos contidos nas alíneas “a”,
“c”, “d”, “e”, “f”. Não obstante o Judiciário deva assumir seu papel de
guardião dos direitos fundamentais e afirmar com clareza a situação
degradante dos estabelecimentos prisionais e, assim, ao confrontá-los, isto
é, ao confrontar seu papel de guardião e a situação violadora, optar
sempre pelo primeiro, esses pedidos se imbricam com o mérito da
questão e dependem das medidas anteriormente e posteriormente
requeridas. São, portanto, pedidos que devem ser analisados quando da
cognição exauriente e em relação com os demais pedidos realizados.

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Em relação ao pedido contido na alínea “g”, o Conselho Nacional de


Justiça realiza desde agosto de 2008 o “Mutirão Carcerário”, como
programa do Poder Judiciário para o sistema carcerário nacional. O texto
seguinte extraído da página eletrônica do órgão na internet explica o
programa:

“Com o objetivo de garantir e promover os direitos


fundamentais na área prisional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
realiza, desde agosto de 2008, o Mutirão Carcerário.
Em síntese, a linha de atuação nos Mutirões é baseada em dois
eixos: a garantia do devido processo legal com a revisão das prisões de
presos definitivos e provisórios; e a inspeção nos estabelecimentos
prisionais do Estado.
A iniciativa reúne juízes que percorrem os estados para analisar
a situação processual das pessoas que cumprem pena, além de
inspecionar unidades carcerárias, com o objetivo de evitar
irregularidades e garantir o cumprimento da Lei de Execuções Penais.
Desde que o programa teve início, e após visitar todos os estados
brasileiros, cerca de 400 mil processos de presos já foram analisados e
mais de 80 mil benefícios concedidos, como progressão de pena,
liberdade provisória, direito a trabalho externo, entre outros.
Pelo menos 45 mil presos foram libertados como resultado do
programa, pois já haviam cumprido a pena decretada pela Justiça. No
final de 2009, o Mutirão Carcerário do CNJ foi umas das seis práticas
premiadas pelo Instituto Innovare, por atender ao conceito de justiça
rápida e eficaz disseminado pela entidade.
O programa é conduzido pelo Departamento de Monitoramento
e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de
Medidas Socioeducativas (DMF).
Instituído pela Lei n. 12.106, de dezembro de 2009, o órgão tem
a missão de verificar as condições de encarceramento, as ações de
reinserção social dos presos, o andamento dos processos criminais, a
execução penal e o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei.
Com base no diagnóstico encontrado, o DMF recomenda a tomada de
providências pelas instituições do sistema de Justiça, dos níveis
federal, estadual e distrital.

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Ressocialização - O DMF também desenvolve o Programa


Começar de Novo, que administra, em nível nacional, oportunidades
de estudo, capacitação profissional e trabalho para detentos, egressos
do sistema carcerário, cumpridores de penas alternativas e
adolescentes em conflito com a lei.
Ainda nesse sentido, o Conselho firmou uma parceria com a
Caixa Econômica Federal, que possibilita que presidiários com conta
no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) inativa há mais
de três anos ou portadores de doença grave, autorizem um parente a
retirar o dinheiro nas agências do banco. A medida deve beneficiar 27
mil presidiários.
O Conselho concede ainda o Selo Começar de Novo a empresas,
órgãos e instituições que possuem ações de destaque na área de
ressocialização de detentos. Paralelamente a esses projetos, o DMF
realiza o Projeto Eficiência, que aprimora as rotinas de trabalho das
Varas de Execução Penal.”[13][13]

Pelos semelhantes fundamentos explicitados em relação à alínea b


anteriormente analisada, merece amparo o pedido contido na alínea “g”,
ressalvando-se o afastamento da adequação às medidas “e” e “f”, que
serão analisadas quando da análise do mérito desta arguição.
Já em relação ao pedido contido na alínea “h”, verifica-se que o
Fundo Penitenciário Nacional- FUNPEN, criado pela Lei Complementar
79, de 07 de janeiro de 1994, regulamentada pelo Decreto 1.093, de 03 de
março de 1994, tem por finalidade proporcionar recursos e meios para
financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e
aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. Seus recursos
encontram-se previstos no disposto no art. 2º, da Lei Complementar 79,
bem como art. 45, § 3º e art. 49, ambos do Código Penal, ao passo que a
aplicação deve observar o disposto no art. 3º, da Lei Complementar 79, e
art. 2º, do Decreto 1.093/94, mediante convênio, acordos ou ajustes, nos
termos do disposto no art. 3º, § 1º, da Lei Complementar 79, e art. 6º, do
Decreto 1.093. Observa-se uma tentativa de racionalizar o uso dos
recursos em detrimento da efetivação dos direitos fundamentais.
Um ponto, todavia, merece esclarecimento. É que, ao estabelecer o

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repasse de recursos mediante instrumentos de cooperação, o art. 3º, § 1º,


da Lei Complementar nº 79, deixa a iniciativa dos projetos a qualquer
ente federado, isto é, tanto os Estados quanto a União podem propor
projetos para utilização dos recursos do Fundo, tendo em vista a
competência concorrente para legislar sobre direito penitenciário (art. 24,
I, da Constituição Federal). Disto decorre que o interesse na matéria é
repartido entre a União e os Estados. Nesta perspectiva, é interessante
que alguns projetos sejam previstos e executados nacionalmente, como, a
título ilustrativo, de implementação da monitoração eletrônica. A atuação
nacional na hipótese poderia diminuir o valor da licitação no tocante à
aquisição da tecnologia ou das próprias tornozeleiras. Contudo, a
realidade é diversa:

“Destaca-se como principal instrumento financeiro o Funpen


(Fundo Penitenciário Nacional), criado pela Lei Complementar 79, de
7 de janeiro de 1994[5], fundo de natureza contábil que integra o
orçamento fiscal da União, e principal fonte de recursos para as ações
governamentais de grande parte dos entes federados, por meio de
transferências voluntárias, via convênios e, no caso de obras pública,
por contratos de repasse[6]. Faz dos fundos e transferências
intergovernamentais voluntárias os instrumentos por excelência que
permitem operacionalizar o financiamento desta política pública de
forma mais eficiente em nosso federalismo cooperativo.
Chama a atenção saber que boa parte do orçamento deste fundo
não é executada. Ante a atual situação de precariedade do nosso
sistema prisional, não há como se admitir que, havendo recursos
disponíveis, não sejam utilizados, o que se constata pelo frequente
contingenciamento das dotações orçamentárias do Funpen, que já vem
de longa data[7]. Põe por terra eventuais argumentações pela
aplicação da teoria da reserva do possível como justificativa para o não
atendimento das necessidades do setor, não somente em razão da
evidente prioridade ante as situações de flagrante violação do princípio
da dignidade humana, como também pela impossibilidade de se alegar
falta de recursos que estão contemplados no orçamento público.”[14]

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A situação dos estabelecimentos prisionais não é outra senão a bem


descrita pela petição inicial. Em tudo a descrição se coaduna com a
realidade. A conjuntura do sistema prisional brasileiro demonstra o
descaso anos a fio com a efetividade das normas alhures enumeradas
que, se observadas, teriam o condão de afastar o quadro caótico que
assola os diversos estabelecimentos prisionais país afora. A questão,
então, não é de eficácia normativa da legislação nacional, mas sim de
efetividade. É imperativo que se reconheça a ineficiência do Estado em
garantir a dignidade dos presos para que efetivamente se proteja a
dignidade dos presos.
Tal ineficiência legitima a concessão da cautelar. O papel do
Judiciário, ao concedê-la, presentes seus requisitos – fumus boni iuris e
periculum in mora- nas hipóteses alhures discorridas, possui antes de tudo
um caráter simbólico, pedagógico e de reconhecimento da inadequada
proteção dos direitos fundamentais. Destarte, a decisão a ser tomada,
neste momento processual, deve reafirmar o compromisso do Brasil com
a tutela de tais direitos e servir como mote de ampliação das medidas
protetivas e de cessação da situação violadora.
Creio que, dessa forma, o Supremo Tribunal Federal está, em
cognição sumária, reconhecendo a impossibilidade de que se mantenha
o atual estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário;
reconhecendo a importância da proteção internacional dos direitos
humanos; dando indicações ao Poder competente para que tome
medidas, desde logo, aptas a dar início a um processo de mudança da
atual situação de violação massiva de direitos fundamentais dos
encarcerados e deixando para analisar mais detidamente o caso e os
demais pedidos requeridos quando da devida análise do mérito.
Diante do exposto, concedo, nos seguintes termos, a cautelar para:
1 – reconhecer a aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto dos
Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, determinando a todos os juízes e tribunais que passem a
realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a
viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em

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até 24 horas contadas do momento da prisão (alínea “b”);


2 – determinar ao Conselho Nacional de Justiça que coordene
mutirões carcerários, de modo a viabilizar a pronta revisão de todos os
processos de execução penal em curso no país que envolvam a aplicação
de pena privativa, afastando a necessidade de adequação aos pedidos
contidos nas alíneas e e f, que serão analisados por ocasião do mérito
(alínea “g”);
3 – determinar o descontigenciamento das verbas existentes no
FUNPEN, devendo a União providenciar a devida adequação para o
cumprimento desta decisão em até 60 dias, a contar da publicação do
acórdão (alínea “h”).
4 – Deixo de conceder a medida cautelar em relação aos pedidos
contidos nas alíneas a, c, d, e, f, que serão oportunamente analisadas no
momento da análise do mérito.
É como voto.

[1][1] BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade


concentrado no Direito Brasileiro. 4ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 279.
[2][2] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de Coisas
Inconstitucional. http://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-
inconstitucionalhttp://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-
inconstitucional. Acesso em 17.08.2015

[3][3] http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-
relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-
web.pdfhttp://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-
do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf. Acesso em
24.08.2015
[4][4] Código Penal. São Paulo: Saraiva, 2002. p.4-5.
[5][5] http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/06/presidios-
brasileiros-sao-verdadeiras-escolas-do-crime-diz-ministro-

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dahttp://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/06/presidios-brasileiros-
sao-verdadeiras-escolas-do-crime-diz-ministro-da. Acesso em 24.08.2015.
[6][6] http://www.cartacapital.com.br/revista/838/se-cadeia-
resolvesse-4312.htmlhttp://www.cartacapital.com.br/revista/838/se-
cadeia-resolvesse-4312.html. Acesso em 24.08.2015.
[7][7]http://sindepol.com.br/site/noticias/um-detento-morre-a-cada-
[7]http://sindepol.com.br/site/noticias/um-detento-morre-a-cada-dois-
dias-em-presidios-
brasileiros.html[7]http://sindepol.com.br/site/noticias/um-detento-morre-
a-cada-dois-dias-em-presidios-brasileiros.html. Acesso em 24.08.2015
[8][8] Da inconstitucionalidade por Omissão do “Estado de Coisas
Inconstitucional”. Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção
do título de Doutor, ao Programa de Pós-gradução em Direito, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Cidadania, Estado e Globalização (Direito Público). Rio de Janeiro, 2015.
p. 220-228.
[9][9] http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-12-
19/comissao-da-oea-pede-fim-da-superlotacao-nos-presidios-do-
maranhaohttp://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-12-
19/comissao-da-oea-pede-fim-da-superlotacao-nos-presidios-do-
maranhao. Acesso em 24.08.2015
[10][10] Notícias STF. Ministro Lewandowski assina acordo para
incentivar aplicação de medidas alternativas cautelares.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?
idConteudo=289056http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.as
p?idConteudo=289056. Acesso em 17.08.2015.
[11][11]
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/termoAudCust
odia.pdfhttp://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/termo
AudCustodia.pdf. Acesso em 17.08.2015
[12][12] Mapa da Implantação da Audiência de Custódia no Brasil.
Conselho Nacional de Justiça.
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/08/5d2c0b47

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0e4888d07bfdaf2c86261e20.pdfhttp://www.cnj.jus.br/files/conteudo/desta
ques/arquivo/2015/08/5d2c0b470e4888d07bfdaf2c86261e20.pdf. Acesso em
17.08.2015.
[13][13] (http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-
penal/pj-mutirao-carcerariohttp://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-
execucao-penal/pj-mutirao-carcerario. Acesso em 17.08.2015)

[14][14] CONTI, José Maurício. Solução para a crise carcerária tem


significativo reflexo orçamentário. Disponível em
http://www.conjur.com.br/2015-ago-25/contas-vista-solucao-situacao-
carceraria-significativos-reflexos-
orcamentarioshttp://www.conjur.com.br/2015-ago-25/contas-vista-
solucao-situacao-carceraria-significativos-reflexos-orcamentarios. Acesso
em 25.08.2015.

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03/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - A minha


visão sobre este assunto, Presidente, é decorrente das minhas próprias
pesquisas e observações, é decorrente de um belíssimo artigo da
Professora Ana Paula de Barcellos sobre o tema, intitulado “25 anos da
Constituição de 88 e Dignidade Humana: algo mudou para os presos?” -
indaga ela. Em terceiro lugar, do excelente voto, notável voto do eminente
Ministro Marco Aurélio sobre esta matéria, que enfrentou abertamente
todas as complexidades que estão aqui envolvidas.
Eu não vou, Presidente, repetir nem as violações rotineiras, nem as
estatísticas assombrosas do sistema penitenciário brasileiro, que já são de
conhecimento geral e, em parte, estão no voto do Ministro Marco Aurélio.
Eu gostaria, em um voto breve e oral, de fazer brevíssimas reflexões,
um pouco em diálogo com a sociedade que, como o Ministro Marco
Aurélio observou no seu voto, não tem este tema como um dos seus
campeões de audiência. Portanto, a primeira observação que eu faria em
diálogo com a sociedade, porque acho que - isso é importante e esse
ponto foi perpassado no voto do Ministro Marco Aurélio -, ao enfrentar
este problema do sistema penitenciário, nós não estamos cuidando
apenas da defesa de uma minoria, o que já seria um bom papel a ser
desempenhado por este Tribunal. Mas a observação de todo pertinente de
que a deficiência do sistema penitenciário reverte consequências
gravíssimas e dramáticas para a própria sociedade brasileira, pela
incapacidade do sistema de tratar essas pessoas com o mínimo de
humanidade, o que faz com que os índices de reincidência no Brasil sejam
dos mais altos do mundo, simplesmente porque o sistema não é capaz de
ressocializar, de humanizar e de dar um mínimo de preparo para essas
pessoas quando elas saem do sistema.

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Outra razão pela qual o sistema penitenciário é deletério para a


sociedade é que os indivíduos muitas vezes agravam os seus crimes e as
suas condutas para escaparem do sistema - como observou a professora
Ana Paula de Barcellos. O sujeito sai para um furto, mas ele se torna, por
exemplo, um homicida, porque o desespero de não ingressar no sistema
faz com que ele muitas vezes se torne um criminoso mais perigoso. Então,
essa é a primeira observação que eu faria para esse diálogo com a
sociedade. Não estamos apenas cuidando de direitos fundamentais de
uma minoria; estamos cuidando de um fenômeno que é retroalimentador
da criminalidade e da violência que hoje em dia, em grau elevado,
apavora a sociedade brasileira.
Uma segunda observação, Presidente - ainda em diálogo com a
sociedade -, é que um sistema penal mais duro e eficiente, sobretudo mais
eficiente, envolve o dispêndio de recursos. Tornar o sistema penal mais
eficiente e, por exemplo, cumprir os mais de 200 mil mandados de prisão
que estão na rua, significa ter que botar mais dinheiro no sistema. A
sociedade brasileira precisa levar isso em conta.
Quando se fez, e se está fazendo, no Brasil hoje, o debate sobre a
redução da maioridade penal - que é um debate importante, e o
Congresso é o lugar próprio de fazê-lo -, é preciso considerar quanto de
recursos públicos teremos que investir no sistema para reduzirmos a
maioridade penal; quanto teremos que investir no sistema para
prendermos os jovens separadamente dos grandes bandidos das facções -
ou pretendemos também cometer o crime de botar os meninos de 16 anos
com os facínoras que muitas vezes lá estão? Portanto, qualquer
movimento relativo ao sistema penal e penitenciário envolve um debate
público de qualidade e uma reflexão sobre a necessidade de se investirem
recursos.
E, por fim, Presidente, uma outra observação (também em diálogo
com a sociedade): a sociedade brasileira, com justa razão, é atormentada
por duas linhas de criminalidade: a criminalidade que importa violência e
a criminalidade que ela associa à corrupção - corrupção lato sensu, desde
corrupção ativa, passiva até fraudes em licitações. Pois,

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interessantemente, a clientela preferencial do sistema penitenciário não é


uma nem outra. A maior parte das pessoas que está presa no Brasil não
está presa nem por crime violento, nem por criminalidade de colarinho
branco. Mais da metade da população carcerária brasileira é de pessoas
presas por drogas ou presas por furto. E o índice de pessoas presas por
colarinho branco - é até constrangedor dizer - é abaixo de 1%, nessas
estatísticas globais. Estou fazendo esse argumento um pouco pra
demonstrar que prendemos muito - para usar um lugar-comum -, mas
prendemos mal. Para não ficar apenas na retórica da frase, estou
procurando demonstrar que não prendemos aqueles que a sociedade
brasileira considera os seus grandes vilões. O índice de apuração de
homicídios no Brasil - esta, sim, uma criminalidade violenta e grave - é de
menos de 10%. É uma ínfima quantidade de pessoas que é efetivamente
condenada por crimes violentos.
Desse modo, essas modificações que foram deflagradas pela
excepcional petição da Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ,
endossada pelo PSOL e endossada pelo Ministro Marco Aurélio, tem esse
papel de um diálogo com a sociedade para ela participar deste debate
coletivo sobre como interferir de maneira legítima nesse sistema.
As pessoas olham o sistema penitenciário e frequentemente fecham
os olhos na crença de que jamais passarão por aquilo. Essa é a pior forma
de insensibilidade nessa vida, que ocorre quando a gente tem certeza de
que não vai passar por aquela situação. E, assim, a gente perde a empatia,
perde a humanidade na capacidade de se colocar no lugar do outro.
E uma última observação que eu faria é que, nessa matéria, o diálogo
institucional não precisa, em grande escala, ser com o Legislativo, porque
nós não temos problemas de aprovação de Convenções Internacionais
nessa matéria, todas estão internalizadas, nem temos grandes problemas
de legislação - a legislação brasileira é bastante razoável nessa matéria,
inclusive a Lei de Execução Penal.
Portanto, nós aqui temos outros problemas. Há um problema
filosófico apontado pela Professora Ana Paula de Barcellos, e destacado
no voto do Ministro Marco Aurélio, que é essa visão equivocada de que

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as pessoas perdem a sua dignidade pelo que elas fazem; as pessoas têm
dignidade pelo que elas são, pela sua condição humana. E, assim, esse
desprezo de tratar essas pessoas como se fossem lixo humano é uma
forma de negar a elas dignidade.
Desse modo, as pessoas foram condenadas a serem presas. E, em
certos casos, devem permanecer presas. Mas não foram condenadas a
sofrerem violência físicas, a sofrerem violências sexuais, a não terem
sabonete, pasta de dente, escova de dente, papel higiênico, nem lugar
para fazer as suas necessidades básicas, como se encontra relatado no
voto louvável, sob todos os aspectos, do eminente Ministro Marco
Aurélio.
Eu passo a enfrentar, Presidente, brevemente, a questão suscitada da
tribuna, e aqui devo realçar três sustentações magníficas: a do Professor
Daniel Sarmento, a do Advogado-Geral da União e a do Doutor Thiago
Sombra, cada um, do seu ponto de observação, trazendo elementos
relevantes em defesas consistente das suas diferentes posições.
Eu enfrento brevemente a questão do cabimento desta Ação, porque
considero que esta matéria já foi adequadamente tratada. Na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, como nós sabemos, pela
legislação, exige-se, em primeiro lugar, que haja preceitos fundamentais
violados, e aqui ninguém hesitaria em reconhecer que há a violação da
dignidade humana, da integridade física e moral dos presos - para citar
apenas dois desses preceitos.
Em segundo lugar, e há um conceito importante veiculado na inicial,
encampado pelo Ministro Marco Aurélio - que eu mesmo já havia
sustentado quando discutimos aqui a questão dos precatórios, depois
quando discutimos aqui a questão da indenização dos presos -, que é o
estado de coisas inconstitucional. Trata-se de um conceito importado da
Corte Constitucional colombiana, em uma situação muito parecida com a
brasileira. Portanto, não há aqui, como de praxe, na ADPF, a indicação de
um ato específico do Poder Público. Existe um conjunto de ações e
omissões notórias que fazem com que se tenha esse estado de
generalizada inconstitucionalidade por falha estrutural do sistema. Desse

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modo, também não excitaria em reconhecer como presente esse segundo


elemento, que é um ato do Poder Público, na verdade, aqui um conjunto
de ações e de inações.
Por fim, para enfrentar uma argumento suscitado da tribuna, a
questão da subsidiariedade da arguição de preceito fundamental, e o
Supremo tradicionalmente tem interpretado como sendo a
impossibilidade de se ajuizarem outras ações constitucionais. Portanto,
caberá à ADPF, pelo fato de que não cabe ação direta de
inconstitucionalidade, não cabe ação declaratória de constitucionalidade e
nem cabe ação de inconstitucionalidade por omissão. Assim, por
exclusão, acho que cabe, sim, esta Ação e não teria nenhuma dúvida em
acompanhar tanto o eminente Relator, como agora o Ministro Luiz Edson
Fachin nesse particular.
Enfrento, Presidente, brevemente também, um outro tópico que me
parece de destacada relevância aqui, que é o de determinar se há ou não
legitimidade do Poder Judiciário para atuar nessa matéria. Não é
necessário maior aprofundamento, porque é notório o fato de que os
presos são uma minoria invisível, uma minoria não representada
politicamente, uma minoria incapaz de vocalizar, em qualquer foro
relevante, as suas demandas, as suas necessidades. Como consequência,
são pessoas que têm seus direitos fundamentais mais elementares
vulnerados. Portanto, a essência da legitimação da atuação da jurisdição
constitucional no mundo é precisamente a proteção dos direitos
fundamentais, sobretudo, os direitos fundamentais da minoria. Por fim, a
justificar a atuação do Judiciário, o preso está preso por uma decisão do
Estado, ele está sob um relação especial de sujeição para com o Estado.
Portanto, o Estado tem deveres mínimos de proteção em relação a esse
indivíduo.
Portanto, Presidente, não tenho nenhuma hesitação em sustentar
aqui não apenas o cabimento da ADPF, como também a legitimidade da
atuação do Poder Judiciário nessa matéria. Como disse, vou juntar um
voto escrito. As premissas do meu convencimento estão expostas de
maneira mais do que satisfatórias para mim no voto do Ministro Marco

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Aurélio. Assim, não vou me alongar na discussão sobre as premissas


teóricas que, a meu ver, legitimam esse tipo de atuação.
Passo a enfrentar a questão das medidas cautelares solicitadas,
requeridas pelo autor da ação. E aqui, Presidente, vou me mover com
algum grau de cautela, sem trocadilho, nessas cautelares, reservando
algumas questões para uma reflexão um pouco maior, e vou chegar a um
conjunto de decisões cautelares muito próximas das que foram
enunciadas pelo Ministro Luiz Edson Fachin.
A primeira medida cautelar, Presidente, requerida, a da letra "a", é a
que pede ao Tribunal que cautelarmente imponha o dever de os juízes e
Tribunais motivarem por que não aplicaram as medidas cautelares
alternativas à prisão. Eu estou de pleno acordo com esse pedido, mas ele
já decorre necessariamente da legislação. É o que decorre, a meu ver, do
art. 93, IX, da Constituição, do art. 315 do Código de Processo Penal e do
art. 282, § 6º, também do Código de Processo Penal. Desse modo, o
pedido cautelar me motiva a explicitar e reiterar que os juízes tem esse
dever de motivação. Mas não me anima a conceder uma medida cautelar
para determinar aos juízes que cumpram a Constituição e as Leis, sob
pena - aqui não é propriamente uma jurisprudência defensiva, mas é um
argumento lógico - de caber eventualmente reclamação de toda e
qualquer decisão que aplique pena de prisão, pelo fundamento de que a
motivação não foi satisfatória. Acho que esse é um risco que o Tribunal
não precisa correr, porque já decorre da Lei esta necessidade de
motivação. Não acho, porém, irrelevante que o pedido tenha sido feito
para dar oportunidade ao Tribunal de reiterar a existência desse dever,
mas penso que o Tribunal não precisa dar uma cautelar em ação abstrata
para determinar que os juízes cumpram a Constituição e a Lei. Portanto,
sem prejuízo de reavaliar a matéria ao final dos debates, ou quando
julgarmos o mérito, eu não estou deferindo o pedido cautelar da letra "a".
O pedido cautelar da letra "b" é o de realização de audiências de
custódia. Como nós já discutimos aqui previamente, e como o Ministro
Marco Aurélio faz constar do seu voto, já é direito interno no Brasil, por
força de Decreto que internalizou o Pacto de Direitos Civis e Políticos das

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Nações Unidas e a Convenção Americana de Direitos Humanos - o Pacto


de São José da Costa Rica -, a realização desta chamada audiência de
custódia ou audiência de apresentação, o arraignment, como lembrava o
Ministro Celso de Mello recentemente. Penso, ainda, que o prazo de vinte
quatro horas que se pede na cautelar pode ser extraído do art. 306, § 1º,
do Código de Processo Penal. Portanto, Presidente, eu estou deferindo a
medida cautelar requerida na letra "b".
A medida cautelar referida na letra "c" pede que se determine aos
juízes que considerem o dramático quadro fático do sistema penitenciário
brasileiro, no momento da concessão de cautelares penais, no momento
da aplicação da pena, e durante o processo de execução penal. Também
aqui, Presidente, eu interpreto este pedido cautelar da letra "c" como uma
boa e necessária recomendação aos órgãos do Poder Judiciário. É preciso
levar em conta que o sistema está sobrecarregado, que o Sistema não
ressocializa, que o sistema embrutece. Porém, acho que já decorre do
sistema jurídico esse dever dos juízes, e também não veria razão para
verter essa determinação em uma ordem cautelar. É certo que, muitas
vezes, os juízes não levam isso em conta, pois estou aqui reafirmando que
devem levar isso em conta, mas não sob a forma de medida cautelar
vinculante, ensejadora de reclamações.
Em relação à letra "d", os juízes devem aplicar, sempre que viável,
penas alternativas à prisão. Penso que há uma certa semelhança com a
letra "a" e, pelas mesmas razões, eu não estou deferindo essa cautelar.
Reitero, todavia, que estou de acordo com a proposição que nela se
contém de que, muitas vezes, o condenado cumpre pena em condições
mais gravosas do que seria tolerável.
Para reparar isso, numa ação de reparação de dano, da Relatoria do
eminente Ministro Teori Zavascki, eu propus que o modelo de
indenização fosse um modelo que se materializasse em diminuição da
pena, em remição de pena, em vez do pagamento de valores pecuniários.
A Ministra Rosa Weber pediu vista para estudar mais adequadamente
essa complexa questão. Desse modo, em relação à letra "d" e também às
letras "e" e "f", penso que o eventual abatimento de tempo só poderia se

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 76 de 210

ADPF 347 MC / DF

dar a título de remição de pena, como observou o Ministro Marco


Aurélio. Quer dizer, o Juiz não pode, como regra geral, fugir das regras
de progressão de regime e de fixação de pena que constam da legislação.
Porém, eu repito, havendo pedido de reparação que, a meu ver, deve ser
feito perante o Juízo da execução penal, acho, sim, que, a título de
reparação, o juiz pode eventualmente reduzir a pena.
Estou concedendo, Presidente, a medida liminar da letra "g". Na
verdade, eu a estou estendendo ligeiramente, porque acho que os
mutirões carcerários devem ser conduzidos pelo Conselho Nacional de
Justiça e também pelos Tribunais de Justiça dos Estados - talvez antes, e
acima mesmo, do Conselho Nacional de Justiça. De modo que eu apoio a
ideia dos mutirões carcerários, tanto os conduzidos pelo Conselho
Nacional de Justiça, e, de ofício, estou acrescentando que também os
Tribunais de Justiça estaduais devem ter este cuidado e este zelo.
Presidente, em relação à letra "h", que pede o descontingenciamento
das verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional, também estou
determinando cautelarmente que não se faça mais esse
contingenciamento. E aqui, pedindo vênia ao Ministro Marco Aurélio,
também vou aderir a esse espaço de sessenta dias proposto pelo Ministro
Luiz Edson Fachin, porque todas as questões que envolvam orçamento
nesse momento de crise fiscal, penso que haja a necessidade mínima de
organização no âmbito do Poder Executivo. Eu sei que há uma prática
inconstitucional, muito embora o Advogado-Geral da União tenha dito,
em alto e bom som da tribuna por duas vezes, que 92% da verba do
Fundo Penitenciário tenha sido efetivamente executado. Tomara que esta
seja uma liminar inócua, porque o dinheiro já esteja sendo gasto.
Portanto, Presidente, estou dando a cautelar, penso que
coincidentemente como o eminente Ministro Luiz Edson Fachin, em
relação à audiência de custódia, em relação aos mutirões carcerários,
acrescentando que também os Tribunais de Justiça devem realizá-los, e
estou concedendo a cautelar relativamente ao descontingenciamento,
outorgando sessenta dias ao Poder Público para se organizar.
Por fim, há, Presidente, uma última questão que eu trago para

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reflexão, que é um pedido, mas esse não é um pedido cautelar. Existe um


pedido definitivo feito na inicial no sentido de determinar ao Governo
que elabore e encaminhe ao Supremo Tribunal Federal, no prazo máximo
de três meses, um plano nacional visando à superação do estado de coisas
inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, dentro de uma janela
de tempo de três anos. Eu considero esse pedido particularmente
importante, porque nós estamos julgando aqui apenas as medidas
cautelares.
Ministro Marco Aurélio, eu gostaria de fazer essa sugestão em
interlocução com Vossa Excelência, que é o Relator. Há um pedido
definitivo que é um pedido de apresentação de um plano, pelo Governo
Federal, no prazo máximo de três meses. Eu penso que, até para nós
julgarmos o mérito desta Ação, quando chegar a hora, nós precisamos de
informações vindas do Governo Federal: um diagnóstico adequado do
sistema; um diagnóstico - que pode ser até que exista, mas não está nos
autos - que diga respeito ao número de vagas faltantes; que diga respeito
aos custos; que diga respeito a sabermos quanto disso é obrigação ou
possibilidade da União Federal; quanto disso caberá aos Estados, já que,
em última análise, enfrentar esse problema adequadamente exigirá que os
Estados também apresentem planos de enfrentamento e superação do
problema. Portanto, eu estou dando de ofício uma liminar. Ministro
Marco Aurélio, eu gostaria de fazer essa interlocução com Vossa
Excelência, que é o Relator. Há um pedido, que é o pedido de
apresentação de um plano. Esse é um pedido definitivo, mas, se nós
julgarmos isso, vamos imaginar, daqui a seis meses ou daqui a um ano,
quando Vossa Excelência possa trazer e o Presidente possa pautar, nós
teremos perdido um ano.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Estou


convencido, adiro.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Nós


teremos perdido um ano na coleta desses dados.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 210

ADPF 347 MC / DF

Portanto, eu gostaria de dar uma medida liminar de ofício, uma


cautelar de ofício, para determinar ao Governo Federal que encaminhe - e
aí eu acho que três meses é um prazo muito curto; eu acho que um prazo
de um ano, talvez 18 meses, mas eu imaginaria um ano - ao Relator um
diagnóstico da situação em termos quantitativos e em termos pecuniários,
para que tenhamos elementos adequados para, quando chegar a hora,
podermos julgar o pedido definitivo.
De modo que, além das três cautelares que eu estou deferindo,
Presidente, eu estou acrescentando esta quarta, de ofício, para determinar
ao Governo Federal que encaminhe ao Supremo Tribunal Federal, no
prazo de um ano, um diagnóstico da situação do Sistema Penitenciário e
as propostas de solução que cogita para a solução desses problemas, em
harmonia com os Estados-membros da Federação.
Eu gostaria de reiterar que as medidas cautelares que eu não estou
conferindo, sobretudo, as medidas cautelares "a", "d" e "e", não significam
propriamente uma negativa do fundamento que elas trazem em si, mas
uma concordância com os pedidos, mas na firme convicção que eles já
decorrem do sistema jurídico, e, portanto, já impõem ao sistema jurídico
esse dever de motivação da não aplicação das penas alternativas em lugar
da pena de prisão e o dever que o juiz tem de levar em conta o estado
drástico do sistema na fixação das penas.
Portanto, Presidente, eu estou, em essência, acompanhando as
concessões de cautelar do Ministro Luiz Edson Fachin, sem divergir
propriamente das que foram concedidas pelo Ministro Marco Aurélio em
relação aos outros itens, mas na crença de que já decorrem do sistema e
pela suposição de que a concessão de medida cautelar produziria uma
enxurrada de reclamações. Além disso, estou propondo uma cautelar de
ofício para que o Governo Federal, no prazo de um ano, após a
publicação do acórdão, apresente ao Tribunal e, notadamente, ao Relator,
um diagnóstico e um plano de ação nessa matéria.
Agradecendo a atenção de todos, Presidente, é como voto.

10

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 79 de 210

03/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhor Presidente,


essa é mais uma das várias ações que, nos últimos tempos, têm chegado à
deliberação do Supremo Tribunal Federal, envolvendo esse gravíssimo
problema que todos nós reconhecemos existente do Sistema Penitenciário
brasileiro, pintado com cores vivas no voto do Ministro Marco Aurélio.
Embora se saiba que há exceções elogiáveis, o quadro dramático e caótico
não pode ser desconhecido.
Por outro lado, à falta de um outro instrumento adequado a chamar
na intervenção do Supremo Tribunal Federal naquilo que o Supremo
Tribunal Federal puder contribuir para a solução desse problema, parece-
me adequado - também foi justificado largamente pelo voto do Ministro
Marco Aurélio - o cabimento da ADPF nessas circunstâncias.
É importante salientar que aqui estamos em julgamento da liminar
apenas cuja concessão supõe alguns requisitos. Claro que esses requisitos
devem ser adequados também às circunstâncias do caso, que apresenta
peculiaridades enormes. De qualquer modo, um dos requisitos é a
relevância do direito. E a mim parece que o reconhecimento do estado de
coisas inconstitucional no Sistema Penitenciário Brasileiro revela a
presença desse requisito.
De qualquer modo, no exame das medidas liminares, é preciso que a
posição do Supremo Tribunal Federal seja responsável no sentido de que
a medida eventualmente deferida possa ser efetivamente cumprida. Por
outro lado, é preciso também considerar que o seu cumprimento pode ser
exigido por via de reclamações. É muito importante que a medida liminar
não fique, assim como a própria decisão definitiva num caso como este,
apenas no plano simbólico, ou no plano retórico, ou no plano acadêmico.
Se o Supremo Tribunal Federal vai se dispor a contribuir, ele tem que

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 80 de 210

ADPF 347 MC / DF

contribuir eficazmente e responsavelmente. De modo que esse aspecto me


parece importante no exame dessas medidas cautelares.
Concordo com o Ministro Barroso e com o Ministro Fachin que há
alguns pedidos de medida cautelar que realmente não parecem
adequados.
Todas as determinações a juízes e tribunais, por exemplo, de como
devem interpretar a lei, ou de como devem aplicar a lei, são
determinações que, a rigor, decorrem do próprio sistema normativo. Por
exemplo, o poder de fundamentar as decisões decorre da Constituição, e
a Constituição, obviamente, tem a mesma força vinculante e
determinativa que uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Eu diria
que a Constituição tem uma força muito maior do que uma decisão do
Supremo. Aliás, a liminar numa circunstância dessa, além de não
contribuir em nada no plano da efetividade, encontraria também o
empecilho da subsidiariedade, uma vez que a eventual decisão imotivada
comporta recurso e, talvez, com uma eficiência e uma imediatidade muito
maior do que uma reclamação perante o Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, não penso que o caos carcerário decorra
propriamente da falta de motivação das decisões judiciais. Penso que não
há essa relação entre o estado de coisas inconstitucional e essa espécie de
deficiência nas decisões judiciais.
De modo que, por essas razões - primeiro, porque se trata de
medidas que já compõem o sistema normativo; segundo, porque se trata
de uma medida que tem mecanismos próprios de correção, que são os
recursos ordinários -, eu indeferiria as determinações das letras "a", "c",
"d", "e" e "f".

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Vossa Excelência pode repetir, por gentileza? Vossa
Excelência está afastando?

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - São as mesmas que


foram indeferidas pelo Ministro Fachin e acho que pelo Ministro Barroso

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 81 de 210

ADPF 347 MC / DF

também.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência está acompanhando o voto dos
Ministros Fachin e Barroso, na mesma extensão?

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Relativamente a


essas, sim.
Agora, se Vossa Excelência me permite, eu vou examinar as outras.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Nas minhas anotações, Vossa Excelência e o Ministro
Fachin deferiam a cautelar na letra "b", na letra "g" e na letra "h", nas
cautelares; relativamente a letra "c", que seria uma decisão de mérito,
Vossa Excelência, de ofício, com a anuência também do Ministro Marco
Aurélio, deferiu também aquele estudo a ser feito pelo Ministério da
Justiça com prazo de um ano.
Então, Ministro, eu me perdi um pouquinho, peço escusa a Vossa
Excelência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Eu gostaria de me


pronunciar sobre as outras. Por enquanto, eu indeferi essas que foram
referidas.
Quanto à da letra "b", Senhor Presidente, quanto às audiências de
custódia, a questão aparentemente não está em fixar esse prazo de
noventa dias, porque, quanto à obrigação de realizar essas audiências de
custódia, parece-me que o Tribunal já reconheceu a sua obrigação. De
modo que, sob certo aspecto, essa determinação também significaria
determinar que o juiz cumpra o que já é obrigado a cumprir.
A questão aqui está em saber se os tribunais e se os órgãos judiciais
do País estão em condições de atender a essa medida. Nós temos que
evitar por uma questão de responsabilidade do Supremo, determinar
alguma coisa que não possa ser cumprida na prática. Nós vamos acabar

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 210

ADPF 347 MC / DF

trazendo para o Supremo uma série de reclamações por falta de audiência


de custódia, que fatalmente pode acontecer se uma determinação assim
não for cumprida.
Quanto a isso - Vossa Excelência é o Presidente do CNJ e poderia
esclarecer -, não sei se não seria o caso, e aqui eu coloco à consideração
dos Colegas, se, antes de haver um pronunciamento definitivo sobre este
prazo, não seria o caso de ouvir o CNJ formalmente, porque o art. 5º da
Lei que regulamenta a ADPF, quando fala da liminar, diz:

"Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da


maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de
medida liminar na argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
§ 1º Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão
grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator
conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.
§ 2º O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades
responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-
Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo
comum de cinco dias."

Eu penso que talvez fosse o caso de ouvirmos o Conselho Nacional


de Justiça para que, nesse prazo, manifestasse-se sobre a...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Vossa Excelência me permite uma sugestão?

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Pois não.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Eu, inclusive aqui acompanhando com muito interesse
o Doutor Luis Lanfredi, que é o coordenador do DMF, órgão responsável
pela fiscalização dos presídios, e que também manifestou uma certa
preocupação quanto ao prazo de noventa dias. Realmente, esse prazo é

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 210

ADPF 347 MC / DF

um pouco exíguo, tendo em conta a extensão continental do Brasil, o


número de juízes criminais que nós temos, o fato de que no interior as
varas em geral - o Ministro Fux sabe disso muito bem - são cumulativas,
ou seja, não são apenas restritas a varas criminais. O juiz faz de tudo, é
corregedor dos cartórios, dos presídios menores etc., além de decidir as
questões mais vastas possíveis, familiares, comerciais etc. Se, em vez de
noventa dias, nós disséssemos aqui: "que se realize segundo o cronograma
estabelecido pelo CNJ". Porque nós pretendemos baixar uma resolução
brevemente normatizando isso. O que estamos fazendo hoje? Nós
estamos estabelecendo - e já temos implantados experimentalmente em
dezesseis Estados, mediante convênios ou termos de cooperação com o
Poder Executivo, que é uma parte importante nesse processo, porque ele
precisa fornecer as viaturas, as escoltas. Estamos implantando
primeiramente nas capitais, onde existem varas especializadas, varas de
execução penal etc. Então, o importante é dar esse primeiro passo e fincar
uma bandeira no que diz respeito a essa tese. Assim, já que Vossa
Excelência aventou essa questão, se se deixasse isso para o CNJ, que tem
todo o interesse, segundo, enfim, realize em prazo a ser regulamentado
pelo CNJ ou estabelecer um prazo máximo, talvez prazo de um ano...

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - É por isso que me


ocorreu de ouvir o CNJ, justamente para que se produza aqui uma
decisão responsável neste sentido de que ela seja factível.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - O CNJ se pronunciará desde logo que não tem dados
concretos, porque cada Estado tem a sua própria realidade. O Amapá, por
exemplo. Nós iremos agora sexta-feira para Roraima, onde as distâncias
são fenomenais entre uma comarca e outra. Quer dizer, dificilmente nós
teremos um diagnóstico tão pronto assim, como exigiria uma decisão de
natureza cautelar.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Ministro

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 84 de 210

ADPF 347 MC / DF

Teori, aproveitando a sugestão do Presidente, eu gosto da ideia de


delegar ao CNJ. Talvez pudéssemos fixar um prazo máximo de um ano.
Parece razoável?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Eu acredito que sim. Um ano. O nosso Juiz,
Coordenador do DMF, que já circulou este País várias vezes, exatamente
implantando e ajudando a implantar e buscando conhecer as realidades
locais, aponta com a cabeça que esse prazo seria razoável, o prazo
máximo de um ano. O CNJ regulamentaria isso.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Prazo máximo de um ano?


CNJ? Eu imaginei, aqui, apresentação do preso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Não, quer dizer que o prazo regulamentaria num prazo
que não ultrapassasse um ano para implantação em todo País das...

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Porque isso daria a ideia de


que o preso pode esperar um ano já custodiado, até que seja apresentado.
Aí também torna o comando dessa ação completamente ...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - É que nós nos deparamos com aquela questão, enfim,
daquele brocardo latino ad impossibilia nemo tenetur, ainda que nós
estabeleçamos o prazo de 90 dias, na prática, não há possibilidade.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


acho que o Ministro Teori levantou um ponto que eu considero muito
importante. Quer dizer, se o Supremo vai se meter nesse assunto - e esta é
a posição do Ministro Marco Aurélio; portanto, nós estamos avançando -,
eu acho que a gente não deve correr o risco de dar ordens que não vão ser
cumpridas, eu acho que nós temos que ter essa cautela.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 85 de 210

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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – O que o


Tribunal não tem feito quanto ao Poder Legislativo, no que assina prazo
para o Congresso legislar!

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Portanto,


eu apoiaria essa ideia.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Eu vejo que, recentemente, nos casos dos precatórios,
este Plenário decidiu outorgar ao CNJ que regulamentasse aspectos que
nós não podíamos regulamentar aqui desde logo, porque não
conhecíamos a realidade de todo o País. E nós estamos já em vias de
cumprir essa determinação do CNJ. Temos uma comissão, ouvimos todos
os Estados, incorporamos agora a representante da Procuradoria das
Fazendas Públicas também, que eram as partes interessadas. Já temos
algo a oferecer para este Plenário em poucos dias.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - A ideia do


Ministro Fux, então, quer dizer, no menor prazo possível, observado o
prazo máximo de um ano.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Quando nós votamos a


audiência de custódia, aqui, que legitimamos aquela audiência pela
Convenção do Pacto de São José da Costa Rica, a apresentação se dará 24
horas depois da prisão.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Isso continua, claro!

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Muito bem. Aí, o CNJ já


estava trabalhando sobre essa audiência de custódia imediata.

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 86 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Exatamente.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Eu acho que no bojo desse


documento daria para se fazer esse trabalho também em relação aos já
custodiados, os números, não é?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Em outubro, nós teremos já feito, implantado isso em
todo o País até outubro. Então, esse é o nosso cronograma: até o final de
outubro, os 27 Estados, os 26 Estados e o Distrito Federal terão
implantado um projeto-piloto de audiência de custódia.
Então, a partir das várias experiências, porque cada Tribunal baixa
uma resolução, nós pretendemos pegar os aspectos positivos de cada
resolução dos entes federados e fazermos uma resolução nacional.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Presidente, até Vossa


Excelência citou o fato de nós termos aqui a experiência do interior, na
magistratura do interior. Acho que o problema se dá nas grandes capitais,
porque, nas comarcas do interior, o número de presos é bem menor, é
possível ao juiz fazer essa apresentação nesse prazo de 90 dias com muita
facilidade - nas comarcas do interior, mas na capital .....

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Bem, essa ordem, então, ela seria dirigida, na verdade,
ao Tribunais de Justiça. E se não forem cumpridas? Essa ordem da
implantação em 90 dias das audiências de custódia, e também a Justiça
Federal.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Mas aí nós


estamos seguindo a proposta de o CNJ regulamentar para ele fixar o
prazo de cumprimento pelos Tribunais de Justiça.

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 87 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois é, eu acho, com todo o respeito, que talvez essa
seria a melhor solução, e seria adequado - evidentemente porque o
Supremo Tribunal Federal é um órgão superior ao CNJ - que o Supremo
Tribunal Federal fixasse um prazo máximo para que isso ocorresse.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: …em ordem a


permitir que o CNJ atue, em virtude dessa delegação, como verdadeira
“longa manus” desta Corte Suprema.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Isso mesmo.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Fica melhor, porque


nós estaríamos dando uma ordem ao CNJ e não correríamos o risco de
termos aqui uma enxurrada de reclamações, caso não se faça audiência de
custódia em determinado lugar.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Sim, até nulidade da prisão. Porque, se nós
determinarmos aqui 90 dias, que é uma ordem judicial do Supremo
Tribunal Federal, e alguém é preso em flagrante, e não se faz audiência de
custódia nesse prazo, pode até gerar nulidade do auto de prisão em
flagrante.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI – A mim parece que


essa consciência nós temos que ter.
Sem falar que nós não vamos dar conta de examinar todos os casos
de audiência de custódia, que não serão feitos.
É importante ter essa visão, uma visão de responsabilidade daquilo
que o Tribunal está determinando. E também que não fique só no plano
retórico. Temos que encontrar a exata medida dessa determinação.
Eu diria a mesma coisa, Senhor Presidente, em relação à questão dos

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mutirões carcerários. Está-se pedindo uma ordem ao Conselho Nacional


de Justiça para que promova mutirões carcerários; coordene um ou mais
mutirões a fim de promover a pronta revisão de todos os processos de
execução em curso no País.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Não, todos,


eu não dei, não; foi só no limite de realizar mutirões carcerários.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - É, mas eu estou


lendo o que está sendo pedido.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Realizar


mutirões carcerários, o CNJ e os Tribunais.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - E que determine ao


Conselho Nacional que coordene um ou mais mutirões carcerários, de
modo a viabilizar a pronta revisão de todos os processos de execução em
curso no País que envolvam a aplicação de pena privativa de liberdade.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Isso já foi feito na


gestão do Ministro Gilmar Mendes, como Presidente do Conselho
Nacional de Justiça, sem necessidade, inclusive, de ordem do Supremo.
Eu não vejo dificuldade nisso. Naquele período, juntaram-se, o CNJ, os
juízes, a Defensoria Pública, o Ministério Público, porque se não forem
feitos esses esforços concentrados, não sairá nada. Aqui é viável, porque
já foi feito. Essa não é uma realidade nova.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não estou dizendo


que seja viável …

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - E os mutirões carcerários, historicamente …

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O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Eu não estou


dizendo que não seja viável, nem que não seja necessário.
Eu comecei o meu voto dizendo que talvez fosse o caso de ouvirmos
o CNJ.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Sim, porque Vossa


Excelência disse como se não fosse possível - desculpe-me, talvez a minha
compreensão tenha sido equivocada. Já foi possível em 2010.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Ministra Cármen, eu


salientei aqui é que o pedido é para que seja imediatamente ... todos os
casos.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Estou dizendo,


porque na década de 80 …

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Ministro Teori, Vossa


Excelência me permite?
O pedido foi deduzido, o mutirão carcerário, para a adequação das
penas aos pedidos deduzidos em alíneas anteriores, que foram
indeferidas, e, por essa razão, é que o eminente Relator votou no sentido
de que estava prejudicado, porque o pedido era consequência ... O
eminente Ministro Luis Edson e o Ministro Luís Roberto é que deferiram
em parte, apenas para implementação dos mutirões.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Porque há


muitas pessoas, Ministra Rosa, que estão presas, quando já deveriam
estar soltas. Portanto, a minha ideia de mutirão carcerário não é mudar o
critério de aplicação de pena, é liberar quem está indevidamente mantido
no cárcere.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - E o mutirão não é realizado


em abstrato, o mutirão é realizado para influir no processo, claro! Mas o

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mutirão pega o nome do custeado, pega o processo dele; o mutirão é


documentado.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Mais do que isso,


Ministro, na década de 80, o então Desembargador José Fernandes Filho
fez mutirões, nem existia a Constituição da República de 1988. Notou-se
que havia uma desordem. No caso, estou tomando o exemplo de Minas,
mas que devia ser um retrato do Brasil inteiro. E isso foi feito a partir da
decisão do Desembargador Fernandes Filho, então Presidente do
Tribunal de Justiça de Minas.
Estou chamando atenção para isso, Ministro, entendendo
perfeitamente e concordando até com Vossa Excelência quanto às
preocupações muito nobres, e muitíssimo razoáveis, para dizer que é
possível. Não há coisa, fora a morte, que o ser humano queira e que ele
não faça; se quiser fazer, faz, sem se esquecer que somos dezoito mil
juízes no País.
Estou dizendo isso por conta do esforço que nós fizemos juntos com
os juízes agora, durante este ano, para cuidar da questão da violência
doméstica; fazia-se em média 17 júris; numa semana, nós conseguimos
realizar 218 com um pedido; sem nada, sem um documento, sem nada.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Ministra


Cármen, e “periódico” é uma cláusula aberta. Quer dizer, se, em cinco
anos não tiver feito nenhum, violou. Mas, se vai ser de ano em ano, de
dois em dois anos, de seis em seis meses, quem vai avaliar é o Tribunal.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - O que não é possível


é continuar neste estado de coisas inconstitucional.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Pois, então,


mas a ordem é para que faça periodicamente, mas nós não estamos
ditando qual é a periodicidade.

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A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Eu só aparteei. Pedi


um aparte, que o Ministro Teori gentilmente me concedeu.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - Permita-me uma rápida intervenção?
Historicamente - é uma pena o Ministro Gilmar Mendes não estar
aqui -, os mutirões surgiram a partir do CNJ, porque os Estados não
tinham condições de fazê-lo adequadamente. Há Estados em que há
poucos juízes da execução. Então, o trabalho se acumula, e o CNJ
entendeu de convocar juízes da execução penal de todos os Estados e
fazer um esforço concentrado num determinado Estado, para resolver a
questão onde o problema se apresentasse mais agudo.
Então, o mutirão é isto: o mutirão é trazer juízes de vários Estados,
especializados na execução penal, para ajudar num determinado Estado
que esteja em mora no que tange, enfim, o exame dos processos de
progressão de pena e outros benefícios de natureza prisional.
Nós precisamos saber se essa ordem, para quem ela é dirigida, se ela
é dirigida ao CNJ - e aqui eu queria informar que os mutirões são
permanentes, os mutirões não acabaram, eles estão sendo acelerados - ou
se essa ordem é dirigida aos Tribunais de Justiça dos Estados. Se for aos
Tribunais de Justiça dos Estados, de repente, ela é inócua, porque os
mutirões surgiram, exatamente, em função da incapacidade de os
Tribunais realizarem eficientemente essa tarefa.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhor Presidente,


não há nenhuma dificuldade em deferir o pedido como está aqui, porque
o pedido diz assim: coordene um ou mais mutirões carcerários.
Todavia, penso que do ponto de vista prático, seria mais interessante
ouvir o CNJ - essa era a minha ideia inicial - para que ele apresente um
plano concreto de realização disso, porque determinar simplesmente que
ele "coordene um ou mais mutirões, de modo a viabilizar a pronta revisão
de todos os processos" é uma determinação absolutamente inexequível na
prática, suponho eu, nessa extensão que está sendo pedida.

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O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Eu gostaria


de explicitar o meu voto para dizer que não é para rever todos os
processos. É para fazer o mutirão carcerário para rever situações de
inadequação, podemos pensar uma fórmula, mas rever tudo, eu estou de
acordo que não é viável. Quer dizer, um mutirão para constatar as
situações de irregularidade ou alguma coisa nessa linha.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Quem sabe o


Tribunal defere uma liminar para que, em cinco dias, o CNJ apresente
uma proposta, um plano, e nós determinamos a realização do mutirão, já
que isso demanda certamente mobilização de juízes, de recursos. Ao que
consta, os mutirões anteriores demandaram uma movimentação geral de
juízes pelo Brasil inteiro. Isso é uma providência que não é realizável de
pronto.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Mas no mutirão, não há uma


visita aos presídios. Mutirão, ele é antecedido da relação dos presos
daquele estabelecimento, a situação prisional deles, e, aí, então, se vai lá
conferir e faz-se o mutirão carcerário exatamente para liberar quem já está
preso há mais tempo do que o devido. Não é uma visita ao presídio. É
uma coisa burocratizada. É bem burocratizado o mutirão.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Mas, com


isso, Vossa Excelência quer significar que dá ou não dá a sua posição?

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não sei, acho que


seria importante ouvir o CNJ.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Dá para fazer.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Se Vossa Excelência,


como Presidente do CNJ, entende que uma determinação do Supremo
para que coordene um ou mais mutirões para rever eventuais excessos na

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execução da pena.....

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - O que eu posso afirmar a Vossa Excelência é que os
mutirões não pararam. E agora nós estamos inclusive lançando um novo
programa que se chama cidadania nos presídios, que seria o segundo
passo depois das audiências de custódia, que implica não só na
aceleração dos mutirões carcerários, com a colaboração dos Tribunais de
Justiça, mas também o acompanhamento do preso quando ele passa do
semiaberto para o aberto e, depois para o aberto, ele é liberado. Então,
nós mobilizamos a sociedade civil, pretendemos fazê-lo para que
encontremos emprego e, enfim, para reinseri-lo na sociedade. Esse plano
já está praticamente definido, seria a segunda fase.
Se o Supremo Tribunal Federal houver por bem em determinar a
apresentação de um plano em alguns meses ou, enfim, nós estamos
prontos a fazê-lo.
Agora, realmente o Ministro Fux lembrou bem. Os mutirões
implicam a mobilização não só de pessoas, mas de recursos, voos,
diárias, enfim, a permanência de magistrados em Estados diferentes de
sua origem, de sua residência. É uma mobilização, é quase que uma
operação de guerra. Mas nós achamos que isso é prioritário.
E eu até louvo a preocupação do Relator, eu o acompanharia, talvez
com uma ou outra observação nas conclusões que fez.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Alguém falou que o


Relator considerou prejudicado esse pedido?
Ministro Marco Aurélio, Vossa Excelência...

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Considerou


prejudicado, sim, Ministro Marco Aurélio.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não está sendo


deferido, esse pedido?

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A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - O Ministro-Relator, não;


só pelos Ministro Luiz Edson e Ministro Luís Roberto, em parte.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Exatamente, era essa a


observação que eu queria fazer.
Na verdade, como, no pedido, a parte final busca adequar os
mutirões às letras "e" e "f", e essas letras, pelo que retive, o Ministro-
Relator não as defere de pronto, ele também não deferiu a medida da
letra "g". Eu sugeri suprimir a parte final e deferir o restante. Foi
exatamente isso que a Ministra Rosa está agora a observar.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A


premissa, segundo a inicial, dos mutirões seria, justamente, a
possibilidade de se alterar a legislação quanto à outorga de benefícios, os
períodos necessários para essa outorga. Então, me limitei ao pedido.
Como indeferi a pretensão de ter-se a diminuição dos prazos fixados
em lei – porque não posso atuar como legislador, mesmo diante da
situação degradante das penitenciárias –, por consequência lógica,
cheguei ao prejuízo do pedido alusivo aos mutirões.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhor Presidente,


do meu ponto de vista, penso que os mutirões são uma providência
importantíssima; a história já mostrou isso; talvez tenha sido a
providência mais importante do CNJ como contribuição para solução do
sistema carcerário brasileiro.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Ministro


Teori, faço justiça ao subscritor da inicial. Não formalizou pedido de
determinação de mutirões em geral, de forma linear, porque esses
mutirões já vêm sendo implementados pelo Conselho Nacional de
Justiça.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

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(PRESIDENTE) - Permanentemente. E os mutirões, eu acho realmente, o


Ministro Teori tem razão, eles contribuem não só..., evidentemente têm o
efeito prático de acelerar os benefícios prisionais, mas eles
descomprimem a tensão que existe nos presídios. Quando o presidiário, o
detento sente que o processo dele vai andar, evidentemente, ele tem uma
expectativa de que poderá progredir mais rapidamente, até deixar o
presídio num prazo mais curto. É uma medida muito importante.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Se a medida já existe,


não há por que determinar novamente. Então, realmente me parece que o
pedido estaria prejudicado se a medida já está sendo implementada.
Parece que o Ministro Barroso e o Ministro Fachin determinariam a
continuação dessas medidas.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Nós estamos prevendo dois mutirões mais até o final
do ano. Temos aqui a informação: organizados em todos os Estados, dois,
até o final do ano. E agora, inclusive, até o nosso Luis Lanfredi está me
lembrando, nós vamos ter mutirões eletrônicos para economizar a ida dos
juízes de outros Estados para um determinado ente federativo, porque,
como o Ministro Fux bem lembrou, isso não implica necessariamente a
ida do magistrado à penitenciária. É um processo, na verdade. Então,
digitalizados esses processos, como estamos pretendendo digitalizar e
estamos fazendo de fato, esses mutirões podem ser feitos de Brasília ou
de qualquer ponto no País. É um procedimento que está sendo adotado
em caráter permanente pelo CNJ. Enfim, se o Supremo determinar
qualquer medida nesse sentido, aceleração, nós faremos.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Observo, Senhor


Presidente, que a Lei nº 12.106/2009 criou, no âmbito do CNJ, o
Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e
do Sistema de Execução de Medidas Sócioeducativas (DMF).

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Esse diploma legislativo, ao definir as atribuições do DMF, deu-lhe


competência para acompanhar e propor soluções pertinentes às
irregularidades e deficiências verificadas no sistema penitenciário
(art. 1º, III).

Vê-se, desse modo, que os encargos ora delegados por este Tribunal
ao CNJ poderão ser desempenhados por órgão, o DMF, que já se acha
posicionado na própria estrutura administrativa do Conselho Nacional de
Justiça.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Mas, pelo que estou


concluindo desse ilustrativo debate, o pedido da letra "g" parece
desnecessário. Primeiro, porque já está sendo atendido; segundo, porque
já está obtendo resultados concretos; e terceiro, porque já existe até uma
determinação legal, como agora colocou o Ministro Celso.
Então, quanto à determinação de mutirões carcerários, não se
atenderia aqui o requisito da necessidade neste momento, portanto, não
haveria razão para deferir esse pedido.
Finalmente, a questão do descontingenciamento, que, aliás, é a única
providência cautelar pedida que não envolve o próprio Poder Judiciário.
Todas as outras medidas cautelares pedidas e as que estão deferidas
envolvem providências ao próprio Poder Judiciário. De modo que
significa que, de alguma forma o Poder Judiciário também tem um campo
grande de atuação, de contribuição para amenizar essa grave situação do
sistema penitenciário brasileiro.
A questão do descontingenciamento: o que significa
descontingenciar? É fazer o contrário de contingenciar. O conceito de
contingenciamento está no art. 9º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que
diz:

"Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da


receita poderá não comportar o cumprimento das metas de
resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de
Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão,

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por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias


subseqüentes, limitação de empenho e movimentação
financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes
orçamentárias."

Ou seja, o que tem aqui é uma previsão orçamentária de um


determinado valor, que, não havendo a arrecadação compatível, tem que
ser contingenciado, por força da lei. O que está sendo pedido é que não
haja esse contingenciamento em relação à verba do FUNPEN. Quer dizer,
se não houver dinheiro para cobrir orçamento, que não se corte verba
desse fundo.
Essa me parece uma medida razoável, nas circunstâncias, embora,
como ficou dito da tribuna, aparentemente, o problema não esteja
propriamente no contingenciamento, mas na falta de projetos. Não
adianta liberar os recursos orçamentariamente, se não há como aplicá-lo
por falta de projetos. Mas eu concordo que se trata de uma medida
adequada nas circunstâncias.
Convém registar que esse e todos os demais pedidos de cautelar,
Senhor Presidente, têm escassa compatibilidade com aquilo que está
deduzido como pedido definitivo nesta ação. O cerne do pedido
definitivo é o seguinte:

"c) Determinar ao Governo Federal que elabore e


encaminhe ao Supremo, no prazo de 3 meses, um plano
nacional ("Plano Nacional") visando à superação do estado de
coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro,
dentro de um prazo de 3 anos."

Ou seja, o pedido principal: primeiro, é que se determine que se


realize em três meses um plano apto a, em três anos, acabar com os
problemas do sistema penitenciário.
Segundo:

"d) Submeter o Plano Nacional à análise do Conselho

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Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República, da


Defensoria Geral da União, do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, do Conselho Nacional do Ministério
Público, e de outros órgãos e instituições que queiram se
manifestar sobre o mesmo, além de ouvir a sociedade civil, por
meio da realização de uma ou mais audiências públicas."

Terceiro:

"e) Deliberar sobre o Plano Nacional, para homologá-lo ou


impor medidas alternativas ou complementares, que o STF
reputar necessárias para a superação do estado de coisas
inconstitucional."

Depois:

"f) Após a deliberação sobre o Plano Nacional, determinar


ao governo de cada Estado e do Distrito Federal que formule e
apresente ao STF, no prazo de 3 meses, um plano estadual ou
distrital, que se harmonize com o Plano Nacional homologado
(...)"

Depois:

"g) Submeter os planos estaduais e distrital à análise do


Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da
República, do Ministério Público da respectiva unidade
federativa, da Defensoria Geral da União, da Defensoria Pública
do ente federativo em questão, do Conselho Seccional da OAB
da unidade federativa, e de outros órgãos e instituições que
queiram se manifestar."

Depois:

"h) Deliberar sobre cada plano estadual e distrital, para

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homologá-los ou impor outras medidas alternativas ou


complementares que o STF reputar necessárias (...)"

Finalmente:

"i) Monitorar a implementação do Plano Nacional e dos


planos estaduais e distrital, com o auxílio do Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do
Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho
Nacional de Justiça, em processo público e transparente, aberto
à participação colaborativa da sociedade civil, até que se
considere sanado o estado de coisas inconstitucional do sistema
prisional brasileiro"

Esse é o pedido principal. Se formos examinar com cuidado, há uma


quase integral falta de relação ou de compatibilidade entre o que foi
pedido em liminar e o que está sendo pedido como definitivo.
Eu falo isso, porque, em relação ao descontingenciamento de
recursos, seria muito mais lógico que se tratasse de provisão de recursos
depois de haver aprovação do plano que constitui o pedido definitivo.
Mas, enfim, estou concordando em descontingenciar para, se houver
algum projeto já aprovado, que não seja por falta desse
descontingenciamento que sua execução deixe de ser implementada.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Vossa Excelência me permite um rapidíssimo aparte?
Vossa Excelência enunciou seu voto, dizendo que esta medida
cautelar, esta ADPF se insere num conjunto de decisões que o Supremo
está tomando para resolver o sistema carcerário. O descontingenciamento
é muito importante, porque acabamos de decidir que o Ministério,
mediante ações civis públicas, pode, evidentemente desde que o
Judiciário assim o determine, obrigar o Estado a fazer reformas.

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O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: É de destacar o


julgamento plenário, por esta Corte, do RE 592.581/RS, no qual Vossa
Excelência, como Relator, proferiu notabilíssimo voto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Muito obrigado.
Na medida em que nós liberamos essa verba, vamos viabilizar
exatamente aquele decisão anterior, porque o Ministério Público, sabendo
que tem verbas disponíveis, que não estão contingenciadas, pode pedir ao
juiz que se faça determinadas obras de caráter emergencial.
Essa é um medida, data venia, talvez das mais importantes, e o
Ministro-Relator Marco Aurélio teve muito sensibilidade em deferir esta
cautelar, porque esse é o ponto nodal; ou seja, a falta de recursos impede
que o sistema avance em melhorias que todos desejamos.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Esse é meu voto,


Senhor Presidente. Eu defiro a letra "b", realização de audiência e
custódia num prazo o mais breve possível, segundo os critérios do CNJ, e
a letra "h", julgando prejudicado a letra "g" e indeferindo os demais.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Em suma, Vossa Excelência está deferindo a letra "b",
embora não fixe o prazo, o prazo é o mais breve possível, e também o
descontingenciamento.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 03/09/2015

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 347


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE - PSOL
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : DISTRITO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO DISTRITO FEDERAL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ACRE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ACRE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE ALAGOAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE ALAGOAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAZONAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAPÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAPÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA BAHIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA BAHIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DO CEARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO MARANHÃO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA PARAÍBA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA PARAÍBA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE PERNAMBUCO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PIAUÍ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PIAUÍ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARANÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RONDÔNIA

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 03/09/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 102 de 210

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA


INTDO.(A/S) : ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SERGIPE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO TOCANTINS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS

Decisão: O julgamento foi suspenso após o voto do Ministro Marco


Aurélio (Relator), que deferia parcialmente a medida liminar requerida
para determinar: a) aos juízes e tribunais – que lancem, em casos de
determinação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa
pela qual não aplicam medidas cautelares alternativas à privação de
liberdade, estabelecidas no artigo 319 do Código de Processo Penal; b)
aos juízes e tribunais – que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos
Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia,
viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no
prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão; c) aos juízes e
tribunais – que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático do
sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares
penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; d)
aos juízes – que estabeleçam, quando possível, penas alternativas à
prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida
em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço
normativo; e e) à União – que libere o saldo acumulado do Fundo
Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi
criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos. Falaram, pelo
requerente Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, o Dr. Daniel Antonio de
Moraes Sarmento, OAB/RJ 73.032; pela União, o Ministro Luís Inácio Lucena
Adams, Advogado-Geral da União; pelo Estado de São Paulo, o Dr. Thiago
Luiz Santos Sombra, OAB/DF 28.393, e pelo Ministério Público Federal, a
Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Vice-Procuradora-Geral da República.
Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 27.08.2015.

Decisão: O julgamento foi suspenso após o voto do Ministro Edson


Fachin, que concedia a cautelar em relação à alínea “b” da inicial; que,
em relação à alínea “g” da inicial, concedia em parte a cautelar para
determinar ao Conselho Nacional de Justiça que coordene mutirões
carcerários, de modo a viabilizar a pronta revisão de todos os processos
de execução penal em curso no país que envolvam a aplicação de pena
privativa, mas afastando a necessidade de adequação dos pedidos contidos
nas alíneas “e” e “f”; que, em relação à alínea “h” da inicial, concedia
em parte a cautelar para acolher a determinação do descontingenciamento
das verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, devendo a
União providenciar a devida adequação para o cumprimento desta decisão,
fixando o prazo de até 60 (sessenta) dias a contar da publicação desta
decisão, deixando de conceder a cautelar em relação aos pedidos contidos
nas alíneas “a”, “c”, “d”, “e” e “f” da inicial, que propõe sejam

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Extrato de Ata - 03/09/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 103 de 210

analisadas por ocasião do julgamento do mérito; após o voto do Ministro


Roberto Barroso, que, em relação à alínea “b” da inicial, concedia em
parte a cautelar, determinando que o prazo para a realização das
audiências de custódia seja regulamentado pelo Conselho Nacional de
Justiça; que, em relação à alínea “h”, concedia a cautelar nos termos do
voto do Ministro Edson Fachin; que, em relação à alínea “g” da inicial,
concedia a cautelar e, de ofício, estendia a condução dos mutirões
carcerários aos Tribunais de Justiça estaduais; que indeferia a cautelar
quantos aos demais pedidos; e que concedia cautelar de ofício para
determinar ao Governo Federal que encaminhe ao Supremo Tribunal Federal,
no prazo de 1 (um) ano, diagnóstico da situação do sistema penitenciário
e propostas de solução dos problemas, em harmonia com os estados membros
da Federação, no que foi acompanhado pelo Relator; e após o voto do
Ministro Teori Zavascki, que concedia em parte a cautelar quanto à alínea
“b” da inicial, determinando que o prazo para a realização das audiências
de custódia seja regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça; que
concedia a cautelar quanto à alínea “h”; que julgava prejudicada a
cautelar quanto à alínea “g”, acompanhando o Relator, e indeferia a
cautelar quanto às demais alíneas. Ausente o Ministro Dias Toffoli,
participando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
da Conferência Global sobre Dinheiro e Política, promovida pelo Tribunal
Eleitoral do México e pelo Instituto Internacional para a Democracia e a
Assistência Eleitoral (IDEA Internacional). Presidência do Ministro
Ricardo Lewandowski. Plenário, 03.09.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto
Barroso e Edson Fachin.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral, Dr. Eugênio José Guilherme de


Aragão.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira Duarte


Assessora-Chefe do Plenário

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 104 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente,


Senhores Ministros, como já amplamente relatado e debatido nas sessões
anteriores, e apenas para rememorar, lembro que se trata de uma
arguição de descumprimento de preceito fundamental, sob a relatoria do
eminente Ministro Marco Aurélio, arguição essa submetida a este
Plenário para exame das medidas acauteladoras buscadas.
A ação objetiva o reconhecimento de que o sistema prisional
brasileiro configura o que se convencionou chamar de "estado de coisas
inconstitucional", expressão também encampada pela Corte
Constitucional Colombiana. E esse estado de coisas inconstitucional
resultaria da violação massiva de direitos fundamentais dos detentos, que
se diz provocada por ações e omissões dos poderes públicos, na órbita
federal/estadual, e objetivando ainda a ação a adoção de providências de
ordem diversa, providências essas distribuídas em oito pedidos
cautelares. E esses pedidos, em sede cautelar, é que estão sendo objeto de
exame no momento e de mais dez pedidos para serem apreciados afinal.
Assim como o Relator e os Ministros que me antecederam e pelas
razões já explicitadas por todos, eu conheço da ação. Entendo presente o
requisito pertinente à subsidiariedade, nos moldes do art. 4º, § 1º, da Lei
nº 9.882/99.
Eu acompanho, Senhor Presidente, o judicioso voto do eminente
Relator, a quem parabenizo, em todas as premissas ensejadoras do
reconhecimento, ainda que em juízo de delibação do estado de coisas
inconstitucional. Eu subscrevo, na íntegra, os fundamentos de Sua
Excelência com relação às premissas ensejadoras do reconhecimento do
estado de coisas inconstitucional. Há oito pedidos, e não vou acompanhar
o eminente Relator em todos eles. Por isso, vou me permitir examinar os
que defiro, os que indefiro e o que julgo prejudicado.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 105 de 210

ADPF 347 MC / DF

De qualquer maneira, apenas para enfatizar, com relação a esse


estado de coisas inconstitucional, permito-me o registro de que a
metáfora, lembrada da tribuna e também invocada pelo Ministro Fachin,
Inferno de Dante me parece absolutamente adequada quando se trata do
sistema prisional brasileiro, ainda que - e digo isso em função de uma
observação muito pertinente do Ministro Teori - haja exceções. Mas o
Inferno de Dante também tem seus nove círculos, e o primeiro é o Limbo,
ocupado na imagem de Dante sequer por pecadores. Então, há exceções
sim, mas essas exceções não nos permitem não reconhecer o estado
caótico e dramático das prisões brasileiras e proclamar, repito, ainda que
em sede de juízo delibação, o estado de coisas inconstitucional.
************

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 106 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

A Senhora Ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, trata-se, como


relatado, de arguição de descumprimento de preceito fundamental, com
vista ao reconhecimento de que o sistema prisional brasileiro configura o
chamado "estado de coisas inconstitucional", na expressão cunhada pela
pela Corte Constitucional Colombiana, ora submetida a este Plenário
para apreciação das medidas acauteladoras buscadas, distribuídas em
oito pedidos assim deduzidos:
a) determine a todos os juízes e tribunais que, em caso de decretação
de prisão provisória, motivem expressamente as razões que
impossibilitam a aplicação das medidas cautelares alternativas à privação
de liberdade, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal;
b) reconheça a aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto dos
Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, determinando a todos os juízes e tribunais que passem a
realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a
viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em
até 24 horas contadas do momento da prisão;
c) determine aos juízes e tribunais brasileiros que passem a
considerar fundamentadamente o dramático quadro fático do sistema
penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais,
na aplicação da pena e durante o processo de execução penal;
d) reconheça que como a pena é sistematicamente cumprida em
condições muito mais severas do que as admitidas pela ordem jurídica, a
preservação, na medida do possível, da proporcionalidade e humanidade
da sanção impõe que os juízes brasileiros apliquem, sempre que for
viável, penas alternativas à prisão;

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 107 de 210

ADPF 347 MC / DF

e) afirme que o juízo da execução penal tem o poder - dever de


abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos do
preso, como a progressão de regime, o livramento condicional e a
suspensão condicional da pena, quando se evidenciar que as condições de
efetivo cumprimento da pena são significativamente mais severas do que
as previstas na ordem jurídica e impostas pela sentença condenatória,
visando assim a preservar, na medida do possível, a proporcionalidade e
humanidade da sanção;
f) reconheça que o juízo da execução penal tem o poder-dever de
abater tempo de prisão da pena a ser cumprida, quando se evidenciar que
as condições do efetivo cumprimento da pena foram significativamente e
mais severas do que as previstas na ordem jurídica e impostas pela
sentença condenatória, de forma a preservar, na medida do possível, a
proporcionalidade e humanidade da sanção;
g) determine ao Conselho Nacional de Justiça que coordene um ou
mais mutirões carcerários, de modo a viabilizar a pronta revisão de todos
os processos de execução penal em curso no país que envolvam a
aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às
medidas “e” e “f” acima;
h) imponha o imediato descontingenciamento das verbas existentes
no Fundo Penitenciário Nacional- FUNPEN, e vede à União Federal a
realização de novos contingenciamentos, até que se reconheça a
superação do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional
brasileiro.
Observo de início que, excluído o do item “e”, acima, todos os
demais pedidos focam direta ou indiretamente o Judiciário.
Indefiro o postulado no item “a”, uma vez que a exigência que
veicula já decorre, explícita ou implicitamente, do ordenamento jurídico.
Enquanto o artigo 93, IX, da Constituição impõe sejam as decisões
judiciais fundamentadas, pena de nulidade, o art. 282, § 6º, do CPP,
incluído pela Lei 12. 403, de 2011, prescreve que a prisão preventiva será
determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida
cautelar (art. 319 do CPP). As razões que impossibilitam a aplicação das

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 108 de 210

ADPF 347 MC / DF

medidas cautelares alternativas à privação de liberdade objeto do art. 319


do Código de Processo Penal hão de constar expressamente, pois, do
decreto de prisão provisória por força do arcabouço legal vigente, a
tornar inócuo o deferimento.
Acompanho o relator quando defere o pleito de b para
determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto
dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de
Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia,
viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária
no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão, com a
ressalva do entendimento de que mais adequada seria a observância dos
prazos fixados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, consideradas as
dimensões continentais do país e as peculiaridades de cada região.
Indefiro os pedidos dos itens c, d, e e f. Inócuo se me afigura o que
neles pretendido, presentes os termos da legislação em vigor, em que a
privação de liberdade como pena definitiva é exceção (quando não
substituída por penas restritivas de direito) e só cabe a prisão preventiva
quando não substituível por outra medida cautelar (art. 282, § 6º, do CPP,
antes transcrito). Ademais, em juízo de delibação não me parecem
adequadas exortações nem a imposição de regime de execução penal não
previsto em lei.
Tenho por prejudicado o pedido do item “g”. O mutirão carcerário
já é uma realidade, a partir de programa promovido pelo CNJ,
funcionando a contento.
O pedido do item “h” merece acolhida. O descontingenciamento
das verbas existentes no FUNPEN se impõe. Acompanho o Relator para
efeito de determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo
Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi
criado, com comando ainda de que se abstenha de realizar novos
contingenciamentos. Razoável, contudo, a fixação do prazo de até
sessenta dias, a contar da publicação da presente decisão, para que a
União proceda às adequações necessárias ao cumprimento da medida, tal
como proposto pelo Ministro Edson Fachin, a quem acompanho no

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 109 de 210

ADPF 347 MC / DF

aspecto.
Endosso, por fim, a proposta do Ministro Roberto Barroso, com o
reajuste final, de concessão de cautelar de ofício para que se determine à
União e aos Estados, e especificamente ao Estado de São Paulo, que
encaminhem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação
prisional.
É o voto, na explicitação que ainda se impunha, com renovado
pedido de vênia a todos que entendem de forma diversa.

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Supremo Tribunal Federal
Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 110 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

ESCLARECIMENTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Perdão, Ministra, só


porque estou seguindo. Vossa Excelência considera prejudicados o "d" e
"h"?
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Não, não, eu defiro o
"h". Eu defiro o "b" e defiro o "h". O "h" é o contingenciamento.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - É o
contingenciamento...
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Eu fiquei com alguma
dúvida com relação ao item "b", porque acho que, na verdade, as
audiências de apresentação, graças, inclusive, a todas essas medidas
adotadas e às iniciativas, pelo próprio Supremo Tribunal Federal, por
meio da atuação de Vossa Excelência, inclusive, Senhor Presidente, e pelo
CNJ, já estão regradas. Mas, depois do debate que fizemos e entendemos
razoável, eu resolvi deferir o item "b".
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - "b" e "h"?
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - "b" e "h".
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Ok, obrigada.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - O "g" é o prejudicado e
os demais são os indeferidos, Ministra Cármen.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Obrigada.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - "b" e "h". Com sessenta dias, não é?
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Sim.
**********

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Supremo Tribunal Federal
Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 111 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Interessante, Ministra Rosa Weber, é apenas uma
observação que não diz respeito ao voto de Vossa Excelência diretamente.
Com relação ao item “d”, existe, na doutrina e na criminologia
moderna, hoje, uma noção de que os juízes, ao determinarem a prisão,
devem observar o que se chamou de numerus clausus. Ou seja, eles não
podem determinar a prisão quando não há mais espaço nas prisões. Eles
têm que observar estritamente o espaço físico das prisões, porque senão,
se o juiz determinar a prisão para uma penitenciária, uma cadeia pública,
para uma cela onde cabem vinte pessoas e já existem cem pessoas,
evidentemente que este mandado será cumprido em uma situação muito
mais gravosa do que a própria sentença determina. Mas é um conceito
que está sendo maturado pela doutrina que se debruça sobre essas
questões importantes.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - E daí, Senhor
Presidente, se me permite, a extrema importância desta arguição e de
todas essas outras ações que têm sido propostas perante essa Corte - o
Ministro Marco Aurélio, em seu voto, relacionou-as -, que mostram
justamente esses escaninhos, esse caos do nosso sistema prisional, porque
muitas vezes o juiz, quando ele decreta a prisão, na verdade, ele não está
lidando lá exatamente com a prisão para saber qual é a população
carcerária, se naquele momento tem alguma vaga, não tem... Então esse é
um tema que merece uma reflexão conjunta e um debate.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - Porque, se Vossa Excelência me permite, há um certo
autismo do juiz criminal, porque ele manda prender independentemente
do espaço físico existente para o cumprimento da pena privativa de

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Supremo Tribunal Federal
Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 112 de 210

ADPF 347 MC / DF

liberdade. Isso é uma completa dissociação entre a atividade jurisdicional


e a atividade administrativa. Inclusive, um dia desses, o eminente decano
estava dizendo que há uma disposição da Lei de Execução Penal que
obriga que o juiz vá mensalmente, salvo melhor juízo, ao presídio, enfim,
sob a sua jurisdição, para que verifique as condições físicas nas quais os
presos se encontram. Mas isso não acontece na realidade.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: A Lei de Execução


Penal, ao definir as atribuições do Juiz da Execução, outorgou-lhe
competência para inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais,
tomando e ordenando providências para o adequado funcionamento do
sistema penitenciário e promovendo, quando for o caso, a apuração de
responsabilidade (art. 66, VII).

Esse mesmo diploma legislativo, por sua vez, conferiu poder ao


magistrado para, até mesmo, “interditar, no todo ou em parte, estabelecimento
penal que estiver funcionando em condições inadequadas”(grifei) ou, então,
quando referido estabelecimento penitenciário infringir dispositivos da
própria Lei de Execução Penal (art. 66, VIII).

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, também


tenho notado que alguns juízes têm determinado transferência, ao invés
de adotar outra pena, que não corresponderia àquela para a qual foi
condenado, e que deveria estar sendo cumprida. Na falta de condições
naquele estabelecimento, ele pode determinar a transferência, por
exemplo, para o presídio mais próximo, mantendo as outras condições, o
mais próximo possível da família etc. Isso tem sido feito, por exemplo, em
algumas localidades, o que é uma alternativa sem precisar alterar o
regime e o quantum da pena.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

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09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, egrégio


Tribunal Pleno, ilustre representante do Ministério Público, senhores
advogados e estudantes presentes.
Senhor Presidente, hodiernamente, o que se tem verificado em várias
cortes constitucionais é exatamente esse ativismo judicial-dialógico que
visa a implementar esses direitos fundamentais previstos na Carta dos
respectivos países. Então, aqui, cita-se como exemplo a corte colombiana,
que efetivamente é uma corte que tem dado ênfase a essa implementação
de políticas públicas. Entendo que cabe, sim, ao Judiciário, num estado de
inércia e de passividade em que os direitos fundamentais não estão sendo
cumpridos, interferir. E me recordo, por exemplo, que na Índia, na África
do Sul, na Colômbia, enfim, em todos esses países, as cortes supremas,
elas, digamos assim, determinam a prática de uma política pública e
acompanham e coordenam essas práticas. Mas, aqui, já há um passo
adiante. Aqui o que se alega é que já há uma previsão constitucional e
uma previsão legal, e que essas previsões constitucionais, em primeiro
lugar, eclipsadas em direitos fundamentais, elas estão sendo
descumpridas.
Eu verifiquei - e peço vênia por essa minha ótica - que aqui muitos
votaram no sentido de que, como há uma lei obrigando o juiz a motivar a
decisão, então a ação de descumprimento de preceito fundamental, nesse
particular, tem que ser indeferida. Mas o que essa ação de
descumprimento de preceito fundamental afirma? Que há um preceito na
Constituição que não é cumprido e por isso precisa de uma decisão na
ação de descumprimento de preceito fundamental. E, a fortiori, se a lei
obriga o juiz a motivar, e ele não motiva, há um estado de coisa
inconstitucional, porque, também na Constituição, está determinado que
os juízes motivem as prisões, motivem as prisões preventivas, apliquem

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as medidas cautelares.
De sorte que, no que eu pude colher, que não é do direito
estrangeiro, mas é de um único autor brasileiro que eu conheço, que se
dedicou ao tema - é até um colega da nossa congregação -, Carlos
Alexandre Azevedo, que já foi examinado, inclusive, pelo Professor e
Ministro Luís Roberto Barroso. Ele afirma: "Quando declara o Estado de
Coisas Inconstitucional, a corte afirma existir quadro insuportável de violação
massiva de direitos fundamentais, (...). Ante a gravidade excepcional do quadro,
a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de
políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as
medidas concretas necessárias para superação do estado de
inconstitucionalidades".
Portanto, veja Vossa Excelência: nós deparamos diuturnamente, nas
Turmas, com prisões sem fundamentação, prisões mal decretadas e todas
essas perplexidades que foram narradas na ação de descumprimento de
preceito fundamental. Então, o fato de haver uma lei que obriga o juiz a
motivar, que o obriga a proceder dessa maneira, não esvazia a ação de
descumprimento de preceito fundamental; pelo contrário, nós estamos
reconhecendo esse "estado de coisas inconstitucional", exatamente porque
os juízes não motivam, eles não fundamentam as suas prisões.
Por outro lado, no meu modo de ver, a jurisdição constitucional não
se esgota só nas ponderações de valores e, às vezes, até na técnica de
subsunção de um caso à lei. Eu entendo que a Suprema Corte, que é a
última palavra do Judiciário - quer queira ou quer não, está previsto na
Constituição - tem que ter um efeito pedagógico. Assim, por exemplo, nas
Turmas, nós já chegamos a discutir sobre a necessidade de nós
municiarmos a Justiça de um conhecimento técnico para que ela possa
fundamentar suas decisões, para que ela possa aplicar as medidas
alternativas, para que possa haver essa vigília constante em relação ao
sistema penitenciário.
Nós julgamos aqui não tem duas semanas - e foi, inclusive, de minha
relatoria - sobre aquela audiência de custódia. Isso vai resolver uma série
de problemas e vai evitar aquelas prisões precipitadas, as prisões

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arbitrárias que, de alguma maneira, interferem na população carcerária.


Mas o fato de existir a norma obrigando o juiz a fazer alguma coisa, e se
ele não faz - por isso o estado de coisas é inconstitucional -, nos impõe
que, além de ponderação e subsunção, a jurisdição constitucional também
tenha um efeito pedagógico. E não há efeito pedagógico melhor do que,
num acórdão do Supremo Tribunal Federal, constar textualmente aquilo
que os juízes devem fazer e não estão fazendo. Logo, o efeito pedagógico
dessa ação de descumprimento de preceito fundamental, no meu modo
de ver, é extremamente didático para nós colocarmos as coisas no seu
devido lugar.
Por isso, eu já adianto que vou acompanhar integralmente o
eminente Relator. Vários argumentos aqui já foram expostos e eu não
serei repetitivo, mas eu gostaria talvez de espantar algo que paira como
um fantasma na decisão desta ação de descumprimento fundamental, que
é o problema da utilização epidêmica de uma reclamação se esses ditames
não forem obedecidos. Então, eu fiz um paralelo com o que ocorreu na
Reclamação nº 10.793, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, do Tribunal
Pleno de 2011, em cujo julgado está dito basicamente o seguinte: A
reclamação não é sucedâneo do recurso cabível, mutatis mutandis, é uma nova
fisionomia da Súmula nº 267. Mandado de segurança não é substitutivo de
recurso, reclamação não é substitutivo de recurso.
Então, observe Vossa Excelência: se nós, em uma ação de preceito
fundamental, determinarmos que os juízes motivem, que apliquem penas
alternativas, que cumpram o Pacto de São José da Costa Rica, fazendo a
apresentação dos presos, e, se eles não fizerem, estarão cometendo um
vício de ilegalidade da decisão. O erro é in procedendo. Como se corrige
o error in procedendo? Não é com a reclamação. Corrige-se o erro através
do recurso. Então, o que fará o Tribunal? Cassará aquela decisão do juiz
para poder determinar a ele que profira uma decisão fundamentada
ainda que, utilizando seu poder geral de cautela, possa manter o preso
encarcerado em razão do periculum in mora para toda a coletividade.
Então, eu verifiquei que há uma preocupação muito grande no não
atendimento de preceitos que estão previstos na lei, mas a ação é de

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descumprimento de preceito fundamental, que está na Constituição, e


quiçá preceitos que estão na lei. O fato de a lei dizer, de o Código de
Processo Penal impor uma obrigação e de o juiz não cumprir reforça o
estado de coisas inconstitucional. De sorte que eu entendo que a proposta
do Ministro Marco Aurélio vai além da função da jurisdição
constitucional, que é de julgar casos concretos mediante a técnica de
subsunção ou de aplicar um direito fundamental, ou de eleger um valor
moral, uma razão pública, na técnica de ponderação.
Agora, aqui há um plus. A jurisdição constitucional, além de exercer
a sua exclusiva função e a sua obrigação, vai poder proferir uma decisão
de caráter geral e de cunho pedagógico, vai impor ao juiz, porque eles
vão ler este acórdão, eles vão tomar conhecimento que o Supremo
Tribunal Federal reconhece que há um estado de coisas inconstitucional,
porque eles não motivam as suas decisões, não aplicam a lei das medidas
cautelares e com isso abarrotam os presídios. De sorte que, no meu modo
de ver, esta decisão servirá como exemplo para toda a magistratura,
suprimindo inclusive a necessidade de se fazer encontros para explicar
aos colegas, que são dedicados, mas que neste particular as coisas não
estão andando bem. Não haverá necessidade de encontros para explicar
isso, porque o acórdão do Supremo vai sair amanhã nos jornais, avisando
os juízes que o Supremo Tribunal Federal está preocupado, mais do que
preocupado, e determinou que agora se proceda desta forma. Muito bem.
E se eles não procederem desta forma, no meu modo de ver, Senhor
Presidente, a hipótese é de error in procedendo, passível de correção pelo
tribunal superior por via de recurso.
Então, além de acompanhar integralmente o voto do Ministro Marco
Aurélio, que diz que os juízes e tribunais que lancem, em caso de
determinação ou manutenção de prisão provisória, têm que motivar
expressamente por que o fazem. Eles têm que adotar medidas cautelares
e dizer por que não aplicam as medidas cautelares, tendo em vista que a
não aplicação abarrota os presídios. Os juízes e tribunais têm que
obedecer à questão da audiência de custódia. Já decidimos isso aqui, o
que já foi um passo maravilhoso do Supremo Tribunal Federal. O

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Supremo Tribunal Federal, nessa onda que aduz ativista - só que nós não
agimos ex officio, somos provocados e isso aqui é um exemplo disso -,
tem ido muito além do que já foi. O Supremo Tribunal Federal agora
ocupa um papel de destaque até mesmo na garantia da governabilidade
sob vários aspectos, porque, em várias ocasiões, essas políticas públicas
não são enfrentadas. E enfrentá-las politicamente pode gerar um preço
social muito grande para aqueles a quem compete decidir sobre essas
matérias. Então, empurra-se para o Poder Judiciário - cujos juízes não são
eleitos, são indicados, mas são concursados, e o próprio Poder Judiciário
de primeiro grau -, porque ali evidentemente não há compromisso com
um eleitorado e ele resolve as questões. É o que tem acontecido hoje com
o Supremo Tribunal Federal. Esse ativismo, essa suposta judicialização de
questões que, segundo alguns, não nos dizem respeito, nos diz respeito
na medida em que a Constituição Federal nos obriga a prover tão logo
provocado. Se nós tivéssemos nos Estados Unidos, talvez a Suprema
Corte de lá pudesse se pronunciar ou não - "não julgo, acho que a
sociedade não está preparada". Lá, há a denominada reserva do possível,
Professor Cass Sunstein, enfim... Mas, aqui, não. Aqui, nós estamos diante
de uma ação que vai permitir ao Poder Judiciário estabelecer regras de
como devem agir os juízes, pedagogicamente, com eficácia erga omnes e
sem prejuízo de nós não nos assustarmos com o cabimento de
reclamação, porque, eu repito, e até sugiro que se expeça um
entendimento sumular no sentido de que a reclamação não é meio
substitutivo de recurso. Porque, a partir do momento em que houver
transgressão a essas regras de proceder pelos juízes, eles estarão
cometendo uma ilegalidade passível de solução, através do recurso
cabível.
De sorte que a ideia que eu procurei, exatamente, conciliar com esta,
que exsurgiu da Reclamação nº 10.793, foi exatamente que não cabe
reclamação como substitutivo do recurso cabível por descumprimento de
decisão na ação de descumprimento de preceito fundamental. Só a
redação, nós temos total condição de elaborar ao tempo certo, até agora,
depois de ouvir os demais colegas. Mas esse enunciado é

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importantíssimo, porque nós não podemos ficar podados de agirmos


nesse âmbito, de pelo menos dar concretitude ao que o nosso Poder
Judiciário... Aqui não é violação da cláusula de Separação de Poderes, nós
estamos avisando aos membros do Poder Judiciário. É uma decisão da
Suprema Corte, que está hierarquicamente abaixo, e eles devem respeitar
a jurisprudência e as decisões do Supremo Tribunal Federal.
De sorte que não vai abarrotar de reclamação como na ADI, porque
isso não é ADI, isso aqui é uma ação de descumprimento de preceito
fundamental na qual, de forma sui generis, nós estamos estabelecendo
regras in procedendo para os juízes, que, se não as cumprirem, se
submeterão às cassações inerentes aos recursos quando se veicula o vício
da ilegalidade.
Então, com essas considerações, Senhor Presidente, eu vou procurar
redigir essa proposição e vou acompanhar integralmente o voto do
Ministro Marco Aurélio com relação a todos os itens que ele aqui
chancelou. E eu não me recordo se Vossa Excelência fez uma adequação
final diante de uma observação do Ministro Barroso.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - É que, na última sessão, houve uma sugestão do
Ministro Barroso, salvo melhor juízo, no sentido de que se concedesse
uma liminar, de ofício, para determinar ao Governo Federal que
encaminhe ao STF, no prazo de um ano, o diagnóstico da situação do
sistema penitenciário e plano de ação para solução dos problemas, em
harmonia com os Estados-membros da federação.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,
ontem, recebi o diretor do DEPEN, que disse, eminente Ministro-Relator,
que está coligindo os dados, inclusive dos projetos existentes, para
encaminhar ao Relator. Portanto, independentemente da liminar, Ministro
Marco Aurélio, o diretor do DEPEN, Doutor Renato De Vitto - um
defensor público de São Paulo extremamente operoso -, disse que há
projetos e que ele encaminharia ao relator para que nós todos
pudéssemos ter essas informações de diagnósticos e propostas que já
existem. Portanto, a cautelar...

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 119 de 210

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A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Acho que nem


precisaria, talvez, Ministro, se Vossa Excelência me permite, dar um prazo
tão longo, porque eles têm isso.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Acho que
poderíamos abreviar o prazo.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Talvez pudesse ser
no prazo mais rápido possível, e eles talvez atualizem, porque já existe
isto.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Isso.
Interessante, Ministra Cármen, ele está cumprindo um pouco a cautelar
de ofício. Então, eu fiquei feliz de saber.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - É, o doutor Renato
Campos Pinto de Vitto, que Vossa Excelência...
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Ele disse
que já havia providências, e que ele gostaria de trazer.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente,
permite-me? Foi puro esquecimento: eu acompanho essa proposta de
cautelar de ofício do Ministro Barroso, que foi encampada, inclusive, pelo
eminente Relator, e não explicitei no meu voto. Eu acompanho.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Então, eu estou
acompanhando integralmente o Ministro Marco Aurélio, que encampou,
no seu voto, a proposta do Ministro Luís Roberto Barroso.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 120 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


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VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente,


poderia apenas dizer que acompanho também, integralmente, o voto
preciosíssimo - e aqui não é, absolutamente, como em geral não é, de
nenhum de nós, um elogio retórico ao voto do Ministro Marco Aurélio. E
faço a inclusão, aí, do detalhamento que foi feito por Sua Excelência, neste
tema, que é um tema tão sensível, um nervo exposto, que nós temos nessa
área de cumprimento do Direito e da punição de quem deva ser,
eventualmente, punido; portanto, de dar cumprimento a decisões
judiciais.

Conheço, como fez o Ministro Marco Aurélio e todos os que o


seguiram, desta arguição de descumprimento de preceito fundamental,
considerando que há um estado de coisas inconstitucionais nesta área, e
não é de hoje.

Apenas pediria licença para fazer uma ou duas referências realçando


o que foi dito, em parte, no voto do Ministro Marco Aurélio, mas também
o que foi suscitado pelo Ministro Barroso, da necessidade de haver o que
Vossa Excelência chamou, Ministro Barroso, de um diálogo com a
sociedade a respeito deste tema.

Nós temos no Brasil, hoje, em dados de dezembro de 2013,


Presidente, 1.424 (mil quatrocentos e vinte e quatro) unidades prisionais.
E destas, apenas 4 (quatro) são federais, ou seja, estados respondem pelos
presos que deveriam ser de responsabilidade da União. E, nessas prisões
federais, como disse, são 4 (quatro), há apenas, em número de pessoas
nesse sistema, 358 (trezentos e cinquenta e oito) presos, porque são os
presos que estão em regime muito especial pela periculosidade, pela

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 121 de 210

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necessidade de afastamento. Então nós temos, em números de dezembro


de 2014, no sistema penitenciário estadual, 579.423 (quinhentos e setenta
e nove mil, quatrocentos e vinte e três) presos, e, em secretarias de
segurança, carceragens em delegacias, 27.950 (vinte e sete mil novecentos
e cinquenta) mais os 358 (trezentos e cinquenta e oito) do sistema
penitenciário federal. Há um total que dá, em termos de vagas, 376.669
(trezentos e setenta e seis mil, seiscentos e sessenta e nove), com um
déficit de 231.062 (duzentos e trinta e uma mil e sessenta e duas) vagas.
Só esses números seriam capazes de mostrar o estado de coisas
inconstitucional, porque essas pessoas estão encarceradas.

Por outro lado, fiz um estudo do que significa o


descontingenciamento, e é certo que, na minha compreensão e
acompanhando o que disse o Ministro Marco Aurélio, precisa, sim, ser
determinado. Mas também tenho de afirmar que - e o Ministro Barroso
também deve ter tido essa experiência como Procurador de Estado -,
muitas vezes, se fazem convênios dos estados com a União que só
oneram o estado. Porque uma coisa é construir paredes, outra coisa é
administrar, é ter o carcereiro, é ter o assessor que fica por conta do
Estado, e isso tem, realmente, agravado o problema, porque os Estados
ficam com todo o ônus correspondente aos servidores, às rebeliões, à falta
de alternativas que a União tem. Portanto, parece-me que todo esse
quadro é realmente muito grave.

Outro dado que chama a atenção, Presidente, nesta arguição, é que


se suscitou, entre os preceitos constitucionais que teriam sido
descumpridos, o da dignidade da pessoa humana em face do que dispõe
o artigo 5º, em relação a todo ser humano, mais ainda em relação ao
preso. Curiosamente o que talvez nós devêssemos estar discutindo além
disso, como cidadãos, não como juízes, é a referência constitucional muito
pouco estudada por nós, no Direito Constitucional, que é o da existência
digna, que está expressa no artigo 170 da Constituição, que embora se
refira à ordem econômica, refere-se expressamente não apenas a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 122 de 210

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dignidade, mas o existir. Qualquer que seja a condição daquele que existe
há de ser com dignidade.

E como o princípio da dignidade da pessoa humana está estampado


no artigo 1º, fala-se pouco na existência digna. Entretanto, quando a gente
faz visita à penitenciária, o que há é uma ausência do existir digno e não
uma experiência digna que nem os presos, nessa altura, de alguma forma,
esperam.

Por outro lado, também me chama a atenção a circunstância de que


tudo que se pediu nesta arguição, e que, como antecipei, estou
concordando nos cinco itens que o Ministro Marco Aurélio acedeu e
deferiu, diz respeito ao Estado. E a luta que nós temos nos trabalhos
sociais feitos com isso é que o artigo 144 da Constituição, e o Ministro
Barroso fez referência exatamente ao que o Ministro Gilmar também tem
feito muito, é que isso diz respeito a nós como juízes, porque mandamos
cumprir, e a nós como cidadãos, porque se trata de uma questão que se
refere à segurança pública. E o artigo 144 da Constituição brasileira
afirma que a segurança pública é dever do Estado e de toda a sociedade.

Todavia, quando se tenta mudar o modelo, sem nenhum embaraço


ou embargo da obrigação principal do Estado quanto a essa matéria, há
uma enorme má vontade da sociedade com relação ao tema. E digo isso
porque uma das poucas experiências diferentes que nós temos, é das
APACs, criadas há 30 anos e que tem sido extremamente difícil ser
implantada porque as comunidades não as querem.

Essa experiência começou em Minas, com atuação muito forte da


Igreja, do Dom Serafim Fernandes, três décadas anos para se constituir, e
nós não conseguimos implantar em outras comunidades, porque as
pessoas nas cidades não querem lá. E, aí, é feito, não vou dizer da
ressocialização, porque há poucos dias um preso me disse que - e de uma
forma muito corajosa e muito verdadeira - essa história de ressocialização

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 123 de 210

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é para professor - eu frequento os presídios como professora -, porque


ninguém fica fora de uma sociedade. Então, ele me disse: "Se me tiram de
uma sociedade e me põem lá dentro, é claro que eu vou me socializar com
quem estiver lá, com outro criminoso." E está certo, porque ele está
vivendo a situação. O que nós podemos cogitar é de inseri-lo de novo no
modo de vida com trabalho e dignidade, que não é apenas pensar que se
tira da sociedade e depois se ressocializa. Esse preso me disse: "Não
senhora, eu estou aqui socializado. Só mudei o grupo com quem eu
andava. Eu não vivo isolado." Então, é preciso que se repense mesmo o
modelo da sociedade, porque lamentavelmente é preciso que todo
mundo acredite que Beccaria morreu. O que ele propôs e que nós estamos
executando até hoje, há de avançar para se atualizar avance. Queria
chamar um pouco a atenção para isso.

Também, Presidente, começou-se a ter experiência - e há experiência


em Minas Gerais - da parceria público-privada para penitenciária. Sei que
há muitos, muitos problemas na experiência de Minas Gerais, mas visito
essa penitenciária e é completamente diferente de tudo que se tem em
termos de penitenciária, pelo menos de todas que visito.

Tenho dito, Ministro Marco Aurélio, que há um dado que é pouco


estudado nesse tema, a não ser pelos órgãos especializados do Ministério
da Justiça. Nós temos, hoje, 8% da população carcerária feminina, e 92% é
masculina. E há uma diferença do viver na penitenciária das mulheres e
dos homens. E começa-se a ter, pela primeira vez, o centro de referência
da mulher grávida. A mulher que foi presa grávida, por exemplo, em BH
nós temos o centro de referência e as condições são de cumprimento da
Constituição. Quando elas voltam, elas voltam para esse estado de coisa
inconstitucional flagrantemente, e há uma desagregação psicológica dessa
pessoa, porque, além da separação do filho recém-nascido, ela volta para
uma penitenciária em que não se tem o cumprimento da pena no regime
estabelecido e em condições de mínimo respeito à dignidade humana.

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Então, não sei o que vai dar ainda esse tipo de experiência, mas digo
que quem tiver a possibilidade de fazer uma visita haverá de ver. Estou
reafirmando, esta PPP de Minas, inclusive, tem muitos, muitos, muitos
problemas, mas é uma penitenciária que cumpre, acho, os itens
fundamentais da Constituição. Não sou capaz de listar todos os
problemas administrativos, de licitação, de tudo mais que tenha
acontecido, mas pelo menos é uma tentativa completamente diferente de
tudo mais que tenho visitado neste País.

E por isso, acho que é preciso - o Ministro Marco Aurélio chegou a


lembrar - não apenas fazer mais prédios com o mesmo modelo, mas fazer
uma grande revolução, porque morreu, faliu, esse tipo de penitenciária
que vem sendo feita.

Em 1982, Darcy Ribeiro fez um célebre discurso em que ele desafiava


o Governo, avisando que se não tivesse a construção de muitas escolas no
Brasil, nós iríamos, um dia, trazer ao Supremo julgamentos para
mandarem construir penitenciárias aos montes e não caberia todo
mundo. E parece que o presságio está se cumprindo.

Então, acho que é preciso realmente que a gente repense esse modelo
e a forma de se cumprir a Constituição. E nessa arguição de
descumprimento de preceitos fundamentais, claro, nós estamos julgando
o que é pedido para tentar superar de imediato uma situação de urgência.
Isso, a meu ver, precisa ser devidamente repensado para que a gente
tenha uma grande transformação e dê cumprimento à lei. E há modelos
novos para se dar cumprimento à lei, não faltam leis.

Também é preciso levar em consideração que há diferenças entre as


penitenciárias; algumas com situação de atrocidade - não vou nem dizer
de perversidade.A gente sai de lá, ao visitar, literalmente doente, tais as
coisas que a gente vê. Quer dizer, não cabe mesmo o número de presos
nos locais designados para constrição de liberdade, e o Ministro Marco

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Aurélio deu exemplo: um terço fica deitado, enquanto dois terços dos
presos ficam de pé para dormir, num rodízio que nem a animais se
aplica... Lembrei-me, Ministro Marco Aurélio, quando Vossa Excelência
votava, do célebre habeas de Sobral Pinto, que pedia que se aplicasse a
Lei de Proteção aos Animais às pessoas que estavam sendo torturadas e
que não recebiam tratamento sequer igual ao dos animais. Daqui a pouco,
aparecerá outro Sobral Pinto que virá aqui para pedir isso, que é o que
precisamos vencer e que esse estado de coisas inconstitucional nos faz
lembrar.

Os dados de que dispõe o Ministério da Justiça, hoje, são - e que


serão entregues de uma forma atualizada - extremamente graves porque
demanda um encontro da federação. Os estados têm as suas obrigações
que têm que cumprir, e a União tem a sua obrigação que tem que
cumprir. E a União também não cumpre, com suas quatro penitenciárias
com 358 (trezentos cinquenta e oito) presos, num contingente que, como
lembrei, supera os seiscentos mil presos. Claro, essas penitenciárias como
a de Catanduvas, tem pouquíssimos presos porque a guarda que precisa
ser feita, a vigilância, no nível de segurança que precisa ser dado, faz com
que muitos outros crimes não sejam cometidos. Mas, em outras
penitenciárias, há situações como essa, em que sabemos que grupos de
criminosos dominam os presos e fazem dos presos verdadeiros sabujos,
numa hierarquia em códigos de honra que nada têm a ver com o Estado,
têm a ver com tribos, em situação não de tribos civilizadas, com seus
marcos civilizatórios, mas com marcos de perversidade que são
gravíssimos.

Por tudo, Presidente, essa arguição de preceito fundamental cumpre


- como diz o Ministro Fux - um papel fundamentalíssimo que compete ao
Supremo discutir. O Ministro Gilmar Mendes tem repetido, algumas
dezenas de vezes, que este é um problema nosso, porque o Judiciário
manda prender, o Judiciário manda soltar, o Judiciário tem a obrigação de
fiscalizar, e o Judiciário é o responsável, representa o Estado que tem essa

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 126 de 210

ADPF 347 MC / DF

pessoa sob a sua guarda. Portanto, é preciso haver uma grande


transformação. Não sei como isso se faz, sei apenas que não há milagre a
ser feito nessa área - e eu não faço milagre, faço Direito.

Estou acompanhando o Ministro Marco Aurélio, Presidente, que


deferiu cinco das oito medidas, declarando prejudicada apenas uma, em
decorrência da circunstância de que juízes não podem levar em
consideração as condições para diminuição de penas ou regime de
cumprimento - esses dois itens são os que não aceitamos -. Portanto,
estou votando acompanhando exatamente os itens por ele deferidos, com
a encampação que fez à sugestão do Ministro Barroso. Apenas acho que
não precisaria ser um ano, mas que, com a maior urgência possível, tenho
certeza que haverá boa vontade para o encaminhamento imediato desses
dados ao Supremo Tribunal Federal.

É como voto, Presidente.

......................................

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 127 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Senhor Presidente,


também, gostaria de ressaltar o belíssimo voto proferido pelo eminente
Relator, o ministro Marco Aurélio e registrar a bela peça trazida aqui, da
lavra do advogado Daniel Sarmento, em nome do Partido Socialismo e
Liberdade - PSol, como já amplamente destacado, traz, talvez, um desses
temas mais desafiadores da atual realidade institucional brasileira, um
daqueles temas diante do qual nós, em geral, nos capitulamos, porque
gerações e gerações sobrevêm sem que o tema seja adequadamente
encaminhado.

Por outro lado, percebe-se que é extremamente difícil fazer-se tratar


do tema de maneira isolada, como já foi destacado nas várias falas. O
tema é de prisão, o tema é do sistema repressivo, mas o tema, também, é
de segurança pública, o tema é da funcionalidade ou desfuncionalidade
do próprio Poder Judiciário. O tema aguarda, portanto, intrincadas
relações com as expectativas do cidadão, que se vê às voltas com um
quadro de grande insegurança.

Inicio, Presidente, apenas para ser dogmático, falando sobre o


cabimento da ADPF. Ninguém vai dar uma palavra para discordar de que
estamos aqui a discutir preceitos fundamentais. O texto constitucional de
88, de uma maneira muito clara, inclusive quebrando, de alguma forma, a
rotina, ou a sequência, com seus paradigmas, enfatizou esses direitos
penais e processuais de caráter civil e penal. Não é por acaso que o texto
constitucional tem, pelo menos a metade de suas disposições voltadas a
esse núcleo temático, garantias processuais e garantias penais - a partir do
art. 5º, inciso 35, temos um elenco – e, especialmente, o direito do preso,
como já foi aqui destacado e, às vezes, se fala do direito do preso, quando

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 128 de 210

ADPF 347 MC / DF

em verdade está se falando do direito do acusado. Mas temos regras


quanto à necessidade de dar tratamento digno, a distinção entre preso
provisório e preso definitivo, as condições de prisão da mulher; em suma,
todos os temas estão amplamente elencados no texto constitucional.

Seguindo, portanto, essas premissas, não há dúvida de que podemos


até ter polêmica sobre como interpretar a cláusula de preceito
fundamental, mas ninguém dúvida de que os direitos e garantias
fundamentais são preceitos fundamentais e, portanto, estão aqui
albergados. Não há, então, nenhuma dúvida em relação a isto.

Quanto ao segundo aspecto, o objeto, que é importante analisar e o


requerente traz a fórmula desse estado de coisa inconstitucional. E vou
me permitir relembrar de uma evolução que tivemos no direito pátrio,
para lembrar que, em situações, se não assemelhadas, pelo menos
análogas, temos encaminhado solução com base em nosso próprio
instrumentário.

Começo a lembrar a evolução, Presidente, que tivemos - e Vossa


Excelência é um dos grandes estudiosos desse tema - no âmbito da
intervenção federal, especialmente da representação interventiva. Veja
que, na origem, entre 34 e 46, especialmente entre 34 e 37 e, depois, em 46,
pensávamos na representação interventiva como controle de normas, de
ato normativo. Posteriormente, com o advento da Emenda Constitucional
16, que cria o chamado controle de 65, o controle abstrato de normas,
ficou um pouco ambígua essa relação e se pensava se teria havido até
uma absorção, pela ação direta, agora mais ampla, dessa chamada
representação interventiva.

Sobre 88, essa perplexidade se afunilou. Por quê? Porque a


Constituição continuou mantendo a representação interventiva, confiada
ao Procurador-Geral da República, tendo como parâmetro os princípios
sensíveis, agora adensados até como direitos da pessoa humana, mas

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 129 de 210

ADPF 347 MC / DF

ampliou-se, também a ADI, com muitos autores possíveis, em relação à


lei ou ato normativo estadual ou federal. Portanto, o espaço para uso da
representação interventiva sofreu, aparentemente, uma restrição, ou
houve até uma absorção, uma obsolescência - cheguei a dizer em um
momento - da representação interventiva. Eis que - e o Direito é
interessante nesse aspecto - surge um caso muito curioso, hoje pouco
citado, da relatoria do ministro Nery da Silveira, a chamada Intervenção
Federal 114, que nós, do mundo acadêmico, conhecemos como caso de
Matupá.

De que se cuidava? Esse caso, Presidente, é interessante. Por quê?


Um grupo de malfeitores, aparentemente, atuava no norte de Mato
Grosso, nessa região, nesse município chamado Matupá, e foi
surpreendido pela Polícia. Trazido ao presídio local, nas condições
existentes, teria havido uma sublevação da população e essas pessoas
foram trazidas a uma praça pequena, e foram submetidas a linchamento.
Não havia ninguém que se habilitasse ao salvamento, à preservação
dessas vidas, mas alguém aparece e filma aquela cena macabra. E isso
corre Brasil afora. E as pessoas ficam chocadas. E o Procurador-Geral de
então, hoje digno advogado Aristides Alvarenga, traz ao Supremo a
Representação Interventiva 114, da relatoria de meu ilustre antecessor, o
eminente ministro Nery da Silveira. E o debate que se travou aqui, nesta
Casa, nós estamos falando, portanto, dos idos de 1991, foi exatamente
sobre o cabimento da representação interventiva. Porque, até então,
estávamos afeiçoados à ideia de que a representação interventiva era para
ato do poder público, especialmente ato normativo estadual. Era essa
concepção. Mas a questão se colocou e o Tribunal disse: "Houve uma
mudança no quadro e não podemos deixar de arrostar esse desafio." E
conheceu da ação, contra a dogmática vigente. E, a partir desse
processamento, claro, esse assunto se encaminhou, tomando-se as
medidas adequadas: designação de promotor especial, juízes, em suma,
medidas que foram tomadas dentro dos padrões civilizatórios. Esse é um
caso importante para mostrar que a própria representação interventiva já

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 130 de 210

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foi utilizada em casos análogos aqui, tendo como base a omissão estatal,
que resulta em atos concretos, deletérios e invasivos da dignidade da
pessoa humana.

Transcrevo uma passagem da manifestação do ministro Pertence,


antes do próprio Procurador-Geral, que dizia: Se for o caso, a
representação fundada na violação dos princípios constitucionais
sensíveis, violação que tanto pode dar-se por atos formais, normativos ou
não, quanto por ação material ou omissão de autoridade estatal - esse já
era o pedido. E o ministro Pertence disse o seguinte: Já não há agora o
obstáculo que a literalidade das constituições de 34 e 46 representava
para que a representação interventiva, que no passado era
exclusivamente uma representação por inconstitucionalidade de ato, sirva
hoje à verificação de situações de fato. É claro que isso imporá
adequações, se for o caso, do procedimento desta representação à
necessidade da verificação, não da constitucionalidade de um ato formal,
mas da existência de uma grave situação de fato - estamos falando de
1971, portanto, e essa era a doutrina no caso Matupá - atentatória à
efetividade dos princípios constitucionais, particularmente, aos direitos
humanos fundamentais.

Esse é um caso interessante, em que se mostra que - fica evidente - o


Tribunal já se deparou com situação semelhante e entendeu que a
omissão inconstitucional, a omissão administrativo-inconstitucional
deveria ser cobrada, por exemplo, em sede de representação interventiva.
Esta é a doutrina que deflui do caso Matupá.

Posteriormente, tivemos outro caso pouco falado, porque, também,


não teve um desfecho espetacular, que é o chamado – impropriamente,
talvez - caso Arruda, no Distrito Federal, em que, hão de se lembrar
todos, tínhamos um quadro de corrupção no âmbito do Poder Executivo
e, também, no âmbito da Câmara Legislativa. E, por muitos dias, talvez
semanas, vivemos uma situação de impasse, como cogitar, por exemplo,

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 131 de 210

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de impeachment do governador se a Câmara estava profundamente


envolvida naquela rede de corrupção. E, aí, é isso que o Procurador-
Geral, doutor Gurgel, lança mão do Pedido de Intervenção Federal 1.579,
dizendo comprometidos os princípios basilares do estado de direito
democrático. E essa ação que, posteriormente, foi até julgada
improcedente ou até prejudicada, já não tenho presente, mas, a partir
dessa ação, deflagrou-se um processo político que solucionou o impasse
desenhado. De novo, uma situação de um estado de fato, absolutamente
incompatível com a situação jurídica e desejada pelo texto constitucional.

Posteriormente, Presidente, tivemos a propositura de outra ação que


guarda relação com o tema que estamos aqui a desenvolver, a Intervenção
Federal 5.129 - na sequência, desculpe-me, esta ação até antecede à do
caso Arruda -, que é o emblemático por todos os títulos, que envolve o
presídio de Rondônia de Uso Branco, que ainda não teve
desenvolvimento ou sequência, mas que tinha como base, inclusive, as
censuras que organismos internacionais - doutora Ela certamente tem
acompanhado esse termo - têm feito em relação ao sistema prisional
brasileiro, especialmente de alguns presídios, no caso, esse presídio que
se tornou, infelizmente, internacionalmente célebre, o de Urso Branco.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Objeto de uma ação da Corte Interamericana de Justiça.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Interamericana de


Justiça. Veja, o procurador-geral Antônio Fernando, manejou, portanto,
uma representação interventiva com esse objetivo, pedindo a intervenção
federal nesse âmbito.

É claro que, na evolução que tivemos - e agora já passando ao tema


da ADPF -, é importante assinalar, claro, que a ADPF ficaria com um
objeto muito restrito se estivesse afeita tão-somente a atos normativos.
Por isso, dentro do quadro de subsidiariedade, nesse momento gostaria

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de referenciar e reverenciar a memória do professor Celso Bastos, que foi


um dos grandes inspiradores do desenvolvimento desta ação da arguição
de descumprimento de preceito fundamental nos moldes que a temos na
Lei nº 9.882. A ideia básica era ter um modelo mais amplo, que fosse
abrangente do direito pré-constitucional, como resultou; do direito já
eventualmente revogado; até de atos pré-legislativos. Eventualmente, o
ministro Celso tem decisões a propósito dessa temática: em que medida,
por exemplo, seria possível proceder-se a controle de veto por
inconstitucionalidade - vários temas que se colocam -, de decisões
judiciais. E nós tivemos um exemplo aqui, num caso sempre célebre
citado, que é o da importação dos pneus usados, em que se pediu que o
Tribunal se manifestasse para suspender - tendo, portanto, como objeto
também - as decisões judiciais que autorizavam, por liminar sobretudo, a
importação de pneus contra a orientação geral emanada do CONAMA.

Mas, nesse contexto, tem-dr ressaltado que é possível, sim, proceder-


se ao controle de situações decorrentes de uma omissão. É verdade que o
texto constitucional, com alguma ambiguidade, tratou da omissão de
maneira, às vezes mais ampla, às vezes mais restrita, mas contemplou,
também, a situação da omissão de providências administrativas, como
todos nós sabemos, como objeto da ação direta por omissão. Mas tendo
em vista a própria estrutura dessa ação direta, é claro que ela não serviria
a abranger todas as situações que estão focadas numa ação de
complexidade como aqui está colocado. Daí, poder-se dizer que, a rigor, o
tipo de comando que se pretende é mais abrangente do que aquele que
poderíamos obter numa eventual ação direta por omissão.

Vejam, portanto, Senhores Ministros, Senhor Presidente, que


pretendemos que a própria ação do Poder Judiciário tenha algumas
balizas – especialmente, nos pedidos de liminares, isso está claro -, que
haja normas de organização e procedimento do sistema prisional, que
haja um monitoramento do sistema. Tudo isso não seria bastante. Claro,
não se cogitaria de uma ADI, não se cogitaria de uma ação direta por

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omissão, ainda que haja problemas relativos a providências


administrativas e daí, talvez, reconhecer o cabimento da ADPF, tendo em
vista esse seu objeto plástico e amplo.

Então, Presidente, não tenho dúvida quanto ao cabimento dessa


ação, ainda que eu não me animasse, desde já, a subscrever a ideia ou a
aceitação da tese do estado de coisa inconstitucional. Bastaria que nós
indicássemos a existência de uma omissão administrativa sistemática, tal
como já apontei em escritos, para que se aceitasse, na espécie, a ação
proposta.

Por outro lado, esta decisão que se requer ao Tribunal é daquelas que
desafia as próprias técnicas decisórias. Não basta uma liminar de caráter
suspensivo, temos de nos embrenhar nas técnicas de caráter mais flexível.
E, talvez, o modelo que mais se aproxime do caso que agora estamos a
enfrentar, em termos de paradigma no Direito Constitucional, pelo menos
mais recente, talvez, seja, inegavelmente, o caso Brown v. Board of
Education, de 1954, o célebre caso que deflagra o modelo de
dessegregação racial dos Estados Unidos, em que, como se sabe, o justice
Warren vai ter um papel importantíssimo nessa etapa de dessegregação.
Este, portanto, é um caso, sem dúvida nenhuma, paradigmático e que
chama a atenção, inclusive, à responsabilidade da Corte neste caso,
porque não se trata apenas, ministra Rosa, de expedir uma liminar que
suspenda determinados atos, ou expedir determinadas orientações, mas
há uma exigência de que haja acompanhamento, sob pena de o esforço
que se está a fazer aqui resultar pouco significativo. Então, é
extremamente importante que estejamos atentos a isso. E, claro, vamos ter
oportunidade de, já agora, em sede de cautelar e, depois, na própria
decisão de mérito, proceder à analise para realmente encontrar um
encaminhamento.

Lembro-me de um professor alemão, hoje muito conhecido,


mundialmente conhecido, o professor Hoffmann-Riem que, em escritos

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ADPF 347 MC / DF

antigos, dizia que, nesses modelos em que há omissão, a decisão do juiz é


- especialmente estava-se referindo ao modelo da declaração de
inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade -, a decisão do juiz é
um estímulo. Mas ela precisa de uma atitude de cooperação dos demais
órgãos envolvidos na superação do estado de inconstitucionalidade. E
estamos a ver que, pelas providências delineadas e enunciadas, são
múltiplas as atividades que se requerem às diversas instituições,
especialmente, ao Poder Judiciário que, como se destacou, participa, no
que diz respeito à prisão, à soltura das pessoas. E conversávamos há
pouco, o ministro Celso e eu, a propósito de toda a supervisão e execução
penal, que é da competência, em nosso sistema, do Judiciário. Portanto,
isso é inegável. De modo que isso vai exigir, realmente, uma decisão de
caráter plástico, de caráter bastante criativo.

Chamo a atenção, também, para casos que têm chegado ao Tribunal


relativos ao sistema prisional, lembrando do Tema nº 365, da relatoria do
ministro Teori Zavascki, em que se discute a responsabilidade civil do
Estado em relação ao preso submetido a condições carcerárias
inadequadas. A ADI nº 5.170, da relatoria de Vossa Excelência, ministra
Rosa Weber, buscando dar interpretação conforme aos dispositivos
relativos à responsabilidade civil do Estado para afirmar que a violação
de direitos fundamentais dos presos por más condições carcerárias deve
ser indenizada a título de danos extrapatrimoniais. No Tema nº 220,
Presidente, da relatoria de Vossa Excelência, o RE nº 592.581, em que se
discutiu a possibilidade de o Judiciário determinar obras em
estabelecimentos prisionais para assegurar direitos fundamentais dos
reclusos, há pouco julgado. No Tema nº 453, da minha relatoria,
representado no Recurso Extraordinário nº 641.320, no qual estamos
avaliando as consequências da inexistência de vagas nos estabelecimentos
destinados aos regimes semiaberto e aberto. Portanto, estamos sendo
desafiados por uma série de ações que reclamam, desta Corte, prestação
jurisdicional complexa envolvendo essa temática.

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Partindo-se dos parâmetros constitucionais que asseguram a


dignidade e a integridade física e moral dos presos – art. 1º, III, e art. 5º,
III, XLIV, XLVII, alínea “e”, XLVIII, XLIX e LVII –, requer-se provimento
judicial que assegure esses direitos. O que se pede na petição inicial é que
o Supremo mande respeitar os direitos dos presos de forma coletiva.

Em princípio, busca-se a tutela de obrigação de fazer, respeitar


diversos direitos das pessoas privadas da liberdade. Pede-se a tutela
específica da obrigação, mediante elaboração e implementação do Plano
Nacional e dos planos estaduais e distrital de superação do estado atual
do sistema penitenciário e liberação dos recursos do FUNPEN. Por outro
lado, pedem-se providências que assegurem resultado prático
equivalente, consistentes em determinações que, alterando o
ordenamento jurídico, tornem o encarceramento mais difícil –
consideração do estado precário do sistema nos decretos de prisão
preventiva, na análise do cabimento da substituição da pena privativa de
liberdade pelo juiz da ação penal, nos benefícios e no tempo de pena pelo
juiz da execução. Essas medidas, muito embora também mirem-se na
tutela específica da obrigação, o fazem por via transversa, tornando-se
mais difícil decretar a prisão e menor tempo de encarceramento, busca-se
reduzir a lotação carcerária e, em consequência, melhorar as condições do
sistema.

O atendimento do pedido, por um lado, modifica a legislação penal


e processual, estabelecendo normas de Direito Penal e Processual não
previstas até o momento. Por outro lado, determina a adoção de políticas
públicas significativas para atender aos ditames da Constituição. Quanto
ao cumprimento da decisão, pede-se que o Supremo Tribunal retenha a
jurisdição, fiscalizando sua execução.

Como lembrei, a Suprema Corte norte-americana valeu-se dessa


prerrogativa em Brown v. Board of Education, de 1954, quando reiterou a
inconstitucionalidade da discriminação racial nas escolas públicas e

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determinou que as leis federais, estaduais e municipais fossem ajustadas


a essa orientação. Confiou-se a execução do julgado aos tribunais de
distrito que deveriam guiar-se por princípios de equidade,
tradicionalmente caracterizados “pela flexibilidade prática na
determinação de remédios e pela facilidade de ajustar e conciliar as
necessidades públicas e privadas”. Todavia, esses tribunais deveriam
exigir das autoridades escolares “um pronto e razoável” início da
execução - esse é um desafio que temos nesse caso -, competindo-lhes
verificar a necessidade de que se outorgasse prazo adicional à conclusão
das reformas exigidas.

Em 2011, analisando recurso proveniente de julgamento por


colegiado judicial da Califórnia nas ações coletivas movidas por Coleman,
Plata e outros contra os governadores Brown e Schwarzenegger, a
Suprema Corte confirmou decisão local. Considerou que as reiteradas
violações a direitos à assistência médica dos presos estavam ligadas à
superpopulação carcerária. Em consequência, determinou que o Estado
da Califórnia elaborasse, em prazo curto, plano de redução da
superpopulação, de forma a reduzir a ocupação - e aqui realmente é uma
situação limítrofe - a um máximo de 137,5% (centro e trinta e sete vírgula
cinco por cento) do número de vagas. Admitiu, portanto, esse excesso de
37,5% em relação às vagas existentes. Como sabemos, no Brasil, falamos
da existência de 360 mil vagas e já estimamos em 600 ou 700 mil presos.
Portanto, estamos para além de 200%. E, certamente, se formos tomar por
unidade, temos um quadro ainda mais gravoso.

Estas medidas, portanto, não são heterodoxas, tendo em vista nossa


tradição constitucional. Isso é possível de realizar. E nós sabemos que no
Supremo já adotamos algumas decisões nesse sentido. Eu me lembro das
questões de ordem nas ações diretas 4.357 e 4.425, referentes à modulação
de efeitos da declaração de inconstitucionalidade do regime de
pagamentos de precatórios previsto pela Emenda Constitucional 62/2009,
concluído em 25.3.2015. O Tribunal conferiu ao Conselho Nacional de

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Justiça poderes para fazer diagnóstico do sistema de pagamentos dos


precatórios pelas diversas unidades da federação. Deliberou que as
propostas do CNJ deveriam ser analisadas, em sessão jurisdicional,
prosseguindo o julgamento da questão de ordem na ação de controle
concentrado, pelo próprio STF.

No presente caso, tenho que é necessário adotar solução semelhante.


Em suma, independentemente da adoção da doutrina do estado de coisas
inconstitucional, os fundamentos da ação são sólidos. O Tribunal deve
prosseguir com a análise de seu mérito. No que se refere ao
reconhecimento do estado de fato, que é causa de pedir da presente ação
penal, furto-me a aprofundar comentários. A situação de penúria do
sistema prisional do país é tão notória, o que quer se diga, será expletivo
e, claro, vergonhoso para todos nós. E como tenho destacado, nós não
temos, no âmbito do Judiciário, sequer a desculpa de dizer que isso é
culpa da Administração, porque somos administradores do sistema.
Como destacou há pouco o ministro Celso, temos grande
responsabilidade na mantença desse quadro caótico.

Passo à análise das medidas postuladas.

No presente caso, partindo-se dos parâmetros constitucionais


referidos, requer-se provimento judicial que, indiretamente, assegure
esses direitos. Portanto, o que se busca é a tutela, em linhas gerais, de
obrigação de fazer. A edição de algumas normas de organização e
procedimento e providências de índole administrativa.

E eu lembro que, ao lado das normas que disciplinam a cautelar em


sede de ADPF, nunca é demais recordar, também, do disposto no 461 do
CPC, ministro Fux, que dá ao julgador o poder de conceder a “tutela
específica da obrigação” e determinar “providências que assegurem o
resultado prático equivalente ao do adimplemento”. E, claro, tem
aplicação subsidiária em casos que tais. Pede-se a tutela específica da

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obrigação, mediante elaboração e implementação do plano nacional e de


planos estaduais e distrital e liberação dos recursos do FUNPEN. O
atendimento ao que a Constituição e a lei exigem da Administração, em
termos de estrutura carcerária, que depende de expressivos gastos e de
tempo a sua implementação. Por isso, pedem-se providências que
assegurem resultado prático e equivalente, consistentes em
determinações que, alterando o ordenamento jurídico, tornem o
encarceramento mais difícil – consideração do estado precário do sistema
nos decretos de prisão preventiva, na análise do cabimento da
substituição da pena e assim por diante.

Em outras palavras, ao postular a realização de audiências de


apresentação de flagrados ou a especial consideração da situação
carcerária na avaliação da necessidade das prisões processuais ou
cabimento da aplicação das penas alternativas, não se está buscando
melhorar a situação de um preso em particular, mas reduzir a população
prisional e, com isso, melhorar o respeito à coletividade dos presos.

Analiso as medidas requeridas: As alíneas “a”, “c” e “d” são


conexas, pelo que as analiso em conjunto. Determinação aos juízes e
tribunais que lancem, em casos de determinação ou manutenção de
prisão provisória, a motivação expressa pela qual não aplicam medidas
cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no artigo
319 do Código de Processo Penal. O relator deferiu essas medidas
endereçadas diretamente a juízes e tribunais. Tenho que, na linha do que
defendido pelo ministro Edson Fachin, não há dúvida de que os juízes já
devem considerar a situação prisional ao expedir ordens de prisão. Como
reforço ou incentivo, a medida até poderia ser positiva. No entanto, a
exigência de motivação escrita nas decisões acerca da situação carcerária
representaria mais um capítulo nas decisões judiciais. Em muitos casos,
seria um capítulo genérico, sem efetivo cotejo da situação com o caso
concreto. Daí, adviria o aumento do número de reclamações que o
Supremo Tribunal Federal receberá - ou receberia - sem contar que

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prisões necessárias acabariam desconstituídas por falha do magistrado


em acrescentar considerações formais à decisão.

Para reduzir a cultura do encarceramento, talvez fosse mais


recomendável atuar no campo da formação, conscientizando os
magistrados acerca do estado de coisas e de suas consequências. A
ENFAM, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados pode ser chamada a protagonizar essa transformação,
oferecendo treinamentos que contemplem a situação prisional e as
medidas alternativas ao encarceramento. Por ora, não proporia a medida
como ordem, mas pura sugestão ou recomendação.

Assim, acompanho a divergência e indefiro a medida cautelar às


alíneas “a”, “c” e “d”. Proponho a expedição de ofício à ENFAM,
recomendando a elaboração de plano de trabalho para oferecer
treinamento a juízes sobre o sistema prisional e medidas alternativas.

Na Turma, temos feito essa observação, ministro Teori e notado que,


a despeito de todo o novo aparato do artigo 319, do Código de Processo
Penal, os juízes sequer prestam atenção a essa disposição e, talvez, um
pouco por conta da cultura da prisão provisória que precisa de ser
modificada. E, talvez, aqui, esteja o papel relevante a ser desempenhado
pela Escola Nacional de Formação de Magistrados.

Claro que há outras reclamações. Muitos juízes, por exemplo - e é


um ponto que tocaria aqui -, apontam que não podem lançar mão, em
determinados estados, do uso da tornozeleira eletrônica, por exemplo,
que seria uma alternativa, porque delas não dispõem, o sistema não está à
disposição. Portanto, em crimes com alguma gravidade, em que
poderiam usar essa alternativa, acabam por não o fazer, valendo-se,
então, da prisão preventiva.

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A alínea “b” diz com a implementação da audiência de apresentação


de presos em flagrante. Determinação aos juízes e tribunais que,
observados os artigos 9 e 3 do Pacto de Direitos Civis e Políticos e 7 da
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até
noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do
preso perante a autoridade judiciária no prazo de 24 horas, contados do
momento da prisão.

Aqui já foi destacado o voto percuciente do ministro Fux na ADI


5.240, apoiado por todo o Tribunal e eu, no RE 635.659, já defendera a
universalização da audiência de custódia em flagrantes da lei de drogas.

O requerimento constante da petição inicial é direcionado


diretamente a tribunais. Acrescentaria que a realização das audiências de
apresentação envolve providências, também, do Poder Executivo, na
medida em que deverá apresentar o preso, pelo que o comando a ser
expedido é obrigatório para a Administração.

Quanto à implementação, como já assinalou o Ministro Presidente,


deveríamos contar com a coordenação central do Conselho Nacional de
Justiça, que já vem acumulando know-how em projetos-piloto espalhados
por diversos tribunais.

Estou de acordo com o prazo de vinte e quatro horas para


apresentação. Claro que pode haver situações excepcionais em que
poderá não ser cumprido. Imagine-se, por exemplo, o flagrado que é
ferido, ou está gravemente intoxicado, por ocasião do flagrante. Ou que o
preso, às 7:45 h da manhã, venha a ser apresentado às 8 h do dia seguinte,
logo na abertura do fórum. No entanto, essas situações poderão ser bem
equacionadas nas instâncias ordinárias.

Também, faço registro da importância que o Ministério Público e a


Defensoria Pública terão no sucesso das audiências de apresentação. É

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fundamental que esses órgãos se comprometam com o projeto, seja


coletivamente, seja por parte de cada um de seus membros.

Por fim, ainda, quanto às prisões preventivas, registro reflexão


acerca dos mecanismos de revisão da medida.

A Resolução 66/2009, do CNJ, prevê que o cartório deve


providenciar a imediata conclusão dos processos com réu preso parados
por mais de três meses, art. 3º, e o julgador deverá prestar contas do
atraso, art. 5º. No entanto, fora dos casos em que o processo permanece
parado por longo tempo, não há uma previsão de revisão periódica do
próprio decreto de prisão.

A Corte Europeia dos Direitos do Homem reconhece direito à


revisão periódica das prisões processuais, incorporado nas legislações dos
países daquele continente.

Nosso ordenamento já prevê a possibilidade de pleitear liberdade


durante o processo em qualquer tempo e mesmo de forma reiterada.
Ainda assim, o grande número de prisões processuais que se prolongam
no tempo, sem julgamento, parece indicar que os instrumentos de que
dispomos são insuficientes. E esse é um ponto que podemos discutir,
talvez, até mesmo em sede de mérito desta ação, se não nos ocorrer nada
mais adequado em sede de cautelar.

A alínea “e” diz com a expedição de ordem aos juízes da execução


penal para que antecipem benefícios aos presos submetidos a situações
carcerárias violadoras de seus direitos – progressão de regime,
livramento condicional e suspensão condicional da pena.

Em relação ao ponto, o eminente Relator e os ministros Edson Fachin


e Roberto Barroso foram deferentes à legislação penal, no que estabelece
tempos mínimos para benefícios a sentenciados.

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Como já mencionei antes, não podemos mais continuar a falar da


existência desse sistema prisional como se estivéssemos a reclamar do frio
ou do calor, como se não tivéssemos nenhuma influência na lamentável
situação a que chegamos - isso anotei na Execução Penal, Agravo
Regimental. Nós temos, sim, algo a ver com isso.

A despeito da gravidade da situação, ao menos em sede cautelar, a


meu ver, seria prematuro deferir o requerimento, tal qual posto. Essa é
medida que modifica a legislação penal de forma substancial. No entanto,
tenho que deve ser deferida em menor extensão. A Lei 12.714/12
determina que os “dados e as informações da execução da pena, da prisão
cautelar e da medida de segurança deverão ser mantidos e atualizados
em sistema informatizado de acompanhamento da execução da pena”.
Esse sistema deve “informar tempestiva e automaticamente, por aviso
eletrônico, as datas” previstas para “progressão de regime” e “livramento
condicional”. Além disso, deve avisar o “enquadramento nas hipóteses
de indulto ou de comutação de pena”.

Estamos falando, portanto, de direito positivo, a Lei 12.714, que tenta


generalizar as chamadas varas de execução eletrônica cujas experiências
positivas existem em todo o país. Então, isso está positivado. Em tese, os
sistemas deveriam ter sido instalados pelas unidades da Federação em
setembro de 2013, final da vacatio legis de um ano (art. 6º). Ou seja, a
administração está em mora.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Ministro, apenas um esclarecimento a Vossa Excelência,
e Vossa Excelência participa também desse processo.
O primeiro passo que o CNJ está dando é fazer o levantamento dos
presos no Brasil todo, que nós não temos. Estamos pedindo auxílio e
vamos firmar um termo com o Tribunal Superior Eleitoral para fazer a
biometria dos presos, a identificação biométrica dos presos, utilizando os
equipamentos que são usados pelos eleitores.

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O segundo passo, que já está bastante avançado, é um sistema


nacional de cumprimento das penas e também dos benefícios prisionais.
É um sistema que está sendo elaborado por um especialista, um juiz
do trabalho, por incrível que pareça, mas um especialista em informática.
Isso deverá estar implantado até o final deste ano. Nós vamos purgar essa
mora o mais brevemente possível.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Mas, Presidente, é


importante que...Veja que a própria legislação... E, aqui, há um dado
curioso, porque assim como é avançada nossa Lei de Execução Penal, de
1984, a legislação tem avançado, mas os passos, na execução, continuam
falhos.

Muito embora a Lei 12.714/12 não mencione o Conselho Nacional de


Justiça, o papel do Conselho na informatização da execução penal é
consagrado pela Lei 12.106/09, que cria o Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de
Execução de Medidas Socioeducativas – DMF, em seu âmbito, que foi
apontado aqui, na última sessão, na manifestação do ministro Celso de
Mello. É um dos objetivos do DMF acompanhar a implantação e o
funcionamento do sistema de gestão eletrônica da execução penal e de
mecanismo de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias – art.
1º, § 1º, VII.

Com um sistema informatizado, seria possível que os benefícios dos


presos fossem decididos a seu devido tempo. Teríamos, aí, grande
avanço. As vagas do sistema prisional são recurso escasso, diretamente
administrado pelos juízes. Extinção de pena, progressão de regime,
livramento condicional são judicialmente concedidos e abrem vagas no
sistema. Além disso, seria possível liberar a força de trabalho das varas de
execuções para decidir outros incidentes relevantes. Não bastasse isso, a
utilização da tecnologia da informação na execução penal traria outros
benefícios colaterais. Para começar, teríamos estatísticas confiáveis, em

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tempo real, da situação prisional do país. Hoje, os esforços do Ministério


da Justiça em tabular os dados demandam energia desproporcional e
produzem estatísticas incompletas e defasadas.

Em junho de 2015, foi concluído e divulgado o Levantamento


Nacional de Informações Penitenciárias relativo a junho de 2014, um ano
de defasagem. Esse relatório é feito com base em questionários
submetidos pelo Ministério às secretarias de segurança pública dos
estados. O sucesso da compilação depende da boa vontade das unidades
da Federação em fornecer dados. No último relatório, São Paulo
simplesmente omitiu-se - registre-se -, ou seja, não há dados sobre a
maior massa carcerária do país - isso é grave.

Outro benefício seria a possibilidade de verificação da situação do


sistema em tempo real e de otimização do manejo de vagas. Isso foi feito,
Presidente, no estado do Paraná, pela Secretária de Justiça, Cidadania e
Direitos Humanos Maria Teresa Uille Gomes, que criou centrais de vagas
- o ministro Fachin certamente tem conhecimento - e monitoramento em
tempo real dos presos, usando ferramentas de administração, BI - business
intelligence. A prática participou da edição de 2014 do prêmio Innovare e
melhorou substancialmente a administração penitenciária daquela
unidade federada. Também, o projeto de reforma da Lei de Execução
Penal, da autoria do senador Renan Calheiros, que está tramitando no
Senado, prevê a utilização da tecnologia da informação para que os
benefícios a sentenciados sejam automatizados e o despacho somente seja
necessário para negá-lo - recentemente, tivemos uma decisão nesse
sentido.

Falo, então, dessas questões e digo: Assim, no presente momento,


proponho a notificação da União e dos tribunais de justiça dos estados e
do Distrito Federal para que, em seis meses, coloquem em funcionamento
os sistemas de acompanhamento da execução das penas, da prisão
cautelar e da medida de segurança, na forma da Lei 12.714. A medida

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deverá ser diretamente fiscalizada pelo CNJ, que deverá prestar contas a
este Tribunal. O CNJ, deverá, outrossim, regulamentar o sistema
eletrônico e, se entender pertinente, desenvolver sistema único a ser
adotado e fornecido aos tribunais.

Na alínea "f", requer-se ordem aos juízes da execução para que


abatam da pena o tempo de prisão, se constatado que as condições de
efetivo cumprimento foram significativamente mais severas. No Tema 365
da repercussão geral - RE 580.252 -, estamos debatendo essa questão, a
responsabilidade civil do Estado em relação ao preso submetido a
condições carcerárias inadequadas. Os três votos até o momento são
favoráveis à responsabilização do Estado, havendo divergência quanto à
forma de indenização. Acompanhei o ministro Teori Zavascki. Já o
ministro Roberto Barroso propôs a medida que postulara que,
preferencialmente, o preso seja indenizado com a remição de dias de
pena. O julgamento está suspenso pelo pedido de vista da ministra Rosa
Weber. Como já defendi naquele caso, tenho que as violações a direitos
dos presos devem ser indenizados em pecúnia, não em tempo de pena.
Por isso, reportando-me às considerações que fiz, indefiro o requerimento
neste item.

Na alínea "g", requer-se, Presidente, determinação de que o


Conselho Nacional de Justiça coordene mutirão carcerário a fim de
revisar todos os processos de execução penal em curso no país que
envolvam aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los
às medidas pleiteadas nas alíneas "e" e "f". Como se sabe, em minha
gestão no CNJ, iniciamos os mutirões carcerários. Isso foi em 2008. Já é
mais do que o momento de cumprir a lei, seja a Lei de Execuções Penais,
seja a Lei 12.714, para que, nos valendo da tecnologia da informação, os
benefícios a sentenciados sejam aplicados em tempo oportuno.

Mesmo que as providências das alíneas "e" e "f" tenham sido


indeferidas, tenho por importante que essa prática prossiga, a dos

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mutirões, até que a garantia dos direitos dos sentenciados a benefícios


carcerários seja observada de forma generalizada. Além disso, como bem
observado pelo ministro Roberto Barroso, os mutirões não precisam de
ser conduzidos apenas pelo CNJ; os próprios tribunais de justiça podem e
devem adotar iniciativas semelhantes. Recentemente, noticiou-se na
imprensa que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro estava
organizando mutirão na Vara de Execuções Penais para revisão da
situação dos sentenciados em regime semiaberto. Assim, defiro a medida,
nos termos propostos pelo ministro Roberto Barroso.

O último requerimento, alínea "h", é para que a União libere verbas


do Fundo Penitenciário, abstendo-se de realizar novos
contingenciamentos. Esse tema tem sido objeto de múltiplas
considerações no Tribunal e realça o absurdo de termos falta de vagas e
contingenciamento de recursos destinados a superar esse quadro.

Eu, então, estou anotando que há outros problemas que têm sido
destacados nessa relação, inclusive a burocracia no processo de liberação
de recurso, mas entendo que essa medida é de ser apoiada com toda
ênfase.

Ainda, acrescentaria a seguinte observação, Presidente: fica um


apelo ao Ministério da Justiça e ao Colégio Nacional dos Secretários de
Segurança Pública, ao Conselho Nacional do Ministério Público e ao CNJ,
para que articulem maior coordenação da questão.

Indo além, a instituição das parcerias público-privadas pode surgir


como alternativa de financiamento de infraestrutura carcerária. A
ministra Cármen já falou, aqui, da boa experiência de Minas com as
APAC. Também, há registro, em Minas Gerais, de um modelo de
construção de PPP no Complexo Penal de Ribeirão das Neves. O modelo
tem vantagem expressiva, especialmente no âmbito da redução e da
estimativa de custos. E, aí, faço algumas considerações sobre essa

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temática e, portanto, tendo em vista os impasses que se verificam, acho


extremamente importante que se considerem modelos alternativos a
enfrentar essa situação.

Faço referências, também, às APAC, lembrando que recebeu menção


honrosa, em 2014, embora a APAC que a tenha recebido não seja a de
Minas Gerais, mas a de ...

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Em Minas, nós


temos quatro, não temos só uma.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Mas foi inspirada


em Minas Gerais, que é a de São José dos Campos.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - E por isso, Ministro,


se Vossa Excelência me permite um aparte, eu comecei dizendo que o
Ministro Barroso tinha razão ao tentar que conversemos com a sociedade,
porque as APACs dependem dela, e estamos entrando numa fase, ou já
entramos, extremamente difícil, porque a sociedade não aceita, não quer
participar das medidas que poderiam conduzir à melhoria do sistema. E,
hoje, para se implantar qualquer APAC, há uma rejeição da comunidade;
sem ela não se tem o processo.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - E, Ministro
Gilmar, a APAC funciona melhor, segundo eu apurei na reunião com o
DEPEN, porque ela tem limite de lotação.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É, verdade.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Ao passo


que do sistema puramente público, eles vão entupindo gente.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É claro. São


unidades realmente pequenas. Inclusive esse papel de eventual

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ressocialização ...
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - A ideia da APAC,
hoje, é a da chamada justiça restaurativa. Portanto, a sociedade toda tem
de estar presente. Se ela não quiser, não entra, não depende só do Estado.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, por fim,


o ministro Roberto Barroso propôs expedir requisição à União para que,
em um ano, forneça diagnóstico da situação do sistema carcerário,
abordando o número de vagas, custos e responsabilidade da União e dos
estados. Tenho que a medida tem caráter instrutório e altamente salutar,
até para que o Tribunal possa exercer esse papel de coordenação de
execução dessas medidas.

Mas, em resumo, Presidente, acompanho a divergência para


indeferir as medidas cautelares requeridas nas alíneas "a", "c" e d".
Acompanho o Relator para deferir a medida cautelar requerida na alínea
"b", determinando às autoridades competentes a apresentação, sem
demora, dos presos em flagrante à autoridade judiciária, nos termos
assim estabelecidos.

Peço vênia ao Relator para deferir a medida cautelar requerida na


alínea "e" em menor extensão para determinar a notificação da União e
dos tribunais de justiças dos estados e do Distrito Federal para que, em
seis meses, coloquem em funcionamento os sistemas de
acompanhamento de execução das penas da prisão cautelar e da medida
de segurança, na forma da Lei nº 12.714. E, isso, determinaria que a
medida deveria ser diretamente fiscalizada pelo CNJ.

Acompanho o Relator para indeferir a medida cautelar requerida na


alínea “f”; acompanho a divergência para deferir a medida cautelar
requerida na alínea “g”, nos termos propostos pelo ministro Roberto
Barroso; acompanho o Relator para deferir a medida cautelar requerida
na alínea “h”; acompanho o ministro Roberto Barroso para determinar a

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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ADPF 347 MC / DF

expedição de requisição à União para que, em um ano, forneça o


diagnóstico já referido.

Proponho, outrossim, a expedição de ofício à ENFAM, solicitando a


criação de plano de trabalho para oferecer treinamento a juízes sobre o
sistema prisional e medidas alternativas ao encarceramento.

É como voto, Presidente.

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Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 150 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Ministro Gilmar Mendes, aqui, nesse aspecto que Vossa
Excelência muito bem lembrou, a questão cultural e a questão mesmo de
formação dos juízes, nós firmamos um pré-acordo, um pré-termo de
entendimento com a Comissão Interamericana de Justiça, que elaborará
um curso à distância para todos os juízes brasileiros, conscientizando-os
em relação aos direitos fundamentais e com foco também no sistema
prisional.
Isso, em novembro, deverá ser definido, e, a partir do ano que vem,
esse curso estará no ar, em todo o Brasil, para todos aqueles que queiram
se inscrever.
Agradeço a observação de Vossa Excelência, foi muito oportuna, e
nada impede que a ENFAM também, paralelamente, junte esforços às
iniciativas tomadas pelo CNJ.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 151 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO:

1. Admissibilidade da arguição de descumprimento de preceito fundamental


na hipótese de omissão lesiva a preceito fundamental

Cabe destacar, desde logo, a admissibilidade da presente arguição de


descumprimento de preceito fundamental, em face da plena legitimidade
do controle jurisdicional de omissões inconstitucionais em que haja
incidido o Poder Público.

O Supremo Tribunal Federal tem acentuado ser lícito ao Poder


Judiciário , em face do princípio da supremacia da Constituição,
adotar, em sede jurisdicional , medidas destinadas a tornar efetiva a
implementação de políticas públicas, se e quando se registrar, como
sucede no caso, situação configuradora de inescusável omissão estatal .

A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor


extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como
comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que,
mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também
ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou
insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos
postulados e princípios da Lei Fundamental, tal como tem advertido o
Supremo Tribunal Federal:

“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES


DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER
PÚBLICO.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 152 de 210

ADPF 347 MC / DF

– O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante


ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de
inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo
do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o
que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os
princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal,
que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a
inconstitucionalidade por ação.
– Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à
realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a
torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em
conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição
lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional.
Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a
inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é
nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente
a medida efetivada pelo Poder Público. (…).”
(ADI 1.458-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vê-se, pois, que, na tipologia das situações inconstitucionais, inclui-se,


também, aquela que deriva do descumprimento, por inércia estatal, de
norma impositiva de determinado comportamento atribuído ao Poder
Público pela própria Constituição.

As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se


cuide de omissão parcial derivada de insuficiente concretização, pelo Poder
Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta
Política – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia
do Estado, como a que se registra no caso ora em exame, qualifica-se,
perigosamente, como um dos processos de vulneração da autoridade da
Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do magistério
doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos
Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max
Limonad; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”,

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ADPF 347 MC / DF

tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. GOMES


CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”,
p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora).

O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as


imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela
Constituição e configura comportamento que revela um
incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e
pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.

Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma


Constituição sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente ou, então, de
apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente
nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos
governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

A percepção da gravidade e das consequências lesivas, derivadas do


gesto infiel do Poder Público que transgride, por omissão ou por
insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário, por
efeito de expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós, já
no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO
(“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”,
p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes
autores contemporâneos (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Aplicabilidade das
Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros;
ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de
Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE
MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de
1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT, v.g.), em lições que acentuam o
desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo.

O desprestígio da Constituição – por inércia de órgãos meramente


constituídos – representa um dos mais graves aspectos da patologia

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Voto - MIN. CELSO DE MELLO

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constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições


governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do
Estado.

Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la


Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno
da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no
âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da
Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal,
em diversos julgamentos, como resulta, exemplificativamente, da seguinte
decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“A TRANSGRESSÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL


PODE CONSUMAR-SE MEDIANTE AÇÃO (VIOLAÇÃO
POSITIVA) OU MEDIANTE OMISSÃO (VIOLAÇÃO
NEGATIVA)
– O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante
ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de
inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do
Poder Público, seja quando este vem a fazer o que o estatuto
constitucional não lhe permite, seja, ainda, quando vem a editar
normas em desacordo, formal ou material, com o que dispõe a
Constituição. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’
(atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
– Se o Estado, no entanto, deixar de adotar as medidas
necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição,
abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que
a própria Carta Política lhe impôs, incidirá em violação negativa do
texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’,
resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total
(quando é nenhuma a providência adotada) ou parcial (quando é
insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público). Entendimento
prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
RTJ 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno).

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ADPF 347 MC / DF

– A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou


em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional –
qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade
político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também
desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se
fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de
medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e
princípios da Lei Fundamental.

DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO
CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO
FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA
– O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou
parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula
constitucional, de caráter mandatório – infringe, com esse
comportamento negativo, a própria integridade da Lei
Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante
fenômeno da erosão da consciência constitucional
(ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
– A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais
traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da
Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve
ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e
ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la
cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o
propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se
mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes,
em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. (…).”
(RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

É importante enfatizar, desse modo, que, mesmo em tema de


implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no
texto constitucional, a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões
que neutralizam os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da
inatividade governamental, em situações nas quais a omissão do Poder
Público representa um inaceitável insulto a direitos básicos assegurados

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pela própria Constituição da República, mas cujo exercício está sendo


inviabilizado por contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal
(RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220).

O Supremo Tribunal Federal, em referidos julgamentos, colmatou a


omissão governamental e conferiu real efetividade a direitos essenciais,
dando-lhes concreção e viabilizando, desse modo, o acesso das pessoas à
plena fruição de direitos fundamentais cuja realização prática lhes estava
sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção do Poder Público.

Vale relembrar, ainda, por necessário, que as regra constitucionais –


que têm por destinatários os entes políticos que compõem, no plano
institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não podem
converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade,
substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável
dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que
determina a própria Lei Fundamental do Estado (RE 273.834-AgR/RS,
Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

2. A interpretação judicial como instrumento apto a conferir sentido de


contemporaneidade à Constituição

Mostra-se importante enfatizar que a interpretação judicial


desempenha um papel de fundamental importância, não só na revelação
do sentido das regras normativas que compõem o ordenamento positivo,
mas, sobretudo, na adequação da própria Constituição às novas
exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos
sociais, econômicos e políticos que caracterizam a sociedade
contemporânea.

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Daí a precisa observação de FRANCISCO CAMPOS (“Direito


Constitucional”, vol. II/403, 1956, Freitas Bastos), cujo magistério
enfatiza, corretamente, que, no poder de interpretar os textos
normativos, inclui-se a prerrogativa judicial de reformulá-los, em face de
novas e cambiantes realidades sequer existentes naquele particular
momento histórico em que tais regras foram concebidas e elaboradas.

Importante rememorar, neste ponto, a lição desse eminente


publicista, para quem “O poder de interpretar a Constituição envolve,
em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em
elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la (...). Nos
Tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o
poder constituinte” (grifei).

Cumpre referir que o poder de interpretar o ordenamento


normativo do Estado, ainda que disseminado por todo o corpo social,
traduz prerrogativa essencial daqueles que o aplicam, incumbindo, ao
Judiciário, notadamente ao Supremo Tribunal Federal – que detém, em
matéria constitucional, “o monopólio da última palavra” –, o exercício dessa
relevantíssima atribuição de ordem jurídica.

A regra de direito – todos o sabemos – nada mais é, na revelação do seu


conteúdo, do que a sua própria interpretação.

Na realidade, a interpretação judicial, ao conferir sentido de


contemporaneidade à Constituição, nesta vislumbra um documento vivo a
ser permanentemente atualizado, em ordem a viabilizar a adaptação do
“corpus” constitucional às novas situações sociais, econômicas, jurídicas,
políticas e culturais surgidas em um dado momento histórico, para que,
mediante esse processo de “aggiornamento”, o estatuto fundamental não
se desqualifique em sua autoridade normativa, não permaneça
vinculado a superadas concepções do passado, nem seja impulsionado,
cegamente, pelas forças de seu tempo.

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Ou, em outras palavras, a interpretação emanada dos juízes e


Tribunais será tanto mais legítima quanto mais fielmente refletir, em seu
processo de concretização, o espírito do tempo, aquilo que os alemães
denominam “Zeitgeist”.

Daí a correta observação feita pelo eminente Ministro


GILMAR MENDES, ao reconhecer “que a evolução jurisprudencial sempre
foi uma marca de qualquer jurisdição de perfil constitucional”, para enfatizar, a
partir dessa constatação, que “A afirmação da mutação constitucional
não implica o reconhecimento, por parte da Corte, de erro ou equívoco
interpretativo do texto constitucional em julgados pretéritos. Ela reconhece e
reafirma, ao contrário, a necessidade da contínua e paulatina adaptação
dos sentidos possíveis da letra da Constituição aos câmbios observados numa
sociedade que, como a atual, está marcada pela complexidade e pelo pluralismo”
(grifei).

3. O sistema penitenciário brasileiro: expressão visível (e lamentável) de um


“estado de coisas inconstitucional”

A petição inicial do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL,


primorosamente elaborada por seus ilustres Advogados, mais do que
uma peça processual, constitui verdeiro e terrível libelo contra o sistema
penitenciário brasileiro, cuja situação de crônico desaparelhamento
culmina por viabilizar a imposição de inaceitáveis condições degradantes aos
sentenciados, traduzindo, em sua indisfarçável realidade concreta, hipótese
de múltiplas ofensas constitucionais, em clara atestação da inércia, do
descuido, da indiferença e da irresponsabilidade do Poder Público em
nosso País.

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Há, efetivamente, no Brasil, um claro e indisfarçável “estado de coisas


inconstitucional” resultante – tal como denunciado pelo PSOL – da omissão
do Poder Público em implementar medidas eficazes de ordem estrutural que
neutralizem a situação de absurda patologia constitucional gerada,
incompreensivelmente, pela inércia do Estado que descumpre a
Constituição Federal, que ofende a Lei de Execução Penal e que fere o
sentimento de decência dos cidadãos desta República.

O quadro de distorções revelado pelo clamoroso estado de anomalia de


nosso sistema penitenciário desfigura, compromete e subverte, de modo
grave, a própria função de que se acha impregnada a execução da pena,
que se destina – segundo determinação da Lei de Execução Penal –
“a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do
internado” (art. 1º).

O sentenciado, ao ingressar no sistema prisional, sofre uma punição


que a própria Constituição da República proíbe e repudia, pois a omissão
estatal na adoção de providências que viabilizem a justa execução da pena
cria situações anômalas e lesivas à integridade de direitos fundamentais
do condenado, culminando por subtrair ao apenado o direito – de que não
pode ser despojado – ao tratamento digno.

Daí a advertência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em


um de seus “Informes sobre os direitos humanos das pessoas privadas de
liberdade nas Américas” (2011), no sentido de que sempre que o sistema
penitenciário de um País não merecer a atenção necessária e os recursos
essenciais a serem providos pelo Estado, a função para a qual esse mesmo
sistema está vocacionado distorcer-se-á e, em vez de os espaços
prisionais proporcionarem proteção e segurança, eles se converterão em
escolas de delinquência, propiciando e estimulando comportamentos
antissociais que dão origem à reincidência e, desse modo, afastam-se,
paradoxalmente, do seu objetivo de reabilitação.

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Os sentenciados que cumprem condenações penais a eles impostas


continuam à margem do sistema jurídico, pois ainda subsiste, quanto a eles,
a grave constatação, feita por HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, de que as
condições intoleráveis e degradantes em que vivem os internos nos
estabelecimentos prisionais constituem a pungente e dramática revelação
de que “os presos não têm direitos” em razão do estado de crônico e
irresponsável abandono, por parte do Poder Público, do seu dever de
prover condições minimamente adequadas ao efetivo e pleno cumprimento
dos preceitos fundamentais consagrados em nossa Constituição e cujo
desrespeito dá origem a uma situação de permanente e inadmissível
violação aos direitos humanos.

Já tive o ensejo de destacar, Senhor Presidente, quando do


julgamento do RE 592.581/RS, de que Vossa Excelência foi Relator, a situação
precária e caótica do sistema penitenciário brasileiro, cuja prática, ao
longo de décadas, vem subvertendo as funções primárias da pena,
constituindo, por isso mesmo, expressão lamentável e vergonhosa da
inércia, da indiferença e do descaso do Poder Executivo, cuja omissão
tem absurdamente propiciado graves ofensas perpetradas contra o
direito fundamental, que se reconhece ao sentenciado, de não sofrer, na
execução da pena, tratamento cruel e degradante, lesivo à sua
incolumidade moral e física e, notadamente, à sua essencial dignidade
pessoal.

A questão penitenciária, em nosso País, já há muitos anos,


transcendendo a esfera meramente regional, tornou-se um problema de
dimensão eminentemente nacional, tal a magnitude que nesse campo assumiu
o crônico (e lesivo) inadimplemento das obrigações estatais, de que tem
derivado, como efeito perverso, o inaceitável desprezo pelas normas que
compõem a própria Lei de Execução Penal.

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Não hesito em dizer, por isso mesmo, Senhor Presidente, a partir de


minha própria experiência como Juiz desta Suprema Corte e, também,
como antigo representante do Ministério Público paulista, tendo presente
a situação dramática e cruel constatada no modelo penitenciário nacional,
que se vive, no Brasil, em matéria de execução penal, um mundo de ficção
que revela um assustador universo de cotidianas irrealidades em conflito e
em completo divórcio com as declarações formais de direitos que –
embora contempladas no texto de nossa Constituição e, também, em
convenções internacionais e resoluções das Nações Unidas, notadamente
aquelas emanadas de seu Conselho Econômico e Social – são, no entanto,
descumpridas pelo Poder Executivo, a quem incumbe viabilizar a
implementação do que prescreve e determina, entre outros importantes
documentos legislativos, a Lei de Execução Penal.

O fato preocupante, Senhor Presidente, é que o Estado, agindo com


absoluta indiferença em relação à gravidade da questão penitenciária, tem
permitido, em razão de sua própria inércia, que se transgrida o direito
básico do sentenciado de receber tratamento penitenciário justo e adequado,
vale dizer, tratamento que não implique exposição do condenado a
meios cruéis ou moralmente degradantes, fazendo-se respeitar, desse
modo, um dos mais expressivos fundamentos que dão suporte ao Estado
democrático de direito: a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

O Poder Executivo, a quem compete construir estabelecimentos


penitenciários, viabilizar a existência de colônias penais (agrícolas e
industriais) e de casas do albergado, além de propiciar a formação de
patronatos públicos e de prover os recursos necessários ao fiel e integral
cumprimento da própria Lei de Execução Penal, forjando condições que
permitam a consecução dos fins precípuos da pena, em ordem a
possibilitar “a harmônica integração social do condenado e do internado” (LEP,
art. 1º, “in fine”), não tem adotado as medidas essenciais ao adimplemento
de suas obrigações legais, muito embora a Lei de Execução Penal
preveja, em seu art. 203, mecanismos destinados a compelir as unidades

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federadas a projetarem a adaptação e a construção de estabelecimentos e


serviços penais previstos em referido diploma legislativo, inclusive
fornecendo os equipamentos necessários ao seu regular funcionamento.

Não foi por outra razão que o Plenário desta Corte Suprema, no
precedente que venho de referir (RE 592.581/RS), formulou tese – que
guarda inteira pertinência com a controvérsia ora em exame – segundo a
qual se revela lícito ao Poder Judiciário “(...) impor à Administração Pública
obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras
emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da
dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade
física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição
Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível
nem o princípio da separação dos poderes” (grifei).

No exame da grave questão ora submetida ao nosso exame, é


preciso não desconsiderar a função contramajoritária que cabe ao Supremo
Tribunal Federal exercer no Estado democrático de Direito e que
legitima, precipuamente, a proteção das minorias e dos grupos vulneráveis,
sob pena de comprometimento do próprio coeficiente de legitimidade
democrática das ações estatais.

Já se sustentou, bem por isso, com acerto, nesta Suprema Corte, em


peça emanada do Grupo Arco-Íris da Conscientização Homossexual, essa
relevante função do Supremo Tribunal Federal:

“O papel desempenhado pelos direitos fundamentais na


restrição da soberania popular decorre da limitação imposta pelo
princípio do Estado de direito, que não admite a existência de
poderes absolutos, nem mesmo o da soberania popular e do fato de
que uma dimensão formal de democracia não está habilitada para
proteger efetivamente o funcionamento democrático do Estado.
Portanto, da mesma forma que se veda à maioria que faça
determinadas escolhas – suprimindo direitos necessários à

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participação política de determinados cidadãos – é igualmente


vedado a essa maioria que deixe de tomar decisões necessárias à
efetivação da igualdade entre os indivíduos.
Para salvaguardar os requisitos essenciais à participação dos
indivíduos no processo democrático, o Judiciário é mais uma vez
chamado a tomar tal posição de vanguarda, garantindo o livre
exercício da liberdade e igualdade, atributos da cidadania, e
principalmente a dignidade humana (…).
Nesse passo, o Poder Judiciário assume sua mais
importante função: a de atuar como poder contramajoritário; de
proteger as minorias contra imposições dezarrazoadas ou indignas
das maiorias. Ao assegurar à parcela minoritária da população o
direito de não se submeter à maioria, o Poder Judiciário revela sua
verdadeira força no equilíbrio entre os poderes e na função como
garante dos direitos fundamentais.” (grifei)

Cabe enfatizar, presentes tais razões, que o Supremo Tribunal Federal,


no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido, muitas vezes,
decisões de caráter nitidamente contramajoritário, em clara demonstração de
que os julgamentos desta Corte Suprema, quando assim proferidos,
objetivam preservar, em gesto de fiel execução dos mandamentos
constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses e valores que
identificam os grupos minoritários expostos a situações de vulnerabilidade
jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal condição,
tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de
injusta exclusão.

Na realidade, o tema da preservação e do reconhecimento dos


direitos das minorias, por tratar-se de questão impregnada do mais alto
relevo, deve compor a agenda desta Corte Suprema, incumbida, por efeito
de sua destinação institucional, de velar pela supremacia da Constituição
e de zelar pelo respeito aos direitos, inclusive de grupos minoritários, que
encontram fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional.

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Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema jurídico,


proteção às minorias e aos grupos vulneráveis qualifica-se, na verdade, como
fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado
Democrático de Direito.

A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do


Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A
opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há de ter
consequências efetivas no plano de nossa organização política, na esfera
das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da
formulação de uma teoria das liberdades públicas e do próprio regime
democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os
grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela
Constituição da República.

Desse modo, e para que o regime democrático não se reduza a uma


categoria político-jurídica meramente conceitual ou simplesmente formal,
torna-se necessário assegurar, às minorias e aos grupos vulneráveis,
notadamente em sede jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de
meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos
fundamentais que a todos, sem distinção, são assegurados.

Isso significa, portanto, numa perspectiva pluralística, em tudo


compatível com os fundamentos estruturantes da própria ordem
democrática (CF, art. 1º, V), que se impõe a organização de um sistema de
efetiva proteção, especialmente no plano da jurisdição, aos direitos,
liberdades e garantias fundamentais em favor das minorias, quaisquer que
sejam, inclusive os condenados que compõem o universo penitenciário, para
que tais prerrogativas essenciais não se convertam em fórmula destituída
de significação, o que subtrairia – consoante adverte a doutrina (SÉRGIO
SÉRVULO DA CUNHA, “Fundamentos de Direito Constitucional”,
p. 161/162, item n. 602.73, 2004, Saraiva) – o necessário coeficiente de
legitimidade jurídico-democrática ao regime político vigente em nosso País.

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ADPF 347 MC / DF

4. O significado da defesa da Constituição

Impõe-se ao Supremo Tribunal Federal, tornado fiel depositário da


preservação da autoridade e da supremacia da nova ordem
constitucional, por deliberação soberana da própria Assembleia Nacional
Constituinte, reafirmar, a cada momento, o seu respeito, o seu apreço e a
sua lealdade ao texto sagrado da Constituição democrática do Brasil.

Nesse contexto, incumbe aos magistrados e Tribunais, notadamente


aos Juízes da Corte Suprema do Brasil, o desempenho do dever que lhes é
inerente: o de velar pela integridade dos direitos fundamentais de todas as
pessoas, o de repelir condutas governamentais abusivas, o de conferir
prevalência à essencial dignidade da pessoa humana, o de fazer cumprir os
pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos a
práticas discriminatórias e o de neutralizar qualquer ensaio de opressão
estatal.

O Supremo Tribunal Federal possui a exata percepção dessa realidade e


tem, por isso mesmo, no desempenho de suas funções, um grave
compromisso com o Brasil e com o seu povo, e que consiste em preservar
a intangibilidade da Constituição que nos governa a todos, sendo o
garante de sua integridade, impedindo que razões de pragmatismo
governamental ou de mera conveniência de grupos, instituições ou
estamentos prevaleçam e deformem o significado da própria Lei
Fundamental.

Torna-se de vital importância reconhecer, por isso mesmo, que o


Supremo Tribunal Federal – que é o guardião da Constituição por expressa
delegação do poder constituinte – não pode renunciar ao exercício desse
encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima
atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a

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proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo


do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das
instituições da República restarão profundamente comprometidas.

Nenhum dos Poderes da República pode submeter a Constituição a


seus próprios desígnios, ou a manipulações hermenêuticas, ou, ainda, a
avaliações discricionárias fundadas em razões de conveniência política ou
de pragmatismo institucional, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes
com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de
incondicional respeito, sob pena de juízes, legisladores e administradores
converterem o alto significado do Estado Democrático de Direito em uma
palavra vã e em um sonho frustrado pela prática autoritária do poder.

Nada compensa a ruptura da ordem constitucional, porque nada


recompõe os gravíssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao
texto da Lei Fundamental.

É por isso que se pode proclamar que o Supremo Tribunal Federal –


que não se curva a ninguém, nem tolera a prepotência dos governantes,
nem admite os excessos e abusos que emanam de qualquer esfera dos
Poderes da República – desempenha as suas funções institucionais e
exerce a jurisdição que lhe é inerente de modo compatível com os estritos
limites que lhe traçou a própria Constituição.

Isso significa reconhecer que a prática da jurisdição, quando


provocada por aqueles atingidos pelo arbítrio, pela violência, pela omissão
governamental e pelo abuso, não pode ser considerada – ao contrário do
que muitos erroneamente supõem e afirmam – um gesto de indevida
interferência da Suprema Corte na esfera orgânica dos demais Poderes da
República.

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5. Legitimidade do controle jurisdicional das políticas públicas, inclusive


em matéria penitenciária, e a reserva do possível

Tenho para mim que o eminente Relator bem examinou, em seu


primoroso voto, a controvérsia suscitada na presente causa, cabendo
assinalar que a abordagem do tema por ele efetuada ajusta-se, quanto ao
seu conteúdo, à jurisprudência constitucional que esta Corte Suprema
construiu a respeito da legitimidade do controle jurisdicional das políticas
públicas.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política


da jurisdição constitucional de que se acham investidos os órgãos do
Poder Judiciário, tem enfatizado que os juízes e Tribunais não podem
demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivas as determinações
constantes do texto constitucional, inclusive aquelas fundadas em normas
de conteúdo programático (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
v.g.).

É que, se tal não ocorrer, restarão comprometidas a integridade e a


eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do
estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no
adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público,
consoante já advertiu o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez,
em tema de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min.
CELSO DE MELLO – RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
v.g.).

É certo – tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel.


Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) – que não se
inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 168 de 210

ADPF 347 MC / DF

Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de


formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE
ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio,
como adverte a doutrina (MARIA PAULA DALLARI BUCCI, “Direito
Administrativo e Políticas Públicas”, 2002, Saraiva), o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Impende assinalar, no entanto, que tal incumbência poderá


atribuir-se, embora excepcionalmente , ao Poder Judiciário, se e quando os
órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-
-jurídicos que sobre eles incidem em caráter vinculante, vierem a
comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de
direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, como sucede na espécie ora em exame.

Não deixo de conferir, por isso mesmo, assentadas tais premissas,


significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (LUÍS
FERNANDO SGARBOSSA, “Crítica à Teoria dos Custos dos Direitos”,
vol. 1, 2010, Fabris Editor; STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN,
“The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE
BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”,
p. 245/246, 2002, Renovar; FLÁVIO GALDINO, “Introdução à Teoria
dos Custos dos Direitos”, p. 190/198, itens ns. 9.5 e 9.6, e p. 345/347,
item n. 15.3, 2005, Lumen Juris), notadamente em sede de efetivação e
implementação (usualmente onerosas) de determinados direitos cujo
adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações
estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou
coletivas.

Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público criar obstáculo


artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade
financeira e/ou político-administrativa – o arbitrário, ilegítimo e censurável

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 169 de 210

ADPF 347 MC / DF

propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a


preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais
mínimas de existência e de gozo de direitos fundamentais (ADPF 45/DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004), a significar, portanto,
que se revela legítima a possibilidade de controle jurisdicional da invocação
estatal da cláusula da “reserva do possível”, considerada, para tanto, a teoria
das “restrições das restrições”, segundo a qual – como observa LUÍS
FERNANDO SGARBOSSA (“Crítica à Teoria dos Custos dos Direitos”,
vol. 1/273-274, item n. 2, 2010, Fabris Editor) – as limitações a direitos
fundamentais, como o direito de que ora se cuida, sujeitam-se, em seu processo
hermenêutico, a uma exegese necessariamente restritiva, sob pena de ofensa
a determinados parâmetros de índole constitucional, como, p. ex., aqueles
fundados na proibição de retrocesso social, na proteção ao mínimo existencial
(que deriva do princípio da dignidade da pessoa humana), na vedação da
proteção insuficiente e, também, na proibição de excesso.

Cumpre advertir, desse modo, na linha de expressivo magistério


doutrinário (OTÁVIO HENRIQUE MARTINS PORT, “Os Direitos
Sociais e Econômicos e a Discricionariedade da Administração
Pública”, p. 105/110, item n. 6, e p. 209/211, itens ns. 17-21, 2005, RCS
Editora Ltda., v.g.), que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a
ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada,
pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do
cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando,
dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até
mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido
de essencial fundamentalidade.

Cabe referir, ainda, neste ponto, ante a extrema pertinência de


suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA
FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República
(“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo

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magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental


em tema de concretização das políticas públicas constitucionais,
assinala :

“Nesse contexto constitucional, que implica também


na renovação das práticas políticas, o administrador está
vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição
Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua
margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não
fazer.
.......................................................................................................
Como demonstrado no item anterior, o administrador público
está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais
para a implementação das políticas públicas relativas à ordem
social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o
bem-estar e a justiça social.
.......................................................................................................
Conclui-se, portanto, que o administrador não tem
discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e
conveniência de implementação de políticas públicas
discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou
deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as
normas de integração.
.......................................................................................................
As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser
dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à
norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo
ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade
constitucional, no caso, a concretização da ordem social
constitucional.” (grifei)

Resulta claro, pois, que o Poder Judiciário dispõe de competência


para exercer, no caso concreto, controle de legitimidade sobre a omissão
do Estado na implementação de políticas públicas cuja efetivação lhe
incumbe por efeito de expressa determinação constitucional, sendo certo,
ainda, que, ao assim proceder, o órgão judiciário competente estará agindo

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dentro dos limites de suas atribuições institucionais, sem incidir em ofensa


ao princípio da separação de poderes, tal como tem sido reconhecido,
por esta Suprema Corte, em sucessivos julgamentos (RE 367.432-AgR/PR,
Rel. Min. EROS GRAU – RE 543.397/PR, Rel. Min. EROS GRAU –
RE 556.556/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.):

“8. Desse modo, não há falar em ingerência do Poder


Judiciário em questão que envolve o poder discricionário do
Poder Executivo, porquanto se revela possível ao Judiciário
determinar a implementação pelo Estado de políticas
públicas constitucionalmente previstas. (…).”
(RE 574.353/PR, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)

6. Escassez de recursos e a questão das “escolhas trágicas”

Não se desconhece que a destinação de recursos públicos, sempre tão


dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a
execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer,
também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados
pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo
que impõem ao Estado o encargo de superá-los mediante opções por
determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes,
compelindo o Poder Público, em face dessa relação dilemática causada pela
insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a
verdadeiras “escolhas trágicas” (GUIDO CALABRESI/PHILIP BOBBITT,
“Tragic Choices – The Conflicts society confronts in the allocation of
tragically scarce resources”, W.W. Norton & Company, Inc., 1978;
GUSTAVO ALMEIDA PAOLINELLI DE CASTRO, “Direito à Segurança
Pública: Intervenção, Escassez e Escolhas Trágicas”; SÔNIA FLEURY,
“Direitos Sociais e Restrições Financeiras: Escolhas Trágicas sobre
Universalização”, v.g.), em decisão governamental cujo parâmetro,
fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 172 de 210

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intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às


normas positivadas na própria Lei Fundamental.

É por essa razão que DANIEL SARMENTO, ao versar o tema


pertinente ao controle judicial de políticas públicas (“Reserva do Possível e
Mínimo Existencial”, “in” “Comentários à Constituição Federal de
1988”, p. 371/388, 371/375, 2009, Gen/Forense), expendeu considerações
que vale reproduzir:

“Até então, o discurso predominante na nossa doutrina e


jurisprudência era o de que os direitos sociais
constitucionalmente consagrados não passavam de normas
programáticas, o que impedia que servissem de fundamento
para a exigência em juízo de prestações positivas do Estado. As
intervenções judiciais neste campo eram raríssimas,
prevalecendo uma leitura mais ortodoxa do princípio da separação
de poderes, que via como intromissões indevidas do Judiciário na
seara própria do Legislativo e do Executivo as decisões que
implicassem controle sobre as políticas públicas voltadas à
efetivação dos direitos sociais.
Hoje, no entanto, este panorama se inverteu. Em todo o
país, tornaram-se freqüentes as decisões judiciais determinando a
entrega de prestações materiais aos jurisdicionados relacionadas a
direitos sociais constitucionalmente positivados. Trata-se de uma
mudança altamente positiva, que deve ser celebrada. Atualmente,
pode-se dizer que o Poder Judiciário brasileiro ‘leva a sério’ os
direitos sociais, tratando-os como autênticos direitos fundamentais,
e a via judicial parece ter sido definitivamente incorporada ao
arsenal dos instrumentos à disposição dos cidadãos para a luta em
prol da inclusão social e da garantia da vida digna.
Sem embargo, este fenômeno também suscita algumas
questões complexas e delicadas, que não podem ser ignoradas.
Sabe-se, em primeiro lugar, que os recursos existentes na
sociedade são escassos e que o atendimento aos direitos sociais
envolve custos. (...).
.......................................................................................................

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ADPF 347 MC / DF

Neste quadro de escassez, não há como realizar, ‘hic et


nunc’, todos os direitos sociais em seu grau máximo. O grau de
desenvolvimento socioeconômico de cada país impõe limites, que o
mero voluntarismo de bacharéis não tem como superar. E a escassez
obriga o Estado em muitos casos a confrontar-se com
verdadeiras ‘escolhas trágicas’, pois, diante da limitação de
recursos, vê-se forçado a eleger prioridades dentre várias demandas
igualmente legítimas. (...).
.......................................................................................................
As complexidades suscitadas são, contudo, insuficientes
para afastar a atuação do Poder Judiciário na concretização
dos direitos sociais. Com a consolidação da nova cultura
constitucional que emergiu no país em 1988, a jurisprudência
brasileira deu um passo importante, ao reconhecer a plena
justiciabilidade dos direitos sociais. No entanto, essas dificuldades
devem ser levadas em conta. Vencido, com sucesso, o momento
inicial de afirmação da sindicabilidade dos direitos prestacionais, é
chegada a hora de racionalizar esse processo. Para este fim,
cumprem importante papel, como parâmetros a orientar a
intervenção judicial nesta seara, duas categorias que vêm sendo
muito discutidas na dogmática jurídica: a reserva do possível e o
mínimo existencial, que serão analisadas abaixo. Há outras,
todavia, que também têm importância capital neste campo, como
o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de vedação à
proteção deficiente, e o princípio da proibição do retrocesso social.”
(grifei)

Cabe ter presente, bem por isso, consideradas as dificuldades que


podem derivar da escassez de recursos – com a resultante necessidade de o
Poder Público ter de realizar as denominadas “escolhas trágicas” (em
virtude das quais alguns direitos, interesses e valores serão priorizados
“com sacrifício” de outros) –, o fato de que, embora invocável como
parâmetro a ser observado pela decisão judicial, a cláusula da reserva do
possível encontrará, sempre, insuperável limitação na exigência
constitucional de preservação do mínimo existencial, que representa, no

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 174 de 210

ADPF 347 MC / DF

contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado


da essencial dignidade da pessoa humana, tal como tem sido reconhecido
pela jurisprudência constitucional desta Suprema Corte:

“CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO


E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO
INTEGRAL À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO
CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO.
PROGRAMA SENTINELA–PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO,
PELO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO
PROGRAMA DE AÇÃO SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO
TRADUZ EXIGÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL.
CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE
OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO
MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO
PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819).
COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA
LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796). IMPOSSIBILIDADE
DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA
DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER
RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO
NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO
EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197). CARÁTER COGENTE E
VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS,
INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE
POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA
DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER
JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES
INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE
INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO
AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA
UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO.
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA
DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS

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NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 –


RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220). RECURSO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO.”
(AI 583.553/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não constitui demasia acentuar, por oportuno, que o princípio da


dignidade da pessoa humana representa – considerada a centralidade
desse postulado essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor
interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o
ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo
expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem
republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito
constitucional positivo, tal como tem reconhecido a jurisprudência desta
Suprema Corte, cujas decisões, no ponto, refletem, com precisão, o próprio
magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte
e Poder Popular”, p. 146, 2000, Malheiros; RODRIGO DA CUNHA
PEREIRA, “Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil Brasileiro”,
p. 106, 2006, Del Rey; INGO WOLFANG SARLET, “Dignidade da Pessoa
Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988”,
p. 45, 2002, Livraria dos Advogados; IMMANUEL KANT,
“Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos”, 2004,
Martin Claret; LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES, “O Princípio
Constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e
jurisprudência”, 2002, Saraiva; LUIZ EDSON FACHIN, “Questões do
Direito Civil Brasileiro Contemporâneo”, 2008, Renovar, v.g.).

A noção de mínimo existencial, que resulta, por implicitude, de


determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III),
compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se
capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a
assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a
prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de
direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção
integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à

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assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação, o direito à


segurança e o direito de não sofrer tratamento degradante e indigno quando
sob custódia do Estado.

Vale relembrar, finalmente e por oportuno, em face do direito


fundamental do sentenciado de receber tratamento penitenciário digno
quando da execução da pena, que, em 2011, a Suprema Corte dos Estados
Unidos da América, por 5 (cinco) votos a 4 (quatro), ao julgar o caso
“Brown v. Plata”, reputou ofensivo à 8ª Emenda à Constituição americana
(que veda o “cruel and unusual punishment”) o excesso populacional no
sistema penitenciário do Estado da Califórnia (que chegava a 200% de
sua ocupação máxima), ordenando-lhe que reduzisse, no prazo de
02 (dois) anos, ao índice de 137,5% (calculado sobre a capacidade total
então existente) a sua população carcerária.

Sendo assim, e em face das razões expostas, acompanho o eminente


Relator, exceto quanto à alínea “g”, pois, nesse ponto, defiro o pedido de
medida cautelar. De outro lado, acolho a proposta formulada pelo
Ministro ROBERTO BARROSO, para determinar, de ofício, que a União e
os Estados-membros, notadamente o Estado de São Paulo, encaminhem a
esta Corte informações sobre a situação de seus respectivos sistemas
penitenciários.

É o meu voto.

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Aparte

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09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Vossa


Excelência me permite um aparte?

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Com prazer...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A


exemplar senadora Ana Amélia apresentou projeto de lei voltado a
proibir, nesse campo, o contingenciamento.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Essa iniciativa da


eminente Senadora Ana Amélia reveste-se de grande importância, pois tem
por finalidade impedir que a mera vontade administrativa da Chefia do
Executivo culmine por frustrar, em decorrência da manipulação do
contingenciamento de verbas orçamentárias, a função primária da pena,
tal como definida na própria Lei de Execução Penal (art. 1º).

A situação de absoluta precaridade a que notoriamente se acha reduzido


o sistema penitenciário nacional mostra-se incompatível com qualquer
medida administrativa de contingenciamento de recursos destinados ao
Fundo Penitenciário Nacional.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

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09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Agradeço o voto de Vossa Excelência, um denso voto,
uma verdadeira aula magna sobre o tema. E cumprimento também o
eminente Relator adiantando, desde logo, que o acompanho
integralmente, não apenas nos fundamentos, mas também nas
conclusões, talvez acrescentando um item na medida cautelar, no que se
refere ao deferimento da medida cautelar em parte e também
acompanhando a proposta do eminente Ministro Barroso.
Eu queria salientar, porque não tenho mais muito a acrescentar, que
esta Corte, pioneiramente, acolhe o argumento do estado de coisas
inconstitucional. Salvo engano, jamais se cogitou desse tema no presente
Plenário, e é uma proposta que foi desenvolvida pioneiramente pela
Corte Constitucional da Colômbia, e que reconheceu, numa determinada
situação, um quadro insuportável e permanente de violação massiva de
direitos fundamentais, que não poderia subsistir e que exigia, sem dúvida
nenhuma, uma intervenção do Poder Judiciário de caráter estrutural e
que demandava, inclusive, medidas de natureza orçamentária.
Essa matéria foi muito discutida na doutrina, Sua Excelência, o
Ministro e Professor Luís Roberto Barroso também adentrou nessa
matéria, com a pertinência e com a profundidade que lhe é peculiar,
parece-me que a Corte deu um grande salto ao reconhecer, ao acolher este
argumento que é veiculado agora pelo PSol.
Então, eu queria justamente sublinhar esse fato, e o reconhecimento
do estado de coisas inconstitucional, que já vinha de certa maneira sendo
embrionariamente cogitado pela Suprema Corte Brasileira, segundo nos
demonstrou o Ministro Gilmar Mendes, agora encontra, a meu ver, um
acolhimento total e justifica, inclusive, esta medida, aparentemente um

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 179 de 210

ADPF 347 MC / DF

tanto quanto drástica, que é justamente a interferência do Poder


Judiciário nesta aparente discricionariedade no manejo do fundo
penitenciário nacional.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Essa intervenção


jurisdicional revela-se plenamente legítima sob perspectiva constitucional,
tal como esta Corte Suprema tem reiteradamente julgado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Perfeitamente. Legítima porque esse estado
insuportável se tornou permanente, tendo em conta ações e omissões das
autoridades públicas responsáveis pelo Sistema Penitenciário Brasileiro.
De maneira que eu acompanho Sua Excelência o Relator,
entendendo, inicialmente, que é perfeitamente válido, data venia, acolher a
cautelar solicitada no item "a", determinando-se aos juízes que lancem
uma argumentação mais sólida relativamente à manutenção da prisão
provisória, explicitando por que não adota as medidas cautelares. Até
porque o art. 312 foi modificado pela Lei 12.403/2011, ou seja, há muito
tempo já e os juízes vêm procedendo como se essa alteração não tivesse
existido, determinando prisões provisórias em termos abstratos, com base
no art. 312 de nossa Carta Magna. Trata-se, como disse o Ministro Luiz
Fux, de uma medida pedagógica importante de caráter didático, que deve
ser mantida.
Com relação ao item "b", estou perfeitamente de acordo. O Ministro
Decano agora discorreu longamente sobre a obrigação internacional que
o Brasil assumiu, e que foi internalizada como lei ordinária desde 1992, e
não vem sendo cumprida. Sua Excelência também salientou os efeitos
benéficos da adoção desta medida, ainda não de forma sistemática, mas
agora será, em face da determinação da Corte. E nós em breve, agora com
o reforço desta determinação exarada pelo Plenário, deixaremos de
prender cerca de cento e vinte mil presos até o final do ano,
representando uma enorme economia para o erário.
Concordo também com a medida cautelar do item "c". Ou seja,

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 180 de 210

ADPF 347 MC / DF

aquela que determina aos juízes e tribunais que considerem


fundamentadamente o quadro dramático do sistema penitenciário
brasileiro, no momento do implemento de cautelares penais na aplicação
da pena e durante o processo de execução penal. Eu disse, numa rápida
intervenção, no início desta sessão, que a doutrina cogita do chamado
numerus clausus no que tange às prisões. Ou seja, as prisões não podem
comportar o número maior de presos do que fisicamente podem suportar.
Nós estamos lançando, Senhoras Ministras, Senhores Ministros, no CNJ,
um novo programa, que é o Programa Cidadania nos Presídios, em que
nós adaptamos esta expressão latina para o vernáculo e falamos do
princípio da capacidade prisional taxativa. Então, nesse programa, que
nós baixaremos por resolução, nós determinamos aos juízes da execução
que observem o princípio da capacidade prisional taxativa. Ou seja, não
se pode mandar para um estabelecimento prisional mais pessoas do que
ele comporta. Portanto, estou plenamente de acordo também com a
cautelar do inciso "c".
Quanto ao inciso "d", que determina que os juízes estabeleçam,
quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a
reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas
do que as admitidas pelo arcabouço normativo, valho-me da lembrança,
numa das sessões em que nós julgamos uma questão atinente ao sistema
prisional, valho-me da menção que o ilustre Decano fez ao excesso de
execução. Realmente, a sentença, quando não considera as condições
fáticas das prisões, incorre evidentemente no excesso de execução.
Tal como o Ministro-Relator, não defiro as medidas pleiteadas no
item "e", "f", porque isso implicaria numa alteração do direito positivo
pátrio, que não é possível por intermédio de um determinação judicial.
Não defiro a cautelar da letra "g", pelas mesmas razões que o fez o
eminente Ministro-Relator, porque ela está condicionada àquelas medidas
solicitadas nos itens "e" e "f" que demandam alteração da legislação
positiva. Portanto, o que se pede aqui na inicial é que se façam mutirões
para justamente adequar.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 181 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – E sem


prejuízo dos mutirões que estão em andamento no Conselho Nacional de
Justiça.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Exatamente, os mutirões serão automaticamente
levados a efeito. O que não se pode é condicionar a mudança do direito
positivo.
Eu adiro também à determinação de Sua Excelência, no sentido de
que a União libere as verbas do Fundo Penitenciário Nacional, abstendo-
se de realizar novos contingenciamentos. Não me oporia à fixação de um
prazo, se assim o Plenário entender. E finalmente adiro à sugestão do
Ministro Barroso para que se estabeleça um prazo para que a
Administração Pública Federal apresente um diagnóstico do sistema
prisional.

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Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 182 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Aderi


imediatamente à colocação do Ministro, que diz respeito ao
encaminhamento de planos, que inclusive já existem, ao Supremo. Mas há
uma série de itens no pedido quanto ao julgamento de fundo. Por isso é
que não abordei inicialmente a questão. Limitei-me ao pleito de cautelar,
formalizado pelo autor da ADPF. Mas de qualquer forma a vinda não
prejudica o exame final.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Não, e acho


que essas informações vão ajudar a Vossa Excelência e a nós outros a
julgarmos o mérito.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Para o


julgamento final.

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 183 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

DEBATE

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Eu


concordei, Presidente, com a sugestão da Ministra Cármen Lúcia de que,
em vez de fixarmos o prazo de um ano, colocássemos uma cláusula geral,
"o mais breve possível", porque acho que não é preciso tanto tempo,
porque não são...

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Eles já têm isso,


tanto que me encaminharam. Eu baseei o meu voto todo em dados deles.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Algumas


das informações já existem. Então, eu acho que se a gente puser "no mais
breve prazo possível"...

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Ou "com urgência".

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Eu ousaria, nesse aspecto, apenas ponderar que a
decisão judicial deve fixar um prazo, porque "o mais breve possível" para
nós pode significar um determinado lapso temporal e para o Executivo,
outro. Isso obrigaria que nós reiterássemos o pedido.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Está certo.


Não tem problema. É um pouco como a história do
descontingenciamento: eles dizem que já estão gastando, então a cautelar
vai ser inócua. Eu acho que pode ficar um ano, se já estiver pronto, eles
mandam antes. Está bom. Por mim, se a Ministra Cármen estiver de
acordo.

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 184 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) –


Presidente, aí recuo na adesão, porque, para se cogitar do
encaminhamento considerada a passagem da unidade de tempo ano,
teremos aparelhado o próprio processo para julgamento final. Adentrarei
os pedidos sucessivos que foram formalizados pelo requerente da ADPF.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Portanto,


Ministro Marco Aurélio, é interesse da própria União agilizar a entrega
desse material para que a gente possa levar em conta o que eles já estão
fazendo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Eu estou tendo uma informação do coordenador do
DMF que está nos assistindo que o Poder Executivo teria condições,
dentro de um mês, como a Ministra Cármen acaba de explicitar, de
entregar isso.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Quanto


ao que já está pronto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Podíamos talvez estabelecer um prazo de três meses,
noventa dias.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Lançaria


"com a máxima urgência".

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Presidente, eu não


tinha me pronunciado sobre essa questão dos dados, eu estou de acordo.
Eu apenas faria uma sugestão. Eu creio que os Colegas também devem
ter recebido o último levantamento nacional das informações
penitenciárias. Eu recebi essa semana. Eu penso que há um diagnóstico

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 185 de 210

ADPF 347 MC / DF

exatamente como imaginado pelo Ministro Barroso. Não sei se teria


alguma outra informação adicional.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Mas tem porque


pedi, quando me chegou esse material, informações suplementares, que
inclui no voto. Por exemplo: o que fazem as penitenciárias federais,
quanto gastam em convênios para passar aos estados, o que fica de
obrigação para os estados. Para que todos tenham uma ideia exata desses
outros dados. Então, eles realmente teriam pouco a acrescentar em termos
de programa, mas, em termos de dados, até para dar transparência a
tudo que está acontecendo, seria bom.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - A sugestão que eu ia


fazer é a seguinte: esse levantamento não teve os dados do Estado de São
Paulo, que possui 1/3 da população carcerária; então eu acho importante
que se determine também ao Estado de São Paulo e a todos os Estados
interessados que forneçam esses dados. Porque o Ministério da Justiça
não conseguiu os do Estado de São Paulo e aqui, segundo informação que
ele presta na introdução dessa publicação, refere expressamente: apesar
de todos os esforços do DEPEN com prorrogações de prazos, solicitações
reiteradas e adequação do formato de entrega dos dados, o Estado de
São Paulo não respondeu ao levantamento.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Então Vossa Excelência sugere que essa determinação
vá para todos os Estados também?

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Então eu penso que


seria importante que se fizesse uma determinação específica.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Eu acho


que o DEPEN tem as informações dos estados em geral - foi o que eu ouvi
do Diretor-Geral -, salvo São Paulo. De modo que eu estaria de acordo

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 186 de 210

ADPF 347 MC / DF

com a explicitação de que São Paulo deve fornecer.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Sim, fazer uma


comunicação se for o caso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Relator, Vossa Excelência redigirá, então, a melhor
fórmula possível para essa determinação.

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Supremo Tribunal Federal
Retificação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 187 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – É um


pouco difícil, Presidente, a tarefa. Penso que a colocação acaba por
esvaziar o conteúdo da liminar que trouxe para apreciação no Plenário.
Existem, realmente, esses planos; não vamos poder, de imediato,
trabalhar em cima deles. Há providências pleiteadas pelo autor da ADPF
quanto ao julgamento final.
Reluto sempre muito a evoluir, considerado o voto que elaborei
depois de um estudo feito da inicial e dos elementos do próprio processo
e aparte de Colega.
Volto à posição primitiva. Fico na concessão da liminar, como
constante do voto de que fiz a leitura para o Plenário.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 188 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


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VOTO SOBRE PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhor Presidente,


eu gostaria de acrescentar ao meu voto que estou aderindo, com essa
observação, ao fornecimento de dados. Eu gostaria também de
acrescentar que estou de acordo com a proposta do Ministro Gilmar; eu
achei, do ponto de vista do objetivo que nós estamos perseguindo aqui...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Com as


informações que determinaremos sejam apresentadas, teremos esses
elementos. Receio que uma providência, em termos de cautelar na
arguição de descumprimento de preceito fundamental, acabe por
prejudicar o conteúdo da própria cautelar que preconizei fosse
observada pelos Colegas.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhor Presidente,


nós estamos falando exatamente sobre os dados, essa proposta do
Ministro Barroso não é apresentar plano, é apresentar dados.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Com as


informações, esses dados virão.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Mas eu gostaria,


Senhor Presidente, de aderir também à proposta do Ministro Gilmar no
sentido de que se determine, no prazo de seis meses - penso que essa foi
a proposta de Sua Excelência -, do sistema de acompanhamento previsto
na Lei nº 12.714. Esse sistema de acompanhamento da Lei nº 12.714 tem
que ser implantado no âmbito do Executivo ou no âmbito do Judiciário?

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 189 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Parece-me que o CNJ


está legitimado a proceder ao acompanhamento a que alude a
Lei nº 12.714/2012, a despeito de esta a ele (CNJ) não se referir, em razão
do que já dispõe a Lei nº 12.106/2009.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Entendo que é no


âmbito do Conselho Nacional de Justiça.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Então é uma


determinação ao Conselho Nacional de Justiça?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Na verdade, não...

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: A Lei nº 12.106/2009


criou, no âmbito do CNJ, um órgão – o Departamento de Monitoramento
e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de
Medidas Sócioeducativas (DMF) – que poderá auxiliá-lo no
acompanhamento da execução das penas.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Há, portanto, à


disposição do CNJ, órgão que nele se acha estruturado, cujas atribuições
certamente auxiliá-lo-ão no acompanhamento da execução das penas.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não, não é a Lei nº


12.714.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 190 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - A Lei nº 12.714 não


menciona o Conselho Nacional de Justiça.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Ela não menciona.


Ela menciona que será...

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Agora, a lei que


criou o Departamento de Monitoramento é a Lei nº 12.106.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Mas a proposta de


Vossa Excelência é de implantar esse sistema onde? No CNJ?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Exatamente no


Departamento de Monitoramento que está no CNJ. Foi o que escrevi aqui:
Muito embora a Lei 12.714/12 não mencione o Conselho Nacional de
Justiça, o papel do Conselho na informatização da execução penal é
consagrado pela Lei 12.106/09 que cria o Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário. E um dos objetivos
do próprio departamento é acompanhar a implantação e o
funcionamento do sistema de gestão eletrônica da execução penal e de
mecanismos, sem prejuízo de compartilhamentos.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Então Vossa


Excelência está propondo que seja implantado pelo CNJ?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Isso. Ou no CNJ,


independentemente do uso de recursos...

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Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 191 de 210

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O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Eu acho essa


proposta bem interessante. Não sei se o CNJ, nesse prazo, teria condições.

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 192 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

DEBATE

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Há vários atores no sistema prisional - o governo
federal, os governos estaduais e o CNJ, através do DPMF. O CNJ, no
entanto, como estabelece a própria Constituição, só tem ação sobre os
juízes da execução. Ele não tem ação sobre os demais atores. Portanto, ele
não pode obrigar ninguém, fora do Judiciário, a fazer ou deixar de fazer
algo. Ele só age sobre os juízes da execução. Mas sponte propria, a título de
colaboração, nós instituímos um grupo de trabalho - e os trabalhos se
encerrarão em dezembro deste ano - cujo objetivo foi estabelecer um
sistema de monitoramento eletrônico dos prazos processuais relativos à
execução da pena. Inclusive com avisos de quando alguém vai passar do
sistema fechado para o semiaberto, do semiaberto para o aberto e,
finalmente, para a liberdade, fora os outros benefícios. Isso estará pronto
em dezembro.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Em


síntese, o Conselho Nacional de Justiça vem fazendo a parte que lhe cabe.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Vem fazendo a parte que lhe cabe. Inclusive agora nós
vamos fazer o recenseamento nacional de presos, porque há muito
intercâmbio de presos - alguém que sai de Sergipe e vai cumprir pena no
Rio Grande do Sul, depois vai para Mato Grosso e assim por diante - e só
é possível controlar esse trânsito, quem é quem, com uma identificação
biométrica. Nós estamos ultimando um termo de cooperação com o TSE
para fazer a identificação dos nossos 600 mil presos. Vamos começar com
um plano piloto, possivelmente, no Distrito Federal. Depois ampliaremos
isso para outros estados, até pela facilidade de transportarmos essas

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 193 de 210

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máquinas, mas é um trabalho que exige não só investimento como


também algum tempo para que possa ser concretizado.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Porque, na verdade,


Presidente, o que é preciso é de uma atividade integrada. A grande
queixa que se tem é que, às vezes, tem-se o sistema de acompanhamento,
mas não há integração, como acabei até de indicar com a ausência, por
exemplo, de São Paulo no fornecimento de dados. A Lei nº 12.714 diz:

"Art. 1º Os dados e as informações da execução da pena,


da prisão cautelar e da medida de segurança deverão ser
mantidos e atualizados em sistema informatizado de
acompanhamento da execução da pena."

Não haveria nada de estranho que isso fosse centralizado no CNJ,


tendo em vista inclusive a disposição...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Vejam,


nem o próprio partido pediu providências quanto ao CNJ, a não ser a que
ficou prejudicada, porque não deferimos o que pretendido quanto à
alteração dos prazos previstos na legislação. O CNJ vem atuando, e vem
atuando bem, a meu ver, no campo penitenciário. O que receio? Torno a
repetir: é que, com providências outras, acabemos por esvaziar o alcance
da liminar tal como pleiteada pelo autor da arguição de descumprimento
de preceito fundamental. Mas a maioria decide.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Quanto à alínea "e"?

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Supremo Tribunal Federal
Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 194 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Há um outro fato - meditando sobre o que disse o
Ministro Marco Aurélio. Uma medida cautelar - agora numa melhor
reflexão, Ministro Barroso - concedida de ofício, de certa maneira, poderia
trazer algum tumulto processual, porque a União aportaria informações,
a parte contrária teria que ser intimada para se contrapor a essas
informações também. A determinação do Ministro-Relator, ou pelo menos
a conclusão final de mérito, poderia ser afetada por estas informações,
porque a União poderia vir e alegar que já está cumprindo tudo o que foi
determinado.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


acho que talvez a gente possa ter um meio termo, não planos, porque
acho que isso é o pedido final. Porém, diagnósticos e os projetos
existentes ...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Os


diagnósticos virão quando solicitarmos as informações, Presidente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Pois então,


eu acho que se nós explicitarmos, quer dizer, nós gostaríamos, por
exemplo ...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Agora,


em termos de liminar, é fragilizar o que estamos preconizando.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, pela


ordem, pelo que eu estou entendendo - e eu acho que o Ministro Marco
Aurélio está querendo colocar isso com exatidão -, é que nós estamos
trabalhando na liminar no plano da normação, estamos definindo
direitos, deveres. Isso em caráter liminar, agora, nós já estamos
executando a liminar, quer dizer …

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Supremo Tribunal Federal
Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 195 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Não, não


estamos executando. Nós estamos deferindo liminares expressas em
relação à custódia, à audiência de custódia, em relação ao
descontingenciamento e penso que majoritariamente em relação aos
mutirões, não tenho certeza. E a minha cautelar de ofício - à qual o
Ministro Marco Aurélio tinha aderido -, acho que voltando à ideia
original, é apenas que a União porte aos autos as informações que têm
para que nós possamos formar um juízo, e acho que acrescido da
observação do Ministro Teori de que nós não temos os dados de São
Paulo. De modo que eu acho que determinar a São Paulo que traga esses
dados faz parte da jurisdição cautelar.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Vamos


aguardar a fase própria, que é a das informações, Presidente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Como é


que nós vamos formar juízos se um ator importante como o Estado de
São Paulo não quer dar as informações, entendeu? De modo que eu
mantenho a minha proposta …

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - De que forma influiria isso já


nas decisões que foram adotadas aqui? Quer dizer, vêm as informações
da advocacia ainda, não é? Ainda vêm as informações da AGU.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Vem. Mas,


por exemplo, como é que nós vamos julgar o mérito no momento próprio
sem as informações de São Paulo?

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Mas de que pedido? Qual é o


pedido? É um esclarecimento …

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Não é


possível o plano nacional do sistema penitenciário sem São Paulo.

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Supremo Tribunal Federal
Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 196 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Sim. Eu não sou contrário ao


exercício do poder cautelar genérico, que está embutido na defesa da
jurisdição constitucional. Não sou contra o instituto. Eu não estou
entendendo porque, agora, nós já temos que nos preocupar com essa
parte prática, em relação às medidas que deferimos.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Ministro,


Vossa Excelência me permite? É só ver o cabeçalho da ação. Todos os
Estados estão mencionados como interessados. Então, trarão esses dados.
Vamos aguardar que os dados venham para julgar, então, o pedido final.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Nas informações.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Eu sou a


favor de determinar que São Paulo forneça, porque se São Paulo não quis
fornecer quando a União solicitou, por que eles vão entrar de ofício, nesse
processo, para trazer os dados?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Bem, Vossa Excelência, de certa maneira, reformula no
sentido de determinar, de ofício, que a União envide esforços, ou, enfim,
que se valha da autoridade do Supremo Tribunal Federal para exigir as
informações de São Paulo, porque realmente o DEPEN não tem força para
exigir de um estado-membro da federação que mande alguma
informação.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Não, a


minha sugestão é diferente, a minha sugestão é que nós obtenhamos da
União, do DEPEN, os diagnósticos e propostas que já existem, que eu
gostaria de saber, e que nós determinemos a São Paulo que forneça ao
Tribunal os dados, sem os quais não é possível construir uma solução.

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Supremo Tribunal Federal
Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 197 de 210

ADPF 347 MC / DF

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) –


Presidente, desejo fazer justiça ao Estado de São Paulo. É o Estado que
tem a melhor – não estou cogitando de Brasília – situação penitenciária.
Parece que o defeito todo está circunscrito a esse estado-país, dentro do
País, que é São Paulo, e não está. Ao contrário.

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Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 198 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor Presidente, se


Vossa Excelência e os ilustres pares me permitirem, eu acho que nós
estamos amadurecidos para, quem sabe, deliberar sobre a matéria. Eu
gostaria de adiantar, além do voto que eu já houvera proferido, que eu
estou aderindo à proposição do Ministro Luís Roberto Barroso.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 199 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO SOBRE PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, como, no


presente momento, não estou entendendo, diante dos pedidos que eu
tenho aqui, qual seria essa influência, porque não estamos executando
medida nenhuma, nós estamos mandando cumprir os seguintes preceitos
fundamentais, eu vou acompanhar o Relator, a sua proposta original.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Não se


trata de uma medida de urgência, Presidente. E a liminar é uma medida
de urgência.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 200 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/PROPOSTA

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente,


vou pedir vênia ao Ministro Barroso e aos que o acompanharam, mas eu
vou acompanhar o Relator.
Primeiro, porque, como o Relator, tenho certeza que se não vierem as
informações de qualquer estado, ele, evidentemente, requisitará,
determinará, para que o processo, quando instruído, venha a julgamento.
Em segundo lugar, porque seria realmente uma novidade essa
cautelar de ofício, que só se justificaria numa situação muito específica. E
a própria AGU e os próprios estados, que comparecem na situação de
interessados, podem trazer.
Então, não vejo necessidade nem para a cautelar, que não foi pedida,
nem para que o Relator, que acha conveniente, recomendável, manter-se
nos limites do pedido com os elementos que tem e que não prejudica o
nosso deferimento ou não neste momento, não tem o meu
acompanhamento.
Razão pela qual, pedindo vênia aos que pensam e votam em sentido
diverso, acompanho o Relator.
*****************

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 201 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Senhor Presidente,


vou pedir vênia à divergência, vou acompanhar a posição do ministro
Barroso.

Eu até tinha dito que não se trata sequer de cautelar de ofício, mas
estamos falando de obrigação de fazer e o próprio CPC autoriza esse tipo
de medida. Ou se fosse falar de medida de ofício, estamos falando de um
tipo de antecipação de uma medida instrutória, necessária para que o
próprio Tribunal conduza - é disso que nós estamos falando. Por outro
lado, é certo que a própria lei - e tinha chamado a atenção -, a Lei nº
12.714 diz que a União, portanto, o poder público federal e pode estar
representado, inclusive, pelo CNJ, vai fazer esse levantamento, esse
sistema integrado.

Portanto, o que o ministro Barroso está propondo já está em lei e


tinha prazo de vacatio - chamei a atenção para isso -, de doze meses. Já
venceu, portanto, a rigor, o que se está pedindo é algo que já está
determinado na lei. Por isso, a discussão que o ministro Teori colocou é
extremamente relevante, porque, a rigor, se combinarmos as duas
disposições da Lei nº 12.714 e da lei que cria o Departamento de
Monitoramento, essa atribuição poderia ser exercida também pelo...
Porque aqui sempre pode entrar disputas de competência etc., mas não
interessa, quer dizer, esses dados podem ser compartilhados, pode ser
um modelo de cogestão e tudo mais. Mas é inequívoco que o dever é da
União, na Lei nº 12.714. Portanto, houve um comando. Se algum estado
for rebelar-se, terá de dizer que a lei é inconstitucional. Veja, há um dever
legal aqui.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 202 de 210

ADPF 347 MC / DF

De modo que a mim me parece que Sua Excelência, o ministro


Barroso, está propondo apenas o cumprimento daquilo que está na lei.

Por outro lado, não se trata de medida, a rigor, cautelar ex officio. O


que Sua Excelência está propondo é medida que está dentro do quadro
da obrigação de fazer, de que estamos a cogitar. Por isso, acho
extremamente importante, até para que os passos sejam dados.

Estou muito preocupado, quando estamos falando de toda essa


temática e me vem, sempre, à mente o caso Brown vs board of Education. É
que, se não tiver uma certa centralidade na execução, temos um grave
problema. E, aí, a importância, inclusive, da atuação de um órgão como o
CNJ, que é presidido pelo Presidente do Supremo, portanto, que poderá
dar sequência a esse diálogo institucional complexo com os estados-
membros, com as secretarias de justiça, com o Ministério da Justiça.

Portanto, a mim me parece que essa é uma medida fundamental, seja


na perspectiva, vamos chamar assim, cautelar genérica, seja na de uma
instrução antecipada, porque esse processo terá de ser instruído
devidamente.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 203 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO
(s/ proposta)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Senhor Presidente,


peço vênia para acolher a proposta do eminente Ministro ROBERTO
BARROSO.

É o meu voto.

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Supremo Tribunal Federal
Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 204 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) –


Presidente, o encaminhamento pelo Estado de São Paulo seria ao Tribunal
ou ao Executivo?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Ao


Supremo, a Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – E o que


farei, como Relator, com esses dados? Nada.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Eu tenho


todo o interesse de saber qual é a situação de São Paulo para formar um
juízo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Talvez,


seja o caso de preconizar o encaminhamento ao gabinete do ministro Luís
Roberto Barroso!

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - E a todos


os demais que têm interesse.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 205 de 210

09/09/2015 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Eu vou pedir vênia. Inicialmente, eu entendi que a
providência preconizada pelo Ministro Luís Roberto Barroso era uma
providência útil, e não deixa de ser útil, claro, porque quod abundat no
nocet, como dizem os romanos. Mas, de qualquer maneira, depois dos
argumentos do eminente Relator, eu verifiquei o seguinte: num primeiro
momento, defere-se ou não a cautelar. Num segundo momento, vem, aos
autos, as informações.
O art. 21 do nosso Regimento Interno, inciso I, estabelece que
compete ao Relator ordenar e dirigir o processo. Portanto, se o Relator
julgar necessário que venham as informações, de onde quer que devam
vir, ele assim o ordenará no momento processual apropriado.
Eu penso, com o devido respeito, que se nós, neste momento,
determinarmos a vinda de informações, poderia, como já adiantei, causar
um certo tumulto processual, porque, na medida que vêm novos
documentos, novos documentos e informações são juntadas ao autos, o
que se faz, normalmente? Tem que se dar vista à parte contrária ou a
outra parte - se bem que numa ação dessa, não há parte contrária -, enfim,
ao proponente da ação, para que ele se informe do que foi julgado, do que
há de novo dentro dos autos.
E ademais, eu verifico que não há urgência que dê fundamento a
uma medida cautelar dessa natureza, data venia.
Portanto, pedindo, com todo o respeito, vênia ao eminente
proponente, aqui, ao Ministro Luís Roberto Barroso, entendendo a sua
motivação, eu vou acompanhar o Relator, reformulando o meu
posicionamento anterior para entender que não é o momento apropriado
para a vinda desse tipo de informações aos autos.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Proposta

Inteiro Teor do Acórdão - Página 206 de 210

ADPF 347 MC / DF

De qualquer maneira, ficou vencedora a posição no sentido de que


se determine à União e ao Estado de São Paulo que forneçam informações
sobre a situação prisional, seja no âmbito da União e, enfim, no âmbito
dos estados a respeito dos quais esse órgão da União tenha informações,
e, especificamente, se peça também informações ao Estado de São Paulo,
que serão encaminhadas ao Relator.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 09/09/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 207 de 210

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL 347
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE - PSOL
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : DISTRITO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO DISTRITO FEDERAL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ACRE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ACRE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE ALAGOAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE ALAGOAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAZONAS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO AMAPÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAPÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA BAHIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA BAHIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DO CEARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS
INTDO.(A/S) : ESTADO DO MARANHÃO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO
INTDO.(A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DA PARAÍBA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA PARAÍBA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE PERNAMBUCO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PIAUÍ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PIAUÍ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO PARANÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 9390528
Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 09/09/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 208 de 210

INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE


PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
INTDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RONDÔNIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SERGIPE
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE
INTDO.(A/S) : ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) : ESTADO DO TOCANTINS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS

Decisão: O julgamento foi suspenso após o voto do Ministro


Marco Aurélio (Relator), que deferia parcialmente a medida liminar
requerida para determinar: a) aos juízes e tribunais – que lancem,
em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a
motivação expressa pela qual não aplicam medidas cautelares
alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no artigo 319
do Código de Processo Penal; b) aos juízes e tribunais – que,
observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos
e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem,
em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo
máximo de 24 horas, contados do momento da prisão; c) aos juízes e
tribunais – que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático
do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de
cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de
execução penal; d) aos juízes – que estabeleçam, quando possível,
penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão
ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do
que as admitidas pelo arcabouço normativo; e e) à União – que
libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para
utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de
realizar novos contingenciamentos. Falaram, pelo requerente
Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, o Dr. Daniel Antonio de
Moraes Sarmento, OAB/RJ 73.032; pela União, o Ministro Luís Inácio
Lucena Adams, Advogado-Geral da União; pelo Estado de São Paulo, o
Dr. Thiago Luiz Santos Sombra, OAB/DF 28.393, e pelo Ministério
Público Federal, a Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Vice-
Procuradora-Geral da República. Presidência do Ministro Ricardo
Lewandowski. Plenário, 27.08.2015.

Decisão: O julgamento foi suspenso após o voto do Ministro


Edson Fachin, que concedia a cautelar em relação à alínea “b” da

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 09/09/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 209 de 210

inicial; que, em relação à alínea “g” da inicial, concedia em


parte a cautelar para determinar ao Conselho Nacional de Justiça
que coordene mutirões carcerários, de modo a viabilizar a pronta
revisão de todos os processos de execução penal em curso no país
que envolvam a aplicação de pena privativa, mas afastando a
necessidade de adequação dos pedidos contidos nas alíneas “e” e
“f”; que, em relação à alínea “h” da inicial, concedia em parte a
cautelar para acolher a determinação do descontingenciamento das
verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN,
devendo a União providenciar a devida adequação para o cumprimento
desta decisão, fixando o prazo de até 60 (sessenta) dias a contar
da publicação desta decisão, deixando de conceder a cautelar em
relação aos pedidos contidos nas alíneas “a”, “c”, “d”, “e” e “f”
da inicial, que propõe sejam analisadas por ocasião do julgamento
do mérito; após o voto do Ministro Roberto Barroso, que, em
relação à alínea “b” da inicial, concedia em parte a cautelar,
determinando que o prazo para a realização das audiências de
custódia seja regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça;
que, em relação à alínea “h”, concedia a cautelar nos termos do
voto do Ministro Edson Fachin; que, em relação à alínea “g” da
inicial, concedia a cautelar e, de ofício, estendia a condução dos
mutirões carcerários aos Tribunais de Justiça estaduais; que
indeferia a cautelar quantos aos demais pedidos; e que concedia
cautelar de ofício para determinar ao Governo Federal que
encaminhe ao Supremo Tribunal Federal, no prazo de 1 (um) ano,
diagnóstico da situação do sistema penitenciário e propostas de
solução dos problemas, em harmonia com os estados membros da
Federação, no que foi acompanhado pelo Relator; e após o voto do
Ministro Teori Zavascki, que concedia em parte a cautelar quanto à
alínea “b” da inicial, determinando que o prazo para a realização
das audiências de custódia seja regulamentado pelo Conselho
Nacional de Justiça; que concedia a cautelar quanto à alínea “h”;
que julgava prejudicada a cautelar quanto à alínea “g”,
acompanhando o Relator, e indeferia a cautelar quanto às demais
alíneas. Ausente o Ministro Dias Toffoli, participando, na
qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, da
Conferência Global sobre Dinheiro e Política, promovida pelo
Tribunal Eleitoral do México e pelo Instituto Internacional para a
Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA Internacional).
Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 03.09.2015.

Decisão: O Tribunal, apreciando os pedidos de medida cautelar


formulados na inicial, por maioria e nos termos do voto do
Ministro Marco Aurélio (Relator), deferiu a cautelar em relação à
alínea “b”, para determinar aos juízes e tribunais que, observados
os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até
noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 09/09/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 210 de 210

máximo de 24 horas, contados do momento da prisão, com a ressalva


do voto da Ministra Rosa Weber, que acompanhava o Relator, mas com
a observância dos prazos fixados pelo CNJ, vencidos, em menor
extensão, os Ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso, que
delegavam ao CNJ a regulamentação sobre o prazo da realização das
audiências de custódia; em relação à alínea “h”, por maioria e nos
termos do voto do Relator, deferiu a cautelar para determinar à
União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional
para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-
se de realizar novos contingenciamentos, vencidos, em menor
extensão, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber,
que fixavam prazo de até 60 (sessenta) dias, a contar da
publicação desta decisão, para que a União procedesse à adequação
para o cumprimento do que determinado; indeferiu as cautelares em
relação às alíneas “a”, “c” e “d”, vencidos os Ministros Relator,
Luiz Fux, Cármen Lúcia e o Presidente, que a deferiam; indeferiu
em relação à alínea “e”, vencido, em menor extensão, o Ministro
Gilmar Mendes; e, por unanimidade, indeferiu a cautelar em relação
à alínea “f”; em relação à alínea “g”, por maioria e nos termos do
voto do Relator, o Tribunal julgou prejudicada a cautelar,
vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Gilmar Mendes
e Celso de Mello, que a deferiam nos termos de seus votos. O
Tribunal, por maioria, deferiu a proposta do Ministro Roberto
Barroso, ora reajustada, de concessão de cautelar de ofício para
que se determine à União e aos Estados, e especificamente ao
Estado de São Paulo, que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal
informações sobre a situação prisional, vencidos os Ministros
Marco Aurélio (Relator), que reajustou seu voto, e os Ministros
Luiz Fux, Cármen Lúcia e Presidente. Ausente, justificadamente, o
Ministro Dias Toffoli. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo
Lewandowski. Plenário, 09.09.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes


à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio,
Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki,
Roberto Barroso e Edson Fachin.

Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer


de Castilho.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira Duarte


Assessora-Chefe do Plenário

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