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em méis mais escuros (Liviu et al., 2009). para a estruturação do território, nomeada-
Desde a década de 70 que são investiga- mente, a sua ocupação geográfica; a dinami-
das as propriedades químicas e biológicas zação de outras actividades em meio rural,
do mel, mas apenas recentemente se obser- como por exemplo, o turismo, o artesanato e
vou um crescente interesse na aplicação de a gastronomia e as agro-indústrias; a manu-
antioxidantes em tratamentos médicos de tenção das paisagens, dos agroecossistemas
diferentes doenças causadas pelo stress oxi- e do ambiente (Caldentey & Gómez, 1997;
dativo. De uma forma geral assume-se que Lima, 1999 e Cristóvão et. al, 2008).
as propriedades de méis de diferentes origens As populações da Terra Fria Transmontana
florais e localizações são distintas. Segundo sempre souberam preservar as culturas tradi-
(Socha et al., 2009) os antioxidantes naturais cionais, sendo hoje possível identificar entre
presentes no mel desempenham um impor- algumas espécies, espécimes com vários sé-
tante papel na nutrição humana. culos de existência, cuja importância como
Desenvolver, produzir e comercializar um recurso genético tem um valor incalculável.
produto, requer um conhecimento apurado Para Neto e Simões (sd), no concelho de Bra-
do público-alvo, e obriga a testar, questionar, gança, designadamente, no Parque Natural de
ouvir e re-testar para alcançar o sucesso do Montesinho e na Serra da Nogueira, não foi
produto (McWatters et al., 2006). O presente esgotada, de modo nenhum, a inventariação
trabalho foi realizado no distrito de Bragan- de todas as espécies do rico património flo-
ça, situado no Nordeste Transmontano e teve rístico existente na Terra Fria Trasmontana.
como objectivos conhecer o perfil do consu- Nestes dois locais, existem afloramentos ro-
midor do mel e descrever os seus hábitos de chosos muito raros em Portugal e cujas carac-
consumo e compra do mel. terísticas condicionam fortemente a flora aí
A Região Agrária de Trás-os-Montes con- implantada. Trata-se de rochas ultrabásicas,
tinua a afirmar-se como um território de ex- sobretudo serpentinitos, que originam solos
pressão eminentemente rural, onde se obser- muito selectivos, com altos níveis de mag-
va a presença de alguns “núcleos urbanos”, nésio, baixa disponibilidade de azoto, potás-
na sua grande maioria de pequena dimensão, sio e fósforo, e elevada toxicidade, imposta
caracterizados pela sua estreita ligação ao pela presença em elevadas concentrações, de
meio rural envolvente. É pois de realçar, a metais pesados como o níquel e o crómio. A
relação entre a dinamização do território e a adaptação a tais condições extremas resultou
actividade agrária (Lima, 1999). no aparecimento de comunidades vegetais ri-
A população citadina do distrito distribui- cas em endemismos, que são autênticas “pre-
se pelos concelhos de Bragança, Mirandela, ciosidades” serpentinícolas que deveriam ser
Macedo de Cavaleiros e Miranda do Douro, ainda mais protegidas pela sua raridade. Ain-
no entanto, a maior densidade populacional da de acordo com os autores citados, nesta
concentra-se no concelho de Mirandela (38,8 mesma região, desenvolve-se igualmente a
hab/km2, em 2007). vegetação arbustiva como os urzais, estevais
Se é um facto que o êxodo e a regressão e giestais, vulgarmente apelidados de matos.
demográfica têm marcado a região, e reco- Despontam os bosques de carvalho-negral,
nhecendo que estes fenómenos têm atingido vegetação arbórea autóctone, mas com maior
sobretudo o seu espaço mais “ruralizado” e a destaque no ecossistema da Serra da Noguei-
própria agricultura, esta última continua a ser ra. Estas espécies são de nobre interesse apí-
uma actividade fundamental para a “viabili- cola, e é aqui, na Serra da Nogueira, que se
dade” do território. Estes dois aspectos per- encontra a maior área de carvalho-negral em
mitem concluir que a agricultura, para além território português. Também faz parte des-
da sua função primordial, que é a produção ta paisagem a azinheira ou Querqus ilex ssp.
de bens alimentares, cumpre ainda outras rotundifolia, regionalmente conhecida por
funções de grande relevância e essenciais sardoeira ou carrasco, mais confinada a mi-
100 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
Nunca
5,2% 1 vez ano Nunca
Todo o ano Primavera/Verão 6,4% 5,2%
4,8% 5,8% Todos os
1 vez
17,4%
semestre
15,0%
O mel é um produto natural produzido pe- (2001), as campanhas informativas acerca das
las abelhas Apis mellifera, a partir do néctar propriedades nutritivas e medicinais do mel
de plantas e foi desde sempre uma excelente podem reduzir estes argumentos negativos.
opção nutricional para muitas gerações devi- Comparando a frequência de consumo de
do aos arrimos para a saúde, uma das fon- mel com os rendimentos dos inquiridos po-
tes tradicionais para o tratamento da gripe e demos verificar que o consumo é maior nos
constipação (Pontes et al., 2007). O saber de agregados cujos rendimentos se encontram
antemão destes benefícios salutares do mel acima do montante de 1 500 euros (figura 3).
concentra o consumo nas épocas de maior Por outro lado, são os agregados familiares
risco de doença. O mel é ainda usado, nal- com maior dimensão os que mais frequente-
guns países, para o tratamento de feridas mente consomem mel (figura 4).
(Villalobos et al., 2006). Existem questões de saúde relacionadas
Os resultados mostram que 5,2% dos in- com a alimentação, que não estando direc-
quiridos não consomem nunca mel. Tal fac- tamente relacionadas com a segurança dos
to pode ser justificado por não gostarem do alimentos, espelham as quantidades de ali-
paladar, pela falta de hábitos alimentares (Jú- mento ingeridas e o equilíbrio nutricional.
nior et al., 2006) e pela falta de informação. A primeira preocupação do consumidor na
Na opinião de Perosa et al. (2004) a falta de aquisição dos bens de consumo é satisfazer
informação provoca desconhecimento das as suas necessidades fisiológicas básicas,
propriedades nutritivas do mel, que passa a de fome e sede (Eurostat, 2008). Tal como
ser consumido exclusivamente como remédio se pode verificar na figura 5, as duas prin-
e não como alimento. Segundo Pérez et al. cipais formas de utilização do mel foram,
104 REVISTA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
designadamente, a mistura com outros ali- alguns países como adoçante. (Villalobos et
mentos (60,5%) e como remédio (41,9%). al., 2006).
Villanueva et al. (2002) e Júnior et al. (2006) Segundo Júnior et al. (2006), os critérios
concluiriam que os indivíduos utilizam o mel mais utilizados para a compra de mel são a
como substituto dos medicamentos, sobretu- aparência, a cor e a densidade. Pelos resulta-
do, quando estão constipados, registando-se dos apresentados na figura 6 verifica-se que as
um maior consumo em épocas de Inverno. O preferências dos inquiridos recaem sobre o mel
mel como remédio foi descoberto pelos nos- nacional e regional (70,9%). Os respondentes
sos antepassados de forma empírica e desde justificam esta escolha através dos motivos
há muito tempo que se conhecem, entre ou- “conhece e gosta”, “sabor e qualidade”, “ofere-
tras, as suas propriedades antissépticas, die- cido”, “produtor”, “melhor e mais disponível”,
téticas, edulcorantes, tonificantes, calmantes, “sabor intenso”, “contribui para a economia do
laxantes e diuréticas (Liviu et al., 2009), para país”, “é da região e têm mais sabor”, “confian-
além de ser utilizado tradicionalmente em ça e sabor”, e o “nacional é que é bom”.
Compreender como é que as pessoas cons- forma de valorizar o produto junto do consu-
cientemente confeccionam as suas refeições midor (Serra, 2008) Por outro lado, o mel pode
pode-nos fornecer uma visão interna de como ainda ser usado como adoçante, o que constitui,
o processo comportamental e social está pre- na opinião de Villalobos et al. (2006) e Serra
sente na escolha dos alimentos. A escolha do (2008), uma saudável alternativa ao açúcar.
alimento está associada a um leque de acções Segundo o MADRP (2007) o preço médio
que inclui a aquisição, a preparação e a forma do mel na produção tem tido uma tendência de-
de consumo, por isso, o consumidor apresen- crescente desde o ano de 2003 no mercado por-
ta tanto decisões conscientes como decisões tuguês. Em contrapartida, os meios de produção
inerentes ao subconsciente, a que Blake et al. utilizados evidenciam uma tendência crescente
(2008), classifica como decisões habituais ou (MADRP, 2007). Segundo esta mesma fonte, a
automáticas. Para influenciar essas decisões produção na base da qualidade garantida tem
automáticas recorre-se à publicidade. tido uma tendência de evolução inversa, no que
Vários estudos no mundo inteiro, examina- diz respeito aos preços. Em 2005, os preços do
ram como a publicidade de bens alimentares mel ao produtor com DOP e sem DOP eram
se dirige a públicos específicos. Regra geral, de 3,15 €/kg e 2,5 €/kg, respectivamente, en-
estes estudos mostraram que esta publicidade quanto que o preço ao consumidor final do mel
especializada está dominada por anúncios a sem DOP era, nesse mesmo ano de 4,83 €/kg,
alimentos altamente calóricos e de baixo valor passando a ser de 5 €/kg no ano de 2006.
nutritivo, em que a mensagem transmitida cau- A figura 8 mostra que apenas 9,1% dos in-
sa grande impacto nas preferências de consumo quiridos considera que o mel é um produto
(Radnitz et al., 2009). Todavia, os considera- caro ou muito caro, resultados idênticos fo-
dos “comportamentos-modelo” por figuras que ram obtidos por Villanueva et al. (2002).
se reverencie, podem anular as influências da
publicidade comercial e incutir o consumo de
produtos saudáveis (Radnitz et al., 2009).
Pela análise da figura 7, observa-se que quan-
do questionados acerca de terem ou não visto
publicidade ao mel, 59,4% dos inquiridos res-
ponderam que já viram publicidade sobre o mel.
Contudo, verifica-se que existe uma grande per-
centagem (40,6%) que não tem conhecimento
ou nunca viu publicidade dirigida a este pro-
duto. Deste modo, seria importante promover
campanhas publicitárias para incentivar o hábi- Figura 8 – Opinião dos inquiridos relativamente
to de consumo de mel de abelha e informar o ao preço do mel.
consumidor das suas propriedades e seus bene-
fícios para a saúde. Esta informação seria uma Na opinião dos inquiridos, em média, o pre-
ço justo do mel ao consumidor é de 3,53 €/Kg,
o valor máximo referido é de 7,5 €/kg e que o
valor mínimo é de 2,50 €/kg. Contudo, existem
diferenças de opiniões quando se comparam
os inquiridos consumidores com os inquiridos
consumidores e produtores não profissionais
(Quadro 2). Como seria de prever aqueles
que se dedicam à produção consideram que o
preço justo deveria ser em média de 4,4 €/kg
enquanto que os consumidores consideram um
Figura 7 – Já viu publicidade ao mel? preço justo em média de 3,4 €/kg.
PRODUTOS ALIMENTARES TRADICIONAIS: HÁBITOS DE COMPRA E CONSUMO DO MEL 107
A cor do mel reflecte a sua composição, mel de urze é dos que apresenta teores mais
sendo tanto mais escuro quanto maior é elevados em compostos fenólicos, a maior
o teor de substâncias minerais presentes. capacidade antioxidante e o maior poder de
(Marchini et al., 2005). A origem floral do resgate de radicais livres, sendo também o
mel está intimamente associada a aspectos mel mais escuro (Serra, 2008).
organolépticos como a cor e o sabor, sendo Dos factores ilustrados na figura 9 aqueles
utilizada para a tipificação do mel como me- que mais são valorizados pelo consumidor
dida de valorização do produto. Além da cor, destacam-se o paladar (52,3%), seguido da
o aroma e o sabor também são importantes cor (35,5%). O preço foi o factor menos va-
no critério qualitativo essencial que tem sido lorizado pelo consumidor (14%).
adoptado para a escolha de mel pelos impor- A cor do mel é uma característica física
tadores, processadores e consumidores. O importante que depende da origem floral do
produto que, para além de ser uma medida Relativamente ao local eleito para a com-
de valorização do produto (MADRP, 2007) pra ou aquisição do mel pode observar-se
é também um factor que tem influência na pela figura 11 que cerca de 52% dos inquiri-
escolha do bem alimentar por parte do con- dos elegem como local de preferência para a
sumidor (Schweitzer, 2008). No mercado compra de mel a aquisição directa no produ-
mundial, o mel é avaliado pela sua cor e méis tor, sendo de realçar também a percentagem
claros alcançam valores de mercado mais considerável de mel é oferecido (40%). Isto
elevados do que os escuros. A cor do mel justifica-se devido ao grande número de pro-
está correlacionada com a sua origem floral, dutores existentes na região e porque os pro-
processamento e armazenamento, factores dutores são considerados pelos consumido-
climáticos durante o fluxo do néctar e a tem- res locais de compra fiáveis, sobretudo pela
peratura na qual o mel amadurece na colmeia relação de proximidade que estabeleceram
(Almeida, 1992; Aroucha et al., 2008). Por e mantêm. Acreditam assim que adquirindo
outro lado, estes autores (2008) argumen- o mel directamente ao produtor conseguem
tam que o tempo de armazenamento, a luz, reduzir as possibilidades de adulteração da
o calor e as possíveis reacções enzimáticas qualidade (Júnior et al., 2006). Na opinião de
podem afectar a coloração do mel. Lacerda et al. (2008), cada vez mais os con-
Sendo a cor o segundo factor mais valo- sumidores manifestam preferências e valori-
rizado pelos inquiridos na compra do mel, zam os méis oriundos de regiões particulares,
questionaram-se os consumidores sobre a sua com origem e método de produção conheci-
preferência quanto a este atributo. Verificou- do e que apresentam características de sabor,
se que para 38,4% dos respondentes a cor é cor e conteúdo bem definido.
indiferente (figura 10). Na opinião destes, Quando consumimos um produto alimen-
umas vezes compram mel claro outras vezes tar líquido, o alimento está sempre rodeado
compram mel escuro, dependendo do tipo de por uma embalagem. No entanto, esta pos-
utilização que dão ao mel. Normalmente, as sui em relação ao produto, uma tripla fun-
pessoas optam por comprar um mel mais es- ção: resguardo, conservação e divulgação.
curo quando o utilizam como remédio e op- Com efeito, existe por parte dos empresários
tam por comprar um mel mais claro quando a preocupação de determinar a procura do
o utilizam na culinária. Há ainda aqueles que, bem, partindo do conhecimento das neces-
como gostam muito de mel é-lhes indiferente sidades e psicologia do consumidor, para
a cor. Na opinião de Lacerda et al. (2008), posteriormente edificar uma plataforma de
a cor é uma das características do mel que actividades comerciais adequadas às suas
mais influencia na preferência do consumi- motivações e/ou despertar as preferências
dor, a maioria das vezes a escolha do produto dos potenciais compradores. O recipiente
é feita apenas pela aparência. tem um papel importante nas prateleiras dos
supermercados, porque pode sugerir uma
certa identidade para o seu conteúdo que
pode realçar ou interferir na sua identifica-
ção e avaliação.
A escolha de um determinado recipiente
alterará o modo como o alimento é percebido
e experimentado durante o consumo. Devido
a uma tendência direccionada para um au-
mento da conveniência do consumidor, mais
e mais alimentos tendem a estar disponíveis
em embalagens de onde podem ser consu-
midos directamente. Como consequência, o
Figura 10 – Cor do mel preferida pelos inquiridos. efeito das características da embalagem na
PRODUTOS ALIMENTARES TRADICIONAIS: HÁBITOS DE COMPRA E CONSUMO DO MEL 109