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Texto Complementar

Disciplina: Prática de Ensino Trajetória da Práxis

Professor: Bruno César

Escrita profissional: a importância dos registros feitos pelos professores.

Do planejamento à avaliação, a documentação é uma ferramenta indispensável para


organizar, analisar e reavaliar a prática docente.

Luiza Andrade

Para quem dá aulas, o registro representa muito mais que um roteiro de aula ou uma
enumeração de atividades desenvolvidas com a turma. Escrever sobre a prática faz pensar e
refletir sobre cada decisão que foi ou será tomada, permitindo aprimorar o trabalho diário e
adequá-lo com frequência às necessidades dos alunos.
O que não falta no dia a dia do professor são oportunidades para colocar ideias e reflexões no
papel - ou na tela do computador. Ao fazer o planejamento, por exemplo, ele pode antecipar o que
pretende alcançar em sala e pensar em como trabalhar com o grupo. "Sem essa reflexão, o
docente corre o risco de estar sempre improvisando", diz Paula Stella, coordenadora pedagógica
do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo.
Já ao elaborar registros ou anotações depois das aulas, é possível se questionar sobre o que
aconteceu em classe e identificar as conquistas da turma e os conteúdos que ainda precisam ser
mais bem trabalhados. "Ao escrever, é inevitável que surjam perguntas sobre se a organização da
sala colaborou ou não para atingir os objetivos desejados. O saldo da avaliação serve de base
para o planejamento de ações futuras", afirma Paula. É preciso, porém, diferenciar os vários tipos
de registro.
Segundo o educador espanhol Miguel Zabalza, "há aqueles com características basicamente
burocráticas. São os que contêm apenas os temas abordados, as presenças e as faltas. Seu valor
é relativo e têm pouco a ver com a qualidade do trabalho docente". Os mais interessantes são os
que se referem às discussões críticas da turma, apresentam observações sobre o processo de
ensino e aprendizagem, reproduzem frases das crianças e reúnem exemplos da produção. "Ou
seja, são os que permitem construir o círculo da qualidade de ensino: planejar, realizar,
documentar, analisar e replanejar", completa Zabalza.
Criar um ciclo como esse - em que os registros das aulas alimentam novos planejamentos,
dos quais nascem projetos enriquecidos - não é tarefa simples. De acordo com a educadora
Madalena Freire, uma das maiores dificuldades é inserir essa prática na rotina como uma tarefa
indispensável: "A escrita reflexiva é uma arma de apuração do pensar. E, para fazê-la, é preciso
reservar tempo". Outro desafio é o uso que se faz dessa documentação. Ela já é válida por si só,
mas ganha outra dimensão quando compartilhada com o coordenador pedagógico.

Em parceria é melhor
Em cada uma das escritas reflexivas feitas pelo professor, há elementos para que ele cresça
como profissional e melhore seu desempenho, desde que elas sejam compartilhadas com um
formador que o oriente. Esta é uma das mais importantes funções do coordenador pedagógico:
enxergar as conquistas dos membros da equipe e as dificuldades que cada um enfrenta em sala
de aula para escolher a melhor maneira de orientá-los. É o que relata Regina Scarpa,
coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita (FVC), no livro Era Assim, Agora Não...:
"As intervenções que (eu) realizava (como coordenadora pedagógica) tinham como objetivo
fornecer aos professores novas informações e critérios para que assim reavaliassem sua prática
pedagógica, reinterpretando-a agora com novos referenciais". Pensando nisso, professores e
coordenadores da EM Dr. Euzébio Dias Bicalho, em São Gonçalo do Rio Abaixo, a 84 quilômetros
de Belo Horizonte, aproveitam reuniões periódicas para avaliar os registros e colocar melhorias
em prática.
A professora Edilene Chaves Conazart faz parte do grupo e conta que juntos eles percebem
conquistas, limites e obstáculos. Em uma ocasião, a coordenadora pedagógica Arethusa da Costa
Carvalho Assis pediu que ela registrasse mais que os alunos falavam durante as atividades.
"Depois dessa conversa, os relatórios ficaram mais ricos e foi possível dar mais atenção a
conteúdos como a participação das crianças nos grupos e a cooperação entre elas", conta
Edilene. "Senti falta também de relatos sobre as atividades de História e Geografia", lembra
Arethusa. Essa dica serviu para que a professora desse mais atenção a essas disciplinas, já que
a tendência dela era propor mais trabalhos com Língua Portuguesa. Juntas elas preparam o
gráfico de rendimento dos estudantes e analisam os avanços da turma.
Os registros podem ser: planejamento (atividade permanente, sequência didática e projeto
didático), de classe (notas, pautas de observação e diários) e avaliação (relatórios individuais e
coletivos). Alguns são mais usados, como os diários, que, pela sua flexibilidade, permitem cobrir
diversos propósitos. "Eles podem ser documentos pessoais para descarregar as próprias tensões;
um instrumento de observação, que sirva de espaço para documentar as situações interessantes
que ocorrem em classe; um dispositivo que auxilie no planejamento do trabalho do professor com
o projeto educativo em vigor; ou um recurso de investigação para analisar os dados que se queira
estudar", esclarece Zabalza. Conheça os vários tipos de registro e a melhor maneira de elaborá-
los.

Planejamento
A professora Maria Lima Cena, da 2ª série da EMEF Ângela Bezerra, em Serra Pelada, a 800
quilômetros de Belém, faz o planejamento de todas as aulas. "Comecei a programar o que ia falar
aos alunos no encaminhamento das atividades. Enquanto escrevia, previa situações que
poderiam acontecer", conta Maria. De acordo com os objetivos de ensino, é possível prever
diferentes modalidades organizativas dos conteúdos:

ATIVIDADE PERMANENTE
O que é:
Trabalho didático realizado regularmente (diária, semanal ou quinzenalmente), como ler para os
alunos, organizar rodas de conversa e reservar uma aula da semana para a produção de pinturas
e desenhos no ateliê.
Objetivos:
Familiarizar a turma com um conteúdo e formar hábitos. Ao fazer leituras diárias, por exemplo, as
crianças aprendem sobre a linguagem escrita e desenvolvem comportamentos leitores.
Organização:
Prever objetivos, conteúdos, duração da atividade, materiais necessários e como será feita a
avaliação.
Como usar:
Realizar atividades permanentes não significa fazer sempre a mesma coisa. A proposta deve ser
empregada com regularidade durante o ano ou um semestre e oferecer novos desafios (rodas de
leitura em que livros cada vez mais difíceis são lidos pelo professor).

SEQUÊNCIA DIDÁTICA
O que é:
Série de atividades envolvendo um mesmo conteúdo, com ordem crescente de dificuldade,
planejadas para possibilitar o desenvolvimento da próxima.
Objetivo:
Ensinar conteúdos que exijam tempo para aprender e aprofundamento gradual, como o
reconhecimento das características de uma paisagem brasileira em Geografia, uma série de
experiências para observar a ação de micro-organismos em Ciências ou a leitura da obra de um
autor em Língua Portuguesa.
Organização:
Prever a ordem em que as atividades serão propostas, os objetivos, os conteúdos, os materiais,
as etapas do desenvolvimento, a duração e a maneira como será feita a avaliação.
Como usar:
A maioria dos conteúdos exige tempo para aprender. Por isso, a sequência didática é a
modalidade organizativa mais presente no planejamento. Escolher os conteúdos mais importantes,
organizar a série, garantindo a continuidade, e distribuí-los durante o ano. O número de atividades
de cada sequência é variado, assim como o tempo de duração (ambos dependem do objetivo e
da resposta da turma às propostas).

PROJETO DIDÁTICO
O que é:
Conjunto de ações para a elaboração de um produto final que tenha uso pela comunidade escolar.
Uma de suas características é envolver a turma em todas as etapas do planejamento.
Objetivo:
Reunir conteúdos abrangentes, atingindo propósitos didáticos e sociais. Um projeto de leitura e
escrita, por exemplo, em que os estudantes fazem um livro de receitas ensina a ler e escrever e
trabalha com valores nutricionais. Pode ter como meta mostrar à comunidade como aproveitar as
frutas regionais.
Organização:
Prever os momentos de planejamento e de discussão em grupo e os de trabalhos individuais.
Colocar justificativas, aprendizagens desejadas,etapas do desenvolvimento, produção, maneiras
de divulgar o produto final, duração e avaliação final.
Como usar:
A duração é variada, mas sempre ocupa dois meses ou mais. Por isso, o ideal é propor um ou
dois por ano para cada turma. Desenvolve-se o conjunto das atividades do projeto sem
abandonar as atividades permanentes e as sequências didáticas.
Registros de classe
Notas, pautas de observação e diários ajudam a acompanhar o desenvolvimento dos alunos e
são uma fonte de aprendizado para o professor. Juliana Diamente, que dá aulas para a 1ª série
da EE Professor Flávio Xavier Arantes, em Guarulhos, na Grande São Paulo, elabora pautas de
observação ao menos seis vezes por ano: "Com elas, consigo verificar a evolução da turma ao
longo do ano e ganho dados para fazer avaliações". Conheça os modelos de registros de classe:

NOTAS
O que são:
Anotações curtas feitas nas aulas, como frases, comentários dos alunos, perguntas e dúvidas
levantadas por eles, conteúdos a serem pesquisados, informações para checagem etc.
Objetivo:
Lembrar momentos importantes e não perder dados significativos do processo de ensino e
aprendizagem.
Organização:
Deixar sobre a mesa uma prancheta, sulfites e canetas. Não é preciso se preocupar com a ordem
nem com a profundidade dos apontamentos.
Como usar:
Elas serão a base de planejamentos futuros, relatórios mais detalhados sobre projetos ou
atividades e dos relatórios de avaliação dos alunos.

PAUTAS DE OBSERVAÇÃO
O que são:
Tabelas de duas ou mais entradas, nas quais aparecem o nome dos alunos e os conteúdos
didáticos ou atitudinais a ser observados.
Objetivo:
Acompanhar a evolução do aprendizado de um ou mais conteúdos ao longo do ano.
Organização:
Tabular os nomes e os aspectos a serem analisados. Legendar a tabela com conceitos ou cores
referentes a um estágio de aprendizagem. Preencher durante ou logo após a atividade.
Como usar:
De tempos em tempos, é preciso fazer a análise e a comparação das tabelas. Quanto maior a
frequência com que elas forem preenchidas e analisadas, mais informações se têm sobre o
avanço de cada estudante e mais rápido é possível fazer intervenções.
DIÁRIOS DE AULA
O que são:
Narrativas sobre o que aconteceu na sala de aula, tanto em relação a comentários e produções
dos alunos como em relação a si mesmo (impressões e reflexões).
Objetivos:
Refletir sobre o planejamento e sua adequação às necessidades dos alunos, ter pistas sobre os
rumos que se pode tomar, documentar o trabalho feito com a turma e aprofundar ideias para
serem usadas no futuro.
Organização:
Ter um caderno reservado para o diário (ou um arquivo no computador) e escrever nele logo
depois da aula, ou nos dias posteriores, para que os fatos não sejam esquecidos. O mais
importante é registrar o maior número possível de dados, sempre refletindo e avaliando a prática
pedagógica e não apenas listando as atividades.
Como usar:
Uma das principais utilidades é o compartilhamento com o coordenador pedagógico, que poderá,
com base nas reflexões do docente, ajudar a reavaliar sua prática pedagógica. O ideal é escrever
com frequência e recorrer aos diários quando planejar e avaliar.
Avaliação
Reunir o material produzido por cada aluno e relembrar as vivências em sala para fazer um
relatório requer dedicação. A professora Simone Figliolino, da EMEF Zilka Salaberry de Carvalho,
em São Paulo, vê nesse documento que prepara regularmente para mandar aos pais uma forma
de relacionar a teoria com a prática: "Depois de algum tempo, retorno a eles e aprendo com as
situações".

RELATÓRIO:
O que é:
Avaliação do desempenho de uma criança ou do grupo durante um determinado período.
Objetivo:
Documentar o desempenho dos estudantes para comunicar às famílias as aprendizagens.
Organização:
Pautas de observação, notas e diários são fundamentais na hora de elaborar os relatórios. Nas
escolas onde não há um modelo, uma dica é começar com um breve relato do que foi trabalhado
com a turma naquele período. Em seguida, para cada aluno, relatar como foi o avanço global em
relação aos objetivos iniciais. Vale lembrar que elementos como falas e desenhos enriquecem o
registro e facilitam o diálogo com a família. O coordenador pedagógico deve aparecer como
corresponsável pelo documento, com quem o professor compartilha o material e reflete sobre ele.
Como usar:
Cada escola trabalha com uma periodicidade para enviar a avaliação aos pais - bimestral,
trimestral ou semestralmente. Em todos os casos, é preciso começar a produção dos relatórios
com antecedência, pois o detalhamento requer tempo e reflexão.

BIBLIOGRAFIA
Diários de Aula - Um Instrumento de Pesquisa e Desenvolvimento Profissional, Miguel
Zabalza, 160 págs, Ed. Artmed.
Era Assim, Agora Não..., Regina Scarpa, 128 págs., Ed. Casa do Psicólogo.

Texto publicado em NOVA ESCOLA Edição 219, Janeiro/Fevereiro 2009.


http://revistaescola.abril.com.br/planejamento-e-avaliacao/planejamento/escrita-
profissional-427279.shtml acessado em 28/01/2013.

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