Você está na página 1de 12

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/20862/avaliacao-formativa-
corrigindo-rotas-para-avancar-na-aprendizagem
Publicado em NOVA ESCOLA 24 de Janeiro | 2022

Avaliação

Avaliação formativa:
corrigindo rotas para
avançar na aprendizagem
Processo avaliativo constante e com instrumentos
diversificados permite mapear o conhecimento dos
estudantes para orientar o planejamento docente e fazer
intervenções pedagógicas mais assertivas
Ingrid Yurie

A professora Elisa Vilalta, que utiliza avaliação formativa, na Escola Municipal


Arnon Afonso Farias de Mello, em Maceió (AL). Crédito: Itawi
Albuquerque/NOVA ESCOLA
Todo final de bimestre, a professora Elisa Vilalta, que leciona História para os
anos finais do Ensino Fundamental na rede municipal de Maceió (AL), deparava-
se com frustrações comuns a muitos educadores: constatar ao término de um
período que alguns estudantes não desenvolveram as aprendizagens
esperadas. Além disso, ela também observava que outros alunos, apesar de
demonstrarem o domínio do conhecimento, não o expressavam na prova e
tiravam notas baixas, o que os deixava desmotivados.
“Eu me dei conta de que fazia mais sentido verificar as dificuldades dos alunos
no meio do caminho, em diferentes momentos e de formas diversas, do que
deixar para o final do bimestre, quando não dá mais para voltar atrás ou
mesmo oferecer outras ferramentas para eles mostrarem o que sabem”, relata
a educadora sobre o motivo que a levou a trabalhar com a avaliação formativa.
Nesse tipo de avaliação, o professor investiga durante todo o tempo, na sala de
aula, se os alunos estão ou não aprendendo e por quê. Essas informações
servem para replanejar as atividades seguintes, de modo a atender às
necessidades da turma ou de grupos de estudantes. Também permitem ao
docente dar as orientações que os alunos precisam para se desenvolverem
melhor, estimulando o protagonismo deles.
A abordagem acompanha uma mudança de foco do ensino para a
aprendizagem, reforçada sobretudo pela Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), e respeita o fato de que os estudantes possuem ritmos e maneiras
variadas de aprender. Desconstrói, ainda, a responsabilização única dos alunos
pelas lacunas em suas aprendizagens.
“Aprender faz parte do direito à educação. Se o aluno não desenvolveu uma
habilidade prevista ao final de um período e nada for feito em relação a isso, ele
está sendo aviltado do seu direito”, ressalta Rodrigo Fonseca, docente,
mestrando em formação de professores, currículo, trabalho docente e avaliação
na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e sócio-diretor do Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Consultoria (Nipec).
No contexto da retomada das aulas presenciais, a avaliação formativa pode
apoiar a progressão das aprendizagens, uma vez que oferece possibilidades de
trabalho com estudantes em diferentes níveis de aprendizagem, e também
proporcionar a utilização de metodologias ativas, que costumam engajar mais
os alunos nas atividades. Além disso, seu planejamento exige considerar os
sujeitos e suas realidades, levando em conta as experiências que tiveram
durante a pandemia. “Dessa maneira, a escola se torna um ambiente mais
favorável para que as aprendizagens possam acontecer”, completa Rodrigo.
Avaliar para intervir
Para iniciar o processo de avaliação formativa no começo de um ano letivo, por
exemplo, o professor pode partir de uma avaliação diagnóstica, que busca
compreender o que os estudantes sabem sobre determinado assunto ou objeto
de conhecimento, quais as suas lacunas e, principalmente, quem são esses
alunos e em que contexto estão inseridos. Esses dados possibilitam
personalizar o processo de ensino e aprendizagem de forma contextualizada e
significativa para os alunos.
Rodas de conversa, brincadeiras e atividades mão na massa costumam ser
indicadas para levantar essas informações, que vão embasar o planejamento
pedagógico. Essa etapa dialoga bem com a metodologia do planejamento
reverso: primeiro o professor define os objetivos de aprendizagem que deseja
alcançar, bem como o que ele espera que os alunos façam para mostrar que
atingiram essa aprendizagem, e depois planeja como alcançá-los.
“Se tenho o objetivo de fazer com que os alunos usem informações científicas
para produzir um discurso sobre mudanças climáticas, por exemplo, preciso
definir o que eles têm de realizar para mostrar que esse objetivo foi atingido e
como vou observar e registrar isso”, orienta Heloize Charret, cofundadora da
MAPA Metodologias Ativas, startup carioca voltada para a formação de
educadores.
Ao longo das atividades, cabe ao professor acompanhar e registrar as
evidências de aprendizagem, tanto em relação aos objetos de conhecimento
quanto às competências gerais propostas pela BNCC. “Também é relevante
promover oportunidades de avaliação em diferentes momentos do processo
para que a percepção seja a mais fiel possível”, pondera Kátia Chiaradia,
professora, formadora de docentes, integrante do time de autores da NOVA
ESCOLA e consultora pedagógica desta reportagem.
O trabalho com avaliação formativa é fortalecido quando apoiado pela escola e
compartilhado entre professores e gestores. Crédito: Itawi Albuquerque/NOVA
ESCOLA
Evidências de aprendizagem e trilhas personalizadas
Após coletar e analisar as evidências de aprendizagem, volta-se ao
planejamento para redefinir as atividades seguintes de acordo com o
desenvolvimento apresentado pela turma. É possível estabelecer um objetivo
comum para todos e trilhas personalizadas para grupos de estudantes com o
mesmo perfil de aprendizagem – por exemplo, aqueles que estão com mais
dificuldades, os que compreenderam parcialmente e os que já estão
dominando o assunto –, para a realização de atividades específicas. Isso não
pode significar, contudo, um ranking ou uma separação entre os estudantes.
“O professor pode compartilhar com os alunos as devolutivas sobre suas
progressões, mas a classificação é exclusiva do professor, para não transformar
diferenças em desigualdades”, alerta Rodrigo Fonseca. Ele sugere propor
trabalhos em grupos homogêneos perante determinada aprendizagem e,
depois, atividades em grupos heterogêneos.
Para finalizar o processo, pode haver uma avaliação somativa para verificar se
os objetivos de aprendizagem definidos foram atingidos. “Não tem problema se
for uma prova tradicional, porque o foco não está nos instrumentos que serão
utilizados. O que faz algo ser formativo é responder a uma pergunta: e daqui
para frente, o que eu faço com esse resultado?”, aponta Katia Smole Stocco,
diretora do Instituto Reúna, organização que visa apoiar a implementação da
BNCC, e fundadora do Grupo Mathema, que trabalha com formações em
Matemática.
O percurso da avaliação formativa
A avaliação formativa está no centro da ação de formação do aluno. Confira um
caminho possível, que pode ser adaptado a diferentes demandas e realidades.

1. Mapear
No começo de um programa ou uma unidade temática, a avaliação diagnóstica
(também chamada de prognóstica ou sondagem) permite identificar os
conhecimentos prévios dos estudantes e eventuais lacunas para traçar a
progressão das propostas. Ela tem, portanto, a função de permitir um ajuste no
planejamento do professor. Além de instrumentos mais tradicionais, como
provas, as rodas de conversa e atividades mão na massa são ideais para esse
tipo de mapeamento.
2. Planejar
Com o resultado da avaliação diagnóstica e os objetivos de aprendizagem
definidos, é possível desenhar o percurso pedagógico e as experiências
didáticas que acontecerão em determinado período de tempo.

3. Intervir e avaliar
Conforme as aulas acontecem, a avaliação formativa está sempre em cena para
acompanhar o desenvolvimento dos estudantes. Vale desde autoavaliação e
avaliação por pares até andar pela sala e anotar como vão as discussões em
grupo. Para isso, é essencial que o professor tenha intencionalidade
pedagógica, ou seja, tenha claro para si as aprendizagens que está buscando
reconhecer naqueles alunos após o processo de estudo – com critérios e
expectativas bem desenhadas, por exemplo, por rubricas, isto é, descrição dos
níveis de desempenho esperados na realização de determinada atividade.

4. Analisar
As informações obtidas permitem uma análise do desenvolvimento da turma e
de cada estudante em relação aos objetivos de aprendizagem esperados. A
avaliação formativa deve ser “informativa” para o professor, do início ao fim,
respondendo a perguntas como “o que meus alunos devem saber sobre esse
assunto?” e “que informações sobre o aprendizado dos meus estudantes
consigo obter aqui?”.
5. Replanejar e intervir
Com a análise feita, é hora de planejar novas intervenções, que sirvam para
retomar ou reforçar alguns pontos. Por exemplo, elaborar novas atividades
inicialmente não planejadas ou, ainda, organizar uma nova sequência de aulas.

6. Finalizar
Ao final, a avaliação somativa (também chamada de cumulativa, formal ou
simplesmente “prova”) verifica o que o aluno alcançou em relação ao que foi
planejado. Por isso, ela é sempre terminal e mais global. Vale considerar esses
resultados como parte da avaliação diagnóstica da próxima etapa.
Ilustrações: André Asahida

Trabalhando com rubricas em uma atividade sobre evolucionismo e


criacionismo
Ao abrir a possibilidade de promover alterações no planejamento no meio do
processo, a avaliação formativa traz novas oportunidades de aprendizagem aos
estudantes, mas também dá ao educador a tarefa de aprender a registrar e
sistematizar as observações no cotidiano escolar. E o desafio não é pequeno: as
salas costumam ter muitos alunos, e o tempo é curto. Nesse sentido, o trabalho
por rubricas pode auxiliar.
Para cada um dos objetivos de aprendizagem definidos, o professor pode
elaborar três ou quatro gradações de nível de aprendizagem, que podem ser
construídas e compartilhadas com os estudantes. Elas indicam desde o
conteúdo mínimo que o aluno precisa saber ou fazer para que se possa
considerar que aprendeu algo até o pleno domínio do objeto de conhecimento.
Foi assim que trabalhou a professora Elisa Vilalta em uma sequência didática de
História para os 6º e 7º anos da Escola Municipal Arnon Afonso Farias de Mello,
em Maceió (AL). Para começar, definiu seus objetivos: que os estudantes
levantassem hipóteses sobre o surgimento dos seres humanos na Terra e
aprendessem a definir e diferenciar as teorias do criacionismo e do
evolucionismo.
Os estudantes foram então divididos em quatro grupos. Dois deles estudaram
documentos sobre evolucionismo, e os outros dois, sobre criacionismo; depois,
realizaram um debate. Cada grupo explicou ao outro a teoria que havia
pesquisado, enquanto elaborava um mapa mental com as diferenças entre os
conceitos.
“Compartilhei com eles os critérios de avaliação e fui circulando pela sala para
ouvir as conversas, observar os mapas mentais e fazer questionamentos para
ajudá-los a chegar às respostas das dúvidas que tinham. Também aproveitei
para avaliar a maneira deles de trabalhar em grupo e expor as opiniões aos
colegas”, relata Elisa.
Ao mesmo tempo, ela registrava discretamente suas percepções em uma tabela
com os objetivos de aprendizagem desmembrados em rubricas. Como legenda,
costumava usar sinais e desenhos, como bolinhas e estrelas, que indicavam o
nível de aprendizagem conquistado. “Visualmente, faz mais sentido para mim
do que nomear como ‘demonstrou’ ou ‘demonstrou parcialmente’, porque fica
muito fechado, rotula”, diz.
Depois, a turma fez junto com a professora uma grande sistematização na lousa
para consolidar os conhecimentos e arrematar eventuais dúvidas. Por fim, os
estudantes também preencheram um questionário de autoavaliação.
“O mais difícil, ao começar a trabalhar com a avaliação formativa, foi mudar o
jeito de planejar e acostumar os estudantes a essa nova forma de aprender.
Mas depois de muito trabalho e diálogo, vi que eles começaram a se sentir mais
seguros, menos tímidos ao se expor. Estavam mais donos de seus percursos de
aprendizagem e percebendo melhor seus avanços e potências”, observa a
educadora.
Durante a pandemia, Elisa adaptou a avaliação formativa contando apenas com
o uso do WhatsApp. Pelo aplicativo, apresentava aos estudantes a proposta e o
objetivo das atividades e depois as enviava acompanhadas de autoavaliações.
“Foi possível coletar bastante material com quizzes virtuais, fotos e áudios dos
alunos comentando o que estávamos fazendo”, afirma.
Ela cita como exemplo o estudo da mitologia grega. “Cada estudante pesquisou
sobre um deus grego e gravou um vídeo apresentando a figura mitológica
escolhida. Para avaliar, usei esses registros, uma autoavaliação e uma avaliação
entre pares.”

A professora Elisa preparou fichas sobre evolucionismo e criacionismo para


realizar uma sequência didática com os alunos. Crédito: Itawi
Albuquerque/NOVA ESCOLA
Metodologias ativas e avaliação formativa: a combinação ideal
Como a avaliação formativa ocorre durante o próprio processo de ensino e
aprendizagem, é indicado o uso de metodologias ativas, que estimulam o
protagonismo do aluno e permitem à turma aprender e demonstrar seu
desenvolvimento de formas variadas. “Tem estudante que se dá melhor
desenhando; outro, escrevendo. É importante oferecer vários instrumentos
para que não se sintam desconfortáveis em serem quem são”, diz Kátia
Chiaradia, do time de formadores da NOVA ESCOLA.
O júri simulado é uma das metodologias ativas com as quais o professor de
Geografia Anderson Clayton Candido da Silva, da rede municipal de Volta
Redonda (RJ), mais gosta de trabalhar com suas turmas dos anos finais do
Ensino Fundamental. Segundo ele, a metodologia motiva os estudantes e
oferece possibilidades ricas de observação.
Ele conta que costuma selecionar um tema polêmico e organizar os estudantes
em equipes, que devem estudar e preparar seus argumentos para defender um
ponto de vista. Ele dá como exemplo a discussão que realizou sobre os conflitos
na Palestina. “Eu levantava a problematização, observava os estudantes e fazia
anotações ao lado do nome de cada um. Percebi que eles ainda não haviam
aprendido conceitos como Estado, nação, país e povo”, relata.
A atividade não valeu nota, mas serviu para o professor corrigir o percurso.
Durante o bimestre, ele abordou esses conceitos novamente, de diferentes
formas, e, ao final do processo, aplicou uma avaliação somativa.
“A primeira mudança que percebi foi ver os alunos mais engajados deixando de
lado o ‘estudar para a prova’. Mais do que isso, também consigo me avaliar,
porque me indica os pontos que eu posso ensinar de uma forma melhor”, conta
o educador.
Abertura para o novo e replanejamento
Na Escola da Serra, instituição particular em Belo Horizonte (MG), não há provas
tradicionais nem notas. Os estudantes são avaliados de maneira formativa
constantemente. Enquanto eles desenvolvem roteiros de estudo
individualmente ou em grupo, os professores circulam pelo espaço mediando
as aprendizagens, observando os processos, conversando com eles e
registrando as percepções que têm do desenvolvimento dos estudantes. Assim,
as correções de rota da aprendizagem acontecem em tempo real e de maneira
personalizada.
“Nesse contexto, o professor tem que estar aberto para o que os alunos trazem
e usar isso a favor do prazer em aprender”, afirma Sara Villas, professora de
Ciências Humanas da escola.
No ano passado, por exemplo, um estudante que tinha facilidade em resolver
um cubo mágico propôs um campeonato entre os colegas do ciclo, que
corresponde aos anos finais do Ensino Fundamental. A escola não só incentivou
a realização do evento como considerou o momento na avaliação dos
estudantes.
“Eles montaram uma comissão e organizaram tudo: os recados para as famílias,
as regras do jogo e um formulário para inscrição. Isso não estava previsto no
planejamento, mas não há como ignorar a aprendizagem que envolve. Por isso
é importante ter espaço para a escuta verdadeira dos alunos. Trabalhar com
avaliação formativa é estar vivo e aberto ao replanejamento e, principalmente,
aos estudantes”, finaliza a professora Sara.
Elementos para uma boa avaliação formativa
Mudanças de concepção e na relação com os estudantes são necessárias para
que a abordagem funcione
Formação e experimentação. Para começar a trabalhar com a avaliação
formativa, é importante estudar não só a abordagem em si, mas também
outros conceitos que enriquecem a prática, como o planejamento reverso, as
metodologias ativas e as rubricas. Além disso, é importante ter a oportunidade
de experimentar como “aluno” o que é um processo de avaliação formativa,
uma vez que a formação docente inicial tem uma perspectiva muito diferente.
“Não adianta só mudar o instrumento de avaliação, é importante mudar
concepções”, diz Katia Smole, diretora do Instituto Reúna, que desenvolveu um
projeto específico sobre avaliação, o Avalia e Aprende.
Compreensão do papel do erro na aprendizagem. “O erro não deveria ser
algo negativo, porque é o primeiro indicador do que eu não devo fazer e
possibilita a construção de um caminho”, destaca Kátia Chiaradia, integrante do
time de formadores da NOVA ESCOLA. Isso vale para os estudantes, mas
também para os professores, que vão precisar rever maneiras de fazer
perguntas, modos de apresentar um assunto e, talvez, um planejamento inteiro
– e há espaço de sobra para isso na avaliação formativa.
A relação com os estudantes. A avaliação formativa pede muito diálogo: os
estudantes precisam ter oportunidades de mostrar o que sabem ou não, e o
professor deve compartilhar com eles informações sobre seu desenvolvimento.
“Quando sou clara com o aluno sobre os objetivos de aprendizagem que temos
e o que se espera dele, e depois vou avaliando e dando devolutivas
constantemente, crio um vínculo calcado na parceria, e ele também se torna
participante dessa trajetória”, explica Heloize Charret, cofundadora da MAPA
Metodologias Ativas.
Consultoria pedagógica: Kátia Chiaradia
Esta reportagem faz parte do projeto Avaliação Formativa, em parceria com a
Fundação Lemann, mantenedora de NOVA ESCOLA.

Você também pode gostar