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Caro Prof.

Franke,

Essa semana estava limpando o meu e-mail quando encontrei os ensaios que escrevi
durante a graduação, na disciplina de Saúde Ambiental e Cultura. Lembrei das aulas e todos
os assuntos abordados e, decidi lhe escrever esta carta. Admito que não imaginava que
chegaria a vivenciar o ano de 2100, nem que a humanidade fosse se sustentar até aqui.
Duvidei, pela desigualdade que só aumentava naquela época, os retrocessos aplicados pelo
governo Bolsonaro, principalmente durante a pandemia de COVID-19, e o seu descaso com
saúde ambiental, humana e animal.

Lembro de comentar com meus pais e amigos na época que saúde ambiental e
cultura, em conjunto com medicina preventiva e saúde pública, eram as disciplinas que
mais gostei e mais me impactaram durante meus sete anos de graduação. Apesar do
costume de terminar as aulas triste por encarar a realidade do que estávamos vivendo e do
que iríamos viver, e igualmente revoltada com tudo aquilo, revoltada em saber que havia
uma solução para cada problema apresentado, mas não dependia de mim, também
terminava muito grata por aprender mais sobre o mundo em que vivia. Sabia que só
poderia fazer a minha parte, no voto, nas atitudes sustentáveis e redução de consumo,
além de torcer para que aquela situação fosse revertida pelos que poderiam fazer isso
gerando um impacto significativo.

Acreditava, no primeiro ensaio, que as principais ações deveriam ser tomadas pelos
governantes, mas não imaginava que haveria uma revolução popular devido ao
crescimento da desigualdade socioeconômica. No segundo, escrevi sobre minha previsão
de chegarmos a 2100 vivendo um sistema socioeconômico capitalista ainda mais falho, num
mundo extremamente desigual, com muitas pessoas mortes que poderíamos ter evitado
se o mundo prestasse mais atenção às medidas preventivas e projeções existentes no início
do século XXI. Realmente, vivemos um período de recessão muito difícil, até 2046. A partir
disso, vários conceitos vistos durante as aulas foram postos em prática progressivamente
em larga escala, com a queda do Sistema Capitalista Tradicional e ascensão do Sistema de
Economia Popular Solidária (EPS).
Um sistema socioeconômico com base na cooperação em detrimento da
competitividade, com a sustentabilidade sendo a base de todas cooperativas, não por
escolha, mas por ser a única solução diante da crise que vivenciamos. Infelizmente, não foi
aplicado como na teoria. Temos ainda empresas grandes e um grau de competitividade de
mercado, ainda que menor e menos maléfico quando comparado ao capitalismo. O que
ajudou muito também foi a redução da taxa de natalidade, como já previsto pelas
projeções da ONU. A desigualdade socioeconômica reduziu, mas ainda está longe de
acabar.

Houve também uma mudança na pirâmide etária brasileira, com muito mais idosos.
Com isso, o mercado de trabalho também ficou menos concorrido. Fico aliviada de
emprego não ser uma dificuldade para os meus netos, como foi para mim naquela época.
O Brasil saiu do período de recessão com um governo muito voltado para reduzir os índices
de desigualdade, ainda éramos um dos países mais desiguais do mundo, mas conseguimos
diminuir a número de pessoas em condições de pobreza e extrema pobreza, com projeção
de saneamento básico disponível para mais de 80% da população em 2120, além de
programas de emprego frutos da reforma agrária e dos programas públicos como o
Educação Para Todos e a volta de outros muito importantes, como o Ciências Sem
Fronteiras.

A emoção que senti no primeiro governo Lula quando vi boa parte de meus primos,
além de mim mesma e meu irmão, com pais vindos do interior e uma educação inferior,
entrando em universidades públicas renomadas como a UFBA e a USP, graças não só aos
nossos esforços, mas também o auxílio do governo da época, pude sentir novamente ao
ver meus filhos e netos, mesmo que mais tarde, fazendo parte da reconstrução da
educação pública e da volta à valorização do serviço público de modo geral no país em que
nasci. É extremamente gratificante ver que estamos recuperando aos poucos tudo perdido
durante aqueles governos, que desde aquele momento até agora parecem um filme do
Tim Burton, numa dimensão completamente fora da nossa realidade (talvez com um toque
de Hitchcock quanto à ansiedade e medo do que tinha por vir).

A alimentação é sempre outro motivo de conversas com meus netos, que ficam com
olhos saltados, cheios de expectativa, surpresa e em alguns momentos, repulsa,
especialmente quando conto como era comer carne de animais abatidos quase todos os
dias e como funcionava a produção e abate animal. Também ficam revoltados em como
estávamos atrasados em não procurar mudar logo uma indústria que gastava mais de 15
mil litros de água para produzir 1kg de carne bovina. Levando em consideração que em
2020 foram abatidos cerca de 32 milhões de bovinos no ano, o gasto com água para
produção era absurdo, até porque não eram só bovinos sendo abatidos, e também não era
só a produção animal que usava água em grandes quantidades. O uso racional da água saiu
de uma ideia para uma obrigação de todos. Vivia em condições privilegiadas para alguns
critérios e não sabia.

Hoje em dia, proteína de origem animal de empresas só processada em laboratório,


sem abate, porém ainda é algo caro, carne de origem animal não é mais algo presente no
nosso dia a dia como antes. As grandes empresas da indústria de proteína animal
compraram essa tecnologia e passaram a implantar aos poucos em larga escala, até que a
substituição foi completamente realizada a nível industrial. O mesmo para o substituto de
ovos em pó e leites vegetais, apesar destes ainda existirem na produção de animais com
melhores condições de bem-estar. Além disso, mesmo em condições melhores, ainda
existem pessoas que criam animais para subsistência, sendo acompanhados pelos
programas de extensão.

As PANCs atualmente formam a base alimentar de grande parte da população. Os


alimentos orgânicos continuam um pouco mais caros, ainda que a produção e consumo
tenha aumentado consideravelmente, reduzindo assim o preço de mercado. O uso de
agrotóxicos reduziu imensamente com o novo sistema, muitos foram proibidos através das
diretrizes publicadas pela FAO em conjunto com a OMS e a OIE, o que resultou também
numa redução no número de pessoas acometidas por neoplasias e malformações pelo seu
uso indevido.

A tecnologia e inovação está ainda mais em alta, vivemos a adequação de tudo ao


mundo cibernético. Infelizmente ainda não chegamos nos carros voadores e também não
vivemos em Marte, mas não usamos mais combustíveis fósseis como fonte de energia, e
as energias renováveis foram agregadas às novas tecnologias. Vivemos num mundo mais
quente, porém adaptado. Quase tudo tem a cor branca nas ruas, asfalto, telhados e
edifícios. O verde também é outra cor muito vista, com o unânime uso da arquitetura
sustentável nos centros urbanos.
Substitutos não só na energia, como também na construção civil, como o “cimento”
à base de cana-de-açúcar e a carne animal de origem laboratorial foram aprimorados e
utilizados em grande escala, grande parte por empresas que vendiam as tecnologias
ultrapassadas e se adaptaram ao mercado. Os veículos também são todos elétricos, mas a
quantidade nas ruas é muito menor. Atualmente vejo muito mais pessoas nas ciclovias ou
andando até seu destino. O costume de economia, reciclagem e reuso, que na época da
disciplina ainda era uma sugestão, se tornou a única saída para a crise mundial que
enfrentamos.

Por fim, gostaria de agradecer, professor. Foi a partir de suas aulas que passei a
procurar mais sobre saúde ambiental, mudei alguns costumes que tinha e não sabia as
proporções de suas consequências para as gerações futuras. É uma disciplina
extremamente essencial para o desenvolvimento de qualquer pessoa na sociedade, seja
qual for sua profissão. Tenho certeza que não fui a única a ter essa sensação através de
suas aulas e seus ensaios.

Abraços,

Camile Andrade.

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