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Hermenêutica

A Hermenêutica e o Sentido do Texto:


Intenção do Autor, do Texto e do Leitor
Sumário
Desenvolvimento do material A Hermenêutica e o Sentido do Texto: Intenção do Autor,
Antonio Lucio Avellar Santos do Texto e do Leitor
Para Início de Conversa... ................................................................................ 3
1ª Edição Objetivo .......................................................................................................... 3
Copyright © 2022, Afya.
1. A Ciência Hermenêutica Bíblica em uma Cultura Particular .......... 4
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida,
transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, 2. A Diferença entre Dogmas, como Verdades de Fé e, a
mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia
autorização, por escrito, da Afya. Hermenêutica do Sentido como Criação a partir de
Determinada Cultura .................................................................................... 8
3. As Diversas Possibilidades de Leituras ou Intenções: Autor,
Texto e Leitor .................................................................................................. 11
Referências .......................................................................................................... 17
Para Início de Conversa... dias. Em outras palavras, a hermenêutica é uma busca constante por um
sentido, por uma bússola fiel que nos aponte o melhor caminho para
Neste capítulo, estamos iniciando nossos estudos sobre hermenêutica, dinâmica da vida.
abordaremos, conforme o próprio título sugere, a hermenêutica e o
sentido do texto.

Dessa forma, começaremos nossas abordagens com o aspecto do sentido


Objetivo
das narrativas bíblicas. Homens e mulheres, quando em contato com o ▪ Produzir conhecimento científico no campo da Teologia e na área das
sagrado, objetivam encontrar respostas às suas angústias, nisso consiste ciências humanas;
a busca de sentido nas escrituras sagradas, para respostas relacionadas ▪ Assimilar o desenvolvimento da ciência hermenêutica bíblica;
aos problemas existenciais. ▪ Compreender a importância da cultura para a
Observando as diversas narrativas que compõem todo o cânon sagrado, ciência hermenêutica;
é transparente, em meio a diversas situações que a vida apresenta, a ▪ Observar a criação dos dogmas de fé e
necessidade de respostas para as angústias humanas. a Reserva de Sentido com base na
diversas culturas;
Portanto, nessa busca pelo sagrado que envolve fé e esperança, sempre ▪ Entender as leituras e intenções
foi necessário interpretar as escrituras sagradas, a fim de que fosse dos homens na produção de
possível buscar compreensão nos sinais de Deus. sentido, na busca de melhor
Nesse sentido, esses sinais são interpretados e reinterpretados na própria compreensão do Sagrado.
dinâmica social histórica. Portanto, ainda hoje, homens e mulheres,
quando entram em contato com o sagrado, buscam em seus contextos
de vida, reinterpretar, continuamente, os sinais das Escrituras.

Ao lermos os textos sagrados, precisamos interpretar, urgentemente, os


sinais que as narrativas vão nos fornecendo, relendo-os para os nossos

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1. A Ciência Hermenêutica Bíblica em uma
Cultura Particular
Nesse primeiro momento de nossa disciplina, precisaremos nos atentar
ao fato de que nenhum texto sagrado surgiu em um vácuo. Isto é, a
condição humana é primordial para a compreensão daquilo que está
além do próprio homem.

A percepção do sagrado já é realizada em uma determinada cultura, no


nosso caso, no termo judaico-cristão. O cristianismo, nesse sentido, é o
fruto de uma primeira interpretação refletida no judaísmo, buscando
entender quem é o seu Deus e a sua atuação.

Assim, a tradição religiosa judaica teve que ser reinterpretada pela


igreja cristã, a fim de que todo aquele horizonte cultural, exclusivamente Figura 01: O nascimento de Jesus relido por uma cultura particular. Fonte: Dreamstime.

judaico, fizesse sentido na igreja nascente. Então, a expressão mediador Croatto (2010) nos ajuda a compreender melhor o que seria uma
cultural e o seu conceito nos ajuda a compreender melhor aquilo que experiência de fé e a sua real necessidade de tornar-se compreensível e
estamos afirmando. apreensível por uma cultura em particular.

‘‘ possível
Todo discurso teológico tem um núcleo gerador de sentido, a partir do qual é
qualquer dinâmica hermenêutica, e esse núcleo é a experiência de
‘‘ Édeevidente, contudo, que é impossível não interpretar; mas é preciso ter consciência
que o primordial é a experiência de quem se expressa religiosamente e não
fé tornada compreensível. Por experiência dessa fé, entende-se o processo em a leitura do estudioso. Os fenômenos religiosos são históricos, vividos em um
três movimentos que se põem na origem de toda a teologia: experiência de fé, âmbito cultural, linguístico, institucional e social delimitado. [...] Um princípio
essencial é que o transcendente, núcleo de tal experiência, não é captado pelo
’’
mediação cultural e discurso sistemático. (ROCHA, 2016, p. 108).
fenomenólogo, mas pelo homo religiosus. (CROATTO, 2010, p.27).
’’
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Sendo assim, todo homem religioso precisa comunicar ou expressar As narrativas bíblicas possuem sua beleza e tornaram-se arte nas mãos
sua experiência com o sagrado; não comunicá-la, ou seja, reter tal de homens e mulheres que experimentaram pela fé o sagrado, dentro da
experiência para si, seria impossível porque é algo insuportável. longa e complexa História de Israel.

A experiência religiosa, alcançada pela fé, necessita do dado racional, Posteriormente, as Escrituras veterotestamentárias (Antigo Testamento),
ou seja, sua interpretação, pois o contato com o sagrado na história e foram reinterpretadas em conformidade com o novo contexto de vida.
cultura de determinado povo – aqui, primeiro na História de Israel -, é Primeiramente, foram relidas pelo próprio Senhor, conforme registram
a busca pelas respostas das questões que envolvem as complexidades os Evangelhos e, mais tarde, junto ao nascimento da igreja cristã, em
da vida. suas comunidades de fé.

Para realizar tal comunicação racional, o homem religioso utiliza seu As muitas releituras da tradição (Lei de Moisés) pelo Senhor nos deixam
patrimônio cultural. O alemão Heinrich Rickert, entre o fim do século um legado de que é necessário sempre reinterpretar, sobretudo quando
XIX e início do XX, buscando diferenciar civilização e cultura, definiu o exercício hermenêutico contempla o bem da vida em primeiro lugar.
esses termos da seguinte forma:
No entanto, as reinterpretações de Jesus sempre causavam desconforto
‘‘ civilização,
Dizia que um pedaço de mármore extraído de uma pedreira é um objeto de
resultado de um conjunto de técnicas que permitem extrair esse
nos legalistas (religiosos) do seu contexto de vida na Palestina.
Desconforto transformado em ira, a tal ponto de intencionarem, por
material da natureza e convertê-lo em um produto civilizatório. Mas esse mesmo inúmeras vezes, planejar a morte do Senhor. Portanto, nem toda atitude
pedaço de mármore, segundo Rickert, talhado por um artista que lhe imprima o
interpretativa será bem vista pelas autoridades, mesmo que à luz das
’’
valor da beleza, torna-se obra de arte, torna-se cultura. (CANCLINI, 2015, p.37).
ações de Jesus de Nazaré.
Nesse sentido, toda narrativa oral ou textual é produto de um certo
Nesse sentido, observe a unidade literária (perícope) no Evangelho de
patrimônio ou bem cultural significativo, isto é, possui sentido para
Mateus 12,1-8, intitulada As espigas arrancadas.
determinado povo em certo momento de sua história, sendo, até mesmo
modificado. Em outras palavras, é passível de ser relido dentro de sua
própria história, conforme as necessidades que vier a apresentar.
‘‘ campo
Naquele tempo, sucedeu de Jesus passar, num dia de sábado, através de um
de trigo. Seus discípulos sentiram fome e puseram-se a arrancar espigas

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e a comê-las. Vendo isto, os fariseus lhe disseram: “Olha teus discípulos, que podemos estar lendo um texto do Evangelho de Lucas, que possui como
fazem o que não é permitido fazer durante o sábado”. Ele lhes respondeu: “Não tema a questão do Messias Jesus. Ao lado, certamente haverá uma lista de
leste o que David fez, quando teve fome, ele e seus companheiros, como entrou
outros textos do Antigo Testamento que se referem ao tema do Messias,
na casa de Deus e como comeram os pães de proposição, que nem a ele nem a
a isso, chamamos de intertextualidade. O mesmo processo também vale
seus companheiros era permitido comer, senão aos sacerdotes? Ou não lestes na
lei que, no dia de sábado, no Templo, os sacerdotes violam o sábado sem cometer para um dos Testamentos em particular, fato muito comum encontrado
falta alguma? Ora, eu vos digo, há aqui algo maior que o Templo. Se tivésseis nos Evangelhos. Mateus, Marcos e Lucas fazem relação contínua entre
compreendido o que significa: É a misericórdia que eu quero, não o sacrifício, eles mesmos, quando se referem aos feitos do Senhor Jesus.
não teríeis condenado esses homens, que não cometeram falta, pois o Filho do
Ao trazer à memória (rememorar) uma passagem tão conhecida dos
Homem é senhor do sábado”. (MT 12,1-8. BÍBLIA TEB. Grifos do autor).
’’ judeus, “Davi come os pães sagrados”, Jesus dá um novo sentido às
Nessa passagem acima, observamos que Jesus traz à memória um necessidades das vidas de homens e mulheres do seu tempo.
conhecido texto do Antigo Testamento (cf. 1Sm 21,1-6), narrativa em
que Davi quebra a norma da Lei e, junto com seus companheiros se Isto é, toda vez que Jesus se depara com um dilema, cumprir a Lei de
alimenta do pão sagrado, do qual, nem ele e, nem seus amigos amigos Moisés ou zelar pelo bem estar das vidas de homens e mulheres do seu
poderiam comer. tempo, Ele sempre fará preferência pela segunda opção.

Esse texto de 1º Samuel está como referência cruzada, em paralelo O Evangelho de Mateus insiste em nos apresentar as leis e costumes do
ao texto de Mateus 12,1-8. A isso chamamos nas questões de análise povo judeu, ao contrário, por exemplo, do Evangelho de Marcos, que não
literária dos textos bíblicos de intertextualidade. objetiva relatar tais questões.

Ao fazermos a leitura de qualquer texto ou passagem bíblica, nas boas Em Mateus, tudo é submetido à reinterpretação do Senhor, como
versões de Bíblias disponíveis no mercado, é comum sempre observarmos no belíssimo bloco literário intitulado O sermão da montanha. Nesse
referências a outros textos, em paralelo à leitura que estamos fazendo. complexo literário, é comum lermos: “Ouviste o que foi dito: [...]”.
Tais referências, que estão geralmente ao lado do texto lido, podem Após essa fórmula, segue sempre as novas interpretações do Senhor,
apontar a inúmeros textos do Antigo ou Novo Testamentos. Por exemplo, destinadas às necessidades daqueles seus ouvintes em seus contextos

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de vida. Jesus é apresentado não tão somente como “O Messias”, mas Como já observamos, Jesus não estava tão preocupado com os preceitos
também, como Mestre por excelência, filho de David, filho do próprio legalistas mais antigos, pois não respondiam às crises do seu contexto
Deus, inaugurando uma nova justiça à sua gente. de vida.
Tais aspectos mencionados nos revelam a intencionalidade primordial O Mestre estava desejoso de buscar um novo sentido, partindo não
desses textos, destinados, portanto, nesse primeiro instante, aos judeus somente da Lei, mas também dos profetas. Ele queria que os severos
que aceitaram a Jesus de Nazaré como seu verdadeiro Messias. fariseus agissem com misericórdia junto aos necessitados, eliminando,
A nova justiça do Messias e Mestre Jesus, inaugurada a partir da assim, todo sacrifício da norma legalista.
reinterpretação da lei mosaica, sempre objetiva às urgências da vida, Portanto, fechando esse primeiro ponto, fica claro que Jesus de Nazaré,
contudo, nem todos alcançavam a profundidade de suas palavras e ações. nossa chave hermenêutica para vida, constantemente reinterpretou a lei
e os profetas, buscando teorizar e debater os temas radicais da lei com
‘‘ separados
Oriundos do povo, constituindo um partido do povo, os fariseus procuram ser
do povo (este é, ao que tudo indica, o sentido do seu nome): eles o os religiosos do seu tempo.
consideram por demais ignorante da Lei e sobretudo impuro, por não respeitar
suficientemente a Lei de santidade, expressão da própria vontade de Deus. Desta
Jesus, em suas reinterpretações, deu sentido novo, longe do peso da lei,
Lei de Moisés [...]. E é na medida em que se respeita toda essa Lei, escrita e oral, às vidas daqueles que passaram por seu caminho.
que se adquirem os méritos necessários à salvação e ao envio do Messias que
estabelecerá enfim o Reino de Deus, expulsando ao mesmo tempo os romanos e
todos os outros ocupantes. (SAULNIER; ROLLAND, 1983, p. 81-82).
’’ Sendo Jesus de Nazaré a chave hermenêutica que nos dá o sentido
Os fariseus, observadores rígidos da Lei de Moisés, com seus corações à vida, suas palavras e ações devem ser sempre analisadas com
engessados, se indignavam com as palavras e gestos do Mestre. Paulo cuidado, conforme nos apresentam os registros dos Evangelhos. Toda
também nos fornece a correta compreensão do que era ser um judeu (re)interpretação de seus gestos e palavras para hoje que fogem à
fariseu. “Sabendo de mim desde o princípio (se o quiserem testificar), sua essência, certamente, nos afastam da centralidade do anúncio do
que, conforme a mais severa seita da nossa religião, vivi fariseu.” (AT Reino de Deus.
26,5. BÍBLIA ALMEIDA CORRIGIDA E REVISADA FIEL).

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2. A Diferença entre Dogmas, como Verdades de
fato, eu vos digo que havia em Israel muitas viúvas nos dias de Elias, quando por
três anos e seis meses o céu permaneceu fechado e uma grande fome devastou

Fé e, a Hermenêutica do Sentido como Criação toda a região; Elias, no entanto, não foi enviado a nenhuma delas, exceto uma
viúva, em Sarepta, na região de Sidônia. Havia igualmente muitos leprosos em

a partir de Determinada Cultura Israel no tempo do profeta Eliseu; todavia, nenhum deles foi purificado, a não
ser o sírio Naamã”. Diante dessas palavras, todos na sinagoga se enfureceram. E,
levantando-se, expulsaram-no para fora da cidade e o conduziram até um cimo
Nas narrativas dos Evangelhos, temos inúmeras situações-evento as da colina sobre a qual a cidade estava construída, com a intenção de precipitá-lo
quais nos apresentam a tensão entre o próprio Jesus e suas interpretações de lá. Ele, porém, passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho. (Lucas 4,
dentro da tradição em meio ao seu povo. 16-29. BÍBLIA DE JERUSALÉM).
’’
A seguir, temos uma narrativa retirada do Evangelho de Lucas 4,16-29, Quanta riqueza há na narrativa acima. Nesse exemplo, é possível
para que, de forma clara, possamos compreender que até mesmo Jesus observarmos o conflito entre Jesus e a tradição religiosa, já compreendida
precisou interpretar as Escrituras da tradição do seu povo. como dogma (verdade absoluta) pelo grupo religioso do seu povo. Tal
narrativa também contribui para as questões sobre cultura.
‘‘ deElesábado
foi a Nazaré, onde fora criado, e, segundo o seu costume, entrou em dia
na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. Foi-lhe entregue o
livro do profeta Isaías; desenrolou-o, encontrando o lugar onde está escrito:
O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para
evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos
a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um
ano de graça do Senhor. Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos
na sinagoga olhavam-no, atentos. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu
aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura”. Todos testemunhavam a seu
respeito, e admiravam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca.
E diziam: “Não é este o filho de José?” Ele, porém, disse: “Certamente me citareis
o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Tudo o que ouvimos dizer que fizeste
em Cafarnaum, faze-o também aqui em tua pátria”. Mas em seguida acrescentou:
“Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. De Figura 02: Toda interpretação de um dogma gera tensão. Fonte: Dreamstime.

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Entre múltiplas possibilidades interpretativas para esta passagem, ▪ Por fim, é expulso da sinagoga e conduzido, coercitivamente, para
destacamos alguns elementos que o próprio texto nos fornece, uma colina na qual a cidade estava construída; buscavam jogá-lo de
portanto segundo o que Paul Ricoeur definiu como, “o mundo do texto.” lá, mas o Senhor consegue se livrar da tentativa de assassinato.
(2006, p.14).
O problema se inicia não pela leitura do trecho do livro de Isaías, mas
▪ Jesus vai à Nazaré (Nazara) e, em um dia de sábado na sinagoga, faz a pela releitura realizada pelo Senhor, pois ela vai de encontro a uma
leitura de uma passagem no livro (rolo) do profeta Isaías; tradição messiânica em Isaías, já dogmatizada pela cultura de Israel.
▪ A belíssima passagem é o sinal da vinda do Messias; dar esperanças
A hermenêutica judaica não interpreta o Messias como sendo Jesus, por
aos pobres; libertar os presos (do sistema opressor); curar aos cegos;
ser filho de carpinteiro e natural de Nazaré da Galileia (Cf. Lc 2,4; Lc
restituir a liberdade aos oprimidos (perdão das dívidas) e, por fim;
2,39-40), povoado de gente pobre e sofrida.
proclamar a graça do Senhor;
▪ Jesus, nesse sentido, interpreta a passagem do livro de Isaías,
atribuindo a si mesmo, a investidura de Messias – pelo Espírito Santo
‘‘ No relato de Lucas, porém, a grande novidade acontece somente mais tarde: Jesus
conheceu a missão de João Batista, recebeu o batismo e venceu as tentações.
– do povo de Israel; Esses eventos-revelações são importantes no processo do ministério de Jesus. A
partir do batismo e da vitória sobre o diabo afirma-se que Jesus estava cheio do
▪ Há uma grande admiração por suas palavras, mas também, espanto e
poder do Espírito Santo. É o Espírito Santo que qualifica o ministério de Jesus! E
preconceito por ser filho de José – o carpinteiro de Nazaré da Galileia; então ele ensinava nas sinagogas da Galileia, e todas as pessoas que o ouviam,
▪ O Senhor acaba provocando os judeus na sinagoga, utilizando a figura glorificavam-no (Lc 4,15). Lucas, no entanto, quer enfatizar aquela pregação
de dois profetas populares de Israel – Elias e seu sucessor Eliseu. em Nazaré de forma programática para todo o ministério de Jesus. O novo que
▪ Ele usa a tradição que envolve esses profetas para dar a entender acontece na sinagoga de Nazaré é a ponte que atualiza e radicaliza a profecia
àqueles que estavam na sinagoga, que nenhum sinal seria dado de Isaías, a tradição jubilar e o sonho do povo judeu. Jesus, que atua no poder
do Espírito Santo, se encarna na história de seu povo como aquele no qual se
a eles;
cumpre a Escritura. Não é o texto que Jesus lê, mas a releitura do mesmo que cria
▪ Interpreta, portanto, duas ocasiões da vida desses profetas para
afirmar uma geração cheia de incredulidade, que não o vê como o
a situação de conflito. (REIMER; REIMER, 1999, p.113).
’’
Messias de Israel;

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A narrativa lucana aponta-o como investido de poder do Espírito Santo, Aos olhos dos judeus religiosos-legalistas, Nazaré da Galileia era um não
logo após o batismo, isto é, toda obra do Senhor é realizada na força lugar, de não pessoas, pois rotulado por eles como território de gente
do Espírito. impura.

Sendo assim, os gestos e palavras do Messias Jesus, confirmam que Nele Aqui, os termos “não lugar” e “não pessoas” indicam o preconceito da
há algo de diferente, que se destaca em meio aos demais judeus. religião judaica, como se Deus não aceitasse aquelas pessoas em suas
condições de vida. Abaixo temos um panorama da localidade de Nazaré.
Reforçamos a expressão um tipo de Messias, porque as autoridades
religiosas judaicas, fundamentadas em sua tradição messiânica,
construíram uma imagem ou símbolo do Messias, segundo às suas
‘‘ quatrocentos
Nazaré era uma aldeia pequena e desconhecida, de apenas duzentos a
habitantes. Nunca aparece mencionada nos livros sagrados do
expectativas. povo judeu, nem sequer na lista de povoados da tribo de Zabulon. Alguns de
seus habitantes viviam em cavernas escavadas nas encostas; a maioria em
Para os judeus, Davi foi o grande rei de Israel. Em meio aos seus grandes casas baixas e primitivas, de paredes escuras de adobe ou pedra, com telhados
feitos para o povo, está a libertação das mãos dos filisteus, conforme confeccionados com ramos secos e argila, e chão de terra batida. Muitas tinham
em seu interior cavidades subterrâneas para armazenar a água ou guardar os
podemos constatar ao longo dos livros de 1º e 2º Samuel.
cereais. Em geral, só tinham um cômodo no qual se alojava e dormia toda
Os grandes feitos do rei Davi serviram também como inspiração na família, inclusive os animais. Em geral, as casas davam para um pátio que era
construção de um Messias futuro para Israel. Principalmente no tema do compartilhado por três ou quatro famílias do mesmo grupo, e onde transcorria
boa parte da vida doméstica. Ali, tinham em comum o pequeno moinho, onde as
Messias-libertador.
mulheres moíam os cereais, e o forno onde assavam o pão. Ali, eram depositados
Para os judeus religiosos-legalistas, o Messias tão aguardado por eles também os instrumentos agrícolas. Este pátio era o lugar mais apreciado para os
mais pequenos brincarem e para o descanso e as conversas dos mais velhos as
não se ajustava à figura de Jesus. Mesmo sendo Ele da linhagem de Davi
e realizador de muitas curas. ’’
entardecer. (PAGOLA, 2011, p.62-63).

Com as poucas características mencionadas acima, podemos ter uma


Uma outra questão relacionada a Jesus era sua procedência da localidade
pequena, mas profunda ideia do território e, do tipo de família à qual
de Nazaré da Galileia.
pertencia Jesus. A opção, tanto do Pai quanto do Filho, foi de que o

Hermenêutica 10
Salvador nasceria em meio a gente simples, na esquina do mundo, longe vida. Segundo Paul Ricoeur, (2006, p.23): “[...] no coração da modernidade
dos grandes centros. corrosiva, o homem é chamado de novo pelo poder transformador dos
textos da Revelação, suscitando nele um ato criativo de interpretação e
Muitas parábolas ditas pelo Senhor em seu anúncio do Reino de Deus
tiveram como pano de fundo ou inspiração, o contexto de vida de onde um testemunho novo”.
fora criado (Cf. Lc 8,16-18; Lc 15,8-10).

Portanto, é inegável que o próprio Jesus, ao iniciar sua obra do anúncio


A reinterpretação das narrativas bíblicas, sempre necessária para os
do Reino, faz menção e releitura certamente do seu próprio passado, das
novos tempos, permite aquilo que Ricoeur (2006) chamou de “ato criativo”,
coisas vividas da infância, daquilo que aprendeu em meio ao povoado de
sempre em Jesus, realizando sobretudo um novo testemunho.
Nazaré na dinâmica da vida.

Nesse sentido, também não podemos deixar de lado a importância da


criação dada por seus pais ao longo daqueles anos, antes de tomar a
iniciativa de anunciar o Evangelho, a boa nova. 3. As Diversas Possibilidades de Leituras ou
Há, portanto, uma dinâmica interpretativa em meio às próprias
complexidades da vida. Essas dinâmicas envolvem a vida apresentada
Intenções: Autor, Texto e Leitor
nas próprias narrativas e nos aproximam de questões que precisavam De certa forma já tocamos nos assuntos que estaremos enfatizando
ser respondidas à época de Jesus. nesse último ponto de nossa unidade. Ao longo dos subtemas anteriores,
procuramos também explicitar a necessidade de compreensão quanto
Nesse aspecto, a hermenêutica do texto sagrado, para o nosso tempo,
também envolve nossas complexidades e esperanças de dias melhores ao autor, texto e leitor.
para aqueles que estão nas esquinas da vida. Podemos focar nossa análise hermenêutica a partir dos temas
As esperanças de homens e mulheres, pessoas concretas no sentido mencionados. Cada um deles nos fornece caminhos para certo tipo de
existencial, são formuladas a partir da fé em meio às necessidades de interpretação.

Hermenêutica 11
Atualmente, segundo o conceito hermenêutico moderno, o processo Há, portanto, uma intenção clara dos autores que, ao relatarem, por
interpretativo está bem mais centrado no próprio texto. Portanto, tudo o exemplo, a vida de Jesus, procuraram também refletir a respeito das
que é necessário para uma boa ou plausível interpretação já se encontra comunidades que receberiam as informações sobre a vida do Senhor,
no próprio mundo do texto. suas palavras e ações, mas também sobre as suas necessidades de vida,
apontando para esperança.
E é esse mundo do texto que nos dará a reserva de sentido, tão
necessária para os leitores das Escrituras nos mais variados contextos de Por isso, a teologia os classificou como Evangelhos Sinóticos que, do
vida cultural, em que a mensagem do Reino de Deus é lida e ouvida, por grego, temos a possível interpretação de “visão semelhante”. Uma leitura
meio, principalmente, dos Evangelhos. básica de cada um dos 4 Evangelhos revelará neles, que há pontos
semelhantes, ênfases, supressões, acréscimos etc.
Chegamos a abordar, por exemplo, algumas poucas características do
Evangelho de Mateus e sua intencionalidade quanto aos chamados Todas essas questões são particulares por causa da intencionalidade
primeiros destinatários do seu texto. de cada autor dos Evangelhos. O Evangelho de Marcos – primeiro a ser
escrito e tomado como base por Mateus e Lucas –, por exemplo, não
Vimos que ele escreve, possivelmente, para judeus que aceitaram a Jesus
centra-se em questões culturais do judaísmo, como fez Mateus.
como o Messias. Por isso, seu Evangelho possui expressões linguísticas
culturais tão claras ao povo judeu. “Apesar de repleto de citações judaicas Marcos está preocupado em informar quem foi o Senhor em toda sua
e de um vocabulário tipicamente palestino, o texto, redigido ‘para os que glória. Ele relata os muitos milagres realizados pelo Filho de Deus, bem
creem e vieram do judaísmo’ (Orígenes), deve ter sido escrito na Síria ou como suas diversas curas a enfermos, endemoninhados, leprosos etc.
Fenícia”. (BÍBLIA TEB. Introdução ao Evangelho de Mateus).
Ao lermos o Evangelho de Marcos, é perceptível, sempre por meio do
Talvez tal identificação dos primeiros destinatários fique mais clara nos próprio texto, que o evangelista está comunicando os grandes feitos do
livros que compõem o cânon neotestamentário (Novo Testamento), do Senhor de forma apressada.
que nos livros que formam o Antigo Testamento.

Hermenêutica 12
Quase tudo nos parece um pouco desordenado, bem distante do estilo seita esotérica, o evangelho foi recebido na igreja e gozava de uma autoridade
textual encontrado nos Evangelhos de Mateus e Lucas. Este último, que o situava como contraponto aos sinóticos. (BÍBLIA TEB. Introdução ao

também escritor do Livro de Atos dos Apóstolos, mostra-se muito


Evangelho de João).
’’
preocupado com os detalhes da vida do Senhor. Esses rápidos comentários sobre os Evangelhos são suficientes para
A teologia classifica Lucas como um historiador, portanto, seu Evangelho compreendermos um pouco sobre seus possíveis autores e suas
seria a História de Jesus; e Atos dos Apóstolos é tomado como a História preferências pessoais.
da Igreja. Portanto, cada um deles, embora iluminados pelo Espírito Santo, possuía
Marcos demonstra que está sendo pressionado por sua comunidade. aspectos particulares no estilo com o qual comunicaram textualmente
Seus destinatários, comumente interpretados como gentios, portanto, quem foi Jesus de Nazaré.
não judeus, estão sedentos de possuir algum registro textual sobre Junto às preferências pessoais desses autores, está o cuidado relacionado
quem foi Jesus. Com isso, Marcos não podia perder tempo! às comunidades que receberiam os escritos, posteriormente chamados
Quanto ao Evangelho de João, que é certamente o último a ser de Evangelhos. Portanto, era necessário comunicar quem foi Jesus, mas
desenvolvido, temos uma linguagem bem mais complexa do que os com elementos textuais que atingissem diretamente as necessidades
outros anteriores a ele. daquelas vidas, naquele momento histórico específico.

Alguns especialistas em Teologia Bíblica do Novo Testamento, como é Estamos finalizando esta nossa primeira unidade, mas antes, vale
o caso do professor Isidoro Mazzarollo, afirma, em seus estudos, que o sinalizar que, as versões das Escrituras disponíveis no mercado editorial
Evangelho de João seria uma evolução quando comparado aos outros três. são fruto de alterações hermenêuticas predeterminadas, em muitos
casos, pelos teólogos/exegetas que compõem o corpo intelectual de
‘‘ século
O quarto evangelho será difundido no Egito a partir da primeira metade do
II, como o atestam alguns fragmentos encontrados recentemente.
funcionários nessas editoras.

Diversos autores como Inácio de Antioquia, Justino e outros, fazem uso de temas Portanto, os teólogos devem possuir uma boa quantidade de versões das
tipicamente joaninos. Pode-se concluir que, longe de ter ficado confinado a uma Escrituras em suas bibliotecas, a fim de compará-las, buscando, assim,

Hermenêutica 13
a melhor versão, segundo a necessidade e compreensão das vidas que Contudo, vamos nos concentrar, exclusivamente, nas informações dadas
formam suas comunidades de fé. pelo texto com base na versão que escolhemos. Lembrando que, nesse
tipo de hermenêutica, o texto nos fornece tudo o que é necessário.
Segundo a versão TEB (Tradução Ecumênica da Bíblia), está assim a
Vejamos alguns comentários pertinentes a respeito da citação acima:
perícope textual da passagem intitulada Filipe e o eunuco etíope:
▪ A abertura da perícope nos informa a respeito de um homem de Deus,
O anjo do Senhor dirigiu-se a Filipe: “Dirigi-te para o Sul à estrada que vai de
Jerusalém a Gaza; ela está deserta”. E Filipe partiu imediatamente. Ora, um eunuco
Filipe, totalmente obediente ao chamado/ordem do Espírito Santo;
etíope, alto funcionário de Candace, rainha da Etiópia, e administrador geral do ▪ Já em um segundo instante, temos a apresentação, do narrador, a
seu tesouro, que fora a Jerusalém em peregrinação, voltava para casa; sentado em respeito de um eunuco, do qual não sabemos seu nome, mas que é
seu carro, lia o profeta Isaías. O Espírito disse a Filipe: “Adianta-te e alcança aquele alto funcionário de certa rainha etíope, chamada Candace, sendo que
carro”, Filipe correu para lá, ouviu o eunuco ler o profeta Isaías e lhe disse: “Será que
ele administra todo o seu tesouro;
compreendes verdadeiramente o que estás lendo?” “E como poderia eu compreender,
respondeu ele, se não tenho guia?” E convidou Filipe a subir e sentar-se junto dele. ▪ Estava tal eunuco retornando de uma peregrinação em Jerusalém,
O que ele estava lendo era esta passagem da Escritura: sentado em seu carro lendo um fragmento do profeta Isaías;
Como uma ovelha que se conduz ao matadouro, como um cordeiro mudo perante aquele ▪ Logo após, o narrador nos informa que o Espírito Santo novamente
que o tosquia, assim ele não abre a boca. Na sua humilhação foi-lhe negada justiça. A fala com Filipe e pede que ele alcance o carro do eunuco;
sua geração, quem a relatará? Pois a sua vida é eliminada da terra. Dirigindo-se a Filipe,
o eunuco lhe disse: “Por favor, de quem fala o profeta assim? De si mesmo ou de
▪ Filipe, então, chega próximo ao carro e faz ao eunuco uma pergunta
algum outro?” Filipe então tomou a palavra e, partindo deste texto, anunciou-lhe a provocativa;
boa nova de Jesus. (At 8,26-35. BÍBLIA TEB). ▪ O eunuco responde que não há quem o guie, ou seja, não há quem
possa interpretar aquilo que está lendo;
Vimos uma belíssima passagem, talvez a mais ajustada à hermenêutica
bíblica de toda a Escritura. Inclusive uma provocação hermenêutica vem ▪ O narrador nos informa que o eunuco convida Filipe a se sentar
da boca do servo do Senhor: “Será que compreendes verdadeiramente junto a ele;
o que estás lendo?”. Em outras versões, temos algo como: “Entendes o ▪ O narrador da perícope nos informa que o texto de Isaías estava
que lês?”. sendo lido;

Hermenêutica 14
▪ O narrador novamente nos informa a angústia do eunuco, ou seja, seu Filipe, portanto, dá um novo sentido ao fragmento do profeta Isaías.
desejo em saber se o profeta falava de si mesmo ou de outra pessoa; Embora não esteja em nossa perícope, é sabido que o livro de Isaías
▪ Filipe, então, a partir do fragmento de Isaías, faz sua interpretação das é produto do judaísmo; nele, certamente está mencionado a figura
Escrituras, anunciando a boa nova de Jesus. do Messias.

Percebemos que, nesse texto, há a figura de um narrador da história, Porém, segundo a compreensão dos judeus, sobretudo nas interpretações
isto é, o autor faz uso desse recurso para nos trazer inúmeros aspectos dos rabinos ou mestres de Israel, Jesus de Nazaré não poderia ser o
relacionados às ações dos principais personagens da perícope (Espírito Messias anunciado pelo profeta.
Santo, Filipe e o eunuco), já que tudo no texto se dá na relação,
Filipe, então, sem nenhum constrangimento, quebra toda a interpretação
principalmente, entre esses três personagens.
rabínica a respeito do Messias dogmatizado na expressão cultural e
Sabemos, pelo próprio texto, que o eunuco é uma pessoa instruída na religiosa judaica.
ciência da administração do tesouro de sua rainha. No entanto, todo seu
conhecimento em administrar riquezas não lhe confere saber o suficiente Partindo do fragmento de Isaías, no qual os judeus entendem a si
para interpretar verdadeiramente o fragmento profético da Escritura. mesmos como os sofridos que passaram pelo cativeiro na Babilônia,
Filipe, portanto, reinterpreta a Escritura sagrada dos judeus para uma
Isso se revela na aparente angústia desse personagem ao responder à nova situação.
pergunta provocativa de Filipe. A versão TEB, de forma belíssima, traduziu
tal angústia do eunuco com a expressão negativa. Ele não possuía quem A urgência, naquele contexto, foi eliminar toda dúvida do eunuco em
o guiasse na compreensão daquele fragmento. relação ao pequeno texto do profeta Isaías, que ele tinha lido, mas não
compreendido, ainda que fosse um homem instruído
Isso nos mostra que o intérprete das Escrituras é aquele que tem o dever
de guiar os angustiados na verdade, que é Jesus, o dono da vida. O fim da história todos nós conhecemos, embora não esteja citado
aqui em nossa perícope. No entanto, a decisão do eunuco em se batizar
Diz o narrador de nosso texto que Filipe conduziu sua explicação, somente foi possível quando Filipe interpretou o texto de Isaías para
portanto hermenêutica, a partir daquele fragmento do profeta Isaías, o ele, anunciando a boa nova para vida de todos os homens e mulheres –
qual nos fornece o texto. Jesus, o Filho de Deus.

Hermenêutica 15
Filipe utiliza, em sua explicação hermenêutica, o novo sentido para
um texto fechado na tradição judaica, porém, dando-lhe, sobretudo, a
necessária releitura/abertura, a fim de aliviar o desespero de um homem,
que embora bem de vida, estava triste e solitário ao não entender o
significado do texto.

Filipe deu um novo sentido aos símbolos apresentados no fragmento


profético, por fim, solucionando o problema com a chave hermenêutica
de toda a Escritura, o tripé que tem como elemento de ligação, portanto,
central ao exercício de Hermenêutica bíblica, a figura do próprio Senhor.

A “intransponível especificidade da linguagem da Escritura: sua referência


última – Deus-Cristo-o Reino – [...], o que nenhum discurso especulativo
pode exprimir de maneira satisfatória.” (RICOEUR, 2006, p.22).

Figura 03: Filipe batiza o eunuco. Fonte: Dreamstime. A especulação faz parte do processo hermenêutico e pode resultar em
conclusões positivas ou negativas a respeito dos textos da Escritura.
Portanto, tal perícope ou unidade literária nos apresenta uma O sentido interpretativo, que pode e deve sobrepor à dúvida, muitas
necessidade muito comum dentro e fora de nossas comunidades vezes, gerada pela especulação, é a linguagem escriturística sempre
religiosas. Há inúmeros homens e mulheres que não compreendem, em referenciada em Deus-Cristo-o Reino.
muitos casos, o que dizem certos textos das Escrituras.

Vale lembrar que o papel fundamental do Espírito Santo no texto é Ao longo deste capítulo, procuramos desenvolver a importância
impulsionar ou guiar Filipe em direção a um homem necessitado de da hermenêutica para vida, sobretudo, a interpretação bíblica, tão
esclarecimento. fundamental às tradições cristãs.

Hermenêutica 16
Como cristãos, centrados na vida e obra do Senhor, ou seja, em suas
palavras e ações enquanto Jesus histórico na Palestina do seu tempo, Referências
não poderíamos deixar de observar, enquanto leitores e estudantes dos ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins
evangelhos, a reinterpretação do Mestre, objetivando as urgências da Fontes, 2007.
vida, principalmente as dos mais sofridos.
BARRERA, Julio Trebolle. A Bíblia judaica e a Bíblia cristã: introdução à
A Lei mosaica, dura de ser cumprida pelas pessoas mais simples na história da Bíblia. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
Palestina, precisava ser urgentemente relida, ou seja, a fim de trazer
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Versão Almeida corrigida e revisada
alívio e esperança e, não angústia.
fiel. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1995.
Jesus de Nazaré, o eixo do cristianismo, Filho de Deus, foi aquele que
BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
ousou revolver a Lei, a fim de que ela pudesse ser interpretada à luz da
justiça do Reino de Deus. BÍBLIA. Bíblia Teb. Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo: Edições
Loyola, 1994.

CLANCLINI, Néstor Garcia. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas


da interculturalidade. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.

CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: uma


introdução à fenomenologia da religião. 3 ed. São Paulo: Paulinas, 2010.

FEE, Gordon D; STUART, Douglas. Entendes o que lês? Um guia para


entender a Bíblia com auxílio da exegese e da hermenêutica. São Paulo:
Vida Nova, 2011.

GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar: a virada hermenêutica da teologia.


Petrópolis: Vozes, 2004.

Hermenêutica 17
PAGOLA, José Antonio. Jesus: aproximação histórica. 4 ed. Petrópolis:
Vozes, 2011.

REIMER, Haroldo; REIMER, Ivoni Richter. Tempos de graça: o jubileu e as


tradições jubilares na Bíblia. São Leopoldo: Sinodal/CEBI/Paulus, 1999.

RICOEUR, Paul. A hermenêutica bíblica. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

RICOEUR, Paul. Ensaios sobre a interpretação bíblica. São Paulo: Novo


Século, 2004.

ROCHA, Alessandro. Introdução a teologia. São Paulo: Editora Reflexão,


2016.

SAULNIER, Christiane; ROLLAND, Bernard. A Palestina no tempos de


Jesus. São Paulo: Paulus, 1983.

Hermenêutica 18

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