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NADA EM TROCA
Temos a generosidade implantada no cérebro, a incitar-nos a fazer o bem sem
recompensa, e assim pudemos evoluir como espécie à semelhança de macacos,
morcegos e formigas. Se até eles conseguem dar de si aos outros, qual é a nossa
desculpa?
Há muitos anos, nem ela sabe quantos, Filipa Costa teve uma epifania: «Uma
menina passou na rua, viu-me à janela do meu quarto e perguntou se eu lhe dava
uma boneca», recorda a animadora, ainda hoje presa à cena de infância. O espanto
deixou-a uns segundos atónita diante da figura diminuta do lado de fora da
vidraça.
«Estávamos a dias do Natal, eu tinha pedido um cão, uma data de livros, vários
brinquedos. E de repente aquela criança sonhava com o básico», conta. Filipa
entregou-lhe a sua boneca preferida sem uma palavra e a seguir chorou as
lágrimas todas. «Gosto de imaginar que aquele breve momento estava destinado.
Mudou-me por dentro na hora.»
Isto porque uma pesquisa dos neurocientistas brasileiros Jorge Moll Neto e
Ricardo de Oliveira-Souza, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), mostrou
que ser altruísta ativa no cérebro o mesmo sistema de recompensa que se liga
quando comemos chocolate, temos sexo ou ganhamos dinheiro, além de excitar
ainda o córtex cingulado subgenual.
«A esta estrutura chamamos área da empatia, que entra em ação quando nos
ligamos afetivamente ou fazemos algo por alguém», explica Oliveira-Souza, para
quem a moral tem um profundo alicerce neurobiológico.
E sim, existe na nossa biologia uma propensão para valorizarmos a dádiva: «O
altruísmo é um traço comportamental tão inerente ao ser humano como a
inteligência, o neuroticismo ou a extroversão», confirma a neurocientista Diana
Prata, especialista no papel da oxitocina (a hormona do amor) no comportamento
social. Vários estudos demonstram que este sistema está implicado nos
processos cognitivos relacionados com o altruísmo, a confiança, a cooperação, a
empatia.
Trocado por miúdos: dar é bom. «E todos temos esse traço comportamental, ainda
que em diferentes medidas», reforça a investigadora do Instituto de Biofísica e
Engenharia Biomédica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
«Tive uma tia fantástica, irmã da minha avó paterna, que dizia que dar de nós não
custa nada a quem dá, mas pode mudar a vida a quem recebe», concorda Filipa
Costa, que aos poucos fez seu o lema dela: dar até doer.
«Uma noite, chegou sem as botas a casa por ver uma senhora à chuva com
sandálias de plástico», lembra, impressionada. Cedia o almoço e o lanche a quem
sabia ter fome. Chegou a despir roupa do corpo para deixar alguém quente nas
ruas. «Ela pensava sempre nos outros antes de pensar nela, punha o máximo de
amor no que fazia. E funcionava. Era lindo de se ver», sublinha a animadora. Afinal,
dá quem tem para dar.
«Em circunstâncias harmoniosas, esta capacidade de ver o mundo pelos olhos dos
outros revela-se no decorrer da maturação neurocognitiva da criança, embora
situações de maus-tratos, stress continuado ou medo impeçam, muitas vezes, o
desenvolvimento neste aspeto», explica Teresa Andrade, para quem viver devia ser
um ato contínuo de dar e receber amor.
Que importa se é um altruísmo puro ou um egoísmo bondoso? O que interessa
são os resultados.
Tanto se lhe dá que digam que a bondade é egoísta pelo simples facto de nos
encher de prazer: «Que problema pode haver nisso, ser um altruísmo puro ou um
egoísmo bondoso?» O que interessa são os resultados concretos, aponta a
psicóloga. «Se forem benéficos para todos, melhor.»
«Reiki é a passagem de energia através das mãos, com ou sem contacto físico, e
complementa a medicina convencional», explica a socióloga terapeuta, lembrando
que esfregamos sempre as zonas do corpo que magoamos. Já tratou cães, gatos,
cavalos, aves, roedores, apoiada por uma série de outros voluntários treinados
para ajudar. «Com mudança individual e mudança social isto vai.»
De facto, anos de investigação levada a cabo pelas neurociências atestam haver
mudanças estruturais e funcionais no cérebro quando treinamos o altruísmo, o que
abre caminho a modelos educativos que permitam fomentá-lo de raiz.