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DIVERSIDADE
E
EDUCAÇÃO
Intersecções entre corpo,
gênero e sexualidade,
raça e etnia
Título
Diversidade e educação: intersecções entre corpo, gênero e sexualidade, raça e etnia
Jamil Cabral Sierra; Marcos Claudio Signorelli (Orgs.)

EQUIPE EDITORIAL

COORDENAÇÃO EDITORIAL – Jamil Cabral Sierra e Marcos Claudio Signorelli


PREPARAÇÃO DOS ORIGINAIS – Mariana Linczuk
REVISÃO DE LINGUAGEM– Maria Regina Giesen
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO – Mariana Linczuk
CAPA – Luciana Ferreira

Os textos aqui presentes são de inteira responsabilidade, no que se refere a seu conteúdo
téorico-metodológico, de seus respectivos autores e autoras. Nem os organizadores, nem a
UFPR Litoral tem responsabilidade sobre eles.

Diversidade e educação: intersecções entre corpo, gênero e sexualidade, raça e


etnia. / Organizadores: Jamil Cabral Sierra; Marcos Claudio Signorelli. Matinhos:
UFPR Litoral, 2014.

193 p.
ISBN 978-85-63839-21-3

1.Diversidade. 2. Educação. 3. Gênero. 4. Sexualidade. I. Sierra, Jamil Cabral.


II. Signorelli, Marcos Claudio.

CDD 370

CATALOGAÇÃO NA FONTE

Fernando Cavalcanti Moreira, CRB 9/1665


DIVERSIDADE
E
EDUCAÇÃO
Intersecções entre corpo,
gênero e sexualidade,
raça e etnia

Organizadores

Jamil Cabral Sierra


Marcos Claudio Signorelli
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Dilma Vana Rousseff

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
José Henrique Paim Fernandes

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA,


ALFABETIZAÇÃO, DIVERSIDADE E INCLUSÃO
(SECADI)
Macaé Maria Evaristo dos Santos

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Reitor
Zaki Akel Sobrinho

Vice-Reitor
Rogério Andrade Mulinari

Setor Litoral
Diretor
Valdo José Cavallet

Vice-Diretor
Renato Bochicchio

Coordenação de Integração de Políticas de


Educação a Distância - CIPEAD
Coordenadora
Marineli Joaquim Meier

Coordenador do Curso Gênero e Diversidade


na Escola
Marcos Claudio Signorelli

Vice-Coordenador
Jamil Cabral Sierra

Coordenador de Tutoria
Clóvis Wanzinack

Coordenador Pedagógico
Daniel Canavese de Oliveira

Coordenadora do Núcleo de Educação à


Distância da UFPR Litoral
Ana Christina Duarte Pires

Apoio Administrativo
Paula L. Brum

Produção de Material Didático


CIPEAD
SUMÁRIO
Apresentação........................................................................................................................... 09

1ª Intersecção – ESTUDOS SOBRE GÊNERO E DIVERSIDADE

1.1 ESCOLARIZAÇÃO DA SEXUALIDADE: APONTAMENTOS PARA UMA REFLEXÃO


Maria Rita de Assis César....................................................................................................... 17

1.2 IGUALDADE DE GÊNERO E CO-EDUCAÇÃO: REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA


A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA
Daniela Auad.............................................................................................................................. 31

1.3 VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UM DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO


Marcos Claudio Signorelli..................................................................................................... 49

1.4 BULLYING E CYBERBULLYING: FACES SILENCIOSAS DA VIOLÊNCIA


Clóvis Wanzinack..................................................................................................................... 67

1.5 TEORIZANDO AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL


Aparecida de Jesus Ferreira.................................................................................................. 83

2ª Intersecção – ESTUDOS SOBRE CORPO E DIVERSIDADE SEXUAL

2.1 DO GUETO À AVENIDA: 30 ANOS DE LUTA DO MOVIMENTO LGBT E A


CONQUISTA PROGRAMA BRASIL SEM HOMOFOBIA
Alexandre José Rossi............................................................................................................... 107

2.2 RELAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: AS “MISTURAS”


E AS SEPARAÇÕES COMO FORMA DE APRENDIZAGEM
Luciano Nascimento Corsino............................................................................................... 129

2.3 A EXPERIÊNCIA TRANSEXUAL E A ESCOLA


Dayana Brunetto Carlin dos Santos................................................................................... 145

3ª Intersecção – ESTUDOS SOBRE CORPO E DIFERENÇA

3.1 A NORMALIDADE EM SUSPEITA – OU QUANDO A DIFERENÇA JOGA NO


LABIRINTO
Juslaine de Fátima Abreu Nogueira................................................................................... 171

3.2 SOBRE VAMPIROS E OUTROS MONSTROS SEXUAIS


Jamil Cabral Sierra.................................................................................................................... 183

3.3 ANALOGON
Luciana Ferreira......................................................................................................................... 193
APRESENTAÇÃO

O presente volume que a leitora e o leitor têm em mãos é


resultado do empenho de um conjunto de docentes da UFPR Litoral
que, já há algum tempo, esforçam-se para implementar nesse setor
da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, consequentemente,
em toda a comunidade litorânea deste estado, inciativas de ensino,
pesquisa e extensão voltadas à temática de diversidade e educação
(e suas intersecções com corpo, gênero e sexualidade, raça e etnia).
Tais inciativas materializam-se na forma de atividades de ensino (seja
nos módulos de Fundamentos Teórico Práticos, seja nas atividades de
Interação Cultural e Humanística), bem como na forma de atividades
de extensão e pesquisa produzidas ao longo dos últimos anos. Parte
desse grupo de docentes, por sua vez, também já produziu um curso
de extensão em 2007, para membros da comunidade escolar da Rede
Municipal de Matinhos/PR.1

E é, com esse mesmo esforço já empenhado anteriormente, que


publicamos, agora, essa coletânea de artigos sobre a temática de
“Diversidade e Educação”, particularmente - embora não exclusivamente
- voltado a um novo projeto: o curso de Gênero e Diversidade na
Escola (GDE). Esperamos que, ao encontrar-se com autoras/autores de
distintas regiões do país, que aqui se dispuseram a contribuir, leitoras e
leitores possam tramar uma inesperada relação com esses escritos. Um
encontro com o outro, com o texto-outro (ou com o texto do outro)
capaz de reverberar toda a potência que a leitura dessas linhas pode
provocar. E, como organizadores, temos certeza de que tal provocação
– a provocação tão urgente nesse nosso tempo que aí está – será
fundamental nesse trabalho teórico e político de combate às formas
de opressão e violência de gênero/sexuais, bem como de classe e raça/

1
Esse grupo de professores/as fazem parte do REGEDI – Grupo de Estudos e Pesquisas em
Gênero e Diversidade Sexual. O REGEDI, por sua vez, já produziu um curso de extensão
em 2007, para membros da comunidade escolar da Rede Municipal de Matinhos/PR. Tal
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e preconceitos” foi desenvolvido em parceria com o Grupo de Estudos de Gênero
e Tecnologia (GETEC) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), com
objetivo de sensibilizar docentes, diretores/as, orientadores/as e zeladores/as das escolas
de Matinhos a respeito de questões de gênero, sexualidade e diversidade sexual.

9
etnia que massacram multidões de corpos que, de uma forma ou de
outra, não se ajustam ao processo normalizador que se impõe em
nossa contemporaneidade. É, portanto, inspirado nesse compromisso
– o de combate às formas de opressão e violência do outro - que esse
volume traz a público esse conjunto de textos, organizados em três
intersecções.

Na primeira intersecção, intitulada ESTUDOS SOBRE GÊNERO E


DIVERSIDADE, encontra-se o texto Escolarização da sexualidade:
crqpvcogpvqu"rctc"woc"tgÞgz«q, de Maria Rita de Assis César, em que
a autora, ao fazer um retrospecto de como se constituiu, no Brasil, o
processo de escolarização da sexualidade, nos ajuda a pensar as formas
pelas quais a sexualidade ganhou importância no cenário educacional
brasileiro, bem como de que maneira a sexualidade se transformou
em um conteúdo escolar, ganhando, inclusive, lugar em políticas
públicas, como nos PCNs, por exemplo. Com base nessa constatação, a
autora mostra os desdobramentos desse processo de escolarização da
sexualidade no campo da educação, o que reforçou, sobremaneira, o
dispositivo da sexualidade e a heterossexualidade compulsória.

Logo após, temos Kiwcnfcfg" fg" i‒pgtq" g" eq/gfwec›«q<" tgÞgz gu"
necessárias para a construção da democracia, de Daniela Auad, texto
no qual a autora aborda, com base em sua pesquisa de doutoramento,
as relações de gênero nas práticas escolares. Seu estudo teve percepção
inovadora e baseou-se na distinção, inédita em nosso país, entre os
termos “escola mista” e “coeducação”. A referida distinção possibilitou
notar, como um dos resultados da pesquisa, que a maneira pela qual
a mistura entre meninos e meninas se impõe na realidade escolar, sem
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construção e no reforço de diferenças hierarquizadas entre o masculino
e o feminino.

Em seguida, há o texto Xkqn‒pekc" fg" i‒pgtq<" wo" fgucÝq" rctc" c"


educação, de Marcos Claudio Signorelli, que faz um retrato de como
vem sendo constituído, especialmente em âmbito brasileiro, os índices
de violência de gênero e sexual. Meticulosamente, o autor aponta os
números e dá a eles uma interpretação fundamentada com base no
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dados quantitativos, mas também uma análise qualitativa das formas
de produção da violência contra a mulher e contra a população LGBT,
especialmente travestis e transexuais.

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Aproveitando o debate em torno da questão da violência, o capítulo
Bullying e Cyberbullying: faces silenciosas da violência" $_"$ " 〈 ワ "
de Clóvis Wanzinack a respeito de duas problemáticas cada vez mais
emergentes no cotidiano escolar e que sinalizam aspectos referentes à
multiplicação de preconceitos com tudo aquilo que “soa” diferente. Tais
situações podem engendrar atos de violências reais, que se materializam
de forma física ou psicológica e podem ter como arena tanto ambientes
escolares, quanto, com o advento das Tecnologias de Informação e
Comunicação, cada vez mais também os ambientes virtuais.

Fechando essa primeira parte, temos o texto Vgqtk|cpfq"cu"tgnc› gu"


étnico-raciais no Brasil, de Aparecida de Jesus Ferreira. Nele, a autora
analisa o chamado “mito da democracia racial” para argumentar que
a ideia do Brasil como uma “democracia racial” ainda é um “mito”, já
que ainda precisamos de ações que implementem políticas públicas
para a igualdade de negros e afrodescendentes no sistema escolar,
tanto na Educação Básica como no Ensino Universitário. De acordo com
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informações sobre a complexidade das relações raciais existentes no
Brasil.

Na segunda intersecção, chamada ESTUDOS SOBRE CORPO E


DIVERSIDADE SEXUAL, temos o texto Do gueto à avenida: 30 anos
de luta do movimento LGBT e a conquista Programa Brasil sem
Homofobia, de Alexandre José Rossi, em que o autor se propõe a
reconstituir o processo histórico que possibilitou a criação do Programa
Brasil Sem Homofobia. O autor argumenta que na década de 1980 a
relação entre Movimento LGBT e Estado era marcada por interesses
antagônicos e que, a partir da segunda metade da década de 1990,
passou a caracterizar-se como parceria, principalmente na execução
de políticas públicas voltadas para a prevenção do HIV/AIDS junto à
população LGBT.

Na sequência, temos Tgnc› gu" fg" i‒pgtq" pc" gfwec›«q" h ukec"


gueqnct<"cu"ÐokuvwtcuÑ"g"cu"ugrctc› gu"eqoq"hqtoc"fg"crtgpfk|cigo,
de Luciano Nascimento Corsino, em que o autor pretende tecer uma
análise de como as/os docentes organizam as aulas de Educação
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“misturas” e as separações entre meninas e meninos. Fundamentado
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São Paulo, Luciano nos mostra como as formas de organização estão

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sujeitas às oposições binárias de gênero, que decorrem, segundo ele,
de três principais elementos: constituição das identidades de gênero,
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O próximo texto, intitulado A experiência transexual e a escola, de


Dayana Brunetto, que resulta de sua pesquisa de mestrado, se propõe
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tanto, a autora nos apresenta a transexualidade como uma construção
histórica da modernidade, assim como é a escola. Dessa maneira,
Dayana nos oferece uma análise de narrativas de transexuais sobre a
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foram e são engendrados em meio a relações de saber-poder (das quais
faz parte a experiência transexual) para a produção de corpos dóceis,
úteis e governáveis.

Na terceira e última intersecção, chamada de ESTUDOS SOBRE


CORPO E DIFERENÇA, temos três ensaios sobre o tema, sendo um
deles constituído a partir de um trabalho de arte visual. O primeiro,
chamado A normalidade em suspeita – ou quando a diferença joga
no labirinto, de Juslaine de Fátima Abreu Nogueira, busca pistas no
discurso literário de “A casa de Astérion”, conto de Jorge Luis Borges,
para problematizar os olhares sobre a alteridade, ou seja, o outro que
é lido nos mecanismos de exclusão e, fundamentalmente, o outro que
tem sido discursivizado no jogo retórico da inclusão. Desse modo, a
autora, ao alimentar-se da palavra literária de Borges, convoca-nos a
uma experiência da subversão do olhar, algo que parece ser vital para
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sempre acionado com base em uma única espacialidade possível: a da
normalidade.

O segundo texto dessa interseção é Sobre vampiros e outros


monstros sexuais, de Jamil Cabral Sierra, ensaio em que o autor,
ao traçar uma analogia entre o universo vampiresco e o universo
homossexual, dá pistas de como podemos entender o processo de
construção do diferente. Recorrendo a estudos de Foucault e Derrida,
o texto constrói, com base em referências que vêm da literatura e do
cinema vampirescos, fundamentos para compreender as formas de
constituição do horror à diferença, especialmente do horror à diferença
de gênero/sexual.

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O último trabalho, um projeto de arte visual intitulado Analogon, de
Luciana Ferreira, procura compor, a partir da técnica de colagem sobre
pintura, um quadro imagético que tematiza os limites do corpo, suas
dobras e curvas, suas imposições e intersecções, bem como explora
a constituição da ideia de monstruosidade justamente para, de seu
interior, pensar formas de subversão das noções de norma/anormal.

É esse, portanto, o horizonte que está à espera de sua leitura.


ィ$"o ÿ $" "~ Y$ィメ 『"nメィ"$}イnメ『" " メ ÿ メ $" "nメイÌ メイ $ ÿ $『"
de modo a constituir outras possibilidades de olhar para os fenômenos
que envolvem a temática de Gênero, Diversidade e Educação.

Boa leitura!
Os organizadores.

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ESTUDOS SOBRE
GÊNERO E
DIVERSIDADE
1ª Intersecção
ESCOLARIZAÇÃO DA SEXUALIDADE:
APONTAMENTOS PARA UMA REFLEXÃO¹
Maria Rita de Assis César

1 INTRODUÇÃO

A escolarização da sexualidade no Brasil não é uma particularidade


das últimas décadas, ao contrário, a educação sexual constituiu uma
preocupação que remonta às primeiras décadas do século passado.
Nos anos 20 e 30 do século XX, a educação sexual era uma preocupação
para médicos, intelectuais, professores e professoras que povoavam o
universo educacional brasileiro naquela época. Em 1933, foi fundado,
no Rio de Janeiro, o Círculo Brasileiro de Educação Sexual, que produziu
o Boletim até o ano de 1939 (VIDAL, 2002).

Ao contrário daquilo que se habituou a pensar a respeito da ocultação


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era objeto de discussões entre médicos e educadores que defendiam a
presença de uma educação, tanto para a higiene sexual dos jovens, como
para o desempenho das identidades de gênero. Inclusive, já existia um
debate entre aqueles/as que defendiam uma educação sexual baseada
em preceitos morais e outros que defendiam uma educação sexual que
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no positivismo. Desse modo, os saberes da ciência e da psicologia eram
mobilizados para que crianças e jovens pudessem ser informados sobre
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futuro e dos procedimentos sexuais para uma vida adulta saudável e
feliz (CÉSAR, 2009)

No Brasil, o Círculo Brasileiro de Educação Sexual reproduzia as


ideias que circulavam na Europa e nos Estados Unidos no período
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preocupações eram centrais naquele momento: a higiene, que dizia
respeito aos cuidados com o próprio corpo, e a moral e o eugenismo,

1
Este texto possui algumas partes em versão atualizada, expandida e revisada do texto
anteriormente publicado nos Cadernos Temáticos – Sexualidade, da SEED – PR. (PARANÁ,
2009).

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que consistiam em um debate importante para a ciência nesse período.
O eugenismo preocupava-se com as questões relativas à descendência,
à “raça” e à transmissão de características indesejáveis que, por sua
vez, produziria indivíduos “inferiores”, enfraquecendo toda uma
população. Nessa perspectiva, o eugenismo era o saber que dava
suporte ao “novo racismo” que supostamente tinha as suas bases na
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eugenismo e vislumbravam suas consequências nefastas, a maior parte
dos intelectuais que defendiam a educação sexual da juventude tinha
por pressuposto o higienismo e o eugenismo.

No ano de 1922, o importante reformador educacional brasileiro,


Fernando de Azevedo, respondeu a um inquérito promovido pelo
Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo,
sobre educação sexual. Naquela ocasião, o intelectual destacava a
importância do ensino da matéria para o ‘interesse moral e higiênico do
kpfkx fwqÓ e para o Òkpvgtguug"fc"tc›cÓ (MARQUES, 1994). Nascia, então,
o interesse da educação nacional pela educação sexual como objeto de
ensino nas escolas brasileiras.

Nos primeiros anos da década de 1960, antes da ditadura militar,


o Brasil vivia um clima de renovação pedagógica. E foi justamente
nesse período que o tema da educação sexual retornou para o discurso
pedagógico. Nessa segunda onda da educação sexual brasileira,
escolas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte organizaram
programas para os seus alunos. Nas escolas paulistas destacaram-
se as experiências desenvolvidas tanto na Escola de Aplicação da
Universidade de São Paulo quanto no Colégio Vocacional e nos
Colégios Pluricurriculares."‒ $ " ÿ„イnÿ$ " n̅}n$ "~ " ~ n$x.メ"
sexual e todas as demais experiências pedagógicas originadas nessas
instituições foram reprimidas e suprimidas pela ditadura militar.
Naquele período, o interesse crescente pela educação sexual entre as/
os educadoras/es brasileiros levou a deputada federal Júlia Steimbruck,
em 1968, a apresentar um projeto de lei propondo a introdução da
educação sexual obrigatória nas escolas primárias e secundárias do país
(WEREBE, 1998). Entretanto, as objeções ao projeto de lei, elaboradas
pelos membros da comissão designada para a sua apreciação, tinham
um caráter moralista e repressor que compatibilizava com a própria
ditadura militar. No início dessa era moralista e ditatorial, em 1965, uma
portaria do secretário de Estados dos Negócios da Educação do Estado
de São Paulo proibiu professores do ensino secundário, em especial
os de Biologia e de Sociologia, de exporem nas escolas temas sobre a
sexualidade e sobre a contracepção (WEREBE, 1998).

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Como a ditadura, impôs um regime de controle e moralização dos
costumes, especialmente decorrente da aliança entre os militares e o
majoritário grupo conservador da Igreja Católica. Assim, a educação
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por parte do Estado, e toda e qualquer iniciativa escolar suprimida com
rigor. Todavia, as iniciativas que conseguiam resistir e burlar o controle
tornaram-se experiências de resistência e, nas décadas seguintes, a
educação sexual foi tomada como um dos marcos educacionais das
lutas pela democratização do país.

Assim, podemos observar uma mudança de lugar dos discursos


sobre a sexualidade e a educação sexual no Brasil: nas primeiras
décadas do século XX, como projeto positivista de modernização da
sociedade, com bases higiênicas e eugênicas e, posteriormente, sob
o ethos da luta pela democratização, sob a égide dos movimentos
sobre os direitos das mulheres. Entre as décadas de 1970 e 1980, nas
lutas contra a ditadura e especialmente no decorrer do processo de
redemocratização, as experiências e projetos de educação sexual foram
fortemente ligados a intelectuais feministas. Estas iniciativas partiam de
uma crítica à hierarquia de gênero que, por sua vez, suprimia os direitos
das mulheres de gerirem seus próprios corpos. Entre as principais
intelectuais que escreveram e desenvolveram projetos sobre a educação
sexual é importante destacar os trabalhos de Carmem Barroso e Cristina
Brusquini. Essas autoras, desde o início dos anos de 1970, já realizavam
experiências de educação sexual e estudos sobre a condição feminina
no Brasil, iniciando uma linhagem de estudos que se desenvolveu a
partir dos anos de 1980 (BARROSO, 1980, 1982; BRUSQUINI; BARROSO,
1983).

2 SEXUALIDADE, ESCOLA E OS PCNS

Com base em diferentes perspectivas, desde o início do século XX,


a relação entre sexualidade e escola foi um dado bem estabelecido.
Entretanto, seria interessante analisar melhor a relação entre a escola
e o “sexo bem educado”, mesmo que o conceito de “sexo bem
educado” tenha se transformado ao longo do século XX. Para realizar
essa indagação seria necessário investigar o papel atribuído à escola,
além dos processos de escolarização dos corpos de crianças e jovens
nos últimos duzentos anos. Esta análise seria necessária para então
entendermos o transcurso do processo de escolarização dos indivíduos
e dos conhecimentos que nos informam sobre as transformações dos
saberes gerais em disciplinas escolares. Hoje, na presença de uma
história da educação marcada por descontinuidades históricas que

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demonstra a difícil construção da institucionalização do ensino ao longo
~メ" •n oメ" þ 『" }n$" ィ$ÿ " Ì(nÿo" イ イ~ " メ" n$ ( " $ ÿ}nÿ$o" ~ " メ~メ " メ "
elementos que compõem o universo escolar (DUSSEL; CARUSO, 2003).
Se tomarmos essa história da educação que demonstra a organização
da instituição escolar fundamentada nos processos disciplinadores que,
por sua vez, produziram a modernidade urbana e industrial, a escola
ocupa o lugar privilegiado do processo de disciplinarização dos corpos
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ocasião de suas preocupações acerca da preparação de professores
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$" ~$ÓメÓÿ$】"ア $ "$ o$ 『"メ"}oヨ メÌメ" メno$ィ$ $" "メ" $ o"~$" nメo$"
era fazer com que crianças se habituassem a permanecer sentadas e
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disciplina era muito pior que a falta de cultura (VEIGA-NETO, 2000).
Ao proferir estas, que seriam as primeiras aulas sobre a pedagogia na
ィメ~ イÿ~$~ 『"`$イ "~ }イÿ$" ィ" $ o" $ $"$"ÿイ ÿ ÿx.メ" nメo$ 『"ÿ メ"•『"
ensinar crianças a serem disciplinadas.

Se relacionarmos, então, a escolarização a disciplinarização de


corpos infantis, a educação do sexo encontra o seu lugar na escola na
própria conformação da instituição escolar. A história da educação, ao
longo dos séculos XIX e XX, cada vez mais demonstra as experiências
escolares do aprendizado corporal, por meio dos dispositivos
disciplinares, nos quais as regras de higiene e saúde física, mental e
sexual concorrem para a formação de corpos saudáveis e disciplinados.
Assim, o “sexo bem educado” se apresenta como parte fundamental
desse processo, mesmo que este não seja abordado sob a rubrica
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sexuais entre crianças e jovens nas escolas e colégios foi uma tônica na
conformação da pedagogia moderna (COSTA, 1983).

A instituição escolar se transformou ao longo do século XX. Ora


conservadora, ora revolucionária, ora progressista, ora tradicionalista.
Entretanto, a partir dos anos de 1970, na Europa e nos Estados Unidos,
os movimentos pelos direitos civis, as lutas feministas, os movimentos
gays e lésbicos e as reivindicações étnico-raciais produziram suas
marcas no discurso sobre a escola. As análises sobre as instituições
escolares apontavam-na como “aparelho ideológico do estado”, como
“lugar da reprodução social”, além de perceberem as metodologias de
ensino como meras operações depositórias de conhecimentos, entre
outras críticas fundamentais (SILVA, 1999). Assim, a escola não poderia
mais se manter incólume diante de tantas críticas.

20
Percebia-se, principalmente, que o modelo escolar estava em
crise e esta crise não dizia respeito somente à escola, pois aquilo que
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educação tomava contornos ainda mais sérios, na medida em que
o processo de consolidação da modernidade educacional não se
constituíra plenamente, vide ainda no presente as remanescentes
taxas de analfabetismo e os nove milhões de jovens, em idade de
Ì イ $ ィ"メ" イ ÿイメ"ィ•~ÿメ『"Ìメ $"~$" nメo$『"$o•ィ"~$ "ÿイ ÿÓイÿ}n$イ "
taxas de escolarização superior.

Voltemos à questão sobre o ensino ou a escolarização da sexualidade.


Em resposta à crise, a partir de 1996, surge no Brasil os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs). Assim, o governo federal pretendia
resolver todos os problemas relativos à educação no Brasil. Inspirado
pela reforma espanhola, o governo brasileiro tomava a concepção dos
temas transversais e instituía a educação sexual ou orientação sexual,
como foi denominado, como um dos temas a serem trabalhados
transversalmente ao currículo.

O fascículo sobre o tema transversal Orientação Sexual, publicado


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A partir de então os debates se dividiram entre aquelas/es que
defendiam orientação/educação sexual como uma disciplina, como
garantia de abordagens dentro das iniciativas curriculares; e aquelas/es
que a defendiam como tema transversal, pois assim poderia habitar as
múltiplas abordagens disciplinares. Todavia, esse debate, que não será
aqui desenvolvido, poderá fornecer algumas pistas para pensarmos
sobre a pergunta primeira, sobre o lugar da sexualidade na escola.
Partiremos, então, do dado, pois se espera que a escola realize uma
educação/orientação sexual, salvo casos isolados de frentes religiosas
e ultraconsevadoras. Tomemos uma vez mais o sexo, a sexualidade e a
educação/orientação sexual como um dado dentro do universo escolar.
} " ィメ~メ『" $ィメ 『" $" $ ÿ " ~$ ÿ『" $oÿ_$ " ィ$" 〈 .メ" $n n$" ~メ"
campo de questionamentos da sexualidade.

3 O SEXO REI

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em três volumes, intitulada História da Sexualidade, entre 1976 e 1984.
Em 1976, publicou o primeiro volume que recebeu o subtítulo de A
vontade de saber (FOUCAULT, 1984). Os leitores que buscavam maior
compreensão acerca da história do sexo e das práticas sexuais através

21
dos tempos, na tentativa de entenderem o binômio entre a repressão
sexual e a liberação do sexo nos anos setenta, encontravam dentre
as teses do autor uma percepção da sexualidade como uma criação
discursivo-institucional, cuja função seria o controle dos indivíduos
e das populações. Assim, o autor separava o sexo da sexualidade, e
demonstrava que o sexo seria um ponto de injunção fundamental das
práticas de controle populacional do século XIX, e que o nome dado a
esse dispositivo de controle era sexualidade.

メ " ィ ÿメ" ~ " ィ$" ìÿ メ ÿメÓ $}$" ィ ÿ メ" }イ$~$『" " $ メ"
demonstrou a criação e o desenvolvimento de uma maquinaria de
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n̅}nメ 『" ~$ " Ì$o$ " " ~$ " ( ÿn$ " ~メ" メ】" Ëメ $ィ" ~ ィメイ $~$ " $ "
demarcações em torno das práticas sexuais que, mediante um controle
rígido, gerado pelos saberes institucionalizados como a medicina, a
psiquiatria, a pedagogia e psicologia, demarcaram os territórios e as
subjetividades, entre a legitimidade e a anormalidade.

Em um processo de estabelecimento de fronteiras, a sexualidade foi


o instrumento dessa separação que, por sua vez, criou as delimitações
entre uma prática sexual bem educada e as outras, que deveriam
メn $ " ィ" o Ó$ " ÿイ~ }イÿ~メ『" メ " ~ ィ$ n$~メ" o$" no .メ】" ム" メ"
bem educado, ou normatizado, isto é, as práticas heterossexuais,
monogâmicas, consolidadas pelo matrimônio e reprodutivas, eram
assistidas pelos olhares e ouvidos atentos de médicos e psiquiatras, que
メ~ÿ$ィ"$ •"ィ ィメ" n "ィ$ÿ " メ" "$"ÿイ イ ÿ}n$x.メ"~メ" $_ 】"
As práticas outras deveriam ocupar o lugar das margens e também
serem esquadrinhadas por médicos e terapeutas para produzirem
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homossexual, a histérica, o onanista, etc.

Assim, o conceito de sexualidade, tal como foi elaborado no século


XIX, ao tratar das práticas políticas das populações, tendo como função
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de saúde, habitação, casamentos, a urbanização das cidades e, em
nメイ $ $ ÿ~$『" ~メ" $ ÿoメ" " イ.メ" nメ メイ~ÿ$" &" ~ }イÿx.メ" ~ " ィ$"
população forte e saudável foi relegado às práticas de exclusão.

Desse modo, vemos nascer um conceito de sexualidade, sendo o


único que pertence a nossa história, como a justa medida de separação
entre normalidade e anormalidade. Em se tratando da nossa história
ocidental, as práticas de exclusão são inumeráveis e se deram em
イメィ " ~メ" ~ÿ n メ" nÿ イ ̅}nメ" " ÿイ ÿ nÿメイ$o『" nメィメ" ~ ィメイ $~メ" メ "

22
Michel Foucault e outros autores que realizaram pesquisas posteriores.
Foucault, na mesma História da Sexualidade, dizia que talvez haveria
um tempo em que deixaríamos de lado o dispositivo da sexualidade e
passaríamos a nos indagar tendo em vista uma perspectiva de corpos
e prazeres, abandonando esse dispositivo de nomeação dos sujeitos
sexuais e de exclusão. No entanto, não se pode dizer que o dispositivo
da sexualidade tenha sido abandonado, pois três décadas após os seus
escritos, todavia, vemos alguns deslocamentos dessa ideia, isto é, talvez
não exista mais uma preocupação com a masturbação das crianças,
entretanto, percebemos uma verdadeira obsessão com seu corpo e sua
saúde.

No decorrer das décadas de 1980 e nas décadas posteriores, a


discussão sobre a educação sexual nas escolas foi se centrando na
tentativa de elaboração das práticas pedagógicas que se distanciassem
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Todavia, muitas das práticas se resumiam às aulas de ciências, mas
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letivo, o currículo de ciências dedicava-se ao estudo dos “aparelhos
reprodutores”, masculino e feminino. Nesse momento, se aproveitava
para mostrar imagens de órgãos genitais deformados por enfermidades
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a prática sexual às enfermidades. Dentre as primeiras iniciativas nas
escolas brasileiras, as “caixinhas de dúvidas”, já existentes desde os
$イメ " ~ " →⊇〓〒" イメ " ‒ $~メ " イÿ~メ " " イ$" ‒ メ $『" " }_ $ィ" イ "
nos processos de escolarização da sexualidade. Depositadas as dúvidas,
estas seriam sanadas por meio da mais pura língua da ciência.

A partir da segunda metade da década de 1980, o Estado brasileiro,


em virtude das pressões advindas das organizações não governamentais
que desenvolviam importantes projetos de prevenção do HIV/AIDS,
começou a se preocupar com a contaminação de jovens em idade
escolar e apoiou iniciativas de educação sexual nas escolas. Além do
HIV/AIDS, a gravidez na adolescência era também um mote para os
projetos. Os métodos contraceptivos, o uso da “camisinha”, a “hora
certa” para a primeira relação sexual, ou o “exercício da sexualidade
responsável”, foram os temas encaminhados pelos projetos escolares
(XAVIER FILHA, 2009).

23
Quase um século depois da primeira iniciativa de um programa de
educação sexual nas escolas brasileiras, o “sexo bem educado” não
mais pertencia ao universo do esclarecimento positivista, mas ocupava
outros lugares como a responsabilidade, a saúde e o bem viver.

No cenário educacional contemporâneo a escolarização


da sexualidade tomou rumos diversos, como a psicologia do
desenvolvimento, a sociologia das representações sociais, a própria
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como por exemplo, a exótica parceria entre prevenção de drogas e a
sexualidade, que representa uma ligação bastante comum nos projetos
escolares.

Uma vez mais vou reportar à história e ao conceito de sexualidade


$o" nメィメ" ~ }イÿ " ァÿnì o" Ëメ n$ o 『" メÿ " イ メ" " " ィ" ìメ ÿ_メイ "
importante para que pensemos sobre a escolarização da sexualidade.
Desse ponto de vista, a educação/orientação sexual se apresenta como
um dispositivo de controle, pois é justamente na instituição escolar que
se instauraram os dispositivos disciplinares sobre os corpos de crianças
e jovens. Para Guacira Lopes Louro (1999), a escola, junto com outras
instâncias sociais, é uma entre as múltiplas instituições que exercitam
uma pedagogia da sexualidade e do gênero.

Embora os PCNs tenham se apresentado como um referencial


〈 ̅ o" $ $"Ìメィ イ $ "$" o$dメ $x.メ"~ " メ メ $ 『" メ~ イ~メ"メ "イ.メ" "
adotado pelas escolas, esse material teve um impacto muito grande
na educação brasileira. Foram publicados muitos livros sobre os temas
transversais e a sexualidade, inúmeros cursos e palestras assolaram
o país demarcando uma posição importante ocupada pelas políticas
de governo. Embora em muitos estados os PCNs estejam em desuso,
inclusive com os estados realizando propostas próprias de diretrizes e
currículos, a marca dos PCNs e dos temas transversais permanece no
imaginário de professoras e professores.

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referencial foucaultiano, em sua análise os PCNs provocam uma
incitação ao discurso sobre o sexo na escola, isto é, uma verdadeira
explosão discursiva. Dentro dos pressupostos dos temas transversais,
“a orientação sexual deve impregnar toda a área educativa” (p.127) Por
meio da incitação ao discurso do sexo, aprendemos com Foucault que
se instaura os mecanismos de controle sobre os corpos dos indivíduos,
exercido não dentro de um sistema de punições e proibições, mas

24
sim por meio de mecanismos que produzem sujeitos e seus corpos
sexuados, ou exercem um controle sobre uma forma ideal de viver a
sexualidade. As análises realizadas sobre os PCNs demonstram que
estes possuem uma abordagem preventiva. Prevenir as práticas sexuais
de “risco” seria a tônica desta forma ideal de sexualidade.

A partir desse ponto importante é possível traçarmos os limites entre


o controle sobre os corpos e o sexo e as formas de resistir ao controle.

4 OS LUGARES DA CRÍTICA

É importante lembrarmos que qualquer decisão teórica e


epistemológica é também política. Em se tratando da escolarização
da sexualidade é muito importante que se analise as implicações das
メo̅ ÿn$ "~ " $oÿ~$~ "イ$ "ÿイ ÿ ÿxワ " ィ"Ó $o『" "イメ"n$ メ" n̅}nメ『"
na escola. Lembremos também que o dispositivo da sexualidade, ao
produzir os controles sobre os corpos e populações, instaurou um
regime de heterossexualidade compulsória, produzindo o ‘outro’ da
sexualidade ou as sexualidade ‘fora da norma’. A heterossexualidade
compulsória é um conceito a partir do qual Judith Butler (1999) analisou
as relações de poder entre homens e mulheres e homossexualidade e
heterossexualidade nas relações sociais.

Contemporaneamente, após realizadas todas as operações e


problematizações sobre o dispositivo da sexualidade, se encontrarmos
um lugar para a ‘sexualidade’ na instituição escolar, isto será a partir
de uma perspectiva crítica radical (pós-estruturalista). Nesse sentido,
•" ÿィ メ $イ " " イì$ィメ " ~ ィ$ n$~メ" ィ" n$ィ メ" n̅}nメ" ~ "
abordagem na instituição escolar, isto é, as perspectivas analíticas
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que problematizem a presença da heterossexualidade como norma,
a hierarquia de gênero e os múltiplos sujeitos sexuais. É importante
ressaltar que, como um tema transversal, a sexualidade tornou-se
“hipersaturada”, na medida em que poderia aparecer em todos os
lugares e todos os momentos e, principalmente, falar-se-ia o tempo
todo e de todos os modos. Todavia, é importante lembrar que o
℃Ì$o$ ヨ ÿメ¥"Ìメÿ"$"ィ$イ ÿ $"ィ$ÿ " }nÿ イ "~ "nメイ} ィ$ "$ "イメ ィ$ " " Ó $ "
do dispositivo da sexualidade.

Recusando as possibilidades majoritárias sobre as formas de


escolarização da sexualidade, abre-se a perspectiva de produzir outros
lugares. Além das implicações conhecidas, é importante ressaltar que

25
a presença da sexualidade na escola pode também ser uma estratégia
~ " $x.メ" メo̅ ÿn$" nメイ $" ィ ÿ $ " nメÿ $ " " }n$ $ィ" $d o nÿ~$ " oメ"
dispositivo da sexualidade. Além do encontro com as perspectivas pós-
estruturalistas dos estudos de gênero e da sexualidade, as teorizações
queer são muito profícuas para a denúncia das normatizações,
das violências contra os múltiplos sujeitos sexuais e a localização e
reconhecimento de modos de vida outros e outras sexualidades além
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e as sexualidades, desde uma perspectiva masculina e heterossexual,
ÿÓイÿ}n$" $ィd•ィ" nメイ ÿ "メ " ÿÓイÿ}n$~メ "~メ "nメ メ 『"~メ "~ Yメ " "
prazeres.

Também partindo da perspectiva dos estudos pós-estruturalistas e


das teorizações queer e, sobretudo, radicalizando os questionamentos,
entende-se que uma cultura organizada a partir da heterossexualidade
compulsória será sempre responsável também por uma
“heteronormatividade” curricular, isto é, a percepção de que o currículo
possui uma matriz heterossexual. Assim, a teoria queer de currículo
não trata da simples incorporação do outro, pois esta seria uma ação
originária das “políticas de tolerância” que assumem a existência do
dÿイリィÿメ" イメ ィ$o∴$イメ ィ$o『" $nÿ}n$イ~メ" $" $o ÿ~$~ " =m‒ # 『" ←〒→→≠】" #メ"
contrário disso, a teoria queer questiona as condições de possibilidade
de um conhecimento. Ao tratar da teoria queer, Guacira Lopes Louro
(2004) diz que “[...] há limites para o conhecimento: nessa perspectiva,
parece importante indagar o que ou quanto um dado grupo suporta
conhecer” (p.65).

Os limites do discurso do sexo são marcados por sua concepção


naturalizada, a-histórica e consequentemente imutável. Nessa
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delimitando uma fronteira entre os sujeitos, masculino/feminino,
heterossexual/homossexual e normal/anormal. Contra isso, a teoria
queer de currículo e outras teorizações também baseadas nas teorias
pós-estruturalistas trazem à tona uma discussão sobre os limites desse
modelo de construção de conhecimento, demonstrando que o sexo,
corpo e o próprio gênero são construções culturais, determinadas pelos
limites do pensamento ocidental moderno.

Assim, um trabalho com a sexualidade ou uma educação sexual


pode ser pensado em primeiro lugar como uma disposição política
por parte de professoras e professores, pois esta implica, segundo
Deborah Britzman (1999), em uma capacidade para a liberdade. Nesta

26
n ÿ $『" c ÿ _ィ$イ" $} ィ$" " $" $oÿ~$~ " ~ ÿ$" " メィ$~$"
como prática de liberdade na medida em que, realizada a crítica ao
modelo heteronormativo e gênero e sexualidade, os próprios limites do
pensamento são elididos.

$ $" }イ$oÿ_$ 『" ィ$" _" ィ$ÿ " メn$イ~メ" メ" イ $ィ イ メ" ~ " ァÿnì o"
Foucault sobre a crítica da sexualidade, tomando-a como dispositivo
de controle de corpos e populações, Foucault propõe que pensemos
em corpo e prazeres. Desse modo, após uma análise exaustiva do
dispositivo da sexualidade, Foucault pensou outras práticas sexuais e
sociais, assim como culturas erótico-afetivas que resistem aos códigos
morais e sexuais do dispositivo da sexualidade, no interior de um projeto
ético do cuidado si e da estética da existência. Nessa perspectiva, do
ponto de vista dos projetos de escolarização da sexualidade, faz-se
importante pensar sobre a possibilidade da presença de abordagens,
tanto crítica do dispositivo da sexualidade, como também estéticas,
demonstrando outros modos de vida e culturas sociais e sexuais. Cabe
ainda indagar sobre a possibilidade da instituição escolar suportar
práticas não normatizadas da sexualidade, dos desejos e dos afetos.

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28
SOBRE A AUTORA

Maria Rita de Assis César possui graduação em Ciências Biológicas


(1988), mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
- UNICAMP (1998), doutorado em Educação pela Universidade Estadual
de Campinas - UNICAMP (2004) com estágio de pesquisa (Doutorado
Sanduíche) na Universidade de Barcelona/Espanha. Pós-doutorado em
Ëÿoメ メ}$" mメイ ィ メ *イ $" =ァÿnì o" Ëメ n$ o ≠" イ$" イÿ ÿ~$~ " ~ " $ ÿ "
XII (2011-2012) sob a supervisão do Prof. Dr. Frédéric Gros. Bolsista
Produtividade de Pesquisa – CNPQ/PQ 2. Atualmente é Professora
Adjunta do Setor de Educação na Universidade Federal do Paraná - UFPR
e professora do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação
em Educação (Mestrado e Doutorado) - PPGE/UFPR. Coordenadora
do Laboratório de investigação em Corpo, Gênero e Subjetividade
na Educação (UFPR/CNPq) e pesquisadora do Núcleo de Estudos
de Gênero (UFPR/CNPq) e. Vice-coordenadora do GT 23 - Gênero,
Sexualidade e Educação da ANPEd (2011-2015). Membro do Conselho
Editorial da Educar em Revista (ISSN 0104-4060) e da Editora da UFPR.
Experiência na área de Educação (Ensino) com ênfase nos estudos sobre
corpo, gênero, sexualidade e subjetividade; atuando principalmente
nos seguintes temas: poder, biopolítica, governamentalidade e estética
da existência (M. Foucault); pós-estruturalismo; teorias de gênero;
feminismo e teoria queer.

29
IGUALDADE DE GÊNERO E CO-EDUCAÇÃO:
REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA A
CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA¹
Daniela Auad

O tradicional sistema educacional apresenta diariamente, a todas


" メ~メ 『" ィ" ~ $}メ" イメ" " " Ì " $メ" Ìメィ イ メ" ~$ " ~ ÿÓ $o~$~ "
de gênero na escola. Estas desigualdades ferem os princípios básicos
de uma sociedade que se deseja democrática. A partir dessa assertiva,
o presente texto noticia pesquisa na qual a escola é percebida como
um espaço especialmente marcado pelas relações de gênero. Embora
diversas publicações2 $ $ィ" ~ $" nメイ $ $x.メ『" イ.メ" " ÿ}n$『" ィ"
nosso país, acúmulo considerável de obras de referência tratando
exclusivamente das relações de gênero nas práticas escolares no Ensino
Fundamental. Por outro lado, a maioria das políticas educacionais
ignora a escola que se constrói determinando e sendo determinada
pelas relações de gênero. Uma possível explicação para esse fenômeno,
como aponta Tomaz Tadeu da Silva, seria a existência de uma tradição
crítica em educação no Brasil, rigidamente apegada a esquemas
fechados e estáticos de análise, indiferente ao reconhecimento e
incorporação da importância de novos atores sociais3. Essa tradição
crítica revela-se incapaz de se apropriar de “novas” categorias, como
gênero, raça-etnia e geração. Como consequência disso, há a tendência
a se desconsiderar tudo aquilo que extrapola as relações de classe, de
dominação e exploração sócio-econômica.

¹O presente texto é uma adaptação do trabalho “Relações de gênero nas práticas


escolares e a construção de um projeto de co-educação”, de autoria de Daniela Auad,
apresentado na 27ª Reunião Anual da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação), realizada em nov/2004 em Caxambu - MG.

²Há amplo leque de publicações de variadas abrangências e localidades, no Brasil e no


Exterior. Dentre as muitas abordagens possíveis, há de se destacar, no território nacional,
alguns estudos tradicionais, como os seguintes: Cristina BRUSCHINI e Tina AMADO,
Estudos sobre mulher e educação: algumas questões sobre o magistério, Cadernos de
Pesquisa; Fúlvia ROSEMBERG e Tina AMADO, Mulheres na escola, Cadernos de Pesquisa;
Tomaz Tadeu da SILVA, Territórios contestados: O currículo e os novos mapas políticos e
culturais; Guacira Lopes LOURO, Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-
estruturalista; Guacira Lopes LOURO (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade.

³Tomaz Tadeu da SILVA, Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos


e culturais, p.3.

31
Na produção dos estudos educacionais, portanto, parece não se
nメイ ÿ~ $ "メ" メ"~メ " $ ÿnÿ $イ "~メ"nメ ÿ~ÿ$イメ" nメo$ " "メ " ÿÓイÿ}n$~メ "
de gênero que constituem tal cotidiano. Da mesma maneira, pode não
estar sendo percebido o modo como a escola é mais do que uma mera
℃ メ~ メ $¥『" ィ" nメイ〈ÿ メ " " メdo ィ$ 『" ~ " ィ$" ~ ィÿイ$~$" ÿ .メ"
do que seja tradicionalmente masculino e feminino.

Alunas e alunos não são vítimas passivas. Elas e eles resistem,


contestam e podem apropriar-se diferentemente do corpo de
conhecimentos com os quais entram em contato na escola, formal
e informalmente. Nesse sentido, a escola é produtora de diferenças,
distinções e desigualdades. A escola que a sociedade ocidental
moderna herdou separa adultos de crianças, ricos de pobres e meninos
de meninas. Herdamos, e agora de muitas maneiras mantemos, uma
importante instância de fabricação de meninos e meninas, homens
e mulheres. O trabalho de conformação que tem início na família
encontra eco e reforço na escola, a qual ensina maneiras próprias de se
movimentar, de se comportar, de se expressar e, até mesmo, maneiras
de 'preferir'. Guacira Lopes Louro destaca, contudo, que os sujeitos
não são passivos receptores de imposições externas. “Ativamente eles
se envolvem e são envolvidos nessas aprendizagens — reagem,
respondem, recusam ou as assumem inteiramente". 4

Essa perspectiva elucida que os sujeitos não são assim tão ‘sujeitados”
『" ィ" イ$ " " nメ ÿ~ÿ$イ$ " n $ " " $} ィ$xワ 『" メ " ′イ.メ ″" .メ" "
mostrando contidos nos gestos e nas falas daqueles que resistem5. Por
um lado, a escola, na sociedade ocidental em que vivemos, legitima
e transmite modelos masculinos e femininos tradicionais. Há um
conjunto de atividades e acontecimentos escolares condizentes com
as relações de gênero predominantes, tradicionais e bipolares em
vigência na nossa sociedade. Por outro lado, essa mesma escola também
reformula os modelos masculinos e femininos tradicionais. Na escola,
há também um conjunto de atividades e acontecimentos motivadores
de novos e alternativos arranjos e exercícios acerca do masculino e do
feminino. Tais arranjos e exercícios são diferentes daqueles socialmente
esperados e em vigência.

4
Guacira Lopes LOURO, Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-
estruturalista, p. 61.

5
Flávia SCHILLING, Estudos sobre Resistência, p.4/5.

32
Essas assertivas, reveladoras do lado “passivo” e do lado “reativo”
das relações de gênero na escola, são a base sobre a qual se assentaram
os pressupostos centrais da investigação narrada no presente texto,
assim como os seus objetivos, metodologia do trabalho e conclusões
do estudo.

1 A INVESTIGAÇÃO E SEUS FUNDAMENTOS

Um dos pressupostos centrais da investigação é que, embora


as escolas brasileiras sejam mistas, não temos, em nosso país, co-
educação. Trata-se de assertiva elaborada a partir do diálogo, por
mim estabelecido, entre publicações sobre as temáticas “Educação e
Relações de Gênero”, “Educação e Democracia”, e, ainda, “Educação e
Direitos Humanos”. Em seu texto Educação em Direitos Humanos: de
que se trata?, Maria Victoria Benevides faz distinção entre os termos
“educação para a democracia” e “educação democrática”. A partir
disso, foi possível demarcar em que diferem os termos “co-educação”
e “escola mista”.

A educação democrática corresponde ao processo educacional


permeado por regras democráticas — igualdade diante das normas e
do uso da palavra — durante o seu desenvolvimento. Já a educação
para a (e na) democracia, de maior profundidade e abrangência, ocupa-
se da formação dos sujeitos para a vivência de valores republicanos
e democráticos, tornando-os cônscios de sua dignidade e a de seus
semelhantes, de modo a fomentar a solidariedade. A educação para a
democracia consiste ainda na Cidadania Ativa, ou seja, na formação para
a participação na vida pública como governante ou cidadão comum6.

Somou-se à distinção realizada por Benevides a leitura do livro La


okzkvfi" "nÓfieqng"rtkocktg, de Claude Zaidman7. A união dos referenciais de
Benevides e Zaidman auxiliou-me a construir a seguinte assertiva: o fato
de as meninas e os meninos freqüentarem juntos a escola não garante
que haja co-educação. Ou seja, na escola não estão garantidas sequer
as regras democráticas tradicionais, no sentido da igualdade diante das
normas, igual uso da palavra, direito à escolhas e à participação.

6
Maria Victoria BENEVIDES, Educação para a Democracia, Lua Nova, p.228.

7
Claude ZAIDMAN, La mixité à l’école primaire. A autora da obra é Maître de Conférences,
na disciplina de Sociologia, na Universidade Paris VII.

33
Assim, escola mista e co-educação são termos que podem ser
diferenciados, apesar de serem utilizados como sinônimos. Proponho
tal distinção, inédita em nosso país, ao longo da escrita deste trabalho
nメィ"$"}イ$oÿ~$~ "~ " メ イnÿ$oÿ_$ "メ"~ d$ " メd " ~ n$x.メ" " o$xワ "
de gênero. A maneira pela qual a ‘mistura’ entre meninos e meninas
"ÿィ ワ "イ$" $oÿ~$~ " nメo$ 『" ィ"メdY ÿ メ "~ }イÿ~メ " " ィ" 〈 .メ"
~$ÓヨÓÿn$『" メ~ "ÿイ〈 イnÿ$ "イ$"nメイ x.メ" "イメ" Ìメ xメ"~ " o$xワ "~ "
gênero desiguais na realidade escolar e, também, a partir dela.

A ‘mistura’ de meninas e meninos no ambiente escolar não equivaleria,


desta forma, ao ideal de co-educação. Para que este fosse levado a
termo, a escola mista teria de ser pensada, questionada e analisada a
partir das relações de gênero e das relações entre os sexos que estão
em jogo cotidianamente. Sendo assim, conclui-se que pode revelar-
" • ÿo" $" nメ ÿ „イnÿ$" イ " メ " メ " " イ.メ" ìメ " ィ$" 〈 .メ"
pedagógica a esse respeito. Essa coexistência não será sinônimo de
término de desigualdades se não for considerado o contexto social de
separação em vigor, e ainda largamente dominante, no tocante aos
gêneros masculino e feminino.

Nesse sentido, compreende-se a co-educação como necessária e


possível, mesmo que não aplicada de fato ainda. Tal situação conduziu-
ィ " $メ" nメイn ÿ メ" ~ " °ÿ~ ÿ$" ( ÿnメ△ Ó o$ ÿ $°『" ~$" }oヨ メÌ$" ì イÓ$ $『"
radicada nos EUA, Agnes Heller. Tal conceito foi utilizado por Beatriz
Bastos Teixeira, em sua tese de doutorado, para referir-se à educação
para a democracia:

[...] é uma idéia que regula a ação humana, ou


seja, não é existente no sentido em que o são os
objetos, nem está submetida à causalidade; ao
mesmo tempo tem 'realidade objetiva' na medida
em que regula as ações humanas inseridas no
mundo causal, temporal e fenomênico.8

Ou seja, a “ideia prático-regulativa” trata-se de ideia que não existe


ainda em fato, do modo como é descrita discursivamente, mas pode vir
a existir, até porque é isso que se deseja. Assim como a educação para
a democracia, a co-educação pode ser uma “ideia prático-regulativa”.
A co-educação pode ser entendida como um modo de gerenciar as

8
Beatriz Bastos TEIXEIRA, Por uma escola democrática, p.24.

34
relações de gênero na escola, de maneira a questionar e reconstruir as
ideias sobre o feminino e sobre o masculino.

E existem mais comparações possíveis. A diferenciação estabelecida,


por Maria Victoria Benevides, entre educação democrática e educação
para a democracia pode ser transposta para distinguir escola mista e co-
educação. Pode haver educação democrática sem que esta seja guiada
pelo ideal de educação para democracia. Assim como pode haver —
e este é o pressuposto central do qual partiu meu estudo — escola
mista sem haver, em exercício e em funcionamento, uma política de
co-educação. Nessa perspectiva, não há co-educação sem escola mista,
mas pode haver escola mista sem existir co-educação.

A escola mista é um meio e um pressuposto para haver co-educação,


ィ$ "イ.メ"•" }nÿ イ " $ $" " $"メnメ $】"‒ィ" ィ$" nメo$"ィÿ $『"$"nメ△
educação pode se desenvolver, mas isto não acontecerá sem medidas
explicitamente guiadas por parte das professoras e amparo de políticas
doÿn$ "n Yメ"メdY メ" Y$"メ"}ィ"~$"~ ÿÓ $o~$~ "~ "Ó„イ メ『"イメ"*ィdÿ メ"
educacional.

A co-educação, assim como a educação para a democracia, só


existirá a partir de um conjunto de ações adequadas e sistematicamente
voltadas para a sua existência e manutenção. Figura, neste aspecto, o
enorme valor das práticas pedagógicas para levar a bom termo tal ideal.
Nessas práticas pedagógicas, os sujeitos são professoras, professores,
alunos e alunas.

Ao considerar esses pressupostos, remonta-se, no âmbito do ideal de


co-educação, ao paradoxo da democracia. A democracia não existe sem
uma educação apropriada, sem a formação de cidadãos democráticos.
Contudo, para que tal formação aconteça, são necessárias educadoras,
cuja formação se dará concomitantemente ao desenvolvimento de
práticas democráticas9. Desta forma, tanto a educação para a democracia
quanto a co-educação têm como fator imprescindível para o seu alcance
$" Ìメ ィ$x.メ" ~ " メÌ メ $ 】" $ $△ " ~ " Ìメ ィ$x.メ" ~ " メ} ÿメイ$ÿ "
comprometidas com a concretização de ações educacionais e práticas
pedagógicas igualitárias e democráticas.

9
Tal paradoxo é apontado por Maria Victoria BENEVIDES, Educação para a Democracia,
Lua Nova, p.235.

35
" メ ̅ o『" メ $イ メ『" $} ィ$ " " não há educação para a
democracia sem co-educação. Ainda que esta seja uma “ideia prático-
regulativa”, apenas a sua busca pode tornar a escola uma instituição
mais comprometida com o término das desigualdades.

Estou, portanto, convicta de que, no Brasil, as escolas mistas,


lamentavelmente, não correspondem à vigência da co-educação.
Minha convicção assenta-se sob algumas premissas que podem ser
assim resumidas:

★" #" ~ÿ ÿイx.メ" イ " メ " ィメ " nメo$" ィÿ $" " nメ△ ~ n$x.メ" •" o$"
primeira vez proposta por mim em minha pesquisa e neste trabalho,
nメィ"$"}イ$oÿ~$~ "~ "Ìメ $o n "メ"~ d$ " メd " ~ n$x.メ" " o$xワ "
de gênero;

★" ア.メ" ì(" nメ△ ~ n$x.メ" ィ" nメo$" ィÿ $『" ィ$ " メ~ " ì$ " nメo$"
mista sem que haja co-educação;

★" #" nメ△ ~ n$x.メ" ヨ" ÿ ÿ (" $" $ ÿ " ~ " ィ" nメイY イ メ" ~ " $xワ "
adequadas e sistematicamente voltadas para a sua existência e
manutenção;

★" ア.メ" ì$ (" $イ Ìメ ィ$x.メ" ▽" イメ" イ ÿ~メ" ~ " Ì ÿ $ィ イ "


democratizar a rede de escolas mistas — sem a vivência da co-
educação.

2 METODOLOGIA E OBJETIVOS DA PESQUISA

A partir dos pressupostos centrais da pesquisa, destaco que o


objetivo principal da investigação foi conhecer as relações de gênero
nas práticas escolares. Esse objetivo principal se desdobrou e se
compôs por um conjunto de objetivos delineados em sua função.
þ メ" ÿÓイÿ}n$" ~ÿ_ " " nメイì n " $ " o$xワ " ~ " Ó„イ メ" イ$ " ( ÿn$ "
escolares implicou em:

★"mメイì n "nメィメ" " $ィ"$ " o$xワ "~ "Ó„イ メ" ィ"$ ÿ ÿ~$~ "
rotineiras, e também incomuns, da escola;

★"mメイì n " $o" メ"•"Ì ÿ メ"~$ " o$xワ "~ "Ó„イ メ" $ $"メ Ó$イÿ_$ "メ"
trabalho na escola;

★" mメイì n " nメィメ" " $" =メ " イ.メ≠" $" ~ ÿÓ $o~$~ " ~ " Ó„イ メ"
na escola;

36
★" o nÿメイ$ " " ÿ ィ$ ÿ_$ " dÿdoÿメÓ $}$" n̅}n$『" イ$nÿメイ$o" " ~メ"
exterior, composta por estudos e pesquisas sobre relações de
gênero e educação escolar;

★" ‒o nÿ~$ 『" $" $ ÿ " ~メ" corpus" dÿdoÿメÓ (}nメ『" nメィメ" ÿ ィ" d$ "
teóricas e empíricas de saber acumulado que tornem o tema em
causa uma questão sociológica no campo da educação;

★"mメイì n "$ "~ÿÌ イ " "イ.メ"nメイ イ $ÿ " メ ÿxワ "~ " ÿ $~メ $ "
de vários países, sobre o debate, realizado mundialmente, acerca
das escolas mistas ou separadas por sexo. Vale notar que trata-se
de polêmica acerca da qual, até o momento, não se teve notícia de
maneira sistematizada no Brasil;

★" Ëメ イ n " nメイì nÿィ イ メ" $ $" ÿoÿ_$x.メ" ィ" n メ " ~ " Ëメ ィ$x.メ"
~ " メÌ メ $ 『"$"}ィ"~ " イ ÿdÿoÿ_$ "$ " ~ n$~メ $ " $ $"$ " o$xワ "
sociais de gênero em vigência na escola e em nossa sociedade;

★" ‒『" }イ$oィ イ 『" d ÿ~ÿ$ " メo̅ ÿn$ " doÿn$ " ~ n$nÿメイ$ÿ " "
promovam a igual valorização do feminino e do masculino, em
nossa sociedade.

Para atingir esses objetivos, o estudo delineou-se em dois eixos:

1. O eixo campo, constituído pela observação das práticas escolares,


nas séries ou ciclos iniciais de uma escola de Ensino Fundamental.

2. O gkzq" dkdnkqit Ýeq『" nメ メイ~ イ " &" ÿ $" ~ " dÿdoÿメÓ $}$"
sobre os temas “Educação Escolar e Relações de Gênero”, “Co-
educação” e “Mixité”.

ム" ~メ" ~ " cÿdoÿメÓ $}$" メd " ‒~ n$x.メ" " o$xワ " ~ " Ò„イ メ『"
com obras latino-americanas (inclusas nesta categoria as produções
brasileiras), com obras francesas e anglo-saxãs, dentre outras
contribuições, cumpriu o papel de guiar o meu olhar na pesquisa de
campo. A partir de um conjunto de autores10『" ÿ~ イ ÿ} ÿ" nメィメ" メ "

10
X $"‒ ̄ ‒n‒ #" "‒】" ムm`‒ ‒nn】" ÿ $" $ ÿnÿ $イ 』"moÿÌÌメ ~"Ò‒‒  ̄『"#"þイ $x.メ"
~$ "m o $ 』" メd "cムÒ}#ア" " $ ÿ"cþ`n‒ア『"þイ ÿÓ$x.メ" $oÿ $ ÿ $" ィ" ~ n$x.メ【" ィ$"
introdução à teoria e aos métodos; Claudia FONSECA, Quando cada caso NAO é um caso:
ÿ $" イメÓ (}n$" " ~ n$x.メ『" ÿ $"c $ ÿo ÿ $"~ "‒~ n$x.メ】

37
métodos, que de antemão eu havia decidido adotar, faziam a pesquisa
inscrever-se no campo das investigações qualitativas e de inspiração
イメÓ (}n$】" ィ$イ nÿ"~ $イ "←"$イメ "nメィメ"メd $~メ $"~$ " ( ÿn$ "
nos pátios e nas salas de aula, em uma escola púbica de uma grande
cidade brasileira. Centrei minhas observações nas 2ª, 3a e 4a séries do
‒イ ÿイメ"Ë イ~$ィ イ $o】"#o•ィ"~ÿ メ『" ィ$"~$ " ÿィ ÿ $ "$ ÿ ÿ~$~ " "}_"
na Escola do Caminho11 foi participar das reuniões com as professoras,
com a coordenadora e com a diretora. O objetivo das reuniões era
explicar quais eram os meus objetivos, como seriam as observações e
qual era o tema de meu estudo12.

Para guiar minhas observações e transformá-las em um corpo de


dados inteligível, estabeleci alguns princípios, sob a forma de “passos”
a serem seguidos:

1. Observava as diversas situações com as quais me envolvia durante


$ "ìメ $ " ィ" "}n$ $"イ$" nメo$『"イ$" $o$"~ "$ o$" "イメ" ( ÿメ』

2. Escrevia os acontecimentos, incluindo comentários sobre os


イ ÿィ イ メ " " イ メo ÿ$ィ"$"n イ$『"$o•ィ"~ "ÿイno ÿ "~ $oì " n̅}nメ "
de comportamentos verbais e não-verbais;

↑】" ÿ$"$ "イメ $ "~ "n$ィ メ『"ÿ~ イ ÿ}n$イ~メ" $~ ワ " ィ" "~$~メ 』"

↓】"Ëメ ィ o$ $"$} ィ$xワ "d$ $~$ "イメ " $~ ワ " イnメイ $~メ 』"

5. Lia textos selecionados e escrevia resenhas com comentários que


relacionassem os conteúdos dos textos às notas de campo;

11
アメィ " }n ̅nÿメ" nメィ" メ" $o" ℃ d$ ÿ_ ÿ¥" $" イÿ~$~ " nメo$ " " ÿ "~ " ~ " $ $" $"
pesquisa de campo.

12
Dessas reuniões surgiu o pedido de um curso sobre Educação e Relações de Gênero.
A minha entrada nas classes e a realização de minhas observações despertou nas
professoras, coordenadora e diretora o interesse pelo tema. Para o curso, elaborei um
conjunto de conteúdos e dinâmicas. Tais conteúdos e dinâmicas transformaram-se, ao
longo de 2002, em um livro, publicado em 2003, sobre “Feminismo, Relações de Gênero
e Educação”. Tal produção trata-se de esforço pessoal em oferecer material atualizado e
acessível sobre o Movimento Feminista e a categoria gênero, o que penso ser uma lacuna
na área de formação de professoras.

38
Mais do que um apanhado de transcrições, o resultado dessa prática
foi conseguir uma "descrição densa"13, o que pode ser assemelhado
$" ィ$" ℃ィÿn メ$イ(oÿ " イメÓ (}n$¥14】" メn ÿ△ィ " ィ" ÿ~ イ ÿ}n$ " メ"
ÿÓイÿ}n$~メ"~$ " o$xワ " メnÿ$ÿ "~ "Ó„イ メ"イ$ " ( ÿn$ " nメo$ 】"‒『" "
por um lado, a escola era a cena imediata na qual essas relações se
ィ$イÿÌ $ $ィ" "Ó$イì$ $ィ" ÿÓイÿ}n$~メ『" メ "メ メ『" $ィd•ィ"Ìメÿ"~ $n$~$"
a relação entre a escola e o contexto social maior em que esta se insere.

A pesquisa foi feita em uma única unidade escolar. Concordo com


n xワ "nメィメ"$"~ "mo$ ~ÿ$"Ëメイ n$" $イ~メ" o$"$} ィ$" "℃~$~メ "
tirados do estudo qualitativo de um certo segmento da vida social
podem dar ensejo a modelos abstratos"15. Segundo Fonseca, esses
ィメ~ oメ " oÿn$ ÿ メ " ィ " .メ" ィ$" ÿィ oÿ}n$x.メ" Ó メ ÿ $" ~$"
realidade e não há como prever de antemão que serão a “chave de
compreensão” da realidade. Contudo, os modelos servem para serem
utilizados como hipóteses; para servirem de alternativa; para abrir o
leque de interpretações possíveis, e não para criar novas fórmulas
dogmáticas. Nessa perspetiva, os modelos revelam como é importante
considerar o social para contextualizar histórias individuais, assim como
é possível chegar às generalizações a partir de dados particulares. Tal
noção torna representativa a realidade depreendida em apenas uma
escola.

Desta forma, produzi uma narrativa na qual tentei não reforçar a


polaridade entre particular/universal e local/geral. Um estudo no qual
o processo de coleta de dados e de construção de assertivas foi guiado
preponderantemente pelas questões que surgiam a partir dos dados
ィ ̅ ÿnメ 『" $イ メ" メd $~メ " ィ" n$ィ メ『" $イ メ" oÿ~メ " イ$" dÿdoÿメÓ $}$】"
Tal protagonismo dos dois eixos da pesquisa — o eixo campo e o
ÿ メ" dÿdoÿメÓ (}nメ" ▽" ÿ~ イnÿ$" ÿィ• ÿn$" nメイ ÿd ÿx.メ" ~$" nメo$" " ~$"
dÿdoÿメÓ $}$"nメィメ"℃oメn$ÿ ¥"~ " メ~ x.メ"~$ " 〈 ワ "$" $ ÿ "~メ " $ÿ "
o estudo resultou.

13
Clifford GEERTZ, A Interpretação das Culturas.

m$ ィ イ" n nÿ$" ァ#
14
ム 『" #" $dメ ~$Ó ィ" イメÓ (}n$" イ$" ÿイ ÿÓ$x.メ" nÿ イ ̅}n$『" ÿ $"
Espaço.

mo$ ~ÿ$"Ëムア ‒m#『" $イ~メ"n$~$"n$ メ"ア-ム"•" ィ"n$ メ【"


15
ÿ $" イメÓ (}n$" " ~ n$x.メ『"
Revista Brasileira de Educação, p.76.

39
3 RESULTADOS DO ESTUDO

Das observações na escola e como uma das conclusões do estudo,


destaco que não existe, em nosso país, uma relação planejada e direta
entre as escolas mistas que temos e um ideal de co-educação. A escola
mista seria condição para trilhar o desejável percurso rumo à co-
educação. O que pode comprovar tal assertiva são as práticas escolares
ainda polarizadas e hierarquizadas no que se refere às relações de
gênero, por mim observadas e a seguir descritas:

★" ÿoÿ_$x.メ" ~$ " ~ÿÌ イx$ " ~ " nメィ メ $ィ イ メ" イ " ィ イÿイ$ "
e meninos, como se fossem dados essenciais, para facilitar a
condução da disciplina na classe e no pátio. Tal prática se mostrava,
メ" ィ oメ『" イ$" ィメ ÿ $x.メ" ~メ " Ó メ " ~ " $}イÿ~$~ " イメ" ( ÿメ『"
tendo como critério a separação por sexo entre as crianças, e na
organização das salas de aula em colunas compostas por duplas de
meninas e de meninos;

★"ァ イメ " メo *イnÿ$"~$"ÿイ~ÿ nÿ oÿイ$" ィ"Ó メ "~ "ィ イÿイ$ " "$ $ イ "
percepção de que meninos, sendo indisciplinados em grupo,
estavam exercendo seu “papel” e sua independência na escola,
embora fossem geralmente repreendidos. Nesse sentido, a despeito
da formação de grupos, as professoras eram mais atenciosas com
os meninos e mais severas quanto à disciplina das meninas. Tal
estratégia disciplinar redundava em interações pedagógicas menos
estimulantes para as meninas. Elas, por participarem de uma dinâmica
relacional dominada pelos meninos, poderiam aprender que suas
contribuições têm pouco valor e que a melhor solução consiste em
se retrair. As meninas pareciam pensar, portanto, que sua melhor
contribuição seria auxiliar a professora na manutenção da ordem da
classe, ao executarem todas as demandas da mestra. Os meninos, ao
contrário, seriam impelidos a “se exibirem” de diferentes maneiras,
o que pode se mostrar contraditório com a tradicional imagem
do quieto e tranqüilo bom aluno. Exatamente por essa razão, ao
menino não indisciplinado ou muito calado poderia ser atribuído
algum traço patológico;

★" # イ $x.メ" ィ o$ " ~ " n$~ イメ " " ~ " メ " $ " ~$ "
meninas, a partir de diferentes apreciações e demandas endereçadas
às meninas e aos meninos. O papel de “boa aluna que ajuda os
colegas” também era uma dessas demandas e correspondia à
Ó $ ÿ}n$x.メ" $ $"$ "ィ イÿイ$ 】"‒o$ "$イÓ$ ÿ$ $ィ"$oÓ ィ" メ~ "nメィ"ÿ メ"

40
ao se relacionarem com as professoras e com as demais crianças.
Esse fenômeno em sala de aula pode ser percebido como reforço
à tradicional socialização feminina e como um modo de perpetuar
uma determinada divisão sexual do trabalho;

★"ムn $x.メ"~メ" $xメ" メイメ メ" oメ "ィ イÿイメ "~ イ メ"~$" $o$"~ "$ o$"
e constante focalização de atenção, por parte da professora, em
relação a eles. Tal fator demonstrava, ao lado de outros aspectos,
diferenças de interação entre professora/aluno e professora/aluna.
Vale notar que interação não corresponde necessariamente à
aprovação da professora em relação à atitude dos meninos. Muitas
vezes, a interação professora/aluno era maior até pela grande
quantidade de vezes em que a professora tinha que “chamar a
$ イx.メ¥"~メ "ィ イÿイメ 『" ィ"〈$Ó $イ " ÿイ$o"~ " メ $x.メ『" メ " $ "
da educadora, quanto à atitude do aluno;

★" n x.メ" ~メ " ィ イÿイメ " nメィ" イ~„イnÿ$" ィ$ÿメ " $" ~メィÿイ$ " メ "
grandes espaços. Tal traço foi coletado no recreio a partir de dois
dados: (1) a existência de jogos mistos com reforço de polaridade
e hierarquia entre o masculino e o feminino, como “Beijo, abraço,
aperto de mão”, “Menino pega Menina” e “Menina pega Menino”;
e (2) a presença dos meninos em todas as atividades em que era
necessário e possível correr e expressar-se com o corpo de modo
amplo;

★" ムn $x.メ" ~ÿÌ イnÿ$~$" ~ " ( ÿメ " " $~ $" oメ " ィ イÿイメ " "
meninas. Isso ocorria no recreio, quando os meninos ocupavam dois
pátios e uma quadra para jogarem futebol. Quanto às meninas, estas
ocupavam os cantos laterais do pátio, ao pularem elástico, corda e ao
conversarem. Existiam jogos mistos, mas vale notar que os meninos
sempre estavam em todos os jogos de movimento, ao passo que as
únicas atividades do recreio que não implicavam corrida e amplos
movimentos, como passear e conversar, eram desempenhadas
apenas por meninas. Não observei nenhuma atividade de pátio, na
hora do recreio ou na hora da entrada, na qual apenas as meninas
ocupassem espaços amplos das quadras, como é o caso do futebol
para os meninos. Assim, ocorria a separação em grupos de meninos
e meninas nos jogos na escola, como se os próprios jogos agissem
como práticas que ensinassem meninas e meninos que há jogos
barulhentos e agitados a serem realizados pelos meninos, e jogos
discretos e limitados no espaço a serem realizados pelas meninas.
Denomino esse tipo de prática como aprendizado da separação,
que pôde ser observado em vários exemplos na Escola do Caminho.

41
Todos esses indícios que partem das práticas escolares comprovam
a questão inicialmente formulada: embora as escolas brasileiras sejam
mistas e isso seja uma das premissas da existência da co-educação,
a mistura dos sexos não enseja “naturalmente” práticas e políticas
públicas co-educativas. A comprovação dessa ideia pode tanto ser
parte da análise das desigualdades de gênero nas práticas escolares
quanto pode motivar práticas, ações e diretrizes de políticas públicas
promotoras da transformação da realidade escolar. Nesse caso,
transformar a realidade escolar seria criar um contexto igualitário para
meninas e meninos.

Para tornar isso possível, Marina Subirats Martori, Professora e


pesquisadora da Universidade de Barcelona, destaca que agentes
da mudança na direção da co-educação precisam estar em órgãos
governamentais (como secretarias e coordenadorias especiais), em
sindicatos e em organizações não governamentais. A responsabilidade
desses “agentes da co-educação” seria a de trabalhar para a
transformação, sobretudo quando eles se dedicassem a atividades como
analisar práticas e situações, traçar objetivos, estabelecer metodologias
~ " $d$oìメ" 『" $ィd•ィ『" ~ }イÿ " $ Ì$ 】" ‒イ " $ " $ Ì$ 『" (" $"
formação de pessoal, a produção de material, o estímulo às pesquisas.

E citando a professora e pesquisadora francesa Nadine Plateau:

Como se vê, um projeto de co-educação é


ambicioso. Ele supõe uma transformação
profunda das expectativas, comportamentos e
práticas da escola e uma quase revolução dos
saberes docentes. Entretanto, ele não me parece
utópico se realizado inicialmente em pequena
escala, em nível local, na classe, este laboratório
メイ~ " $" メÌ メ $" " メ" メÌ メ " メ~ ィ" ~ }イÿ "
as regras do jogo. Nós podemos criar condições
de aprendizagem que garantam a igualdade das
relações de sexo e encorajam a solidariedade e o
respeito ao outro. Nós podemos fazer com que
meninos e meninas aprendam a viver juntos na
classe, compreender esse microcosmo, situar-se
nele a partir de suas experiências individuais e
nメo ÿ $ " 『" イ}ィ『" n ÿ(△oメ" Y イ メ 】16 (tradução de
minha autoria)

16
Nadine PLATEAU, Un parcours inachevé: la mixité scolaire, Chronique
Féministe, p.12.

42
O tom ambicioso percebido por Plateau em relação à co-educação
não se encerra nas transformações que esse conjunto de estratégias
educativas prevê em relação às práticas escolares e aos saberes docentes.
O caráter ambicioso — ou o caráter de “ideal prático-regulativo”17 — do
projeto co-educativo proposto por Nadine Plateau também repousa
na esperança de integrar a crítica feminista à educação e às diferentes
disciplinas. Acredito que se trata de ideal aglutinador de professoras,
feministas, estudiosas de gênero e pesquisadoras na área de educação,
em prol de objetivo comum: a promoção de políticas públicas de
ÿÓ $o~$~ 『"イメ"*ィdÿ メ"~$ " $ÿ "}Ó "$"nメイ x.メ"~ " ィ$" nメo$" "
não seja tão marcada pelas desigualdades sociais.

ア$" ィ ィ$" ~ÿ x.メ" ~メ" " $} ィ$" o$ $ 『" ア oo " メィ ÿ "


documenta como, em vários países estudados por ela, está claramente
colocada a relação entre o que a autora chama de “políticas públicas
de gênero” e o Movimento Feminista18. A autora apresenta as políticas
públicas educacionais de gênero em países como o Reino Unido,
Canadá, Estados Unidos, Sri Lanka e Argentina. De acordo com
Nelly Stromquist, essas políticas têm como determinantes, na sua
elaboração e implementação, as Conferências Internacionais sobre
Desenvolvimento e sobre a Mulher, nas quais a educação surge
como fator importante. Também são determinantes das políticas os
}イ$イnÿ$ィ イ メ " ÿイ イ$nÿメイ$ÿ " $oÿ_$~メ " メ " メ Ó$イÿ ィメ " nメィメ" $ "
Nações Unidas e a atuação, em todas as esferas, de Organizações Não
Governamentais e de grupos acadêmicos. Estes e aquelas são, segundo
a abordagem de Marina Subirats Martori, “agentes da mudança na
direção da co-educação”19.

Nesse sentido, Stromquist relata que é possível aprender com as


feministas a dupla estratégia de pressionar o Estado e desenvolver,
paralelamente, um trabalho com grupos e ONGs. Percebo tal aprendizado
positivamente, como “aproveitar o melhor” tanto do Estado quanto das
ONGs. Apesar de o Estado abrir a possibilidade para uma atuação mais
abrangente, ele se apresenta relutante no engajamento em ações de

17
Conceito advindo da obra de Agnes Heller e já citado ao longo do texto.
18
Nelly P. STROMQUIST, Políticas públicas de Estado e eqüidade de gênero: perspectivas
comparativas. Revista Brasileira de Educação , p.28.

19
Marina SUBIRATS MARTORI, Educación de la mujeres: de la marginalidad a la
coeducación: propuesta para una metodologia de cambio educativo, p.30.

43
transformações substanciais. Em contrapartida, apesar de as mulheres
em ONGs serem muito propensas às transformações, seu trabalho
•" ~ " n$o$" ィÿn メ メo̅ ÿn$" " " " oÿィÿ $~メ" Ó メÓ (}n$" " イ ィ ÿn$ィ イ 】"
Stromquist salienta que as diferenças sociais entre os grupos de
mulheres — mulheres pobres, de classe média e "feministas de nível
$n$~„ィÿnメ°"▽"" ÿ$ィ" $ o" ÿÓイÿ}n$ ÿ メ"イ$"nメo ÿ $" $ Ì$"~ "$ $oÿ$ "$"
realidade e analisar programas já existentes. Acrescento aos grupos de
mulheres a tarefa de formular e implementar políticas públicas novas
e co-educativas. Essas políticas seriam elaboradas em parceria com
orgãos do Estado e com todas as pessoas ligadas à educação, como
alunas, professores, professoras e alunos, e com as demais esferas da
sociedade civil. Esse caráter aglutinador de vários setores evitaria que a
participação das mulheres ligadas ao Movimento se reduzisse apenas
à observação da realidade; afastaria a imagem do Estado como a única
ÿイ *イnÿ$"~ " メ~ " "ÿ ÿ$" イ $ " "~ }イÿ "$ " メo̅ ÿn$ 』" "& " メÌ メ $ "
não restaria apenas, junto com seus alunos e alunas, a execução dessas
políticas.

Deste modo, os escritos de Nelly Stromquist, dentre muitos


outros méritos, demonstram algo em que acredito: não cabe a uma
pesquisadora ou apenas a uma pesquisa ou publicação traçar uma
política de co-educação “pronta e acabada”. Isso seria, além de
イ ÿメ メ『"ÿイ }nÿ イ 『" メÿ " $ ÿ$"~ÿ $イ "~$"nメo ÿ ÿ~$~ "▽"Ìメ ィ$~$"
por professoras, professores, alunas, alunos, diretoras, coordenadoras,
agentes escolares, feministas e pesquisadoras — para quem e por
quem tal política dever ser pensada. Nenhum livro, tese ou relatório,
ÿ メo$~$ィ イ 『" メ~ (" $_ " ィ" nメイY イ メ" ~ }イÿ ÿ メ" ~ " ィ ~ÿ~$ " $ $"
tornar a escola melhor, seja no que tange às relações de gênero, seja no
que se refere a quaisquer outros fatores que precisem ser questionados
e recriados. Devido a essa certeza, não me aventurei na inglória missão
de, ao longo do estudo realizado, apresentar uma política pública de
co-educação. Contudo, estou certa de que as considerações traçadas
por mim podem servir de fomento para processos de construção
de políticas públicas de co-educação. Nesses processos, caberá,
igualmente, a todas as interessadas e interessados, a tarefa de participar
e pressionar os orgãos competentes do Estado, para que tais políticas
nメイ ィ"nメィ"$ メÿメ"ÿイ ÿ nÿメイ$o" "ィ$ ÿ$o】" } メ△ィ 『" メ $イ メ『"$" ィ$"
tarefa conjunta do Estado e da Cidadania Ativa.20

20
O conceito de Cidadania Ativa é objeto do livro de Maria Victoria BENEVIDES, A
Cidadania Ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular.

44
Nessa direção, percebo certa conjuntura no sistema de ensino
brasileiro na qual alunas, alunos, professoras, agentes escolares,
diretoras, coordenadoras e pesquisadoras podem estar na fronteira
entre, de um lado, as práticas escolares nas quais as relações de gênero
ainda são hierárquicas e polarizadas e, de outro, a possibilidade de
construção de um projeto de co-educação. Travar o debate sobre essas
práticas pode ser um modo de cruzar tal fronteira e implementar a
co-educação no Brasil. Reitero que, ao utilizar o termo “co-educação”,
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como uma) política educacional — de gerenciar as relações de gênero
na escola, de maneira a questionar e reconstruir as ideias sobre o
feminino e sobre o masculino.

O desenrolar desse debate sobre as práticas escolares e a construção


de um projeto de co-educação só será possível mediante a existência
de um claro desejo de atribuir igual valor ao feminino e ao masculino,
vistos como elementos não necessariamente opostos ou essenciais.
Se professoras, feministas e pesquisadoras não assumirem essa igual
valorização como prática, bandeira de luta e tema de estudo, talvez os
aligeirados textos jornalísticos e os best-sellers sobre “como devemos
educar, diferentemente, meninas e meninos” cuidem disso por nós.

REFERÊNCIAS

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Contexto, 2006.

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45
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ZAIDMAN, Claude. La mixité à l’école primaire. Paris: L’Harmattan, 1996.

46
SOBRE A AUTORA

Daniela Auad é Professora do Programa de Pós-Graduação


em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Nesta Universidade também leciona para o Curso de Pedagogia e
Licenciaturas. Concluiu Pós-doutorado no Departamento de Sociologia
da Universidade de Campinas (UNICAMP), em 2008. Na Universidade
de São Paulo (USP), realizou Graduação em Pedagogia, Mestrado e
Doutorado em Sociologia da Educação. É autora dos livros Feminismo:
que história é essa? (DP&A, 2003), Educar Meninas e Meninos: relações
de gênero na escola (Contexto, 2006), Gênero e Políticas Públicas:
$ $イxメ " " ~ $}メ " = n $ ÿ$" ‒ nÿ$o" ~ " メo̅ ÿn$ " $ $" $ " ァ oì "
& UCDB/MS, 2008), O Professor diante das Relações de Gênero na
Educação Física Escolar (Cortez, 2012).

47
VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UM DESAFIO
PARA A EDUCAÇÃO
Marcos Claudio Signorelli

Cada vez mais, estudos de diferentes campos disciplinares, vêm


abordando a questão da violência e seus desdobramentos na sociedade.
Vem sendo desvelada como um fenômeno complexo, que reverbera
em diferentes cenários, com inserção na agenda de áreas como
saúde, educação, segurança pública, direitos humanos, entre outras.
Importantes autores e autoras vêm estudando as distintas modalidades1
de violências, mas que por praticidade acabam sendo verbalizadas em
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Matta (1982) sustenta que a violência é própria da condição humana,
possuindo diferentes facetas e que seus referenciais variam de acordo
com a sociedade em questão. Sugere ainda que o discurso a respeito
da violência seja interrogativo e relativizador ao invés de normativo e
valorativo, como em muitos casos em que é estabelecida (e engessada)
uma dicotomia entre vítima e algoz. Nesses casos, o autor sugere
〈 ワ " メd " $" nメ $ ÿnÿ $x.メ" ~ " n$~$" ィ∴$" ~メ ∴$ " イ メo ÿ~メ ∴$ "
nesse processo, que muitas vezes pode alternar-se entre vítima e algoz,
dependendo das circunstâncias.

A partir dessa perspectiva, observa-se que as manifestações


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com referenciais históricos, sociais, culturais, religiosos e também de
gênero (SIGNORELLI, 2011). Atingem homens e mulheres de diferentes
maneiras e em diversos momentos da vida: desde crianças e adolescentes
até pessoas idosas. Ocasionam, além dos transtornos a quem sofre
diretamente dela, grande ônus a toda população, uma vez que grande
parte de ações, políticas e recursos de um país são destinados às medidas
de prevenção e minimização dessa manifestação (VILLAGÓMEZ, 2005;

¹Destaca-se a “violência física” que compreende lesões e danos à integridade física,


passando pela “violência psicológica”, que inclui humilhações, isolamento, desprezos
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retenção ou danos aos bens materiais, recursos e/ou documentos; a “violência verbal”,
caracterizada por xingamentos, ofensas, ameaças e injúrias; e culmina na “violência
sexual”, caracterizada por relações sexuais forçadas ou práticas sexuais não consentidas
(SIGNORELLI, 2011).

49
ADEODATO et al.,"←〒〒〓≠】"ア " メ" ("Ìメn$oÿ_$~$" nÿ}n$ィ イ "
uma modalidade de violência, que é a violência de gênero.

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acontecimentos violentos abrigados nos diferentes relacionamentos
de gênero, que são relacionamentos que podem pôr em interação
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ou homem e homem. A ligação entre violência e gênero é importante
para indicar não somente o envolvimento de mulheres e de homens
como vítimas e autores/as, mas também seu envolvimento como
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masculinas ou femininas. As autoras ainda acrescentam que a violência
de gênero pode ser ligada tanto a questões afetivas e emocionais –
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nos espaços domésticos e entre homens e homens nos espaços de lazer
– como a situações calculadas e utilitárias, como é o caso de estupro de
pessoas estranhas e sem vínculo afetivo.

Oliveira (2005) relata que a violência se apresenta de modo distinto


para homens e mulheres. Enquanto homens sofrem a violência
majoritariamente nas ruas, nos espaços públicos e em geral praticada
por outros homens, na maioria das vezes por estranhos, as mulheres
sofrem predominantemente a violência masculina, ou seja, perpetrada
por homens, dentro de casa, no espaço privado, e seu agressor é com
frequência o namorado, marido, companheiro ou ex-cônjuge. Nesse caso
recebe a denominação de violência doméstica. Lia Zanotta Machado
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feminino morre-se um pouco menos, e mata-se muitíssimo menos”.
A autora realizou um estudo com o Movimento Nacional de Direitos
Humanos, sobre notícias de homicídios em periódicos diários de 15
estados brasileiros, entre 1995 e 1996. Os resultados revelaram que são
homens 97,10% dos acusados e 89,70% das vítimas. Para esta autora,
a violência tem inclusive uma idade construída social e culturalmente,
sendo que a faixa etária dos 18 aos 35 anos é a que mais apresenta
homens assassinos e homens que perdem a vida violentamente
(SIGNORELLI, 2011).

Todavia, tais pesquisas devem ser analisadas cuidadosamente. Ao


analisarmos as conclusões de Lia Zanotta Machado (1998), é possível
indagar se a violência é mais comum no masculino (tanto como
perpetradores quanto como vítimas), então por que se preocupar
com a violência contra as mulheres? O fato é que nessa pesquisa são

50
computados somente os casos em que existem homicídios. Para que um
caso de violência doméstica contra mulher culmine em seu assassinato,
diversos outros atos violentos menores (mas não menos lesivos) já
ocorreram, sendo o assassinato o ápice da brutalidade. Ademais, a
violência urbana que ocorre diariamente nas ruas e em espaços públicos
é muito mais visível (e visibilizada) do que a violência doméstica, que
ocorre no interior dos lares. As pessoas que são vítimas de violência
doméstica nem sempre denunciam o crime, e, mesmo quando o
denunciam, nem sempre o crime é visto como tal pelas autoridades.
Os casos de violência doméstica nem sempre são investigados, e na
maioria das vezes os agressores não são punidos (SIGNORELLI, 2011).

A problemática da violência doméstica contra mulheres é comum


na maioria dos países do mundo. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) estima que, no mundo, uma em cada três mulheres é, já foi, ou
será vítima de violência doméstica. Apesar de ser um problema difícil de
mensurar, até porque muitas vítimas não assumem que são vítimas (por
sentimentos de medo ou vergonha), alguns estudos transnacionais2 vêm
realçando a magnitude mundial do problema. Tais estudos destacam
que países “países em desenvolvimento”, e aí se inclui o Brasil, possuem
índices muito mais elevados que os “países desenvolvidos”.

Os dados estaduais do Paraná, relativos à violência contra mulheres


são expressos, além dos registros das delegacias especializadas,
principalmente pelas informações do atendimento de serviços de saúde
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Doméstica, Sexual e Outras Violências do SINAN (Sistema de Informação
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nos municípios em todo o Estado desde 2009. Até o momento, são
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de violência a pessoas do sexo feminino, sendo 48,2% em mulheres
adultas, 27,5% em mulheres adolescentes, 21,2% em crianças e 3% em
idosas. De acordo com esses registros, a faixa etária mais vulnerável à
violência doméstica, sexual ou a outras violências no Estado foi a de

²Para mais detalhes, ver pesquisas recentes realizadas em parceria com a Organização
Mundial da Saúde por Garcia-Moreno et al. 2006 e Schraiber e D’Oliveira, 2002.

51
mulheres jovens (20 a 29 anos) com 541 casos (18,5%). Em seguida
estão as mulheres de 30 a 39 anos com 455 (15,6%), as adolescentes
de 15 a 19 anos com 453 (15,2%) e de 10 a 14 anos com 361 casos
イメ ÿ}n$~メ "=→←『↓♪≠】"‒ィ" o$x.メ"$メ"oメn$o"~ "メnメ „イnÿ$『"→∋∋→" ÿ $xワ "
ocorreram em residências (65% do total) e em segundo lugar em via
pública, com 495 casos (18,2%). Na violência contra a mulher, 1110
casos (38 %) já ocorreram outras vezes. Esses dados indicam o quanto
a mulher tem sido vítima de agressores domésticos, na grande maioria
dos casos em seu próprio lar, numa violência reincidente. Em relação
ao tipo de violência, 34,1% dos casos registram violência física, 23,8%
violência psicológica ou moral, 20,5% violência sexual e 4,7% relatam
violência patrimonial. Os maridos ou companheiros são os principais
agressores que, somados com os ex-maridos ou ex-companheiros,
representam 63,4% do total de agressores.

Convém lembrar que esses números se referem apenas aos casos


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Básicas de Saúde, Hospitais e Centros de Referência). A isso se deve
somar todo um universo de mulheres que utiliza convênios de saúde ou
rede privada de atendimento, e ainda outro universo que não recorre
aos serviços de saúde. Por isso sugerimos que, com base nos dados
nメィメ" .メ"nメo $~メ "$ $oィ イ " ∴メ "nメィメ"メ "n$ メ " .メ"イメ ÿ}n$~メ 『"
é praticamente impossível saber com exatidão o número de mulheres
acometidas por esse problema.

Para compreender a seriedade da violência contra as mulheres,


faz-se necessário entender como se dão as relações de poder entre
homens e mulheres. E para isso, é imperativo que tomemos como
referência os estudos de gênero. Joana Maria Pedro (2005) desenhou
um panorama histórico da construção de distintas categorias utilizadas
nos estudos de gênero, tais como: mulher, mulheres, gênero e sexo.
A autora estabelece um diálogo entre academia/fundamentos teóricos
e os movimentos sociais de mulheres, de feministas, de gays e de
lésbicas, sugerindo que gênero é uma categoria de análise, da mesmo
modo como quando se fala em classe, raça/etnia, geração. E adiciona,
argumentando que o termo “gênero” passa a ser utilizada no seio do
movimento feminista nos anos oitenta, ao invés da palavra “sexo”,
buscando realçar a ideia de que diferenças nos comportamentos de
homens e mulheres não eram ligadas ao sexo como questão biológica,
ィ$ " ~ }イÿ~$ " oメ" Ó„イ メ『" " o$nÿメイ$~$ " &" n o $】" } " ィメ~メ『" メ"
termo gênero possui uma trajetória em consonância com a luta por
direitos humanos, por equidade e respeito (SIGNORELLI, 2011).

52
No entanto, apesar de os estudos de gênero terem nascido no seio
do movimento feminista, é importante notar que violência de gênero
não é sinônimo de violência contra mulheres. A violência de gênero
inclui distintas modalidades de violência, que tem como pano de fundo
a categoria gênero. A violência contra mulheres vem ganhando bastante
visibilidade, especialmente no contexto brasileiro, após a aprovação
da Lei nº 11340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha3, embora
ainda seja muitas vezes banalizada e até mesmo naturalizada, estando
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“violência contra a mulher” como:

Atos dirigidos contra a mulher que correspondem


a agressões físicas ou sua ameaça, a maus-tratos
psicológicos e a abusos ou assédios sexuais.
Quando referida como violência doméstica, são
atos cometidos por um membro da família ou
pessoa que habite, ou tenha habitado o mesmo
domicílio. Nesse caso, as mulheres podem estar
envolvidas na situação tanto como agredidas
como quanto agressoras. Muitas vezes estão em
ambas as situações, quando, por exemplo, sofrem
violência do marido e batem nas crianças.

Cabe ressaltar que a expressão “violência doméstica contra a


mulher” foi cunhada pelo movimento feminista da década de 70 e
intensamente utilizada nas décadas posteriores, para chamar atenção
a essa problemática. Algumas pesquisadoras denunciam o quanto o lar
pode ser perigoso para as mulheres (GROSSI, 1998; DAS, 2008), sendo
considerado por alguns autores e autoras como o espaço onde a mulher
corre maior risco, mais do que nas ruas (SAFFIOTI, 2001). Contudo,
algumas observações consideráveis a respeito do termo devem ser
nomeadas: a) muitas/os feministas evitam utilizar o termo ‘doméstica’,

³A Lei Federal nº 11.340 sancionada pelo presidente da República em 07/08/2006 e que


entrou em vigor em 22/09/2006 é conhecida como “Lei Maria da Penha”. A alcunha, de
autoria de alguns setores do movimento feminista, é em homenagem a Maria da Penha
Maia Fernandes, biofarmacêutica cearense, vítima de violência doméstica, cujo caso
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ele em sua coluna, em tentativa de assassinato. Em 2001, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos condenou o governo brasileiro por tal omissão. Essa é a primeira lei no
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53
メÿ "$n$d$"nメイ}イ$イ~メ"$"ィ oì "イメ"$ィdÿ イ " ÿ $~メ"~メ"o$ 『" Ìメ x$イ~メ"
o espaço doméstico como um espaço feminino; b) a expressão
“a mulher”, utilizada em sua forma singular, parece não traduzir a
diversidade de “mulheres” que vivenciam essa situação. Mulheres
brancas, negras, índias, amarelas, pobres, ricas, bem-sucedidas, jovens,
ÿ~メ $ 『" ì メ $ÿ 『" ìメィメ $ÿ 『" dÿ $ÿ 『" $イ $ÿ 『" イ}ィ『"
distintas “mulheres” sofrem com a violência doméstica. Outros estudos
ainda vêm chamando atenção ao fato de que a violência seria não
apenas contra mulheres, mas contra o “feminino”, como no caso de
homens afeminados, que também são vitimas de violência de gênero,
por associação à feminilidade, sendo, portanto, arraigada em questões
de gênero, assinalando-se o termo “violência contra o feminino”.

Os estudos de gênero problematizam o fato de vivermos em


uma sociedade heterossexual normativa e assimétrica, composta por
℃ìメィ イ ¥" " ℃ィ oì ¥『" " }Ó $ィ" ~ " Ìメ ィ$" ~ÿ ÿイ $" 『" メd ~メ"
desigual, na sociedade. Como exemplos revelados por esses estudos,
destacam-se atitudes que tipicamente se esperariam das mulheres na
sociedade: maternidade, passividade, dependência e submissão ao
homem. E tais atitudes são determinantes, entre outras consequências,
na perpetuação da violência doméstica praticada por homens contra
mulheres. Outras consequências, fruto dessa relação desigual, aparecem
em diferentes conjunturas e são rotineiramente legitimadas e reforçadas
pela sociedade em geral. Merecem destaque: a diferença de salários
entre homens e mulheres que desempenham a mesma função laboral
(por vezes o salário delas é entre 30 a 40 % inferior ao deles); a pouca ou
quase inexpressiva presença de mulheres em determinados setores da
sociedade, especialmente aqueles ligados ao poder (como na política4,
nas igrejas ou nas forças armadas); o uso abusivo e indiscriminado
do corpo feminino (em propagandas de cerveja, por exemplo), que o
℃nメÿ ÿ}n$¥" "メ" メ イ$"メdY メ"~ "nメイ ィメ『" ィ$"ィ n$~メ ÿ$】

A transmissão intergeracional da violência é outra problemática


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4
Apesar de o Brasil ter alcançado o feito inédito de eleger uma mulher para ocupar a
presidência da República a partir de 2011, demonstrando um ganho real simbólico,
apenas 8,6 % da Câmara Federal é composta por mulheres. Este é o índice mais desigual
de todos os países da América do Sul e coloca o Brasil na 140ª colocação num ranking
de cerca de 200 países. Nas assembleias legislativas e no senado a situação é menos
crítica, mas ainda longe da ideal, apresentando índices de 13,1% e 15% de mulheres,
respectivamente (ALVES, 2010).

54
que sinalizam (embora não condicionem) que a exposição à violência
durante a infância tem sido associada à vitimização e perpetuação
da violência em relações futuras e que ambos os gêneros têm um
papel ativo nesse processo (GOVER et al., 2008). A reprodução de
comportamentos violentos ao longo de gerações tem sido debatida na
literatura (OLIVEIRA; SANI, 2009) e é apontada com maior probabilidade
de manifestação em sujeitos que foram vítimas ou testemunharam
comportamentos de violência na família de origem.

Outras particularidades conceituais acerca das violências de gênero


também são destacadas, como a “violência conjugal”, que é a violência
que se expressa entre dois membros de uma relação conjugal, ou seja,
entre cônjuges. Outras/os autoras/es, especialmente dos países de língua
inglesa, preferem o termo “violência por parceiro/a íntimo/a” (TAFT et al.,
←〒〒↓』"ë‒Ò# 『"←〒〒∈≠『" " $ィd•ィ"~ イメ $"nメイ〈ÿ メ "$d ÿÓ$~メ "イメ" ÿメ"
de relações conjugais, sendo utilizado tanto em relações hetero, quanto
bi ou homossexuais. Ambos os termos também relativizam a questão
da vitimização e merecem ser utilizados com cautela, pois, apesar de
muitas mulheres revidarem a violência no seio de relações conjugais,
sabe-se que majoritariamente são vítimas e subordinadas à dominação
masculina. Já a “violência doméstica” é a categoria de violência que
ocorre no interior dos lares, podendo ser não necessariamente apenas
contra mulheres. Manifesta-se entre homens e mulheres que habitam a
ィ ィ$"n$ $"=nメィ" ̅イn oメ"Ì$ィÿoÿ$ "メ "イ.メ≠『" イ " $ÿ ∴ィ. " "}oìメ 『" イ "
jovens e pessoas idosas. Apesar de atingir todos, especialmente os que
estão em situação de vulnerabilidade, as mulheres são o alvo principal
da violência doméstica. Alguns autores preferem o termo “violência
intrafamiliar” (SOUZA et al., 2008; ROSENBERG et al., 1997). Neste caso,
pode ocorrer tanto dentro quanto fora do espaço doméstico, (por
exemplo, em carros ou locais públicos) mas sempre como resultado
de relações violentas entre os membros da própria família. Apesar
de ambos os termos estarem imbricados, pois a violência doméstica
ocorre em geral no espaço familiar e comumente no seio de relações
conjugais, e a violência intrafamiliar se dá com frequência no âmbito
doméstico, é importante destacar as peculiaridades desses conceitos.

Nesse campo, uma questão emergente realçada por estudos de


violência de gênero, especialmente nos países em desenvolvimento, que
Segato (2004; 2006) traz ao debate, é o “feminicídio”. Caputi e Russel
ィ" " メ"no( ÿnメ"℃Ë ィÿイÿnÿ~ ¥"=→⊇⊇←≠"~ }イ ィ"nメィメ"Ì ィÿイÿn̅~ÿメ【"

O feminicídio representa o extremo de um


continuum de terror anti-feminino e inclui uma

55
ampla variedade de abusos verbais e físicos,
tais como estupro, tortura, escravidão sexual
(particularmente por prostituição), abuso sexual
infantil incestuoso ou extra-familiar, lesões físicas
e emocionais, assédio sexual (por telefone, nas
ruas, no trabalho e na aula), mutilação genital
(clitoridectomias, excisões), cirurgias ginecológicas
desnecessárias (histerectomias gratuitas),
heterossexualidade forçada, esterilização forçada,
maternidade forçada (pela criminalização da
contracepção e do aborto), psicocirurgia, negação
de comida para mulheres em algumas culturas,
cirurgia plástica e outras mutilações em nome
do embelezamento. Sempre que estas formas de
terrorismo resultam em morte, elas se transformam
em feminicídios (CAPUTI; RUSSEL, 1992, p. 15).

Segato (2006) destaca que esses crimes são categorizados como


crimes de ódio, assim como o são os crimes racistas e homofóbicos,
praticados respectivamente contra pessoas de cor/etnia ou orientação
sexual estigmatizadas. Em outras palavras: mata-se simplesmente
pelo fato de o/a indivíduo/a “ser negro/a”, “ser homossexual” ou “ser
mulher”. Na teoria do feminicídio, o impulso de ódio com relação à
mulher se explica como consequência de infrações femininas às leis
masculinas: a norma do controle ou possessão sobre o corpo feminino
e a superioridade masculina. Segundo esses princípios, que inspiram
crimes contra as mulheres, o ódio se descortina quando a mulher
exerce autonomia no uso de seu corpo, desacatando regras de
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masculina, ou quando a mulher ascende a posições de autoridade ou
poder econômico/político tradicionalmente ocupadas por homens,
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feminicídios são claramente crimes de poder, fazendo com que se
perpetuem as representações assimétricas do poder.

Além da violência contra mulheres, outra modalidade emergente


de violência de gênero que, embora não seja novidade, mas que cada
vez mais vem ganhando destaque na mídia, em pesquisas e debates a
respeito de políticas públicas, é a violência contra pessoas homossexuais,
denominada “homofobia”. A homofobia é uma categoria descrita
como conjunto de atitudes negativas em relação aos homossexuais,
somados ao medo de tornar-se homossexual ou tomar gosto pela
experiência homossexual. No caso do homem, ele teme ser suspeito
de ser homossexual, reagindo com pânico, hostilidade e até violência

56
física contra os homossexuais, tentando manter um estereótipo de
“macho” (VIEIRA, 1996). Atualmente, o movimento LGBT (lésbicas,
gays, bissexuais, transgêneros, travestis e transexuais) também criou as
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aos casos de violências contra lésbicas, violência contra pessoas
bissexuais e violência contra transgêneros5, respectivamente. Assim,
tornou-se comum tanto o uso isolado de cada categoria, bem como
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bifobia e a transfobia, ou ainda a alcunha “homo/lesbo/bi/transfobia”.
Neste texto é adotada a categoria homofobia, incluindo aí todos esses
desdobramentos.

De acordo com o Programa Brasil Sem Homofobia (2004) a


violência contra homossexuais - e mais especialmente contra travestis e
transgêneros - que pode culminar com a letalidade, é, sem dúvida, uma
das faces mais trágicas da discriminação por orientação sexual no Brasil.
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assassinados em diferentes países do mundo, e, infelizmente, o Brasil é
o país que mais mata esse grupo de pessoas no planeta, contabilizando
227 mortes entre 01/01/2008 e 31/12/2010.

5
O termo transgênero é utilizado aqui para reunir diferentes categorias que “transgridem”
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meio de roupas, maquiagem, cabelo, trejeitos, hormônios, buscando aparentar-se como
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de “transgenitalização”, mantendo seus órgãos sexuais originais. b) transexuais, que se
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tal qual travestis, transexuais são indivíduos que desejam fazer a cirurgia de mudança
de sexo (transgenitalização ou redesignação sexual). c) transformistas, que transitam ora
no masculino, ora no feminino, variando muito frequentemente em função do dia ou da
noite. Durante o dia, por exemplo, vestem-se como homens e à noite transformam-se em
mulheres, por meio de roupas, acessórios, perucas, etc, buscando ocultar inteiramente o
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drag queens (e também drag kings, no caso de mulheres que se “montam” de homem)
são um subtipo de transformistas, embora não tenham a pretensão de “passar-se por
mulher” (ou por homem, no caso de drag kings). Sua vestimenta e atitudes são caricatas,
com maquiagem carregada, roupas exageradas, cabelos coloridos, gestos exacerbados,
etc (JAYME, 2001).

57
FIGURA 1- CASOS DE ASSASSINATOS DE TRANSGÊNEROS NO PERÍODO
COMPREENDIDO ENTRE 01/01/2008 E 31/12/2010
FONTE: http://www.transrespect-transphobia.org/en_US/maps.htm, acesso em
05/12/2011

Tal violência tem sido denunciada com bastante veemência pelo


Movimento LGBT, por pesquisadores e pesquisadoras de diferentes
universidades brasileiras e pelas organizações da sociedade civil, que
têm procurado produzir dados de qualidade sobre essa situação. Com
base em uma série de levantamentos feitos com base em notícias sobre
a violência contra homossexuais publicadas em jornais brasileiros,
os dados divulgados pelo movimento homossexual são alarmantes,
revelando que nos últimos anos centenas de gays, transgêneros
e lésbicas foram assassinados no país. O Grupo Gay da Bahia (GGB)
contabilizou que, no ano de 2004, a cada dois dias, um homossexual
foi morto no Brasil, pelo simples fato de ser homossexual. Entretanto,
para além da situação extrema do assassinato, muitas outras formas
de violência vêm sendo apontadas, envolvendo desde desconhecidos
até familiares, vizinhos, colegas de trabalho ou de instituições públicas
como a escola, as forças armadas, a justiça ou a polícia. Pesquisas
recentes sobre a violência que atinge homossexuais dão uma ideia mais
precisa sobre as dinâmicas mais silenciosas e cotidianas da homofobia,
que englobam a humilhação, a ofensa e a extorsão. Nesse campo,
merece relevo a pesquisa desenvolvida por Abramovay et al. (2004)

58
a respeito da homofobia nas escolas. As autoras apontam que em
algumas capitais do país quase metade dos pais de alunos do ensino
fundamental e médio não gostariam que houvesse homossexuais nas
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homossexuais, são ações consideradas menos violentas do que andar
armado ou fazer uso de drogas.

Em uma pesquisa realizada pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de


Gênero e Diversidade Sexual (REGEDI), da UFPR Litoral (Matinhos/PR),
observou-se que em relação às situações de homofobia no ambiente
escolar paranaense, cerca de 54% de um grupo de 120 docentes da rede
municipal de Matinhos relataram já ter presenciado casos de piadinhas,
chacotas ou comentários debochados envolvendo a orientação
sexual dos/as estudantes. Desses, dois tipos de encaminhamentos se
destacaram em proporção quase igual (cerca de 40% cada): um grupo
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com os/as estudantes envolvidos/as, enquanto outro grupo relatou
não ter feito nenhum comentário, não ter reagido (SIGNORELLI, 2011).
Aqui se deve realçar o fato de que quase a metade da comunidade
escolar que presenciou situações de discriminação na escola ter uma
posição extremamente passiva, e por que não dizer, neste caso, talvez
até conivente com a situação? Fato é que muitos realmente não sabiam
quais posições deveriam adotar ou quais encaminhamentos tomar.

Outra questão bastante emergente no cotidiano escolar é o bullying,


que também pode ser analisado sob a ótica do gênero. O bullying é
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negativas repetidas por parte de um/a ou mais estudantes, por
um período considerável de tempo. Pode ser direto - sob a forma
de ameaça e agressão - ou indireto - como no caso do isolamento
e exclusão intencional de algumas atividades a que o/a aluno/a é
submetido/a. Para o mesmo autor (OLWEUS, 1999), tal prática está
também relacionada a uma desigualdade de poder, uma vez que a
vítima não consegue se defender de maneira adequada, por várias
$_ワ 『" nメィメ" メ " $ " ÿ メo$~$『" " ィ イメ " メ " } ÿn$ィ イ " ィ$ÿ " Ì (Óÿo『"
ou se sentir inferiorizada em relação àqueles que a perseguem. Elliot
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que o bullying gera em suas vítimas. Entre os de curto prazo citam a
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concentração, absenteísmo escolar, fobia da escola e tentativas de
suicídio. Os de longo prazo incluem sentimento de culpa e vergonha,
depressão, ansiedade, medo de estabelecer relações com estranhos,
isolamento social e timidez exagerada.

59
Guedes (2003) assinala que o bullying manifesta-se de maneira
diferenciada em relação aos garotos e às garotas. Tal fato decorre de
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pode ocorrer em forma de intimidação, submissão, piadas grosseiras,
comentários acerca de sua aparência física ou do vestuário. Quanto
aos garotos, é comum o seu isolamento e comentários maldosos sobre
sua virilidade e questões ligadas à orientação sexual e homofobia,
emergindo aí o “bullying homofóbico”.

O bullying homofóbico tem algumas semelhanças e diferenças com


os demais tipos de bullying, como o sexista e o movido por questões
étnico/raciais. Embora todos esses sejam bastante comuns nas escolas,
o bullying homofóbico pode ser considerado mais agravante por estar
geralmente disseminado por todo o ambiente escolar, deixa poucos
espaços e canais em aberto para que os/as estudantes o possam reportar
(GARCIA, 2009). Outro fator complicador é o de que sua denúncia pode
envolver em alguns casos a revelação sobre a orientação sexual do/a
estudante, o que pode gerar uma exposição e vitimização ainda maior
da pessoa. Finalmente, as consequências e a abordagem do bullying
homofóbico são agravadas pelo preconceito em relação à liberdade de
orientação sexual presente nos discursos de muitas pessoas, presentes
também nos vários setores da comunidade escolar (MISHNA et al.,
2007).

Nesse sentido, com base em tal conjunto de informações, algumas


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as possíveis repercussões das violências de gênero para o ambiente
escolar? É importante que docentes estejam atentos/as às/aos
estudantes/famílias/comunidade, com relação a essa problemática?
Qual o papel dos professores e das professoras nesse processo? Calar-
se ou envolver-se? Sair da zona de conforto ou expor-se à tão delicada
questão? Existem regras previamente estabelecidas para lidar com tal
panorama ou “cada caso é um caso”, devendo a situação ser analisada
individualmente, por meio de ações coordenadas e planejadas?

A temática da violência de gênero e suas distintas nuances se


nメイ}Ó $ィ" ィ" ィ$" ィ$ィ イ " nメィ o メ" ~ " " $dメ ~$~メ" イ$"
prática do cotidiano escolar. Como apontam diversas experiências
e estudos, não há protocolos prontos para encaminhamento do
problema, ou em outras palavras, não existe uma “receita de bolo” que
detalhe uma sequência de passos a serem seguidos para condução
dos casos. Cabe a cada comunidade escolar lidar com questão tão
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60
docentes, equipe pedagógica, equipe administrativa e famílias, seja
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Assinalo com este texto, como aspecto fundante para começar a


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tema. O preconceito muitas vezes germina onde há falta de informação,
que engendra terreno fértil para, consequentemente, a (re)produção de
violências, e aí se incluem as violências de gênero. Portanto, professoras/
es e equipe pedagógica têm um papel determinante na condução de tal
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das informações e conhecimentos a respeito do tema, sensibilizando
a comunidade escolar para a gravidade da situação, o primeiro passo
para atuar na minimização de tão grave e urgente questão?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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メ" nメイno ÿ 『" ~ n $ ÿ$" ィ" }ィ" $" ィ" ~ d$ " " ィ n " " イ n ÿ $"
continuar, visando o (re)conhecimento das distintas violências de
gênero, para que consequentemente se pensem em estratégias para
sua minimização.

O estudo e a minimização das violências de gênero nas escolas


pressupõem, portanto, uma visão crítica, que foca não somente o
ambiente escolar e seu cotidiano, mas as relações de poder que
atravessam os campos do gênero e sexualidade e sua articulação
com outras formas de dominação, como aquelas relacionadas à
classe, raça/etnia, idade, entre outras. No caso do ambiente escolar,
pesquisas em diferentes países examinam a escola como um local-
chave para a produção de masculinidades, feminilidades e sexualidades
socialmente sancionadas. Distintas modalidades de violência baseadas
no gênero e na orientação sexual são evidenciadas como tendo uma
função importante na (re)produção de uma matriz de masculinidade
hegemônica heterossexual, branca, sexista, que recai sobre todos os
corpos que fogem a esta norma vigente, enraizada em um contexto
social mais amplo e que se manifesta também nas escolas.

A violência de gênero, em suas distintas manifestações, assume,


com base nessa perspectiva e muitas vezes de forma explícita, uma
função disciplinar sobre os corpos e subjetividades. Portanto, seu
enfrentamento requer uma atenção que vá além do microcosmo da
sala de aula e da escola, implicando um questionamento das formas de

61
dominação associadas ao gênero e à sexualidade, que atravessam as
メnÿ ~$~ " "nメイ}Ó $ィ△ 『" メd ~メ『" ィ" ィ"~ $}メ"~$" ~ n$x.メ" "
para a educação.

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64
SOBRE O AUTOR

Marcos Claudio Signorelli é bacharel em Fisioterapia pela


Universidade Regional de Blumenau (2002), mestre em Fisiologia pela
Universidade Federal do Paraná (2006) e doutor em Saúde Coletiva
pela Universidade Federal de São Paulo (2011), com estágio-sanduíche
na La Trobe University (Austrália). Atualmente, é professor adjunto no
Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná UFPR e pesquisador do
Grupo Interdisciplinar de Estudos em Relações de Gênero e Diversidade
Sexual - REGEDI (UFPR). Professor Orientador do Mestrado em
Desenvolvimento Territorial Sustentável e Coordenador do Curso de
Aperfeiçoamento em Gênero e Diversidade na Escola (GDE). Experiência
na área de Ciências da Saúde, com ênfase nos estudos sobre saúde
coletiva, integralidade em saúde, relações de gênero, violência e saúde
"} ÿメ $ ÿ$】

65
BULLYING E CYBERBULLYING:
FACES SILENCIOSAS DA VIOLÊNCIA
Clóvis Wanzinack

Quando as “brincadeiras” são realizadas repletas


de “segundas intenções” e de perversidade, elas
se tornam verdadeiros atos de violências que
ultrapassam os limites suportáveis de qualquer
um. (SILVA, 2010, p.13).

Bullying é uma palavra proveniente do verbo inglês bully, uma


expressão utilizada para indicar pessoa intimidadora, muitas vezes
agindo de forma agressiva, utilizando vantagens físicas ou morais para
intimidar, amedrontar ou apavorar outrem. Este termo vem sendo
$~メ $~メ" $ $" ~ }イÿ " nメィ メ $ィ イ メ " ィ ~ÿ $~メ 『" ÿ ÿ メ 『"
agressivos, perversos, intencionais de violência de forma física
ou psicológica com o intuito de coagir alguém para obter algum
favorecimento ou por bel-prazer.

Segundo Gomes e Sanzovo (2013), o bullying" " nメイ}Ó $" ィ"


ィ$" dn$ Óメ ÿ$"~ " ÿメo„イnÿ$" n̅}n$『"$d $イÓ イ~メ"ィ ÿ メ"ィ$ÿ "~メ"
que desentendimentos cotidianos escolares e problemas estudantis,
イ $" ィ" ~$~ ÿ メ" メn メ"ィ$o•}nメ"& " ̅ ÿィ$ "イ o "ÿイ ÿ~$ 『"
podendo, inclusive ser fatal.

Albino e Terêncio (2012) citam que tal forma de violência ocorre


em uma relação desigual de poder. Caracteriza-se por uma situação
de desvantagem para a vítima, a qual não consegue se defender com
}n(nÿ$" ~ " $o" $ ÿ ~ " $Ó ÿ $『" ÿイ イnÿメイ$o" " ÿ ÿ $『" $~メ $~$" メ "
uma pessoa ou um grupo contra outro(s)/a(as), causando dor, angústia
e sofrimento.

Algumas atitudes de forma direta ou indireta podem ser consideradas


práticas de bullying, no entanto a vítima tende a receber uma vasta
variação de brincadeiras maldosas. Essas brincadeiras, que na realidade
" ィ$ ÿ$oÿ_$ィ" n$ィ 〈$~$ " nメィメ" ~$~ ÿ メ " $ メ " ~ " ÿメo„イnÿ$『"
ultrapassam questões de respeito e muitas vezes chegam a ameaçar a
segurança física e psicológica da vítima.

67
Tais atos podem ser expressos:

· Verbalmente: insultar, apelidar de forma constrangedora,


pejorativa com piadas ou termos machistas, homofóbicos, racistas,
que realçam as desigualdades sociais, entre outros.

· Fisicamente: agressões físicas, bater, chutar, imobilizar a vítima.

· Materialmente: adquirindo pertences da vítima contra sua vontade,


incluindo objetos, equipamentos eletrônicos ou até mesmo dinheiro
e comida/lanche.

· Psicologicamente: quando o/a agressor/a cria mecanismos para


aterrorizar a vítima, utilizando muitas vezes da chantagem, fofocas,
intrigas, mentiras, causando de modo frequente o isolamento social.

· Sexualmente: uso da força física ou psicológica para obrigar a


vítima a ter atos, práticas ou gestos sexualmente contra sua vontade,
deixando a vítima, muitas vezes, tão envergonhada que tem medo
de denunciar.

· Virtualmente: o chamado cyberbullying, que utiliza de recursos


tecnológicos e a rede mundial de computadores (internet) com
mensagens difamatórias, boatos, fofocas, fotos, vídeos entre outros.
ム " $ メ " .メ" $ ÿn$~メ " ~ " Ìメ ィ$ " ìメ ÿ 『" nメイ}Ó $イ~メ△ " nメィメ"
uma ferramenta virtual de assédio e agressão, com intencionalidade
de causar dano e sofrimento à vítima.

Os sujeitos/agressores que manifestam esses comportamentos


podem ser meninos ou meninas atuando individualmente, ou também
ser provenientes tanto dos grupos de meninos como dos grupos de
meninas, ou ainda, grupos mistos compostos por meninos e meninas.
Essas pessoas geralmente procuram um tipo de poder/domínio ou até
mesmo um tipo de reconhecimento em seu grupo.

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em certa medida, lhe dá certa segurança de que suas agressões não
serão ouvidas pelos demais colegas.

Diante desses acontecimentos, Silva (2010) cita que o bullying


não pode mais ser tratado como um fenômeno exclusivo da área

68
educacional, limitando-se apenas ao ambiente escolar. Hoje, tal tema
•" ~ }イÿ~メ" nメィメ" ィ" メdo ィ$" ~ " $ ~ " doÿn$『" メ " ÿ メ" o " ~ "
イ $ " ィ" $ $" ィ" ~ÿ $ " ( $ " メ} ÿメイ$ÿ 『" nメィメ" ÿnメoメÓÿ$『"
medicina, assistência social e pedagogia, sendo discutido de forma
mais interdisciplinar possível. Em decorrência de desconhecimento ou
limitações de algumas áreas, que negligenciam o tema, tende a ocorrer
o aumento desordenado na gravidade bem como a multiplicação
de novos casos, causando problemas físicos e emocionais que
acompanharão as pessoas envolvidas por toda uma vida.

Protagonistas do bullying:

· Agressor/a: é a pessoa ou grupo que vitimiza o mais fraco,


podendo ser tanto do sexo masculino ou feminino. Segundo
Silva (2010), possui em sua personalidade traços de desrespeito
e maldade associados a um perigoso poder de liderança que, em
geral, é obtido pela força física ou por intenso assédio psicológico.
Custam a se adaptar às normas impostas por outros, não aceitam ser
contrariados ou repreendidos, sentem prazer em dominar a situação
e as pessoas e apresentam falta de apego e amor pelo outros.

· Vítima: pessoa que sofre com os ataques do bullying. Geralmente


o alvo dos/as agressores/as são pessoas que apresentam algum
tipo de vulnerabilidade, como baixa autoestima, pouco sociáveis,
inseguros, características que fazem a vítima ter poucos/as amigos/
$ 】"Ë$ メ "nメィメ" 『"~.メ" ィ$"ィ$ÿメ " Ó $イx$" "nメイ}$dÿoÿ~$~ "
para o/a agressor/a permanecer na impunidade. Segundo Silva
(2010), as vítimas se destacam da maioria das pessoas pelo fato
de serem obesas ou magras demais, altas ou baixas demais, usam
ヨn oメ 『" メ ィ" $oÓ ィ" ÿ メ" ~ " ~ }nÿ„イnÿ$" Ì̅ ÿn$『" $ィ" メ $ "
consideradas fora dos padrões atuais da moda, são de raça/etnia,
credo, condição socioeconômica ou orientação sexual diferente
~$" イメ ィ$" ì Ó ィリイÿn$】】】" ‒イ}ィ『" $o "$ n メ" " Ì Y$" $メ"
padrão imposto por determinado grupo, sendo os motivos sempre
ÿイY ÿ}n$~メ " "d$イ$ÿ 】

· Espectadores/as: pessoas que presenciam a agressão. Fante (2005)


cita que grande maioria dos espectadores adota a lei do silêncio
por temer em se transformar em novo alvo para o agressor. Mesmo
repudiando tal ato, muitas vezes os/as espectadores/as se sentem
incapazes de tomar alguma iniciativa para frear o abuso da violência
e denunciar os agressores por medo que suas palavras não sejam
levadas a sério, deixando os agressores impunes.

69
· Incentivadores/as: apesar de não participar ativamente do
processo de ataque à vítima, os/as estimuladores/as instigam,
fomentam, incentivam cada vez mais a conduta cometida pelo
agressor, potencializando suas atitudes agressivas, observando e se
divertindo com o sofrimento alheio.

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~ÿ}n o~$~ "~ "nメイn イ $x.メ『" ~$"~メ"~ ィ イìメ" nメo$ " "ィ ~メ"~ "
ir à escola. A criança muitas vezes cria subterfúgios físicos, como mal
estar, dor de barriga, dor de cabeça, para não precisar ir à escola. Tais
sensações podem se tornar crônicas, na estimulação de produção de
hormônios do estresse, resultando em sensação de mal estar profundo.
Quando em estado agravado, pode gerar casos extremos de depressão,
inclusive conduzir a tentativas de suicídio.

Outras formas de demonstração de medo e desespero podem surgir


ィ"nメイ}Ó $xワ "~ " $ÿ $" " ィ"~ Yメ"o$ イ "~ " ÿイÓ$イx$『"$oÓ ィ$ "
vezes produzindo ataques violentos ao agressor e pessoas próximas,
como o “Massacre do Realengo”, ocorrido no dia 07 de abril de 2011
no bairro de Realengo no Rio de Janeiro. Neste caso, um estudante de
23 anos entrou numa escola armado com dois revólveres e começou
a disparar contra estudantes que ali estavam presentes, matando 12
alunos e alunas, logo em seguida dando também um tiro em sua
cabeça, suicidando-se. Cartas deixadas em seu quarto demonstravam
que o jovem sofria de bullying desde a infância, pelo seu jeito calado
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como motivo para colegas de classe imputar-lhe apelidos maldosos e
~ $oÿ}n$イ 】"

Outro fator importante colocado nesse caso, após perícia policial,


é a hipótese de o jovem sofrer casos de esquizofrenia, a qual poderia
ter sido desencadeada/potencializada na infância devido aos casos
de bullying sofridos no colégio. Isso corrobora com a citação de Silva
(2010), que explica que a prática de bullying sofrida nas escolas pode
desencadear consequências psíquicas como: sintomas psicossomáticas,
transtorno do pânico, fobia escolar, fobia social, transtorno de ansiedade
generalizada, depressão, anorexia e bulimia, transtorno obessivo-
compulsivo, transtorno do estresse pós-traumático, esquizofrenia e
suicídio.

70
1 CYBERBULLYING: DO VIRTUAL AO REAL

A pior situação e a mais violenta, que um cientista


ou qualquer pessoa pode provocar para uma
vítima é negar que ela seja uma vítima, é relegá-la
ao reino do “subjetivismo". (DEBARBIEUX, 2002, p.
67).

Ações repetitivas, como uso de força física ou estratégias de coerção


ÿnメoヨÓÿn$"nメィ"}イ$oÿ~$~ "~ "$ィ $x$ 『" Ó ÿ "メ "$ィ ~ メイ $ 『" .メ"
considerados bullying. No cyberbullying ou bullying virtual acontecem
situações opressoras semelhantes, porém substituindo a agressão física,
メ "$Ó ワ " ÿ $ÿ 『"$ " $ÿ " "nメイ}Ó $ィ" ィ"~$イメ " ÿnメoヨÓÿnメ "
diuturnamente.

Essas agressões hoje pulam os muros de colégios, tornando até


lugares tradicionalmente considerados mais seguros, como os lares, em
locais vulneráveis, pois os ataques de cyberbullying podem acontecer
em momentos inesperados como nas madrugadas, quando a vítima
esta dormindo em seu quarto, com a sensação de um lugar seguro.
Segundo Casagrande, Tortato e Carvalho (2011), essas situações de
violências podem produzir traumas que interferem na construção das
identidades de muitos jovens.

Maldonado (2011) cita que no cyberbullying, com a divulgação


e propagação das mensagens via internet, os ataques tornam-se
ainda mais poderosos e destruidores, no sentido de replicação das
informações. Um elemento que torna a prática de cyberbullying
devastadora é a possibilidade de atingir plateias em proporções
incomensuráveis, potencializando dramaticamente os sentimentos de
vergonha e humilhação da vítima, a ponto de se sentirem tão indefesas
que alguns casos culminam em suicídio.

Essa modalidade de violência também se diferencia, devido a/


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Pelo fato de tal situação ocorrer virtualmente, muitas vezes se dá a
quilômetros de distância entre agressor e vítima, sendo muitas vezes
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eletrônicos, páginas da internet ou utilizando-se das redes sociais,
deixando a vítima totalmente confusa de onde partem as agressões,
pois o/a agressor/a poder ser, um/a vizinho/a, amigo/a, alguém do
colégio, alguém mais novo/a ou mais velho/a, homem ou mulher ou
até mesmo uma pessoa que nunca estabeleceu um contato presencial.

71
Sem saber quem é o/a agressor/a, torna-se difícil, em grande medida, a
defesa ou medidas preventivas para cessar as provocações.

Maldonado (2011) menciona uma particularidade no cyberbullying


que é bem comum, consistindo em duas faces de personalidade. No
contato real, revela-se uma pessoa educada, atenciosa, estudiosa, que
pode se transformar facilmente na frente de um computador, entre
quatro paredes, trazendo seu lado mais sombrio, com uma agressividade
mal canalizada, colocando em prática ações que possivelmente não
teria coragem de perpetrar presencialmente.

Esse anonimato muitas vezes potencializa o ataque por parte dos/


as agressores/as, por ensejar uma falsa sensação de impunidade. Tal
sensação contribui para que o/a agressor/a publique na internet fotos,
nメィ イ ( ÿメ "メ " ̅~ メ " nメイn ÿ メ メ 『" "~ÿ}nÿoィ イ " ÿ$"nメ $Ó ィ"
de falar ou fazer pessoalmente, devido a punições legais ou repreensão
das pessoas.

Outro grande problema é que alguns/as agressores/as virtuais não


têm a mínima noção da dimensão que seus atos podem interferir na
vida das pessoas, até pelo fato de não terem uma reposta imediata,
o que contribui para o desenvolvimento de uma frieza em suas ações
virtuais.

Conte e Rossini (2010) comentam que algumas das motivações dos


agressores para a prática de cyberbullying costumam ser as mais fúteis,
como o rompimento de um relacionamento, inveja ou um dissabor entre
o/a agressor/a e a vítima. Também constituem brincadeiras de mau
gosto, práticas discriminatórias quanto à raça/etnia, orientação sexual,
extrato social e gênero, entre outras, mas que ganham proporções
incomensuráveis pela permanência das informações na internet e pela
replicação dos conteúdos. Tais desdobramentos ocasionam, muitas
vezes, danos irreparáveis ou de difícil superação pela vítima. Dessa
forma, a internet vem potencializando tais práticas, as quais tornam
a vítima ainda mais vulnerável e desprotegida em qualquer lugar,
interferindo nas suas relações escolares, pessoais, familiares e até
メ} ÿメイ$ÿ 】"

Uma forma de cyberbullying que vem ganhando muita força entre os


jovens e adolescente é o Sexting, originada da união de duas palavras
em inglês: sex (sexo) e texting (envio de mensagens). O ato consiste
em enviar conteúdos provocatórios de caráter sexual, por fotos, vídeos

72
por meio de celular ou da internet. Tal proporção se multiplica pelas
páginas de rede social como facebook, twitter, youtube, skype, salas de
bate-papo entre outros.

Este comportamento de risco entre jovens vem se tornando cada


vez mais comum, uma vez que as vítimas, algumas vezes, não têm
noção da proporção de comentários ou exposições, que possam se
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namorados/as ou amigos/as, com os quais compartilham suas fotos e/
ou vídeos.

Uma parte das fotos ou vídeos geralmente compartilhados na


internet como forma de cyberbullying são inseridos na internet pelos
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romance.

Outra forma utilizada pelos/as agressores/as virtuais é a invasão


virtual de computadores alheios, vasculhando alguma informação,
foto ou vídeo, que poderá ser utilizada como moeda de troca, tanto
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qual recentemente teve seu computador pessoal invadido, e suas fotos
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$イ $Ó イ "}イ$イn ÿ $ 】"

Uma pesquisa publicada em dezembro de 2008 comprovou que,


nos EUA, 20% dos jovens entre 13 e 19 anos já enviou imagens pelo
celular de si mesmo nu ou seminu. Entre os jovens de 20 e 26 anos a
proporção chega a 33%. No Brasil, no entanto, o fenômeno é recente,
mas tem crescido rapidamente. Segundo a Safernet, ONG relacionada
à defesa dos direitos humanos na Internet, em uma pesquisa feita
pela entidade, com 2.525 crianças e adolescentes brasileiros em 2009,
revelou que já naquela época 12% deles/as admitiu ter publicado fotos
íntimas na internet (CONTE; ROSSINI, 2010).

Algumas atitudes podem ser tomadas para minimizar os impactos


das agressões advindas do cyberbullyng, como não responder as
mensagens ofensivas, pois após uma resposta poderá vir uma réplica
e assim por diante. Diversos meios de comunição na internet e redes
sociais (como skype, orkut, facebook, twitter e até mesmo em salas de
bate-papo) possuem opções de bloquear pessoas indesejadas. Outra
atitude importante é manter cópias de todas as conversas estabelecidas,
para utilizar como provas e para poder rastrear o/a agressor/a.

73
Além de imprimir e guardar tais provas, é importante que elas
estejam disponíveis on line, para que a polícia possa fazer um
rastreamento virtual que demonstrará o computador ou o local que
メ ÿÓÿイメ "メ "$ $ " ÿ $ÿ 】"ム"イ ィ メ"~ "ÿ~ イ ÿ}n$x.メ"~メ"nメィ $~メ "
possibilita descobrir o provedor de internet utilizado, e por ele a polícia
pode solicitar o cadastro do usuário, assim podendo ser localizado para
responder por seus atos (MALDONADO, 2011).

2 PREVALÊNCIA: MENSURANDO O PROBLEMA

Pesquisa realizada pela Associação Brasileira Multi-


メ} ÿメイ$o"~ " メ x.メ"&"þイÌ*イnÿ$" "#~メo n„イnÿ$"
(ABRAPIA, 2003) em 11 escolas do município do
Rio de Janeiro contendo 5 875 alunos, constatou
que 40,5 % dos alunos admitiram estar envolvidos
com bullying. (FANTE, 2005).

Bullying

O dimensionamento do bullying e do cyberbullying é algo


difícil de ser mensurado, pois o problema envolve muitas questões
subjetivas e muitas vezes se desenvolve de modo velado, sem que
as vítimas denunciem aos pais, mães, amigos/as e/ou professores/as,
principalmente por vergonha ou medo de retaliações. Estima-se que
cerca de 30 % dos adolescentes nos Estados Unidos da América (o que
corresponde a mais de 5.7 milhões de jovens) estejam envolvidos em
situações de bullying, como agressores/as, alvos ou ambos. Pesquisas
recentes indicam que entre 20 a 25 % das crianças em idade escolar são
vítimas de bullying (CONTE; ROSSINI 2010).

No Brasil, a primeira pesquisa a respeito do tema foi realizada


o$" # メnÿ$x.メ" c $ ÿo ÿ $" " ァ o ÿ メ} ÿメイ$o" ~ " メ x.メ" &" þイÌ*イnÿ$" "
Juventude – ABRAPIA, entre 2002 e 2003. A investigação, que envolveu
5.875 estudantes de 5ª a 8ª séries de onze escolas cariocas, mostrou
que 40,5% desses alunos e alunas admitiram ter estado diretamente
envolvidos em atos de bullying naquele período, sendo 16,9% vítimas,
10,9% vítimas e autores/as e 12,7% agressores/as - ou autores/as - de
bullying (ALBINO; TERÊNCIO, 2012).

No ano de 2009, o IBGE em parceria com o Ministério da Saúde


conduziram a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE (IBGE,
2009). Estudantes do 9º ano da rede pública e privada responderam

74
à pergunta: “Nos últimos 30 dias, com que frequência algum dos seus
colegas de escola te esculacharam, zuaram, mangaram, intimidaram ou
n$xメ$ $ィ" $イ メ" " メn„" }nメ " ィ$Óメ$~メ∴ÿイnメィメ~$~メ∴$dメ nÿ~メ×¥"
As respostas que mais chamaram atenção foram 25,5% que relataram
raramente ou às vezes e 5,5% que referiram quase sempre ou sempre
(GUILLAIN, 2012).

A pesquisa ainda revela que o bullying independe da natureza


administrativa da escola, atingindo escolas privadas em uma proporção
ligeiramente maior (35,9%) do que as escolas públicas (29,5%) (IBGE,
2009).

Outras pesquisas revelam que são observados recortes de gênero


em torno da problemática. Mais de 34,5% dos meninos do 5°ao 8ª ano
de escolas públicas e privadas de todas as regiões brasileiras foram
vítimas de maus tratos ao menos uma vez no ano letivo de 2009,
sendo 12,5% caracterizados por situações de bullying com frequência
de repetição superior a três vezes. Por outro lado, 23,9% das meninas
sofreram situação semelhante ao menos uma vez durante o mesmo
período, enquanto 7,6% relataram frequência superior a três vezes
(CEATS/FIA, 2010). Os meninos tendem a vitimizar mais quando
comparados com as meninas, além de utilizarem mais da agressão física
e verbal. Já as meninas utilizam mais da agressão indireta, de cunho
relacional, espalhando rumores/fofocas ou realizando a exclusão social
(TRAUTMANN, 2008).

Gomes et al (2007) também adicionam que, enquanto os meninos


costumam ser somente agredidos por outros meninos, as meninas
podem ser vitimadas por agressores de ambos os sexos. Tal fato denota
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construídas em nossa sociedade, que colocam meninos a assumir
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formas mais sutis de agressão, porém não menos dolorosas para a
pessoa vitimada.

Cyberbullying

Em uma pesquisa conduzida ao longo do ano de 2010 pela


Organização Não-Governamental Plan (CEATS/FIA, 2010), com mais
de 5 mil estudantes brasileiros com idade compreendida entre 10 e 14
anos, apontou que 17,7% já praticaram cyberbullying, 3,5% já praticaram
e foram vítimas, enquanto 16,8% foram vítimas de cyberbullying,

75
no mínimo uma vez ao longo de suas vidas. Dentre as vítimas, 13%
foram insultados pelo celular e os 87% restantes por textos e imagens
enviados por e-mail ou via sites de relacionamento (CONTE; ROSSINI
2010). Outro estudo desenvolvido por Hunder (2012) analisou que pelo
menos 25% dos adolescentes são vítimas de cyberbullying.

Em relação ao Estado do Paraná, dados revelados por Casagrande,


Tortato e Carvalho (2011), a respeito de uma pesquisa realizada na
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(IBGE), a capital do Estado ocupa o terceiro lugar dentre as capitais que
mais registram casos de bullying no Brasil, com 35,2 %. Fica apenas
atrás de Brasília (DF) com 35,6% e de Belo Horizonte (MG) com 35,3%.
Os números são expressivamente altos o que indica a importância
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Para Conte e Rossini (2010), aproximadamente 40% das crianças e


jovens brasileiros entre 10 e 18 anos costumam navegar pela internet
por mais de duas horas diárias. E quase metade deste grupo navega
sem o acompanhamento dos pais, sendo que 60% costuma frequentar
lan hauses, livres, portanto, do acompanhamento de adultos. Também
cabe mencionar que grande parte dos adultos (46%) não se preocupa
ィ" $d "メ" "メ "}oìメ " .メ"$n $イ~メ"イメ"nメィ $~メ 】"#" イx$"
de computador no quarto, hábito que também costuma ser comum no
Brasil (44%), igualmente contribui para o uso da internet sem supervisão
dos pais.

Outro importante estudo revela que o bullying e as práticas


discriminatórias no ambiente escolar têm como principais vítimas os
estudantes, porém atingem também outros grupos pertencentes à
comunidade escolar, inclusive professores e funcionários. Entre alunos,
os respondentes declaram conhecer mais práticas discriminatórias
motivadas pelo fato de serem as vítimas negras (19%), em seguida por
serem pobres (18,2%) e, em terceiro lugar, por serem homossexuais
(17,4%). Já entre docentes, as principais vítimas de tais situações são os
mais velhos (8,9%), os homossexuais (8,1%) e as mulheres (8%) (ALBINO;
TERÊNCIO, 2012; FIPE/MEC/INEP, 2009).

Um estudo canadense, com base em uma amostra de 1000


professores canadenses do Colégio de Professores de Ontário (OCT,
2007), indica que uma amostra de 84% revelaram já ter vivenciado
alguma forma de cyberbullying『" nÿ$oィ イ " $} ィ$xワ " メイoÿイ "

76
obscenas ou difamatórias, postadas por seus estudantes. 41 % dos
docentes conhecem outros colegas que também passaram por situação
semelhante, destacando que as ferramentas mais comuns foram via
e-mail (45%), salas de bate-papo (44%), blogs ou sites pessoais (32%),
ィ イ $Ó イ " ~ " メ" =↑←♪≠『" Ìメ メÓ $}$ " メ " ̅~ メ" noÿ " =→⊇♪≠" " ÿ "
que envolvem votações pessoais (15%). A pesquisa também revelou
que 20% dos professores consideram o cyberbullying praticado por
estudantes como um fator que pode levar ao abandono da docência.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Òメィ " " $イ メ_メ"=←〒→↑≠"$} ィ$ィ" "イメ"c $ ÿo"メ"bullying é objeto de


メ n$ "$イ(oÿ " " ÿ $『" $_.メ" o$" $o"ì(" ィ$" イメ ィ "~ÿ}n o~$~ "
de comparar indicadores relacionados com outros países. Essa ausência
de investigação faz o Brasil padecer de (pelo menos) 15 anos de atraso
em relação à Europa, no tratamento/encaminhamento da problemática.

Fatores como a dor física, psicológica, emocional, exclusão,


humilhação, ansiedade, raiva, tensão, tristeza, angústia, rejeição, mágoa,
desejo de vingança, depressão entre outras, causadas tanto pelo
bullying como pelo cyberbullying são sentimentos que podem perdurar
por uma vida inteira, acarretando danos à autoestima e diversas fobias
" " 〈 ィ" $イ メ" ィ" $ィdÿ イ " nメo$ " メ " Ì$ィÿoÿ$ 】" þ メ"
consequentemente pode ocasionar desinteresse pela escola e pelos
estudos, causando evasão escolar.

Maldonado (2011) cita que muitos adolescentes deduzem que tais


práticas de cyberbullying não são consideradas crimes e tão pouco acham
que sejam descobertos. Porém é de extrema importância que a vítima
imprima as mensagens dos textos contendo as ameaças, difamações,
fotos adulteradas ou vídeos ofensivos e procure uma Delegacia de
Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) para dar queixa dos crimes
virtuais. Nos boletins de ocorrência são caracterizados como crimes
conta a honra (injúria, calúnia e difamação, racismo), apesar de terem
sidos praticados no mundo virtual, e a punição é prevista da mesma
forma que crimes praticados no mundo real.

Mesmo o Brasil, ainda não tendo leis que condenem tais práticas
de bullying e cyberbullying, Conte e Rossini (2010) comentam que
tais situações são enquadradas a crimes já prescritos na legislação do
código penal, tais como: crimes contra a honra (arts. 138 – 140), crime

77
de constrangimento ilegal (art. 146), crime de ameaça (art. 147), crime
de participação em suicídio (art. 122). Diante de situações como essas,
o agressor poderá responder por tais delitos.

A página da internet www.safernet.org, fundada em 2005, é uma


$ メnÿ$x.メ" nÿ ÿo" ~ " ~ÿ ÿ メ" ÿ $~メ『" nメィ" $ $x.メ" イ$nÿメイ$o『" ィ" }イ "
lucrativos ou econômicos, sem vinculação político-partidária, religiosa
ou racial. Seu ideal é transformar a Internet em um ambiente ético
e responsável, que permita às crianças, jovens e adultos criarem,
desenvolverem e ampliarem relações sociais, conhecimentos e
exercerem a plena cidadania com segurança e tranquilidade (SAFERNET,
2009).

FIGURA 1 - SITE SAFERNET


FONTE: http://www.safernet.org.br/site/. ACESSO em 07/07/2013.

No site do safernet.org encontram-se materiais ilustrativos


como cartilhas, quadrinhos, jogos, vídeos e orientações, tanto para
crianças como para educadores. Possui também um banco de dados
de pesquisas, juntamente com IBGE. Esse site auxilia em projetos de
intervenções escolares, contendo cartilhas ilustrativas, que servem de
forma educativa para prevenção nas escolas por meio dos educadores.

Também oferece um canal de diálogo tanto via email como via chat
no helpline, um canal gratuito que oferece orientação de forma pontual

78
e informativa para esclarecer dúvidas, ensinar formas seguras de uso da
Internet e também orientar crianças e adolescentes e/ou seus próximos
que vivenciaram situações de violência on-line como humilhações,
intimidações, chantagem, tentativa de violência sexual ou exposição
Ìメ x$~$" ィ" Ìメ メ " メ " }oィ " イ $ÿ 】" ム メ" n$イ$o" " メ" $Ì イ 】メ Ó"
メÌ n "•"~ "n ÿィ "nメィ ÿ~メ " o$"ÿイ イ 『"nメィメ" メ イメÓ $}$"ÿイÌ$イ ÿo『"
racismo, maus-tratos contras animais, xenofobia, homofobia entre
outros.

Para Hanewald (2010), o cyberbullying pode dar a falsa impressão


de que é menos perigoso, porque não envolve violência física, porém o
tormento psicológico pode levar ao suicídio de pessoas jovens. O tema
"$ イ $"nメィメ" ィ"~ $}メ" $ $"$"Ó .メ" nメo$ 『" メÿ "メ"ィ ÿメ" ÿ $o"
$ イ $"nメイ メ イメ "〈 ÿ~メ 『"~ÿÌ̅n ÿ "~ " ÿ ÿメイ$ 『"ィ$ " "~ ィ"
necessariamente envolver a escola, bem como família/responsáveis.
Para a pesquisadora, as situações de cyberbullying que iniciam no
computador em casa durante a noite, podem continuar no dia seguinte
na escola e transformar-se em bullying face a face. Medidas tornam-
se, portanto, necessárias, tais como: espaços de discussão e formação
de professores/as, sensibilizando-os/as para o tema; realização
~ " ~ÿ n ワ " " メ}nÿイ$ " nメィ" ~$イ 『" ÿィ o$イ~メ" $" o ÿx.メ"
de monitores/as e formação de lideranças dentro da comunidade
escolar, que ajudem a denunciar e combater o problema; elaboração e
divulgação de material informativo (cartazes, pôsteres, kits educacionais,
vídeos); disseminação de informações atualizadas (em páginas da
internet, jornais e informativos escolares); estabelecimento de canais
de apoio e suporte às vítimas, que podem incluir meios telefônicos
(disque-denúncia, por exemplo), ou virtuais (salas de chat, fóruns,
blogs ou comunidades em redes virtuais), para que possam trocar
experiências, criando redes de apoio e solidariedade. Alternativamente,
os/as estudantes podem ser estimulados/as a produzir seus próprios
materiais de cybersegurança, individualmente ou em grupos, como
atividades formativas. Campanhas de conscientização, tais como
semanas anti-bullying ou dias dedicados a conscientizar a comunidade
escolar, integração de lições de cybersegurança ao currículo escolar,
performances teatrais, gincanas ou outros métodos também podem ser
adotados. Em síntese, o problema não pode continuar em silêncio.

REFERÊNCIAS

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fenômeno do Bullying: do conceito ao combate e à prevenção. Revista Eletrônica do
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SOBRE O AUTOR

Clóvis Wanzinack é graduado em Administração com ênfase em


Informática pela Faculdade Spei – Curitiba PR. (2005), especialista em
Gestão Pública pela Universidade Federal do Paraná (2011) e mestre em
Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau
FURB (2011). Atualmente, é professor assistente no Setor Litoral da
Universidade Federal do Paraná UFPR nos cursos de Bacharelado em
Informática e Cidadania e Bacharelado em Saúde Coletiva. Pesquisador
da linha de pesquisa Representações de Gênero e Diversidade Sexual
(CNPq/UFPR).

81
TEORIZANDO AS RELAÇÕES ÉTNICO-
RACIAIS NO BRASIL
Aparecida de Jesus Ferreira

Lutar contra mitos que ainda estão vivos na


sociedade […] sempre foi uma tarefa difícil
e arriscada. No Brasil, o mito da democracia
racial não está completamente morto. Embora
profundamente fragilizada nos centros urbanos, o
sistema de clientela e clientelismo ainda sobrevive
no Brasil […]. (COSTA, 1985, p. 246).

1 AS COMPLEXIDADES DE SE ENGAJAR COM RAÇA, ETNIA E COR

Esta seção destina-se a esclarecer a minha própria posição em


relação ao envolvimento no discurso de “raça”, etnicidade e cor.
Discussões sobre “raça”, etnicidade e cor no contexto brasileiro são
muito complexas, porque até mesmo a terminologia pode levar a mal-
entendidos. Gillborn argumenta que os termos ‘raça’ e ‘etnia’ “[...] são
muitas vezes utilizados indistintamente” (1995, p. 4). No Brasil, como em
outro contexto, as questões de raça estão normalmente relacionadas
com a cor da pele (GOMES, 1995; FERREIRA, 2009). De acordo com
Heringer (2000, p. 3), no contexto brasileiro, o termo “preto” está mais
associado à cor da pele e a características físicas, do que à ascendência.
Ao escrever sobre a questão da cor, Telles (2002) fez a seguinte
observação:

Cor captura ao equivalente brasileiro do idioma


Inglês ao termo “raça” e se baseia em uma
combinação de características físicas, incluindo
cor da pele, tipo de cabelo, formato do nariz e
dos lábios com as categorias não-brancas tendo
conotações negativas. […]. No Brasil, a palavra
cor é muitas vezes preferível a raça, uma vez que
capta a natureza contínua dos conceitos raciais
brasileiros em que os grupos transformam-se uns
aos outros. (TELLES, 2002, p. 421).

Gomes (1995) argumenta que, no Brasil, etnicidade é um termo mais


$ メ ÿ$~メ" ~メ" " ℃ $x$¥『" ~ ÿ~メ" &" nÿ}nÿ~$~ " ìÿ ヨ ÿnメ△n o $o"
do brasileiro. Cashmore (1984, p. 102) aponta que “O grupo étnico

83
é baseado em uma apreensão subjetiva comum, quer sobre origens,
interesses […] (ou uma combinação destes)”.

Dada a complexidade da nomenclatura, estarei tomando várias


posições durante todo o capítulo. Embora teoricamente eu concorde
que a “raça” é um fenômeno social e historicamente construído, haverá
momentos em que vou enfatizar questões de etnia, porque não é
possível compreender as desigualdades contemporâneas em relação
à “raça”, tais como o racismo, o racismo institucional, o preconceito
e a discriminação, sem referência à história e à ascendência. Embora
eu tome essa posição, é também necessário esclarecer que isso pode
$_ " メ" ÿ nメ" ~メ" イnÿ$oÿ ィメ】" c $ì" $} ィ$" " イnÿ$oÿ ィメ" •" ℃<】】】>"
uma noção da derradeira essência que transcende fronteiras históricas
"n o $ÿ ¥"=→⊇⊇←『" 】"→←≠】"`ÿイnì oメ " " ÿイd Ó" $ィd•ィ"$ メイ $ィ" 【

Essencialismo é um conceito complexo que é


geralmente entendido como a crença de que um
conjunto de propriedades imutáveis (essências) e
delineia a construção de uma categoria particular.
=`þアmë‒nム‒』" ‒þアc‒ Ò『"→⊇⊇∋『" 】"←←≠】

Também quero esclarecer que, neste capítulo, tenderei a utilizar as


expressões ‘negros’ e ‘brancos’ (embora a categoria 'negro' não exista
イ$"no$ ÿ}n$x.メ"~メ"þcÒ‒"▲"þイ ÿ メ"c $ ÿo ÿ メ"~ "Ò メÓ $}$" "‒ $ ̅ ÿn$≠】"
Estou, assim, seguindo a nomenclatura que o movimento negro utiliza
▲" ィ" "♀イ Ó メ♀"$ ィ "$"Y イx.メ" イ " メ" " $ ~メ"イ$"no$ ÿ}n$x.メ"
メ}nÿ$o" ~メ" þcÒ‒】" メ " $ " $" ィÿイメoメÓÿ$『" メÿ " ÿ ィ" ~ÿ n メ "
racializados de cor no Brasil; por exemplo, as pessoas referem-se à
“cor” quando elas estão fazendo referência à “raça”. Isso também
メ~ ÿ$" o$nÿメイ$ " ィ$"イメ ÿ}n$x.メ"~メ "~ÿ n メ " $nÿ$oÿ_$~メ "イメ"c $ ÿo『"
$ $ "~$"ÿイ〈 „イnÿ$"~メ"℃ィÿ メ"~$"~ ィメn $nÿ$" $nÿ$o¥】"ア$" ヨ ÿィ$" x.メ"
discutirei, então, esse mito da democracia racial.

2 O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL

O objetivo desta seção é fornecer um histórico do chamado mito da


democracia racial, e como esse mito se desenvolveu no Brasil. A história
′メ}nÿ$o″"~メ"c $ ÿo"nメィ xメ "nメィ"$"nì Ó$~$"~メ " メ Ó " ィ"$d ÿo"~ "
1500. Quando eles chegaram já havia os indígenas vivendo no Brasil.
Os portugueses colonizadores necessitavam de pessoas para trabalhar
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política fracassou, porque “[...] a tentativa de escravizar os indígenas
foi abortada, porque eles esconderam-se em partes menos acessíveis

84
no interior, ou morreram de doenças, ou escaparam” (BERGHE,
1984, p. 47). Por conseguinte, os portugueses começaram a trazer
africanos para o Brasil como escravos na década de 1520. Eles foram
trazidos principalmente para o Nordeste do Brasil, onde é encontrada
atualmente a maior concentração de negros no Brasil (HERINGER, 2000,
p. 4). O Brasil tem, presentemente, a segunda maior população negra
do mundo, após a Nigéria (HERINGER, 2000, p. 4).

De acordo com Prandi (2002, p. 52), durante o período 1525 a 1851,


mais de cinco milhões de africanos foram trazidos para o Brasil na
condição de escravizados. A escravidão foi abolida em 1888, e o Brasil
foi o último país do mundo a abolir a prática (HERINGER, 2000, p. 2).
メ ÿメ ィ イ 『"イメ "}イ "~メ" •n oメ"→⊇『"$"ÿィÿÓ $x.メ" メ ÿ$" $ $"メ"c $ ÿo"
foi uma tentativa, por parte do governo brasileiro, para ‘embranquecer’
a população nacional (HERINGER, 2000, p. 2, ver também COSTA,
1985). A estratégia de facilitar a imigração de europeus brancos para
o Brasil foi aliada a uma forte oposição à imigração de asiáticos e de
africanos (HANCHARD, 1994, p. 53; PINTO, 1996, p. 194). O desejo
de ‘embranquecer’ a população também foi incentivado mediante o
casamento inter-racial para produzir “[...] tonalidades de pele de crianças
mais claras” (TELLES, 2002, p. 418; FERREIRA, 2011). A elite brasileira,
por meio de políticas governamentais, não queria que o Brasil tivesse
o status de um país de segunda classe aos olhos do resto do mundo,
porque a maioria da população era não branca (TELLES, 2002, p. 418).
De acordo com Davis (2000), a tentativa de ‘embranquecer’ a sociedade
brasileira não foi bem sucedida e, consequentemente, o governo
projetou a imagem da ‘democracia racial’ para o mundo. Argumento
que a ideia da ‘democracia racial’ é um mito, na realidade, porque há
pouca igualdade de tratamento para os afrodescendentes no contexto
brasileiro.

3 A RETÓRICA DA DEMOCRACIA RACIAL

Muitos pesquisadores investigaram o ‘mito da democracia racial’


イメ"c $ ÿo"= メ " ィ oメ【"#``# þ『"←〒〒→』"mム #『"→⊇⊆〓』"Ë‒ ‒þ #『"←〒〒∈$』"
FERREIRA, 2006b; FERREIRA, 2006c; GOMES, 1995; HERINGER, 2000;
LOVELL, 2000; MOTTA, 2000; PINTO, 1996; SANTOS, 2001; SOUZA E.,
2001; TELLES, 2002; WELLS, 2003; LEONARDO, 2002). Gomes (1995,
ver também DAVIS, 2000) argumenta que Gilberto Freyre introduziu o
‘mito da democracia racial’ quando escreveu "Casa-Grande e Senzala",
em 1933. O livro "Casa-Grande e Senzala" foi traduzido e publicado em
メ~メ"メ"ィ イ~メ" 『"~ "$nメ ~メ"nメィ"Òメィ 『" ィ" ÿ~メ"$o $ィ イ "ÿイ〈 イ "

85
na forma como o Brasil é visto no exterior. Nesse livro, Freyre utilizava
muitas formas para descrever a relação entre negros e brancos. De
acordo com Schaeber (1999, p. 52), o que é descrito no livro por Freyre
dá a impressão de que os europeus, os negros e os indígenas viviam em
relativa harmonia no Brasil. A isso se contrapõe, no entanto, para dar
um exemplo, o papel das mulheres indígenas e das mulheres negras
no mesmo livro, uma vez que são reduzidas à reprodução sexual, e a
sexualidade das mulheres é retratada por Freyre como uma característica
exótica (GOMES, 1995, p. 100).

Gomes (1995) demonstra que o livro "Casa Grande e Senzala"


institucionaliza a convicção de que o Brasil é ‘mestiço’ (mistura de
negros, brancos e indígenas), e Motta (2000), em sua discussão de
)Rctcfkiou"kp"vjg"uvwf{"qh"tceg"tgncvkqpu"kp"Dtc|knÓ [Paradigmas no estudo
~$ " o$xワ " $nÿ$ÿ "イメ"c $ ÿo>『"$} ィ$" "$ "′ $x$ ″"=nメィメ"~ n ÿ メ" メ "
Freyre em seu livro) se transformaram em ‘morenos’ (mistura de preto
e branco), o que se tornou a identidade brasileira1.

Como mencionado anteriormente, o sociólogo brasileiro Gilberto


Freyre desenvolveu o conceito de “democracia racial” nos anos 1930.
Skidmore explica que “A crença na “democracia racial”, se estava calcada
em fatos históricos ou não, tem operado como ideal de raça entre a elite
brasileira desde pelo menos 1920” (1985, p. 13). Ele continua dizendo
que:

Os anos 1930 foi a década que em outras partes


do mundo viu a aplicação de uma das mais
ferozes dogmas racistas, anti-semitismo da
História. Depois do evento principal de 1945, os
europeus olhavam para o estrangeiro procurando
por modelos de paz inter-racial. Não tinha o Brasil
há muitos anos não provado de práticas racistas
locais sobre miscigenação? Em 1950, a UNESCO
decidiu estudar as harmoniosas relações raciais
do Brasil e compartilhar o segredo do Brasil com
o mundo. Equipes de acadêmicos internacionais,
ÿイnÿ $oィ イ " $イ メ ヨoメÓメ 『" }_ $ィ" ÿ $ "
de campo em todo o país, prosseguindo objetivos
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1
ム" ィメ"♀ィメ イメ♀"イ.メ"•" ィ$"no$ ÿ}n$x.メ"メ}nÿ$o『"ィ$ "$oÓ ィ$ " メ$ " "$ メÿイ~ イ ÿ}n$ィ"
usando essa nomenclatura.

86
Essa pesquisa da UNESCO “[...] documentou como nunca antes a
prevalência da discriminação racial, bem como a persistência da ideologia
do 'embranquecimento'” (WINANT, 1991, p. 175). A pesquisa também
questionou a teoria de Freyre e constituíram um novo “revisionismo”
racial (WINANT, 1991, p. 175, ver também WINANT, 1999).

Nas décadas de 1960 e 1970 qualquer discussão relacionada com


as desigualdades raciais foi desestimulada pela ditadura militar, que
também silenciou a maioria das atividades intelectuais e políticas
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uma ampla variedade de movimentos sociais surgiu, sendo um deles o
movimento negro (bem como movimentos de feministas, de indígenas,
de gays e lésbicas e outros). O movimento negro (que é considerado
um movimento antirracista) protestou contra o regime militar e também
lutou para combater a discriminação racial no Brasil (GONÇALVES;
SILVA, 2003, ver também M. SILVA, 2003, p. 112; HERINGER, 1999, p. 42).
De acordo com Skidmore (1985), “A atenção à raça aumentou, em uma
pequena, mas perceptível 'fashion'. Os brasileiros de cor começaram
publicamente a questionar o mito da democracia racial” (p. 17).

O Brasil retornou ao governo civil em 1985 e uma nova Constituição


Federal foi aprovada em 1988. De acordo com Silva Júnior (1999),
essa Constituição representou um importante passo para frente no
tratamento jurídico-político do tema raça, e isso só foi considerado
devido às pressões políticas do movimento negro (p. 99). Heringer
=→⊇⊇⊇≠" $} ィ$" 『" イ$" ~•n$~$" ~ " →⊇⊆〒『" $n$~„ィÿnメ " nメィ x$ $ィ" $"
examinar mais uma vez a “questão de raça” (p. 42).

De acordo com Lovell (2000), a partir do início de 1990 “[...] tem


havido uma crescente sensibilização e de atenção às questões de gênero
e raça dentro de ambos os discursos feministas e negros” (p. 87). Essa
situação coincide com o período em que os pesquisadores no Brasil
passaram a se concentrar mais na questão de “raça”. Guimarães (2003,
】" ←〓↑≠" nメイ} ィ$" 『" ~ $イ " メ" ̅メ~メ" nメィ イ~ÿ~メ" イ " メ" }イ$o"
dos anos 1980 a meados anos 1990, ocorreram diversas mobilizações
por causa do centenário da abolição da escravidão no Brasil em 1988.
Isso encorajou muito o debate sobre o racismo e as desigualdades
raciais no Brasil, bem como “o racismo à brasileira” (p. 253). Essa
discussão se tornou ainda mais aguda no ambiente acadêmico, devido
à implementação dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais (que
discutiram a pluralidade cultural como um tema transversal e, dentro
desse tema, raça/etnia), que começaram a ser discutidos em 1994

87
e implementados a partir de 1998. Além disso, as recentes ações
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a Lei Federal nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003), lei que tornou obrigatória
para todos os currículos escolares a inclusão do ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira, têm provocado um debate mais aprofundado
sobre essa questão. Mais recentemente, a Lei Federal nº 11.645/2008
inclui o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena em toda
Educação Básica, pública e privada.

A população brasileira é composta por 190 milhões de habitantes


(em 2010). As tabelas que seguem se destinam a mostrar alguns
aspectos da sociedade brasileira relacionados com cor/raça. O primeiro
quadro (Tabela 1.1) mostra a distribuição da população por cor/raça
ィメ $~メ "~ "$nメ ~メ"nメィ"$"no$ ÿ}n$x.メ"Ìメ イ nÿ~$" oメ"þcÒ‒"=þイ ÿ メ"
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TABELA 1.1 - DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR COR E RAÇA

Distribuição da população por cor e raça


Porcentagem (%)
Branco Preto Pardo Amarelo Indígena
Brasil - 47,7 7,6 43,1 1 0.4
Total

FONTE: IBGE (2010)

‒ィ" o$x.メ"&" $d o$"→】→『"}n$" ÿ~ イ " 【"=ÿ≠" "メ"c $ ÿo"イ.メ"•" ィ$"


nação de ‘mistura’ em relação à raça. No Brasil ainda há uma distinção
clara em termos de cor/raça/etnia; (ii) em algumas partes do Brasil, a
discriminação de cor/raça/etnia é distribuída de maneira diferente; por
exemplo, no Sul a população negra é em média 20% da população;
=ÿÿÿ≠" ィ$" メ メ x.メ" ÿÓイÿ}n$ ÿ $"~$" メ o$x.メ"•"~ "$Ì メ~ n イ~ イ "
(pretos e pardos), ou seja, de acordo com o último censo (Tabela 1.1),
a população preta e parda é maioria no Brasil (50,7% da população).

A segunda tabela (Tabela 1.2) mostra o número de anos escolares por


cor de pessoas com idade de 15 anos ou mais em 1996. A terceira tabela
(Tabela 1.3) mostra o número de alunos que entraram nas universidade
Ì ~ $ÿ " メ "nメ " ィ"←〒→〒】"#" $d o$"}イ$o"= $d o$"→】↓≠"ィメ $"メ"イ ィ メ"
de afrodescendentes trabalhando como professores e pesquisadores
nas principais universidades brasileiras.

88
A Tabela 1.2 claramente mostra a disparidade que ainda existe
$イ メ" &" nメ " イ$" メnÿ ~$~ " d $ ÿo ÿ $】" #" $d o$" →】←" ~ $}$" メ" ′ィÿ メ" ~$"
democracia racial’ e expõe a desigualdade da população brasileira por
etnia/cor/raça

#c‒n#"→】←"△"ア ァ‒ ム"}‒"#アム "‒ mムn# ‒ " ム "mム

Número de anos escolares por cor, pessoas de 15 anos de idade ou mais, Brasil,
1996
Porcentagem (%)
Número de Brancos Pretos Pardos Total
anos escolares
Menos de 1 11,8 26,2 23,4 16,7
ano/nunca foi
para escola
1 - 3 anos 13,3 18,5 19,5 15,9
4 - 8 anos 43,8 41,3 40,7 42,4
9 - 11 anos 20,3 11,2 13,3 17,2
12 anos ou 10,9 2,4 2,8 7,5
mais
Sem 0,3 0,3 0,3 0,3
informação

FONTE: ADAPTADA DE HERINGER (2000, p. 11)

Como se percebe, em média as pessoas brancas têm mais anos de


acesso à escola em comparação às pessoas pretas e pardos. A pesquisa
feita por S. Santos (2003, p. 101), com alunos de pós-graduação da
Universidade Federal de Brasília, demonstra as suas opiniões em
relação à discriminação racial no Brasil. De acordo com Santos, 82%
dos inquiridos disseram que existe racismo no Brasil, 8% disseram que
não há, 0,8% disseram que não sabem e 4% responderam outra opção.
A tabela a seguir apresenta o ingresso nas principais universidades
federais no Brasil por etnia/cor/raça, e é mais um exemplo da forma
como o racismo opera no Brasil. O ingresso de pardos/negros é mínimo
justamente nessas universidades que são gratuitas, os estudantes não
têm que pagar (ou seja, não pagam mensalmente com seus salários,
mas é a população toda que paga por meio dos impostos pagos aos
governos, sejam estaduais ou federais). E são também as universidades
mais prestigiadas no Brasil, devido ao seu alto padrão acadêmico e de
pesquisa.

89
TABELA 1.3 - PERFIL SOCIOECONÔMICO E CULTURAL DOS ESTUDANTES DE
GRADUAÇÃO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS. DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS
ESTUDANTES DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS POR CLASSES ECONÔMICAS E RAÇA/
ETNIA

FONTE: MARCELO PAIXÃO; IRENE ROSSETTO; FABIANA MONTOVANELE; LUIZ M.


CARVANO (ORG.). RELATÓRIO ANUAL DAS DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL;
2009-2010. LABORATÓRIO DE ANÁLISES ECONÔMICAS, HISTÓRICAS, SOCIAIS
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GARAMOND EDITORA, 2010, P. 242.

A tabela 1.3 (tabela 6.9 box) que segue apresenta o ingresso na


pós-graduação nas principais universidades no Brasil por raça/cor, e é
mais um exemplo da forma como o racismo opera no Brasil. O ingresso
de pretos/pardos é mínimo justamente nessas universidades que
são gratuitas, os estudantes não têm que pagar (ou seja, não pagam
mensalmente com seus salários, mas é a população toda que paga
através dos impostos pagos aos governos, sejam estaduais ou federais).
E são também as universidades mais prestigiadas no Brasil, devido ao
seu alto padrão acadêmico e de pesquisa.

A Tabela 1.4 mostra o número de professores e de pesquisadores nas


principais universidades do Brasil. A razão por mostrar as universidades

90
nas Tabelas 1.3 e 1.4 é porque nas universidades estaduais e federais
trabalham os pesquisadores e os professores mais prestigiados. Dessa
forma, quero demonstrar que a desigualdade de oportunidades
também se estende para o nível universitário em relação à falta de
pesquisadores e de professores afro-brasileiros.

#c‒n#"→】↓"△"ア ァ‒ ム"}‒" ‒ þ #}ム ‒ "‒"}‒" ムË‒ ム ‒ "#Ë ム}‒ m‒ア}‒ア ‒

Universidades Pesquisadores e Total


Professores Negros
UnB – Universidade 15 1500
Federal de Brasília
UFSCar – Universidade 3 670
Federal de São Carlos
UFRGS – Universidade 3 1300
Federal do Rio Grande
do Sul
UFG – Universidade 15 1170
Federal de Goiânia
UFMG – Universidade 20 2700
Federal de Minas Gerais
UFPA – Universidade 18 2200
Federal do Pará
UERJ – Universidade 5 2300
Estadual do Rio de Janeiro
UNICAMP – Universidade 5 1761
Estadual de Campinas
USP – Universidade de São 20 4705
Paulo
UFRJ – Universidade 20 3200
Federal de Rio de Janeiro

FONTE: ADAPTADA DE CARVALHO (2003, p. 167)

As Tabelas 1.2, 1.3 e 1.4 indicam claramente a desigualdade


existente no Brasil no que se refere à cor/raça/etnia relacionadas com
o acesso ao Ensino Fundamental, Médio e Universitário, e professores
e pesquisadores universitários. De acordo com Gandin (2002), “O
‘mito da democracia racial’ que tem sido reproduzido historicamente
no Brasil é facilmente destruído quando acrescentamos análise racial”
(p. 7). Os números acima são exemplos desse fato de que, se nós
“adicionarmos análise racial” para as estatísticas acima, é possível
destacar a desigualdade de oportunidades entre brancos e negros que

91
existe no Brasil contemporâneo.

4 CLASSIFICAÇÃO OFICIAL DE COR

Costa (1985), Gomes (1995), Pinto (1996) e Telles (2002) têm discutido
$" ~ ÿÓイ$x.メ" ~ " nメ " ~$" メ o$x.メ" d $ ÿo ÿ $】" #" no$ ÿ}n$x.メ" メ}nÿ$o"
de cores é importante porque demonstra a forma como o governo
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pela população brasileira, como descrito a seguir, podem expressar
a forma como o IBGE2""=þイ ÿ メ"c $ ÿo ÿ メ"~ "Ò メÓ $}$" "‒ $ ̅ ÿn$≠"
compreende a composição dos grupos étnicos no Brasil. Eu diria que
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seguinte: branco (descendentes de europeus), preto (afrodescendentes),
pardo (mistura de preto e branco), indígena (índios nativos brasileiros) e
amarelo (descendentes de asiáticos). No Brasil, as pessoas pretas tendem
&"$ メÿ~ イ ÿ}n$x.メ" メ " Ì „イnÿ$"& "nメ 『" $ÿ "nメィメ【"ィメ イメ『"ィメ イメ"
claro, mulato, moreninho etc. De acordo com d'Adesky (2001, p. 136, ver
também GOMES, 1995; LEMOS, 1999; PINTO, 1996; SCHWARCZ, 1998,
】"←←∋≠『"$"no$ ÿ}n$x.メ"~ "nメ " メ o$ "イメ"c $ ÿo"ÿイno ÿ "→↑∈"ィ$イ ÿ $ " "
$ " メ$ "Y(" ÿoÿ_$ $ィ"$メ" "$ メÿ~ イ ÿ}n$ ィ3. Pinto (1996, p. 197)
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2
ム"þcÒ‒"メ Ó$イÿ_$"メ" ~メ"~メ"n イ メ"~メ" }o"~$" メ o$x.メ"d $ ÿo ÿ $】

3
As cores encontradas pelo IBGE no censo em 1976 foram 136, quando os brasileiros
" $ メÿ~ イ ÿ}n$ $ィ】" #oÓ イ " ィ oメ " .メ【" $n$ $イì$~$『" $Ó$o Ó$~$『" $o $『" $o $△ n $『"
alvarenta, alva-rosada, alvinha, amarelada, amarela-queimada, amare¬losa, amorenada,
avermelhada, azul, azul-marinho, baiano, bem branca, bem clara, bem morena, branca,
branca avermelhada, branca melada, branca morena, branca pálida, branca sardenta,
branca suja, branquiça, branquinha, bronze, bronzeada, bugrezinha escura, burro-
quando-foge, cabocla, cabo verde, café, café-com-leite, canela, canelada, cardão,
castanha, castanha clara, cobre corada, cor de café, cor de canela, cor de cuia, cor de
o ÿ 『" nメ " ~ " メ メ『" nメ " ~ " メ $『" nメ " } ィ 『" n ÿメ o$『" イn $~$『" イ メÌ $~$『" d $イ ÿn イ メ『"
escurinha, fogoió, galega, galegada, jambo, laranja, lilás, loira, loira clara, loura, lourinha,
malaia, marinheira, marrom, meio amarela, meio branca, meio morena, meio preta,
melada, mestiça, miscigenação, mista, morena bem chegada, morena bronzeada, morena
canelada, morena castanha, morena clara, morena cor de canela, morenada, morena
escura, morena fechada, morenão, morena prata, morena roxa, morena ruiva, morena
trigueira, moreninha, mulata, mulatinha, negra, negrota, pálida, paraíba, parada, parda
clara, polaca, pouco clara, pouco morena, preta, pretinha, puxa para branca, quase negra,
queimada de praia, queimada de sol, regular, retinha, rosa, rosada, rosa queimada, roxa,
ruiva, russo, sapeca, sarará, saraúba, tostada, trigo, triqueira, turva, verde, vermelha.
Também outros “que não declararam sua cor de pele” (LEMOS, 1999, p. 7, ver também
LEVINE; CROCITTI, 1999, p. 386-390; SCHWARCZ, 1998, p. 227).

92
メn メ"~ "℃ ィd $イ nÿィ イ メ¥『" 『"イメ"nメイ メ"d $ ÿo ÿ メ『" ÿÓイÿ}n$"
tornar a cor da pele mais clara por meio de casamentos inter-raciais4.
Isso perpetua o processo de “embranquecimento”, vigente há vários
séculos e que foi incentivado por políticas governamentais, como
mencionado anteriormente.

Alguns exemplos das conotações racistas que acompanham a cor


são indicados pelo fato de que piadas ainda são feitas ao realçar a
cor da pele relacionada com mau comportamento ou falta de êxito
メ} ÿメイ$o" =#``# þ『" ←〒〒→』" }# þ 『" ←〒〒〒』" ~♀#}‒ ` 『" ←〒〒→』" Òムァ‒ 『"
1995; PINTO, 1996; TELLES, 2002). Por exemplo, Davis (2000) dá alguns
exemplos que demonstram que a polícia e outras autoridades no
Brasil usam expressões como “aparência suspeita, cara de ladrão [...]
para se referir à presença da população negra” (p. 99). Além disso, até
muito recentemente era comum para os anunciantes de empregos
solicitarem candidatos de “boa aparência”, querendo dizer que não
havia necessidade de a população negra se candidatar. Por conseguinte,
o que ocorre é que, em vez de fazer referência a si próprios como
afro-brasileiros, afrodescendentes, negros, a tendência é as pessoas
tentarem retratar a si próprias com o tom de pele mais “claro” possível.
O processo de negação da sua origem étnica é aceito pela sociedade,
e certas tonalidades de cor da pele (mais claras) estão associadas com
$ "~ イ メ"~$" メnÿ ~$~ "d $ ÿo ÿ $"=~♀#}‒ ` 『"←〒〒→『" 】→↑∋≠】

Devido a essa herança, nos últimos anos líderes negros têm criado
n$ィ $イì$ "~ "$x.メ"$} ィ$ ÿ $" $ $" "メ "$Ì メ~ n イ~ イ " メ $ィ"
se sentir orgulhosos de sua cor e de sua ascendência. Essa é uma
estratégia destinada a permitir que os afro-brasileiros se reconheçam
como o povo que fez sua própria história e para mostrar que eles
podem fazer seu próprio futuro. Os afro-brasileiros são incentivados a
valorizar a sua identidade e a sua contribuição como uma comunidade
$Ì メ△d $ ÿo ÿ $" " ィ" ィ$" メ ÿÓ ィ" Ó メÓ (}n$" n̅}n$『" oÿÓÿ.メ"
e costumes. Essa é uma tentativa de mostrar o lado positivo da sua
história e, em particular, a sua luta para ter a liberdade e a igualdade
イ " メ " nÿ~$~.メ " =~♀#}‒ ` 『" ←〒〒→『" 】" →〓∋』" þア ム『" →⊇⊇∈『" 】" →⊇∈≠】" ィ"
exemplo de que esse incentivo tem funcionado é o resultado no último
n イ メ『" ィ" "〓〒『∋♪"~$" メ o$x.メ"d $ ÿo ÿ $" "no$ ÿ}nメ "nメィメ" $"
ou parda.
d'Adesky (2000, p. 146) realizou uma pesquisa para compreender

4
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como as pessoas pensam. Além disto, é raro ver casamentos inter-raciais mostrados na
televisão e jornais.

93
as categorias de ‘raça’ no Brasil, e, nas suas conclusões, observou que
" イ Ó メ" イメ" c $ ÿo" ÿÓイÿ}n$" " n$ $n ̅ ÿn$ " Ì̅ ÿn$ " ~ÿÌ イ " ~$ "
pessoas brancas, devendo ser de cor escura preta e ter antepassados
africanos. Embora haja enormes discussões na sociedade brasileira
メd "ÿ~ イ ÿ}n$ △ " メ "nメ 『"$ÿイ~$"$"ィ$ÿメ ÿ$"~メ "d $ ÿo ÿ メ "$n ~ÿ $"
que o Brasil é um país que “não vê cor”, um “paraíso racial” ou uma
℃~ ィメn $nÿ$" $nÿ$o¥" =~♀#}‒ ` 『" ←〒〒→』" Òムァ‒ 『" →⊇⊇〓』" þア ム『" →⊇⊇∈』"
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o "$} ィ ィ"$" $"ÿ~ イ ÿ~$~ " $イ メ"&" $"$ n イ~„イnÿ$】

Com relação à terminologia, os ativistas afro-brasileiros preferem


usar o termo “negro” relativo à pessoa preta (TELLES, 2002, p. 422).
Eles preferiram esse termo porque está associado com a origem étnica,
ao invés de cor. Recentemente, ativistas negros introduziram o termo
℃$Ì メ~ n イ~ イ ¥" "℃$Ì メ△d $ ÿo ÿ メ¥"nメィメ" ィ$"Ìメ ィ$"~ "$ メ~ }イÿx.メ】"
Ocorre, porém, que as pessoas que não estão conscientes da utilização
dessas expressões usam “preto” e “negro” indiferentemente.

5 IDENTIDADE NO CONTEXTO BRASILEIRO

Para melhor compreensão das 136 maneiras de os brasileiros se


$ メno$ ÿ}n$ ィ『" nメィメ" ィ イnÿメイ$~メ" $イ ÿメ ィ イ 『" •" イ n ( ÿメ"
considerar as questões de identidade e de pertencimento. Eu diria que
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メ}nÿ$o" ~$~$" oメ" þcÒ‒『" ィ$ " nメィメ" ℃ $ ~メ¥" メ " $ •" ィ ィメ" °d $イnメ°『"
porque o termo “preto” está associado com conotações negativas na
メnÿ ~$~ "d $ ÿo ÿ $】" ÿイ メ"=→⊇⊇∈≠『"イ$" $" ÿ $"ÿイ ÿ o$~$"°mo$ ÿ}n$ "
a População Brasileira por Cor: problemas subjacentes", questionou
em que medida “[...] um ambiente negativo em relação aos pretos e a
$o $x.メ"~ "d $イnメ " "$"nメ "d $イn$"ÿイ〈 イnÿ$"$ " メ$ "イメ"ィメィ イ メ"
ィ" " o$ "~ ィ" "no$ ÿ}n$ "メ " "no$ ÿ}n$~$ "nメィメ" イn イ "
a um determinado segmento da população” (p. 196-197). Pinto sugere
que, para pertencer a certa raça/origem étnica, torna-se necessário ter
ィ$"ÿ~ イ ÿ}n$x.メ"nメィ"メ"Ó メ"$" " " イn 】"þ メ" ÿÓイÿ}n$" $ィd•ィ"
que, de acordo com Muller et al. (2002a), identidade é uma construção
social que produz efeitos sociais (p. 32). De acordo com Hall (2000),
“Identidades são, assim, pontos de apego temporário a certas posições
que as práticas discursivas constroem para nós” (p. 19). Para concluir,
gostaria de sugerir que a população brasileira, quando as pessoas são
convidadas a se autocategorizar, toma uma decisão relacionada com a
imagem que já foi construída para cada um, e é associada com imagens
イ Ó$ ÿ $ 】"ム "$Ì メ△d $ ÿo ÿ メ " メ~ ィ"ィ ÿ メ"d ィ"メ $ " メ "ÿ~ イ ÿ}n$ △

94
se usando tonalidades de cores mais leves.

ム メ"$ n メ" " $ n "ÿイ〈 イnÿ$ "$"Ìメ ィ$"nメィメ"$Ì メ△d $ ÿo ÿ メ "


se veem é a maneira como os livros de história e livros didáticos no
Brasil, tradicionalmente, têm retratado povo negro. De acordo com
Pinto (1999, p. 210, ver também; FERREIRA et al., 2009; SILVA AC, 1995,
2001, 2002), os livros de história produzidos no Brasil têm a tendência
a enfatizar muito o papel dos afrodescendentes como escravos, e não
focalizar sobre a história do povo negro no Brasil após a abolição
~$" n $ $ $】" $oÿ イ $△ " $ÿイ~$" " メ " メ}nÿ$ÿ " イ ィ" ィ "
descrevem a integração dos afrodescendentes na sociedade brasileira5.
As discussões nas escolas mostram quase inteiramente um Brasil sem
diferenças sociais e econômicas relativas à raça/etnia. Além disso, no
entanto, as discussões nos livros de história têm muitas vezes mostrado
uma maneira ingênua e simplista de o Brasil ser um produto de três
“raças” - indígenas, brancos e negros - que juntos produzem o povo
brasileiro (BRASIL, 1998b, p. 126). Essa é uma visão ingênua, pois
Ó $oィ イ " "$} ィ$" " メ~$ "$ " „ "℃ $x$ ¥" ÿ ィ"ì$ ィメイÿメ $ィ イ "
no Brasil sem qualquer problema entre elas.

Outro aspecto que afeta a construção positiva da identidade negra


é a neutralização cultural das ‘diferenças’, neutralização que às vezes
subordina uma cultura à outra. Dessa forma, uma visão simplista de
um Brasil com base no “mito da democracia racial” é perpetuada nos
livros utilizados nas escolas brasileiras (BRASIL, 1998b, p. 126). Em
contraposição a essa realidade, em janeiro de 2003, a Lei Federal nº
10.639/2003, tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira em toda a Educação Básica, e em março de 2008, a Lei Federal
nº 11.645/2008, tornou obrigatório o Ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena6】"‒ $ "o ÿ " „ィ"nメo$dメ $~メ" $ $"ィメ~ÿ}n$ "メ "
currículos nas escolas brasileiras, bem como têm promovido a mudança

5
The ‘myth of racial democracy’ in Brazil implies that all Brazilian citizens are equal and
that everybody has the same chances to achieve what they want. The 'media', through
television, newspapers and magazines, have used the images of some famous black
people (such as the former footballer Pelé) to emphasise ‘equality’ as stated by Gomes
=→⊇⊇〓≠"$イ~"}$ ÿ "=←〒〒〒≠】" ì "ÿイ〈 イn "メÌ" ì "nメイ ÿd ÿメイ"メÌ"#Ì ÿn$イ" メ o " メ"c $_ÿoÿ$イ"
society can easily be seen in food, religion, dance etc. (Akkari, 2001; d’Adesky, 2001).
However, in terms of equality this social integration has failed to occur.

6
Em janeiro de 2003, pela Lei Federal nº 10.639/2003, foi obrigatório o ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira em toda Educação Básica, e em março de 2008, pela Lei Federal
nº 11.645/2008, passou a ser obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena.

95
nos livros didáticos, com relação à inclusão dessas questões.

6 RAÇA/ETNIA EM CONTEXTO

Nesta seção discutirei a forma como considero a questão da raça/


etnia. Alguns debates recentes no Brasil têm considerado os conceitos
de raça/etnia. Gomes (1995) chegou à conclusão de que 'etnicidade' é
ィ" ィメ" ィ$ÿ " $ メ ÿ$~メ" ~メ" " $x$『" ÿ メ" ~ ÿ~メ" &" nÿ}nÿ~$~ "
da cultura brasileira e aos aspectos históricos. Em outras palavras,
no contexto brasileiro, o termo 'preto' não é adequado porque está
associado à cor da pele e características físicas, em vez de ascendência
(HERINGER, 2000, p. 3).

Escolhi usar as palavras 'raça'/'etnia' no presente capítulo. Acredito


que ambas as palavras carregam a ideia de racismo, no entanto carregam
ÿÓイÿ}n$~メ " ~ÿÌ イ " = " # më‒ 『" ←〒〒↑『" 】" →∈〒』" Ë‒ ‒þ #『" ←〒〒∈d』"
FERREIRA, 2010, FERREIRA, 2012a, 2012b). A terminologia no domínio
da raça é muito sensível, e "raça' é ainda um termo problemático,
porque traz a noção de espécies biologicamente distintas. Neste
n$ ̅ oメ" $" $o$ $" ♀ $x$♀" •" $~$" $ $" ~ ィメイ $ " メ" " ÿÓイÿ}n$~メ"
que é socialmente e historicamente construído. É importante fazer a
~ÿ ÿイx.メ" イ "メ " ィメ "♀ $x$♀" "♀ イÿ$♀】"Òÿoodメ イ"=→⊇⊇〓≠"$} ィ$" "♀ $x$♀"
é geralmente associada com diferenças físicas (fenotípicas), como a cor
da pele, enquanto que 'etnia' se refere aos grupos estabelecidos para
além de uma identidade cultural compartilhada (por exemplo, sobre a
base da língua, religião ou história): “No entanto, os termos são muitas
vezes utilizados indiferentemente” (p. 4). É importante salientar que
McLaren e Torres (1999, p. 49) argumentam que o racismo é como uma
ideologia que produz o conceito de “raça”, e não a existência de “raças”
que produz o racismo. Assim, quando as pessoas precisam usar esses
ィメ 『" ÿ メ" ÿÓイÿ}n$" " ì(" ィ$" イ n ÿ~$~ " ~ " ~ÿ n ÿ " " $dメ ~$ "
questões sobre a raça/etnia, porque o racismo e a desigualdade ainda
estão presentes nas nossas relações sociais. Por exemplo, McLaren e
Torres (1999, p. 49) argumentam que a “construção da raça ideal se
materializa quando há uma ideologia que oferece a prática de racismo".
} " ÿÓ $o" ィメ~メ『" $ aì" =←〒〒〒≠" $ イ $" $" ~ }イÿx.メ" ~ " ♀ $x$♀『"
$} ィ$イ~メ" "℃<】】】>"メ"nメイn ÿ メ"~ "♀ $x$♀"•"~ "Ì イ~$ィ イ $o"ÿィ メ *イnÿ$『"
uma vez que ele se refere à realidade do racismo” (p. xxiv). De acordo
com Gillborn (1995, p. 1), embora a discussão de 'raça' pareça óbvia, é,
na realidade, “complexa e dinâmica” e, ao mesmo tempo, perigosa para
a sociedade contemporânea.
Os conceitos de raça/etnia que utilizo estão relacionados com a

96
nメイ x.メ" メnÿ$o" ~メ " ィメ " =m# #nn‒þ ム『" ←〒〒→』" ~♀#}‒ ` 『" ←〒〒→』"
FERREIRA; FERREIRA, 2010; FERREIRA; FERREIRA, 2011; GILLBORN, 1995;
Òムァ‒ 『" →⊇⊇〓』" `þアmë‒nム‒』" " ‒þアc‒ Ò『" →⊇⊇∋』" ァmn# ‒ア』" " ム ‒ 『"
→⊇⊇⊇』" # ‒`ë『"←〒〒〒』" þア ム『"→⊇⊇↑『"→⊇⊇∈『"→⊇⊇⊇』"#】" þn #"m『"→⊇⊇〓『"←〒〒→『"
2002). Isso quer dizer que não estou levando em consideração o
conceito ou ideia de 'raça' como sinônimo de algumas características
biológicas, ou marcadores, tais como cor da pele e textura de cabelos,
n$ $n ̅ ÿn$ "Ì$nÿ$ÿ " "~ " $ $『" " メ~ ÿ$ィ"~ }イÿ "$ "~ÿÌ イx$ "
de pessoas relacionadas com a sua inteligência, por exemplo. Assim,
'raça' não é um “dado biológico”, e concordo com Telles (2002, p. 421)
$イ~メ" o "$} ィ$" "$"ÿ~ ÿ$"~ "ÿ~ メoメÓÿ$ " $nÿ$ÿ " ("ÿイ ̅イ n$" ィ"
teorias que consideram as pessoas brancas superiores aos outros,
nメィメ"$nメイ n "イメ"ィ イ~メ"メnÿ~ イ $o" "•" ィ"Ì$ メ " ÿÓイÿ}n$ ÿ メ"イメ"c $ ÿo】"
Não é um “fato”, mas, sim, um fenômeno socialmente construído
=# n‒『" →⊇⊇⊇』" m#ア‒ア『" ←〒〒↑』" Ë‒ ‒þ #『" ←〒〒⊆』" ` ‒  ̄『" →⊇⊇⊇』" þア ム『"
1999), e aqueles que estão no poder constroem a identidade nacional
de acordo com os seus próprios interesses (MOITA LOPES, 2003b, p.
→⊇≠】" þ メ" イ.メ" ÿÓイÿ}n$『" メ •ィ『" " $" ÿ~ イ ÿ~$~ " イ$nÿメイ$o" ~ " ィ" $̅ "
não poderia ser alterada, repensada, reconceitualizada, “[...] como um
ィ$" ~ " ~ }イÿx.メ『" ÿ „イnÿ$『" " ~ " ィ ~$イx$¥" =# n‒『" →⊇⊇⊇『" 】" →↓"
citando SCOTT, 1995, p. 11). Assim, para discutir identidade em relação
à raça/etnia, é necessário considerar a complexidade de identidade e de
pertencimento associada com o racismo no Brasil.

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102
SOBRE A AUTORA

Aparecida de Jesus Ferreira é Doutora pela Universidade de Londres,


Inglaterra. Professora Adjunta da UEPG – Universidade Estadual de
Ponta Grossa, do programa de mestrado em Linguagem, Identidade e
Subjetividade. Colaboradora do Programa de Mestrado em Letras da
Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Coodenadora do
NUREGS – Núcleo de Relações Étnico-Raciais, de Gênero e Sexualidade.
Tem experiência na área de Linguística Aplicada, com ênfase em
Formação de Professores, atuando principalmente nos seguintes temas:
formação de professores (língua estrangeira e materna), prática de
ensino de língua inglesa, ensino e aprendizagem de língua estrangeira,
análise e desenvolvimento de materiais de ensino, letramento crítico
e os processos de construção de identidades sociais (relações raciais).

103
104
ESTUDOS
SOBRE CORPO
E DIVERSIDADE
SEXUAL
2ª Intersecção
DO GUETO À AVENIDA: 30 ANOS DE LUTA
DO MOVIMENTO LGBT E A CONQUISTA
PROGRAMA BRASIL SEM HOMOFOBIA1
Alexandre José Rossi

1 ALGUNS PONTOS DE PARTIDA

As discussões em torno das chamadas minorias sexuais vêm


conquistando cada vez mais espaço na produção de políticas sociais.
アメ"c $ ÿo『" " メn メ"Ìメÿ"~ イn$~ $~メ"イメ"}ィ"~メ "$イメ "→⊇∋〒"nメィ"
os primeiros passos de organização do Movimento Homossexual
Brasileiro, ganhando mais expressão na década de 1980, com o processo
de redemocratização do Estado.

A existência de um movimento social organizado pressupõe a


negação dos direitos de um grupo. A luta do Movimento de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, e Transgêneros revela a existência sistemática de
ÿメo$x.メ" ~ " " ~ÿ ÿ メ 『" ~$̅" $" メ ÿÓ ィ" ~$ " ~ ィ$イ~$ " n̅}n$ "
da população LGBT. Organizada em torno de sua causa, provoca e
pressiona o Estado a formular políticas públicas que combatam a
homofobia, com o objetivo de contribuir para a efetivação de políticas
イ$" メィメx.メ"~メ "~ÿ ÿ メ "ì ィ$イメ " "$"$} ィ$x.メ" "メ" nメイì nÿィ イ メ"
da diversidade sexual.

Ao entender o comportamento homofóbico como uma forma e


ィ$" .メ"~ " nメイn ÿ メ"$ $ÿÓ$~メ" ィ"イメ $" メnÿ ~$~ 『"}oÿメ△ィ "
à concepção de Heller (1992), o qual argumenta que os preconceitos
são criados e disseminados na esfera cotidiana, constituindo-se numa
categoria do pensamento e dos comportamentos cotidianos. Para
a autora, “costumamos, pura e simplesmente, assimilá-los de nosso

1
Parte deste artigo foi apresentado e publicado nos anais do 4º Seminário Nacional Estado
e Políticas Sociais – Políticas Sociais na América Latina, no ano de 2009 em Cascavel – PR,
イ~メ"$ $oÿ_$~メ" "ィメ~ÿ}n$~メ" $ $" "oÿ メ】"c ィ"nメィメ"イメ" þþþ" ィÿイ( ÿメ"þイ イ$nÿメイ$o"
de Formação de Professores para o MERCOSUL/CONE SUL, 2010, Florianópolis. Também
ressalto que ele é parte constituinte da dissertação de mestrado intitulada Avanços e limites
da Política de Combate à Homofobia: uma análise do processo de implementação das
ações para a educação do Programa Brasil Sem Homofobia, defendida junto ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da UFRGS no ano de 2010, disponível em: <http://www.
lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/24151/000744758.pdf?sequence=1>.

107
ambiente, para depois aplicá-los espontaneamente a casos concretos
através de mediação” (ibidem, p. 49).

De acordo com Daniel Borrilo (2009), a homofobia é um conjunto de


normas e comportamentos, presentes em nossa cultura, que carregam
uma carga negativa e destrutiva e que resultam em um fenômeno
de baixa autoestima dos homossexuais, devido à depreciação que
aprenderam e assimilaram a respeito. Para o autor, “a homofobia está no
cerne do tratamento discriminatório, pois é uma forma de inferiorização,
consequência direta da hierarquização das sexualidades, que confere à
heterossexualidade um status superior e natural” (BORRILO, 2009, p.
17).

Em resposta às demandas por políticas de combate à homofobia e


de reconhecimento da diversidade sexual, sustentadas pelo Movimento
LGBT Brasileiro, em 2004 o Governo Federal, em uma iniciativa pioneira,
lançou o Programa Brasil Sem Homofobia – Programa de combate à
violência e à discriminação contra a população GLTB e de promoção
da cidadania homossexual. O ineditismo se dá por ser o primeiro
programa governamental criado em interlocução com o movimento
LGBT, em resposta às suas demandas para além do campo da saúde.

Com base nas principais demandas do Movimento, o documento


é composto por um programa de 53 ações que vão da articulação
de políticas de promoção da cidadania homossexual, passando por
políticas de saúde, educação, cultura, trabalho, justiça e segurança,
incluindo também políticas para a juventude, as mulheres e os negros.

O Programa Brasil Sem Homofobia é, sem dúvida, a expressão da


agenda do Movimento LGBT ao longo dos seus trinta e poucos anos
~ "メ Ó$イÿ_$x.メ"イメ"c $ ÿo】"ア " イ ÿ~メ『"}n$"no$ メ" 『"$イ ÿメ ィ イ "
à formulação do Programa BSH, houve uma trajetória de luta do
movimento, que pouco a pouco foi conquistando direitos e espaços
de decisão, tanto na esfera governamental quanto na sociedade civil,
garantindo mais visibilidade, saindo do gueto e indo para as avenidas
reivindicar direitos e comemorar os já conquistados – ainda que a
passos lentos.

Na sequência, apresentarei alguns dos momentos chaves da história


do Movimento no mundo, para após me deter em um breve histórico
do Movimento no Brasil, o qual será dividido em três momentos. A
primeira parte tratará do período entre 1978 – ano em que surge o

108
movimento no Brasil – até a metade da década de 1990 – momento
em que se consolida no cenário político nacional como um movimento
organizado na luta por direitos de LGBT. O segundo período será
demarcado a partir de 1995, quando foi fundada a Associação Brasileira
de Gays Lésbicas Bissexuais e Transgêneros e quando o Governo Federal
implementou o Programa AIDS I, no qual se deu uma aproximação maior
entre movimento e Estado, por conta das parcerias estabelecidas entre
ムアÒ " " ァÿイÿ • ÿメ" ~$" $ ~ 】" メ " }ィ『" $ イ $ ÿ" メ" メÓ $ィ$" c $ ÿo"
Sem Homofobia como uma das respostas do Estado às reivindicações
do movimento, focando em especial o capítulo que trata da educação.

2 TRINTA ANOS DE MOVIMENTO: DO MHB AO LGBT

O movimento de defesa dos direitos dos homossexuais surgiu


na Europa ainda no século XIX, tendo como principal reivindicação a
luta contra a discriminação e o reconhecimento dos direitos civis dos
homossexuais. Aqui, entretanto, me detenho à análise a partir das
décadas de 1950 e 1960, aproximando-me ao posicionamento de
ÿ__メ"=←〒〒∈≠『"メ" $o"$} ィ$" "•"$" $ ÿ "~ " ̅メ~メ" " Ó ィ"$ "
primeiras organizações políticas em torno da luta contra a discriminação
por orientação sexual, na medida em que essas organizações começam
a cobrar do Estado o reconhecimento dos direitos civis que lhes são
negados.

Um dos marcos que impulsionou a organização desse movimento foi


a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, a
qual se constitui, “para alguns ativistas do movimento homossexual, em
um ponto de referência na luta contra a discriminação por orientação
sexual e reconhecimento dos seus direitos” (ibidem, p. 200). Segundo
メ" $ メ 『" Ìメÿ" nメィ" d$ " イメ" $ ÿÓメ" ←Y" ~$" ~ no$ $x.メ" ▲" " $} ィ$" "
“toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social [...]” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS, 1948) – que os homossexuais começaram a se reunir em torno
de organizações políticas para lutar pelo reconhecimento da cidadania
homossexual.

A partir da década de 1960, com a explosão dos movimentos sociais


das minorias étnico-raciais e sexuais e com o fortalecimento dos estudos
sobre gênero no mundo, o Movimento Homossexual começou a ter
mais notoriedade, bem como passou a ter maior atuação no cenário

109
político, enquanto no âmbito acadêmico tornou-se objeto de estudos
de pesquisadores das áreas sociais e humanas.

Em 1969, aconteceu um fato nos Estados Unidos que acabou


tornando este ano o marco para o chamado Moderno Movimento
Homossexual. Em 28 de junho de 1969, na cidade de Nova York,
homossexuais frequentadores do bar Stonewall Inn, cansados de sofrer
repressão policial, reagiram e travaram uma batalha que durou três dias.
Deste embate, os homossexuais americanos marcaram historicamente
メ"}イ$o"~ " ィ$" • ÿ "~ "ì ィÿoì$xワ " "~ÿ n ÿィÿイ$xワ " "Y("ì$ ÿ$ィ" "
tornado rotina na comunidade homossexual. O 28 de junho tornou-se,
em quase todo o mundo, o dia em que se comemora o orgulho gay.

No Brasil, o ano de início do movimento é 19782, data associada


à criação do primeiro grupo homossexual (o Grupo Somos, em São
Paulo) e à publicação do jornal O Lampião da Esquina, editado no
Rio de Janeiro por jornalistas, intelectuais e artistas homossexuais, que
servia como um veículo de informação e mobilização da comunidade
homossexual.

O movimento surgiu sob a denominação de Movimento Homossexual


Brasileiro e, ao longo das décadas, foi sofrendo alterações:

A sigla tem sido utilizada para auto-referência,


principalmente quando se trata de abordagens
generalizantes e históricas. Em momentos
n̅}nメ 『" nメィメ" ィ" →⊇⊇↑『" " ィメ ÿィ イ メ"
aparece descrito como MGL (Movimento de Gays e
Lésbicas). A partir de 1995, aparece primeiramente
como movimento GLT (Gays, Lésbicas e Travestis)
『" メ ÿメ ィ イ 『"$" $ ÿ "~ "→⊇⊇⊇" $ $"$"}Ó $ "
como movimento GLBT – gays, lésbicas, bissexuais
e transgêneros. (FACCHINI, 2005, p. 20).

2
Na maioria das obras que tratam do histórico do Movimento Homossexual Brasileiro,
a data de início é de 1978, ano associado à criação do primeiro grupo homossexual
no Brasil, o Grupo Somos, em São Paulo. Para um maior detalhamento da história do
surgimento do movimento LGBT no Brasil, ver Facchini (2005), Fry (1982, 1990), Grenn
(2003, 2000), Trevisan (2000) – autores que se debruçam sobre a história do Movimento
Homossexual.

110
Em junho de 2008, o Movimento Homossexual Brasileiro passou
a autodenominar-se Movimento LGBT3 – Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais. Segundo Facchini (ibidem), essa transformação
das siglas ao longo da história mostra um pouco da evolução do
próprio movimento que foi incorporando a luta de lésbicas, travestis e,
recentemente, de transexuais.

Os novos movimentos sociais, surgidos no Brasil principalmente


a partir da década de 1980, têm a característica de reunir-se em
torno de identidades. Conforme Gohn (1999), os movimentos sociais
identitários podem ser compreendidos como movimento de mulheres,
• イÿnメ 『" nメoヨÓÿnメ 『" nÒc 『" " メ ィ" ィ$" n$ $n ̅ ÿn$" n̅}n$"
por envolverem sujeitos de diferentes classes sociais, diferentemente
dos movimentos anteriores, que estavam agrupados quase que
exclusivamente por uma questão de classe. Esses novos movimentos
lutam por novas culturas, políticas de inclusão, contra a exclusão, atuam
pelo reconhecimento da diversidade cultural, sexual, tematizando e
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A partir da década de 1980, os movimentos de cidadania e direitos


homossexuais espalharam-se por todo o Brasil. A história do movimento
homossexual está também diretamente ligada ao processo de abertura
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que exigiam democracia e condições mais justas aos trabalhadores e à
sociedade:

No Brasil, a longa transição democrática conheceu


um leque variado de iniciativas populares e
políticas que incluem tanto um novo sindicalismo
operário, rompendo com o tradicional modelo do
paternalismo estatal e da subordinação sindical,
como também a emergência de movimentos
mais relacionados a reivindicações do cotidiano

3
Por Movimento LGBT Brasileiro entendo um grupo de pessoas que podem estar
organizadas em torno de grupos, associações, entidades, podendo ter o caráter jurídico
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como organização da sociedade civil de interesse público, bem como sujeitos que não
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grupos, em universidades, partidos políticos, grupos de estudos etc. Tais sujeitos/grupos
lutam em torno da garantia de direitos relacionados à livre expressão sexual, no combate
ao preconceito e à discriminação por orientação sexual, independentemente de qual seja
a sua orientação.

111
além da formação do Partido dos Trabalhadores.
(MORAES, 2003, p. 2).

Uma das primeiras grandes mobilizações do Movimento Homossexual


Brasileiro foi em torno da inclusão do termo orientação sexual como
uma das formas de discriminação na constituição de 1988. O artigo 3º,
que versa sobre os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, deveria contemplar no inciso IV a questão da orientação sexual.
Além dessa, outras campanhas4 foram encampadas pelo movimento
イ$" ~•n$~$" →⊇⊆〒】" ‒ $ " ÿ $ィ" $ $" イÿ}n$ " メ" ィメ ÿィ イ メ" ィ" メ イメ"
de uma bandeira e consolidá-lo como movimento social organizado.
De acordo com Howes (2003), não era mais possível fechar os olhos
diante da questão homossexual no Brasil; a homossexualidade tinha
saído do gueto e não queria mais ser coadjuvante nesse novo processo
de democratização do país.

Ao longo da história, uma das vitórias mais importantes se deu em


1985, pela pressão do movimento mobilizado em todas as cidades onde
havia grupos LGBT, conseguindo que o Conselho Federal de Medicina
excluísse o termo homossexualismo"~$"mo$ ÿ}n$x.メ"þイ イ$nÿメイ$o"~ "
}メ イx$ 】"#" $ ÿ "~$̅『"イ イì ィ$" イ ÿ~$~ "メ " メ$" メ~ ÿ$"no$ ÿ}n$ "$"
homossexualidade como desvio, transtorno, patologia, garantindo aos
homossexuais ao menos a aspiração à cidadania plena.

Contraditoriamente, outro fator que serviu para fortalecer ainda mais


o Movimento LGBT foi o surgimento da AIDS no Brasil. Em setembro
~ "→⊇⊆↑『"Ìメÿ"イメ ÿ}n$~メ"メ" ÿィ ÿ メ"n$ メ"イメ"c $ ÿo"~ $" ÿ~ ィÿ$" "
vinha atingindo a comunidade gay nos Estados Unidos e na Europa.
Apesar do ainda incipiente ativismo homossexual reagir com aversão
às primeiras notícias do câncer gay – como era inicialmente chamada a
AIDS –, acreditando que era uma estratégia para esmaecer o nascente
movimento em defesa da liberdade sexual entre iguais, logo foi
percebido que se tratava de uma questão muito séria que precisava ser
inserida também na pauta dos grupos homossexuais.

4
a) Pelo registro jurídico dos grupos homossexuais; b) Contra o parágrafo 302.0 da
mo$ ÿ}n$x.メ" þイ イ$nÿメイ$o" ~ " }メ イx$ " =mþ}≠" ~$" ム Ó$イÿ_$x.メ" ァ イ~ÿ$o" ~ " $ ~ 『" "
rotulava o homossexualismo como “desvio e transtorno sexual”; c) Pela proibição
de discriminação por “orientação sexual” no Código de Ética dos Jornalistas; d) Pela
proibição de discriminação por “orientação sexual” na Constituição de 1988 e na revisão
constitucional de 1994 (HOWES, 2003, p. 299).

112
Desde o início da epidemia, as ações do movimento homossexual
voltadas à assistência e à prevenção do HIV/AIDS caracterizaram-se
pela rápida e ampla mobilização e pelo envolvimento de seus ativistas.
Os programas de prevenção, governamentais ou não, direcionados
aos homossexuais foram os precursores de uma série de ações que
impediram a proliferação da epidemia no Brasil. Dessa forma, irônica e
nメイ $~ÿ メ ÿ$ィ イ 『"$"#þ} " ÿ " $ $" $ "~ }イÿ ÿ $ィ イ "$"o $"
pelos direitos dos homossexuais no país.

3 DE OPONENTES A PARCEIROS: A RELAÇÃO DO MOVIMENTO


LGBT COM O ESTADO A PARTIR DOS ANOS 1990

O ano de 1995 pode ser considerado um momento de grandes


transformações para o Movimento LGBT Brasileiro e a sua relação com
o Estado. Uma série de fatos, propiciados principalmente pelo novo
contexto político, econômico e cultural, advindos do processo de reforma
do Estado nacional, desencadeou um processo de estreitamento nas
relações entre esses entes concretos.

Ó ÿイ~メ" ィ$" イ~„イnÿ$"ィ イ~ÿ$o"~ " メ $"&"n ÿ "} n$o"~メ "‒ $~メ "
nacionais, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
d$ $~メ" イメ" " }nメ " nメイì nÿ~メ" nメィメ" Consenso de Washington,
fundamentado pelas teorias da Terceira Via e do Neoliberalismo, e
nメィ"$"Y ÿ}n$ ÿ $"~ " "メ"‒ $~メ"d $ ÿo ÿ メ" $ $ $" メ " ィ$"n ÿ " ィ"
decorrência do modelo de desenvolvimento adotado pelos governos
anteriores, deu início, em 1995, ao processo de reestruturação do
Estado nacional, com a implementação do Plano Diretor de Reforma do
Aparelho do Estado.

A transição desse processo foi a passagem do modelo de Estado


provedor para o Estado regulador e mínimo. Vale salientar que o
modelo de Guvcfq" O pkoq consiste em uma redução nas políticas
sociais e na distribuição de renda, mas um Estado Máximo na direção de
garantir condições de reprodução do capital. Com base nisso, o Estado
d $ ÿo ÿ メ『"Ìメ ィ イ "ÿイ〈 イnÿ$~メ" o$" メo̅ ÿn$"イ メoÿd $o" " o$ "ÿ~ ÿ$ "
da Terceira Via, passou a entender que a execução de algumas políticas
sociais não devia ser de exclusividade do Estado, compartilhando a
responsabilidade com a sociedade civil organizada.

De acordo com Montaño (2005, p. 181), o termo Terceiro Setor,


utilizado pelos teóricos da Terceira Via, “é carente de rigor teórico”, e
se traduz em um conceito desarticulador do social, pois ele pressupõe

113
a existência de primeiro e de um segundo setor na esfera social. Esses
teóricos referem-se a ao termo como:

[...] organizações não-lucrativas e não-


governamentais – ONGs, movimentos sociais,
organizações e associações comunitárias,
instituições de caridade – religiosas, atividades
}o$イ ヨ ÿn$ "▲"Ì イ~$xワ " ィ $ ÿ$ÿ 『"}o$イ メ ÿ$"
empresarial, empresa cidadã, ações solidárias –
consciência solidária de ajuda mútua e de ajuda ao
próximo, ações voluntárias e atividades pontuais e
formais. (MONTAÑO, 2005, p. 181-182).

Todas essas instituições citadas constituiriam o chamado Terceiro


Setor, ou seja, tudo aquilo que estaria fora do primeiro setor (Estado)
e do segundo (mercado). Essa gama de instituições e organizações
estaria localizada na sociedade civil (ibidem). Entendido como parte
do Terceiro Setor pelos teóricos da Terceira Via, o Movimento LGBT
assumiria fortemente a execução de políticas públicas – como foi o
caso da política de combate ao HIV/AIDS – a partir da década de 1990,
principalmente após a reforma do Estado.

Segundo Teixeira (2003), como consequência desse novo cenário,


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~ "メd "}イ$イnÿ$ィ イ メ " "ィ$イ " ィ$" $"~ "ィメdÿoÿ_$x.メ"ィ$ÿ "
ou menos estável, ao contrário dos antigos grupos, organizados mais
informalmente (TEIXEIRA, 2003 apud SANTOS, 2007, p. 123). Foi com
base nessa lógica que os grupos homossexuais no Brasil passaram a
$ ィÿ " ィ"n$ ( "Y ̅~ÿnメ『"$"}ィ"~ "d n$ "}イ$イnÿ$ィ イ メ"~メ"‒ $~メ】

A década de 1990 foi marcada por uma expansão na organização do


Movimento LGBT Brasileiro, depois de um momento de retração vivido
na década de 1980. Os grupos de homossexuais criados até então no
eixo Rio-São Paulo, com a exceção do Grupo Gay da Bahia, passaram a
surgir em outros estados brasileiros.

A partir da metade dos anos 1990, o movimento LGBT desenvolveu


programas nos campos de saúde, educação, assistência social etc., o
que acarretou num deslocamento do foco da relação entre Movimento
e Estado, que outrora se caracterizavam como oponentes e agora
começavam a se manifestar como parceiros. Essa nova relação permitiu
o crescimento e o fortalecimento do movimento no Brasil, possibilitando
a formulação do Programa Brasil Sem Homofobia.

114
Esse estreitamento das relações entre Movimento e Estado carrega em
ÿ" ィ$"Ó $イ~ "nメイ $~ÿx.メ】" メ " ィ"o$~メ『"メ " n メ " "メ "}イ$イnÿ$ィ イ メ "
fornecidos pelo Ministério da Saúde a grupos homossexuais para a
prevenção das DST/AIDS na comunidade homossexual possibilitaram
a reestruturação do movimento em todo o país, propiciando o
amadurecimento do Movimento Homossexual Brasileiro. Por outro,
acabou por amenizar as tensões entre essas duas instituições. Do claro
papel de oponente ao Estado, o movimento passou a ser parceiro dele,
principalmente na luta pelo combate à AIDS, e – na carona da AIDS – na
o $"nメイ $"メ" nメイn ÿ メ" " o$"$} ィ$x.メ"~メ "~ÿ ÿ メ " $ÿ "~ "Ó$ 『"
lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros. Essas condições materiais
possibilitaram ao movimento uma forma de se sustentar e formar novas
bases, novas lideranças, expandindo-se quali-quantitativamente.

Em 1995, foi criada a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis


e Transexuais (ABGLT), durante o VIII Encontro Brasileiro de Gays e
Lésbicas (EBGL), em Curitiba. Esse evento contou com a participação de
84 grupos LGBT de todo o país. Conforme Facchini (2005), pela primeira
_" メ" イnメイ メ" Ìメÿ" }イ$イnÿ$~メ" oメ" メÓ $ィ$" ア$nÿメイ$o" ~ " } ∴#þ} 『"
que promoveu um encontro paralelo, o I Encontro Brasileiro de Gays e
Lésbicas que trabalham com AIDS.

A ABGLT constituiu-se desde o início como uma ONG com o caráter


de organização da sociedade civil de interesse público, que visa reunir
em torno de si o maior número de organizações governamentais e
não governamentais, bem como sujeitos interessados na luta pelos
direitos dos homossexuais. Congrega um número expressivo de grupos
LGBT associados e é legitimada – principalmente pelo Estado – como a
associação que representa os interesses dos sujeitos LGBT. No campo
do movimento, pode-se dizer que a criação dessa associação permitiu
ィ$ÿメ " イÿ}n$x.メ"~メ"ィメ ÿィ イ メ" ィ" メ イメ"~$ "d$イ~ ÿ $ "~ "o $" "ィ$ÿメ "
aproximação com o Estado.

Em 1994, o Ministério da Saúde, tendo na época José Serra como


ministro, deu início a uma política de descentralização das ações voltadas
às políticas de prevenção das HIV/DST/AIDS. Naquele ano, o Brasil
ì$ ÿ$"$ ÿイ$~メ" ィ"$nメ ~メ"nメィ"メ"c$イnメ"ァ イ~ÿ$o" $ $"メ"}イ$イnÿ$ィ イ メ"
da política de combate ao HIV/AIDS. Pelo Programa Nacional de
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conhecido como o AIDS I, o qual, de acordo com Marcelo Daniliauskas
(2011, p. 43), “trazia como inovação a participação da sociedade civil na
implementação das suas ações”.

115
A inexistência de uma política pública do Estado, objetivando o
combate do HIV entre a população homossexual, contribuiu para a
n ÿ$x.メ"~ "~ÿ $ "ムアÒ ∴#þ} 】"ム "Ó メ "ìメィメ $ÿ "ィメ~ÿ}n$ $ィ"
os seus estatutos e colocaram como objetivos a promoção da saúde
e prevenção das DSTs e do HIV/AIDS, podendo, com isso, participar
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que liberassem recursos para trabalhar com prevenção. Os grupos
ìメィメ $ÿ " n d $ィ" " " }イ$イnÿ$ィ イ メ " メ~ ÿ$ィ" ÿ " $メ"
encontro dos seus interesses de fortalecimento do movimento. Nesse
sentido, a partir de 1995 aconteceu o que muitos autores chamam de
boom do Movimento Homossexual no Brasil.

Como foi possível observar, o Programa Nacional DST/AIDS,


mediante transferência de recursos às ONGs, fortaleceu as parcerias
com o Movimento LGBT para a execução de suas políticas. Daniliauskas
=←〒→→『" 】"↑⊇≠"$} ィ$" "℃ " メÓ $ィ$"$n$d$" " $d o n イ~メ"nメィメ"
principal interlocutor das demandas do Movimento junto ao Estado”,
permitindo ao movimento conquistar espaço, aos poucos, e imprimir
suas demandas nos programas governamentais.

Os dois mandatos de Fernando Henrique caracterizaram-se


por estreitar o diálogo com o Estado, no entanto a elaboração de
políticas de que atendessem à pressão do movimento homossexual
não ultrapassou aquelas direcionadas para o campo da saúde, mais
nÿ}n$ィ イ " $ " $xワ " ~ " イx.メ" $メ" ëþ ∴#þ} 】" } $イ " メ"
Governo FHC, dois importantes documentos podem ser citados como
referências que antecederam o Programa BSH: o Programa Nacional de
Direitos Humanos (PNDH) e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

O fato de o Brasil ter-se tornado signatário de uma série de acordos


internacionais na área dos direitos humanos levou o país, em 1996,
a criar o primeiro Programa Nacional em Direitos Humanos. Ele teve
como base as resoluções da Conferência Mundial de Direitos Humanos
da Organização das Nações Unidas, realizada em Viena em 1993.
De acordo com Daniliauskas (2011, p. 46), “neste documento, sob a
responsabilidade do Ministério da Justiça, encontra-se a primeira
Ì „イnÿ$" o̅nÿ $"$メ" ィメ"′ìメィメ $ÿ ″" ィ" ィ"~メn ィ イ メ"メ}nÿ$o"
do governo federal”:

Direitos humanos são os direitos fundamentais


de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros,
homossexuais, índios, idosos, pessoas portadoras
~ " ~ }nÿ„イnÿ$ 『" メ o$xワ " ~ " Ì メイ ÿ $ 『"

116
estrangeiros e emigrantes, refugiados, portadores
de HIV positivo, crianças e adolescentes, policiais,
presos, despossuídos e os que têm acesso a
riqueza. Todos, enquanto pessoas, devem ser
respeitados e sua integridade física protegida e
assegurada. (BRASIL, 1996, p. 3).

Além da primeira versão do PNDH, os Parâmetros Curriculares


Nacional, fundamentalmente o caderno de tema transversal Orientação
Sexual, foram outro importante documento que antecedeu o Programa
BSH. Lançado em 1997, é um dos primeiros documentos do Ministério
da Educação (MEC) que contêm orientações para os sistemas de
ensino sobre as temáticas de gênero e sexualidade na escola. Também
foi a primeira vez que se abordou a homossexualidade como uma
forma de expressão sexual, possibilitando a interpretação de que a
heterossexualidade não é a única forma de expressão sexual.

O caderno do tema transversal Orientação Sexual foi dividido em


três áreas: a) eqtrq<" ocvtk|" fc" ugzwcnkfcfg=" d+" tgnc› gu" fg" i‒pgtq=" g"
e+" rtgxgp›«q" fcu" fqgp›cu" ugzwcnogpvg" vtcpuokuu xgku1CKFU. Uma
primeira aproximação com os blocos de conteúdos propostos pelos
PCNs, ao se trabalhar orientação sexual, mostra que a homossexualidade
foi tratada pelos organizadores do caderno como um “tema delicado”
$" " $d$oì$~メ" イ$" nメo$『" $Ó $~メ" nメィ" ィ$ " nメィメ" メ イメÓ $}$『"
masturbação, prostituição etc.:

Com a inclusão da Orientação Sexual nas escolas,


a discussão de questões polêmicas e delicadas,
nメィメ"ィ$ d$x.メ『"ÿイÿnÿ$x.メ" $o『"メ"℃}n$ ¥" "メ"
namoro, homossexualidade, aborto, disfunções
$ÿ 『" メ ÿ ÿx.メ" " メ イメÓ $}$『" ~ イ メ" ~ "
uma perspectiva democrática e pluralista, em
muito contribui para o bem-estar das crianças,
dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua
sexualidade atual e futura. (BRASIL, 1997, p. 293).

De acordo com Rossi (2008), ainda que o documento admita


ィ$イÿÌ $xワ " ~ÿ ÿ}n$~$ " ~$" $oÿ~$~ 『" o " イ.メ" メdo ィ$ ÿ_$" $"
categoria sexualidade sob o ponto de vista de sua constituição sócio-
histórica. Quando o tema homossexualidade é agrupado no documento
citado juntamente com os demais temas, dá a impressão que tais
assuntos necessitam de uma orientação voltada para a normatização
dos sujeitos.

117
Durante o primeiro mandato do Governo Lula (2003-2006), a
o$x.メ"~メ"ィメ ÿィ イ メ"nメィ"メ"‒ $~メ"ィメ~ÿ}nメ △ " ÿÓイÿ}n$ ÿ $ィ イ 】"
As parcerias permaneceram, principalmente as estabelecidas com
Ministério da Saúde. No entanto, o movimento homossexual, assim
como outros movimentos sociais, passou a ter um diálogo mais direto
e aberto com o governo, especialmente após a criação da Secretaria
Especial de Diretos Humanos (SEDH), criada com o objetivo de
dialogar com os vários movimentos sociais que até então não tinham
um canal direto com o Governo Federal para tratar da articulação e
da implementação de políticas públicas voltadas para a proteção e a
promoção dos direitos humanos.

As políticas sociais passaram a ter maior prioridade nesse


governo, ao contrário do que vinha acontecendo no governo
anterior. Em decorrência dessa nova postura, menos conservadora e
mais democrática, nos limites da democracia capitalista, o governo
lançou, em 2004, o Programa Brasil Sem Homofobia, como resposta
às reivindicações do movimento LGBT, apontando a escola como um
espaço privilegiado para a execução de tal política.

Embora lançada em 2004, a proposta de elaboração do BSH já existia


anteriormente. Para obter o apoio do Movimento LGBT na campanha
eleitoral de 2002, o Governo Lula propôs a elaboração de um programa
de combate à homofobia; em contrapartida, solicitou auxílio durante a
campanha eleitoral. Porém esse acordo não foi incluído como objetivo
no Plano de Governo do PT 2002/2006. O acordo informal, que ocorreu
em 2002, não foi cumprido logo de imediato. Pressionado pelas
lideranças do movimento, o Governo Federal atendeu às reivindicações
em 2004, ano de formulação e lançamento do programa.

A criação do programa e a inserção de militantes no governo,


bem como o diálogo mais aberto entre governo e movimento,
proporcionaram a inclusão das políticas LGBT no plano de governo
do PT de 2007/2010,5 que outrora havia sido estabelecido apenas

5
Desenvolver e aprofundar as ações de combate à discriminação e de promoção da
cidadania GLBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais), nos marcos do programa
c $ ÿo" ィ"ëメィメÌメdÿ$『" " ("$ィ oÿ$~メ" "Ìメ $o nÿ~メ』"~ イ メo " メo̅ ÿn$ "$} ィ$ ÿ $ " "
de promoção de uma cultura de respeito à diversidade sexual, favorecendo a visibilidade
e o reconhecimento social; incentivar a participação, realizando a I Conferência Nacional
de Políticas para os GLBT (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2006, p. 30).

118
nos bastidores. Pela primeira vez, no Brasil, um governo assumiu
publicamente, em um plano de governo, compromissos com o
Movimento Homossexual.

4 A PRODUÇÃO DO PROGRAMA BRASIL SEM HOMOFOBIA

Conforme dito anteriormente, parte-se do pressuposto de que


existência de um movimento organizado sugere que algo vem sendo
negado em relação aos direitos de um grupo. Não é mais possível
ignorar quatro milhões de sujeitos que invadem a Avenida Paulista
todos os anos para celebrar a diversidade e cobrar os direitos civis
" oì " .メ" イ Ó$~メ 】" ‒ " Y ÿ メ " ~ ィ$イ~$ィ" メo̅ ÿn$ " n̅}n$ 】"
Mobilizados em torno de uma causa, pressionam o Estado a formular
políticas públicas que combatam a homofobia, com o objetivo de
contribuir para a efetivação de políticas na promoção dos direitos
ì ィ$イメ " "~ "$} ィ$x.メ" " nメイì nÿィ イ メ"~$"~ÿ ÿ~$~ " $o】"

Em resposta a essa demanda do Movimento LGBT Brasileiro,


o Governo Federal, em uma iniciativa inédita, lançou, em 2004, o
Programa Brasil Sem Homofobia – Programa de combate à violência e
à discriminação contra a população GLTB e de promoção da cidadania
homossexual. O ineditismo se dá por ser o primeiro programa
governamental criado junto com o movimento LGBT para responder
às suas demandas. Até então, como foi possível observar, nenhum
governo havia incorporando de forma sistemática na sua agenda as
reivindicações do movimento.

ム" o$イメ" o ÿ$イ $o"▲" #"←〒〒↓△←〒〒∋"~ }イÿ 『"イメ"*ィdÿ メ"~メ"Programa


de Direitos Humanos, Direito de Todos, a ação denominada Elaboração
do Plano de Combate à Discriminação contra Homossexuais.

Com vistas a efetivar este compromisso, a


Secretaria Especial de Direitos Humanos lança o
Brasil Sem Homofobia – Programa de combate
à violência e à discriminação contra GLTB e
de promoção da cidadania homossexual, com
o objetivo de promover a cidadania de gays,
lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais, a
partir da equiparação de direitos de combate
à violência e à discriminação homofóbicas,
ÿ $イ~メ" $" nÿ}nÿ~$~ " ~ " n$~$" ィ" ~ "
grupos populacionais. (BRASIL, 2004. p. 11).

119
O Brasil Sem Homofobia tem a particularidade de ser o primeiro
programa de governo6 com vistas à promoção dos direitos humanos
e ao combate à homofobia e à discriminação por orientação sexual.
Com base nas principais demandas dessa população, o documento é
composto de 53 ações, que vão desde a articulação de políticas de
promoção da cidadania homossexual, passando por políticas de saúde,
educação, cultura, trabalho, justiça e segurança, incluindo também
políticas para a juventude, mulheres e negros.

É, até o momento, a maior resposta do Estado frente às reivindicações


do movimento. Nenhum outro governo até então havia acatado as
reivindicações de forma a incorporar sistematicamente um programa
nメィ" $xワ " ~ }イÿ~$ " $ $" ィ$" メo̅ ÿn$" イ$nÿメイ$o『" nメィメ" •" メ" メÓ $ィ$"
BSH, que envolve vários ministérios e/ou secretaria do Governo Federal,
que também foram coautores desse Programa. O que havia de política
}n$ $" ÿ メ" "ィ ÿ メ" ÿイn o$~メ"&" メo̅ ÿn$"~ "nメィd$ "$メ"ëþ ∴#þ} 】"

Com base no PNDH de 1996, e por ser uma reivindicação do


Movimento LGBT Brasileiro, o governo Lula formulou o Programa
Brasil Sem Homofobia. Segundo Paulo Vannuchi (2008), secretário da
SEDH da época, esse Programa foi criado em função da articulação
~メ " Y ÿ メ " "o $ィ" o$"$} ィ$x.メ"~メ "~ÿ ÿ メ "~$" メ o$x.メ"nÒc 『"
assim como pelo fato concreto de milhares de sujeitos com orientação
sexual homossexual hoje serem alvo de preconceito e discriminação
por homofobia, o que, levado ao extremo, culmina na agressão física
e muitas vezes na morte dos sujeitos homossexuais. Nas palavras do
ex-secretário:

A dedicação de milhares de brasileiros e brasileiras


o$"$} ィ$x.メ"~メ "~ÿ ÿ メ "~$" メ o$x.メ"Ònc 『"
em contraste com uma realidade marcada pelo
preconceito e discriminação, tornou urgente a
adoção pelo Governo Federal, em parceria com
a Sociedade Civil, de ações que possibilitassem

6
Entendo o Programa Brasil Sem Homofobia como um programa de governo e não um
programa de Estado, por se tratar de um programa pontual do Governo Lula. Ele nasceu
no primeiro mandato do governo Lula e teve continuidade no segundo mandato. Em
junho de 2008 foi realizada a primeira conferência nacional LGBT, que tinha como objetivo
avaliar o Programa Brasil Sem Homofobia e elaborar o Plano Nacional de Promoção da
Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT que pretende se tornar um plano de Estado.
Tal plano foi lançado em maio de 2009, em Brasília, com intenção de substituir o programa
BSH.

120
a ampliação do exercício da cidadania deste
expressivo segmento da sociedade brasileira.
(BRASIL, 2004. p. 7).

Nesse sentido, a partir de 2004, o movimento LGBT passou a ter um


diálogo mais direto com o Governo Federal, com o objetivo de discutir
e formular um programa que combatesse a homofobia no Brasil.
n$イx$~メ"イ "ィ ィメ"$イメ『"メ" メÓ $ィ$" ィ" メ "}イ$oÿ~$~ "℃ メィメ "$"
cidadania de gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais a partir
da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação
homofóbicas”. Diversas organizações LGBT estiveram presentes
durante a discussão e a elaboração do programa em questão. Também
participaram representantes de diversos ministérios e departamentos
do Governo Federal.

Conforme o nome já diz, o objetivo maior do programa é erradicar


a homofobia no Brasil. Embora um tanto audacioso, é o primeiro passo
para que isso ocorra a longo prazo, tendo em vista que o preconceito
contra homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais está
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homem branco, classe média, heterossexual, pai de família, em que a
expressão sexual heterossexual é tida como norma e qualquer outra
forma de expressão é tida como desvio à norma hegemonicamente
estabelecida.

Para cumprir com o seu objetivo, o Programa é constituído das


seguintes ações:

a) apoio a projetos de fortalecimento de


instituições públicas e não-governamentais que
atuam na promoção da cidadania homossexual e/
ou no combate à homofobia;
d≠" n$ $nÿ $x.メ" ~ " メ} ÿメイ$ÿ " " イ $イ "
do movimento homossexual que atuam na defesa
de direitos humanos;
c) disseminação de informações sobre direitos, de
promoção da autoestima homossexual; e
d) incentivo à denúncia de violações dos direitos
humanos do segmento GLTB. (BRASIL, 2004, p. 11
– grifos meus).

121
Essas ações do Programa se desdobram em várias outras dentro de
ィ$ " n̅}nメ 7. Cada um destes estava sob a responsabilidade de
órgãos do Governo Federal e, dependendo da ação a ser desenvolvida,
um ou mais ministérios seriam responsáveis pela sua execução. A
coordenação geral e a articulação do BSH, bem como o monitoramento
e o acompanhamento do processo de implementação, estão sob a
responsabilidade da Secretaria Especial de Direitos Humanos.

Para cada um dos eixos propostos existe uma série de ações a serem
implementadas, sem indicar necessariamente o órgão ou o ministério
メイ ( o" o$" n x.メ】" アメ" イ $イ メ『" Y(" }n$" o̅nÿ メ" イメ " ̅ oメ "
de cada capítulo do Programa qual ministério será responsável; por
exemplo, o Direito à Educação será de responsabilidade do MEC.

Nos campos da educação e da cultura, o documento propõe a


elaboração de políticas culturais que valorizem a diversidade sexual,
a elaboração de estudos e pesquisas, a formação e a capacitação de
メ} ÿメイ$ÿ "~$" ~ n$x.メ『"$"イメ ィ$ ÿ_$x.メ"~メ" イ ÿイメ『"$"Ìメ ィ o$x.メ"~ "
políticas educacionais não discriminatórias e que incluam o tema da
diversidade sexual.

O MEC, como um dos signatários do BSH, comprometeu-se a


implantar em todos os níveis e em todas as modalidades de educação
ações voltadas para a promoção do reconhecimento da diversidade
sexual e para o enfrentamento do preconceito, da discriminação e da
violência em virtude de orientação sexual e identidade de gênero. Esse
ministério entende que a construção de um modelo de escola e de
sociedade verdadeiramente democráticas é aquela em que a justiça
social e o pleno exercício da cidadania de gays, lésbicas, bissexuais,
travestis e transgêneros são garantidos a partir da promoção de
uma educação inclusiva, voltada para os direitos humanos e para o
reconhecimento da diversidade. Para garantir os princípios de justiça
social e exercício da cidadania, é fundamental “assegurar a todas as
pessoas uma educação de qualidade, pluralista e emancipatória”
(BRASIL, 2008, p. 18). Conforme o texto-base da Conferência Nacional
de GLBTT 2008, uma educação de qualidade,

[...] além de oferecer a necessária formação


nÿ イ ̅}n$『" n o $o" " ì ィ$イÿ $『" •" $ o$" "

7
"~メn ィ イ メ"メ}nÿ$o" メÓ $ィ$"c $ ÿo" ィ"ëメィメÌメdÿ$"▲" メÓ $ィ$"~ "nメィd$ "&" ÿメo„イnÿ$"
e à discriminação contra a população GLTB e de promoção da cidadania homossexual.

122
valoriza o diálogo com o “outro” e o convívio
$n̅}nメ" " ÿ メ メ" ~ " メ~$ " $ " ~ÿÌ イx$ 『" ~ "
modo a fazer com que elas não sejam motivo de
inferiorização, silenciamentos, constrangimentos,
insultos e agressões. (ibidem, p. 18).

Foi com base nesses princípios que o MEC elaborou e implementou


a política de combate à homofobia no âmbito da educação no Brasil. O
setor designado pelo MEC como responsável por elaborar e executar as
políticas que contemplam o BSH no âmbito da educação foi a Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad).

O capítulo 5 do programa leva o título Direito à Educação:


promovendo valores de respeito à paz e a não-discriminação por
orientação sexual. Ele versa sobre as ações do Estado para o combate
da homofobia no âmbito da educação. Constam entre as medidas:

Elaborar diretrizes que orientem os Sistemas


de Ensino na implementação de ações que
comprovem o respeito ao cidadão e a não-
discriminação por orientação sexual;
Fomentar e apoiar curso de formação inicial e
continuada de professores na área da sexualidade;
Formar equipes multidisciplinares para avaliação
dos livros didáticos, de modo a eliminar aspectos
discriminatórios por orientação sexual e a
superação da homofobia;
Estimular a produção de materiais educativos
=}oィ 『" ̅~ メ " " doÿn$xワ ≠" メd " メ ÿ イ $x.メ"
sexual e superação da homofobia;
Apoiar e divulgar a produção de materiais
n̅}nメ " $ $"$"Ìメ ィ$x.メ"~ " メÌ メ 』"
}ÿ oÓ$ " $ " ÿイÌメ ィ$xワ " nÿ イ ̅}n$ " メd "
sexualidade humana;
Estimular a pesquisa e a difusão de conhecimentos
que contribuam para o combate à violência e à
discriminação de GLTB;
Criar o Subcomitê sobre Educação em Direitos
Humanos no Ministério da Educação, com a
participação do movimento de homossexuais,
para acompanhar e avaliar as diretrizes traçadas.
(BRASIL, 2004, p. 22).

A Secad, por sua vez, deu prioridade aos cursos de formação


nメイ ÿイ $~$"nメィメ"$" ÿイnÿ $o"$x.メ"$" "ÿィ o ィ イ $~$『"nメィ"$"Y ÿ}n$ ÿ $"
de que temas como diversidade sexual e identidade de gênero muitas

123
_ "イ.メ" .メ"$dメ ~$~メ "イメ "n メ "~ "Ìメ ィ$x.メ"ÿイÿnÿ$o"~ " メ} ÿメイ$ÿ "
da educação (BRASIL, 2007).

Uma das principais ações da Secad nessa área foi o curso Gênero
e Diversidade na Escola (GDE), o qual tem por objetivo, por meio da
formação continuada, fornecer elementos para transformar as práticas
de ensino e desconstruir o ciclo da reprodução de concepções e
práticas preconceituosas, no que diz respeito às relações de gênero,
étnico-raciais e sexualidades não heteronormativas (ibidem).

É bem provável que você seja um cursista do GDE, pois este livro é
parte do material produzido para o curso. Como pode perceber, você foi,
é ou está sendo a materialização da política de combate à homofobia,
na medida em que está participando do curso. Como pôde perceber ao
longo do texto, existiu uma longa trajetória de pequenas conquistas,
que, proporcionada pelo contexto histórico da época, possibilitou a
materialização do Programa BSH e, consequentemente, as ações que
dão sustentação à sua implementação, como é o caso do GDE.

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Foi possível observar ao longo deste artigo que o movimento de


esvaziamento do Estado e a redução da responsabilidade de algumas
políticas públicas produziram, contraditoriamente, caminhos de maior
presença do Movimento LGBT na formulação de políticas de combate à
homofobia e, como consequência, uma maior garantia de direitos para
sujeitos LGBT, ainda que muito parcas.

De um lado, o movimento passou a ser coadjuvante e, muitas vezes,


teve o papel principal na execução das políticas sociais, principalmente
durante a década de 1990 com a política de combate ao HIV/AIDS. Assim,
メ" "~ ÿ$" "イ n $ ÿ$ィ イ " Y ̅_メ"Ìメÿ" "nメイ}Ó $イ~メ"nメィメ"
avanços pontuais: o fortalecimento do movimento, o envolvimento
de setores diversos da sociedade civil na implementação da política, a
inserção de militantes do movimento no governo, a criação de espaços
de participação na discussão e na elaboração de políticas, bem como
uma maior preocupação do Estado por caminhos inegavelmente mais
democráticos, como tem sido a atuação da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade e da Secretaria Especial de
Direitos Humanos, ao serem coautores do Programa BSH, a partir da
pauta das lutas dos movimentos.

124
#" ÿ „イnÿ$" ~メ" メÓ $ィ$" 〈 " メ" nメイì nÿィ イ メ『" メ " $ " ~メ"
Estado, de que existe discriminação por orientação sexual no Brasil
" " o$" " 〈 " イメ" nメィ メ $ィ イ メ" ìメィメÌヨdÿnメ】" $o " o ィd $ "
mais uma vez que o Programa Brasil Sem Homofobia só se tornou
realidade e parte da agenda do governo Lula por ser o resultado da
luta e da mobilização do Movimento LGBT. Nesse sentido, a criação do
Programa é um marco não só na história do movimento, como uma
das suas principais conquistas no campo do direito, mas também para
a sociedade como um todo.

A luta contra a homofobia tem que se dar em todos os lugares ao


mesmo tempo, ou seja, em todas as relações sociais – algumas são mais
possíveis de haver uma intervenção – principalmente as instituições
estatais, tais como escolas, universidades – pois existe a possibilidade
nメイn $"$oÿ"~ " "~ }イÿ " メo̅ ÿn$ 】"# " o$xワ " メnÿ$ÿ " ィ"Ó $o"▲" " .メ"
as que determinam o Estado e a escola – vão também, na contradição,
イ~メ"ィメ~ÿ}n$~$ " メ " $ " メo̅ ÿn$ 】"‒イ $イ メ"$ " o$xワ " メnÿ$ÿ "イ.メ"
mudarem, o todo não muda, mas o fato de o Estado ter uma política
e de a escola implementá-la é um dado de interferência nas relações
sociais, em um movimento contínuo de reciprocidade.

メ "}ィ『"nì$ィメ"$"$ イx.メ" $ $"$" メイ $dÿoÿ~$~ "~$" nメo$" "~メ "


professores em não silenciar diante das múltiplas formas de expressão
sexual, das possibilidades de amar, de formas de desejo, de relações,
sejam elas de afeto ou de amizade. Considerar a diversidade sexual,
falar dela em sala de aula é uma forma de combater o preconceito;
não falar dela, por achar que é um “tema delicado” é uma forma de
reforçá-lo.

REFERÊNCIAS

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educação:" ィ"~ $}メ"$メ" ÿo„イnÿメ】"c $ ̅oÿ$【"n $ "nÿ 』"‒~】" イc『"←〒〒⊇】

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Ministério da Saúde, 2004.

125
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126
SOBRE O AUTOR

#o $イ~ "Xメ •" メ ÿ"•"oÿn イnÿ$~メ" ィ"Ëÿoメ メ}$『"nメィ" nÿ$oÿ_$x.メ"


em Fundamentos da Educação pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, mestre em Educação na linha de pesquisa Políticas e Gestão
de Processos Educacionais da UFRGS, onde atualmente desenvolve
o doutorado. É professor na área de políticas e gestão da educação
em cursos de pós graduação latu sensu das universidades UNISINOS,
FACCAT e da Escola de Gestores da Educação Básica do MEC em
parceria com a UFRGS. Assessor e pesquisador no Projeto de extensão
Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica em redes municipais
de ensino dos estados RS e SC. Tem pesquisado políticas de combate à
homofobia e políticas de diversidade na educação.

127
RELAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR: AS “MISTURAS” E AS SEPARAÇÕES
COMO FORMA DE APRENDIZAGEM
Luciano Nascimento Corsino

1 INTRODUÇÃO

ム " ~メ "~ "Ó„イ メ"イ$"‒~ n$x.メ"Ë̅ ÿn$"‒ nメo$ "Ìメ $ィ"ÿイ イ ÿ}n$~メ "
$" $ ÿ " ~$" ~•n$~$" ~ " →⊇⊆〒" =#n ‒ " X アþム 『" ←〒〒→』" Òム‒nnア‒ 『" ←〒〒→≠『"
principalmente com base no surgimento de pesquisas que buscavam
soluções teórico-metodológicas capazes de romper com um modelo
militarista, esportivista e tecnicista, que até então vigorava na prática
pedagógica da Educação Física. Esse momento, considerado como
um período de intensa produção acadêmica da área, resultou em
considerável número de pesquisas de mestrado e doutorado no
país e no exterior, apoiados em diferentes abordagens das Ciências
Humanas, Sociais e Biológicas. Tais estudos (TANI et al., 1988; MARIZ
DE OLIVEIRA; BETTI; MARIZ DE OLIVEIRA, 1988; FREIRE, 1989; BETTI,
1991; MEDINA, 1996; MOREIRA, 1992; SOARES et al., 1992; DAOLIO,
→⊇⊇〓』"ァ# ム 』"ア‒þ #『"→⊇⊇⊆』"` ア ̄『"→⊇⊇⊆『"←〒〒↓』"Òëþ #n}‒nnþ"X アþム 『"
2001) foram desenvolvidos por pesquisadores/as que objetivavam uma
renovação da Educação Física Escolar, que abrangesse e proporcionasse
uma educação integral, mas que até aquele momento não poderia
" ÿ~ イ ÿ}n$~$" nメィメ" ィ" nメィ メイ イ " n ÿn o$ " n$ $_" ~ " $ ÿイÓÿ " メ "
objetivos almejados no bojo de educação de qualidade.

Esse processo de transformação da área se prolongou por anos


" メnメ " nメイnメィÿ $イ ィ イ " nメィ" $" ÿイ イ ÿ}n$x.メ" ~メ " ~メ " ~ "
gênero em diversas áreas de pesquisa, inclusive no âmbito educacional
e principalmente com a exímia contribuição dos Estudos Feministas,
que foram ampliados e fortalecidos com a chegada do artigo intitulado:
Gênero: uma categoria útil de análise histórica, desenvolvido pela
historiadora americana Joan Scott, posteriormente traduzido pelas
ÿ $~メ $ "d $ ÿo ÿ $ "mì ÿ ÿイ " }イメ"}$d$ " "ァ$ ÿ$"c *イÿ$"' ÿo$" "
publicado na Revista Educação e Realidade em 1990.

Em tal contexto, surgiram estudos (ROMERO, 1990; MOREIRA,


1992; SOUSA, 1994; DAOLIO, 1995; ALTMANN, 1998; SARAIVA,
2005; GOELLNER, 2008; CORSINO; AUAD, 2010) que iniciaram
questionamentos sobre o caráter essencialista presente na Educação

129
Física, ressaltando a polissemia do corpo, que até então era percebido
como uma máquina possível de ser treinada na escola, e abrindo
caminho para as reivindicações de uma Educação Física mais igualitária
do ponto de vista de gênero.

Por outro lado, é indispensável considerar o que alguns/mas


pesquisadores/as como Alves Júnior (2001) e Goellner (2001) chamam
atenção. Apesar do crescimento quantitativo de estudos que se
debruçaram em perceber as relações de gênero na Educação Física
Escolar, até a década de 1990 muitos deles utilizaram o conceito de
forma equivocada, ou pelo menos não consideraram gênero como uma
construção social e mantiveram as oposições binárias nos modos de
perceber o feminino e o masculino, o que provocou algumas confusões
em seu entendimento1.

O presente estudo se debruça na análise do seguinte questionamento:


Eqoq" qu1cu" fqegpvgu." pcu" cwncu" fg" Gfwec›«q" H ukec." ugrctco" qw"
misturam meninas e meninos?2 Trata-se de uma pesquisa de inspiração
イメÓ (}n$『"$d $イÓ イ~メ"⊆〒"ìメ $ "~ "メd $x.メ"~ "$ o$" ィ" ィ$ "~ "
5ª, 6ª e 7ª séries do Ensino Fundamental II, que foi realizada em escola
da rede estadual de São Paulo e recebeu seu nome fantasia de Escola
fq"Rtkpe rkq. Como forma de sistematização dos dados colhidos, todas
as informações observadas eram descritas em um diário de campo e
$ ヨ " ÿ メ" $ " $イメ $xワ " $ィ" nメイÌ メイ $~$ "nメィ" $" メ~ x.メ"nÿ イ ̅}n$"
disponível, com base na elaboração de resenhas.

No que diz respeito à categoria gênero, assume-se uma abordagem


“construcionista”, correspondente ao que é sugerido pela historiadora
americana Joan Scott (1990, 1995) e pela socióloga francesa Christine
Delphy (1991), que, segundo Auad (2010), apesar dos diferentes níveis
de apropriação e inserção de seus estudos na América Latina, foram

1
$ÿ " nメイÌ ワ " .メ" ÿ~ イ ÿ}n$~$ " メ " Òメ ooイ " =←〒〒→≠" nメィメ【" Ò„イ メ" ÿ~ イ ÿ}n$~メ" nメィメ"
sinônimo de sexo; confusão conceitual entre identidade de gênero e identidade sexual;
o estudo de estereótipos e papéis sexuais como uma possibilidade reduzida de abordar
o$xワ "~ "Ó„イ メ" "$"ÿ~ イ ÿ}n$x.メ" イ " ~メ" メd "ィ oì " " ~メ "~ "Ó„イ メ】"
No entanto, a autora reconhece a importância e a necessidade de novas possibilidades
de aprofundamento deste tema.

2
Trata-se da expressão francesa “mixité”, apropriada pela pesquisadora Daniela Auad em
sua tese de doutorado, a partir dos estudos de Claude Zaidman. Segundo a autora “a
pesquisadora francesa ainda conceitua mixité como a coexistência de indivíduos, membros
de grupos sociais diferentes, no seio de um mesmo espaço social ou institucional” (2004,
p. 150).

130
de extrema relevância. Tais estudos desencadearam considerável
contribuição a determinados setores das Ciências Humanas,
possibilitando a percepção das relações sociais estabelecidas pelas
diferenças percebidas entre o feminino e o masculino. Sendo assim,
“a apropriação dos escritos de Scott e de Delphy permite notar que
as relações de gênero, do modo como estão organizadas em nossa
sociedade, produzem desigualdades” (AUAD, 2010, p. 4).

Tais desigualdades estão inseridas num contexto de relações de


poder. Scott já havia chamado atenção para esse fato ao conceituar
gênero como uma categoria analítica. Para a historiadora americana,
℃Ó„イ メ" •" ィ$" Ìメ ィ$" ÿィ ÿ $" ~ " ÿÓイÿ}n$ " $ " o$xワ " ~ " メ~ ¥"
(2005). Nesse sentido, torna-se possível perceber as construções das
diferenças hierarquizadas nas aulas de Educação Física, considerando-
se desde as formas como alunas e alunos se sentam e se posicionam na
quadra, até mesmo como as práticas discursivas de meninas, meninos,
メÌ メ " " メÌ メ $ "ÿイ〈 イnÿ$ィ" $ÿ "nメイ xワ "~ $イ "$ "$ o$ 】

A categoria de análise gênero é apontada por Scott como uma


construção histórica e social, que pode atender as necessidades de
análise histórica das estruturas sociais hierarquizadas, estabelecidas
em nossa sociedade devido ao sistema de oposição binária (SCOTT,
1990). O tratamento da categoria gênero, elucidada por Scott, adquire
enorme relevância ao possibilitar seu potencial de análise no âmbito
educacional (AUAD, 2004), e consequentemente nas aulas de Educação
Física (CORSINO; AUAD, 2010). Nesse sentido, foram considerados como
referencial teórico, principalmente, os Estudos Culturais e os Estudos
de Gênero de orientação pós-estruturalista. Na tentativa de responder
à questão formulada inicialmente, o presente estudo pretende se
encaminhar, analisando como se operam as oposições binárias nas
práticas e nos discursos de alunos/as e professores/as, durante as aulas
de Educação Física da Escola do Princípio.

2 A “APRENDIZAGEM DO SILENCIAMENTO” NAS “MISTURAS” E


NAS SEPARAÇÕES DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Ao considerar principalmente os Estudos Feministas Pós-


‒ $oÿ $ "= mム 『"→⊇⊇〒『"→⊇⊇〓』" #n`‒ }þア‒『"→⊇⊇〓』"nム ム『"→⊇⊇∋』"
NICHOLSON, 2000; AUAD, 2004; MEYER, 2008) e os Estudos Culturais
(HALL, 1998, 2000; SILVA, 2009), torna-se imprescindível perceber a
escola como uma instituição marcada por práticas discursivas, que se
nメイ}Ó $"nメィメ" ィ"n$ィ メ"~ "o $ " メ " ÿÓイÿ}n$~メ 『"~ "o $ " ÿィdヨoÿn$ "

131
e de relações de poder, as quais nem sempre são explícitas e operam
também por meio do silêncio. Ao mesmo tempo em que ditam o
que é ser uma mulher e um homem, são e podem ser radicalmente
questionadas pelas práticas cotidianas, expressas nas diferentes
linguagens.

Ao realizar pesquisa sobre as relações étnico-raciais na Educação


Infantil, a pesquisadora Cavalleiro (1999, 2000) chamou atenção para as
formas de silenciamento do racismo, do preconceito e da discriminação,
tanto por alunos/as e professoras quanto pelas famílias dos/as alunos/
as. A autora concluiu que na escola são oferecidas às crianças diversas
possibilidades de construção de identidades marcadas por pressupostos
preconceituosos e discriminatórios em relação aos negros. Essas
aprendizagens também são marcadas por esse silenciamento, que
Ó$ $イ 『"~ "n $"Ìメ ィ$『"メ"イ.メ"$ $ nÿィ イ メ"~メ "nメイ〈ÿ メ 『"$ Ó $イ~メ"
uma falsa sensação de igualdade.

Ao considerar essa premissa, pode-se perceber, nas observações


realizadas na Escola do Princípio, que as relações de gênero nas
aulas de Educação Física também são profundamente marcadas
pelas “aprendizagens do silenciamento”3. Se por um lado esse fato
nメイ ÿd ÿ" $ $" $" ィ$イ イx.メ" ~ " ィ" $ィdÿ イ " $n̅}nメ『" メイ~ " $ "
aulas são tranquilas, com pouquíssimos momentos de interrupção
メ" Óÿィ イ メ" ~ " nメイ〈ÿ メ 『" メ " メ メ『" nメイ ÿd ィ" $ $" " Y$ィ"
marcadas pelas construções de identidades conformistas, no que se
refere às assimetrias de gênero no espaço escolar. Por muitas vezes, os
silêncios podem revelar aspectos profundamente importantes para o
contexto em que são realizadas as diversas práticas discursivas, o que
メ~ " "ÿイ $~メ"イ$ " $o$ $ "~ "Ëメ n$ o "=→⊇⊆⊆『" 】"↑↓≠『"$メ"$} ィ$ "
que “não existem um só, mas muitos silêncios e são parte integrante
das estratégias que apoiam e atravessam os discursos”.

Na Escola do Princípio os professores das turmas observadas dividiam


as aulas em teóricas e práticas, sendo que as teóricas aconteciam na sala
de aula e as práticas na quadra4. Ao iniciar as observações das aulas,

3
Expressão utilizada pela autora em sua pesquisa para mostrar como as discriminações de
raça são silenciadas no dia a dia de uma escola de educação infantil, principalmente para
メ"ÿィ ~ÿィ イ メ"~メ "nメイ〈ÿ メ 】"

4
} メ△ィ "&"$ o$" ヨ ÿn$『" メ~$ "$ "$ o$ " " $ィ" $oÿ_$~$ "~ イ メ"~$" $o$"~ "$ o$" "&"
aula prática, todas as aulas que eram realizadas na quadra, com o intuito de manter a
forma como os professores se referiam a este tipo de organização.

132
houve preocupação em entender como alunas e alunos se organizavam
no espaço da sala de aula e da quadra, e como, do ponto de vista
de gênero, os professores interviam ou se omitiam nas formas de
organização e, consequentemente, poderiam ser constituídas múltiplas
identidades dos sujeitos submetidos aos processos de aprendizagem,
nメイ ÿイ~メ"nメ メ "Ó イ ÿ}n$~メ 】""

Em relação à sala de aula, foi possível perceber que não há, por
parte dos professores, consideráveis exigências em relação à forma
de organização no que diz respeito à ordem em que alunas e alunos
deveriam se sentar. Ao chegar à sala de aula, eles/as já possuíam seus
oメn$ÿ " n̅}nメ " メイ~ " $ $ィ" $nメ ィ$~メ ∴$ " $" " $nメィメ~$ 】" #"
nメoì$" oメ "oメn$ÿ "~ "$nメィメ~$x.メ"}n$ $"$"n ÿ • ÿメ"~メ ∴$ " ヨ ÿメ ∴$ "
discentes, fato esse que se apresentou em todas as turmas observadas,
e que proporcionava aos/às alunos/as a possibilidade de se sentarem
de modo que favorecesse as “misturas” (AUAD, 2004).

Em todas as aulas observadas, os rituais eram iguais: meninas e


meninos entravam na sala de aula, o professor realizava a chamada e
oメÓメ" ィ" Ó ÿ~$" ÿ}n$ $" $ÿ " $o イメ ∴$ " $ $ィ" ÿ~メ ∴$ " nメィ"
trajes inadequados para as vivências práticas (geralmente calça jeans
ou sandálias) e anotava no diário de classe, com exceção dos dias em
que as aulas seriam teóricas. É interessante notar que durante muitos
momentos foi possível perceber alunas que compareciam às aulas
com vestimenta inadequada, intencionalmente para não participar das
vivências, alegando que não gostavam das atividades desenvolvidas na
Educação Física.

Durante uma das aulas teóricas observadas, o professor questionou


se os/as alunos/as gostavam de futebol. Todas as meninas e a maioria
dos meninos levantaram a mão, porém, como um dos meninos não
levantou, o professor o indagou, e o menino disse, ironicamente, “eu
não, eu gosto de brincar de boneca". 5 Após a brincadeira, todos/as
que estavam na sala Ðec tco"pcu"icticnjcfcuÑ, inclusive o professor,
parecendo concordar com a ironia do aluno.

Nesse caso, o silenciamento assumido pelo professor impediu que


Ìメ " $oÿ_$~$" ィ$" 〈 .メ" メd "メ"$ イ メ】"‒o " メ~ ÿ$" " メ ÿnÿメイ$ "

5
Todas as falas anotadas nos momentos de observação foram transcritas da mesma forma
que foram faladas, com o intuito de manter a originalidade das expressões.

133
criticamente em relação à brincadeira do menino, mas, ao contrário, ao
メ ÿ " "イ.メ" " メ ÿnÿメイ$ 『"メ" メÌ メ " Ìメ xメ "メ" ÿÓイÿ}n$~メ"ÿィ o̅nÿ メ"
na frase dita pelo menino, que de forma debochada demonstrou ser
óbvio que ele gosta de futebol porque é homem, e se não gostasse
estaria brincando de boneca, pois é coisa de menina.

Esse tipo de discurso percebido na situação relatada é muito


nメィ ィ"イメ"~ÿ$"$"~ÿ$"~$ " メ$ " ィ"イメ $" メnÿ ~$~ 『" メÿ 『"$メ"$} ィ$ "
tal assertiva, o aluno apenas está reproduzindo o que é disseminado
diariamente, tanto nas relações sociais, conversas no trabalho, na família
e com os/as amigos/as, quanto pelos meios de comunicação de massa,
como é o caso da televisão, da internet, das revistas impressas e outras
diferentes mídias que permeiam as relações sociais.

Não só nesta aula, mas em outras aulas foi possível observar


práticas discursivas de alunas/alunos e professores que contribuem
para a construção do que é ser homem ou mulher, potencializando
as diferenças hierarquizadas. Esse fato foi possível perceber em uma
aula em que um menino estava reclamando para o professor que os
colegas, também meninos, estavam “tirando uma com a cara dele”.6
No momento, o professor advertiu os alunos brincalhões, mas em
seguida dirigiu-se a mim e disse: “esse menino vive chorando, por isso
que pegam no pé dele, parece uma moça”. Outro exemplo de práticas
discursivas que contribuem para a constituição da identidade pode ser
representado por outra aula teórica em que, após a chamada, um aluno
dirigiu-se a mim com claro tom de indignação e questionou “adivinha
qual número que deram pra mim?” eu respondi que não sabia, então ele
me respondeu Ðhqk"q"p¿ogtq"xkpvg"g"swcvtq."pq"lqiq"fq"dkejq"ukipkÝec"
viado”.

Notemos que em todo parágrafo não foi mencionada nenhuma


ÿ $x.メ" イ メo イ~メ"ィ イÿイ$ 『"Ì$ メ" " ィ oÿ}n$"$ "nメイ xワ "~ "
gênero elaboradas em grupos formados apenas por meninos/homens,
relações estas que também estabelecem diferenças hierarquizadas.

Ao discorrer sobre as práticas escolares que ocorriam no pátio da


escola pesquisada, Auad (2004) relata que havia um duplo discurso
da instituição expresso pelas professoras. Ao se referir aos grupos
de alunas e alunos, as professoras não faziam nenhum tipo de

6
Termo utilizado para designar quando alguém está zombando de outrem.

134
diferenciação, utilizando-se de palavras como “alunos” ou “classe”. Para
a autora, “tal neutralidade remete a um discurso no qual se observa
a adoção do masculino genérico” (p. 96), desconsiderando seu sexo,
assim como o masculino e o feminino dos sujeitos. Contudo, Auad
ressalta que as professoras não estavam conscientes de que tal postura
poderia potencializar as diferenças hierarquizadas entre o feminino
e o masculino, pelo contrário, elas acreditavam que tal neutralidade
poderia contribuir para a promoção da igualdade.

Durante as observações das situações ocorridas na quadra da Escola


do Princípio, foi constatada uma postura parecida dos professores de
Educação Física nas aulas. Porém, é possível reiterar que apesar de os
professores, corroborando com as percepções expostas acima, também
adotarem tal neutralidade (silenciamento) no que diz respeito ao modo
de se referir aos grupos de alunas e alunos, ao conversar comigo sobre
aspectos pedagógicos de suas aulas, sempre faziam questão de exaltar
o sexo dos/as participantes do processo. Nesse sentido, foi possível
perceber que muitas vezes o sexo era um importante argumento para
as diferenças de rendimento de alunas e alunos durante as aulas.

Talvez seja esse também um argumento para a separação dos/as


alunos/as por sexo, no que se refere às formas de organização das
$ o$ " ( ÿn$ "=イ$" $~ $≠】" ÿ nÿo$"}メ イ oo " "#o "Ë $Ó$"ÿ~ イ ÿ}n$ $ィ"
duas modalidades no que se refere às formas de organizar as turmas
separadas por sexo.

A primeira delas pode ser considerada, talvez,


como gzvtc/qÝekcn, a partir dos “olhos” da estrutura
escolar, pois se estabelece no interior das aulas de
educação física. Nesses casos, as turmas constam
メ}nÿ$oィ イ " nメィメ" ィÿ $ 『" ィ$ " .メ" $ $~$ "
durante o trabalho desta disciplina.
Uma segunda modalidade de separação é aquela
メ}nÿ$oィ イ " nメイ ÿ ̅~$" " nメイÌメ ィ$~$" oメ"
aparato escolar, visto que, nesse caso, é necessário
que a escola contribua na criação de uma
estrutura que possibilite a distribuição de meninos
" ィ イÿイ$ " ィ" ィ$ " $ $~$ " nÿ}n$ィ イ "
para as aulas de educação física. Aqui, uma das
Ìメ ィ$ " ~ " $ $x.メ" nメイ}Ó $△ " $イ~メ" ~ $ "
turmas são divididas em meninos e meninas.
Somam-se os meninos de uma turma com os
meninos da outra turma; e faz-se o mesmo com as
meninas. As duas turmas mistas (nos momentos

135
de atividades em sala de aula) são transformadas
em uma turma inteira de meninos e uma turma
ÿイ ÿ $"~ "ィ イÿイ$ 『" nÿ}n$ィ イ 『"イ$ "$ o$ "~ "
educação física. (DORNELLES; FRAGA, 2009, p.
151-153).

Em relação à primeira modalidade, havia duas formas de separação.


A primeira consistia em uma divisão do mesmo espaço para meninas e
meninos realizarem as vivências. A segunda consistia numa divisão do
tempo de participação e utilização da quadra, entre meninas e meninos.
Sobre essa forma de organização, os/as autores/as contestam o pouco
tempo disponibilizado para participação das aulas, apresentando os
seguintes argumentos

Numa análise estritamente baseada na legislação


vigente e nas orientações pedagógicas, dá para
dizer que esta estrutura de aula não atende as
exigências mínimas de carga horária estabelecida
pelos sistemas de ensino municipais, estaduais ou
federais para o componente curricular obrigatório
educação física, algo que traz prejuízos quanto
ao conhecimento a ser desenvolvido e as
possibilidades de experimentação corporal para
os/as estudantes (p. 151-152).

Na Escola do Princípio, corroborando com o que foi observado pelos/


as autores/as na primeira modalidade de separação, os professores
separavam as turmas entre meninas e meninos na maioria das vezes.
Para esses professores, tais separações também poderiam ser um
importante indicador de tranquilidade e, consequentemente, poderia
contribuir para a igualdade, evitando-se os “eqpÞkvqu"fg"i‒pgtq”7. Tal
atitude decorre no que Cavalleiro (1999) denominou de “aprendizagem
do silenciamento”, considerando-se que nas separações há diversas
manifestações silenciosas, que produzem as diferenças hierarquizadas.

Tomemos como exemplo o relato de um professor durante uma aula


obervada. Segundo ele, há uma turma extremamente indisciplinada,
alunas e alunos brigam em todas as aulas, motivo pelo qual ele separa a
turma por sexo e controla o tempo de vivência, dividindo-o na metade.
Assim, meninas e meninos teriam o mesmo tempo para vivenciar a

7
Os quais para uma padronização e maior facilidade de compreensão neste ensaio,
~ イメィÿイメ"~ "℃nメイ〈ÿ メ "~ "Ó„イ メ¥】

136
atividade. Para o professor essa atitude é favorável e contribui para a
promoção da igualdade pelo fato de o tempo ser dividido igualmente,
nem meninos e nem meninas teriam maior tempo de vivência. No
entanto, o professor estaria alimentando uma falsa ideia de igualdade,
pois, apesar de oferecer condições iguais de acesso e permanência
na atividade, o professor não considera a convivência igualitária entre
meninas e meninos, separando-os e impossibilitando a promoção da
coeducação.

"# ÿィ"nメィメ"Ìメÿ"ÿ~ イ ÿ}n$~メ"イ$" ÿ $x.メ" o$ $~$" o$" ÿ $~メ $"


Daniela Auad, esse professor não tem consciência de que mesmo
ao separar as turmas por sexo, pode contribuir para a construção
das diferenças hierarquizadas, mas, desta vez, numa perspectiva de
“aprendizagem do silenciamento”, ou seja, numa situação em que os
nメイ〈ÿ メ " ~ " Ó„イ メ" .メ" イ Ó$~メ 『" ィ$ " " $メ" ィ ィメ" ィ メ" .メ"
presentes implicitamente e constroem identidades com base nas práticas
de subjetivação. É importante considerar, ainda, que mesmo em turmas
separadas por sexo ainda são produzidos mecanismos que operam a
favor das diferenças hierarquizadas de gênero, pois tais relações não
são exclusivas de grupos “misturados”. As relações de gênero operam,
também, em grupos formados apenas por meninos ou apenas por
meninas (AUAD, 2004), como foi apontado anteriormente. Contudo,
essa falsa igualdade alimentada pelo professor está fundamentada no
sistema de oposições binárias, desconsiderando as relações de poder
como produto das assimetrias de gênero estabelecidas em nossa
sociedade.

Não só em relação às situações ocorridas em sala de aula, mas


também as situações ocorridas no pátio eram tratadas com base nessa
neutralidade percebida por Auad. Ao fazer um contraste com o estudo
de Claude Zaidman (1995, p.88), a autora relata que ao contrário de suas
constatações e mais próximo do que pude perceber nos comentários
dos professores da Escola do Princípio, a pesquisadora francesa
menciona que as professoras da escola pesquisada comentavam
sobre as separações por comportamentos e jogos. Nesse sentido, seria
importante investigar se assim como nas situações ocorridas no pátio
das escolas da realidade francesa, as aulas de Educação Física de tal
ambiente são pautadas nas separações sexuadas por comportamentos
e jogos.

Como forma de organização das aulas na quadra, Neíse Gaudêncio


Abreu (1995) observou que os conteúdos eram diferenciados em

137
relação ao sexo, fato que também foi observado nesta pesquisa durante
algumas aulas, mas isso acontecia quando os professores aplicavam
uma aula que chamavam de “aula livre” 8. Nessas aulas as/os alunas/
メ " }n$ $ィ" ℃oÿ ¥" $ $" nメoì " $" $ ÿ ÿ~$~ 『" イ~メ" 『" Ó $oィ イ 『"
as meninas escolhiam “jogar” voleibol e pular corda, e a maioria
dos meninos escolhia “jogar” futebol e alguns meninos escolhiam o
basquetebol.

Durante as aulas, chamadas pelos professores de “aulas livres”, os


meninos ocupavam a maior parte dos espaços da quadra. Por muitas
vezes pude observar nessas “aulas livres” que os meninos que jogavam
futebol ocupavam uma metade da quadra, enquanto a outra metade
era utilizada por outros meninos que jogavam basquete. No canto
lateral da quadra do mesmo lado ou em alguns momentos do lado
~ " Ìメ $" ~$" $~ $『" メn $イ~メ" ィ" イメ" $xメ" ~メ" ( ÿメ" }n$ $ィ"
as meninas que, na maioria das vezes, formavam círculos e “jogavam”
com uma bola de voleibol ou pulavam corda. Por diversas vezes, ao
passar pelo espaço que os meninos ocupavam, eles chamavam atenção
com palavras de baixo calão ou chutavam a bola na direção delas, que
rapidamente retornavam para o canto da quadra.

Altmann (1998, p. 24-25), percebe em alguns/mas autores/as


(GRUGEON, 1995; THORNE, 1993) que os espaços escolares geralmente
são dominados pelos meninos nos esportes. Não obstante, Auad (2004,
p. 170-171) descreveu em sua tese de doutorado as diversas práticas
メo$ ÿ_$~$ " "$ÿイ~$" ィ ÿ$ィ"$ " ( ÿn$ " nメo$ 】" $ $" ィ oÿ}n$ "
apresento três delas aqui:

★" ÿoÿ_$x.メ" ~$ " ~ÿÌ イx$ " ~ " nメィ メ $ィ イ メ" イ " ィ イÿイ$ " "
meninos, como se fossem dados essenciais para facilitar a condução
da disciplina na classe e no pátio. Tal prática se mostrava, por exemplo,
イ$"ィメ ÿ $x.メ"~メ "Ó メ "~ "$}イÿ~$~ "イメ" ( ÿメ『" イ~メ"nメィメ"n ÿ • ÿメ"
a separação por sexo entre as crianças, e na organização das salas
de aula em colunas compostas por duplas de meninas e de meninos.

★" n x.メ"~メ "ィ イÿイメ " ィ" イ~„イnÿ$"ィ$ÿメ "$"~メィÿイ$ "メ "Ó $イ~ "

8
“Aula livre” é o nome que os professores atribuíam às aulas em que alunas e alunos não
eram “obrigadas/as” a realizar nenhum tipo de atividade. Na maioria das “aulas livres”
observadas, alunas e alunos se organizavam nos espaços para escolher as atividades
de sua preferência. Porém, não se entende que os/as alunos/as estavam livres para as
escolhas, considerando-se que os aspectos de socialização relacionados à família, mídia
" nメo$"ÿイ〈 イnÿ$ィ"イ $ " nメoì$ 】

138
espaços. Tal traço foi coletado no recreio mediante dois dados: (1)
a existência de jogos mistos com reforço de polaridade e hierarquia
entre o masculino e feminino, como ‘beijo, abraço, aperto de mão’,
‘Menino pega Menina’ e ‘Menina pega Menino’, e (2) a presença dos
meninos em todas as atividades em que era necessário e possível
correr e expressar-se com o corpo de modo amplo.

★" ムn $x.メ" ~ÿÌ イnÿ$~$" ~ " ( ÿメ " " $~ $" oメ " ィ イÿイメ " "
meninas. Isso ocorria no recreio, quando os meninos ocupavam
dois pátios e uma quadra para jogarem futebol. Quanto às meninas,
ocupavam os cantos laterais do pátio, ao pularem elástico, corda e ao
conversarem. Existiam jogos mistos, mas vale notar que os meninos
sempre estavam em todos os jogos de movimento, ao passo que as
únicas atividades do recreio que não implicavam corrida e amplos
movimentos, como passear e conversar, eram desempenhadas
apenas por meninas. Não observei nenhuma atividade de pátio, na
hora do recreio ou na hora da entrada, na qual apenas as meninas
ocupassem espaços amplos da quadra, como é o caso do futebol
para os meninos. Assim, ocorria a separação em grupos de meninos
e meninas nos jogos na escola, como se os próprios jogos agissem
como práticas que ensinassem meninas e meninos que há jogos
barulhentos e agitados a serem realizados pelos meninos, e jogos
discretos e limitados no espaço a serem realizados pelas meninas.
Denomino esse tipo de prática ‘aprendizado da separação’ que
pôde ser observado em vários exemplos na escola.

Durante as observações na Escola do Princípio, em todas as turmas


acompanhadas, havia em comum o fato de que a maior parte dos
participantes efetivos das aulas era do sexo masculino, enquanto muitas
ィ イÿイ$ "イ.メ" $ ÿnÿ $ $ィ" "}n$ $ィ"イ$ "o$ $ÿ "~$" $~ $" n $イ~メ"
diversas atividades paralelas como conversar, ouvir música no celular,
jogar “uno” e até mesmo formar uma espécie de torcida dos times que
estavam praticando futebol ou outro esporte.

Tais práticas polarizadas eram muito comuns nas aulas observadas,


principalmente nos momentos em que não havia participação efetiva
dos professores nas formas de organização dessas aulas. Nesse sentido,
aquilo que Auad denominou de “aprendizado da separação” ocorria
constantemente durante as aulas de Educação Física, e eram vistas por
$oÓ イ " メÌ メ "nメィメ" ィ$" ( ÿn$" ÿÓイÿ}n$ ÿ $『" メÿ "$n ~ÿ $ $ィ"イ$ "
diferenças de comportamento e habilidade entre meninas e meninos,
de forma essencializada.

139
Por outro lado, nas observações das aulas de professores que
$ イ $ $ィ" ィ$" メ $"ィ$ÿ "℃} ィ ¥" $イ メ"&"メ Ó$イÿ_$x.メ"~ " $ "
aulas, foi percebido que nos momentos em que havia maior cobrança
para participação efetiva de alunas e alunos, as meninas participavam
em número muito maior do que nos momentos em que não havia tal
intervenção, independentemente de as turmas serem “misturadas” ou
separadas. Isso reforça a premissa de que as diferenças hierarquizadas
メ~ ィ" ~ÿィÿイ ÿ " ÿÓイÿ}n$ィ イ " $イ~メ" ì(" ィ$ÿメ " メn $x.メ"
e intervenção dos/as professores/as na organização das aulas,
considerando-se, sobretudo, o gênero como uma categoria social, que
permeia as aulas de Educação Física.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na Escola do Princípio as formas de organizar as aulas de Educação


Física variavam, dependendo das características de cada professor.
Entretanto, havia determinados combinados que envolviam o grupo de
professores/as e a gestão da escola, como o fato de estabelecerem
uma aula prática e uma aula teórica semanal para cada turma. Contudo,
considera-se que a forma como a maioria dos professores separa ou
“mistura” os/as alunos/as nessa escola, pode estar contribuindo para
potencializar as diferenças hierarquizadas nas aulas de Educação Física,
e que tais formas de organização (separar e/ou “misturar” alunas e
alunos) são fundamentadas num discurso essencialista, interiorizado
pelas normas do sistema de oposições binárias homem/mulher.

Ao separar as turmas por sexo, os professores estariam contribuindo


para o “aprendizado da separação” (AUAD, 2004), aprendizado este
que se coaduna com a “aprendizagem do silenciamento” (CAVALLEIRO,
→⊇⊇⊇『"←〒〒〒≠『" "$メ"ィ ィメ" ィ メ" ィ" " ÿ $ $ィ"メ "nメイ〈ÿ メ " イ "
ィ イÿイ$ " "ィ イÿイメ 『"イ.メ" ヨ"イ.メ" $ィ"n$ $_ "~ " ÿ $ "メ "nメイ〈ÿ メ "~ "
gênero entre meninas/meninas e meninos/meninos, como contribuíam
para a não convivência entre meninas e meninos durante as aulas e,
consequentemente, desconsideravam as diferenças, impondo uma falsa
イ $x.メ"~ "ÿÓ $o~$~ 】"‒ $ "Ìメ ィ$ "~ "$ イ~ÿ_$~メ"ÿ~ イ ÿ}n$~$ "イメ"
interior das aulas de Educação Física da Escola do Princípio decorrem
de três elementos que são responsáveis pelas práticas hierarquizadas:

★" Constituição das identidades de gênero: a forma como as aulas


eram organizadas reforçava o lqiq" okuvwtc1ugrctc›«q presente em
イメ $" メnÿ ~$~ 『" o $イ~メ" ィ" o$xワ "$ ÿィ• ÿn$ " "nメイ}Ó $ィ"
o modo como as pessoas percebem a si próprias em relação às outras.

140
★"Eqpuvtw› gu"fg"eqtrqu"igpgtkÝecfqu: os corpos são construídos
nas/pelas práticas discursivas. Nessa perspectiva, o corpo se insere nas
misturas e separações das aulas de Educação Física como um forte
marcador da diferença, produzindo, portanto, desigualdades.

★" Ukngpekcogpvq" fqu" fkhgtgpvgu" eqpÞkvqu" fg" i‒pgtq【" メ " nメイ〈ÿ メ "
de gênero ocorrem nos dois momentos (misturas e separações) de
organização das aulas, no entanto, nas separações eles são menos
evidentes, operam de forma silenciosa. Nas misturas, pelo contrário,
eles ocorrem explicitamente, é fácil percebê-los. A desconsideração
~ " nメイ〈ÿ メ 『" メ " $ •" ィ ィメ" $" イ $ ÿ $" ~ " ÿ (△oメ 『" イ$ " ( ÿn$ "
polarizadas ou não, impossibilita a problematização sobre os processos
históricos que desencadeiam as falsas representações do que é ser
homem e mulher em nossa sociedade, sobretudo, no que diz respeito
às manifestações da Cultura Corporal.

Sendo assim, entende-se que há necessidade de que professoras


e professores considerem as formas de organização nas aulas de
Educação Física, tomando os cuidados necessários para que as
relações desiguais de gênero não sejam produzidas e potencializadas.
Tais objetivos poderão ser atingidos tendo em vista a elaboração de
diferentes estratégias, considerando-se as formas de organização dos/
as alunos/as, de modo que as “misturas” sejam oferecidas como uma
~$ " メ ÿdÿoÿ~$~ " ~ " $ •Óÿ$『" " メ " nメイ〈ÿ メ " " イì$ィ" $" メ $ "
diante das “misturas” sejam problematizados com os/as alunos/as,
considerando-se o processo histórico responsável por construir aquilo
que hoje é entendido como de homem ou de mulher. Dessa maneira,
poderemos agir no sentido de desconstruir as práticas percebidas como
verdadeiras, mas que são resultado dos arranjos de gênero vigentes
em nossa sociedade, buscando, assim, alcançar o almejado objetivo de
Educação Física Escolar Coeducativa.

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SOBRE O AUTOR

Luciano Nascimento Corsino é licenciado em Educação Física pelo


Centro Universitário Metropolitano de São Paulo – UNIMESP-FIG (2007),
mestre em Ciências: Educação e Saúde na Infância e na Adolescência
pela Universidade Federal de São Paulo - (2011). Atualmente, é
professor de Ensino Fundamental II e Médio – Educação Física, na
Prefeitura de São Paulo e Tutor no curso de Licenciatura em Educação
Física do Centro Universitário Claretiano. Membro do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação, Comunicação e Feminismo (UFJF) e do Grupo
de Estudos Professores Pesquisadores. Possui experiência na área de
Educação Física Escolar, com ênfase nos estudos sobre relações de
gênero, relações étnico-raciais, corpo, sistematização de conteúdos,
lutas e mídia.

144
A EXPERIÊNCIA TRANSEXUAL E A ESCOLA1
Dayana Brunetto Carlin dos Santos

Estabelecer uma relação, ainda que na forma de um questionamento,


entre a experiência transexual e a escola, somente parece fazer sentido
a partir da metade do século XX, considerando-se que antes desse
período transexuais não existiam. Também a instituição escolar é
メィ$~$" イ $" $イ(oÿ " nメィメ" ィ$" ÿイ イx.メ" ~メ" }イ$o" ~メ" •n oメ" þþþ】"
Desta maneira, tanto a escola como a transexualidade são entendidas
como construções históricas da modernidade.

Com o objetivo de localizar as narrativas de transexuais sobre


a experiência escolar na instituição escolar, faz-se necessária uma
breve análise da escola e de sua construção na modernidade assim
como também sobre os deslocamentos contemporâneos que dizem
respeito a essa instituição no presente. Assim, a análise se dará sobre
a invenção da escola como instituição disciplinar e a forma como suas
práticas e discursos foram e são engendrados em meio a relações de
saber-poder para a produção de corpos dóceis, úteis e governáveis
(FOUCAULT, 2007). A experiência transexual é analisada como uma
experiência da diferença em meio a uma escola inventada para manter
uma norma vigente. Para esta análise importa também compreender os
deslocamentos contemporâneos sobre a pedagogia do controle, isto é,
um conjunto de transformações em meio a rupturas e deslocamentos
históricos que no Brasil se deram nos anos de 1990 do século XX (Maria
Rita de Assis CÉSAR, 2004). Não somente na escola, mas também nas
instituições em geral, essa nova conformação social, denominada por
Gilles Deleuze (1992) de “sociedade de controle”, imbrica as instituições
na produção de subjetividades distintas daquelas engendradas pela
escola disciplinar da modernidade (FOUCAULT, 1988).

Em meio a essas transformações, agrega-se a esta análise ainda o


impacto que corpos e subjetividades trans causam sobre os espaços
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escolas da Rede Pública Estadual do Paraná, bem como sobre os

1
Este texto é parte da dissertação de mestrado intitulada EctvqitcÝcu"fc"Vtcpugzwcnkfcfg<"
a experiência escolar e outras tramas, defendida em 2010, sob orientação da professora
Dra. Maria Rita de Assis César, pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Paraná. Uma versão deste texto encontra-se na revista Bagoas,
v.6, n.7, jan./jun. 2012.

145
mecanismos de controle e agenciamentos biopolíticos engendrados em
conjunto com essa presença na construção da biopolítica educacional.

1 A ESCOLA COMO EMPREENDIMENTO BIOPOLÍTICO

O conceito de disciplina de Michel Foucault é fundamental para se


pensar a constituição da escola moderna como instituição disciplinar.
As disciplinas consistem em técnicas de poder que incidem sobre os
corpos visando seu domínio detalhado para produzir subjetividades
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[e]sses métodos que permitem o controle


minucioso das operações do corpo, que realizam
a sujeição constante de suas forças e lhes impõem
uma relação de docilidade-utilidade, são o que
podemos chamar de “disciplinas” (FOUCAULT,
2007, p. 118).

A descoberta do corpo como alvo de poder se constitui em


elemento essencial para o exercício da disciplina (FOUCAULT, 2007). Em
sua obra Vigiar e Punir, publicada em 1975, ao analisar historicamente
o funcionamento das prisões, Foucault elaborou uma importante
teorização sobre as instituições, na qual compreendeu que suas
atividades e seus procedimentos têm no corpo-organismo, isto é, no
corpo individual, seu alvo privilegiado (FOUCAULT, 2007).

Importa compreender a disciplina em termos produtivos, ou seja,


a disciplina que produz efeitos sobre os corpos de forma ampla,
permanente e contínua (Alfredo VEIGA-NETO, 2007a).

A escola disciplinar se constituiu de forma lenta, em meio a rupturas,


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construção desde o século XV até o século XVIII, quando a escola
moderna se consolida. Ao longo desse processo aconteceu uma série de
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disciplinar. O conjunto dessas transformações constituiu-se em uma
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dos corpos das crianças e dos jovens. Embora as transformações sociais
e políticas tenham-se dado de formas diferentes e em várias localidades,
o objetivo comum entre elas foi o estabelecimento de uma ordem para
as coisas (CÉSAR, 2004).

O investimento do poder sobre os corpos se deu de forma a atingir


todos os corpos simultaneamente da maneira mais detalhada possível

146
sem que se anulasse a ação sobre cada corpo. Dessa forma, a arquitetura
e a organização espacial dos corpos tornaram-se fundamentais. Para
Alfredo Veiga-Neto:

[...] isso implica em que os corpos não estejam


dispersos, mas de preferência submetidos a algum
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torne acessíveis às ações do poder. A clausura – em
tantos aspectos copiada pela escola – é o exemplo
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o menos caótica, difusa e informe possível, pois
é preciso que o poder atinja igualmente a todos.
[...] O quadriculamento é a melhor imagem para
uma distribuição em que a lógica é: “um lugar
para cada corpo e um corpo em cada lugar”. [...] A
função de uma quadrícula é, em última instância,
desempenhada pelo corpo que a ocupa. [...] o que
mais importa não é tanto o território nem o local
– em termos físicos – ocupados por um corpo,
mas, antes, a sua posição em relação aos demais.
E desses demais entre si e assim por diante. [...]
Assim, o espaço não se reduz a um simples cenário
onde se inscreve e atua um corpo. Muito mais do
que isso, é o próprio corpo que institui e organiza
o espaço, enquanto o espaço dá um “sentido” ao
corpo (grifos do autor) (2000, p. 13-15).

No processo de constituição da escola moderna disciplinar não foram


somente os corpos a serem disciplinados. A disciplina atingiu também
os saberes, produzindo os saberes escolares ou a pedagogização do
conhecimento (VEIGA-NETO, 2000).

O processo de disciplinarização dos saberes foi orientado por meio


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dos conhecimentos, constituindo-se em uma operação moralizadora.
Assim, a distinção entre corpo e conhecimento na escola disciplinar
anulou-se, uma vez que ambos foram disciplinados e moralizados com o
intuito de produzir um determinado tipo de subjetividade. Esse conjunto
de corpos e conhecimentos disciplinarizados engendrou a produção
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54). Esse deslocamento é importante na medida em que articula uma
relação imprescindível para a compreensão da problemática proposta
por essa análise, isto é, a dicotomia entre normalidade e anormalidade.
Nesse sentido, Maria Rita de Assis César (2004, p. 54) argumenta que:

147
De conhecimentos verdadeiros, tal como eram
entendidos no século XVII, os conhecimentos
passaram a ser separados entre morais e amorais,
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excluiu conhecimentos em nome da produção de
uma subjetividade normalizada.

A produção dessa subjetividade normalizada pressupôs um aparato


que a tornou possível, potencializando a observação dos corpos, para
vigiar, controlar e separar os indivíduos no interior das instituições. Essa
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em que as próprias práticas disciplinares e de vigilância agem de forma
a instituir e manter a vigilância e o controle (VEIGA-NETO, 2007a).

No projeto disciplinar, o exame ocupa lugar central. Esse


procedimento se constitui, segundo Foucault, por meio de uma espécie
de comparação e de um desejo relacionado a uma média idealizada
no que se refere aos comportamentos e condutas (FOUCAULT, 2007).
No interior do regime de saber-poder, por meio do qual se articulam
saberes produzidos e práticas regulatórias, o exame é a culminação
do processo, pois articula “as técnicas de hierarquia que vigia e as da
sanção que normaliza” (FOUCAULT, 2007, p. 154). Na forma de técnicas,
esses saberes e práticas, intentam o controle dos corpos, por meio dos
exames. Esse regime pressupõe também a punição aos indivíduos
desviantes das regras estabelecidas. Segundo Foucault (2007, p. 152-
153):

Em suma, a arte de punir, no regime do poder


disciplinar, não visa nem a expiação, nem mesmo
exatamente a repressão. Põe em funcionamento
cinco operações bem distintas: relacionar os atos,
os desempenhos, os comportamentos singulares
a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de
comparação, espaço de diferenciação e princípio
de uma regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em
relação uns aos outros e em função dessa regra de
conjunto – que se deve fazer funcionar como base
mínima, como média a respeitar ou como o ótimo
de que se deve chegar perto. [...] A penalidade
perpétua que atravessa todos os pontos e controla
todos os instantes das instituições disciplinares
compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza,
exclui. Em uma palavra, ela normaliza (grifo do
autor).

148
Assim, estabelece-se uma diferenciação entre os sujeitos e,
concomitantemente, sua segregação, entre duas dimensões bem
distintas e caracterizadas, isto é, o normal e o anormal. A diferença passa
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Produz-se, dessa forma, uma hierarquia entre os sujeitos fundamentada
em uma aproximação ou distanciamento da norma (FOUCAULT, 2007).
Instaura-se, com isso, a dicotomia entre normalidade e patologia, que
sustenta o funcionamento das instituições disciplinares, propiciando
o cumprimento da sua função de disciplinar e normalizar os sujeitos
(CÉSAR, 2004).

O Estado moderno nasce e cresce em meio às transformações


na dinâmica do poder, articulando soberania, disciplina e gestão
governamental, sendo essa última, segundo Alfredo Veiga-Neto,
compreendida como “uma nova arte de governamento exercida
minuciosamente, ao nível do detalhe individual e, ao mesmo
tempo, sobre o todo social” (VEIGA-NETO, 2007a, p. 72). O conceito
foucaultiano de governamentalidade é fundamental para se pensar
esses deslocamentos.

As análises de Foucault, ao tomarem as formas de governar, como um


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práticas têm a população como seu objeto, a economia política como
forma central e os dispositivos de segurança como seu instrumento
técnico essencial (Edgardo CASTRO, 2009). Nessa perspectiva analítica,
“[...] o poder político acabava de assumir a tarefa de gerir a vida”
(FOUCAULT, 1988, p. 151). Assim, de acordo com Foucault, instalou-se
uma tecnologia de dupla face sobre a vida: enquanto o poder disciplinar
centrou-se no adestramento do corpo, cerrado nas instituições, a
biopolítica centrou-se na regulação da população. A essa tecnologia o
autor denominou de “bio-poder” (FOUCAULT, 1988, p. 152).

A educação, assim como a saúde e a habitação, por exemplo,


passam, a partir da metade do século XVIII, a ser uma preocupação do
Estado (DUSSEL; CARUSO, 2003, p. 158).

A biopolítica transforma os fenômenos de população em um


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da vida como fenômeno político é o objetivo de uma tecnologia cujo
alvo central é a população. As várias possibilidades de intervenções no
biológico criam mecanismos e efeitos até então impensáveis (Fabrício
PONTIN, 2007, p. 69). Com isso, pode-se compreender a escola como um
empreendimento biopolítico por excelência. Considera-se que os novos

149
saberes criados a serviço do poder tiveram como objetivo principal o
controle do corpo como espécie. Assim, a população constitui-se
de um corpo com múltiplas cabeças que, para ser compreendido, é
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em relação àquilo que se instituiu como norma. Disso, resultam dois
efeitos: o controle das populações e a previsão dos seus riscos (VEIGA-
NETO, 2007a; DUSSEL; CARUSO, 2003).

Governamentalidade, para Foucault, refere-se “ao objeto de estudo


das maneiras de governar” (CASTRO, 2009, p. 190). O governamento
e a governamentalidade são conceitos que ocupam lugar central na
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compreender que, para Foucault, o governamento acontece em duas
perspectivas: “o governo como relação entre sujeitos e o governo como
relação consigo mesmo” (CASTRO, 2009, p. 190). Olena Fimyar (2009),
ao comentar as contribuições do pesquisador alemão Thomas Lemke
para o campo de estudos sobre a governamentalidade, argumenta:

Ao fundir o governar (gouverner) e a mentalidade


(mentalitè) no neologismo governamentalidade,
Foucault enfatiza a interdependência entre
o exercício do governamento (práticas) e as
mentalidades que sustentam tais práticas.
Em outras palavras, a governamentalidade
pode ser descrita como o esforço de criar
sujeitos governáveis através de várias técnicas
desenvolvidas de controle, normalização e
moldagem das condutas das pessoas. Portanto,
$" Óメ イ$ィ イ $oÿ~$~ " nメィメ" nメイn ÿ メ" ÿ~ イ ÿ}n$"
a relação entre o governamento do Estado
(política) e o governamento do eu (moralidade),
a construção do sujeito (genealogia do sujeito)
com a formação do Estado (genealogia do Estado)
(FIMYAR, 2009, p. 38, grifos da autora).

Assim, pode-se compreender que as formas de governamento são


produtivas e atuam no sentido de produzir verdades e conhecimentos,
que por sua vez, produzem coisas e sujeitos. Nessa perspectiva:

[...] governamos de acordo com o que


consideramos ser as verdades sobre nossa
existência. Consequentemente, as formas como
governamos dão origem à produção de verdade
sobre a sociedade, a educação, o emprego,
$" ÿイ〈$x.メ『" メ " ÿィ メ メ 『" メ " イ Óヨnÿメ 『" n】" ア$"

150
literatura sobre governamentalidade, tais práticas
organizadas, através das quais as pessoas são
governadas e através das quais elas governam
メ $ 『" .メ"~ }イÿ~$ "nメィメ regimes de práticas ou
regimes de governamento, que envolvem práticas
de produção de conhecimento e de verdade
através de várias formas de racionalidade prática e
de cálculo (FIMYAR, 2009, p. 41, grifos da autora).

Nesse sentido, uma analítica da governamentalidade procura analisar


“as práticas de governamento em suas complexas relações com as várias
formas pelas quais a verdade é produzida nas esferas social, cultural e
política” (FIMYAR, 2009, p. 37, grifos da autora). Sendo assim, poder-se-
ia dizer que as análises da governamentalidade abrangem amplamente
o que Foucault denominou de artes de governar (FOUCAULT, 1999),
dentre elas, “o estudo do governo de si (ética), o governo dos outros (as
formas políticas da governamentalidade) e as relações entre o governo
de si e o governo dos outros” (CASTRO, 2009, p. 191). É nesse campo,
composto pelas relações entre o governo de si e dos outros, que se
insere a biopolítica (Sylvio de Sousa GADELHA COSTA, 2009a).

A escola, como empreendimento biopolítico, busca por meio da


ação da disciplina e do biopoder a regulação ou o governamento
da população escolar. A instituição articula esses dois mecanismos
de forma a garantir a produção e a manutenção da norma. A norma,
por sua vez, articula tanto os mecanismos disciplinares quanto os
de regulamentação, pois atua tanto sobre o corpo a ser disciplinado
quanto sobre a população a ser regulada. Para Alfredo Veiga-Neto
(2007a, p. 75):

A norma é o elemento que, ao mesmo tempo


em que individualiza, remete ao conjunto dos
indivíduos; por isso, ela permite a comparação entre
os indivíduos. Nesse processo de individualizar e,
ao mesmo tempo, remeter ao conjunto, dão-se
as comparações horizontais – e verticais – entre
cada elemento e conjunto. E, ao se fazer isso,
chama-se de anormal aqueles cuja diferença em
relação à maioria se convencionou ser excessivo,
insuportável. Tal diferença passa a ser considerada
um desvio, isso é, algo indesejável porque des-via,
tira do rumo, leva à perdição (grifo do autor).

Essas e outras transformações constituem-se nas condições de


possibilidades históricas para o deslocamento nas formas de governo

151
e controle dos corpos escolares pelo empreendimento biopolítico da
escola. A partir de uma ruptura na conformação da sociedade moderna,
por meio de transformações históricas e políticas e também no
funcionamento do poder, a escola disciplinar adquire outros contornos
(CÉSAR, 2004).

2 A ESCOLA NA SOCIEDADE DO CONTROLE

Nas últimas décadas, uma nova ordenação social tem-se feito


sentir. Essa nova ordem social está sendo implementada, ainda que
sua análise e compreensão passe, muitas vezes, despercebida sob a
forma da naturalização de discursos e práticas sociais. Nesse sentido,
Gilles Deleuze (1992), argumenta que “[o] que está sendo implantado,
às cegas, são novos tipos de sanções, de educação, de tratamento”
(DELEUZE, 1992, p. 216).

O pressuposto foucaultiano sobre o exercício das disciplinas em que


cada corpo ocupava o seu lugar, o mais visível possível para facilitar o
controle e a produção de corpos dóceis e úteis não foi extinto, deslocou-
se. A ideia de crise ocupa na nova ordem social um lugar central na
produção de relações de poder diferenciadas das engendradas pela
disciplina, na modernidade. Gilles Deleuze, em um ensaio de 1992, em
" 〈 " メd " $ " $イ Ìメ ィ$xワ " メnÿ$ÿ 『" メo̅ ÿn$ " " nメイリィÿn$ " $"
partir da segunda metade do século XIX e também com base em suas
análises sobre a contemporaneidade, refere-se a uma crise generalizada
イ$ " ÿイ ÿ ÿxワ " ~ÿ nÿ oÿイ$ " ィメ~ イ$ " ~ " nメイ}イ$ィ イ メ『" ~ イ " $ "
quais a escola (DELEUZE, 1992).

O provável desaparecimento do modelo disciplinar moderno já


havia sido notado e anunciado pelo próprio Michel Foucault, na análise
da modernidade e da invenção das instituições disciplinares. Segundo
Deleuze (1992, p. 219-220):

Foucault situou as sociedades disciplinares nos


séculos XVIII e XIX; atingem seu apogeu no início
do século XX. [...] Mas, o que Foucault também
sabia era a brevidade deste modelo [...]. As
disciplinas, por sua vez, também conheceriam uma
crise, em favor de novas forças que se instalavam
lentamente e que se precipitaram depois da
Segunda Guerra mundial: sociedades disciplinares
é o que já não éramos mais, o que deixávamos de
ser. Encontramo-nos numa crise generalizada de
メ~メ "メ "ィ ÿメ "~ "nメイ}イ$ィ イ メ『" ÿ .メ『"ìメ ÿ $o『"
fábrica, escola, família (grifo do autor).

152
Dessa forma, para Deleuze, Foucault demonstrou a brevidade das
sociedades disciplinares e a crise que engendrou as relações sociais
a partir da Segunda Guerra Mundial, considerando as atrocidades
empreendidas nos campos de extermínio, como os assassinatos em
massa de judias/eus, ciganas/os e homossexuais, entre outros (CÉSAR,
2004; DUSSEL; CARUSO, 2003). Nesse importante ensaio, Gilles Deleuze
desenvolveu o conceito de “sociedade de controle”, que consiste em
uma ferramenta fundamental para a elaboração das problematizações
sobre essa nova ordenação social, além de ser essencial na discussão
aqui proposta, que toma a escola contemporânea como o lugar sobre
o qual as subjetividades trans se inscrevem.

Assim, importa destacar, pensando com Deleuze, que a porosidade


do mundo contemporâneo altera os processos de produção e
organização das instituições. As subjetividades a serem produzidas
constituem-se em gerenciamentos que administram e não mais em
operárias/os de uma linha de produção. Segundo Gadelha Costa (2009,
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direitos, transmuta-se, assim, num indivíduo microempresa: Xqe‒"U1C”
(grifo do autor). As formas de governamento dos corpos estão centradas
em atender as demandas do mercado, em que produtos, metas e
resultados passam a se constituir em preocupações, isto é, a forma
de governamentalidade passa de liberal à neoliberal. Para Gadelha
Costa essa nova governamentalidade engendrada pelo neoliberalismo
caracteriza-se como:

Tendo na economia e no mercado sua chave


de decifração, seu princípio de inteligibilidade,
trata-se de uma governamentalidade que busca
programar estrategicamente as atividades e os
comportamentos dos indivíduos; trata-se, em
última instância, de um tipo de governamentalidade
que busca programá-los e controlá-los em suas
formas de agir, de sentir, de pensar e de situar-
se diante de si mesmos, da vida que levam e do
mundo em que vivem, através de determinados
processos e políticas de subjetivação: novas
tecnologias gerenciais no campo da administração
(management), práticas e saberes psicológicos
voltados à dinâmica e à gestão de grupos e das
organizações, propaganda, publicidade, marketing,
branding, literatura de autoajuda etc. Esses
processos e políticas de subjetivação, traduzindo
um movimento mais amplo e estratégico que

153
faz dos princípios econômicos (de mercado) os
princípios normativos de toda a sociedade, por
sua vez, transformam o que seria uma sociedade
de consumo numa sociedade de empresa
(sociedade empresarial, ou de serviços), induzindo
メ "ÿイ~ÿ ̅~ メ "$"ィメ~ÿ}n$ ィ"$" n x.メ" " „ィ"
de suas escolhas e atitudes referentes às suas
próprias vidas e às de seus pares, de modo a que
estabeleçam cada vez mais entre si relações de
concorrência (GADELHA COSTA, 2009, p. 177-178,
grifos do autor).

Esse deslocamento importante no modo de organização do


capitalismo ocupa lugar central na implementação da sociedade de
controle. Para Deleuze (1992, p. 223-224):

Já não é um capitalismo dirigido para a produção,


mas para o produto, isto é, para a venda ou
para o mercado. Por isso ele é essencialmente
dispersivo, e a fábrica cedeu lugar à empresa.
A família, a escola, o exército, a fábrica não são
mais espaços analógicos distintos que convergem
para um proprietário, Estado ou potência privada,
ィ$ " .メ" $Óメ $" }Ó $ " nÿÌ $~$ 『" ~ Ìメ ィ( ÿ " "
transformáveis, de uma mesma empresa que só
tem gerentes.

Com essa reorganização do capitalismo, a qual Deleuze


denominou mutação, estabelece-se uma nova ordem global das
coisas e das instituições como empresas. Tal deslocamento determina
transformações para uma nova construção histórica de escola e de
educação. A educação passa a ser regulada pela nova ordem econômica
mundial (CÉSAR, 2004). Dessa forma, é pautada pelas mudanças da
economia, cuja ordem é o crescimento e a ampliação, relacionando-se
ao progresso e sucesso econômico do Estado (DUSSEL; CARUSO, 2003).

O Estado passa a gerenciar as políticas educacionais, e a escola se


constitui em uma empresa que tem nas metas e nos resultados da
administração da aprendizagem seu foco principal. Em se tratando
da escola como empresa, importa retomar o ensaio de Gilles Deleuze
sobre as sociedades de controle, em que o autor realiza algumas
considerações para pensar a escola contemporânea, nessa perspectiva.
Para Deleuze (1992, p. 225):

154
No regime das escolas: as formas de controle
contínuo, avaliação contínua, e a ação da
formação permanente sobre a escola, o abandono
correspondente de qualquer pesquisa na
Universidade, a introdução da “empresa” em
todos os níveis de escolaridade (grifos do autor).

Dessa forma, o que se percebe é uma continuidade permanente na


formação, isto é, formação permanente, educação continuada, avaliação
processual, nada mais se conclui na sociedade de controle (DELEUZE,
1992). Evidenciam-se novos elementos tanto nas práticas pedagógicas
nメィメ" イ$ " イ$ $ ÿ $ " メ}nÿ$ÿ 『" メ " Y$『" Leis, Decretos, Diretrizes
Curriculares e Parâmetros Curriculares Nacionais. O neoliberalismo
derruba as portas da escola, que passa a adotar práticas e discursos,
gerenciando os corpos de crianças, jovens, professoras/es, mães, pais,
responsáveis, gestoras/es e toda uma chamada “comunidade escolar”.
Nesse sentido, todas/os serão responsáveis pelo sucesso ou fracasso do
empreendimento escolar e todas/os serão chamadas/os a participarem
democraticamente das ações da escola (CERVI, 2010).

A busca pela qualidade total na educação, o empreendedorismo,


a motivação, a competitividade, a metodologia de projetos, ações
pontuais sobre os temas sociais desarticulados do currículo, a
recuperação paralela, a promoção automática das/os alunas/os, a
frequente presença de organizações não governamentais, além da
presença de policiais nas escolas realizando atividades para as quais as/
os professoras/es, descrentes de sua própria formação, não se sentem
preparadas/os, marcam esse contexto (DUSSEL; CARUSO, 2003).

O importante conceito de pedagogia do controle, elaborado por Maria


Rita de Assis César (2004) consiste em uma ferramenta fundamental
para pensar a construção da escola contemporânea. Nessa perspectiva,
a própria ideia de conhecimento se altera, uma vez que o importante
na nova ordem social é a informação. Os investimentos em educação e
イ$" nメo$" ÿ $ィ"$" $イ ィÿ .メ『"メ"〈 メ" "メ"ィメ ÿィ イ メ"~$"ÿイÌメ ィ$x.メ『"
com velocidade. Essa transformação produz efeitos no que se refere ao
discurso e às práticas pedagógicas, alterando, assim, o funcionamento
das escolas. Na elaboração da autora:

Partindo da tese da passagem de um mundo


a outro, a educação disciplinar está deixando
de existir, ainda que seus fantasmas ainda se
façam presentes, e no seu lugar está surgindo
a pedagogia do controle. Na medida em que

155
isso implica a transformação radical do conceito
de conhecimento, que agora dá lugar à noção
de informação como o verdadeiro “objeto"
a ser transmitido segundo algumas regras
ィ メ~メoヨÓÿn$ " n̅}n$ 『"$" ~ n$x.メ"strito sensu
}n$" ~ _ÿ~$"$" ィ$"ィ $" o$dメ $x.メ"ィメ $o】"<】】】>"
Na “pedagogia do controle” não só as normas e
valores morais são pedagogizadas e escolarizadas,
mas também todo e qualquer aspecto da vida
(CÉSAR, 2004, p. 150; 153, grifos da autora).

A escola é aqui pensada como empreendimento biopolítico, que


implica uma potencialização do governo dos corpos e das mentes.
Com isso, os agenciamentos biopolíticos da escola deslocam-se para
uma governamentalidade neoliberal, isto é, se a sociedade passa do
seu modelo disciplinar para o controle, escola passa a ser pautada pela
governamentalidade neoliberal. A escola contemporânea situa-se nas
relações entre a biopolítica e essa nova forma de governamentalidade
neoliberal. É agenciada pelas biopolíticas e, com isso, tomada como
um campo de investimento que pode potencializar a produção e
o consumo. Nessa perspectiva, a escola como empreendimento
biopolítico contemporâneo objetiva capturar os corpos para torná-los
viáveis para a produção e para o consumo (CÉSAR, 2010). Esse consumo
se orienta para a satisfação imediata dos desejos, que cedem espaço a
outros, tão logo sejam satisfeitos. Os produtos procurados são “leves,
voláteis, descartáveis” (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009, p. 193).

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funcionaria como uma estratégia para garantir o aumento da
produtividade tanto no que se refere às empresas quanto aos próprios
indivíduos (GADELHA COSTA, 2009a).

Os agenciamentos biopolíticos construídos produzem também


uma sensação de liberdade, em que a própria liberdade é produzida e
consumida. A competição ocupa lugar central nesses processos. Para
Saraiva e Veiga-Neto (2009, p. 183):

O princípio de inteligibilidade do neoliberalismo


passa a ser a competição: a governamentalidade
neoliberal intervirá para maximizar a competição,
para produzir liberdade para que [todas e] todos
possam estar no jogo econômico. Dessa maneira,
o neoliberalismo constantemente produz e
consome liberdade. Isso equivale a dizer que
a própria liberdade transforma-se em mais um
objeto de consumo (grifos da/o autora/r).
156
Dessa forma, o que se observa é a criação de uma forma de estar
no mundo, produzida pelo que Gadelha Costa (2009) denominou de
“cultura de empreendedorismo”. Essa cultura, presente também na
educação formal, atua de maneira a produzir indivíduos fragmentados e
responsáveis apenas por si mesmos. O indivíduo passa a ser responsável
pela sua aprendizagem. Portanto, o que ganha centralidade é a “iniciativa
individual e o processo de aprender a aprender” (GADELHA COSTA,
2009, p. 182, grifo do autor). Ainda de acordo com o autor, o processo
~ " メ~ x.メ" ~ $ " o$xワ " $n$d$" メ " ~ÿ}n o $ " メ " $Ó イnÿ$ィ イ メ "
entre os próprios indivíduos no sentido da “invenção de novos modos
de vida, e de intervenção em favor de novos modos de existencialização
e de sensibilidade, que não aqueles apregoados pelo mercado [...]”
(GADELHA COSTA, 2009, p. 182).

Nesse processo de produção ampliado, rigorosamente tudo será


pedagogizado (CÉSAR, 2004). Essa transformação, constituinte de uma
escola globalizada e sem fronteiras, produz também um esvaziamento
de sentido em relação à instituição disciplinar que não responde mais
aos questionamentos contemporâneos. Segundo Maria Rita de Assis
César (2007, p. 5), “[...] a escola disciplinar não faz falta, pois as crianças
já vêm sendo ‘educadas’ em outros tipos de espaço e numa outra
temporalidade como, por exemplo, por meio das mídias em geral”
(grifo da autora). Com isso, produz-se uma pedagogização de todas
as esferas da vida, em que se engendra uma equiparação entre os
discursos pedagógicos e as práticas escolares com outros discursos e
práticas do senso comum.

A sociedade de controle produz, com isso, uma despolitização da


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políticas públicas educacionais. Assim, a passagem do tempo dos
espaços quadriculados para o dos espaços móveis, em que a ordem é o
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rapidez, determinam que o espaço escolar se transforme em um espaço
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2004).

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produzidos pela sociedade de controle constitui-se no ideal regulatório
da própria produção das subjetividades pela escola contemporânea.
Enquanto a escola disciplinar visava à produção de corpos dóceis, úteis e
produtivos, a escola do controle objetiva a produção de trabalhadoras/

157
es conectadas/os, competitivos/as e motivados/as. Essa subjetividade,
para Gilles Deleuze alterna-se continuamente, na forma daquilo que o
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" n$ィdÿ$イ 『"メ" " メ ÿdÿoÿ $" $" ÿイ イ ÿ}n$x.メ"~メ" nメイ メo "=}‒n‒  ̄‒『"
1992). Nesse sentido, para Maria Rita de Assis César e André Duarte
(2009, p. 127):

A introdução desse novo conjunto de discursos,


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de governamento da infância e da juventude. Com
a introdução da nova pedagogia do controle, os
discursos escolares e não-escolares tornaram-se
idênticos e assumiram uma mesma função, que
pode ser compreendida em termos da produção
~メ"イメ メ" Y ÿ メ"ィメ $o『"メ" Y ÿ メ"〈 ̅ o『" メo $イ "
e supostamente autônomo, requerido pelas novas
modulações do controle que gravitam entre o
Estado e o mercado neoliberal (grifos da autora/r).

A produção dessas subjetividades contemporâneas também pela


escola é pautada em diversas modulações. Por isso, em relação à
sexualidade e à transexualidade são engendradas práticas, discursos e
saberes por meio do controle, isto é, a escola contemporânea, como
empreendimento biopolítico, constrói uma rede de poder–saber, além
de gerenciar e capturar os corpos sexuados, transmutando-os em
corpos que produzem e consomem.

3 CORPOS E SUBJETIVIDADES TRANS E A ESCOLA

Se na pedagogia disciplinar o corpo era alvo de investimento para


os mecanismos de poder, na pedagogia do controle esse investimento
é ampliado por meio da ação do biopoder. A escola contemporânea faz
investimentos no corpo e na saúde da população em idade escolar, isto
é, a alimentação, a prevenção da gravidez e das doenças sexualmente
transmissíveis, as práticas esportivas, entre outros. A subjetividade
normalizada a ser construída nesse novo engendramento do poder não
é mais a criança disciplinada, pois essa já está diagnosticada, controlada
e governada por medicamentos (CÉSAR, 2007).

A potencialização dos efeitos do biopoder sobre os corpos produz


uma subjetividade que, nas análises de Gadelha Costa, consiste em:

Um indivíduo estranho, ainda mal-esboçado, cujo


corpo por exemplo, já não seria mais mecânico-

158
orgânico, mas cibernético, pós-orgânico, pós-
humano; por outro lado, um indivíduo cuja
identidade, cujo Eu, cujas maneiras de pensar, de
agir e de sentir, já não são, apenas e tão somente,
constituídos por uma normatividade médico-
psi, mas cada vez mais produzidos por uma
normatividade econômico-empresarial (GADELHA
COSTA, 2009, p. 180, grifos do autor).

Na escola, o corpo desejável é jovem, saudável, magro, bonito e


heterossexual, que atenda de forma linear e “natural” a relação de
correspondência entre sexo, gênero e desejo. Essa correspondência
acaba por materializar o que Deborah Britzman (1996) problematizou
como uma espécie de pressuposto universal da heterossexualidade.
Com base nesse pressuposto, toda a população escolar passa a ser
objetivada como heterossexual a priori (BRITZMAN, 1996). Ou seja, os
discursos e as práticas regulatórias ditam e difundem, por vários meios,
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e masculinidade, produzidas em função do mercado neoliberal. Essas
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regulatória. Com isso, o corpo saudável, “normal” e desejável é o corpo
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gênero-sexualidade.

Dessa forma, da singular História da Sexualidade elaborada por


Foucault, na qual os investimentos do poder disciplinar e do biopoder
concorreram para a produção do sistema sexo-corpo-gênero, a partir da
medicalização das práticas sexuais e da invenção do sujeito homossexual,
メ" " "メd $"•"$"ÿイ イ ÿ}n$x.メ"~$" nメo$"nメィメ" ィ イ~ÿィ イ メ"
biopolítico de controle sobre o corpo e a sexualidade. A partir desse
investimento produzem-se as subjetividades, alvo da normalização
contemporânea em relação ao sistema sexo-corpo-gênero, sistema que,
para César (2009a), a escola insiste em preservar. A nova anomalia a ser
produzida, diagnosticada, controlada e medicalizada consiste no corpo
que toma forma no exterior da norma de regulação estabelecida pelo
dispositivo da sexualidade e da heterossexualidade normativa, isto é, o
corpo transexual. Opera-se, então, um movimento: além de medicalizar
as práticas sexuais e objetivar os sujeitos como desviantes pelas
práticas sexuais não normativas, medicaliza os processos produtivos da
materialidade dos corpos. Esse movimento acaba por produzir, nesta
perspectiva de análise, o corpo e a mente transexual doente, conforme
as análises de Berenice Bento (2006, 2008), ou seja, a patologização da
experiência transexual.

159
Na pedagogia do controle, as fronteiras entre a/o má/mau e
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indesejável e delimitadas principalmente pelo estreitamento da relação
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suas interações com a psicologia, procurando preencher a lacuna que
se formou com a crise de sentidos na qual está inserida.

A aproximação entre a pedagogia e a psicologia produziu


sentidos sobre os sujeitos psicologizando-os e medicalizando-os.
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os comportamentos e os corpos que precisam de encaminhamento/
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n̅}nメ "nメィメ" ÿnヨoメÓメ " " ÿ ÿ$ $ 】"ア$ "$イ(oÿ "~ "ァ$ ÿ$" ÿ $"
de Assis César (2004, p. 140):

É importante ressaltar que para a pedagogia


é a psicologia que irá garantir o estatuto da
subjetividade dos sujeitos da educação, ou seja, é
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em termos de seu desenvolvimento cognitivo
e delimitar as fronteiras entre a normalidade
e a patologia escolar. Em outros termos, é a
psicologia que irá separar [a “boa aluna”] o “bom
aluno” [da “má aluna”] do “mau aluno”, é ela que
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aprendizagem, da indisciplina, da falta de atenção,
entre outras ocorrências do cotidiano escolar.

Na esteira dessas ocorrências do cotidiano escolar aparecem as


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gênero, como a travestilidade e a transexualidade. A visibilidade desses
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na governamentalidade neoliberal o princípio da inclusão se coloca
como imperativo. Entretanto, travestis e transexuais, embora atendam
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normas binárias do gênero com seus corpos e subjetividades fabricadas,
e essa quebra pode ser percebida por meio da transformação de seus
corpos. Para esses sujeitos não existe a possibilidade de resistência em
relação à visibilidade, ou seja, pensando com Veiga-Neto (2000) ao
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é, produzem uma visibilidade absoluta, sendo que a sua inadequação
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de permanecer"イメ"$ ィ( ÿメ】"‒ " Y ÿ メ △nメ メ "}n$ .メ" メ "$" ィ$"
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160
Em relação às/aos travestis e transexuais, a experiência de
visibilidade que se instaura a partir da pedagogia do controle é a
do excesso, pois são corpos e identidades para os quais não existe
nem mesmo a possibilidade da existência do armário. Embora sejam
múltiplas e apresentem várias nuances, as experiências travestis e
transexuais são engendradas para fora dos limites do armário, porque
travestis e transexuais fabricam seus corpos e identidades fora do
armário, isto é, nas ruas, nas pistas, nas calçadas. O olhar inquisidor
e escrutinador sobre os corpos e identidades trav e trans constrói um
aparato acusatório para essas personagens. Entretanto, nem mesmo
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olhares sobre esses corpos parece se assemelhar mais a um olhar de
amplo alcance, que penetra a vestimenta, desnudando esses corpos
e chegando até a sua genitália. O olhar lançado a esses sujeitos é um
olhar genitalizado que irá inquirir sobre a desconformidade entre corpo
e genitália.

Aquilo que se constrói no entorno dos corpos e identidades trans


e trav parece se assemelhar a uma gigantesca lupa, ou a uma espécie
de lente de aumento que procura ver os órgãos e as práticas sexuais,
centrando-se na suspeita de uma genitália diferente da esperada.
Procura-se enxergar a genitália em desarmonia com a fabricação do
gênero empreendida. A cirurgia de transgenitalização e a alteração
do nome nos documentos, importantes para os sujeitos, não parecem
importar nesse contexto do olhar, considerando-se que as transexuais
readequadas cirurgicamente e que possuem documentos alterados
também são alvo de diagnóstico e escrutínio. Nesse sentido, os próprios
corpos de transexuais é que se tornaram de cristal.

Os corpos transexuais são marcados pela fabricação exterior à


norma regulatória de sexo e gênero, constituindo-se também em
corpos a serem medicalizados pela pedagogia do controle. Deborah
Britzman argumenta que “[...] a pedagogia produz não apenas versões
particulares do conhecimento de sujeitos mas o próprio sujeito que-
supostamente-conhece” (BRITZMAN, 1996, p. 77).

Berenice Bento (2008), ao analisar os documentos que produziram o


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uma articulação na qual um desses documentos enreda a escola, a
família e a medicina/psicologia para a produção dos diagnósticos e para
a produção e perpetuação das normas de gênero. Nessa articulação,
o papel da escola consiste em alertar as mães, pais ou responsáveis
sobre seu comportamento “anormal” em relação à sexualidade. A

161
preocupação com esse comportamento desviante consiste no medo
de que a criança “seja”, ou “se torne” lésbica ou gay (BENTO, 2008,
p. 129). Em geral, a intervenção se dá por meio de um movimento
de recondução à heterossexualidade. Com isso, a correção do desvio
transforma-se em uma espécie de meta a ser cumprida a qualquer
custo (BRITZMAN, 1996).

Em se tratando de travestis e transexuais, a pedagogia do controle


tem produzido práticas fora das instituições escolares, uma vez que
esses se constituem em corpos e identidades que escapam (CÉSAR,
2009a). Corpos cuja esperança de retorno à norma regulatória é
praticamente nula, considerando a subversão das normas de gênero e,
ainda, que a maioria dos processos e intervenções empreendidas para
a fabricação de si é irreversível, diferentemente dos corpos de lésbicas
e gays.

Assim, as relações entre a escola e essas experiências estabelecem-se


no campo do estranhamento e, em geral, da tensão. Segundo a narrativa
メ}nÿ$o" ~メ" ァメ ÿィ イ メ" メnÿ$o" ~ " n• dÿn$ 『" Gays, Bissexuais, Travestis
" $イ $ÿ "▲"nÒc 『"$" nメo$"nメイ ィ メ *イ $" ィ" ÿ~メ" }nÿ イ " ィ"
apagar as diferenças e em propagar a exclusão e a violência, pois
objetiva a todas e todos como iguais na diversidade. Entretanto, por
ィ ÿメ"~ " ィ$" 〈 .メ" メd "$"~ÿÌ イx$『"$" イx$"~ $ " ÿ„イnÿ$ "
na escola contemporânea poderá ser tomada como um acontecimento.
Para Carlos Skliar (2008, p. 21-22):

[...] é a partir de uma incapacidade, a partir de um


não-conhecimento, a partir da impossibilidade
para responder a essa pergunta, que alguma
coisa acontece ali, no lugar onde não há lugar,
faz-se acontecimento. Alguma coisa torna-se
acontecimento, pois o impossível se torna possível.

O que se percebe, então, é que a simples presença desses sujeitos


perturba e desestabiliza o empreendimento biopolítico da escola,
uma vez que diferentemente da saúde, a escola não encontrou ainda
meios de capturar esses corpos e torná-los viáveis para o consumo
e a produção. Dentro do imperativo da inclusão escolar, a presença
trans"イ$" nメo$"~ 〈$Ó $ ÿ$" ィ" メn メ"~ " メ Ó$イÿ_$x.メ"~$"ÿイ ÿ ÿx.メ"
sobre modulações até então impensadas. Entretanto, isso não ocorre,
produzindo, ao contrário, os processos de exclusão (CÉSAR, 2010).

Corpos e identidades transexuais operam uma desconstrução no


sistema corpo-sexo-gênero por meio de estratégias que, possibilitadas

162
pela própria produção regulatória, desestabilizam a escola e perturbam
a nova ordem das coisas. Esses efeitos determinam, muitas vezes, a
rejeição e a exclusão desses sujeitos, justamente porque se produzem
fora da norma e fogem ao controle (CÉSAR, 2009a).

A produção do sujeito pela pedagogia do controle obedece a um novo


conjunto de normas, fundamentado por saberes e discursos que por
sua vez se articulam por meio de poderes produtores de subjetividades
viáveis ao consumo e à produção. A função desse conjunto consiste em
manter a nova ordem estabelecida pela sociedade de controle. Nesse
contexto, a escola se produz como o lugar da informação, da inclusão,
da tolerância, da democracia, da participação, além de promotora da
igualdade. Entretanto, nesse discurso atuam novos jogos de poder que
irão aniquilar as diferenças em razão de uma igualdade moralizante e
de uma pedagogia da tolerância que, por sua vez, produz mais exclusão
e violência.

ィ"~ $}メ" $ $"$" ~ n$x.メ" " $ $"$" nメo$"nメイ ÿ ÿ ÿ$" ィ" メn $ "
alternativas para se pensar a diferença e a multiplicidade, como uma
expressão da alteridade (ARENDT, 1987; VEIGA-NETO, 2007a). Talvez
assim se possa traçar meios para resistir e escapar aos tentáculos do
“monstro do controle”. Com isso, talvez, a educação se constitua em
uma possibilidade, como um ato político de resistência e liberdade,
ィ" ィ ÿメ" & " ÿイn _$ " " &" 〈 ÿ~ _『" メ~ _ÿイ~メ" ィ" イÌ イ $ィ イ メ" &"
pedagogia da tolerância.

4 A PRESENÇA TRANS “CAUSANDO” NAS ESCOLAS

Corpos e subjetividades trans e trav quando vêm às escolas


“causam” desconforto, indignação e estranhamento, pois questionam
as “verdades” e os pressupostos construídos e arraigados sobre gênero
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femininos com pênis e com nome masculino e personagens masculinos
com vagina e com nome feminino “causam” nos espaços escolares,
desestabilizando o que se acreditava estar em conformidade com
as normas binárias do gênero e com a construção do sistema sexo-
gênero-sexualidade.

A escola, portanto, que não conhece as subjetividades trans exclui


como uma forma de manter a normalização dos corpos e subjetividades
escolares. As subjetividades trans, por sua vez, concorrem e contribuem
para o seu agenciamento pela biopolítica educacional ao exigirem que

163
a escola as acolha, com seus nomes sociais, por exemplo. A demanda
dos movimentos sociais de travestis e transexuais para terem seus
nomes sociais nas escolas pode ser interpretada como um desejo de
enquadramento na norma heterossexual e nas normas de gênero. Por
outro lado, a presença trans nas escolas, tendo em vista a normatização
do utilização do nome social nos registros escolares aumentou
consideravelmente essa presença trans nos espaços escolares.

Na Rede Pública Estadual de Educação Básica do Paraná, por


exemplo, após dois anos de intenso diálogo e tensões políticas, a
utilização do nome social foi normatizada e implementada em todo
o sistema para travestis e transexuais, acima dos dezoito anos. Depois
dessa normatização a Rede Pública Estadual de Educação Básica conta
com dezoito matrículas de travestis e transexuais utilizando seus
nomes sociais nas escolas. Antes dessa normatização sabe-se que
existiam duas matrículas. Entretanto, é importante considerar que,
apesar dessa normatização, as escolas ainda questionam, por exemplo,
o banheiro que esses sujeitos irão usar, a roupa com a qual vão à
escola e as transformações empreendidas por elas/es em seus corpos
e subjetividades, em especial, aquelas transformações que mais se
distanciam do esperado para feminilidade e masculinidade normativa.

Dessa forma, a escola parece arranjar constantemente um


questionamento para esses corpos e subjetividades fora da norma,
em busca de um consenso, por meio da pedagogia da aceitação e da
tolerância. Ao que a presença trans e trav contrapõe, algumas vezes,
“causando” com o terrorismo do gênero, como a personagem Agrado
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uma “terrorista do gênero”. Assim, os/as nossas
quatro “personagens-intervenções o/a são”, pois
subvertem [sic] a ordem normalizada do gênero,
do desejo, da família nuclear, das formas de
maternidade e paternidade, cada um ou uma
ao seu modo, todavia todos/as subvertendo os
pressupostos da heterossexualidade compulsória,
sendo terroristas da norma heterossexual. Nesse
sentido, terrorista tem um sentido libertador e
libertário, como [sic] é a personagem Agrado,
que nos retira de um centro, ou de uma norma
internalizada e naturalizada que é uma ordenação
heterossexual do mundo e de uma lógica que

164
contém simplesmente dois gêneros/sexos, o
feminino e o masculino (CÉSAR, 2008, p. 6, grifo
da autora).

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negra, nordestina e da periferia, adotou um nome que termina com a
letra “e”, que, segundo ela, traduz a sua ambiguidade, pois não termina
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que veio ao mundo para “causar” e que não tem o menor desejo de
alterar seu nome nos documentos e que, mesmo que faça a cirurgia
de transgenitalização, construindo uma neovagina, jamais deixará de
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tensões diante da presença trans e trav na escola sejam produtivos e
necessários para que se faça uma educação como prática de liberdade.

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______. Foucault & a Educação. 2. ed. e 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2007a.

Filme TUDO sobre minha mãe. Direção de Pedro Almodóvar. Madri: Sony Pictures Classics
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SOBRE A AUTORA

Dayana Brunetto Carlin dos Santos é licenciada em Ciências, com


habilitação plena em Biologia (1997), especialista em Sexualidade
(1999), mestre (2010) e doutoranda em Educação pela Universidade
Federal do Paraná (2012). Atualmente, é professora da Rede Estadual
de Educação Básica do Paraná – SEED e atua na Secretaria de Estado
da Educação, como coordenadora da Coordenação da Educação das
Relações de Gênero e Diversidade Sexual – CERGDS, do Departamento
da Diversidade – DEDI, da SEED, responsável pela Política Pública
Educacional de Gênero e Diversidade Sexual da SEED. Pesquisadora
colaboradora do Laboratório de Investigação em Corpo, Gênero e
Subjetividade na Educação (UFPR/CNPq). Experiência na gestão pública
da Educação Básica, com ênfase nos estudos de corpo, gênero e
sexualidades, subjetividades e Teoria Queer.

167
ESTUDOS
SOBRE CORPO E
DIFERENÇA
3ª Intersecção
A NORMALIDADE EM SUSPEITA – OU
QUANDO A DIFERENÇA JOGA NO LABIRINTO1

Juslaine de Fátima Abreu Nogueira

É preciso tentar primeiro pensar [...] a diferencia


desta diferença irredutível. E porque temos aí um
tipo de questão, digamos ainda histórica, cuja
concepção, formação, gestação, trabalho, hoje
apenas entrevemos. E digo estas palavras com
os olhos dirigidos, é certo, para as operações da
procriação; mas também para aqueles que, numa
sociedade da qual não me excluo, os desviam
perante o ainda inominável que se anuncia e que
só pode fazê-lo, como é necessário cada vez que
se efetua um nascimento, sob a espécie da não-
espécie, sob a forma informe, muda, infante e
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p.249).

Começo esta conversa falando sobre epifanias. Porque epifanias têm


a ver com nascimentos. E também têm a ver com acontecimentos simples
– como os nascimentos -, mas que, a despeito do que se pode prever,
trazem o inusitado e, assim, pelo inesperado, deslocam. Falo aqui, ainda,
não de agradáveis epifanias, mas, pelo avesso, de monstruosas epifanias.
Quero apalpar, neste momento, as discursivizações contemporâneas
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de inclusão que proclamam que “ser diferente é normal” -, para dizer
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não habitam o mapa da normalidade, tem a ver com esses nascimentos
que se aprende a desejar (via discursos, na linguagem, na cultura)
sem mistério, lineares, mas que irrompem trazendo estranhezas;
monstruosas epifanias que aborrecem, abalam, atordoam, embaraçam,
desconcertam as costumeiras ordenariedades, porque trazem não um
Próximo, não um Semelhante, mas um Outro.

1
Este artigo foi apresentado no 4.o Seminário Brasileiro de Estudos Culturais em Educação
e 1.O Seminário Internacional de Estudos Culturais e Educação, realizado na Universidade
Luterana do Brasil - ULBRA, campus Canoas, em maio de 2011, bem como foi publicado
nos Anais do referido evento sob o ISSN 22363491 (NOGUEIRA, 2011). Originalmente, o
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171
Projeta-se para os que nascem2, nestes nascimentos que se querem
cabíveis no padrão (estético, de peso, de altura, de perímetro cefálico,
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mundo normal, por toda a vida. Amorosamente3, são oferecidos, aos
que nascem - porque parecem tão frágeis -, os saudáveis cuidados, a
canônica pedagogia, a familiaridade do espaço-tempo geometrizado.
E assim, os que nascem vão se tornando inteligíveis, interpretados,
categorizados, explicados pelo olhar-Mesmo que, desde muito, tem
apagado que

ao mesmo tempo, quando uma criança nasce, um


outro aparece entre nós. E é um outro porque é
sempre algo diferente da materialização de um
projeto, da satisfação de uma necessidade, do

2
Aliás, mesmo antes do nascimento, um conjunto de práticas de saber/poder intercepta
o corpo no momento, por exemplo, em que se produz a dicotomização (ainda no
ventre materno, ou antes até) masculino X feminino (impondo modos de existência se
se é menino ou se se é menina), bem como quando dispositivos tecnológicos medem,
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3
A herança moderna do ideário da família burguesa - alicerçada no modelo heterossexual,
monogâmico, unicelular e centrada no individualismo, na privacidade e na promoção
do afeto – vai dar a tônica para a discursivização da infância. A construção cultural
do corpo pueril (como invenção legitimada fortemente no contexto europeu e, por
conseguinte, ocidental, do século XVIII) vai possibilitar a arquitetura de estratégias de
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práticas estas que foram acolhidas como verdade e conquista indiscutíveis e que têm
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necessária vigilância, a necessária higiene, a necessária moralização às crianças. Desde
este dispositivo de infantilização, as crianças são tidas “como um grupo de status
especial, distinto dos adultos, com suas instituições especiais próprias, como as escolas,
e seus próprios circuitos de informação, dos quais os adultos tentaram excluir, de modo
crescente, o conhecimento sobre o sexo e a morte. [...] Não há dúvidas de que, entre
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deram lugar a roupas soltas, amas-de-leite pagas à amamentação materna, a dominação
da vontade pela força à permissividade, a distância formal à empatia” (STONE, 1979
apud ZILBERMAM, 1982, p. 7-8). Em nome de um amoroso amparo, se engenhou
uma “ortopedia da infantilidade” e, para a benesse das crianças, se formou uma
“aliança entre todas/os as/os governantes d’alma – mães, pais, padrinhos, madrinhas,
sacerdotes, médicos/as, pedagogas/os, psicanalistas- que controlarão [as crianças] em
sua idoneidade; fracionarão suas condutas e seu tempo; castigarão e recompensarão seu
corpo; produzirão sua verdade” (CORAZZA, 1998, p.130).

172
cumprimento de um desejo, do complemento
de uma carência ou do reaparecimento de uma
perda. É um outro enquanto outro, não a partir
daquilo que nós colocamos nela. É um outro
porque sempre é outra coisa diferente do que
podemos antecipar, porque sempre está além do
que sabemos, ou do que queremos, ou do que
esperamos. Desse ponto de vista, uma criança é
algo absolutamente novo que dissolve a solidez
do nosso mundo e que suspende a certeza que
nós temos de nós próprios. Não é o começo de
um processo mais ou menos antecipável [...]. Não
é o momento em que colocamos a criança numa
relação de continuidade conosco e com nosso
mundo (para que se converta em um de nós e
se introduza em nosso mundo), mas o instante
da absoluta descontinuidade, da possibilidade
enigmática de que algo que não sabemos e que
não nos pertence inaugure um novo início. Por
isso, o nascimento não é um momento que se
possa situar numa cronologia, mas aquilo que
interrompe toda cronologia (LARROSA, 2001,
p.187).

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que nascem, a tal ponto que captura as singularidades incômodas,
permite apenas aquelas que oscilem na média: as singularidades
medianas, medíocres. E os que nascem vão sendo pasteurizados em
uma identidade humana, em uma natureza humana - o universal
humano – a partir da tão íntima mesmidade. Mas no limiar dessa
(congelada) subjetividade, dessa reconhecível-humana-identidade,
sempre escapam resíduos inexplicáveis – diferenças – que aqueles
nascimentos-irreconhecivelmente-humanos insistem em evidenciar. Aí,
para mais uma vez apagar a instabilidade, as fraturas da identidade,
o olhar-Mesmo inventa sua normalidade traduzindo esses meio-
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digeríveis à fome da norma, mais próximos da ordem.

Se devo, portanto, arriscar, neste interstício, alguma consideração,


a que necessariamente comprometo-me, é esta: embora as
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– agora de tolerância, inclusão, respeito -, a grande questão é que elas

173
não romperam com a episteme4 do legitimado centro que sempre diz
sobre a periferia, que discursa, inventa um periférico proveniente de
sua centralidade, ignorando que há o(s) ex-cêntrico(s)5, que há o fora
do seu centro, sem relação com o seu centro (relação que acontece
quando se fala de periferia); não romperam com a episteme da “maioria”

4
Este conceito, teorizado por Michel Foucault em As Palavras e as Coisas, refere-se
ao solo geral de princípios e regras a partir do qual cada época pôde produzir certos
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pensar e praticar o mundo. Num movimento arqueológico, pois, Foucault argumenta sob
quais jogos de verdade (epistemes) o pensamento ocidental - da era da semelhança que
perdurou até o século XVI, passando pelo fundamento da representação do pensamento
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certos saberes. A partir desta escavação foucaultiana, é possível “ler” as condições em
que se formam os domínios do saber que fundamentam o “óculos” com o qual olhamos/
somos olhados, inserimo-nos/somos inseridos a/na existência; arqueologia esta que
nos afasta da cilada de querer encontrar uma verdade demonstrável objetivamente
por meio do descobrimento/desnudamento de um dado real pronto, que estava “ali”
cristalizado. Assim, quando falo de episteme, estou me reportando ao que Foucault
denominou de “epistémê moderna”, a nossa episteme, que, nos interstícios do projeto
da máthêsis e da taxionomia da episteme clássica, projetou saberes que até então nunca
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existir como objeto cognoscível e representável. Assim diz Foucault: “As conseqüências
[...] do acontecimento fundamental que sobreveio à epistémê"メnÿ~ イ $o" メ " メo $"~メ"}ィ"
do século XVIII, podem assim se resumir: negativamente, o domínio das formas puras
de conhecimento se isola, assumindo ao mesmo tempo autonomia e soberania em
o$x.メ"$" メ~メ" $d " ィ ̅ ÿnメ『"Ì$_ イ~メ"イ$ n " " イ$ n "ÿイ~ }イÿ~$ィ イ "メ" メY メ"~ "
formalizar o concreto e de construir, a despeito de tudo, ciências puras; positivamente,
os domínios empíricos "oÿÓ$ィ"$" 〈 ワ " メd "$" dY ÿ ÿ~$~ 『"メ" "ì ィ$イメ" "$"
}イÿ ~ ” (FOUCAULT, 2000, p. 342, grifo meu). “A unidade da máthêsis é rompida” (Ibid.,
p.340) e o grande traço dessa ruptura, portanto, é que o pensamento do século XVII
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os conhecimentos, unindo-os pela representação, serve agora, nas aspirações modernas,
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origem tanto do objeto do conhecimento quanto do sujeito que o conhece: o homem
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5
þィ メ $イ " $o $ " " $" }Ó $" Ó メィ• ÿn$" excêntrica (HOUAISS; VILLAR, 2001) diz
respeito àquelas esferas cujos centros não coincidem, o que faz com que uma não dependa
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se interceptam, quer dizer, um está contido no outro. Nesta aproximação, quero dizer
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trabalho funda-se na compreensão de que esta outridade, sua diferença/excentricidade
não é um desvio do centro-fundante-originário da mesmidade. Por outro lado, pela
idéia do excêntrico, também quero reconhecer que as subjetividades se interceptam e é
exatamente por essas intersecções que se constituem. Reconhecer essa relação imanente
~$ " ÿ „イnÿ$ "▲" メ " ヨ" ÿ ィ"イメ"YメÓメ" メnÿ$o"▲" ÿÓイÿ}n$"~ÿ_ " 『"$ $ "~ " $ "
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mera oposição entre Mesmo e Outro, entre Normal e Anormal, à questão da diferença
interessa, sim, problematizar como se tece, em diferentes aparatos de saber-poder, a
relação entre o normal/centro e o anormal/excêntrico.

174
que sempre explica a “minoria”, ou seja, não romperam com a “prática
milenar do Mesmo e do Outro”, nessas “familiaridades do pensamento –
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2000, p. IX).

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Jorge Luis Borges e ao diálogo, então, com um conto que conduz ao
ponto de vista daquele que nasceu insólito. Não é, portanto, tal como
já nos familiarizamos, o ponto de vista do que nasceu espelhando o
habitual falando sobre aquele nascido inopinado/ inoportuno. Este
texto, chamado A casa de Astérion, traz a voz de um ser estranho-
indistinguível-singular-solitário – Astérion – narrando sua estranha-
indistinguível existência numa casa estranhamente-indistinguivelmente
descrita. Somente nas últimas linhas do conto, quando o foco narrativo
muda, concedendo voz ao reconhecível Teseu, é que nós leitores,
pelo já assimilado/normalizado ponto de vista deste herói mitológico,
recuperamos que Astérion é o Minotauro e que sua casa é o labirinto.
Borges prefere o desconhecido Astérion ao invés do conhecido/
rotulado Minotauro, porque daquele quase não se tem referência
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pelo pensamento da mitologia ocidental. Por isso, Astérion é mais
potencialmente outro. Nele não há sentidos fechados de captura de
sua diferença-monstruosa e, por essa razão, nós, leitores, acostumados
" メィメ " $" d n$ " $" $dÿoÿ~$~ 『" }n$ィメ " ィ$ÿ " d$~メ 『" ィ$"
vez que Astérion não nos foi seguramente nomeado, não podemos,
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no último fragmento, quando somos informados de quem se trata a
história, o desconcerto não alivia, visto que não conseguimos mais
distinguir aquela conhecida, redutível e explicável monstruosidade. E,
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dado. Astérion está sendo, no conto, algo que não conseguimos bem
precisar. Por estar sendo o inominável que Borges o escolheu, porque

o estar sendo é um acontecimento da alteridade


que retira de nossas bocas as palavras habituais,
as frases precisas, a gramaticalidade correta.
Inibe-nos, como mesmidade, de dizer o que
é e o que não é o outro, o que é ou o que não
é sua identidade. E fecha as portas de nossos
laboratórios, observatórios e reservatórios.
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175
Em A casa de Astérion, não encontramos aquela criatura que
precisa ter sua aberração aniquilada para que possamos ver ressaltada
$" }Ó $" ~メ" dメィ『" nメ $Yメ メ" " ì ィ$イメ" 】" ァ oìメ 【" ィ" A casa de
Astérion"イ.メ"ì("$d $x.メ" "Y ÿ} 『" "nメイÌメ 『" " oÿ "メ"
aniquilamento, pois ao voltar da missão do assassinato, “quando o sol
da manhã reverberou na espada de bronze” e quando “já não restava
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minotauro mal se defendeu”.

Isso não quer dizer que o conto apague a aberração do Astérion/


Minotauro, elimine sua monstruosidade. O que há é uma outra-
irredutível-inexplicável monstruosidade. Epifânica monstruosidade.
Por meio deste conto, é possível desestabilizar o legitimado, unicista6
e metastático olhar sobre o monstro que o mito clássico engendrou.
A cultura ocidental doutrinou que a monstruosidade nos ameaça (o
Minotauro devora os normais-humanos) e, se a deixarmos continuar
existindo, a (normal) humanidade não poderá mais ser preservada. O
Minotauro, nessa fronteira indecisa entre devir-homem e devir-animal,
corpo humano e cabeça de touro, teima em escancarar o quanto a
racional, equilibrada, coesa, coerente e moral identidade humana
é desintegrável, é frágil. Foi preciso, então, criar um Teseu que o
イÌ イ $ 『" "メ" ィÿイ$ 『"$"}ィ"~ "$ Ó $ "$" メ ÿdÿoÿ~$~ "~$"
normalidade humana continuar existindo. Desse modo, então, suspeito
que a nossa época, mediante a retórica inclusiva, tem criado um “novo
Teseu” para extirpar a monstruosidade, ainda que dando a impressão
de resguardar o monstro, ou seja, a nossa época tem engenhado
sutis dispositivos de extermínio da diferença, ao mesmo tempo em
que proclamando a visibilidade ao diferente. Noutras palavras, tanto
a narrativa clássica como os discursos contemporâneos que se põem
em defesa da diversidade, uma vez que não colocam em suspenso a
normalidade, condiciona-nos a pensar o Minotauro/ a pensar o outro,
sempre
como uma aberração da “realidade” (a
monstruosidade é um excesso de realidade)
$" }ィ" ~ " ÿイ~ _ÿ 『" メ " メ メ ÿx.メ『" $" n イx$" イ$"
“necessidade da existência” da normalidade
humana. Uma existência que seja um dado

6
Defendo que, embora os olhares sobre o monstro não pareçam os mesmos, eles
carregam, ainda que por diferentes discursos e práticas ao longo das épocas, a ambição
unicista, sim, de supressão da monstruosidade, seja na eliminação explícita referendada
nos modelos de exclusão, seja nas estratégias de colonização/normalização referendadas
nos modelos inclusivos.

176
adquirido: é imprescindível não questionar a nossa
identidade de homens reais. A nossa facticidade
é de direito. O “monstro” constitui assim uma
espécie de operador quase-conceptual que,
embora inquietando a razão, permite convencer
que a existência do homem é produto de uma
necessidade: em resumo, que o real humano é
racional. (GIL, 2000, p.174-175)

Porém, se por um lado, essa identidade-monstro-outro foi inventada


como interface necessária para a construção da identidade-normal-
mesma, por outro lado, essa diferenciação-monstro, que marca o
YメÓメ" o$nÿメイ$o"~ "$} ィ$x.メ"~ $"イメ ィ$oÿ~$~ "=$"ÿ~ イ ÿ~$~ "イメ ィ$o"
depende, para existir, da diferenciação anormal, que ela não é), não
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monstruosidade desestrutura a previsível normalidade, porque a
diferença monstruosa é sempre incontrolável, trazendo elementos
perturbadores e fora do lugar, ela há de ser destruída. Porque “o
nascimento monstruoso mostraria como potencialmente a humanidade
~メ" ìメィ ィ『" nメイ}Ó $~$" イメ" nメ メ" イメ ィ$o『" nメイ •ィ" メ" Ó ィ " ~$" $"
inumanidade” (GIL, 2000, p. 176), é preciso que a monstruosidade seja
ÿイ $" メ "ィ ÿメ"~メ"oÿイ $ "}メ"~ "# ÿ$~イ 】"

No reverso desta perspectiva, porque é um outro olhar, A casa de


Astérion desnaturaliza este já dado da normalidade como a “essência
humana”. O que me parece mais sedutor neste conto não é apenas
$" メ ÿdÿoÿ~$~ "~ " oメ $ "$"ÿ~ ÿ$"~ " "$"$} ィ$x.メ"~$"ÿ~ イ ÿ~$~ "
Teseu-humana-Normal, que o discurso da Mitologia pôs no centro,
só se constitui pelo seu contraponto diferencial com o Minotauro-
monstro. Menos me interessa a possibilidade de dizer que a Mitologia
só pôde inventar Teseu porque inventou o Minotauro, o que pressupõe
$Ó ィ イ$" 『" "$"$o ÿ~$~ "$ィ ~ メイ $" "~ $}$『"•" メィ イ " ィ"Ì$n "
dela que se pode constituir um “si mesmo”. Interessa-me, sobretudo, a
possibilidade que este conto traz de deslocar o movimento de negação
das oposições categoriais (o normal é porque não é"メ"~ }nÿ イ ≠" $ $"
メ"YメÓメ"~$"~ÿÌ イx$『"メ" "ÿィ oÿn$"$} ィ$ " 『"ィ ÿ メ"$o•ィ"~$" o$x.メ"
entre identidades Teseu e Minotauro, muito além de o Minotauro se
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diferenças que sempre apelam para a multiplicidade7 e deslizam, no
feixe de relações, de qualquer encaixotamento.

7
“A multiplicidade não tem nada a ver com a variedade ou a diversidade. A multiplicidade
é a capacidade que a diferença tem de se multiplicar”. (SILVA, 2002, p. 66)

177
A Casa de Astérion não enfatiza o monstro-híbrido na oposição com
o humano-puro, mas promove o encontro com um devir-Minotauro. A
diferença monstruosa, em Borges, apresenta-se para além do desvio da
norma. Sua diferença é errante e descreve, no labirinto, um tempo sem
lei, um tempo incompreensível. Sua diferença-monstruosa é brincante,
inventiva, imprevisivelmente replicante. É diferença que se reduplica
e torna-se múltipla, num espaço que vertiginosamente prolifera, num
espaço indecifrável.

Nesta esteira, uma leitura que palpita em A casa de Astérion,


para mim, é a ideia de uma outra temporalidade e de uma outra
espacialidade. Para começar, Borges publicou este texto no livro O
Aleph, nome do ideograma que indica a primeira letra do alfabeto
hebraico, cuja forma remete à lembrança de um homem com as pernas
" メ " d $xメ " $Ì$ $~メ 『" nメイ}Ó $イ~メ" ィ$" •nÿ " ~ " o$】" # ÿィ『"
para o escritor, o Aleph metaforiza a possibilidade caleidoscópica em
" $ " nメÿ $ " メ~ ィ" " ÿ $ " △" ~ " Ìメ ィ$" 〈 ÿ~$『" ÿイ}イÿ $" " ̅ ィÿn$『"
sem forma engessada, portanto - sob todos os ângulos e em todos os
tempos. Neste livro, Borges (2001, p.7) prefacia: “O que a eternidade
é para o tempo o Aleph é para o espaço”. Isto é, se a eternidade diz
de um não-tempo, o Aleph diz de um não-espaço, ou, talvez, melhor
escrevendo, se a eternidade diz de um ?-tempo, o Aleph diz de um
?-espaço. Quem sabe, desta maneira, se escreva com mais propriedade
sobre um tempo e um espaço que dizem, potencialmente, de um
tempo (do) outro e um espaço (do) outro que, teimosamente, não se
fazem (re)conhecidos pelo único tempo e único espaço (re)conhecidos
como possíveis pelo nosso mundo. Quem sabe, seja pelo símbolo da
interrogação que se escreva melhor sobre esse tempo e esse espaço
intraduzíveis, pois eles pertencem à existência do outro e, em sintonia
com a ontologia de Deleuze (2000, p.133), este ser-outro “é a própria
Diferença”. Dessa forma, “o ser é também o não-ser, mas o não-ser não
é o ser do negativo [...]. A diferença não é o negativo; ao contrário, o
não-ser é que é a Diferença [...]. Eis porque o não-ser deveria antes ser
escrito (não)-ser, ou, melhor ainda, ?-ser”.

Temporalidade outra (do Outro) e espacialidade outra (do outro),


イ}ィ『" " イ.メ" ィ" " Ì$_ " ィ oì$イ " &" o ÿ" ~メ" ィ メ" " $メ"
mapa do espaço da mesmidade, tão obedientes ao retilíneo, seguro,
~ イ " " ィ̅ o" }メ"~ "# ÿ$~イ " 『" メd "ÿ メ『" Óメ $ ÿ$"~ "YメÓ$ "
nメィ"$oÓ ィ$ "$ メ ÿィ$xワ 】"アメ"ィÿ メ"no( ÿnメ『" "}メ『" $"Ìメ ィ$"~ "
demarcar o caminho, serve para que Teseu, mesmo ousando encontrar
o Minotauro, não perca a direção de seu mundo normal e possa a
ele retornar ainda mais seguro, mais certo de sua humanidade, mais

178
$d メo メ" ~ " " $ メ" ì メÿnメ" " ィ$ÿ " $ メnメイ}$イ 】" $ n △ィ " " •"
com a mesma ambição que este nosso tempo tem erguido reclames de
atenção às alteridades postas como anormais: para mim, esses discursos
ÿイ~ÿn$ィ『"イ$" ÿ メ $"~ÿ x.メ"$メ"メ メ"~ }nÿ イ 『" ィ$" メ ÿdÿoÿ~$~ "
da normal-mesmidade retornar ainda mais satisfeita consigo sobre sua
humana capacidade de acolher, tolerar e hospedar os estranhos; uma
possibilidade de massagear o seu ego que pretende ser tão fraternal.

Pois bem, o conto de Borges não tem um tempo contínuo, sucessivo,


sequencial. É vertiginoso, descontínuo, com rupturas e promove pulos
temporais, ou seja, tem um tempo babélico que “não sai do presente,
mas o presente não para de se mover por saltos que se imbricam uns
nos outros” (DELEUZE, 2000, p. 155). Se por um instante, tudo está sendo
contado por Astérion no tempo presente, por outro lado, o desfecho
da narrativa traz o depoimento de Teseu, após ele ter assassinado o
monstro, também no presente. Na lógica da temporalidade linear, as
experiências singulares de Astérion se constituiriam num pretérito. Se o
monstro, agora, já fora encontrado, olhado, traduzido e eliminado, este
passado lhe seria o único tempo possível. Como pode, então, falar-se
no presente se se está morto? Na organização do tempo da mesmidade,
só há um presente permitido: o presente de Teseu. Entretanto, Borges
mostra presentes paralelos, apontando-nos que a temporalidade-outra
de Astérion é ingovernável para a temporalidade-mesma de Teseu.
Como defende Skliar (2003, p.39), se a temporalidade do outro não pode
ser/estar concomitantemente à realidade da mesmidade, se isto parece
ser a verdade, é porque o tempo da episteme moderna - “o tempo
~$"メ ~ ィ『"~$"nメ „イnÿ$『"~メ" ÿÓイÿ}n$~メ" nÿ メ『"~メ"$ ÿ ÿメイ$ィ イ メ"~ "
tudo que é vago, a certeza de toda palavra [...]” – proíbe a diferença.
Acontece que A casa de Astérion, deleuzianamente, constrói um
paradoxo temporal, uma vez que sua narrativa renuncia uma linha
do tempo e propõe um embaralhamento do tempo presente que se
multiplica “em trajetórias tão dissímeis que já não existe um tempo
presente, pelo menos no sentido unitário, onisciente, centralizador,
イ.メ" ィ$"ィ o ÿ oÿnÿ~$~ "~ " ィ メ " イ ¥"= `nþ# 『"←〒〒↑『" 】↓←≠】"‒『"
com isso, a literatura de Borges anuncia o quanto a temporalidade da
diferença monstruosa é insubmissa à temporalidade normal.

Da estranha casa de Astérion, de seu labirinto, obviamente, que se


fará pensar essa outra espacialidade; essa espacialidade do outro. É
dessa casa “como não há outra na face da terra”; dessa casa em que as
メ $ " .メ"~ "イ ィ メ"ÿイ}イÿ メ" "イ$ " $ÿ "“não existe uma fechadura”;
desse lugar que só se abre em bifurcações, onde cada caminho
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179
qual não é possível situar um fora e um dentro, “e não tem anverso
nem reverso, nem extremo muro nem secreto centro” (BORGES, 1984)
" " メ~ "~ÿ_ "~ " ィ$"n$ メÓ $}$"ィ o ÿ o$『" ÿ_メィ( ÿn$『"~ ~メd ( o】"
ム" ~ n イ $~メ『" ~ÿ メ『" メo̅}nメ『" ÿイ~ ィÿイ$~メ" " ÿイ ィÿイ( o"
labirinto diz de um espaço (do) outro que jamais pode ser ajustado,
Ìメ ィ$~メ『" $~$ $~メ" & o " $xメ" ~ nメ~ÿ}n( o『" nì ÿメ" ~ " イ ÿ~メ『"
de ordem, de claridade, de unidade, de previsibilidade que pertence
ao pensamento racional. Por isso, essa outra espacialidade diz que
seu habitante – a diferença monstruosa - ocupa sempre a fronteira, a
dobra, a fenda que nunca poderá ser demarcada com base na oposição
binária da espacialidade da mesmidade. Posto assim, a espacialidade
do outro - simbolizada no labirinto, na casa de Astérion – recusa
os enclausuramentos centro/margem, familiar/estranho, normal/
~ }nÿ イ 『"ÿイno .メ∴ no .メ"イメ " $ÿ 『"ìÿ メ ÿn$ィ イ 『"$"イメ ィ$oÿ~$~ "
イ $" } $ " メ" メ メ】" #" ィメイ メ ÿ~$~ " ~メ" ァÿイメ $ メ" ì$dÿ $『" メÿ 『" メ"
espaço móvel da différance ~ "} ÿ~$【" $"~ÿÌ イx$"•"ÿイno$ ÿ}n( o『"
qualquer tentativa de situá-la numa rígida distinção frustra a coerência
do raciocínio normal, pois é constituída de uma imanente potência
diferenciadora. É diferença em permanente diferenciação.

Por ser esse sempre por-vir, porque será todas as vezes o que não
se conseguirá prever, é que precisei perambular num texto que (nos)
expusesse (a)o olhar da alteridade. Precisei disso para suspeitarmos
acerca do olhar sobre a alteridade. Na literatura de Jorge Luis Borges é
o monstro, o anormal, o outro quem (nos) olha. É o monstro, o anormal,
o outro quem (nos) expressa.

A experiência da subversão do olhar é necessária para que,


atravessados que estamos, nestes dias, pelos ditos do respeito
ao diferente, não nos afaguemos na sensação de ser do lado dos
nÿ~$~.メ " ~メ" d ィ『" ~$" ì ィ$イÿ~$~ " Ì $ イ$『" ~メ" $イ} ÿ.メ" ìメ ÿ $o ÿ メ】"
A experiência da subversão do olhar é necessária para saber que
a diferença não deseja ser abrigada, ser albergada, ser incluída no
espaço e no tempo da normalidade (embora as alteridades sejam,
imensas vezes, subjetivadas e interpeladas a isso: a uma vontade de ser
mesmidade). Fundamentalmente, a experiência da subversão do olhar
•" イ n ( ÿ$" $ $" }n$ " $d イ~メ" "メ $ " $nÿ$oÿ~$~ " " メ $ "
temporalidades existem à revelia da normatizada-hetero-branca-
macho-adulta-juvenilizada-ocidental-civilizada-racional-normal
espacialidade/ temporalidade. De certo jeito, precisei me ensaiar na
expressividade de Astérion, que perverteu a mitologia clássica, para
~ÿ_ " ~ $" ÿ $【" $" ~ " " $" ~ n ÿx.メ" ~メ" ~ }nÿ イ " ィ イ $o" △"

180
ィ ィÿ}n$~メ"イメ"nメ メ"~ヨnÿo『"ÿイメn イ 『" メ『" $ ÿ メ" "= ィ" メ nメ≠" ÿo"
pelos discursos contemporâneos de inclusão - forma uma mitologia
イメ ィ$oÿ_$~$"~メ"~ }nÿ イ 『" メ イ$" "ÿイnメ イ " ィ メ" " "o$dÿ ̅イ ÿnメ"
espaço convergentes para o tempo e o espaço da normalidade. Precisei
ィ " イ $ÿ$ "~ $"ィ$イ ÿ $『" イ}ィ『" $ $"$ ÿ n$ "~ÿ_ " "イメ $"• メn$『"
talvez, esteja brilhando, no sol dessa manhã das (politicamente corretas
e aplaudidas) retóricas inclusivas, sua “espada de bronze”, sem deixar
qualquer vestígio do sangue que tem vazado do outro.

# ÿィ『"$ÿイ~$" "~ÿ$イ "~ $"} $x.メ" " メÌ ィメ " o$"$o ÿ~$~ "
- talvez porque precisamos referendar a nós mesmos - que a
experimentação deste texto nos leve a

[...]deixar-se vibrar pelo outro mais do que


pretender multiculturalizá-lo, abandonar a
homodidática para heterorrelacionar-se.[...] E
continuar desalinhados, desencaixados, surpresos
para não continuar acreditando que nosso tempo,
nosso espaço, nossa cultura, nossa língua, nossa
ィ ィÿ~$~ " ÿÓイÿ}n$ィ" メ~メ" メ" ィ メ『" メ~メ" メ"
espaço, toda a cultura, toda a língua, toda a
ì ィ$イÿ~$~ 】"= `nþ# 『"←〒〒↑『" 】←〒≠

‒イ}ィ『" $ $" 『" $イ メ" $イ メ" メ ̅ o『" ~ ÿdo ィメ " メ" ̅ィ メ" ~$"
ィ ィÿ~$~ " ィ" dメ ~ÿイ$ " メ" メ メ" $" „イnÿ$ " } $ 『" ÿ~ $oÿ_$~$ 『"
~ $ 『"$"}ィ"~ "Ì$_ "~メ"$イメ ィ$o△メ メ" ィ"doメnメ"~ " ヨ ÿ メ 】"} "
estério(tipos). De tipos estéreis, cópias do Idêntico. Que tanto quanto
possível resistamos ao desejo colonizador de inventar o outro como
o personagem principal da cena que conforta a normalidade. Que
o deixemos fora-do-ar. Na sua errância. Na sua vagabundagem. No
seu devir-louco. No seu devir-débil. No seu devir-monstro. No seu
incontrolável devir-outro.

REFERÊNCIAS

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CORAZZA, Sandra Mara. A Roda do Infantil. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 23,
n.1, p.87-141, 1998.

DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2000.

DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.

181
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

GIL, José. Metafenomenologia da monstruosidade: o devir-monstro. In: SILVA, Tomaz


Tadeu da (Org.). Pedagogia dos Monstros: os prazeres e os perigos da confusão de
fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. 4. ed. Belo


horizonte: Autêntica, 2001.

NOGUEIRA, Juslaine de Fátima Abreu. A normalidade em suspeita – ou quando a


diferença joga no labirinto. Anais do 4º SBECE - Seminário Brasileiro de Estudos Culturais
"‒~ n$x.メ"∴"→Y" ィÿイ( ÿメ"þイ イ$nÿメイ$o"~ "‒ ~メ "m o $ÿ " "‒~ n$x.メ【"~ $}メ "$ $ÿ "
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Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

ZILBERMAN, Regina. O Estatuto da Literatura Infantil. In: _____. Literatura Infantil:


autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982. p. 3-24.

þ#m‒`『" X o$ÿイ " ~ " Ë( ÿィ$" アメÓ ÿ $】" Fora do ar, o devir-outro. E, na mídia, a (d)
}nÿ„イnÿ$" ィ"n イ$" ィ"ィ$ÿ " ィ" メÓ $ィ$" $ $"イメ ィ$oÿ_$ "$"~ÿÌ イx$. Dissertação
(Mestrado em Letras) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2004.

SOBRE A AUTORA

Juslaine de Fátima Abreu Nogueira é graduada em Letras


Português-Inglês pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(1999), especialista em Literatura e Ensino pela mesma Universidade
(2001), mestre em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (2004)
e doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná. Suas
atividades estão voltadas para a área dos Estudos do Discurso e da
Educação, perseguindo os seguintes temas: Discurso, Corpo, Produção
de Subjetividades, Escola, Infância e Poder. Atualmente é professora
Assistente B na Universidade Estadual do Paraná – campus Curitiba
(Faculdade de Artes do Paraná – FAP) e Pesquisadora do Laboratório
de Investigação em Corpo, Gênero e Subjetividade na Educação (UFPR/
CNPq).

182
SOBRE VAMPIROS E OUTROS
MONSTROS SEXUAIS1
Jamil Cabral Sierra

1 ERA UMA VEZ, UM MONSTRO…

Jonathan Harker chega à remota e misteriosa


residência do Conde Drácula, resolvido a obter
provas de que o Conde é um vampiro, que vem se
alimentando do sangue de suas vítimas humanas
há vários séculos. Jonathan conseguiu penetrar na
casa aceitando ali um emprego de bibliotecário.
Um bilhete de Drácula informa-o de que seu novo
patrão teve de ausentar-se.
Enquanto espera que o conde chegue, Jonathan
espanta-se com a súbita aparição de uma
linda mulher, que lhe pede auxílio para fugir de
Drácula. Jonathan promete ajudá-la. Como para
demonstrar a sua gratidão, a mulher chega-se a
ele. Mas, na realidade, Jonathan está em grande
perigo, pois a mulher é um vampiro. Seduzindo-o,
enterra os dentes no pescoço do rapaz, que de
nada suspeita.
Mal acabou de mordê-lo, surge Drácula, possuído
de uma fúria medonha. Atira longe a mulher, e
Jonathan trava luta contra o Conde, o qual, sendo
o mais forte, domina-o facilmente. A última coisa
que Jonathan ouve, antes de perder os sentidos,
são os gritos do vampiro. Quando recupera a
consciência, sai em busca de Drácula. Encontra o
seu local de repouso num esquife, no mausoléu.
‒ィ"メ メ" ÿÌ " ("メ"nメ メ"~$"ィ oì " 『"$"}ィ"
de livrar a sua alma do poder de Drácula, Jonathan
transpassa uma estaca no seu coração. De repente,
a porta do mausoléu se fecha. Ouve-se um grito
na obscuridade: Drácula fez mais uma vítima.

1
Este texto é resultado de alguns excertos de minha dissertação de mestrado, intitulada
“Homossexuais, Insubmissos e alteridades em transe: representações da homocultura na
mídia e a diferença no jogo dos dispositivos contemporâneos de normalização”, defendida
em agosto de 2004, no Programa de Pós-graduação em Letras, da Universidade Estadual
de Maringá – UEM.

183
O corpo de Jonathan é mais tarde encontrado
pelo seu grande amigo, o famoso médico Van
Helsing, que encontra também o diário em que
o rapaz escreve suas suspeitas sobre Drácula.
Van Helsing leva a notícia da morte de Jonathan
à Lucy, noiva do assassinado. Ela está doente, de
cama, e Van Helsing logo descobre qual é seu mal.
Claramente visíveis no pescoço da moça aparecem
as reveladoras marcas de presas de vampiro.
Drácula vingou-se atrozmente da morte de sua
escrava.
Artur Holmwood, irmão de Lucy, ordena a Van
Helsing que se retire da casa. Acredita que o
médico é, de alguma maneira, responsável pela
morte misteriosa de Jonathan. Pouco depois,
Lucy falece, após Van Helsing ter ido novamente
à residência dos Holmwood e ordenado à mulher
de Artur, Mina, que se trancasse todas as janelas
~メ" $ メ" ~ " n n " " nメoメn$ " 〈メ " ~ " $oìメ"
em todos os cantos da casa, para afugentar os
vampiros. Artur torna a acusar o cientista.
É somente quando Artur vê sua irmã ressuscitar,
que Van Helsing consegue convencê-lo do que
aconteceu. Artur encontra Lucy perto da sua
sepultura, e ela tenta beber-lhe o sangue. Van
Helsing chega justo a tempo de impedi-la, e,
juntos, os dois homens perseguem-na até o seu
túmulo. Para salvar-lhe a alma, ambos sabem a
coisa horrível a fazer. Apelando para toda a sua
nメ $Ó ィ『" $イ"ë o ÿイÓ" イ}$" ィ$" $n$" メイ ÿ$Ó ~$"
no coração da moça, rompendo assim o domínio
ィ$o•}nメ"~ "} (n o$】
Artur Holmwood está decidido a ajudar Van
Helsing na missão de destruir Drácula. O médico
lembra que um esquife foi levado da casa de
Drácula, momentos antes de ele descobrir o corpo
de Jonathan no mausoléu de Drácula. Obviamente,
o esquife terá de cruzar a fronteira, onde terá
também que ser declarado o seu destino. Os dois
homens correm para a fronteira, descobrem o
endereço do agente funerário que se encarregou
do esquife e seguem para lá. Mas o caixão está
vazio. Drácula fugiu.
Van Helsing e Holmwood voltam e descobrem
que, nesse meio tempo, o Conde, aproveitando-
se da ausência deles, esteve na casa de Artur.
Mina, sozinha e dormindo no seu quarto, é a

184
última vítima do monstro. Mas, enquanto Mina
estiver viva, ainda poderá ser salva. Van Helsing
e Holmwood montam guarda, esperando pela
volta de Drácula. Mais uma vez, porém, o vampiro
consegue ludibriá-los e penetra na casa escondido
dentro de um caixote. Só muito mais tarde é que
Van Helsing e Holmwood descobrem que ele fugiu
carregando Mina consigo.
Os dois perseguem-no e atravessam a fronteira
para ir ao seu castelo solitário. Se Drácula conseguir
ganhar um pouco de tempo, ele e a moça podem
permanecer enterrados vivos durante séculos,
para depois atacar futuras gerações. Van Helsing
e Artur alcançam-no quando ele está preparando
uma sepultura para Mina.
Ao ver Van Helsing correr para ele, Drácula foge
pelo castelo, abrigando-se nas suas catacumbas.
Van Helsing persegue-o de perto e o alcança no
momento em que ele está abrindo um alçapão
$ $" nメイ~ △ 】" mメィ" $ イ$ " ィ" n nÿ} メ" $ $"
ajudá-lo, Van Helsing força Drácula a expor-se a luz
do sol que desponta, depois de haver arrancado
as pesadas cortinas do recinto. O vampiro se
contorce e grita de agonia e, em seguida, exposto
à luz, cai por terra e desintegra-se. Um pequeno
monte de poeira cinzenta é tudo o que resta do
vampiro que, por 600 anos, vinha alimentando-se
do sangue de inocentes. E, com a sua morte, Mina
volta ao mundo dos seres mortais, libertada para
sempre do poder satânico do terrível Drácula.2

2 MAIS UMA VEZ, UM MONSTRO...

O que há de proximidade entre a história de Drácula e a discussão


sobre diferença que quero propor aqui? Primeiramente, é preciso
dizer que a personagem de Drácula ajuda muito – com base
em sua monstruosidade – no entendimento da representação da
homossexualidade/bissexualidade como uma coisa monstruosa, fora

2
ィメ" nÿイ ィ$ メÓ (}nメ" ~メ" }oィ " ℃ム" $ィ ÿ メ" ~$" イメÿ ¥" =→⊇〓⊆≠『" ~ " イn " Ëÿ ì 『"
baseado no romance “Drácula” (1897), de Bram Stoker, livro que deu origem ao roteiro
não só desta, mas de uma série de películas sobre o conde Vlad, cuja a mais famosa é a
do diretor Francis Ford Coppola (Dtco"UvqmgtÓu"Ftcewnc. 1992). Esse resumo foi extraído
do livro Drácula (2003, p.25-27), editado pela Martin Claret.

185
do centro, estranha, não-familiar, tão assustadoramente repulsiva
como sedutoramente atraente... Depois, porque há, na construção da
personagem de Drácula, uma dimensão homoerótica3 bastante forte,
que parece acentuar ainda mais a sedução que o monstro de Bram
Stoker exerce sobre as/os (tele)leitoras/leitores.

Drácula fascina e aterroriza porque está justamente na fronteira: do


humano e não humano, da vida e da morte, da juventude e da velhice,
da heterossexualidade e da homossexualidade. Drácula está, portanto,
sempre escorregando de uma posição a outra. Sempre fugindo.
Sempre no limiar. Ao mesmo tempo que possui formas humanas que
lhe garantem o acesso aos contornos da humanidade, é um ser que
não se deixa enquadrar nesta categorização, uma vez que seu corpo
pode transmultar-se em morcego, em lobo, em rato, esfumaçando(-se)
a fronteira entre o mundo-humano e o mundo-animal e fazendo-nos
perguntar a nós mesmos se (só) somos (o que é ser) gente humana... Ao
mesmo tempo em que vive, Drácula experiencia a morte, como numa
espécie de existência que teima, mesmo depois de morta, continuar
ィ$ ÿ$oィ イ ∴n$ イ$oィ イ ∴nメ メ $oィ イ " イ " メ " ÿ メ 『" ~ $}$イ~メ"
nossa percepção de até onde vai (o que é?) a vida e começa (o que
é?) a morte... Ao mesmo tempo em que, como vampiro, Drácula pode
atravessar gerações e gerações, anos e anos, soprando centenas de
velinhas, seu corpo, nesta viagem atemporal, não envelhece nunca.
Permanece sempre e sempre jovem, esbelto, atraente e sedutor. Como
pode um ser que vive por milhares de anos nunca mostrar no rosto as
rugas que a velhice impiedosamente inscreve? Drácula desfaz nossa
ideia de tempo, joga por terra a noção que temos do hoje e do ontem,
~ "ィメ~メ" "}n$ィメ " ィ" $d "$ •" " メイ メ" $ィメ "=ィ ィメ≠"イメ"
presente e até onde foi (existiu?) o passado. Drácula está sempre no
futuro, num devir incontido, num tornar-se que irrita porque faz sempre
dele (o mesmo) um outro a cada instante, e por isso difícil de contê-lo,
de prendê-lo, de eliminá-lo... Ao mesmo tempo em que Drácula, como
alimento, suga o sangue de uma presa feminina, ele também crava

3
Digo que há uma atmosfera homoerótica nas narrativas sobre o conde Drácula, uma vez
que o subtexto homossexual vaza em momentos de aparição de personagens lésbicas,
nメィメ" イメ" " }oィ " ~ " mメ メo$『" メ " ~ " o$xワ " $Ì ÿ $ " d$ $イ " Ó ÿ $ " イ " ~メÿ "
vampiros, como é o caso de Lestat e Louis『"ÿイ $~メ "イメ"}oィ "~ "ア ÿo"Xメ ~$イ" メ "
メィ"m ÿ " "c $~" ÿ 『" o$x.メ" $" "イ$"} $"$ $ n " ィ" メ nメ"$ イ $~$『"ィ$ " "イメ"
livro de Anne Rice, Entrevista com o vampiro (1976), é explorada com muito vigor. Aliás,
segundo Cohen (2000, p. 28), “Anne Rice deu ao mito [de Drácula] uma reescrita moderna,
na qual a homossexualidade e o vampirismo foram reunidos de forma apoteótica [...]”.

186
suas presas no pescoço de um homem para mostrar, eroticamente, os
excitantes jogos de prazer nos quais ele se deixa envolver para seduzir
"nメイ " $" ̅ ÿィ$"$" ィ$" ÿ „イnÿ$"Ìメ $"~$ "oÿイì$ "~ }イÿ~メ $ "~メ"
correto, do aceitável, do normal, do humano. E a vítima parece abrir-se
para esta existência excêntrica, parece querer este prazer estranho que,
sensualmente, se insinua como convite a ela.

Ora, a existência vampírica parece mostrar muito da existência


homossexual/bissexual. Não à toa, a proximidade entre o universo dos
vampiros e dos homossexuais/bissexuais foi explorado na literatura,
ィ"oÿ メ "nメィメ"メ"~ " メa 『"ィ$ " $ィd•ィ"イメ"nÿイ ィ$『" ィ"}oィ "nメィメ"
o de Coppola e o de Neil Jordan, Entrevista com o Vampiro (1994),
baseado no romance de Anne Rice. Talvez, “a persistência de fábulas
sobre vampiros, duplos, golens e ciborgues dê peso à ideia de que a
dY ÿ ÿ~$~ "•"~ÿ ÿ~ÿ~$" "~ " "$"ÿ~ イ ÿ}n$x.メ"•" ィ" メn メ"ィヨ o"
e instável” (DONALD, 2000, p.108-109). Do mesmo jeito que o modo de
existir vampírico é marcado pela instabilidade e, em vista disso, deslizar
sempre, o modo de existir homossexual/bissexual também se encontra
sempre em transe, escorregando, transitando entre várias posições,
sempre no devir e, por isso, talvez, a homossexualidade/bissexualidade
repudie tanto. Essa propulsão à mudança é que ameaça. É a não
categorização fácil, o desconhecido, que irrita:

Esta recusa a fazer parte da ‘ordem das coisas’ vale


para os monstros em geral: eles são híbridos que
perturbam, híbridos cujos corpos externamente
incoerentes resistem a tentativas para incluí-los
em qualquer estruturação sistêmica. E, assim, o
monstro é perigoso, uma forma – suspensa entre
formas – que ameaça explodir toda e qualquer
distinção. (COHEN, 2000, p. 30)

É principalmente por se colocar na fronteira entre o masculino e


o feminino, ameaçando, portanto, a distinção do que caracteriza um
homem ou uma mulher, implodindo as certezas do que cabe a um e a
outro, que a existência homossexual/bissexual desestabiliza nossa vida
e faz repensar não só “porque o outro é assim”, mas também “porque
eu não sou como o outro é”... Por isso que o monstro, seja o vampiro,
seja a/o homossexual, atrai tanto: as pessoas se reconhecem neles, são
parte deles, até porque são eles sua invenção. Foi preciso criá-los como
modo de dizer que são eles (sempre os outros) as criaturas do mal, o
lado sujo da força, os disseminadores de desgraças, de doenças, os
loucos... São eles – vampiros e gays, por exemplo, mas há muitos outros

187
ィメイ メ 『"nメィメ"メ "~ }nÿ イ 『"メ "oメ nメ 『"メ "イ Ó メ 『"メ " oìメ 】】】"▲"$ "
criaturas anormais que precisam ser corrigidas, exterminadas, mesmo
que, teimosamente, a cada tentativa de eliminação, os monstros
escapem, para voltar depois a atormentar a seguridade do que se pensa
que se é. É esse jogo que seduz. É saber que por mais que se esbraveje
contra o monstro, ele vai estar sempre ali, na espreita, piscando para
nós, irresistivelmente, atraente.

O que essas histórias de vampiro dizem, portanto, ao argumento


deste texto? Ora, foi preciso inventar o anormal, o monstruoso para
Y ÿ}n$ " メ" ィ̅イÿメ" ~ " n o $ " " イ.メ" " $Y $ィ" & " nイメoメÓÿ$ "
de normalização (FOUCAULT, 2001, 2002). Em vista disso, penso que
a representação da/do homossexual/bissexual como sujeito anormal,
monstruoso, fora dos padrões humanos, em relação a um outro sujeito
(o heterossexual) tido como normal, humano faz parte da arquitetura
moderna que diagramou um mundo composto por uma legião de
Ì Ó$~メ " " ÿィ ÿィÿ " イ $" Ó イ " メ " ヨ oメ " ~ " ~ }nÿ イ 『" oメ nメ 『"
surdos, cegos, aleijados, sem-terra, não falantes da variedade padrão
da língua, não-brancos, não-ocidentais-norte-hemisféricos, latinos,
gays, lésbicas..., todas/os entendidas/os como monstros, estranhos,
excêntricos, anormais, por romperem com a racionalidade moderna que
dicotomizou o mundo em normalidade e anormalidade. No entanto,
é preciso entender que o anormal não existe, não é um fenômeno
natural que teria se desviado de uma suposta essência normal, até
porque a normalidade também não existe per se, ela só ganha forma
na contraposição com este outro-anormal-monstro.

Dessa forma, os diferentes tipos absorvidos pelo grande guarda-


chuva que agrupa esses corpos “extraviados” são produto das mais
poderosas relações de poder, relações estas que provocam as mais cruéis
formas de exclusão e assimetrias e que gesta, na contemporaneidade,
outros tipos de anormalidades, seguindo o rastro do que aconteceu
com os “monstros, onanistas e incorrigíveis” (FOUCAULT, 2002) um
certo tempo atrás. Quer dizer que sob a denominação genérica – os
anormais – condensam-se distintas identidades, cujos sentidos são
construções discursivas que, na atualidade, são chamadas de rqn vkecu"
de identidade. (VEIGA-NETO, 2001, p.105). E identidade aqui, cabe frisar,
não é a mesma coisa que diferença.

Por diferença (e direito a ela) não entendo o modelo que a considera


como espécie de erro do sistema, sujeita, portanto, ao reenquadramento
às regras gerais. Por diferença também não concebo a ideia de que,

188
ao invés de assumir que diferimos intra (já que o interior de cada
identidade também é repleto de fendas) e interculturalmente e sempre
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como parte doente do mesmo, do igual, por isso passível de cura,
de conserto, de re-ajustamento ao conjunto normativo estabelecido
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diferença que falo. Penso, isso sim, na diferença entendida como
ponto anômalo ao sistema construído como verdadeiro, um não lugar,
portanto, destituído da norma, impossível de ser corrigido e de ter seu
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supõe a relação diferença = anormal, pois por anormalidade concebe-
se aquilo que é irregular, desviante, desabitual, marginal, de um MESMO
sistema. Por isso estou de acordo com SILVA (2002, p. 65) quando ele
diz que a “diferença é mais da anomalia que da anormalidade: mais
que um desvio da norma, a diferença é um movimento sem lei”, porque
a diferença não é, ela está (sempre e misteriosamente) sendo. Assim,
insisto no sentido pós-estruturalista de diferença, que a concebe como
produto linguístico e totalmente externa ao conjunto, fora, portanto, da
ordem e do pensamento que se engravidou da norma.

Entender, portanto, a diferença como decorrente da linguagem


e como algo inscrito no movimento incontido do devir, ou seja,
como resultado dos processos múltiplos, dispersos, rizomáticos,
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que o estabelecimento do diferente, do não igual, do estranho, do
excêntrico foi discursivamente construído, com base em inúmeros
jogos linguísticos (tal como acontece também com o não diferente, o
normal). Se é assim, o diferente só vai existir num sistema de relações
- tal qual a ideia de différance, proposta por Derrida (1991), ou seja, o
diferente, para existir, necessita de seu correlato – o não diferente – e
vice-versa. Ambos são abstrações arbitrárias que não ganham vida fora
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Explico mais pausadamente: a ideia de différance proposta por


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num sistema de relação de diferenciadores, marcando a noção de
heterogeneidade. Portanto, o movimento da différance funciona como
gerador de diferenças que, por diferir e, ao mesmo tempo, postergar,
メ~ _" ÿÓイÿ}n$~メ " cf" kpÝpkvwo. Daí a différance ser marcada pela
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coisas só são a partir de um efeito de um complexo feixe de relações.

189
Por isso, concordo com Derrida quando ele diz que:

[...] a différance é o que faz com que o movimento


~$" ÿÓイÿ}n$x.メ" イ.メ" Y$" メ ̅ o" $" イ.メ" " "
cada elemento dito 'presente', que aparece sobre
a cena da presença, se relacione com outra coisa
que não ele mesmo, guardando em si a marca do
elemento passado e deixando-se já moldar pela
marca da sua relação com o elemento futuro,
relacionando-se o rastro menos com aquilo a
que se chama presente do àquilo a que se chama
passado, e constituindo aquilo a que chamamos
presente por intermédio dessa relação mesma
com o que não é ele próprio. (DERRIDA, 1991,
p.45)

Desse modo, é possível dizer que só se pode ser diferente


em relação a uma outra coisa e não se é diferente de maneira
absoluta. É-se diferente sempre em contraposição a uma outra coisa
arbitrariamente tida como não diferente4. É-se homossexual, apenas
relativamente ao heterossexual e vice-versa. Nem o gay nem o não
gay existem absolutamente. Os dois só existem na relação produzida
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homossexualidade é discursivizada como uma espécie bizarra derivada
da sexualidade dominante é porque, neste percurso, há poder.

Voltemos, pois, à história de Drácula. O vampiro de Bram Stoker se


coloca bem nesta dimensão. Ele é exemplo de como os monstros são
necessários ao estabelecimento (arbitrário, evidentemente) daquilo que
se diz que se é. Drácula existe como uma espécie de espelho invertido
do não vampiro, como categoria criada para atender as necessidades
de um outro (o humano) que se enxerga contrário a ele. Drácula precisa
existir como monstro para que Van Helsing, por exemplo, exista como
humano. Falo em Van Helsing porque na trama ele é o personagem que
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Lembremos que Helsing é um médico, detentor dos conhecimentos
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4
É importante frisar aqui que não estou entendendo “diferença” simplesmente como
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contínuos e ininterruptos de diferenciação, inclusive não só entre um “Eu” com um
“Outro”, mas entre um “si mesmo”. A diferença seria, então, este ser que (por estar
sempre em devir) nunca é.

190
o doutor ainda se alia aos poderes religiosos (cruz, água benta, fé, numa
referência à memória discursiva judaico-cristã) na luta para acabar com
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de tentativa de normalização da diferença, todo o mecanismo que faz
existir e, ao mesmo tempo, tenta extinguir o diferente.

Dessa maneira, a diferença se inscreve em corpos que impedem, de


certa forma, a mobilização social, cultural, sexual, pois delimita em que
lugares os corpos não diferentes podem trafegar. Um passo em falso,
uma escorregadela, um deslize que seja coloca o corpo construído como
normal no terreno da incerteza, da estranheza e da fronteira. Uma vez lá,
este corpo será transformado em corpo-monstro. No caso da diferença
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ser exercidas ou que devem ser exercidas apenas por meio do corpo
do monstro” (COHEN, 2000, p. 44). Assim, a alteridade – seja ela qual
for – pode ser inscrita num corpo monstruoso como forma de dizer
que o outro é que está em desacordo com as leis (naturais ou sociais)
e que, portanto, é este corpo-outro que precisa ser redirecionado à
normalidade. Essa vontade de normalização existe porque a diferença, a
alteridade que teima em desfamiliarizar-se, o outro que insiste em pulsar
fora do centro, em transitar pelas dobras, faz ver toda a fragilidade de
um sistema que se percebe mortal, relativo, dependente da estranheza
do outro, a tal ponto de não resistir a sua falta. É o humano encarando,
vertiginosamente, o limite da sua humanidade.

REFERÊNCIAS

COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz
Tadeu. Pedagogia dos Monstros. Os prazeres e os perigos da confusão de
fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 24-60.

DERRIDA, Jacques. ァ$ Ó イ " ~$" }oメ メ}$】 Tradução de: COSTA, Joaquim
Torres; MAGALHÃES, Antonio M. Campinas: Papirus, 1991.

}ムア#n}『"X$ィ 】" ~$ÓメÓÿ$"~メ "ィメイ メ 【"メ" " (" ィ"YメÓメ"イメ "}oィ "~ "
vampiro? In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org. e Trad.). Pedagogia dos Monstros.
Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica,
2000. p. 105-140.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. 14 ed. Rio de


Janeiro: Graal, 2001. v. 1.
______. Os anormais. Tradução de: BRANDÃO, Eduardo. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.

191
RICE, Anne. Entrevista com o vampiro. 10 ed. São Paulo: Rocco, 1991.

SIERRA, Jamil Cabral. Homossexuais, insubmissos e alteridades em transe.


Representações da homocultura na mídia e a diferença no jogo dos dispositivos
contemporâneos de normalização. Dissertação (Mestrado) - Universidade
Estadual de Maringá, 2004.

SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e diferença: impertinências. Educação e


Sociedade, v. 23, n. 79, p. 65-66, ago. 2002.

ム`‒ 『"c $ィ】"Drácula – O vampiro da noite. Tradução de: BITTENCOUT, Maria


Luísa de. São Paulo: Martin Claret, 2003.

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Habitantes de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 105-118.

ËÿoィメÓ $}$

Drácula (1992). Título original: Dtco"UvqmgtÓu"Ftcewnc0 Direção de Francis Ford


Coppola.
Entrevista com o vampiro (1994). Título original: Interview with the vampire.
Direção de Neil Jordan.
O Vampiro da Noite (1958). Título original: The horror of Dracula. Direção de
Terence Fisher.

SOBRE O AUTOR

Jamil Cabral Sierra é Doutor em Educação pela Universidade Federal


do Paraná UFPR, bolsista Capes/sanduíche no Instituto de Educação
da Universidade de Lisboa (2012), mestre em Letras pela Universidade
Estadual de Maringá (2004) e licenciado em Letras pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (1999). Atualmente, é Professor Adjunto da
Universidade Federal do Paraná/UFPR - Setor Litoral. É vice-coordenador
do Laboratório de Investigação em Corpo, Gênero e Subjetividade na
Educação (UFPR/CNPq) e pesquisador do Núcleo de Estudo de Gênero
(UFPR/CNPq). Tem experiência na área de Letras e Educação, com ênfase
nos seguintes temas: discurso, relações de gênero, diversidade sexual,
corpo e subjetividade e suas conexões com os estudos foucaultianos,
especialmente aqueles ligados às noções de governamentalidade e
estética da existência, bem como com os estudos queers.

192
ANALOGON
Luciana Ferreira

Toda Arte é um signo, um ícone. Um signo é uma coisa usada no lugar


de qualquer outra coisa, sendo portador de sentidos que pressupõem
vínculos com a experiência sensível dos indivíduos. Sendo assim o signo
artístico, linguagem analógica, carrega sempre uma mensagem. Não
creio que seja necessário falar por uma imagem, uma vez que ela “fala”
por si mesma e, ao mesmo tempo, “fala” de diferentes formas com cada
observador. Entretanto, para mim, esta imagem “fala” sobre a dor. A
dor daquele que fere ou é ferido no momento em que a “normalidade
imposta” é colocada em jogo. Neste momento de horror, nos tornamos
corpos dilacerados, nos tornamos perversos. Ninguém sai ileso.

193
SOBRE A AUTORA

Luciana Ferreira possui graduação em Artes Plásticas pela Faculdade


de Artes do Paraná - FAP (1996), Especialização em Metodologia
do Ensino da Arte pela FAP/IBepx e Mestrado em Comunicação e
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Território, Cultura e Representação, pela UFPR. Atualmente, é Professora
Adjunta da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de
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nos seguintes temas: Arte, Artes Visuais, Arte Contemporânea.

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