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D.

DIREITO À SAÚDE

IMPLICAÇÕES SOCIAIS
PROGRESSO CIENTÍFICO
DISPONIBILIDADE E QUALIDADE

“Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família
a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamen-
to, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários […]”
Artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948.
166 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

HISTÓRIA ILUSTRATIVA
A história de Maryam

Maryam tem 36 anos de idade e é mãe de gua materna de Maryam, preferiu falar na
seis crianças. Cresceu numa aldeia longe língua dominante falada na capital e entre
dos centros urbanos e deixou de estudar a classe educada. A enfermeira intimidou
quando terminou o segundo ano. Os seus Maryam.
pais eram pobres e a escola era a quatro A sua vida foi uma longa saga de violên-
quilómetros a pé da sua aldeia. O seu pai cia, pobreza e carência. Maryam lutou
acreditava que a educação de uma menina para manter o seu corpo e alma juntos, ao
era uma perda de tempo e de esforço, uma longo das suas várias gravidezes e da edu-
vez que as meninas estão destinadas ao cação dos seus filhos. Ela cultivava uma
casamento e não a ganhar o sustento. pequena área de terra para alimentar as
Quando tinha 12 anos, Maryam foi circun- suas crianças porque o marido nunca lhe
cidada de acordo com o costume local. dava dinheiro suficiente. Recorreu aos pais
Aos 16 anos casou com um homem nos e até a missionários que visitavam a al-
seus 50 anos. O pai recebeu uma quantia deia. Todos lhe disseram para obedecer ao
substancial paga pelo noivo a título de marido e lembraram-lhe que o seu dever
dote. No ano seguinte, ela deu à luz um ra- era obedecer ao marido e família.
paz, mas a criança nasceu morta. A clínica Um dia o marido acusou Maryam de “fa-
regional era a 10 quilómetros da aldeia e zer companhia” a outro homem. Ele afir-
não assistia aos partos. O marido batia- mou que a viu a rir e a conversar com um
lhe muitas vezes durante a gravidez e ela aldeão local, num dia de mercado. Quan-
acreditava que o bebé tinha nascido morto do ela respondeu, ele agrediu-a repetida-
devido a esses espancamentos. Contudo, mente, esmurrando-a até ela cair no chão,
a família e muitos da aldeia colocaram a chamando-a de prostituta e jurando que ia
culpa pelo nascimento da criança morta vingar a sua desonra. Maryam ficou grave-
sobre ela. Maryam não tinha qualquer de- mente ferida e pensou que tinha fraturado
sejo de ter relações sexuais com o marido. algumas costelas. Durante semanas não
Ela tinha medo dele e temia uma gravidez. conseguiu sair de casa. Ela não tinha di-
O marido considerava que era seu direito nheiro para ir a um centro de saúde para
manter relações sexuais com ela e obriga- receber tratamento e não existia forma de
va-a, regularmente, a fazê-lo. Maryam não lá conseguir chegar. Ninguém na vila a aju-
queria engravidar mas não teve outra al- dou, embora algumas pessoas pensassem
ternativa. Ela visitou um curandeiro local, que, desta vez, o marido tinha ido longe
tomou misturas de ervas e usou amuletos demais. Uma mulher é assunto do marido.
que não trouxeram qualquer resultado. Incapaz de ir ao mercado para comprar e
Raramente tinha tempo para ir à clínica de vender e de tratar do seu quintal, Maryam
saúde e quando foi, porque os seus filhos e os filhos quase passaram fome.
estavam doentes, não conseguiu falar de Maryam sentiu que iria existir violência
contraceção com a enfermeira. A enfer- no futuro. Temeu pela sua vida e das suas
meira, embora parecesse perceber a lín- crianças. Num sonho, ela viu a sua própria
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morte e percebeu que tinha de partir. As- 2. Como foi ela tratada pelas figuras de
sim que conseguiu andar, pegou nos dois autoridade (pai, marido, enfermeira e
filhos mais pequenos e deixou a aldeia. missionário)? Porquê?
Agora vive noutra aldeia, uma refugiada 3. Que impacto teve a pobreza na vida de
no seu próprio país, vivendo no medo de Maryam e na dos seus filhos? Acha que
ser encontrada pelo marido e ser levada de Maryam e o marido eram igualmente
volta para casa. pobres?
(Fonte: Adaptado da Organização Mundial 4. Como é que posicionaria cada grupo
de Saúde. 2001. Transforming Health Sys- (homens, mulheres e crianças) na co-
tems: Gender and Rights in Reproductive munidade da Maryam, no que respeita
Health.) ao seu estatuto e poder? Justifique.
5. Que informação necessitaria Maryam
Questões para debate para mudar as circunstâncias da sua
Repare nos pontos de debate listados infra vida e a das suas crianças?
da perspetiva da definição de saúde, tal 6. Embora exista um centro de saúde na
como declarada na constituição da Organi- região, ele foi útil para a Maryam? Justi-
zação Mundial da Saúde (OMS), de 1946, fique.
“[…] um estado de completo bem-estar fí- 7. Observe o esquema abaixo: são dados
sico, mental e social, e não consiste apenas exemplos das interligações entre saúde
na ausência de doença ou enfermidade.” e direitos humanos. Que interligações se
1. Quando começaram os problemas de relacionam diretamente com as questões
Maryam? apresentadas na história da Maryam?

Saúde &
Direitos
Humanos
168 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

A SABER
1. O DIREITO HUMANO À SAÚDE NUM alimentação, ao vestuário, ao alojamento,
CONTEXTO MAIS ALARGADO à assistência médica e ainda quanto aos
serviços sociais necessários […]”.
O direito humano à saúde apresenta um vas- Uma definição ampla e visionária da saú-
to e complexo conjunto de questões inter- de é estabelecida no preâmbulo da Cons-
ligadas porque a saúde e o bem-estar estão tituição da Organização Mundial de Saúde
intrinsecamente ligados a todas as etapas (OMS): “[…] um estado de completo bem-
e aspetos da vida. Nos instrumentos inter- estar físico, mental e social, e não consiste
nacionais de direitos humanos encontram- apenas na ausência de doença ou de enfer-
se direitos específicos relacionados com a midade.”. Esta visão holística da saúde en-
saúde. Essencialmente, todos os direitos fatiza o facto de que muitas das políticas
humanos são interdependentes e interrela- que determinam a saúde são feitas fora do
cionados. Assim, a realização dos direitos setor convencional da saúde e afetam as
humanos e a negligência relativamente aos determinantes sociais da saúde.
mesmos ou a sua violação é relevante para
um conjunto de direitos humanos e não A OMS atribui uma importância crescente
para, apenas, um direito isolado. Esta in- à operacionalização dos princípios de di-
terconectividade torna-se evidente quando reitos humanos no seu trabalho e foca-se
se considera que o bem-estar humano (isto em três áreas principais: apoiar governos
é, a saúde) requer a satisfação de todas as na adoção e implementação de uma abor-
necessidades humanas, tanto físicas, tais dagem baseada nos direitos humanos ao
como a necessidade de ar, água, alimento e desenvolvimento da saúde, fortalecimento
sexo, como sociais e psicológicas, tais como das capacidades da OMS para integrar a
a necessidade de amor e pertencer a grupos abordagem baseada nos direitos humanos
de amigos, família e comunidade. no trabalho da OMS e promover o direito
Os direitos humanos encontram-se ligados à saúde no direito internacional e nos pro-
às obrigações dos Estados de contribuir cessos de desenvolvimento. A organização
para o cumprimento dessas necessidades adotou um documento com a sua posição
e de permitir a grupos e indivíduos viver sobre atividades de saúde e direitos huma-
com dignidade. A seguir à Segunda Guerra nos no seio da OMS, com o intuito de inte-
Mundial, a Carta das Nações Unidas tor- grar os direitos humanos no âmbito do seu
nou claro que os Estados-membros têm trabalho e de assegurar que o estatuto dos
obrigações a respeito dos direitos huma- direitos humanos seja elevado à condição
nos. O direito humano à saúde foi torna- de um elemento essencial nos sistemas na-
do explícito, em 1948, na Declaração Uni- cionais públicos de saúde.
versal de Direitos Humanos (DUDH), no
artº 25º que afirma que “Toda a pessoa Saúde e Segurança Humana
tem direito a um nível de vida suficiente
para lhe assegurar e à sua família a saú- O número crescente de conflitos arma-
de e o bem-estar, principalmente quanto à dos e emergências e o extenso número
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de refugiados que procuram proteção da micos, Sociais e Culturais (PIDESC), em


guerra e de desastres naturais colocam o 1966. Este tratado foi adotado ao mesmo
direito humano à vida no centro do di- tempo que o Pacto Internacional sobre os
reito à saúde. As organizações, como o Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Esta se-
Comité Internacional da Cruz Vermelha, paração, através dos dois Pactos, em duas
os Médicos para os Direitos Humanos, categorias era sintomática das tensões da
os Médicos sem Fronteiras e os Médicos Guerra Fria durante a qual os países do
do Mundo, mobilizam profissionais da leste deram prioridade aos direitos hu-
saúde para aplicarem uma abordagem manos do PIDESC, enquanto os países
baseada nos direitos humanos, com o ocidentais promoveram os direitos civis e
intuito de assegurar o direito à saúde políticos como o centro das preocupações
em emergências e outras situações de de direitos humanos. Até à data, o PIDCP
insegurança humana. A violência é um foi ratificado por 167 países e o PIDESC
enorme problema de saúde pública e um por 160.
sério obstáculo à realização do direito
à saúde. Cada ano, milhões de pesso- O texto do artº 12º do PIDESC é pedra
as morrem em resultado de ferimentos basilar do direito à saúde e estabelece:
devidos à violência. Outras sobrevivem
mas vivem com incapacidades, tanto fí- 1. Os Estados Partes no presente Pac-
sicas como psicológicas. A violência po- to reconhecem o direito de todas as
de-se prevenir. É resultado de complexos pessoas de gozar do melhor estado
fatores sociais e ambientais. A experiên- de saúde física e mental possível de
cia da violência coletiva, que acontece atingir.
durante guerras civis e internacionais 2. As medidas que os Estados Partes no
num país, é referida como algo que torna presente Pacto tomarem com vista a
o uso da violência, nesses países, cada assegurar o pleno exercício deste di-
vez mais comum. reito deverão compreender as medi-
das necessárias para assegurar:
2. DEFINIÇÃO a) A diminuição da mortinatalidade
E DESENVOLVIMENTO e da mortalidade infantil, bem
DA QUESTÃO como o são desenvolvimento da
Saúde e Direitos Humanos criança;
Existem relações importantes entre saúde b) O melhoramento de todos os as-
e direitos humanos. As áreas de interseção petos de higiene do meio ambien-
incluem: violência, tortura, escravidão, te e da higiene industrial;
discriminação, água, alimentação, habi- c) A profilaxia, tratamento e contro-
tação e práticas tradicionais, nomeando lo das doenças epidémicas, endé-
apenas algumas. micas, profissionais e outras;
O compromisso da DUDH para o direito
d) A criação de condições próprias a
humano à saúde, como uma parte do di-
assegurar a todas as pessoas ser-
reito a um adequado padrão de vida, foi
viços médicos e ajuda médica em
tornado mais explícito no artº 12º do Pac-
caso de doença.
to Internacional sobre os Direitos Econó-
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Existem vários tratados regionais de di- saúde, assim como de programas, que têm
reitos humanos que foram mais longe na de estar disponíveis em quantidade sufi-
definição do direito à saúde, incluindo o ciente.
artº 11º da Carta Social Europeia de 1961, A acessibilidade das instalações, bens e
que foi revista em 1996, o artº 10º do Pro- serviços para a saúde exige a não discrimi-
tocolo Adicional à Convenção Americana nação, a acessibilidade física, a acessibili-
sobre Direitos Humanos em Matéria de Di- dade económica e a informação adequada.
reitos, Sociais e Culturais de 1988 e o artº A aceitabilidade exige que todos os servi-
16º da Carta Africana dos Direitos Huma- ços de saúde, bens e serviços devam res-
nos e dos Povos, de 1981. peitar a ética médica e ser culturalmente
apropriados, sensíveis ao género e às con-
“É meu objetivo que a saúde seja, final- dições do ciclo da vida, assim como pro-
mente, vista não como uma bênção pela jetados para respeitar a confidencialidade
qual se espera, mas, sim como um direito e melhorar a saúde e o estado da saúde
humano pelo qual se tem de lutar.” daqueles a quem se dirige.
Kofi Annan A qualidade requer que os serviços de
saúde, bens e serviços devam ser cientí-
Os governos abordam as suas obrigações fica e medicamente apropriados e de boa
sob o artº 12º do PIDESC de forma dife- qualidade.
rente e o organismo encarregado de mo-
nitorizar a aplicação do Pacto procurou “O ser humano é a cura do ser humano.”
esclarecer as obrigações dos Estados com Provérbio tradicional Wolof
o seu Comentário Geral nº14, um texto
interpretativo adotado em maio de 2000. Não Discriminação
Este Comentário Geral demonstra como A discriminação em razão do género, et-
a realização do direito humano à saúde nia, idade, origem social, religião, defi-
depende da realização de outros direitos ciência física ou mental, estado de saúde,
humanos, incluindo os direitos à vida, ali- identidade sexual, nacionalidade, estado
mentação, habitação, trabalho, educação, civil, estatuto político ou outro pode pre-
participação, usufruto dos benefícios do judicar o gozo do direito à saúde. Parti-
progresso científico e sua aplicação, liber- cularmente importante neste sentido são
dade de procurar, receber e transmitir in- a DUDH, a Convenção Internacional so-
formações de todos os tipos, não discrimi- bre a Eliminação de Todas as Formas de
nação, proibição da tortura e liberdade de Discriminação Racial (CIEDR), de 1965,
associação, reunião e circulação. e a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação con-
Disponibilidade, tra as Mulheres (CEDM), de 1979, todas
Acessibilidade, elas se referindo ao acesso à saúde e a
Aceitabilidade e Qualidade cuidados médicos sem discriminação. Os
O Comentário Geral também estabelece artos 10º, 12º e 14º da CEDM afirmam
quatro critérios para, através deles, avaliar os direitos iguais das mulheres no aces-
o direito à saúde: so a cuidados médicos, incluindo pla-
A disponibilidade inclui o funcionamento neamento familiar, serviços apropriados
da saúde pública e dos bens e serviços de para os cuidados da saúde reprodutiva e
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gravidez e serviços de cuidado de saúde dos países em desenvolvimento. O aces-


familiar. so limitado a terapias antirretrovirais tem
aumentado a consciência de que para se
Não Discriminação alcançar o maior nível de saúde possível,
Direitos Humanos das Mulheres as pessoas em todo o mundo devem ter
a oportunidade de fazer uso do conheci-
A Declaração de Pequim e a Plataforma mento científico relevante para a saúde e
para a Ação (1995), cujo conteúdo foi prosseguir livremente a investigação cien-
confirmado pela reunião Pequim+10 em tífica. Desde há muito tempo, os governos
2005, põem no centro a visão holística da reconheceram no artº 15º do PIDESC o di-
saúde e a necessidade de incluir a total reito “a beneficiar do progresso científico e
participação das mulheres na sociedade, das suas aplicações” e a sua obrigação de
do seguinte modo: “a saúde das mulheres conservar, desenvolver e difundir a ciência
envolve o seu bem-estar emocional, social e a pesquisa científica. Ao mesmo tempo,
e físico e é determinado pelo contexto so- o artº 15º também protege os interesses
cial, político e económico das suas vidas, dos autores de produção científica, literá-
assim como pela biologia. Para alcançar ria e artística. O direito a beneficiar de
uma saúde ótima, a igualdade, incluindo a medicamentos que salvam vidas é preju-
partilha de responsabilidades familiares, o dicado pelos direitos de propriedade inte-
desenvolvimento e a paz são condições ne- lectual que protegem os direitos de patente
cessárias”. Estes princípios são integrados das companhias farmacêuticas. As políti-
no sistema das Nações Unidas e através cas de certos países como a África do Sul,
dos esforços das organizações não gover- Índia, Brasil e Tailândia para ultrapassar
namentais (ONG). As mulheres, crianças, obstáculos relativos à proteção de patentes
pessoas com deficiência, povos indígenas conduziram a uma decisão da Conferência
e tribais estão entre os grupos vulneráveis Ministerial de Doha, em 2001. Os mem-
e marginalizados que sofrem de proble- bros da Organização Mundial do Comér-
mas de saúde devido à discriminação. Um cio (OMC) concordaram que as regras que
exemplo da elaboração do direito à saúde, protegem tais patentes “ […] devem ser
como o ocorrido no caso das mulheres, interpretadas e implementadas de forma
ilustra a ênfase crescente na obrigação dos a apoiar os direitos dos membros da OMC
governos de contribuir para a plena reali- para proteger a saúde pública e, em parti-
zação desse direito. cular, para promover acesso a medicamen-
tos para todos.” Além disto, faz referência
Direitos Humanos das Mulheres específica ao direito de cada Estado “[…]
Direitos das Crianças a determinar o que constitui uma emergên-
Não Discriminação cia nacional ou outras circunstâncias de
Direitos das Minorias urgência extrema [permitindo as licenças
compulsórias]; é assim entendido que a
O Direito de Beneficiar crise de saúde pública, incluindo as rela-
do Progresso Científico tivas ao VIH/ SIDA, tuberculose, malária
A pandemia da SIDA revelou a urgência e outras epidemias, pode representar uma
de tornar os medicamentos e o conheci- emergência nacional ou outras circunstân-
mento científico disponíveis às pessoas cias de extrema urgência.”.
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(Fonte: OMC.2001. Doha Declaration on pela preocupação relativamente ao di-


the TRIPS Agreement and Public Health.) reito à saúde. Um exemplo de crescente
consciencialização sobre a necessidade
Globalização de uma melhor regulação tem ocorrido
e o Direito Humano à Saúde em relação às licenças farmacêuticas.
Desde os anos 70 que a economia mundial Através da Declaração de Doha (2001) so-
se tem modificado drasticamente devido bre o Acordo TRIPS e a saúde pública, já
à globalização, o que tem tido impactos referidos na seção anterior, os membros
diretos e indiretos na saúde. Alguns resul- da OMC aceitaram que os governos po-
tados conduziram a alterações positivas, deriam conceder licenças compulsórias
tais como: o aumento nas oportunidades para produzir medicamentos em caso de
de emprego, a partilha de conhecimento emergência (artº 5º), que a ajuda deveria
científico e o aumento do potencial para ser fornecida aos países sem capacidade
a oferta de um nível elevado de saúde, em para produzir produtos farmacêuticos
todo o mundo, permitido pelas parcerias (artº 6º) e que os países desenvolvidos
entre os governos, sociedade civil e em- devem assistir os países em desenvolvi-
presas. Contudo, as consequências nega- mento a obter transferência de tecnologia
tivas têm sido numerosas, uma vez que a e conhecimento na área dos produtos far-
liberalização do comércio, o investimento macêuticos (artº 7º).
em países com baixos padrões laborais e A decisão do Conselho Geral da OMC, em
a comercialização de novos produtos em agosto de 2003, substituída pela emenda
todo o mundo tem, em alguns casos de- do Acordo TRIPS negociada em 2005, per-
vido ao fracasso de alguns governos ou mite aos países conceder licenças com-
à falta de regulação, produzido benefí- pulsórias para a produção de medicamen-
cios desiguais entre e dentro dos países tos patenteados para serem exportados,
e, por essa via, trouxe impactos negativos em particular, para países menos desen-
à saúde. A capacidade dos governos para volvidos que têm pouca ou nenhuma ca-
mitigar as possíveis consequências nega- pacidade de produção.
tivas do crescente aumento das trocas de
bens, capital, serviços, pessoas, culturas e “Os seres humanos encontram-se no centro
conhecimentos, para além das fronteiras das preocupações para o desenvolvimento
nacionais, não tem sido capaz de acom- sustentável.”
panhar o ritmo deste movimento. Ao mes- Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Am-
mo tempo, as companhias multinacionais biente e o Desenvolvimento. 1992.
têm sido capazes de fugir à prestação de
contas. Por exemplo, de acordo com a Uni- Desta forma, as necessidades de saúde pú-
dade de Ação sobre Saúde e Economia da blica têm prioridade sobre os direitos de
Organização Mundial de Saúde, as subs- patente. Contudo, existe a preocupação
tâncias prejudiciais, como o tabaco, são de que estas realizações possam ser no-
livremente comercializadas sem proteção vamente limitadas através das chamadas
adequada para a saúde das populações. regras TRIPS-plus, contidas nos acordos de
O desafio às leis e práticas comerciais, comércio bilaterais e regionais, que estão
com base no Direito dos direitos huma- a criar novos desafios ao direito à saúde e
nos, tem sido motivado, em grande parte, ao direito à vida.
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em desenvolvimento são particularmente


Saúde e Ambiente afetadas por doenças transmissíveis e le-
O direito a um ambiente saudável, como sões, sendo que nos países desenvolvidos
declarado na Res. 45/94, de 14 de dezem- são mais frequentes as doenças cardio-
bro de 1990, da Assembleia-Geral da ONU vasculares e o cancro. As estratégias pú-
invoca que as pessoas têm o direito “[…] blicas e de prevenção para a redução ou
a viver num ambiente adequado para a eliminação dos riscos ambientais para a
sua saúde e bem-estar.” Este direito foi saúde seriam um modo economicamente
reconhecido em 90 constituições nacio- eficiente de contribuir para a saúde públi-
nais, incluindo a maioria das constituições ca em todas as comunidades. Ações como
nacionais aprovadas desde a Conferência a supressão progressiva da gasolina com
do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimen- chumbo (uma causa de atrasos mentais
to (1992). A Cimeira da Terra no Rio de em crianças em várias regiões) demons-
Janeiro e o Plano adotado como Agenda tram que o sucesso é possível. No entanto,
21 (1992) criaram uma moldura política importantes iniciativas como o Objetivo
única que reuniu preocupações sociais, de Desenvolvimento do Milénio nº 7 que
económicas e ambientais como pilares in- visa a redução para metade da proporção
terdependentes do desenvolvimento sus- de pessoas sem acesso sustentável a água
tentável. A água e ar seguros e limpos e potável e saneamento até 2015 ainda têm
o adequado abastecimento de alimentos um longo caminho a percorrer.
nutricionais estão todos relacionados com (Fonte: OMS. 2006. Preventing Disease
um ambiente saudável e a realização do Through Healthy Environments: Towards
direito à saúde. A Cimeira Mundial sobre an estimate of the environmental burden
Desenvolvimento Sustentável, em Joanes- of disease).
burgo, em 2002, reviu a implementação Diversos documentos de direitos huma-
da Agenda 21. No Plano de Implementa- nos estabelecem uma ligação entre a saú-
ção de Joanesburgo, foi expresso um forte de e o ambiente, como a Carta Africana
compromisso para melhorar globalmente dos Direitos Humanos e dos Povos (no
os sistemas de informação da saúde e a seu artº 24º) e o Protocolo Adicional à
literacia sobre saúde, para reduzir a preva- Convenção Americana sobre Direitos Hu-
lência do VIH/SIDA, para reduzir elemen- manos em Matéria de Direitos Económi-
tos tóxicos no ar e na água e para integrar cos, Sociais e Culturais (no seu artº 11º).
preocupações de saúde na erradicação da A jurisprudência de órgãos de direitos
pobreza. humanos confirma esta ligação. Numa
No entanto, um quarto de todas as doen- comunicação apresentada à Comissão
ças ao nível mundial, desde a diarreia a Africana dos Direitos Humanos e dos Po-
infeções e cancro, são causadas pela po- vos, em 1996, várias ONG alegaram que
luição ambiental. Sendo que mais de um o governo militar da Nigéria esteve direta-
terço das doenças é atribuível a causas mente envolvido na produção de petróleo,
ambientais, as crianças suportam uma através da companhia petrolífera estatal e
parte desproporcionada deste fardo. Os a Shell Petroleum, e que estas operações
riscos ambientais influenciam em mais de causaram degradação ambiental e proble-
80% das doenças regularmente relatadas à mas de saúde entre a população Ogoni,
Organização Mundial da Saúde. As regiões resultantes da contaminação do ambiente.
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Em outubro de 2001, a Comissão Africana terapias manuais e espirituais.” A prática


concluiu que a República Federal da Nigé- da MT está intimamente ligada ao direito à
ria tinha violado sete artigos da Carta Afri- cultura, às leis de proteção da propriedade
cana dos Direitos Humanos e dos Povos, intelectual, o direito à terra e o direito ao
inclusive, o direito à saúde. Numa decisão desenvolvimento sustentável. Reconhecen-
de 2007 do Tribunal Interamericano de Di- do o uso alargado e os benefícios da MT
reitos Humanos (o caso povo de Saramaka e a importância das terapias economica e
c. Suriname), este considerou o Suriname culturalmente apropriadas, a OMS desen-
responsável por violações de direitos hu- volveu uma Estratégia de Medicinas Tradi-
manos, incluindo o direito à saúde, causa- cionais (2002-2005) para auxiliar a garantir
das pela degradação ambiental resultante o uso racional da MT por todo o mundo em
da exploração florestal e de minas de ouro. desenvolvimento.
Em outros casos, o direito à saúde pode
Direitos das Minorias ser negligenciado ou violado devido às
relações de poder desiguais baseadas no
3. PERSPETIVAS género, idade, religião, etnia, etc., que
INTERCULTURAIS existem dentro dos grupos e são conside-
E QUESTÕES CONTROVERSAS radas fundamentalmente ligadas à cultura.
De novo, aplica-se o princípio básico da
A Declaração de Viena de 1993 torna claro não discriminação. A mutilação genital
que as diferenças devem ser reconhecidas, feminina (MGF) é uma prática que tem
mas não de forma a negar a universalidade uma ampla incidência em grande parte de
dos direitos humanos. O Comentário Geral África e partes do Mediterrâneo e Médio
nº 14 do CDESC sobre o Direito à Saúde Oriente. A prática, embora muitas vezes
incide sobre esta consciencialização, exi- falsamente atribuída à religião, tem uma
gindo que as instalações de saúde, bens história que remonta há 2000 anos. A
e serviços sejam culturalmente apropria- prática pode impossibilitar gravemente o
dos. Um aspeto cultural do direito humano bem-estar físico e psicológico das meninas
à saúde é a ênfase colocada sobre o sistema e das mulheres.
biomédico da saúde e, por isso, sobre o en- De acordo com uma declaração conjunta
tendimento de como realizar o direito hu- da OMS, da UNICEF e do Fundo para a
mano à saúde. Contudo, em muitos lugares População da ONU, de fevereiro de 1996,
do mundo, a medicina tradicional (MT) “é inaceitável que a comunidade interna-
domina a prática dos cuidados de saúde. cional continue passiva em nome de uma
Em África, mais de 80% da população uti- visão distorcida de multiculturalismo. O
liza a MT para ajudar a satisfazer as suas comportamento humano e os valores cultu-
necessidades de cuidados médicos. Na Ásia rais, por muito que pareçam sem sentido ou
(na China, em particular), América Latina e destrutivos, segundo uma perspetiva pesso-
entre as populações indígenas da Austrália al e cultural das outras pessoas, têm senti-
e das Américas, a MT é usada por mais de do e cumprem uma função para os que os
40%). A OMS define MT como terapias que praticam. Contudo, a cultura não é estática
“[…] envolvem o uso de medicamentos com estando em fluxo constante, adaptando-se
base em plantas, partes de animais e/ou mi- e reformando-se”. Em 2008, as três organi-
nerais; e terapias não medicamentosas […], zações atualizaram a sua declaração que
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apresentou novos factos sobre a prática e ser proativo na garantia do acesso aos cui-
salientou os aspetos de direitos humanos dados de saúde. Por exemplo, um número
e jurídicos. No mesmo ano, a Assembleia suficiente de clínicas de saúde deveria ser
Mundial da Saúde da OMS aprovou uma estabelecido para servir a população e es-
resolução sobre a eliminação da MGF que tas clínicas deveriam fornecer serviços de
se focou na importância da ação concer- acordo com os meios das populações que
tada entre os setores da saúde, educação, servem. O Estado deve publicitar a locali-
finanças, justiça e assuntos das mulheres. zação, serviços e requisitos da clínica. Isto
não pode ser garantido se os cuidados de
Direitos Humanos das Mulheres saúde forem relegados apenas para o setor
privado.
4. IMPLEMENTAÇÃO
E MONITORIZAÇÃO Limitações
ao Direito Humano à Saúde
Respeitar, Proteger Alguns direitos humanos são tão essen-
e Implementar ciais que não podem jamais ser limitados.
o Direito Humano à Saúde Estes incluem a proibição da tortura e da
As obrigações governamentais para garan- escravidão, e a liberdade de pensamento.
tir que os membros da sociedade usufru- Outros direitos humanos podem ser limi-
am do maior padrão de saúde possível re- tados quando o bem público tem priori-
querem um conjunto de compromissos. A dade sobre o direito individual. O artº 4º
obrigação de respeitar o direito humano do PIDESC permite limitações apenas se
à saúde significa que o Estado não pode as mesmas forem previstas por lei e ape-
interferir ou violar o direito. Um exemplo nas na medida em que as mesmas sejam
seria recusar prestar cuidados de saúde a compatíveis com a natureza desses direi-
certos grupos, tal como as minorias étni- tos e tenham como fim exclusivo a pro-
cas ou prisioneiros, e arbitrariamente re- moção do bem-estar geral numa sociedade
cusar cuidados de saúde, como no caso de democrática. Proteger o direito à saúde em
não permitir às mulheres serem cuidadas termos de saúde pública tem sido usado
por médicos e não providenciar médicas. pelo Estado como uma razão para colocar
Proteger o direito à saúde significa que restrições sobre outros direitos humanos.
o Estado deve prevenir que atores não es- É normalmente num esforço para prevenir
tatais interfiram de algum modo no gozo a propagação de doenças infecciosas que
do direito humano. Um exemplo seria têm sido limitadas outras liberdades. Ini-
evitar que uma empresa despejasse resí- bir a liberdade de movimento, estabelecer
duos tóxicos numa rede de abastecimen- quarentenas e isolar pessoas são medidas
to de água. Se a violação ocorre, o Estado que têm sido usadas para prevenir a pro-
deve fornecer à população algum tipo de pagação de doenças graves e transmissí-
compensação. Isto também significa que o veis, como o ébola, a SIDA, a febre tifoi-
Estado é obrigado a adotar a legislação ne- de e a tuberculose. Em certos momentos,
cessária e adequada, nomeadamente, leis estas medidas foram excessivas. De forma
reguladoras e de monitorização da gestão a prevenir os abusos de direitos humanos
de resíduos tóxicos. A implementação do cometidos em nome da saúde pública, as
direito à saúde significa que o Estado deve ações restritivas devem ser desenvolvidas
176 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

pelo governo apenas em último recurso. Estes relatórios sombra oferecem a visão
Os Princípios de Siracusa sobre as Dispo- da sociedade civil e podem não estar de
sições de Limitação e Derrogação no Pac- acordo com o relatório do governo. Toda
to Internacional sobre os Direitos Civis e a informação submetida é tida em conta
Políticos, de 1984, dão orientações a este quando o órgão do tratado prepara Co-
respeito e fornecem um quadro definido mentários e Observações Finais. Embora
estritamente sob o qual essas restrições não exista forma de impor o seu cumpri-
podem ser impostas. mento, este relatório torna-se parte do
Qualquer restrição: registo público e, a este respeito, o país
- deve estar prevista e ser imposta de acor- pode não desejar ser acusado de abusos
do com a lei; de direitos humanos que possam ter, en-
- deve aplicar-se no interesse de um objeti- tre outras consequências, um impacto di-
vo legítimo de interesse geral; reto sobre as relações com outros países.
- deve ser estritamente necessária numa Quando o Protocolo Facultativo ao Pacto
sociedade democrática para alcançar o ob- Internacional sobre os Direitos Econó-
jetivo; micos, Sociais e Culturais, adotado em
- deve aplicar-se se não existir outro meio 2008, entrar em vigor4, um mecanismo de
disponível, menos intrusivo e restritivo, queixas individuais também contemplará
para alcançar o mesmo fim; o direito à saúde e permitirá que o Comité
- não deve ser planeada ou imposta de for- dos Direitos Económicos, Sociais e Cultu-
ma arbitrária, ou seja, de forma discrimi- rais decida sobre casos individuais.
natória ou não razoável. O Relator Especial sobre o direito de to-
dos à satisfação do mais alto padrão atin-
Mecanismos de Monitorização gível de saúde mental e física, estabele-
Garantir que os governos cumpram com cido, em 2002, pela (então) Comissão de
as suas obrigações de respeitar, proteger e Direitos Humanos da ONU e mantido pelo
implementar o direito à saúde requer me- Conselho de Direitos Humanos compila
canismos, tanto ao nível nacional como informação e conduz um diálogo com os
internacional. Ao nível nacional, as co- governos e as partes interessadas, informa
missões governamentais, os provedores regularmente sobre o estado do direito à
de justiça e as ONG podem participar num saúde, incluindo leis, políticas, boas prá-
processo de revisão formal, assim que o ticas e obstáculos e faz as recomendações
país tenha ratificado o tratado que garan- necessárias. Para este fim, o Relator faz vi-
te o direito à saúde. Cada parte no tratado sitas aos diversos países e reage a alegadas
de direitos humanos deve apresentar um violações do direito à saúde.
relatório a um órgão de monitorização do
tratado, por exemplo, o Comité dos Di-
reitos Económicos, Sociais e Culturais. 4
Nota da versão em língua portuguesa: O Protocolo
No momento da revisão, as ONG também Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos
submetem relatórios que são muitas ve- Económicos, Sociais e Culturais entrou em vigor no
dia 5 de Maio de 2013 tendo, nessa data, 10 Estados
zes referidos como “relatórios sombra”.
Partes.
D. DIREITO À SAÚDE 177

CONVÉM SABER
Comissões de Cidadãos e Políticas de
1. BOAS PRÁTICAS Saúde Pública
As Comissões de Cidadãos (CC) são um
Prevenção do VIH/SIDA novo modelo para adotar decisões políti-
Histórias de sucesso no Cambodja, no cas de saúde pública. Os modelos no Rei-
Uganda, no Senegal, na Tailândia, na Zâm- no Unido, na Alemanha, na Escandinávia
bia urbana e nos países ricos mostram que e nos Estados Unidos da América envol-
uma abordagem abrangente de prevenção vem 12 a 16 cidadãos comuns, ampla-
é eficaz. Os factos sustentam que: mente representativos da população, para
x A mudança comportamental exige infor- investigar a informação que lhes é dada,
mação específica, adequada ao local e questionar peritos, debater, deliberar e
formação sobre negociação e capacida- publicar as suas conclusões. As autorida-
des de tomada de decisão, apoio social des devem responder dentro de um certo
e jurídico, acesso a meios de prevenção período de tempo. No Reino Unido, vas-
(preservativos e agulhas esterilizadas) e tos estudos-piloto sugerem que as CC são
motivação para a mudança. melhores a tratar de questões complexas
x Nenhuma abordagem única de preven- e a chegar a conclusões sólidas do que as
ção pode conduzir à mudança alargada sondagens, grupos representativos e reuni-
de comportamento na população. Os ões públicas. É claro que cidadãos comuns
programas de prevenção numa escala estão dispostos a tornarem-se diretamente
nacional necessitam de se centrar em envolvidos no processo de tomada de de-
múltiplas componentes desenvolvidas cisão, tendo uma forte e consistente visão
em estreita colaboração com a popula- sobre o tipo de saúde pública que querem
ção alvo. para si e para as suas famílias.
x Os programas de prevenção para a po-
pulação em geral devem centrar-se es- O Juramento de Malicounda
pecialmente nos jovens. Nos anos 80, uma organização popular do
x As parcerias são essenciais para o su- Senegal desenvolveu um currículo de reso-
cesso. Programas múltiplos que procu- lução de problemas que envolveu a apren-
ram múltiplas populações necessitam dizagem, por parte de toda a aldeia, sobre
de parceiros múltiplos, incluindo os in- direitos humanos e a sua aplicação na sua
fetados com VIH/SIDA. vida quotidiana. O programa ofereceu aos
x A liderança política é essencial para participantes a hipótese de abordar proble-
uma resposta eficaz. mas tais como a saúde, higiene, questões am-
bientais, competências de gestão financeira
“Para se conseguir a abolição da prática e material. A TOSTAN iniciou um programa
da MGF, será preciso uma mudança fun- em Malicounda, uma aldeia de 3.000 habi-
damental de atitudes na forma como a so- tantes, que é parte de uma série de aldeias
ciedade entende os direitos humanos das em Bambara que ainda pratica infibulação,
mulheres.” uma das mais completas e brutais formas
Efua Dorkenoo. Cutting the Rose.
de circuncisão feminina. Depois de grande
178 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

debate público, incluindo uma atuação de canais de comunicação, dentro das famílias,
teatro de rua que se focou sobre os proble- sobre o VIH/SIDA e, em particular, para aju-
mas de infeção, os partos perigosos e a dor dar as mães seropositivas a dizer aos seus
sexual causada pela infibulação, toda a al- filhos qual é o estado da sua infeção. Os pais
deia fez um juramento, prometendo acabar em estado terminal e os seus filhos traba-
com a prática da circuncisão feminina. Isto lham em conjunto para compilar um livro
tornou-se conhecido como o Juramento de de memórias que é normalmente um álbum
Malicounda. Depois, dois anciãos da aldeia que contém fotografias, piadas e outras re-
decidiram espalhar a palavra às outras al- cordações familiares. No Uganda, o uso de
deias de que esta prática tinha de ser parada. livros de memórias foi, pela primeira vez,
Em fevereiro de 1998, treze aldeias fizeram usado pela Organização de Apoio contra a
o Juramento. Mais 15 aldeias puseram fim à SIDA (TASO, na sigla inglesa), no início dos
prática, em junho do mesmo ano. O movi- anos 90. Desde 1998, a Associação Nacional
mento ganhou atenção internacional. A 13 de Mulheres que vivem com SIDA promo-
de janeiro de 1999, a Assembleia Nacional veu esta abordagem numa escala mais am-
do Senegal aprovou uma lei a proibir a mu- pla com ajuda da PLAN Uganda. A Associa-
tilação genital feminina. A ação jurídica, por ção descobriu que as mães infetadas com o
si só, não teria sido suficiente para abolir a VIH têm grande dificuldade em comunicar
prática. O poder reside no controlo social com os seus filhos sobre a sua saúde frágil;
executado pelas aldeias e na demonstração os livros de memórias foram boas formas de
da vontade pública ao prestar o Juramento as mães introduzirem a ideia do VIH/SIDA
de Malicounda. A formação realizada pela nas vidas dos seus filhos e debaterem o seu
TOSTAN enfatizou a ligação entre o direito à impacto. O livro funciona como uma lem-
saúde e outros direitos humanos. brança para os seus filhos das suas origens,
para eles não perderem o seu sentimento de
“Quando as plantas amistosas ouviram o pertença. O livro também promove a pre-
que os animais tinham decidido contra a venção do VIH/SIDA porque as crianças tes-
humanidade, planearam, por si mesmas, temunham e compreendem a agonia que os
uma contrajogada. Concordaram que cada pais estão a atravessar e não querem sofrer
árvore, arbusto, erva, relva e musgo encon- o mesmo destino.
traria uma cura para cada uma das doen-
ças referidas pelos animais e insetos. Depois, Atenção aos membros mais vulneráveis
quando os índios Cherokee visitavam o seu da sociedade
Xamã acerca das suas maleitas, e se o curan- Por todo o lado no mundo, os consumido-
deiro tivesse dúvidas, ele conversava com os res de droga e os prisioneiros estão entre os
espíritos das plantas. Eles sugeriam, sempre, membros mais vulneráveis da sociedade.
remédios adequados para as doenças da hu- No contexto do VIH/SIDA e em outras con-
manidade. Tal, foi o início da medicina na dições graves, o direito à saúde é raramente
tribo Cherokee há muito, muito tempo.” implementado entre esta população devido
Cherokee. The Origin of Medicine. à sua condição de criminosos ou da crimi-
nalização da toxicodependência que resulta
Livros de Memórias na falta de acesso à informação, educação
Em muitos países, os livros de memórias e serviços básicos de saúde e sociais. Nos
tornaram-se um modo importante para abrir anos 80, o Reino Unido e os Países Baixos
D. DIREITO À SAÚDE 179

conceptualizaram o modelo conhecido acima de tudo, seres humanos, em vez


como Redução de Danos. Desde então, tem de indivíduos com deficiências, deve ser
sido replicado e adaptado ao uso local por central a todas as políticas. A Declaração
todo o mundo. Esta estratégia destina-se a impele a comunidade internacional a ter
reduzir os danos para os consumidores de plena consciência da tarefa distinta de
drogas, tanto indivíduos como comunida- garantir que as pessoas com deficiências
des. O espectro de práticas varia desde um intelectuais exerçam os seus plenos direi-
consumo seguro até à gestão do consumo tos como cidadãos. A atenção recai sobre
e abstinência. Embora o paradigma de re- as qualidades fundamentais da igualdade,
dução de danos possa envolver a descrimi- não discriminação e autodeterminação.
nalização de algumas drogas previamente Ao afastar-se de um modelo puramente
designadas como ilícitas, como nos Países biomédico, a Declaração reconhece “[…]
Baixos, pelo menos requer uma mudança de a importância da abordagem dos direitos
atitude em relação à droga pelos não consu- humanos à saúde, bem-estar e deficiência”.
midores, na medida em que as normas de Apesar de não ser juridicamente vinculati-
direitos humanos guiam o tratamento dos va, a Declaração é o único documento que
consumidores de droga se estiverem presos serve de guia e estabelece os parâmetros
ou em liberdade na sociedade. Evidências para lidar com os direitos de pessoas com
fortes mostram que nas comunidades que deficiências intelectuais e, assim, será a
implementam políticas de redução de da- referência mais importante neste campo.
nos, a incidência de VIH/SIDA e outras in-
feções transmissíveis pelo sangue é menor Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS,
entre consumidores de droga, do que nas na sigla inglesa)
comunidades que não usam esta aborda- A epidemia da SARS começou em novem-
gem. Os países que introduziram medidas, bro de 2002 e foi considerada controlada
como instalações para injeção segura, troca em julho de 2003. Durante esse período,
por agulhas esterilizadas, educação e reabi- 8.400 pessoas foram declaradas infetadas
litação são também signatários de tratados e mais de 900 morreram. As estratégias
de controlo de droga e não consideraram de resposta dos países mais seriamente
que a redução de danos conflitua com ou- afetados – China, Hong Kong, Vietname,
tros tratados internacionais. Taiwan e Canadá – revelaram as várias
implicações relativas a direitos humanos
A Declaração de Montreal sobre a Defi- e sublinharam a necessidade de vigilân-
ciência Intelectual cia de forma a proteger todos os direitos
Depois de muitos anos de debate sobre as humanos enquanto se garante o direito à
necessidades das pessoas com deficiências saúde. As questões que surgiram durante
intelectuais, a Conferência sobre Deficiên- a epidemia incluiram: a importância da li-
cias Intelectuais da OPAS/OMS de Montre- berdade de imprensa, a obrigação dos Es-
al fez uma importante declaração, no dia tados para com a segurança internacional,
6 de outubro de 2004, que promete uma o direito individual à saúde e justificações
mudança paradigmática na forma como de quarentena. A OMS elogiou o Vietna-
os Estados e organizações internacionais me pelo seu sucesso durante os 45 dias do
definem os direitos das pessoas com defi- surto, durante os quais 65 pessoas foram
ciência. O facto de que estas pessoas são, infetadas e 5 morreram. A natureza holís-
180 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

tica do direito à saúde é evidente nas áreas


- tortura (prevenção e tratamento)
que foram identificadas como diretamente
responsáveis pelo sucesso do Vietname a - violência contra as mulheres
lidar com a situação:
x Uma rede de saúde pública nacional - doenças contagiosas
abrangente e de bom funcionamento; Áreas em que políticas e programas
x Tratamento rigoroso, vigilância e isola- começaram a refletir a consciencializa-
mento dos indivíduos afetados; ção sobre a importância de interligar a
x Trabalho efetivo com a OMS e outros saúde e os direitos humanos:
parceiros;
x Conhecimento público precoce do - direitos dos povos indígenas
surto;
x Transparência na informação diária dada - implicações da modificação genética na
ao público através dos meios de informa- bioética e direitos humanos
ção e de comunicação eletrónica; - saúde materna e da criança
x Cooperação excelente entre todas as
agências e instituições locais e nacionais. - direitos das pessoas com deficiência
- acordos de comércio específicos e o seu
2. TENDÊNCIAS impacto no direito à saúde
Estratégias para Integrar Direitos Hu- - reabilitação pós-desastre
manos e Desenvolvimento da Saúde
A consideração da saúde a partir de uma - redução da pobreza
perspetiva de direitos humanos pode for-
Áreas em que pouca investigação e
necer um quadro sobre a responsabilização
ainda menos aplicação se têm rea-
dos países e da comunidade internacional
lizado com base na integração da
pelo que tem sido feito e pelo que neces-
saúde e dos direitos humanos. A la-
sita de ser feito pela saúde da população.
cuna é particularmente sentida no
A extensão da integração dos direitos hu-
âmbito de:
manos na criação de políticas, na análise
das condições de saúde sociais e físicas e - saúde ocupacional
no provimento de cuidados de saúde indica
um movimento positivo na realização do - doenças crónicas
direito humano à saúde. A lista seguinte in- - nutrição
dica as tendências atuais:
- meio ambiente (ar, água, pescas, etc.)
Áreas em que existem experiências fa-
zendo a interligação entre a saúde e os
direitos humanos, tanto no âmbito das “A informação e as estatísticas são um ins-
práticas dos governos e dos seus parcei- trumento poderoso para a criação de uma
ros, como na literatura especializada:
cultura de prestação de contas e para efeti-
- direitos reprodutivos e sexuais var os direitos humanos.”
- VIH/SIDA Human Development Report. 2000.
D. DIREITO À SAÚDE 181

3. ESTATÍSTICAS

Despesa Pública em Educação, Saúde e Despesas Militares (em % do PIB)


Despesas
País Educação (2007) Saúde (2007)
Militares (2010)
Alemanha 4.4 (2006) 8.0 1.4
Austrália 4.7 6.0 -
Áustria 5.4 7.7 0.9
Burkina Faso 4.6 3.4 1.5
China - 1.9 2.0
Cuba 11.9 9.9 -
Estados Unidos da
5.5 7.1 4.8
América
Geórgia 2.7 1.5 3.9
Índia 3.2 (2006) 1.1 2.4
Mali 3.8 2.9 1.9
Reino Unido 5.6 6.9 2.7
Suécia 6.7 7.4 1.2
Zimbabué - 4.1 1.3

(Fonte: PNUD. 2010. Relatório do Desenvolvimento Humano 2010; Banco Mundial,


World Development Indicators, disponível em http://data.worldbank.org/indicator)

Despesa na Saúde (2009)

Total (pública Pública Per Capita


(Paridade
País e privada, (% da despesa
no Poder
% do PIB) total em saúde) de Compra US$)
Alemanha 11.3 75.7 4,629
Austrália 8.5 65.4 3,867
Áustria 11.0 74.5 5,037
Burkina Faso 6.4 61.7 38
China 4.6 50.1 177
Cuba 11.8 93.1 707
Estados Unidos da
16.2 48.6 7,410
América
182 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

Despesa na Saúde (2009)

Total (pública Pública Per Capita


(Paridade
País e privada, (% da despesa
no Poder
% do PIB) total em saúde) de Compra US$)
Geórgia 10.1 28.7 256
Índia 4.2 32.8 45
Mali 5.6 47.9 38
Reino Unido 9.3 83.6 3,285
Suécia 9.9 78.6 4,252
Zimbabué - - -

(Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators, disponível em: http://data.


worldbank.org/indicator.)

Esperança média de vida calculada desde o nascimento (2010)


País Esperança de vida (população total)
Alemanha 80.2
Austrália 81.9
Áustria 80.4
Burkina Faso 53.7
China 73.5
Cuba 79.0
Estados Unidos da
79.6
América
Geórgia 72.0
Índia 64.4
Mali 49.2
Reino Unido 79.8
Suécia 81.3
Zimbabué 47.0

(Fonte: PNUD. 2010. Relatório do Desenvolvimento Humano 2010.)


D. DIREITO À SAÚDE 183

Mortalidade Materna (por 100.000 nados vivos, 2010)

País Ratio da Mortalidade Materna


Alemanha 4
Austrália 4
Áustria 4
Burkina Faso 700
China 45
Cuba 45
Estados Unidos da
20
América
Geórgia 66
Índia 450
Mali 970
Reino Unido 11
Suécia 3
Zimbabué 880
(Fonte: PNUD. 2010. Relatório do Desenvolvimento Humano 2010.)

4. CRONOLOGIA 1988 Protocolo Adicional à Convenção


Americana sobre Direitos Huma-
1946 Constituição da OMS nos em Matéria de Direitos Econó-
1961 Carta Social Europeia (revista em 1996) micos, Sociais e Culturais
1966 Pacto Internacional sobre os Direi- 1991 Princípios para a Proteção dos Do-
tos Económicos, Sociais e Culturais entes Mentais e a Melhoria dos
Cuidados de Saúde Mental
1975 Declaração sobre o Uso do Progres-
so Científico e Tecnológico no Inte- 1991 Princípios das Nações Unidas para
resse da Paz e para o Benefício da os Idosos
Humanidade 1992 Conferência das Nações Unidas so-
1975 Declaração dos Direitos das Pesso- bre o Meio Ambiente e o Desenvol-
as com Deficiência vimento (CNUMAD)
1978 Declaração de Alma Ata sobre Cui- 1993 Declaração sobre a Eliminação da
dados de Saúde Primários Violência contra as Mulheres
1981 Carta Africana dos Direitos Huma- 1994 Conferência Internacional sobre Po-
nos e dos Povos pulação e Desenvolvimento (CIPD)
184 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

1995 Quarta Conferência Mundial sobre 2002 Cimeira Mundial sobre o Desenvol-
as Mulheres vimento Sustentável
1997 Declaração Universal sobre o Ge- 2002 Relator Especial para o direito de to-
noma Humano e os Direitos Huma- dos à satisfação do mais alto padrão
nos (UNESCO) atingível de saúde mental e física
1998 Princípios Orientadores relativos 2003 Declaração Internacional sobre os Da-
aos Deslocados Internos dos Genéticos Humanos (UNESCO)
2000 Comentário Geral nº 14 do Comité 2006 Convenção das Nações Unidas so-
das NU dos Direitos Económicos, bre os Direitos das Pessoas com
Sociais e Culturais sobre o direito Deficiência
à saúde 2008 Protocolo Facultativo ao Pacto In-
2001 Declaração de Doha sobre o Acordo ternacional sobre os Direitos Eco-
TRIPS e a Saúde Pública nómicos, Sociais e Culturais

ATIVIDADES SELECIONADAS
ATIVIDADE I: ticipantes a consciencialização do direito
VISUALIZAÇÃO humano da saúde; criar ligações entre saú-
DE UM ESTADO DE COMPLETO de e outras necessidades fundamentais;
BEM-ESTAR FÍSICO, MENTAL E SOCIAL criar conexões entre necessidades funda-
mentais e direitos humanos.
Parte I: Introdução Grupo-alvo: Jovens adultos e adultos
Para muitas pessoas, o conceito de saúde Dimensão do grupo: 10-30
não está suficientemente desenvolvido de Duração: 120 minutos
forma a incluir as amplas necessidades da Materiais: folhas de papel grandes, marca-
sociedade, bem como o estado do indi- dores e fita adesiva para colar as folhas à
víduo. Esta atividade permite aos parti- parede; uma cópia da Declaração Univer-
cipantes reconhecer os vários elementos sal dos Direitos Humanos (DUDH).
que constituem uma condição ótima de Competências envolvidas: Comunicação
saúde e partilhar ideias com outros mem- verbal; análise participativa
bros do grupo de modo a criar um concei-
to abrangente. Parte III: Informação Específica sobre a
Atividade
Parte II: Informação Geral sobre a Ati- Instruções:
vidade O formador lê a definição de “saúde” da
Tipo de atividade: Sessão de chuva de OMS. O Preâmbulo da constituição da
ideias e reflexão de grupo. OMS define saúde como “[...] um estado de
Metas e objetivos: Tornar-se consciente do completo bem-estar físico, mental e social,
âmbito alargado de saúde como mais do e não meramente a ausência de doença.”.
que a “ausência de doença”; criar nos par- O formador faz a pergunta: que elementos
D. DIREITO À SAÚDE 185

e condições são necessários para realizar ou de outra fonte tematicamente organiza-


este amplo estado de saúde nas vossas co- da. O formador explica que todas as neces-
munidades? O formador certifica-se de que sidades da saúde que foram anotadas nas
todos entendem a declaração e a pergunta. folhas são direitos humanos. Por exem-
Se o grupo demorar a começar, o formador plo, num sentido amplo, o direito à vida,
pode pedir ao grupo para dar respostas rá- artº 3º da DUDH, apoia o direito à saúde.
pidas, seguindo a ordem em que eles estão Passo 2:
sentados. Todas as ideias são registadas em O formador pede aos participantes que se
grandes folhas de papel, suficientemen- dividam em grupos de 4 a 6 pessoas. Nes-
te grandes para que todos possam vê-las ses grupos, eles irão usar as listas que cria-
claramente. Nenhuma ideia deve ser ex- ram e irão encontrar o direito humano cor-
cluída. Quando o grupo tiver esgotado as respondente. Cada grupo irá escolher um
suas ideias, alguém irá ler todas as ideias porta-voz para apresentar as conclusões
tal como foram registadas. As folhas de pa- do grupo em plenário. Durante o período
pel são colocadas na parede para todos as de trabalho no pequeno grupo, o forma-
verem. Neste momento, o formador pede a dor visita cada grupo, observa e oferece
cada um para explicar as suas ideias, uma assistência quando é pedida. (Permitir 30
vez que todos elencaram um elemento. Os minutos)
participantes podem perguntar uns aos ou- Passo 3:
tros sobre os tópicos elencados. (Isto demo- O facilitador reúne novamente o grande
ra aproximadamente uma hora.) grupo. Os porta-vozes dos grupos apre-
Regras da chuva de ideias: sentam as suas conclusões. Alguém anota
Todos os participantes, incluindo o for- a nova lista de direitos humanos que apoia
mador, se sentam em cadeiras dispostas e garante o direito à saúde sobre novas fo-
num círculo ou num círculo no chão. Esta lhas de papel que estão coladas à parede
prática estimula um sentimento de igual- para todos verem. O grupo pode colocar
dade entre todos. A atividade envolve um questões ao longo da sessão. Estas listas
pensamento rápido uma vez que as con- manter-se-ão na parede para referência fu-
tribuições dos participantes alimentam as tura. (Permitir 30 minutos)
ideias e o processo de pensamento do gru- Passo 4:
po. O formador necessita manter a ordem De modo a avaliar a sessão, o formador
fazendo o seguinte: pede aos participantes para dizerem o que
1. Todos os participantes falam sobre as eles aprenderam na sessão e também suge-
suas ideias; contudo, têm de possibilitar rir como o exercício pode ser melhorado.
ao relator escrever as ideias à medida Sugestões metodológicas:
que elas são ditas. x Este é um exercício de empoderamento.
2. Durante a fase da revisão, os partici- O formador deve encorajar os partici-
pantes devem ouvir cuidadosamente, pantes a usarem as suas próprias ideias,
enquanto o porta-voz de cada grupo a serem capazes de pensar criticamente
apresenta uma nova lista, usando uma e a fazerem a sua própria investigação.
linguagem de direitos humanos. O formador não deve fazer de “perito”
Passo 1: que tem todas as respostas.
O formador distribui cópias da Declaração x Tanto na parte de chuva de ideias,
Universal dos Direitos Humanos (DUDH) como na parte reflexiva da sessão, to-
186 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

dos os participantes devem falar. Se Parte III: Informação Específica sobre a


uma ou várias pessoas dominarem o Atividade
debate do grupo, o formador deve su- Instruções:
gerir que ninguém deve falar mais do O formador dá informação sobre a seguin-
que uma vez até todos os outros terem te situação: o governo de um Estado afri-
sido ouvidos. cano cedeu à pressão da sociedade civil e
x Enfatizar a caraterística de “senso co- começou a distribuir e a vender medica-
mum” dos direitos humanos, dizendo mentos genéricos baratos, importados de
aos participantes que a DUDH é um có- outros países. Algumas empresas farma-
digo de ideias relativas à dignidade hu- cêuticas, considerando que tal constitui
mana que todas as pessoas têm como uma violação dos seus direitos de patente,
verdadeira. processaram o governo e algumas ONG.
Os participantes dividem-se em 4 grupos,
ATIVIDADE II: ACESSO cada um representando uma das partes no
A MEDICAMENTOS processo.
O formador informa cada grupo da sua po-
Parte I: Introdução sição no processo e dá-lhes cerca de 20 mi-
O acesso sem restrições à medicação nutos para se preparem para o julgamento,
não é assegurado a todos os que sofrem encontrando argumentos e enquadrando
ou estão doentes. Em África, por exem- posições.
plo, milhões de pessoas morrem porque Cada grupo designa um porta-voz que,
não têm dinheiro para os medicamentos mais tarde, apresentará os argumentos.
que prolongam a vida ou aliviam as do- Os seguintes papéis têm de ser desempe-
res e que são fornecidos pelas grandes nhados no “tribunal simulado”:
empresas farmacêuticas. Por esta ra- - o juiz pondera os argumentos das 3 par-
zão, e devido a pressões de ONG, al- tes e profere uma sentença;
guns governos começaram a importar - o representante da indústria farmacêu-
medicamentos genéricos mais baratos. tica está interessado em aumentar as
As indústrias farmacêuticas consideram vendas e não abdica do direito à patente
isto uma violação dos seus direitos de em favor dos doentes;
propriedade. - um representante do governo: o govero
distribui e vende medicamentos genéri-
Parte II: Informação Geral cos baratos, importados, apenas devido
Tipo de atividade: Simulação às pressões de ONG, mas, na realidade,
Metas e objetivos: Compreender a com- partilha da posição das empresas farma-
plexidade dos direitos humanos; conside- cêuticas;
rar opiniões opostas. - o representante das ONG conseguiu,
Grupo-alvo: Jovens adultos e adultos com sucesso, fazer com que o governo
Dimensão do grupo: 15 a 40 no máximo distribuisse medicamentos genéricos gra-
Duração: 120 a 180 minutos tuitos ou a um preço muito baixo.
Materiais: quadro, marcadores, fita ade- Enquanto os grupos preparam a sua argu-
siva mentação, o formador deve preparar a sala
Competências envolvidas: de comunica- para o julgamento. Depois, os grupos to-
ção, empatia mam os seus lugares, o juiz abre a audiên-
D. DIREITO À SAÚDE 187

cia e pede a cada grupo que apresente as de todas as partes. Depois de 30 minutos
suas posições e argumentos. O juiz resume de trabalho de grupo, cada grupo apresen-
todos os argumentos, pondera-os e profere ta o seu processo de debate e a sua pos-
uma decisão que tenha em consideração sível solução no plenário. As respostas e
as diferentes opiniões dos litigantes. soluções mais importantes são registadas
Outras sugestões: no quadro. Quando todos os grupos tive-
Encontrar um consenso no grupo: depois rem apresentado o debate do processo de
de todas partes terem apresentado os seus tomada da decisão, a atividade termina.
argumentos numa sessão plenária, os par- Direitos relacionados/outras áreas a ex-
ticipantes formam grupos de trabalho. Em plorar: Globalização, discriminação, po-
cada grupo de trabalho, deve haver um breza.
membro de cada litigante mais um juiz. O (Fonte: Adaptado de: Conselho da Euro-
formador pede aos grupos que tentem che- pa. 2002. Compass. A Manual for Human
gar a consenso sem negligenciar a posição Rights Education with Young People.)

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