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Capítulo do livro: “POPP, Jose Henrique. Geologia Geral. 6.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010. 309p.

INTRODUÇÃO
Geologia e Suas Esferas de Influência
A Geociência, ou Ciência da Terra, inclui todos os estudos científicos dedicados a entender e explicar os
processos geológicos inter-relacionados de nosso planeta. A Geologia é uma dessas ciências da Terra que se ocupa do
estudo da composição, das propriedades físicas, forças, estrutura geral e história. Entretanto, outras disciplinas estão
estreitamente relacionadas com a Geologia, como Astronomia, Biologia, Química, Climatologia, Oceanografia, Física
etc.

Mais especificamente, é objeto da Geologia Geral o estudo dos agentes de formação e transformação das
rochas e da composição e disposição das rochas na crosta terrestre.

A Petrologia é a ciência das rochas no sentido estrito, constituindo a base das ciências geológicas. A
Paleontologia descreve e classifica os antigos seres viventes que se encontram nas rochas. A Geologia Histórica
descreve os eventos biológicos e estruturais dentro de uma cronologia. A Estratigrafia ordena as rochas estratificadas,
sistematizando-as a partir das mais antigas.

A Geografia, cujos campos de ação estão na superfície da Terra e em seus habitantes, quando se ocupa da
conformação da crosta e de sua evolução (Geografia Física) passa a ser um campo especial da Geologia. Essas são
algumas das ramificações da Geologia entre inúmeras outras, notadamente no sentido prático e aplicado à pesquisa
de minerais ou às obras de engenharia.

Nosso planeta consiste em um ecossistema complexo e de precário equilíbrio, sujeito à influência de diversas
forças da natureza. A atmosfera, a biosfera, a hidrosfera e a geosfera constituem, na verdade, um sistema único e
inseparável, pois resultam da ação combinada da energia do Sol e do calor, da radiação e das forças que emanam do
interior da Terra. Esse delicado equilíbrio mantém a qualidade do ar, da água, a produção de alimentos, enfim, o bem-
estar de todas as formas de vida do planeta e a sobrevivência de todas as espécies.

Histórico da Geologia
Conceitos primitivos

Até meados do século XVIII persistiu um “obscurantismo” com relação ao interesse pelos fenômenos geológicos
naturais. É provável que esse desinteresse tenha sido influenciado pelas ideias dominantes na época, provenientes de
uma observância do livro do Gênesis, o qual considera que todo o tempo geológico não ultrapassou alguns poucos
milhares de anos. Segundo tais ideias, as rochas sedimentares tiveram origem na ação do dilúvio bíblico, e os fósseis
eram interpretados como uma evidência de seres de invenções diabólicas afogados pelo dilúvio.

Não havia até então estímulos à especulação pela crosta terrestre, exceto na busca de minerais úteis. Naquela época,
além das observações esparsas de filósofos gregos, haviam surgido publicações de manuais de Mineralogia que
tratavam de métodos de mineração e metalurgia escritos por Agrícola (1494-1555).

Na segunda metade do século XVIII, as observações científicas de Steno, na Itália, e Hooke, na Inglaterra,
produziram interpretações corretas do significado cronológico da sucessão de rochas estratificadas.

Arduíno, em 1760, classificou rochas de uma região da Itália em: primárias, rochas cristalinas; secundárias,
rochas estratificadas com fósseis; e terciárias, rochas pouco consolidadas com conchas.

James Hutton (1726-1797) recusou-se a imaginar a criação da Terra a partir de um dilúvio – um evento
repentino e único. Examinando as rochas estratificadas, encontrou vestígios de repetidas perturbações nas rochas em
alternância com longos e calmos períodos de sedimentação. Em muitos lugares, constatou que uma sequência de
estratos assenta sobre camadas revolvidas, enquanto, em outros, corta camadas inclinadas. Explicou que inicialmente
ambas as camadas eram horizontais, porém a inferior foi erguida e erodida antes da deposição da camada seguinte.
Dessa maneira, a história da crosta terrestre era a da “sucessão de mundos anteriores”. Suas contestações foram
resumidas na célebre frase “não encontramos nenhum sinal de um começo, nenhuma perspectiva de um fim”.

O ponto de vista de Hutton veio a ser chamado “uniformitarismo”, pois seus argumentos baseavam-se nas
observações da erosão nos rios, vales e encostas, concluindo que todas as rochas se formaram de material levado de
outras rochas mais antigas e explicando a formação de todas as rochas com base nos processos que estão agora
operando, não se exigindo, para isso, outro requisito senão o tempo.

Abraham G. Werner (1749-1815), um dos mais persuasivos e influentes mestres europeus, defendia
ardorosamente uma doutrina denominada “netunista”, a qual se coadunava melhor com a história bíblica. Tal doutrina
sustentava que todas as rochas haviam sido formadas a partir de um oceano primitivo único que no passado cobriu
toda a Terra. As rochas calcárias, graníticas e basálticas formavam-se a partir de precipitados químicos. Quando a água
recuou, ficaram expostas todas as rochas com a configuração que hoje se encontra por sobre toda a superfície
terrestre.

A tese de Hutton sobre o uniformitarismo, embora muito popular, não conseguiu suplantar a de Werner
naquela época, só logrando liderança efetiva com Charles Lyell (1797-1875).

William Smith (1769-1839), modesto engenheiro inglês, prestou pouca atenção às controvérsias existentes na
época entre os “netunistas” e os “uniformitaristas”, se é que realmente teve notícias da existência de tais discussões.

Trabalhando com movimentação de terras, escavações de canais e construção de estradas, foi incorporado a
uma equipe envolvida na construção do canal de Somerset. Para isso, havia sido enviado inicialmente para o norte da
Inglaterra a fim de estudar métodos de construção de canais. Aproveitando a viagem para examinar as rochas
expostas, cada vez mais se confirmavam suas suspeitas: as mesmas formações que conhecia no sul da Inglaterra se
estendiam pelo norte, e dentro da mesma ordem. Smith trabalhou cinco anos no canal de Somerset, quando descobriu
que, entre diversas formações já conhecidas, à primeira vista muitas eram semelhantes, porém tinham uma
característica que as diferenciava: os fósseis que continham não eram os mesmos. Descobriu, então, que os
sedimentos de cada época tinham seus fósseis específicos. Smith divulga, naquela ocasião, o primeiro mapa geológico,
com divisões estratigráficas baseadas nos fósseis.

Outras investigações científicas realizadas posteriormente na Europa por Cuvier e Lamark, entre outros,
terminaram por afastar a doutrina do netunismo. Com a publicação da obra Princípios de Geologia, de Charles Lyell,
os conceitos de Hutton passaram a ser a ideia dominante. Em sua obra, Lyell expôs com clareza os conhecimentos
científicos da época com apoio na doutrina de que o presente é a chave do passado. As unidades geológicas foram
dispostas em ordem cronológica por “grupos”, e estes foram subdivididos em “períodos”.

A grande obra de Lyell teve substancial influência no preparo do terreno para o florescimento das ideias de
Charles Darwin, desenvolvidas no século XIX a respeito da evolução dos seres vivos.

Darwin formou-se em 1831 na Universidade de Cambridge e, ao finalizar o curso, embarcou no H.M.S. Beagle,
como naturalista, retornando cinco anos mais tarde. Publicou seu diário de viagem denominado Journal of Reaches
into the Geology and Natural History of the Various Countries Visited by M.S. Beagle, em 1839. Dos lugares que visitou,
Tenerife, Brasil, Ilhas Galápagos e muitos outros, Darwin concluiu que as espécies partilharam um antepassado
comum, ao contrário do que havia aprendido, que Deus criara cada uma das espécies separadamente, o que passou a
ser um desafio ao cristianismo, por não estar de acordo com os registros bíblicos. Darwin possuía “status científico”,
obrigações sociais e partilhava sua amizade com o clero; era casado, e sua esposa era profundamente cristã.
Sacerdotes provindos de moluscos, homem-macaco, eram afirmações contidas em seus textos, e, além de tudo, havia
concluído que a crença em Deus era artefato do cérebro. Sabendo das implicações que suas ideias causariam em uma
sociedade inglesa vitoriana e conservadora, manteve sua Teoria da Evolução guardada por 20 anos, o que lhe causou
dores de cabeça e abdominais. Sua mudança de atitude ocorreu quando Wallace lhe enviou um trabalho pedindo que
o encaminhasse à Lyell para publicação. Ao tomar conhecimento de seu teor, Darwin se depara com uma coincidência
espantosa: o texto realmente se parecia muito com o resumo de Seleção Natural. Em consequência disso, os dois
trabalhos acabaram sendo publicados simultaneamente. Depois dessa data, um grande debate público teve início
sobre a Teoria da Evolução, e Darwin não escapou de piadas sobre suas ideias. Darwin formulou a teoria de que a
seleção natural, ou seja, a seleção dos mais favoráveis em determinados ambientes, operava ao acaso entre espécies
que se sucediam, sobrevivendo os mais aptos. A publicação do livro A Origem das Espécies ocorreu mais tarde, em
1859, um livro relativamente simples, mas precursor de mudança de um paradigma, uma revolução. Darwin morreu
em 1882 e foi já imortalizado em seu velório na abadia de Westminster com a presença dos mais dignos representantes
da comunidade científica, civil e eclesiástica. Ele não avançou sobre o tema da teoria da hereditariedade formulada
em 1866 por Gregor Mendel, que fez importantes experiências com ervilhas no jardim de um mosteiro (era padre) e
estudou ciências em Viena. Descobriu que duas plantas altas dão descendentes altos, e o cruzamento de duas plantas
baixas produzem brotos baixos; entretanto, se cruzar uma planta alta com uma baixa primeiro nascem brotos altos,
mas, na geração seguinte, três altos e um baixo. Como a planta baixa, nesse caso, só apareceu na geração seguinte,
denominou o fator alto dominante e o baixo recessivo. Thomas Morgan, em 1910, foi o primeiro a identificar genes
sob a forma de partículas denominadas bastonetes, os conhecidos cromossomas constituídos do Desoxirribonucleico
(DNA) e Ribonucleico (RNA), e explicando essa relação com os genes. Em 1915, Morgan publicou O Mecanismo da
Hereditariedade, no qual, trabalhando com drosófilas, a mosca-das-frutas, mostrou os diversos caminhos da
hereditariedade, abertos por Mendel.

Os estudos que se seguiram das jazidas fossilíferas encontradas em ampla distribuição nos continentes
demonstraram que a vida não surgiu uma única vez, contemplando todas as espécies conhecidas. Quando analisamos
a tabela dos tempos geológicos, construída por décadas de estudos, e seus registros de fósseis correspondentes,
constatamos que Darwin estava certo. As diferentes formas de vida encontram-se distribuídas desde seu
aparecimento, no tempo e no espaço, por mais de três bilhões de anos, inicialmente de modo muito rudimentar. Os
primeiros invertebrados somente apareceram nos últimos 550 milhões de anos. Os peixes surgiram no Ordoviciano;
os anfíbios depois, 360 bilhões de anos atrás, seguidos dos répteis e das aves já no carbonífero superior, cerca de 200
bilhões de anos, e assim sucessivamente. O homem apareceu recentemente.

A genética hoje nos ensina, por exemplo, que, no gênero Homo, dois cromossomas se fundiram, e isso não
ocorreu na linhagem de outros primatas que viveram na mesma época, acelerando a divergência dessa população e
resultando em nova espécie por meio da redução da chance de cruzamento entre essa nova população e a outra dos
primatas.

Todas as populações contêm um conjunto de genes, o chamado “pool gênico”. A evolução ocorre quando há
mudanças nas frequências de alelos (fração do gene) de uma população de organismos capazes de cruzar entre si.
Quando uma fração de alelos em determinada população é constante, a população não está sofrendo processos
evolutivos.

As mutações genéticas inicialmente são aleatórias, mas aquelas em que favorecem adaptações e aptidões,
bem como implicam melhores condições de sobrevivência para determinados indivíduos, são selecionadas e
perpetuadas no genoma da população.

As pesquisas pioneiras no Brasil


O primeiro trabalho científico realizado no Brasil (publicado em 1792) foi da autoria de José Bonifácio de Andrada
eSilva e seu irmão, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, sobre os diamantes no Brasil.

José Bonifácio devotou-se à mineralogia brasileira e, na Alemanha, assistiu a aulas proferidas por Werner,
chegando a lecionar na Universidade de Coimbra.

Em 1833, o alemão Wilhelm L. von Eschwege, engenheiro de minas, publica Pluto Brasiliensis, reeditado
posteriormente, sobre geologia e mineralogia brasileiras.

Von Martius publica, em 1854, um mapa geológico da América do Sul.

As primeiras pesquisas no campo da Paleontologia foram realizadas pelo dinamarquês Peter Wilhelm Lund,
descrevendo as ossadas de vertebrados pleistocênicos encontradas nas cavernas de Minas Gerais. Em seguida, Agassiz
estuda peixes fósseis do Ceará enviados por Gardner, botânico inglês que visitara o Brasil.
Em 1875, foi organizada a primeira Comissão Geológica do Império do Brasil, objetivando o estudo da
estrutura geológica, da Paleontologia e das minas do Império, cuja direção coube ao geólogo canadense Charles
Frederick Hartt, que já vinha trabalhando no Brasil desde 1865 e em 1870 havia publicado a obra Geology and Physical
Geography of Brazil.

Em 1878, Orville A. Derby publica uma obra sobre a Geologia e a Paleontologia do Paraná. Os brasileiros João
Martins da Silva Coutinho e G. S. Capanema foram os pioneiros na investigação geológica da Amazônia e da faixa
atlântica.

Com a fundação da Escola de Minas de Ouro Preto, a partir de 1876 tem o Brasil iniciada a formação de
geólogos que viriam a trazer grande impulso à pesquisa e ao ensino de Geologia no País.

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