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Gnose.

O último a sair, apague as luzes


coloridas!
By Papista | 30 de março de 2016
               Recebi de uma amiga um anúncio sobre mais um evento de mais uma comunidade com
promessas de salvação e felicidade. Sempre com o mote do fardo que a pessoa carrega, e uma
promessa de profunda ligação com dimensões cósmicas de paz. Nesse caso, literalmente, “iniciação
cósmica multidimensional”. Infelizmente, é apenas mais um caso da velha Gnose. Velha, cansada,
terrível, mas aparentemente imortal.
                Não é tão simples explicar a gnose quanto alguns dizem. E também não é tão simples
separar o que é mesmo gnose do que não é. Alguns bons (bons mesmo!) escritores católicos viam
gnose em tudo. Outros falhavam em vê-la próxima de si mesmo. Vamos deixar uma coisa clara
assim que definirmos nossos termos: gnose não é uma seita, ou algo secreto! Gnose gera gnósticos,
que geram seitas! Secretas ou não!
                Gnose vem do grego “gnosis“, que significa “conhecimento”. É mais que uma definição
de um termo. É a alma de todo movimento gnóstico. Em todas as suas versões e pequenas
diferenças. Do seu começo até hoje. O elemento que os une é acreditar que o conhecimento é o
caminho para a salvação. Salvação essa que muitas vezes toma a forma de “iluminação”. Na
verdade, não é “o conhecimento”, mas “um conhecimento”. Não é um movimento científico ou
puramente intelectual, em que a aquisição de conhecimento acumulado dá a impressão de
libertação, muitas vezes da religião. Gnose em si pode ser uma idéia, mas seu resultado sempre foi
esotérico, e não exotérico. Ou seja, sempre foi de formar seitas fechadas (movimentos gnósticos)
em que um conhecimento definitivo é algo restrito a alguns iniciados.
                O início do movimento gnóstico é difícil de ser traçado. Muito foi esclarecido com os
documentos descobertos em Nag Hammadi na década de 40 do século XX. O que se sabe é que o
movimento sempre foi sincretista. Ou seja, os gnósticos sempre misturaram muitas influências. O
Platonismo é a base. A idéia de um Deus distante da criação; do Demiurgo, que seria o criador da
matéria; e as emanações de luz que permeiam e interferem no que é físico e no que é espiritual etc.
Isso vem do Platonismo, ainda que com pesadas modificações ao longo do tempo e a cada nova
seita gnóstica. Outro elementoé a idéia de um conhecimento por experimentação sensorial, e não
como desenvolvimento intelectual, como a epistemologia.  O neoplatonismo, em sua ascensão,
tentou colocar os gnósticos em extinção, mas a gnose se mostrou o que hoje deve ser óbvio a todos:
a gnose é insidiosa e maleável. Uma combinação perigosa. Ela se mantém viva misturando
conceitos e adaptando conhecimento. Essa seria sua característica fundamental durante os séculos,
chegando até hoje.
                Os citados neoplatônicos perceberam uma característica que é fundamental para distinguir
os movimentos gnósticos do cristianismo. Os gnósticos eram misoteístas ou disteístas, ou seja, eles
ou odiavam a Deus e os “deuses”, ou eles os consideravam maus. Isso é observável pela sua
descrição da criação. Para os gnósticos, Deus está distante e não se importa com nada. A criação é
fruto da intervenção do Demiurgo, uma emanação que do caos criou o mundo material. Em outras
palavras: se para o Cristão o mundo é a criação de Deus, que é infinitamente bom, e que olhou para
sua criação e “viu que tudo era muito bom” (Gn 1, 31), para os gnósticos, o mundo não é bom! Pelo
contrário, a criação, a matéria, tudo é ruim e mau. A matéria, vinda do caos e ainda um caos, é a
criação do Demiurgo e precisa ser expurgada do homem. Com isso, é apenas natural que toda seita
gnóstica tivesse (e muitas ainda têm) pesados exercícios ascéticos e pseudo-intelectuais. Em muitos
casos, o motivo ia além da simples “experiência transcendental”. Esses exercícios visavam o
controle dos seus membros, até mesmo com mudanças físicas, como mulheres se tornarem falsos-
homens ao emagrecer tanto que seus seios quase sumiam, e seu ciclo menstrual cessava. Mas isso é
apenas um caso. Lembre-se sempre que os movimentos gnósticos, como falado antes, são
sincretistas. Eles misturam influências diversas. Isso criou seitas muito diferentes ao longo da
história, embora com a mesma base, alguns elementos em comum, e instrumentos de controle.
Algumas pregavam o caminho ascético radical. Outros que a sexualidade era algo não só banal
como deveria ser estimulada como caminho espiritual, o que resultava em total depravação entre
seus membros.
                O ponto comum é o caráter iniciático, ou seja, os movimentos gnósticos não eram abertos;
para todos. Eles acreditam ser donos de um conhecimento secreto, que mesmo quando hoje parece
divulgado em livros, sua aplicação continua restrita aos seus membros. Em alguns casos, secreto é
um termo literal. Você não encontra a seita, ela te encontra. Seus membros são levados a acreditar
que estão selecionando pessoas “merecedoras”, e o contato e o jogo de atração é restrito a convites
pessoais. Dessa forma, o convidade também é levado a acreditar que, com isso, ele é alguém
“especial”. É o começo da iniciação.
                O principal legado do movimento gnóstico, além de suas milhares de seitas, é a
deturpação das religiões. Para nós, o que interessa aqui é analisar sua nefasta influência nas pessoas
através da distorção do Cristianismo. Assim que os primeiros cristãos passaram a cumprir sua
missão sagrada de espalhar o Evangelho da Salvação, os movimentos gnósticos trataram de adaptá-
lo. Alguns autores interpretaram passagens do Novo Testamento como um aviso contra a Gnose. A
passagem mais famosa é 1Tm 6,20, em que Paulo adverte Timóteo a não dar ouvidos a conversa
mundana e “pretensa ciência”, algumas vezes traduzido literalmente como “conhecimento”, porque
vem do grego “gnosis“. Santo Irineu interpretava essa passagem como um aviso contra o
gnosticismo, embora sua visão poderia estar influenciada pelo crescimento do gnosticismo em seu
tempo. Não é claro que o gnosticismo fosse um problema nos primeiros anos do cristianismo (ainda
no século I. A gnose aparece com força no século II) que merecesse uma citação nas Escrituras. Mas
a dúvida é válida, e a advertência mais ainda.
                Já no segundo século o gnosticismo começa a aparecer e crescer de forma descontrolada.
Os gnósticos adaptam as Escrituras e celebrações sagradas de forma desavergonhada. É a partir
desse momento que surgem os agora famosos “evangelhos gnósticos”. Aqui devemos fazer uma
observação. Nem todo evangelho falso é gnóstico, assim como nem todo documento falso ou que
não faz parte da Bíblia é gnose. É um erro comum entre os que vêem gnose em tudo. Porém, a
gnose é, sem dúvida, boa parte deles. Existem dezenas de falsos evangelhos. Cito alguns. O agora
famoso “evangelho de Tomás”, por exemplo. Esse livro é uma coleção de citações falsamente
atribuídas a Jesus Cristo. São citações colocadas como frases em um livro de sabedoria. Senão
todas, mas a maioria é uma distorção de uma frase que realmente existe nos evangelhos. Com a
diferença é que, claro, elas indicam um conhecimento secreto.
                Outro famoso falso evangelho é o “evangelho de Judas”. Escrito no século II, esse texto
vem de um grupo gnóstico dos chamados Setianistas. Além das práticas de sua seita, os Setianistas
se dedicavam a adaptar (deturpar) escritos dos outros mais do que qualquer outra seita gnóstica do
seu tempo. O falso evangelho de Judas é uma forma de contrapôr a relação entre o bem e o mal tão
presente no Cristianismo, virando-a ao contrário como era comum a eles, e fazendo personagens
como Judas parecerem heróis da história. É uma história que atraiu muitos adeptos nas últimas
décadas, e desse tipo de narrativa surgem livros e filmes. Para esses gnósticos, Judas havia recebido
conhecimento secreto de Cristo, e além de ter sido o guardião desse conhecimento, ele deveria ser
reconhecido como parte integrante do plano de Jesus para morrer por todos. Ou seja, por eles, Judas
fez o que fez não por mal, mas por bem, e cumprindo ordens do seu mestre. Algo incompatível com
o cristianismo, mas bom para ficção irresponsável.
                Ao longo dos séculos, a gnose teve muitos rostos. Sem jamais desfazer sua tradição de
adaptar cultura e religião, o gnosticismo e suas diversas seitas tornaram figuras históricas ou
lendárias como parte do seu plano de conhecimento secreto iniciátivo. Alguns exemplos incluem
Cristo, Buda, Krishna, assim como figuras fictícias, como Morya, um “mestre” entre outros. Além
de figuras controversas e provavelmente também fictícias, como o “Conde de Saint Germain”.
Muitas figuras famosas eram incluídas frequentemente entre os “mestres” em diferentes seitas.
Ghandi e Ronald Reagan, entre outros, por sua popularidade e impacto, também são alguns dos
“mestres” de algumas dessas seitas gnósticas. Tudo isso, em um balaio de gatos, formou gerações
de gnósticos. Seus adeptos mais famosos, e alguns criadores dessa salada gnóstica moderna foram
Helena Blavatsky, Alice Bailey, Guy Ballard e mais modernamente o casal Mark e Elizabeth Clare
Prophet.
                Aqui eu devo fazer uma distinção. Helena Blavatsky, assim como os Neoplatonistas mais
de um milênio antes dela, não se dizia gnóstica. Pelo contrário, assim como antes, ela fazia uma
distinção entre o que ela chamava puramente de “Teosofia” e gnosticismo. A idéia, como eu disse,
não era nova. É uma forma de se desatrelar da imagem gnóstica de um pessimismo misoteísta (o
ódio a Deus) e algumas outras diferenças. Blavatsky escreveu uma obra para justificar essa
diferença, mas, francamente, além do texto dela ser confuso e misturar conceitos, isso tudo me
parece, no final, uma questão de se ignorar ou não os fatos. É preciso ver as obras (Mt 7,16) e tal
filosofia posta em prática, e não as justificativas, brigas ou falsas separações. Poucos autores
modernos aceitam essa distinção nos termos usados pelos teosofistas com o intuito de se distanciar
do gnosticismo. E com boa razão! Do momento em que você sincretiza como um gnóstico; pratica
um esoterismo igual aos gnósticos; e fala igual a um gnóstico, como aceitar uma distinção que
parece apenas muita retórica para pouco fato? Repito: o sincretismo, e o esoterismo (ensinamento
iniciático) são as grandes pistas para a gnose, além do Platonismo. E nenhuma chuva de
justificativas pseudo-filosóficas disfarçam isso. Pois bem, aqui eu assumo a posição de que por mais
que se pinte o gato, se ele caçar o rato… é um gato!
                A gnose moderna vem com tudo o que sincretismo moderno tem direito. Paganismo,
esoterismo, luzes coloridas para simbolizar os tais mestres e o que eles representam (ou controlam),
em alguns casos panteísmo, energias das mais variadas cores, fontes diversas, e muito mais. Sempre
iniciáticas e donas do conhecimento secreto, profetizado pelo líder da seita.
                 Além dos abusos psicológicos e morais da maioria dessas seitas, alguns casos somavam a
isso o abuso físico e financeiro, e foram amplamente noticiados e depois publicados em livros,
como o famoso caso da “profetiza” Elizabeth Clare Prophet e sua previsão apocalíptica. Prophet foi
iniciada e treinada por seu primeiro marido, Mark, o criador da seita.  Em suas publicações, ela
explicava ser uma mensageira, mas entre seus seguidores era chamada de “Mãe” ou Guru Ma, “a
mestra que é mãe”. Seus adeptos foram levados a crer que Prophet recebeu dos “mestres”
informação precisa sobre uma guerra de proporções apocalípticas, que resultaria em um holocausto
nuclear que “limparia” o mundo. Seus discípulos, portadores do conhecimento secreto sob a guia de
Prophet, sobreviveriam se seguissem tais e tais determinações. Muitos adeptos gastaram todo o seu
dinheiro, se endividaram para tentar suprir a seita e cumprir as ordens. O segundo marido de
Prophet foi preso por comprar armas ilegalmente, entre outras coisas. Armas que eram parte da
ordem de montar uma milícia para se defender. A fazenda em que a seita tinha sua base foi
fortificada com bunkers, caminhões cercando a propriedade, e gente armada até os dentes, o que
preocupou as autoridades. Sem falar no medo de outro suicídio coletivo. Quando o bunker principal
não estava pronto, a profetiza disse ter conseguido um “adiamento” da conta do karma que seria
paga com o holocausto. Quando o holocausto não aconteceu mesmo, a profetiza anunciou que, por
intercessão de suas orações e do grupo, o mundo havia sido poupado. A seita perdeu adeptos,
inclusive dois filhos de Prophet (talvez mais), que a acusam de charlatanismo em seus sites pessoais
e livros. Porém, até hoje essa e outras seitas gnósticas continuam com certa força. De fato, muitos
dos seus adeptos fundam suas seitas e inventam novas formas de sincretismo e, claro, mais formas
de serem eles os mensageiros de algum conhecimento secreto que os conecte com forças místicas
diversas.
                Os piores obstáculos para os católicos são as seguidas tentativas de passar conhecimento
gnóstico na forma de pseudo-cristianismo histórico ou teológico que finge portar alguma autoridade
ou credibilidade. O movimento New Age ajudou o gnosticismo (feitos um para o outro.
Literalmente!) com sua mentalidade “se você se sente bem, então tudo é válido”. Com isso, Jesus
passa a ser apenas mais um guru, alguém que não é ele mesmo a salvação; alguém que veio passar
conhecimento para sua vida ser mais feliz. Nada de salvação, mas menos “culpa”. O modernismo
acredita que a culpa, e não o erro, é o causador da dor. Então, se você suprimir a culpa, pode seguir
errando sem problemas. Se o erro parecer ruim, relativize-o e torne-o moralmente neutro. Afinal,
para eles, moralidade é algo para “fundamentalistas”. Ninguém se responsabiliza, ninguém se
preocupa com a salvação, e todos ficam felizes. Só que a parte da felicidade nunca acontece! Muito
menos salvação! A grande mentira é a que “Jesus é apenas um grande mestre da moral e seus
ensinamentos conduzem a uma vida melhor”. Sim, Jesus é tudo isso. Mas se ele fosse apenas isso,
como dizia C.S. Lewis, ou ele não seria um bom homem, ou ele seria um louco. Porque Cristo não
disse “faça isso e ouça aquilo e tudo está bem”. Ele disse (e provou com sua ressurreição!) que Ele é
o caminho, a verdade e a vida. Ele é a salvação! Nada do que o homem pode fazer, por si só, é
capaz de salvá-lo. Eu devo seguí-lo para tentar viver no seu infinito amor. É no viver em Cristo que
nos tornamos pessoas melhores, e não o contrário. Nenhum amontoado de frases, seja de quem for,
irá lhe salvar. Embora algumas dessas características não sejam exclusividade da presença da gnose
em uma versão do catolicismo, o catolicismo com infiltração gnóstica sempre termina por passar
uma imagem vazia. Um Cristo sem sua cruz. Sem a cruz não existe sacrifício salvífico. Sem a cruz
não há possibilidade de nossa redenção. Um catolicismo desdentado, que não assusta as forças do
mal e nos faz tão vazios e frágeis que somos incapazes de reagir. Por fim, não há esperança de
salvação se passamos a vida fugindo da cruz do sacrifício, ou da Palavra de Deus.
                A gnose, com seu caráter sincrético, ‘secreto’ e iniciático, apresenta um catolicismo que é
uma distorção demoníaca da Verdade. Ele aceita tudo mas sem comprometimento algum. Ele não
vai ao mundo passar a Palavra da Salvação, mas se mantém em seu grupo e requer conhecimentos
secretos. Ele não busca a salvação, mas uma “iluminação” vazia que é uma caricatura da vida
humana e sua infinita dignidade. Não nos livramos de nossos sentimentos ou “evoluímos”. Nós
abraçamos a cruz do nosso pecado e precisamos de salvação. Assim somos melhores. Nenhuma luz
colorida, mestres fictícios, ou conhecimentos secretos podem nos dar o que só Cristo, o de verdade,
nos provou que pode fazer: vencer o pecado e sua filha, a morte!
                Ouça a Santa Mãe Igreja e não caia em armadilhas. Não aceite atalhos e conhecimentos
secretos.  Não acredite quando lhe disserem que você está ali porque você é especial e pode e
merece receber esse conhecimento. A salvação é para todos! Não merecemos, mas Deus nos dá
assim mesmo! Porque ele ama, e ama a todos! Não um grupo seleto!
                Por favor, o último a sair dessa, apague as luzes coloridas! Abrace e carregue sua cruz!
                Em Cristo, sob a proteção da Virgem Maria,
                um Papista.

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