Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
https://docs.google.com/document/d/0B8fd9G3qzIQDQmhSS0VJUFNpNWM/edit?
usp=sharing&ouid=113718814215972368636&resourcekey=0-
TIFQyoIIctLXr3yhSo1lsw&rtpof=true&sd=true
Mas eu ainda não havia morrido. Estava vivo e despertara dentro do megatruck de
Phil, solavancos indicando movimento: estávamos em fuga, presumi. Mas e os outros?
Olhei ao redor e encontrei Sarah – como sempre – lendo. “Você... me salvou?”,
perguntei, ao que ela balançou a cabeça – linda, a pele branca cheia de sardas, os
cabelhos ruivos soltos sobre o rosto –, negando e esclarecendo, para meu desgoto, que
fora Aaron que me salvara, disparando, de longe, um fulminante raio psion contra a
placa peitoral do ciclope, que morrera instantaneamente, carbonizado. Mas o esforço do
steelpunk havia sido demais: quase caíra exausto e sofrera por dois dias de crises de
esquizofrenia, sem contar o surgimento de uma mutação definitiva – seus olhos haviam
ficado totalmente brancos, como que repletos de neve. Eu teria que agradecê-lo, e lhe
ficara devendo minha vida. Quanto à minha mão – no lugar e intacta, como se eu não a
tivesse perdido –, Sarah e Phil haviam pago para que um curandeiro a regenerasse.
Esses eram os meus amigos.
Durante a refeição que se seguiu fui informado de que estávamos a caminho do
avião sob a neve. Mas tínhamos todos os recursos necessários? Bem, talvez não
tivéssemos todo os diesel necessário, mas contávamos em encontrar o que faltava no
caminho ou no próprio avião, e de qualquer forma não tínhamos mais como permanecer
em Londres, sendo caçados pela Irmandade e pelos rom.
A viagem era monótona; ao que se somava uma dor dilacerante no local onde a
espada templária havia-me partido o crânio – nós megasobreviventes somos osso duro
de roer, o corpo como que insistindo em sobreviver, às vezes à revelia da própria
vontade da psicoforma que o habita.
De tempos em tempos Sarah desaparecia, teleportando-se para o local da queda do
avião – assim podia sentir o quão próximo o megatruck estava do nosso destino, podia
corrigir a rota, se preciso – e nossa preocupação com ela quebrava a monotonia,
preenchia nosso silêncio com ansiedade e apreensão...
Seu último salto havia ocorrido na noite anterior à chegada ao avião. Uma
tempestade de neve castigava-nos severamente, e Phil, não tendo como prosseguir, fora
obrigado a parar o caminhão simplesmente no meio do nada. Quando Sarah retornou –
eu aprendera a sentir sua chegada instantes antes com o arrepio dos pêlos, ao que se
seguia o deslocamento de ar e, neste caso, o surgimento de um redemoinho de flocos de
neve que a acompanhava, solidário, de onde ela viera –, estava enregelada e tremia
convulsivamente, mais de pânico do que de frio.
– Uma... criatura fez do avião seu covil –, relatou, com dificuldade – talvez um
mutante, talvez um planar. Eu não a vi, mas ela me expulsou de lá como se eu não fosse
nada, a mesma facilidade, a mesma repulsa com que expulsamos um roedor de nosso
lar. Já não podemos dar meia-volta, eu sei, mas gostaria que tivéssemos essa alternativa.