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PODER JUDICIÁRIO
----------RS----------
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
4ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
RELATÓRIO
Porém, é necessário ter empatia, também, a Letícia. Não, Letícia, não há um dever de
viver. É um direito, não um dever. Um direito que traz ínsito, de modo inafastável -
inafastável, vale repetir -, que a vida seja vivida com dignidade. Dignidade que não há
como ser desatrelada da liberdade religiosa e de sua convicção professada por Letícia.
Não. Letícia não é obrigada a viver sem se reconhecer, sem se aceitar, nem sem a
aceitação dos seus.
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Tais palavras, talvez, não confortem Sandra. Espera-se que confortem, mas talvez não.
De todo modo, é necessário que a mãe Sandra saiba que não são essas palavras que,
talvez, por respeito à própria dignidade de Letícia, condenem essa amada filha à não vida
(e, paralelamente, evitem uma vida em indignidade).
Segundo, porque se tem decidido desta forma em inúmeros Tribunais. Não se tem, aqui,
uma decisão conforme, exclusivamente, a consciência desse magistrado. O Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, tem o seguinte precedente:
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como viável pela equipe médica responsável e acompanhada do consentimento
esclarecido do indivíduo que se irá submeter ao procedimento acerca de seus
riscos. 5. A decisão de recusar tratamento de saúde, por convicção religiosa, há de
estar delimitada no âmbito individual, sem que haja o envolvimento de crianças,
adolescentes ou incapazes e risco à saúde pública e à coletividade. 6. Propostas de
teses de repercussão geral: I – É permitido ao paciente recusar-se a se submeter a
tratamento de saúde, por motivos religiosos, como manifestação positiva de sua
autodeterminação e de sua liberdade de crença. II – A recusa a tratamento de
saúde, por motivos religiosos, é condicionada à decisão inequívoca, livre,
informada e esclarecida do paciente; ao não envolvimento de crianças,
adolescentes ou incapazes; e à ausência de risco à saúde pública e à coletividade.
III – É possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo
sistema público de saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea
ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso,
anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre,
informada e esclarecida do paciente. — Parecer pelo provimento do recurso
extraordinário, com a fixação das teses sugeridas.
Com esses fundamentos e com o maior e mais sincero compartilhamento de dor com a
requerente Sandra, INDEFIRO o pedido.
Procedida a intimação urgente da parte autora pelo Sistema Eproc. Não obstante,
intimem-se os Procuradores por telefone, com urgência, a fim de que possam manejar,
com urgência, o competente recurso.
Em expediente, citem-se.
VOTO
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"(...)
(...)"
(...)
Relembre-se, como já assinalado, que a ordem jurídica respeita até mesmo decisões
pessoais de risco que não envolvam escolhas existenciais, a exemplo da opção de praticar
esportes como o alpinismo e o paraquedismo, ou de desenvolver atuação humanitária em
zonas de guerra. Com mais razão deverá respeitar escolhas existenciais. Por tudo isso, é
legítima a recusa de tratamento que envolva a transfusão de sangue por parte das
testemunhas de Jeová. Tal decisão funda-se no exercício de liberdade religiosa, direito
fundamental emanado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito de
fazer suas escolhas existenciais. Prevalece, assim, nesse caso, a dignidade como
expressão da autonomia privada, não sendo permitido ao Estado impor procedimento
médico recusado pelo paciente. Em nome do direito à saúde ou do direito à vida, o Poder
Público não pode destituir o indivíduo de uma liberdade básica, por ele compreendida
como expressão de sua dignidade.".
Ainda que essa exigência possa não ser absoluta, ela certamente é recomendável,
inclusive para resguardo do médico e do Estado. Por fim, a vontade deve ser atual,
manifestada imediatamente antes do procedimento, e revogável.
Para que seja considerado genuíno, o consentimento precisará também ser livre, fruto de
uma escolha do titular, sem interferências indevidas. Isso significa que ele não deve ter
sido produto de influências externas indevidas, como induções, pressões ou ameaças. Por
derradeiro, o consentimento tem de ser informado, o que envolve o conhecimento e a
compreensão daquele que vai consentir acerca de sua situação real e das consequências
de sua decisão. Nessa linha, os elementos relevantes devem ser transmitidos em
linguagem acessível ao indivíduo, conforme indicado na Carta dos Direitos dos Usuários
da Saúde (Portaria MS nº 675/2006), em seu Terceiro Princípio, item IV, e na Lei
Estadual (RJ) nº 3.613/2001.".
Ademais, como já foi apontado nestes autos, sem que novidade alguma
tenha aportado, inexiste evidência segura de que inexista qualquer outra terapêutica,
afora a transfusão de sangue, capaz de assegurar a sobrevivência da
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A propósito:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.
TESTEMUNHA DE JEOVÁ. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITOS
FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE CRENÇA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
PREVALÊNCIA. OPÇÃO POR TRATAMENTO MÉDICO QUE PRESERVA A
DIGNIDADE DA RECORRENTE. A decisão recorrida deferiu a realização de transfusão
sanguínea contra a vontade expressa da agravante, a fim de preservar-lhe a vida. A
postulante é pessoa capaz, está lúcida e desde o primeiro momento em que buscou
atendimento médico dispôs, expressamente, a respeito de sua discordância com
tratamentos que violem suas convicções religiosas, especialmente a transfusão de sangue.
Impossibilidade de ser a recorrente submetida a tratamento médico com o qual não
concorda e que para ser procedido necessita do uso de força policial. Tratamento médico
que, embora pretenda a preservação da vida, dela retira a dignidade proveniente da
crença religiosa, podendo tornar a existência restante sem sentido. Livre arbítrio.
Inexistência do direito estatal de "salvar a pessoa dela própria", quando sua escolha não
implica violação de direitos sociais ou de terceiros. Proteção do direito de escolha, direito
calcado na preservação da dignidade, para que a agravante somente seja submetida a
tratamento médico compatível com suas crenças religiosas. AGRAVO PROVIDO.(Agravo
de Instrumento, Nº 70032799041, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em: 06-05-2010).
1. Tema: 1069 Título: Direito de autodeterminação dos testemunhas de Jeová de submeterem-se a tratamento
médico realizado sem transfusão de sangue, em razão da sua consciência religiosa. Descrição: Recurso
extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 1º, inciso III; 5º, caput e incisos II, VI e VIII; e 196 da
Constituição Federal, o direito de autodeterminação dos testemunhas de Jeová de submeterem-se a tratamento
médico realizado sem transfusão de sangue, em razão da sua consciência religiosa.
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4. Caso em que o atestado médico não aponta que a transfusão de
concentrado de hemácias seja a única opção possível para o tratamento da
paciente/demandada, limitando-se em indicar que "traria consideráveis
benefícios na sua melhora", o que, em um exame preliminar, mostra-se
insuficiente para viabilizar a tutela de urgência pretendida.
ACÓRDÃO
Poder Judiciário
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 23/11/2022, na
sequência 256, disponibilizada no DE de 11/11/2022.
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