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Ser a favor da venda de órgãos significa ser a

favor do direito de trocar os próprios órgãos por


dinheiro, numa transação voluntária. Em outras
palavras, significa ser a favor do direito de
propriedade dos indivíduos sobre seus órgãos.
Se todo direito deve ser ético, então será por
meio da Ética que se justificará ou não um
direito. Assim, devemos verificar se o direito dos
indivíduos sobre seus órgãos é eticamente
legítimo. Minha abordagem terá como base
a Ética Argumentativa de Hans-Hermann Hoppe,
segundo a qual existe uma ética implícita no
próprio ato de argumentar. Em seguida, faremos
uma abordagem consequencialista.
Toda argumentação, invariavelmente, tem a
autopropriedade como pressuposto. Negar tal
premissa levaria a uma contradição performativa,
isto é, sua negação reivindicaria necessariamente
sua validade. É impossível negar ser dono do
próprio corpo sem, no entanto, admitir isso como
verdadeiro através do ato mesmo de usar o corpo.
Toda argumentação também possui como
pressuposto o respeito aos corpos dos outros:
dizer, no curso de um litígio, "eu não respeito seu
corpo" é tão contraditório quanto dizer "eu não
estou falando". Sem esse respeito, sequer haveria
discussão. Vê-se, portanto, que existem regras
implícitas no próprio ato de argumentar, de
modo que qualquer outra regra que seja criada
deva ser compatível com as já aceitas, caso
contrário se estaria caindo numa
autocontradição. Assim, se o sujeito tem direito
de propriedade sobre seu corpo, ele o tem sobre
seus órgãos, podendo fazer com eles o que quiser,
desde que não agrida a propriedade de outros
indivíduos. Por conseguinte, o comércio de
órgãos é uma atividade eticamente legítima, e
impedi-la com ameaça do uso de força
caracterizaria uma agressão contra indivíduos
pacíficos, uma ação antiética, um crime. Ainda
que o comércio de órgãos trouxesse
consequências ruins, o que não é o caso, nada
daria a ninguém o direito de se intrometer nesse
tipo de troca voluntária entre dois sujeitos
pacíficos usando violência física para obstruí-la.
Qualquer um que fizesse isso seria um criminoso.
A Ciência Econômica nos ensina que
qualquer tipo de controle de preços é pernicioso,
e é isso que acontece no mercado de órgãos: o
preço destes é artificialmente reduzido a zero, o
que leva à queda drástica da oferta desse bem,
não alterando, porém, sua demanda. Como
sucederia com qualquer outro bem ou serviço
nessas condições, seu preço se eleva de maneira
descomunal. Num tal arranjo, o roubo e o tráfico
de órgãos tornam-se práticas viáveis e atraentes,
porquanto a lucratividade é altíssima, e cria-se
escassez artificial de órgãos para os necessitados,
já que as doações são insuficientes e ninguém
venderia um órgão por zero reais.
Com a liberação desse comércio, a oferta de
órgãos aumentaria, diminuindo seu preço, e o
tráfico seria eliminado, por tornar-se inviável.
Além disso, haveria, por parte das empresas
responsáveis pela venda de órgãos, um incentivo
para que as pessoas vendessem os seus. Isso
favoreceria a empresa, as pessoas que queriam
vender seus órgãos e os compradores destes, que
gozarão melhor qualidade de vida ou escaparão
da morte. A liberação desse mercado não
obrigaria ninguém a vender seus órgãos, mas
traria às pessoas uma nova opção segura para
salvar-se de uma crise financeira ou mesmo
ajudar um familiar em estado grave de saúde. Há
um caso de 2003 em que um pai colocou o rim à
venda no eBay para salvar a vida da filha com o
dinheiro obtido. Essa transação favoreceu, ao
mesmo tempo e sem desfavorecer ninguém, três
pessoas: o pai, que salvou a filha, a filha e o
sujeito que comprou o órgão.
O comércio legal de órgãos não impediria
doações, tal como o comércio de alimentos
também não estorva as doações de alimentos. As
listas de espera para transplante de órgãos
doados continuariam existindo, mas diminuiriam
de tamanho, uma vez que os mais ricos
prefeririam comprar logo seus órgãos a sofrer o
suplício da espera indefinida.
Mas mais interessante que essa sucinta
análise dos benefícios da liberação do comércio
de órgãos é observar o pressuposto adotado por
aqueles que rejeitam essa liberdade: se o estado
pode proibir um sujeito de vender seus órgãos,
isso significa que o estado é parcialmente dono
dos órgãos. Quem é contra tal direito está
pressupondo isso e defendendo, na verdade,
uma socialização dos órgãos das pessoas.
Obviamente, não estou me referindo a socialismo
aqui no sentido de que os órgãos de todos
pertencem a todos, mas sim no de que há
socialização dos órgãos na medida em que o
estado exerce certa regulação sobre eles em nome
de algum "bem coletivo". O estado não só
impede-nos de comercializar os órgãos, como
também nos proíbe de consumir substâncias que
façam mal ao organismo. Isso já representa um
nível perigoso de socialismo. No estado do
Espírito Santo, de onde escrevo, passou-se uma
lei que proíbe os bares e restaurantes de
deixarem saleiros sobre as mesas, sob a alegada
justificativa de que esse costume estimularia o
consumo de sal e, portanto, promoveria a
hipertensão.
O estado já estatizou os nossos órgãos. Ele
já regula o que podemos ou não comer e beber.
Os próximos passos serão restringir nossa dieta a
uma ração estatal obrigatória, forçar-nos a fazer
exercícios físicos diários e, em nome da saúde
mental, decidir o que podemos ou não ver, ler e,
finalmente, o que não podemos pensar! As
perspectivas são essas, mas o curso da história é
definido, em última instância, por ideias. Um
movimento forte em defesa do direito de
propriedade privada deve ser fomentado para
revertermos essa tendência lúgubre. Façamos
cumprir nosso direito sobre nossos corpos, ou
seremos escravizamos para sempre.

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