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A Justiça e a obediência ou desobediência à lei injusta

“O que é a justiça?” É uma questão muito mediática nos dias de hoje e para a qual
toda a gente criou uma definição de acordo com os seus valores. Para mim a justiça é
tratarmos as pessoas como iguais, mas é certo que existem as pessoas ditas “pobres” e as ditas
“ricas”. Como atuar nesta situação? Na minha opinião a todos deve ser dado o mínimo de
condições de vida por parte do estado, defendendo eu assim uma intervenção estatal (mas
nunca em exagero tendo, portanto que haver limites), mas os ricos não necessitam de ajuda
do estado para tal e dessa forma o estado não deve intervir porque não se deve dar mais aos
ricos do que aquilo que eles já têm. Já quanto aos pobres a questão é outra porque muitos não
têm o mínimo de condições de vida, como os que vivem na rua, e nesse caso o estado deve
intervir.

Agora quando não existe justiça estamos perante o quê? Injustiça é claro e é neste
sentido que falamos em lei injusta. O artigo 8º nº2 do CC determina que “o dever de
obediência à lei não pode ser afastado sob pena de ser injusto ou imoral o conteúdo do
preceito legislativo”. Quer isto dizer que o juiz, mesmo que considere a lei injusta, imoral ou
desatualizada, tem de aplicar a lei, não podendo sobrepor a sua opinião individual. Segundo
esta corrente de pensamento a lei existe para ser aplicada e caso seja injusta ou estiver
desatualizada deve ser modificada, mas enquanto estiver em vigor, terá de ser aplicada.

No período greco-romano são discutidas várias ideias como a dicotomia entre


liberdade e obediência à lei. Por isso neste contexto perante uma lei injusta devemos
obedecer à lei e fazer prevalecer a autoridade ou devemos desobedecer à lei e fazer
prevalecer a liberdade? A esta questão são dadas 2 respostas: Numa primeira resposta temos
o caso da obra antígona que defende a ideia de que perante uma ordem injusta não devemos
obedecer porque o poder tem limites que estão acima da vontade dos governantes e neste
sentido podemos referir Cícero que defende a ideia de lei natural, uma lei que precede a lei
escrita e constituição de qualquer estado e que tem como autor Deus. Numa segunda resposta
temos o caso de Sócrates em que se conclui que se deve acatar uma lei mesmo que seja
injusta.

No período da Idade Média temos Santo Agostinho que afirma que a justiça é o fim do
Estado, ou seja, o poder existe para garantir a justiça. Assim, quando o Estado não o faz, ou
seja, impõe o cumprimento de uma lei injusta, transforma-se num “bando de ladrões”. Ainda
não Idade Média é possível referir outro autor: São Tomás de Aquino. Este autor defende os
direitos de resistência e desobediência perante leis injustas que vão contra o bem comum e a
lei divina, mas defende igualmente a ideia de proporcionalidade e segundo esta só é legitimo
desobedecer a uma lei injusta se da desobediência não resultar um dano superior ao que
resultaria da obediência.

No período da Modernidade temos Thomas Hobbes e o contrato social em que as


pessoas abdicam de uma parte da sua liberdade, ou seja, abdicam da liberdade de se oporem
às decisões do soberano para garantir a segurança e deste modo não é legalmente admissível
a desobediência a leis consideradas injustas.

É possível ainda referir Jean Bodin que afirma que mesmo que se caia nas mãos de um
tirano que desrespeita a lei divina e natural e impõe desta forma leis injustas o povo não se
pode rebelar.

Nos tempos de hoje é normal que tal como toda a gente tem uma opinião acerca do
que é a justiça também têm uma definida quanto a esta questão de se devemos obedecer ou
não à lei injusta. Na minha opinião é certo que o não acatamento de uma lei injusta pode ter
consequências mais graves do que o acatamento e devemos ter isso em conta. Por isso,
defendo que devemos acatar uma lei injusta e não usufruirmos do nosso direito de resistência
(nos termos do artigo 21º da Constituição da República Portuguesa “todos têm o direito de
resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela
força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”) numa
situação em que as consequências que decorrem do não acatamento de uma lei injusta são
mais graves que as do acatamento. Não é por ter esta visão que sou defensora de ficarmos na
nossa zona de conforto e não nos impormos quando os nossos direitos fundamentais que
tanto estudamos em Constitucional com o professor regente Paulo Otero estão a ser
ameaçados, até pelo contrário. Todos os dias devemos lutar para sermos tratados de forma
igual, para vermos os nossos direitos e dignidade humana serem respeitados e é nestes casos
que a ideia que defendo anteriormente não se aplica.

Em 2011 o secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) lançou


o apelo para que os tribunais se "assumam como entidades políticas", com juízes corajosos
dispostos a recusar a aplicação de leis contrárias aos princípios constitucionais, sempre que
esteja em causa os valores da justiça e do direito, na defesa dos mais desprotegidos,
sobretudo nesta altura de emergência social. Exemplo de uma situação em que devem fazer
isso: "Imaginemos uma ação de despejo por falta de pagamento de rendas em que os réus se
defendem dizendo e provando que o incumprimento ficou a dever-se à repentina situação de
desemprego por encerramento da fábrica onde trabalham desde sempre e que as escassas
economias do casal foram gastas no sustento dos filhos."

Por fim posso dar um exemplo de uma lei que é injusta na minha perspetiva: a lei do
aborto na Irlanda do Norte. Esta lei proíbe o aborto quando a gravidez é fruto de uma violação
ou de incesto e quando o feto apresenta anomalias graves. Considero desumano colocar as
mulheres nesta posição. Ser fruto de uma violação e incesto já é humilhação suficiente e acaba
por destruir a autoestima de qualquer mulher que terá de carregar consigo esse
acontecimento durante toda a sua vida. O caso de o feto apresentar anomalias graves não é
humilhação, mas traz uma dor inexplicável e é uma situação com que nenhuma mulher se
devia deparar porque não está só em causa ela, mas o seu filho que poderá sofrer no mundo
em que vivemos nos dias de hoje graças à sua condição. É do conhecimento de todos que
existe muito maldade nas crianças, por vezes um pouco involuntária, mas existe e neste caso
como seria a vida de uma criança que passaria a ser gozada por crianças da sua idade ou até
mais velhas? É por isto que a mãe sozinha ou em conjunto com o pai devem ter o direito de
medir as vantagens e desvantagens da situação e de decidir qual será o melhor caminho tanto
para estes como para o seu filho.

Já em Portugal isto não se verifica desde a lei 6/84 que veio permitir a realização da
interrupção voluntária da gravidez nos casos de perigo de vida para a mulher, perigo de lesão
grave e duradoura para a saúde física e psíquica da mulher, quando existe malformação fetal
ou quando a gravidez resultou duma violação.

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