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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ...

VARA DA FAZENDA PÚBLICA


DA COMARCA DE BARUERI – SP

Ashiley Carolina dos Santos Reis, brasileira, casada, desempregada,


portadora do RG nº 459490904 SSP/SP, inscrita no CPF/MF nº 443.897.788-62,
residente e domiciliada na rua Profeta Jeremias, nº 74, Jardim Conceição, Osasco –
SP, por seu advogado que esta subscreve, vem a Vossa Excelência propor

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face de Estado de São Paulo, pessoa jurídica de direito público, inscrito no


CNPJ/MF nº 46.379.400/0001-50, com sede na Avenida Morumbi, nº 4500,
Morumbi, São Paulo/SP; Município de Barueri, pessoa jurídica de direito público,
inscrita no CNPJ 46.523.015/ 0001-35, com sede na rua do Paço, nº 8, Centro,
Barueri - SP
CEP 06401-090; Spdm - Associação Paulista Para o Desenvolvimento da
Medicina (nome fantasia: HOSPITAL MUNICIPAL DE BARUERI DR.
FRANCISCO MORAN), inscrita no CNPJ/MF nº 61.699.567/0018-30, e-mail:
nfe.serv@hmb.spdm.org.br, com sede na rua Angela Mirella, nº 354, Jardim Barueri,
Barueri – SP, CEP 06411-330, Pro Saude - Associação Beneficente De
Assistência Social e Hospitalar (nome fantasia: HOSPITAL MUNICIPAL DE
BARUERI DR. FRANCISCO MORAN), inscrita no CNPJ/MF nº 24.232.886/0144-60,
e-mail: prosaude@prosaude.org.br, com sede na rua Angela Mirella, nº 354, Jardim
Barueri, Barueri – SP, CEP 06411-330, pelos motivos de fato e de direitos a seguir
expostos:

DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA

A autora não possui condições de pagar as custas e despesas do processo


sem prejuízo próprio. Cabe aqui mencionar que o artigo 5º da CF/88 em seu inciso
LXXIV, garante assistência jurídica integral aos necessitados que comprovarem
essa situação. De forma que, tal dispositivo não revogou o artigo 4º da lei 1.060/50 e
não interfere no artigo 99 do CPC.
Importante ressaltar que, a autora é beneficiária da assistência judiciária
(convênio Defensoria/OAB) porque não tem condições de pagar advogado
tampouco custas de processo.
Portanto, é pessoa pobre na acepção jurídica do termo, razão pela qual requer
os benefícios da justiça gratuita nos termos do artigo 5º, LXXIV da Constituição
Federal c/c artigo 98 com seus incisos e parágrafos e seguintes do Código de
Processo Civil/2015.
LEGITIMIDADE ATIVA

De início, convém tecer linhas acerca da propriedade do ajuizamento desta


ação indenizatória, nomeadamente em face da legitimidade ativa.
Insta salientar que o dano moral, conquanto de natureza personalíssima, inato
aos direitos da personalidade, possui repercussão social e proteção constitucional. A
personalidade do de cujus também é objeto de direito, na medida em que o direito
de reclamar perdas e danos do de cujus se transmite aos sucessores, a teor dos
arts. 12 e parágrafo único e art. 943, todos da Código Civil, verbis:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da


personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a
medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha
reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se


com a herança.

INTRODUÇÃO

Esta ação visa obter reparação por danos morais em virtude da morte de
Elisete dos Santos, mãe da autora.
O vínculo formado entre médico e paciente é dotado de peculiaridades que
extrapolam os limites da relação jurídica profissional.
Ao se colocar sob os cuidados de uma equipe médica, o indivíduo e seus
familiares esperam, instintivamente, que o princípio sedimentado por Hipócrates, e
imortalizado em latim, guie o procedimento: primum non nocere (Primeiro, não
prejudicar).
Meritíssimo Juiz, o que restará demonstrado ao final deste processo é que,
agindo em desacordo com a literatura e absoluto consenso médico, o Hospital
Municipal de Barueri, na pessoa de seus representantes, agiu com clara
imprudência, imperícia e negligência, o que levou a óbito a mãe da autora.
Prejudicada restou a vida da senhora Elisete que teve suas chances de
sobrevivência fulminadas pela inatividade dos médicos e enfermeiros responsáveis,
especificamente por não empenharem todos os esforços para garantir que o pior
não ocorresse, como ocorreu. Pois, não tomaram os devidos cuidados para que a
de cujus não contraísse Covid-19 (se é que ela faleceu por esse motivo mesmo),
uma vez que deu entrada no Hospital réu em bom estado de saúde apenas para
efetuar um exame rotineiro que fazia parte do tratamento de seu tumor cerebral
(tumor este que estava controlado e não havia trazido sequelas a de cujus ), mas
saiu de lá morta.
Ademais Excelência, não foi possível anexar os documentos que deveriam
instruir está petição, tais como: prontuários médicos, resultados de exames,
relatórios, receitas e etc., tendo em vista que o hospital réu se negou a entregar os
referidos documentos. Mesmo com um ofício enviado pela Defensoria Pública em
16/06/2021 (documento anexo), o réu NÃO ENTREGOU OS PRONTUÁRIOS e
sequer esclareceu o motivo dessa recusa, contrariando a Lei e sobretudo o artigo
88, do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/09), causando ainda mais
abalos psicológicos na autora que já estava arrasada e não pôde saber até hoje o
que sua mãe realmente teve para que viesse a óbito. Vale ressaltar que, existem
enunciados do CNJ referentes ao tema do prontuário, um deles diz: “Poderá
constituir quebra de confiança passível de condenação por dano a recusa
imotivada em fornecer cópia do prontuário ao próprio paciente ou seu
representante legal ou contratual, após comprovadamente solicitado, por parte do
profissional de saúde, clínica ou instituições hospitalares públicas ou privados”.
Esse enunciado está baseado em algumas normas em vigor. Segundo o artigo 88
do Código de Ética Médica, por exemplo, é vedado ao médico "negar, ao paciente,
acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como
deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando
ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros".
O direito do acesso à cópia do prontuário médico está garantido, ainda,
pelo Código de Defesa do Consumidor . Conforme o artigo 72, o prestador de
serviço que “impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre
ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros” está sujeito a uma
pena de seis meses a um ano de detenção ou multa.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, por sua vez, demonstrando a
alteração no posicionamento do órgão de classe, elaborou parecer posterior, em
2014, qual seja RECOMENDAÇÃO CFM Nº 3/14, que pode ser consultada neste link
https://portal.cfm.org.br/images/Recomendacoes/3_2014.pdf, onde foi chancelada a
posição abaixo:

Que os médicos e instituições de tratamento médico, clínico, ambulatorial ou


hospitalar: a) forneçam, quando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente
do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em
linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente
falecido: desde que documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a
ordem de vocação hereditária.

Dessa forma, está claro que houve erro médico, pois se não houvesse erros a
serem evidenciados o Hospital réu não se negaria a entregar os prontuários. Porém,
como estão a fim de tentar ludibriar a autora se negam para que ela desista e a
situação fique da maneira que está.
Importante destacar que, segundo a autora, no dia que a sua mãe faleceu
vários outros pacientes da mesma ala morreram de maneira suspeita e o réu alegou
ser por Covid.
Quem se submete a tratamentos médicos, dos mais simples aos mais
complexos, tem direito a não suportar riscos desnecessários. Os profissionais da
saúde devem atuar com vistas a proteger a integridade do paciente.
Sempre que houver erro por parte do hospital, que resulte em dano moral,
psicológico ou financeiro para o paciente, a instituição deve arcar com a
indenização.
Erros hospitalares podem causar problemas graves para os pacientes. Não é
incomum que profissionais da área da saúde cometam erros durante a realização
dos procedimentos médicos.
Por meio desta ação o que se persegue é a responsabilização dos réus, em
razão do seu desrespeito aos deveres fundamentais intrínsecos à prática da
medicina, pelos danos advindos de sua atuação. E assim, passamos a demonstrar a
imperativa necessidade de ver manifesta a tutela jurisdicional deste Ilustre Juízo.

DOS FATOS

Depois da parte introdutória vamos a parte fática.


A autora alega que a sua mãe - senhora Elisete (45 anos de idade) - deu
entrada no Hospital em 30/04/2021 para fazer os exames referentes ao tratamento
do seu tumor cerebral. Alega a autora que sua mãe estava bem, andando, falando,
comendo, fazendo as tarefas domésticas, ou seja, levando uma vida normal. A de
cujus foi internada para a realização dos exames, porém, houve uma grande demora
para que fossem feitos esses exames. Insta salientar, que a autora alega também
que sua mãe sofreu enorme descaso e maus tratos por parte dos enfermeiros do
Hospital réu, que disseram que não a levariam para fazer os exames na hora
determinada porque ela era “folgada” e teria que esperar se quisesse.
Como o Hospital réu estava demorando muito, a autora solicitou ao médico que
liberasse a sua mãe para que ela voltasse apenas no dia do exame, tendo em vista
que não queria deixar sua mãe no hospital, pois ela poderia pegar algum tipo de
doença ou até mesmo Covid.
O médico equivocadamente e sem justificar o motivo proibiu a senhora Elisete
de deixar o hospital. Nesse tempo que ela permaneceu internada sem necessidade,
contraiu o vírus da Covid-19, mais precisamente no dia 20/05/2021. Após ser
diagnosticada com o vírus a de cujus continuou muito bem sem nenhum sintoma,
recebeu visitas da sua filha (autora) e do seu genro, fez chamada de vídeo pelo
celular para falar com os outros parentes e ficou esperando o dia de fazer os
exames. Ainda assim a autora solicitou novamente ao médico que autorizasse a alta
para que não ocorresse uma piora no quadro de Covid da sua mãe, mas o pedido
novamente foi negado.
Pois bem, ela permaneceu internada sem necessidade e no dia 22/05/2021 foi
transferida para a UTI, pois segundo o médico a de cujus estava com insuficiência
respiratória. No dia 25/05/2021, às 8:25, veio a falecer, com o óbito atestado pela
Dra. Amanda Alessi Fernandes de Melo – CRM nº 174.782 – pelas seguintes
causas: SÍNDROME RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE, COVID – 19 E LESÃO
EXPANSIVA CEREBELAR.
A autora, mesmo estando muito abalada emocionalmente, seguiu então com os
procedimentos para declaração do óbito e sepultamento de sua mãe. Poucos dias
depois do sepultamento, solicitou aos funcionários do Hospital réu que lhe
entregassem todos os documentos relativos ao tratamento da de cujus, a saber:
prontuários médicos, exames, receitas, relatórios médicos e demais documentos
pertinentes ao caso. A partir daí os transtornos e abalos psicológicos que feriram o
interior da autora só aumentaram, pois passou a sofrer um enorme descaso por
parte dos funcionários do réu, que se negaram a entregar os documentos solicitados
e disseram que autora teria que fazer a solicitação por escrito com resposta prevista
no prazo de 30 dias. Seguindo tudo com muita educação e respeito, a autora fez a
solicitação escrita no dia 18/06/2021, mas não obteve uma resposta escrita. Entrou
em contato com a ouvidoria do Hospital, contudo apenas informaram que o pedido
foi negado.
A Defensoria, como representante legal da autora, solicitou ao Hospital cópia
do prontuário de Elisete, e também obteve a recusa do Hospital em fornecê-lo.
Alega autora que sua mãe estava muito bem durante todos os dias que
permaneceu internada, tanto antes como depois de contrair o vírus da Covid, mas
que morreu do dia para a noite de forma inexplicável. Além disso, alega também que
todos os pacientes da ala que sua mãe estava faleceram no mesmo dia de forma
muito suspeita.
A autora acredita (sem dúvida alguma) que “o réu por meio de seus médicos e
enfermeiros mataram a sua mãe propositadamente, tendo em vista que a senhora
Elisete contraiu o vírus dia 20/5 e no dia 25/5 veio a falecer, ou seja, não deu tempo
nem do vírus se manifestar, tampouco entrar em sua forma mais grave e acometer a
de cujus com uma insuficiência respiratória. A autora também acredita em uma
morte provocada pelos médicos e enfermeiros, tendo em vista o fato de todos os
pacientes da mesma ala terem falecido no mesmo dia de forma suspeita e
inexplicável assim como sua mãe (sic)”. Dessa forma, vem a Vossa Excelência
requerer a expedição de ofício obrigando o réu a entregar as cópias dos prontuários,
exames, relatórios e demais documentos, para que seja apurada a verdadeira causa
da morte da senhora Elisete. Caso seja comprovado que a senhora Elisete foi morta
por erro, negligência, imprudência ou imperícia dos funcionários do Hospital, a
autora requer uma indenização por danos morais para reparar parte dos abalos
psicológicos que feriram o seu íntimo e de sua família.
Tendo em vista a complexidade do caso, se os prontuários não trouxerem
informações que esclareçam a verdadeira causa da morte, requer a autora que seja
feita a exumação do cadáver da Sr. Elisete para a realização de necropsia.
Por fim, se restar comprovado que a morte da de cujus foi ocasionada
propositadamente por médicos e enfermeiros funcionários do réu, requer seja
instaurado inquérito policial para apuração da responsabilidade criminal dos
envolvidos.

DO DIREITO

DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO (lato sensu)


Nesse ponto, há que se abordar duas facetas do dever do Estado: o dever de
prestação de serviços públicos de saúde de qualidade e o dever de ressarcir os
danos que causa a particulares na prestação desses serviços.

A Constituição Federal é clara ao estabelecer:


Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação

E para a consecução desse múnus se dará através do Sistema Único de SUS


(CF, artigo 198), que especificamente também estabelece que os entes da
federação têm competência comum nesse dever de cuidado e prestação de serviço:

Art. 23. “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e


dos Municípios:
(..)
II- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência.

E a direção do Sistema Único de saúde é una (Lei 8080/90), envolvendo


deveres e conjugação de esforços de todos os entes federativos.
No mais, recorde-se que a dignidade da pessoa humana foi alçada a um dos
cinco fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III) a qual visa
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou
quaisquer outras formas de discriminação” (CF, art. 3º, IV).
Assim, é que, quando o próprio Estado, contrariando seus fundamentos e sua
própria razão de ser, age no sentido de permitir que uma vida se transforme em
morte com evidências ululantes de maus tratos de seu preposto (in casu, o Hospital),
deparamo-nos talvez com a maior das injustiças, já que, não há como negar, o
Estado financiou a morte. Daí a importância do repúdio e da reparação a este tipo de
ato, o que ora através da presente medida se pretende.
Evidentemente que não está a se falar que algum ente estatal desejasse
deliberadamente a morte alheia.
É que por imperativo de ordem constitucional, o Estado deve responder pelos
atos praticados por seus agentes e prepostos, no exercício de função pública, que
causarem quaisquer prejuízos a terceiros, senão vejamos:

Art. 37 (...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado


prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, para instrumentalizar tal repúdio, nosso arcabouço legislativo desenhou


o instituto da responsabilidade objetiva do Estado, para cuja aferição basta o nexo
de causalidade, não se perquirindo sobre culpa ou dolo.
E o nexo causal é extraído à exaustão neste caso concreto, conforme já
explanado. Uma das justificativas para a previsão de responsabilidade objetiva do
Estado no texto constitucional reside no fato de que o ente público deve assegurar
aos particulares a garantia de que os riscos advindos do exercício de serviços
públicos sejam imputados ao próprio Estado, e não aos cidadãos.
Em outras palavras, se ao exercer as atribuições que lhe incumbem, o Estado
oferece risco aos particulares, também deve aquele garantir a estes que os prejuízos
desses riscos serão sempre ressarcidos. É esse o fundamento da denominada
Teoria do Risco Administrativo.

DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO

O sistema SUS de saúde é formado por um complexo arranjo de


responsabilidade solidária entre os três entes da Federação, com vistas à
municipalização. A municipalização, no entanto, não desobriga os demais entes
federados da sua responsabilidade, e na judicialização pode-se optar por demandar
outros entes além do Município.
Neste caso concreto, importante pontuar que a de cujus era moradora de
Osasco e foi remetida pelo SUS ao atendimento em Barueri, o que revela a
existência de uma interação entre Municípios necessariamente intermediada pelo
Estado (estrito senso).
Note-se inclusive que na administração dos serviços de saúde o Estado de São
Paulo criou Departamentos Regionais de Saúde (DRS´s), sendo certo que a região
da Grande São Paulo, que abrange as cidades de Barueri e Osasco, é denominada
DRS I, segundo o Decreto Estadual 51.433/06. Assim, inafastável é a
responsabilidade do Estado de São Paulo na tragédia ocorrida.

DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO

Barueri é um município de gestão plena do SUS, portanto, o repasse de verbas


ao Hospital em questão era feito diretamente pelo município.
Veremos quando tivermos acesso aos prontuários que é incontroverso o
falecimento de Elisete em decorrência dos maus cuidados despendidos no Hospital
Municipal de Barueri/SP.
No caso em tela, aplicam-se as regras de responsabilidade do Estado no
sentido lato ao Município de Barueri enquanto ente federativo diretamente
responsável pelo repasse de verbas, exigência de prestação de contas, fiscalização
sanitária e da qualidade dos serviços prestados.
Além disso, a dignidade humana, a vida e sua preservação são valores
fundantes de todo Estado e de toda comunidade internacional. Tanto é que os
documentos internacionais de direitos humanos reconhecem em primeiro lugar a
dignidade inerente a toda pessoa, e elegem o direito à vida como um dos primeiros
direitos protegidos.
Nesse sentido está a Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas – ONU, a Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) o Pacto Internacional de Direitos Civis
e Políticos de 1976, que logo no seu artigo 6 dispõe:

Artigo 6º, I: O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser
protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.

Da mesma forma, o direito à saúde está garantido, inclusive pela Constituição


Federal:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Quem se submente a tratamentos médicos, dos mais simples aos mais


complexos, tem direito a não suportar riscos desnecessários. Os profissionais da
saúde devem atuar com vistas a proteger a integridade do paciente.
Sempre que houver erro por parte do hospital, que resulte em dano moral,
psicológico ou financeiro para o paciente, a instituição deve arcar com a
indenização.
Erros hospitalares podem causar problemas graves para os pacientes. Não
é incomum que profissionais da área da saúde cometam erros durante a realização
dos procedimentos médicos.
Sem pretender esgotar a vasta lista de direitos cuja violação conjunta levou à
sua morte, segue abaixo uma lista sucinta e exemplificativa dos direitos que não
foram a ela garantidos: “direito a não ser receber tratamento degradante, amparado
pela Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 5º, 2 e na Constituição
Federal, artigo 5º, inciso LIV, dentre outros. ”
O Código Civil dispõe, nos artigos 927 e 932, inciso III, sobre a
responsabilidade civil, sendo certo que o Hospital Municipal de Barueri responde
pelos atos praticados por seus funcionários no presente caso, especialmente diante
da a ocorrência de ato ilícito civil, na acepção do artigo 186 do mesmo diploma legal.
No artigo 43, que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver,
por parte destes, culpa ou dolo. ”
Da leitura dos dispositivos legais acima transcritos, depreende-se que o
constituinte de 1988 adotou a teoria da responsabilidade objetiva.
Dessa maneira, para que se imponha ao estado a obrigação de indenizar,
basta que sejam comprovados a conduta, o nexo causal e o dano.
Apesar de não possuir os prontuários em mãos, no caso em tela, tais
elementos são facilmente verificáveis, tendo em vista que a de cujus gozava de
perfeita saúde quando foi internada para realizar os exames, vindo a contrair Covid e
falecer por descuido, erro, negligência, imprudência e imperícia dos funcionários do
Hospital réu.
Soma-se a isso a violação, pelos profissionais do Hospital do Código de Ética
Médica, estabelecido pela Resolução CFM Nº 1.931, de 17 de SETEMBRO de 2009
(publicado no Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 24 set. 2009.
Seção I, p.90-92 e Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 13 out.
2009. Seção I, p.173 – RETIFICAÇÃO), o qual está em vigor desde 13 de abril de
2010.
Assim é que, ao dispor sobre os Princípios Fundamentais (Capítulo I), o Código
de Ética Médica especifica que:

XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus


ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de
seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles
expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.

Decorre logicamente que o médico deverá consultar o paciente para dele


colher sua opinião sobre os procedimentos a serem efetuados, sem o que não faria
sentido dispor que o médico deverá aceitar o que o paciente lhe expuser como sua
vontade.
Tanto assim é que, no artigo 34 do Código, ao tratar da Responsabilidade
Profissional, estabelece como falta “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o
prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação
direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu
representante legal.”
De forma semelhante, dispõe o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 15, que,
“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento
médico ou a intervenção cirúrgica.”
Diante desse cenário, em que a paciente foi entregue a serviço público
custeado pelo Município, exsurge a obrigação inafastável de indenizar, eis que seus
agentes e prepostos estavam encarregados de zelar pela incolumidade física da
paciente, por meio da devida diligência.
Nosso Eg. Tribunal de Justiça paulista já sedimentou que na responsabilidade
dos hospitais se inclui a incolumidade, mesmo quando o tratamento seja gratuito (RT
522/90 e 652/52).
Portanto, resta cristalino o nexo de causalidade, pois o tratamento que lhe foi
destinado resultou em sua morte.

DO ERRO MÉDICO
A presente demanda traz à apreciação de Vossa Excelência um caso de
patente erro médico pela não adoção das medidas e técnicas necessárias para
permitir ao nascituro as maiores chances de sobrevivência.
O celebrado professor Paulo Nader assim definiu a imperícia médica:

“Ocorre o dano por imperícia, quando o profissional não aplica os


conhecimentos científicos ou os métodos recomendáveis para o tipo de problema.”

Como já demonstrado, e a ser oportunamente respaldado pela competente


perícia técnica, o Réu agiu com patente negligência, imprudência e imperícia. Tal
quadro fático se amolda perfeitamente ao ensinamento da doutora Hildegard
Taggesell Giostri:
“Erro médico pode ser entendido como uma falha no exercício da profissão, do
que advém um mau resultado ou resultado adverso, efetivando-se através da ação
ou da omissão do profissional.”

O mesmo parâmetro está enraizado no ordenamento jurídico internacional,


como bem exposto por Jean Penneau, ao analisar o conceito à luz da jurisprudência
francesa:

“Quanto à falha técnica, dois pontos estão fora de discussão. Em primeiro


lugar, ao transpor um princípio geral, negligência médica pode ser definida como a
falha que não teria apresentado um médico normalmente competente e diligente
atuando nas mesmas circunstâncias. É, portanto, adequado para se referir a um
padrão, permitindo alguma categorização e regras da arte que teria observado.”

Ad cautelam, por mais que para os indivíduos sujeitos ao dano ora narrado, a
gravidade da falha na prestação médica e a tradição da confiança depositada no
profissional, sejam incomensuráveis, devemos relembrar que a legislação pátria não
prevê gradação da falha para que seja o profissional seja considerado responsável.
Esta é a ressalva de Miguel Kfouri Neto:

“Não é necessário que a culpa do médico seja grave: basta que seja certa.”

O conceito de culpa é com brilhantismo explicado pelo saudoso mestre


Washington de Barros Monteiro:

“A culpa, juridicamente, pode ser conceituada como a inexecução


consciente de uma norma de conduta, cujos efeitos danosos são desejados
pelo agente (dolo) ou previsíveis, mas não evitados pelo infrator (culpa
em sentido estrito)”.

Diga-se que a presença de culpa, nos termos que foram expostos, serve
apenas para realçar os contornos dos danos suportados pela autora em decorrência
da atuação dos agentes públicos responsáveis pelo atendimento e servir como
parâmetro para o arbitramento da indenização perseguida.
Independente de culpa, mas havendo dano, surge o dever indenizatório,
conforme assentado pacificamente pela jurisprudência do Egrégio Tribunal de
Justiça Bandeirante:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Município de Caieiras. Erro médico.


Indenização por dano moral. Morte de recém-nascido, filho dos autores,
decorrente de complicações inerentes à demora na realização do parto.
Gestante que esteve no Hospital Municipal de Caieiras na noite anterior à
realização do parto de emergência no Hospital Estadual de Taipas.
Cardiotocografia que constatou o sofrimento fetal e a necessidade de
procedimento cirúrgico imediato. Não realização do exame no Hospital
Municipal e dispensa da gestante que indicam negligência médica. Ônus
da prova que incumbia à ré. Teoria da carga dinâmica das provas. Dever
do hospital municipal de comprovar a alegada inexistência de culpa de
seus agentes. Ré que não pode ser beneficiada pela ausência de tais
elementos. Responsabilidade civil da Municipalidade reconhecida, nos
termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Indenização por danos
morais devida. Sentença de improcedência. Recurso de apelação que
impugnou apenas a rejeição do pedido em relação ao Município de
Caieiras. Recurso provido em parte.” (TJ-SP - APL:
00031398920078260106 SP 0003139-89.2007.8.26.0106, Relator:
Antonio Carlos Villen, Data de Julgamento: 04/05/2015, 10ª Câmara de
Direito Público, Data de Publicação: 20/05/2015)

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Indenização por danos materiais e


morais e pagamento de pensão mensal vitalícia. Legitimidade passiva da
Municipalidade em caso de atendimento em hospital privado, quando
custeado pelo SUS. Precedentes do C. STJ. Sequelas decorrentes de
demora na realização do parto. Presença dos elementos ensejadores da
responsabilidade civil. Valores arbitrados na origem que se mostram
corretos. Condenação que também deve abranger o custeio de tratamentos
médicos, fisioterápicos, psicológicos e de fornecimento de medicamentos.
Sentença parcialmente reformada. Reexame necessário e apelo da autora
parcialmente providos. Recursos das rés desprovidos.” (TJ-SP - APL:
01026537720078260053 SP 0102653-77.2007.8.26.0053, Relator: Vera
Angrisani, Data de Julgamento: 12/08/2014, 2ª Câmara de Direito
Público, Data de Publicação: 26/08/2014)

A morte de paciente causada pela falha na prestação de serviço de hospital


público caracteriza responsabilidade civil subjetiva do Estado, fundada na
inobservância do dever de cuidado do profissional médico - por imprudência,
imperícia ou negligência - gera indenização por danos morais.
"(...) 3. No caso de suposto erro médico na rede de saúde do Estado, a
responsabilidade estatal é subjetiva, fundada na teoria da 'falta do serviço', sendo
imprescindível a comprovação da conduta imprudente, negligente ou imperita do
profissional. 4. In casu, as provas dos autos são contundentes em demonstrar haver
nexo de causalidade entre o erro médico, consistente na conduta imperita e
negligente da equipe do hospital esquecimento de compressas cirúrgicas (gazes) no
interior da cavidade abdominal da paciente no momento da cirurgia cesariana,
dando causa ao óbito desta por ruptura da artéria aorta. Assim, verificada a conduta
antijurídica causadora do dano é impositiva a responsabilização estatal. 5. No caso
em apreço, os danos causados à autora são insuperáveis e de sequelas
psicológicas permanentes, tendo em vista que, em razão da falha na prestação do
serviço médico-hospitalar, teve violados diversos atributos da sua personalidade."
Acórdão 1227156, 0011060320188070018, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, 2ª
Turma Cível, data de julgamento: 29/1/2020, publicado no DJE: 10/2/2020, TJDFT.
Evidente, portanto, responsabilidade pelo defeito na prestação de serviços,
bem como é evidente também a negligência, imprudência e imperícia dos
funcionários do réu, sobretudo do médico responsável pela de cujus que lhe negou
alta fazendo com que viesse a contrair Covid-19, resultando em sua morte.

DOS DANOS MORAIS

O desiderato reparatório autoral está vinculado à presença de um dano


indenizável. O dano moral, por sua natureza personalíssima reclama a compreensão
de elementos intangíveis, por vezes de difícil conceptualização. O dano, per se,
existe a partir do momento em que se opera a transgressão do direito subjetivo,
surgindo em consequência o direito de reparação em face daquele que a promoveu.
Demonstrada a existência da conduta, do dano e do nexo causal, surge, como
decorrência lógica, a obrigação do estado e do hospital de repararem indenizarem o
autor por todos os prejuízos sofridos (art. 927, CC), sejam eles patrimoniais ou
extrapatrimoniais, como no caso em tela, além de providenciarem ou custearem todo
o tratamento de que necessita a autora, continuamente.
É cediço que sagrou vitorioso no direito pátrio o entendimento de que a moral
tem a natureza de bem jurídico constitucional e, portanto, torna-se passível de
violação e, consequentemente, de indenização (art. 5°, inc. X, CF, art. 186, CC).
Dessa forma, torna-se inquestionável que a autora deverá ser reparada pelo
dano moral que sofreu, e que a reparação precisará ser compatível com a dor
psicológica de que foi vítima.
Ressalte-se que a personalidade do ser humano é formada por um conjunto de
valores que compõem o seu patrimônio, podendo ela ser objeto de lesões, em
decorrência de atos ilícitos.
A constatação da existência de um patrimônio moral e a necessidade de sua
reparação, na hipótese de dano, constitui marco importante no processo evolutivo
das civilizações.
Existem circunstâncias em que o ato lesivo afeta a personalidade do indivíduo,
sua honra, sua integridade física e psíquica, seu bem-estar íntimo e suas virtudes,
causando-lhe mal-estar ou uma indisposição de natureza espiritual.
É importante ressaltar que, para a configuração de dano moral, não se exige a
prova do sofrimento em si, de caráter nitidamente subjetivo, mas tão somente da
gravidade da ofensa e de sua repercussão sobre a vítima que gere a presunção
hominis ou factis de lesão extrapatrimonial (Sérgio Cavalieri, Programa de
Responsabilidade Civil, Malheiros, p. 80).
Nesse sentido:

"O dano simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio não há como ser
provado. Ele existe tão-somente pela ofensa, e dela é presumido, sendo o bastante
para justificar a indenização” (TJPR - 4ª C. - Ap. - Rel. Wilson Reback - j. 12.12.90 -
RT 681/163).

Ora, no presente caso, ficou clara a existência de dano moral, em decorrência


do descaso, maus tratos e desrespeito que sofreu a autora e sua mãe no Hospital
réu e em virtude de ter sido submetida a permanecer no Hospital sem necessidade,
fazendo com que fosse acometida pelo vírus da Covid. Além de não ter recebido os
cuidados necessários no período, tendo ficado jogada em um leito, caracterizando a
violação de sua dignidade e de sua integridade física e psíquica, elementos que,
como se sabe, compõem o rol de direitos da personalidade do indivíduo.
Em tais casos, a reparação consiste no pagamento de uma soma pecuniária
que possibilite ao lesado a devida satisfação compensatória da sua dor íntima e que
mitigue os dissabores sofridos em virtude da ação ilícita do agente que causou a
lesão, por esses motivos a autora deve ter uma reparação pelo dano moral que
sofreu e vem sofrendo em virtude da morte de sua mãe, que foi ocasionada pelo réu.
Assim é a análise de Caio Mário da Silva Pereira:

"A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial
efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo
mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que
lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às
circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação
pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento,
nem tão pequena que se torne inexpressiva."(Responsabilidade Civil cit., n.49,
p.67).

Mas não só. Deve-se, ainda, levar em conta a função punitiva do valor da
indenização. Na função ressarcitória, olha-se para a vítima, para a gravidade
objetiva do dano que ela sofreu (Antônio Jeová dos Santos, Dano Moral Indenizável,
Lejus Editora, 1.997, p. 62).
Já na função punitiva, ou de desestímulo do dano moral, olha-se para o agente
causador da lesão, de tal modo que a indenização represente advertência, sinal de
que a sociedade não aceita seu comportamento (Carlos Alberto Bittar, Reparação
Civil por Danos Morais, ps. 220/222; Sérgio Severo, Os Danos Extrapatrimoniais, ps.
186/190).
Nesse sentido:

"Hoje em dia, a boa doutrina inclina-se no sentido de conferir à indenização do


dano moral caráter dúplice, tanto punitivo do agente, quanto compensatório, em
relação à vítima (cf. Caio Mário da Silva Pereira, "Responsabilidade Civil", Ed.
Forense,1989, p. 67). Assim, a vítima de lesão a direitos de natureza não patrimonial
(CR, art. 5º, incs. V e X) deve receber uma soma que lhe compense a dor e a
humilhação sofridas, e arbitradas segundo as circunstâncias. Não deve ser fonte de
enriquecimento, nem ser inexpressiva" (TJSP - 7ª C. - Ap. - Rel. Campos Mello - j.
30.10.91 - RJTJESP 137/186-187).

Frise-se, nesse contexto, que os artigos 944 e seguintes, especialmente os


artigos 949 e 951, estabelecem os parâmetros ou preceituam o modus operandi
para que se estabeleça o quantum indenizatório, como facilmente se pode inferir da
leitura dos mencionados dispositivos do Código Civil:
"Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o
ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da
convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplicam-se ainda no caso de
indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por
negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o
mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”

Diante de tudo o que foi exposto, é forçoso reconhecer que o valor da


indenização, no caso em tela, deverá ser fixado levando-se em conta os inúmeros
prejuízos que a autora suportou, a intensidade do sofrimento a que foi submetido e,
por fim, a repercussão do ato lesivo em sua vida.
De fato, jamais terá sua mãe de volta e os abalos psicológicos e
constrangimentos que sofreu ficarão para sempre em sua memória, será para
sempre algo que lembrará diariamente.
Este fato acarretou gravíssimo dano moral à autora, que veio a padecer de
depressão intensa e chora copiosa e diariamente pela perda de sua mãe.
Além da garantia constitucional do direito à indenização, reza o artigo 186 e
927 do Código Civil que aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência,
imprudência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral comete ato ilícito e tem o dever de indenizar.
Posto isso, se fosse possível mensurar o sofrimento, é certo que a dor de ter a
mãe somente 45 anos, morta em decorrência do tratamento a ela despendido,
quando a meta era a busca do bem-estar, encabeçaria a lista como a mais
lancinante de todas haja vista que a vida foi retirada por aquele que tinha o dever de
cuidado. O fato surrupiou de forma irreversível o bem maior de nosso ordenamento
jurídico e inverteu o curso natural da vida, trazendo a morte para quem é jovem e o
calvário da vida para a filha que continua viva, marcada para sempre pelo sofrimento
e pela impossibilidade de conviver com sua mãe.
Importante mencionar que há julgados nacionais exatamente no sentido de que
a indenização aos pais por morte de filho deve ser a mais ampla possível, uma vez
que se trata de dor das mais lancinantes.
Vale destacar um importante julgado do STJ sobre o quantum indenizatório dos
danos morais:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS


MATERIAIS E MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
- Quando o quantum fixado a título de indenização por danos morais se
mostrar irrisório ou exorbitante, incumbe ao Superior Tribunal de Justiça aumentar
ou reduzir o seu valor, não implicando em exame de matéria fática. Precedentes
deste Sodalício.
- A perda precoce de um filho é de valor inestimável, e portanto a indenização
pelo dano moral deva ser estabelecida de forma eqüânime, apta a ensejar
indenização exemplar.
- Ilícito praticado pelos agentes do Estado incumbidos da Segurança Pública.
Exacerbação da condenação.
- Recurso desprovido.
Indenização por dano moral mantida em R$ 486.000,00 (quatrocentos e
oitenta e seis mil reais), 2.000 (dois mil) salários mínimos.(REsp 331.279/CE, Rel.
Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/04/2002, DJ 03/06/2002, p.
150)

Assim, chega-se ao conceito de função tríplice (compensatória, punitiva e


pedagógica), recepcionado pacificamente pela jurisprudência pátria:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos morais. Financiamento e Linha telefônica


em nome da autora obtida por solicitação de terceiro desconhecido. Abertura sem as
devidas cautelas. Dano moral configurado. Insuficiência do valor fixado. Majoração
para 20 salários mínimos. Valor que atende a função tríplice - reparar, punir e
prevenir para que não reincidam nas condutas. Recurso da co-ré TELESP
desprovido e provido o recurso da autora.” g.n. (TJ-SP - CR: 4500384500 SP ,
Relator: Sang Duk Kim, Data de Julgamento: 14/11/2008, 5ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação:27/11/2008)

O arbitramento do quantum indenizatório deverá ser pautado pela tríplice


função do instituto, dando azo não apenas à reparação dos danos sofridos pela
autora, como à efetiva punição dos réus em decorrência do ilícito praticado e à
prevenção de novas ocorrências da mesma prática. Posto isso, sugere-se que este
Douto Juízo CONDENE o réu ao pagamento de indenização por danos morais no
valor de 1.000 salários mínimos, que totaliza R$ 1.100.000,00 (um milhão e cem mil
reais).
DA TUTELA ANTECIPADA

Devido ao descaso do Hospital réu no tratamento para com a autora, bem


como diante das várias respostas negativas com relação a solicitação dos
prontuários, faz necessária a concessão de tutela antecipada, para que o réu seja
obrigado a entregar os documentos que contém todas as informações sobre a de
cujus, a saber: prontuários, exames, receitas e demais documentos que comprovam
tudo o que foi feito no hospital referente a situação da mãe da autora.
O fumus boni iuris está caracterizado com a prova da relação de parentesco
entre a autora e sua falecida mãe. Já o periculum in mora é caracterizado pela
necessidade de esclarecimento acerca de como ocorreu a dinâmica que levou ao
óbito. Sendo assim, a autora requer, de forma urgente, que o Hospital réu seja
obrigado a apresentar o prontuário médico integral da de cujus, de forma legível e
completa, sob pena de multa diária e busca e apreensão.
No caso presente, devido diretamente ao desastre causado pelas intervenções
médicas sofridas pela mãe da autora, necessária a concessão liminar de tutela
antecipada, para o fim de que os sofrimentos pelos quais passa não se posterguem
ao longo da duração do processo, pedido esse que encontra guarida na doutrina, de
que fazem excelente exemplo as palavras de MARINONI e ARENHART:

“Em última análise é correto dizer que a técnica


antecipatória visa apenas distribuir o ônus do tempo do
processo. É preciso que os operadores do direito
compreendam a importância do novo instituto e o usem
de forma adequada. Não há motivos para a timidez no
seu uso, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que
já está instalado, uma vez que o tempo do processo
sempre prejudicou o autor que tem razão. É necessário
que o juiz compreenda que não pode haver efetividade
sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que
não só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar
prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omite é
tão nocivo quanto o juiz que julga mal.”

Neste sentido, demonstra-se a presença dos requisitos para a antecipação da


tutela ao final pretendida, no tocante ao fornecimento dos prontuários e demais
documentos para que seja revelada a verdadeira causa da morte da mãe da autora
e apurado o quantum indenizatório dos danos morais.

DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer:

a) A concessão dos benefícios da justiça gratuita, uma vez que a autora é


beneficiária do convênio Defensoria/OAB e está desempregada atualmente
(ctps anexa);

b) A concessão da tutela antecipada, obrigando o Hospital réu a entregar as


cópias integrais e legíveis dos prontuários, dos exames e demais
documentos referentes a de cujus, sob pena de multa diária no valor de R$
1.000,00 (mil reais) e busca e apreensão em caso de descumprimento;

c) Caso os prontuários e demais documentos não sejam esclarecedores ou


tenham sido modificados para alterar a verdade dos fatos, requer a
exumação da de cujus para que seja feita necrópsia a fim de descobrir a
verdadeira causa de sua morte;

d) A condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais,


no valor de 1.000 salários mínimos (R$ 1.100.000,00 – um milhão e cem
mil reais), devido ao erro médico que causou a morte da mãe da autora,
trazendo-lhe um enorme abalo psicológico, transtornos e constrangimentos
que afetaram o seu íntimo, causando grande sofrimento emocional e
psíquico;

e) A condenação dos réus ao pagamento de custas e honorários


sucumbenciais arbitrados em 20% sobre o valor da causa;

f) A citação dos réus Estado de São Paulo, pessoa jurídica de direito


público, inscrito no CNPJ/MF nº 46.379.400/0001-50, com sede na Avenida
Morumbi, nº 4500, Morumbi, São Paulo/SP; Município de Barueri, pessoa
jurídica de direito público, inscrita no CNPJ 46.523.015/ 0001-35, com sede
na rua do Paço, nº 8, Centro, Barueri – SP, CEP 06401-090; Spdm -
Associação Paulista Para o Desenvolvimento da Medicina (nome
fantasia: HOSPITAL MUNICIPAL DE BARUERI DR. FRANCISCO
MORAN), inscrita no CNPJ/MF nº 61.699.567/0018-30, e-mail:
nfe.serv@hmb.spdm.org.br, com sede na rua Angela Mirella, nº 354,
Jardim Barueri, Barueri – SP, CEP 06411-330, Pro Saude - Associação
Beneficente De Assistência Social e Hospitalar (nome fantasia:
HOSPITAL MUNICIPAL DE BARUERI DR. FRANCISCO MORAN),
inscrita no CNPJ/MF nº 24.232.886/0144-60, e-mail:
prosaude@prosaude.org.br, com sede na rua Angela Mirella, nº 354,
Jardim Barueri, Barueri – SP, CEP 06411-330, para que apresentem
contestação no prazo legal;

Protesta provar o alegado utilizando-se de todos os meios de prova permitidos


pelo ordenamento jurídico, especialmente documental, testemunhal e pericial, além
do depoimento pessoal da autora.

Atribui-se à causa o valor de 1.000 salários mínimos, que totaliza a quantia de


R$ 1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais)

Termos em que,
pede deferimento.

Barueri, 19 de outubro de 2021.

DIEGO R. P. OLIVEIRA
OAB/SP nº 368.134

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