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LÚCIO NAVARRO

LEGÍTIMA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA

Campanha de Instrução Religiosa

Brasil-Portugal
Edição eletrônica Recife

A D V
www.associacaodomvital.com.br
1958
Foi um verdadeiro espanto encontrar um livro de valor apologético
inestimável, de combate, esclarecimento, e defesa da Fé Católica
frente à confusa crença protestante. O livro, pelo que se pode
pesquisar, só teve a edição do ano de 1958. O autor é um
pseudônimo. Na verdade, tratou-se do Cônego Pedro Adrião da
Silva, de saudosa memória, mestre do português escorreito e
valoroso professor do seminário de Olinda, não quis, ao tempo que
escreveu, a glória para seu nome e desejou passar despercebido
pelos homens, apesar de sua eloquente refrega pela sã doutrina.
Não mais editado, quase esquecido, somente encontrado em
recantos de sebos e no meio de alfarrábios empoeirados, agora é
disponibilizado em formato ebook, para que sua riqueza possa se
espalhar também pelos meios digitais e alcançar as almas que
queiram respostas firmes para aspectos controvertidos e atacados
pelos protestantes. Não se restringe à instrução dos católicos,
sendo, antes de tudo, endereçado àqueles protestantes não
manchados pela dureza de coração, pelos que estudam a palavra
de Deus de forma desapaixonada e sincera, que não se deixam
conduzir pelos achaques de uma crença vazia e sem sentido. É uma
exortação para que se convertam e se tornem verdadeiros
seguidores de Nosso Senhor Jesus Cristo, na Igreja fundada por
Ele.

Esse trabalho de reedição foi realizado em virtude do empenho de


inúmeros voluntários, cujos nomes são só por Deus conhecidos, a
quem rogamos a Deus a recompensa por seu trabalho, que doaram
um pouco do seu tempo para oferecer um trabalho melhor acabado
e desse modo pudesse proporcionar leitura agradável e dinâmica a
novos leitores. Procurou-se manter a máxima fidelidade ao texto
original, acrescentando algumas poucas notas explicativas,
marcadas com “N.d.r.”. Atualizou-se a grafia das palavras para a
norma ortográfica vigente hoje. Acrescentou-se uma apresentação
desta edição, pelo Revmo. Pe. Marcélo Tenorio.

A Associação Dom Vital orgulha-se de contribuir nessa empreitada e


espera em Deus que esse livro possa fazer bem às almas que
puderem ler e meditar essas linhas. Que Nossa Senhora abençoe
esse trabalho e que dele possa tirar um grande bem!

C : Ícone “Jesus entre os doutores da lei”: a legítima


interpretação é aquela que sai de Cristo e que admira até os
doutores.
Nihil Obstat
Recife, 3 de janeiro de 1958.
Padre Daniel Lima.
Censor ad hoc.

Concedemos o IMPRIMATUR.

† Antônio, Arcebispo de Olinda e Recife.


Recife, 10-1-1958.
À DOCE E HUMILDE
SEMPRE VIRGEM
MARIA,

cheia de graça (Lucas I-28);


mãe de meu Senhor (Lucas I-43);
bendita entre as mulheres (Lucas I-42);
em quem fez grandes coisas Aquele que é poderoso (Lucas I-
49);
e a quem proclamam bem-aventurada todas as gerações
(Lucas I-48);

ofereço, dedico e consagro este livro

O AUTOR

Recife, 8 de dezembro de 1957.


Índice dos capítulos
Apresentação
Prefácio
Prólogo
1ª Parte: A Salvação pela Fé
Cap. 1: Desmantelo e desequilíbrio da teoria protestante
Cap. 2: Doutrina católica sobre a salvação
Cap. 3: Como surgiu a teoria da salvação só pela fé
Cap. 4: O verdadeiro sentido da salvação pela fé
Cap. 5: A certeza da salvação
Cap. 6: A justificação pela fé sem as obras da lei
Cap. 7: A graça dada “de graça”, segundo o ensino de S.
Paulo
Cap. 8: O equilíbrio da doutrina santificadora
2ª Parte: A minha Igreja
Cap. 9: A Igreja, sua pedra fundamental e seu governo
Cap. 10: Cristo enviou os Apóstolos a pregar
Cap. 11: Cristo enviou os Apóstolos a batizar
Cap. 12: Cristo deu aos Apóstolos o poder de perdoar
pecados
Cap. 13: Cristo deu aos Apóstolos o poder de consagrar
Cap. 14: Os Apóstolos tiveram sucessores
3ª Parte: Jesus, único mediador
Cap. 15: O culto dos santos
Cap. 16: O culto das imagens
4ª Parte: Os irmãos de Jesus
Cap. 17: A Virgindade Perpétua de Maria Santíssima
Apêndice: Lista dos Papas
Índice detalhado das seções
Índice analítico
Índice dos trechos da Bíblia mais comentados
Bibliografia
Apresentação
O presente livro é daqueles que nos traz a sólida Doutrina da Igreja
em relação à Palavra Divina e sua reta interpretação, fazendo-nos
crescer mais e mais na Verdade sólida e imutável.

Esta obra, que agora está sendo reeditada, é uma pontual resposta
às interpretações erradas e sem fundamento que os protestantes,
em sua orgulhosa teimosia, elaboraram no correr dos séculos. De
fácil compreensão, boa linguagem e excelentes argumentos, o livro
do Pe Lúcio Navarro, se bem estudado e aproveitado, será uma boa
arma contra as inverdades e o erro.

Nada mais importante hoje do que a defesa da Fé e da Verdade e


deve ser em nome delas que devemos promover e espalhar este
livro de riqueza sem igual. Muitos livros já foram escritos sobre a
Sagrada Escritura, mas como este aqui não existe outro e nem
existirá.

Que Deus abençoe a iniciativa da Associação Dom Vital e que os


leitores cresçam sempre mais na fidelidade à única e verdadeira
Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, fora da qual ninguém poderá
se salvar.

Campo Grande, 10 de março de 2016.

Pe. Marcélo Tenorio, Cônego de Santa Maria.


Prefácio
do Exmo. e Revmo. Sr.
D. Antônio de Almeida Morais Júnior
A unidade da Igreja vem da própria essência da verdade. A verdade
é essencialmente una. A sua realidade necessariamente impõe a
adesão de nossa inteligência e de nosso coração. Os princípios
ontológicos da nossa razão impõem a permanência da unidade da
verdade, em qualquer terreno em que ela se situe. Por isso mesmo,
a verdade foge ao relativismo e à dependência. É ela independente
do tempo, do espaço e dos homens. Pois, na realidade, a que se
reduziria, se ela devesse submeter-se ao capricho dos homens, às
modificações dos momentos históricos ou dos lugares do espaço?

É por isso que a verdade não é uma criação da inteligência do


homem. Os olhos humanos podem divisar astros na amplidão dos
espaços, por si sós ou com auxílio poderoso dos telescópios; não
podem, porém, criá-los nos espaços vazios. Também a mente
humana traz, em si, a capacidade para apreender a verdade, mas
não pode criar a verdade.

Nem Deus cria a verdade, sendo Ele a verdade eterna, infinita,


absoluta. A densidade metafísica do seu ser é a realidade absoluta
e, por isso mesmo, a verdade absoluta. Deus manifesta a verdade.
Foi por isso que Jesus Cristo não disse: eu sou o pregador da
verdade, mas afirmou: “eu sou a verdade”. A própria verdade
científica que é aquisição humana (não criação do homem, porém
mera descoberta do homem), exige essa unidade intangível, sem o
que seria impossível a existência da ciência. A multiplicidade
aparente da verdade científica existe enquanto os homens tateiam o
terreno das hipóteses. Quando, porém, eles conseguem romper as
camadas movediças das hipóteses e tocar a rocha eterna da
verdade, a unidade se impõe com uma soberania absoluta.
Nem seria possível construir a ciência sem esse postulado essencial
da unidade. Donde se depreende como a verdade religiosa,
revelada por Deus, deve exigir essa profunda unidade. Já não se
trata apenas desta ou daquela opinião de como se deve prestar a
Deus um culto, mas da revelação do próprio Deus, ditando,
diretamente ou pelos seus enviados, o modo pelo qual quer ser
cultuado pelos homens.

Deste modo, ninguém pode presumir tenha o direito de escolher a


doutrina religiosa, a seu capricho, para servir a Deus.

Só uma religião revestida de todas as garantias sobrenaturais da


revelação pode seguramente impor ao homem o verdadeiro
caminho a seguir.

É coisa tão natural ao nosso espírito, à nossa inteligência, que


jamais poderíamos imaginar que a verdadeira religião não
implicasse a falsidade de todas as outras. Só uma religião pode ser
a verdadeira e só é verdadeira aquela que conserva, através dos
séculos e dos espaços, a mais perfeita unidade doutrinária.

Sob esse aspecto, a Igreja Católica Romana apresenta a fisionomia


da mais intangível unidade. Nós que nos acostumamos a
contemplar as instituições simplesmente humanas no desenrolar
dos séculos, sabemos que jamais puderam conservar essa nota
dominante. Até mesmo esse sinal da precariedade das coisas dos
homens deveria servir como índice evidente para distinguirmos o
que é humano do que é divino.

A história aí está para testemunhar a eterna versatilidade das coisas


humanas.

Os sistemas filosóficos nasceram, floresceram e passaram. As


hipóteses científicas multiplicaram-se com os mais variados
aspectos. A matéria, a vida, as forças cósmicas, desde Demócrito,
Leucipo, Epicuro, Anaxágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles até
Moleschott, Vogt, Büchner, Haeckel, Meyerson, De Régnon, Mir,
Laplace, Faye, Ligondé, Moreux, Lackowiski, passaram pelas mais
estranhas concepções. Gemelli expõe admiravelmente todas as
hipóteses sobre a vida no seu belo livro: “Os novos horizontes da
biologia”, e conhecido sábio moderno reuniu os mais variados
aspectos da ciência atual sobre o mundo no seu brilhante estudo —
“Da criação à época atômica”.

Mas, como poderá a verdade religiosa, revelada por Deus,


submeter-se a essa versatilidade contínua, às mutações constantes
das coisas humanas? Para que a sua divindade brilhasse, para que
sua verdade inconcussa se impusesse à inteligência humana, era
imprescindível que ela permanecesse uma imutável através dos
tempos. E é este, sem dúvida, o característico primordial da doutrina
da Igreja Católica.

Para quem raciocina, com serenidade, sobre a multiplicação das


seitas protestantes, é impossível admitir a verdade do
Protestantismo. As múltiplas divisões caracterizam essencialmente
o erro. No Congresso do Panamá, em 1916, havia representações
de 36 seitas existentes na América Latina. Hoje, as estatísticas que
possuímos dão a existência de 28 seitas diferentes na Colômbia, 45
seitas diversas no Brasil e 147 na Argentina. A colcha de retalhos de
Martinho Lutero, de Calvino, de Ulrico Zuínglio, de Henrique VIII, de
Melanchton, de Carlostadt, de Ecolampádio, Bucer, Munzer,
continua na oficina em que as divisões do orgulho e da ambição
humana vão ajuntando ainda outros retalhos.

Não é, pois, de estranhar que o fruto dessa absurda divisão de


doutrinas e igrejas seja o ceticismo amargo de milhões de almas. Na
Inglaterra a divisão e contradição protestantes criaram cerca de
44.000.000 de pessoas que dizem “não ter nenhuma religião
particular” e nos Estados Unidos, cerca de 65.000.000 de ateus
práticos.

Mas, talvez, mesmo essas múltiplas seitas e divisões se


transformem em um grande motivo de proselitismo. Poderíamos
afirmar que é mesmo um motivo real, quando lemos na publicação
protestante “World Christian Handbook” que, na Colômbia, as seitas
lutam, entre si, numa espécie de competição.

Não se pode negar que está havendo uma verdadeira invasão


protestante na América. Essa invasão, como diz Damboriena,
grande especialista no assunto, pode caracterizar-se por diversos
períodos. Primeiro: a vinda ocasional de imigrantes das seitas
durante o século XIX até o Congresso do Panamá (1916); segundo:
do Congresso do Panamá até o Congresso de Montevidéu (1925),
com fundações de seminários em cinco nações e editoras
protestantes em outros cinco países; terceiro: do Congresso de
Montevidéu até o Congresso de Madras; quarto: do Congresso de
Madras até o presente. Pelas circunstâncias políticas, as seitas
precisavam de um novo campo para entregar o seu pessoal e o seu
dinheiro.

Escolheram a América Latina. E as estatísticas confirmam o seu


tremendo esforço para multiplicar prosélitos no Brasil. Poderíamos,
porém, afirmar com o grande apóstolo Eduardo Ospina: “Não
tememos o Protestantismo, porque para fazer protestantes a
150.000.000 de católicos não bastam todos os dólares do mundo,
nem mesmo nas mãos de um sectarismo metódico, obstinado e
provido de técnica de propaganda. Mas tememos e muito a falta de
instrução em muitos católicos. Tememos a ignorância religiosa de
não poucos e também a pobreza de nossa gente... Há urgência em
atender a esses setores necessitados de auxílio espiritual; o perigo
protestante é um novo aviso para trabalharmos mais a fim de
remediar as necessidades dos nossos irmãos”.

E nos atrevemos a dizer que o ataque protestante à América Latina,


como o ataque comunista à humanidade, é um perigo e um castigo
providencial, que nos põem em pé e nos impulsionam mais do que
nunca para a defesa da Verdade.
Este livro que temos a honra de prefaciar é uma prova evidente do
que estamos afirmando. Nossos grandes sábios polemistas, como
Leonel França, Nascimento Castro, meu saudoso mestre, Padre
João Gualberto, Carlos de Laet e outros, acompanharam os
contraditores da verdade nos pontos diretamente atacados. Faltava-
nos um livro especializado no assunto, nascido da observação e da
experiência diárias, em que fossem tratadas metodicamente, em
linguagem simples, clara e acessível, as objeções formuladas pelos
protestantes contra a Igreja Católica. E com imensa alegria vemo-lo
surgir em nossa Arquidiocese, escrito por um mestre da língua,
como realização apostólica de um sonho que há muito
alimentávamos, pois desde que assumimos o governo da
Arquidiocese de Olinda e Recife, pelos jornais, pelo rádio, pelas
pregações, pelas missões volantes e pelas Missões Gerais do
Recife, o que temos procurado é, com sinceridade, lealdade e
dedicação, esclarecer os fiéis sobre os erros do Protestantismo.

Eis, portanto, o livro que tanto desejávamos: “Legítima Interpretação


da Bíblia”. “Livro nascido — como diz o próprio autor — da
observação direta do que é a propaganda protestante no Brasil,
apresentando uma refutação minuciosa das doutrinas da Reforma,
com argumentação toda baseada em textos bíblicos e em
linguagem popular e acessível a todos; servindo assim de amplo
esclarecimento para os protestantes, desfazendo as suas confusões
e preconceitos, de instrução e adestramento para os bons católicos,
que desejam todos sinceramente estar bem armados e prevenidos
para rebater as objeções dos hereges, bem como de preventivo
para que não se deixem iludir pelo canto de sereia do
Protestantismo”.

Sabemos quanta dedicação esta obra exigiu do seu ilustre autor e


quantos óbices se levantaram contra esta notável realização.
Acreditamos, porém, que o apoio que lhe demos, desde o primeiro
instante, foi um grande estímulo e temos a certeza de que será algo
notável realizado em defesa do Dogma Católico.
Resta-nos, agora, pedir a Deus que abençoe esta grande obra e a
faça frutificar em benefício das almas iludidas pelos erros do
Protestantismo e fortaleça na fé as que vivem à sombra da única e
verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Recife, 1º de fevereiro de 1958.

† Antônio, Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife.


Prólogo do autor
Prezado leitor protestante:

Era muito conceituado, em certa cidade, um professor que ensinava,


havia 50 anos. As noções que ele ministrava sobre matemática, a
história, a geografia, a língua vernácula etc, as tinha recebido de
outros mestres, ainda mais antigos e tão conceituados como ele, os
quais por sua vez também já haviam aprendido de outros
preceptores. Mas um dia apareceu um jovem aluno que se rebelou
contra o ensino de seu mestre. Não lhe agradava o método usado
naquelas aulas, nem concordava com o que nelas aprendia. Ao seu
ver, estava tudo errado. E resolveu abrir uma nova escola, em
oposição à do velho e ministrando uma instrução completamente
diversa. Mas todo o mundo notou logo que o ensino do jovem
revolucionário era completamente desordenado: o moço titubeava,
confundia-se, caía em evidentes contradições. Isto serviu apenas
para aumentar o prestígio do velho professor, que podia agora dizer
com desdém ao seu antagonista: Vá estudar, menino, porque Você
ainda não está em condições para abrir uma escola!

O grande navio, pertencente a uma antiga empresa de navegação,


singrava os mares em demanda do seu destino, quando o velho
comandante foi surpreendido pela revolta de muitos dos
passageiros, que o procuraram para . O navio, segundo
eles diziam, estava seguindo uma direção completamente errada.
Pois eles entendiam também de navegação... Embora lhes faltasse
a longa experiência, tinham no entanto em mãos o mesmo livro, os
mesmos mapas que serviam de guia ao comandante e a seus
auxiliares e tinham chegado à conclusão de que estes estavam
redondamente enganados. E diante da recusa do comandante de
modificar a sua rota, resolveram em nome da , abandonar
o navio, construir, eles próprios, suas embarcações e seguir o
caminho que lhes parecia mais acertado. Boa sorte! — respondeu-
lhes o comandante. Mas os passageiros que ficaram a bordo, que
tinham confiança na velha empresa, no navio, naqueles que o
dirigiam, nem tiveram tempo para ver surgir no seu espírito qualquer
sombra de dúvida, porque logo observaram que aqueles que
coalhavam o mar de barcos e barquinhos e barcaças
de toda qualidade, mas cada um seguia um rumo diferente...

Esta é precisamente a história do choque entre o Protestantismo e a


Igreja Católica. Alguém que esteja de parte observando a luta
doutrinária, sem ser nem de um lado nem de outro, ao ver a grita
dos protestantes e o entusiasmo com que vivem a citar a Bíblia,
pode ainda ficar com uma certa nuvem de dúvida no seu espírito
sobre se a Igreja está mesmo em perfeito acordo com as Escrituras.
Mas, se tiver o cuidado de ver os protestantes, como são, como
divergem, como discutem, como titubeiam e se contradizem, verá
aumentar aos seus olhos o prestígio da Igreja. Ela é como o antigo
mestre a rir-se dos ardores do jovem revolucionário ou como o velho
comandante a achar graça na cegueira dos barqueiros
improvisados. Sim, porque uma coisa está clara à vista de todos:
Dizer que alguém está errado é muito fácil, porque falar é fôlego e
cada um tem o seu modo de pensar. Mas há também o reverso da
medalha: ,
. E é aí que se mostra
com evidência todo o fracasso do Protestantismo.

Você, caro leitor protestante, está metido nesta balbúrdia de mais de


trezentas seitas que ensinam as doutrinas mais diversas. Se, por
acaso, os seus correligionários o têm enganado, afirmando que são
divergências de muito pouca monta, fá-lo-emos conhecer melhor o
que é o Protestantismo e Você verá como estas divergências são
profundas, escandalosas e sobre pontos importantíssimos. Gritar
que só a sua seita está com a verdade e que todas as outras estão
erradas, não adianta nem resolve a questão; os elementos de que
Você dispõe para conhecer a verdade, são os mesmos de que os
milhões de adeptos de outras seitas dispõem também: a Bíblia e o
raciocínio humano. A Bíblia é a mesma para todos; e como Você
pode garantir que raciocina melhor que os outros?
Não será o caso de agora e confrontar calmamente
com a Bíblia esta doutrina católica, que Vocês, protestantes,
rejeitaram no século XVI e que vem sendo a interpretação do Livro
Sagrado, sempre antiga e sempre nova, tradicionalmente seguida,
durante 20 séculos, pelos Santos Padres e Doutores e teólogos da
Igreja?

Pouco importa, no caso, que o seu espírito esteja cheio de


preconceitos, que o seu coração esteja abrasado de ódio contra a
Igreja Católica. Se assim é, o seu maior desejo é combatê-la, não é
verdade? Mas para combatê-la, precisa conhecer melhor a sua
doutrina. Nada mais útil para quem vai entrar em luta, do que
conhecer bem a fundo o adversário. E no nosso caso, atribuir à
Igreja doutrinas que ela nunca ensinou (como, por exemplo, a
doutrina de que o homem se salva pelas suas
obras, pelo seu esforço pessoal), querer atacar a Igreja, atribuindo-
lhe teorias por ela mesma condenadas, seria ridículo e seria
e Você é uma pessoa de consciência, pelo menos
assim supomos; pois do contrário pode fechar o livro e já temos
conversado.

Sendo Você uma pessoa de consciência, é claro que não virá


armado de , nem de , nem de . Nem
adianta recorrer a estas armas; o livro mesmo se encarregará de
inutilizá-las.

Separar a frase bíblica do seu verdadeiro contexto, para dar a ela o


sentido que Você quer, não conseguirá fazê-lo; veremos nas
passagens bíblicas susceptíveis de ser exploradas em sentido
errôneo, não só o que disseram Jesus e os Apóstolos, mas também
em que ocasião, com que fim, em que sentido o disseram.

Como também não virá com a ideia de apegar-se de unhas e dentes


a uns textos, . A mesma
Bíblia que nos ensina que o homem se salva J
(Atos XVI-31), nos ensina que o homem se salva
(Mateus XIX-17). A mesma Bíblia que nos diz que o
homem é justificado pela (Romanos III-28),
nos diz igualmente que o homem é justificado pelas
(Tiago II-24). Ora nos diz que a pedra angular da
Igreja é Jesus Cristo (1ª Pedro II-4 a 6), ora nos diz que Pedro é a
pedra sobre a qual Cristo edificou a sua Igreja (Mateus XVI-18). Ora
nos diz que o sangue de Cristo nos purifica de todo pecado (1ª João
I-7), ora nos mostra a remissão dos pecados realizada pelo Batismo
(Atos II-38) ou pelo poder das chaves conferido aos Apóstolos (João
XX-23) ou, até mesmo, pela Extrema Unção (Tiago V-15). Ora nos
apresenta a vida eterna como uma dádiva (Romanos VI-23), ora
como prêmio (1ª Coríntios IX-24 e 25). Tanto nos fala de Cristo
como Único Salvador de todos (1ª Timóteo II-5 e 6), como fala do
homem salvando a si mesmo e salvando os outros (1ª Timóteo IV-
16). Se ensinaram a interpretar a Bíblia aceitando, nestes
contrastes, a primeira parte e desprezando, não tomando em
nenhuma consideração a segunda, então lhe ensinaram uma
interpretação muito errada, porque, se a Bíblia é ela inspirada
por Deus, havemos de aceitar toda a Bíblia e não andar a fazer
escolhas entre textos, para ver somente os que nos agradam,
porque é daí que nascem as seitas, as divergências, as heresias. A
própria palavra etimologicamente quer dizer .E
mesmo não há homem algum que fique satisfeito, quando dizem
que ele , não é verdade? Para que não desmoralizem
assim a nossa interpretação, ela tem que conciliar todos estes
pontos e mais outros que à primeira vista parecem inconciliáveis e
com a graça de Deus havemos de fazê-lo.

— É, dirá Você, estou de pleno acordo. T B B .

— Calma, caro amigo. T B , isto já está assentado de


pedra de cal, porque toda a Bíblia é palavra de Deus, e a palavra de
Deus não pode ser rejeitada. Quanto a dizer B , isto não
poderemos dizer agora: vamos consultá-la primeiro, estudá-la
carinhosamente. Se ela nos disser que só ela é que deve ser
ouvida, então aceitaremos o princípio: B . Se ela, porém,
nos apontar outra fonte de ensino da verdade, teremos que aceitar a
esta igualmente, porque não podemos ir de encontro à Bíblia, não
acha?

Quanto a tradução portuguesa que usaremos no nosso estudo, não


há perigo de Você nos acusar de nos termos baseado num texto
novo, para arranjar as coisas a nosso favor. Usaremos uma
tradução muito antiga da Bíblia e muito utilizada tanto pelos
católicos como pelos protestantes: a do Pe Antônio Pereira de
Figueiredo. Servindo-nos, para maior comodidade, de uma edição
da Livraria Garnier; Rio de Janeiro, do ano de 1881. Mas a 1ª edição
saiu em Portugal no século XVIII, portanto numa época em que o
Protestantismo não havia ainda penetrado no Brasil. Citaremos
sempre à risca [1] o Pe Pereira, comparando, quando for necessário,
com o texto original e com outros textos de língua portuguesa tanto
católicos, como protestantes. A única alteração que faremos é
substituir pelo verbo o verbo que, principalmente
quando aplicado ao nascimento de Cristo, pode parecer estranho,
indecoroso ou pouco educado aos ouvidos de hoje, embora não o
fosse absolutamente no tempo em que o Pe Pereira fez a sua
tradução.

Finalmente uma última palavra. Vamos estudar a Bíblia com toda


, não é assim? Pois bem, quer dizer o
seguinte: se por acaso, pelo nosso estudo, Você depreender que
está em erro (e é coisa do outro mundo um protestante reconhecer
que está em erro? Há no Protestantismo doutrinas inteiramente
contrárias umas às outras e onde há contradição há erro, todos
sabem disto, porque o mais universal de todos os princípios é que
) se
você depreender que está em erro, como íamos dizendo, não se
ponha obstinadamente a querer agarrar-se a argumentos ridículos,
nem se limite a dizer simplesmente: “Veremos isto depois”, dando
como sujeito a discussão aquilo que já está por demais examinado e
esclarecido, porque, caro amigo, nada podemos contra a verdade,
senão pela verdade (2ª Coríntios XIII-8). E se, por acaso, é pastor, é
líder, tem admiradores simples e rudes que confiam na sua
doutrinação e Você reconhece agora que lhes ensinou doutrinas
errôneas (máxime se foi por escrito) a sua obrigação é retratar-se
, porque só assim é que pode seguir a Jesus
Cristo, que é a própria Verdade. Assim faz todo homem de bem, e
com maioria de razão todo seguidor do Divino Mestre.

E sem esta sinceridade ninguém pode ir ao Céu, porque como diz


S. Paulo, Deus retribui com ira e indignação aos que são de
contenda e que (Romanos II-8).

Não há nada mais belo do que o homem curvar-se perante a


verdade. Nisto não há desdouro, nem motivo para constrangimento,
mas sim uma verdadeira libertação.

Quanto a Você, estimado leitor católico, que vai tranquilo e


sossegado no seu navio, enquanto lá fora as barcaças revoltosas se
desencontram, pouca coisa temos para lhe dizer. Que este livro lhe
sirva para enriquecer o conhecimento de Cristo e de sua Religião, e
o ajude a rebater ainda melhor os ataques e as objeções dos
hereges protestantes, são estes os nossos sinceros votos.

Lúcio Navarro.

N. B. — Deixamos aqui a expressão do nosso profundo


reconhecimento ao Exmo Revmo Sr. D. Filipe Conduru, DD. Bispo de
Parnaíba, e aos Revmos Pes Marcelo Pinto Carvalheira [2] e Zefirino
Barbosa Rocha, que, após lerem algumas partes do nosso trabalho
(quando este ainda estava datilografado), se dignaram fazer-nos
críticas e sugestões muito interessantes.

L. N.

Notas
[1] N.d.r.: Nesta edição, nas citações bíblicas, empregamos as mesmas
palavras da edição original, meramente atualizando a grafia da palavra.
(voltar)

[2] N.d.r: Hoje, Dom Marcelo Pinto Carvalheira, Arcebispo emérito da Paraíba.
(voltar)
Primeira Parte
A Salvação pela Fé
Capítulo Primeiro
Desmantelo e desequilíbrio da teoria
protestante
A tese do pastor.

1. Bem se pode imaginar com que ânsia, emoção e contentamento


o nosso amigo, pastor protestante, se aproximou do microfone, para
fazer a sua dissertação pelo rádio, naquele dia. Tratava-se de uma
mensagem sensacional, que ele pensara em transmitir. O seu
objetivo era nada mais, nada menos que dar uma bonita rasteira em
todas as religiões do mundo, sem respeitar nem sequer a Santa
Igreja Católica Apostólica Romana, ficando de pé exclusivamente a
doutrina dos protestantes. Para isto, idealizou o jovem e fervoroso
pastor a argumentação seguinte:

Todas as religiões ensinam que o homem se salva pelas suas


próprias obras; o Protestantismo, ao contrário, ensina que o homem
se salva pela fé. Ora, sabemos que a Bíblia é a palavra de Deus
revelada aos homens; palavra infalível porque Deus não pode errar.
E a Bíblia em inúmeros textos afirma que o homem se salva pela fé.
Logo, se vê pela Bíblia que o Protestantismo é a única religião
verdadeira, e assim está refutada a doutrina perigosa (perigosa, sim,
foi o que disse o pastor, e é o que dizem, em geral, os protestantes)
a doutrina perigosa de que o homem alcança a salvação pelas suas
obras.

Textos evangélicos.

2. Não vamos aqui logo repetir todos os textos citados pelo pastor
em abono de sua tese, porque temos que analisá-los
cuidadosamente mais adiante (capítulos 4º a 8º), não só os
apresentados por ele, senão também outros alegados pelos seus
colegas sobre o mesmo assunto. Queremos apenas dar uma
amostra de como os textos eram mesmo de impressionar o
desprevenido ouvinte que não tivesse um conhecimento completo
da verdadeira doutrina do Evangelho. Veja-se, por exemplo, o
seguinte trecho do Evangelho de S. João: Assim amou Deus ao
mundo, que lhe deu a seu Filho Unigênito, para
, , porque Deus não
enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o
mundo seja salvo por Ele. Q ,
, porque não crê no nome do
Filho Unigênito de Deus (João III-16 a 18). Textos como estes que
asseveram tão abertamente — quem crê em Jesus se salva, quem
não crê se condena — seriam suficientes para convencer qualquer
pessoa: 1º se não fosse tão ímpio, tão absurdo, e, portanto, tão
indigno dos lábios de Jesus o que se quer provar com eles, ou seja,
a doutrina de que, para o homem salvar-se, basta que tenha fé em
Cristo e nada mais; 2º se não houvesse outros textos, igualmente
claros, dos Evangelhos, para nos provar a necessidade das boas
obras para a conquista do Céu, como este por exemplo: Bom
Mestre, que obras boas devo eu fazer para alcançar a vida
eterna?... ,
(Mateus XIX-16 e 17).

Conciliação dos textos.

3. É claro que fazer uma boa interpretação da Bíblia não consiste


em aferrar-se alguém a uns textos, desprezando, esquecendo,
refugando, pondo de lado outros, igualmente valiosos: tudo quanto
está na Bíblia é palavra de Deus. A interpretação imparcial,
conscienciosa, legítima, procura harmonizar inteligentemente os
textos das Escrituras. E é bastante tomar na devida consideração as
duas afirmativas — quem crê em Jesus se salva, quem não crê se
condena — para entrar na vida eterna, é preciso guardar os
mandamentos — para se chegar à conclusão de que para a
salvação eterna, tanto é necessária a fé nas palavras de Cristo,
como a obediência aos mandamentos divinos. É o que nos ensina a
Igreja Católica, a qual não afirma que o homem se salva só pelas
obras, como queria fazer crer o nosso amigo, pastor protestante,
baseando a sua argumentação em que todas as religiões assim o
ensinam; segundo a teologia católica, a fé no ensino de Cristo que
nos é apresentado é também indispensável. Vê-se logo por aí
quanto a doutrina da Igreja é desconhecida, até mesmo por aqueles
que ardorosamente a combatem. Temos, portanto, que expor (e o
faremos no capítulo seguinte) a doutrina católica sobre o assunto,
máxime porque ela fala de um terceiro elemento, importantíssimo e
igualmente indispensável à salvação, como seja, o auxílio da graça
de Deus; explicado este ponto, se esclarecem muitos textos das
Escrituras que tanta confusão provocam na cabeça dos
protestantes.

Perante a lógica e a Bíblia: o caso dos pagãos.

4. Basta igualmente esta palavra de Cristo — se tu queres entrar na


vida, guarda os mandamentos (Mateus XIX-17) — para mostrar que,
se o Protestantismo se distingue de todas as religiões do mundo
ensinando que o homem se salva só pela fé e não pelas obras, isto
não é sinal de que seja a única Religião Verdadeira; é sinal, apenas,
de que ensina uma coisa que evidentemente está contra a lógica e o
bom senso.

Este princípio estabelecido por Jesus Cristo — guardar os


mandamentos, para salvar-se — vigora em todas as religiões,
porque é também um imperativo da razão humana, e a razão, assim
como a fé, procede de Deus, nosso Criador. A humanidade viveu
milhares de anos antes de Jesus Cristo vir a este mundo e, durante
todo esse tempo, excetuando o povo judaico, pequenino povo que
tinha a revelação dada por Deus a Moisés e aos profetas, todas as
nações da terra estavam imersas no paganismo, desconhecendo as
verdades de fé. Mesmo depois da vinda de Jesus Cristo, quantos
milhões e milhões de pessoas tem havido e ainda há, como por
exemplo entre budistas, bramanistas, confucionistas, maometanos,
índios selvagens etc, que sem culpa nenhuma sua, desconheceram
ou ainda desconhecem a revelação de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Podiam ou podem estes homens salvar-se?

Sim, sem dúvida alguma, porque não é admissível que Deus os


condenasse a todos irremediavelmente ao inferno, se eles não
tinham culpa nenhuma em desconhecer a revelação cristã. Mas
salvar-se como? Seguindo o que Cristo disse: Se tu queres entrar
na vida, guarda os mandamentos (Mateus XIX —17). E aqui
perguntará o leitor:

— Se os mandamentos foram revelados aos judeus por intermédio


de Moisés, e as religiões pagãs não conheciam esta revelação,
como podiam admitir este princípio: — guarda os mandamentos, se
queres salvar-te? Conheciam por acaso estes mandamentos?

— Conheciam, sim; embora não tão perfeitamente como nós os


conhecemos. Porque estes mandamentos, Deus os gravou no
coração do homem. Honrarás pai e mãe, não matarás, não furtarás,
não levantarás falso testemunho, não desejarás a mulher do teu
próximo etc, são leis que se impõem a todos os homens pela voz
imperiosa de sua consciência. Se a Religião tem por fim o
aperfeiçoamento moral do homem e a sua união com Deus, esta
união, este aperfeiçoamento não se realizam senão quando ele
obedece à voz da consciência, que é a própria voz de Deus falando
a sua alma, a seu coração. Só assim podia (ou pode ainda hoje) o
pagão que nunca ouviu falar de Cristo, agradar a Deus e, agradando
a Deus pelas suas obras, conseguir a salvação.

— Mas, dirá o protestante, esta história da possibilidade de se


salvarem os pagãos, pode-se provar pelas Escrituras?

— Perfeitamente. Abra-se a Epístola de S. Paulo aos Romanos.


Lemos aí que Deus há de retribuir a cada um segundo as suas
obras; com a , por certo, aos que perseverando em
fazer , buscam glória e honra e imortalidade; mas com
ira e indignação aos que são de contenda e que não se rendem à
verdade, mas que obedecem à injustiça. A tribulação e a angústia
virá sobre toda a alma do homem que obra mal, ao judeu,
primeiramente, e ao grego; será
dada a todo o obrador do bem, ao judeu primeiramente, e ao grego;
porque não há para Deus acepção de pessoa (Romanos II-6 a 11).
O grego, a que se refere aí S. Paulo, em contraposição ao judeu, é
o gentio, o pagão, o que não conhecia a lei de Moisés. Deus não
tem acepção de pessoas: todo o que opera o bem recebe a vida
eterna, seja judeu, seja gentio. Porque, como diz em continuação o
Apóstolo S. Paulo, se os judeus tinham uma lei escrita dada por
Deus e os gentios não a tinham, o que interessa a Deus não é que
se a lei que foi dada por Ele, mas sim que se o que
ordena esta mesma lei. E o gentio, cumprindo a lei que estava
escrita no seu coração, se podia tornar também justificado diante de
Deus. Vejamos as palavras do Apóstolo: Não são justos diante de
Deus os que ouvem a lei; mas os
; porque quando os gentios que não tem a lei,
fazem naturalmente as coisas que são da lei, os quais
, dando testemunho a
eles a sua (Romanos II-13 a 15).

— Mas perguntará alguém: Não diz a Bíblia que sem fé é impossível


agradar a Deus? Como podiam esses pagãos agradar a Deus sem
fé?

— A dificuldade é muito fácil de resolver. Na mesma ocasião em que


diz a Bíblia — ser impossível sem a fé agradar a Deus — mostra
imediatamente qual o programa mínimo de fé que é exigido desses
que não cheguem a ter conhecimento da revelação divina; deles se
exige apenas que creiam o seguinte: que existe um Deus e que este
Deus recompensa os bons. Vejamos o texto: Sem fé é impossível
agradar a Deus, porquanto é necessário que o que se chega a Deus
creia que há Deus e que é remunerador dos que O buscam
(Hebreus XI-6). Se eles estavam ou estão, sem nenhuma culpa sua,
na ignorância de muitas outras verdades de fé, Deus se contenta
com este mínimo: crer na existência de um Deus Remunerador; é o
bastante para se aproximarem de Deus.

Portanto, se as religiões pagãs que existiram antes do nascimento


de Nosso Senhor Jesus Cristo ensinavam que seus adeptos podiam
conseguir a recompensa divina mediante as suas obras, se as
religiões pagãs ainda hoje existentes ensinam que os seus
seguidores (que não tem suficiente conhecimento da doutrina de
Jesus Cristo) se salvam pela maneira digna e correta de proceder,
essas religiões podem ter lá os seus erros graves em matéria de
doutrina, mas têm ensinado uma coisa certa,
confirmada por S. Paulo, quando afirmou que os gentios se salvam
obedecendo à lei que está escrita em seus corações (Romanos II-
15). O caminho do Céu para eles é este mesmo. Agora, se de fato
foram muitos ou foram poucos os que procederam corretamente e
obedeceram a esta lei, isto é outra questão. O homem tem a sua
liberdade; pode usar dela bem ou mal. Infelizmente a tendência
desta nossa corrupta Humanidade é mais para usar mal do que para
usar bem; porém tinha que haver para os pagãos, assim como para
os cristãos (falamos, é claro, dos pagãos de boa fé) algum direito,
alguma possibilidade de salvar-se. Do contrário Deus seria injusto,
não seria bom para todos os homens que O temem. Bem-
aventurados todos os que temem ao Senhor, os que andam nos
seus caminhos (Salmos CXXVII-1). E o pagão que não recebeu as
luzes da revelação cristã, mas crê na existência de um Deus
Justiceiro, embora erre, por ignorância invencível, sobre a própria
natureza da Divindade, não tem outro meio para mostrar que teme o
Senhor e que quer andar nos seus caminhos, senão obedecendo
fielmente aos ditames da sua própria consciência.

Perante a lógica e a Bíblia: o caso dos cristãos.

5. Passeamos agora às religiões cristãs, que admitem a revelação


feita por Nosso Senhor Jesus Cristo. Se elas ensinam que “o
homem se salva pelas obras”, estão ensinando uma coisa certa ou
errada? Isto depende do sentido que se queira dar à frase. Se se
toma no sentido de que o homem se salva exclusivamente pelas
suas obras, desprezando-se a fé, como a desprezam aqueles que
dizem “Todas as religiões são boas, vem a dar tudo na mesma
coisa; minha religião consiste em fazer o bem”, a doutrina está
errada. Foi precisamente para combater este erro, para mostrar que
era preciso submeter humildemente a inteligência a todas as
verdades por Ele reveladas, que Jesus Cristo tanto insistiu em dizer
que — quem crê nEle se salva, quem não crê se condena. Mas, se
se toma num sentido que não exclua a obrigação de crer e se leva
em conta a absoluta necessidade da graça para a realização das
boas obras, a frase tem um sentido legítimo e verdadeiro, perante a
razão e perante a Bíblia.

Senão, vejamos. Os cristãos, ou aqueles que têm conhecimento da


doutrina cristã, Nosso Senhor veio ao mundo para dispensá-los da
observância dos mandamentos, impondo-lhes unicamente a
obrigação de crer? Absolutamente não! Porque é o próprio Cristo
quem diz: Se tu queres entrar na vida, guarda os mandamentos
(Mateus XIX-17). Absolutamente não! Porque ninguém está
dispensado de obedecer à voz da consciência, de cumprir esta lei
que está escrita no coração humano, se quiser conseguir o Céu.
Foram abolidas todas as cerimônias e prescrições da lei mosaica,
mas o Decálogo ficou de pé, porque é a lei eterna, que rege a alma
do homem, é a fonte de toda a moral, de todas as leis.

O que acontece com o cristão é que, tendo um conhecimento mais


vasto das coisas de Deus, dos preceitos e da vontade divina, a
observância dos mandamentos lhe abre novos horizontes. Tem
maiores obrigações e responsabilidades, desde que por sua vez
recebeu maiores luzes, mais abundantes graças e tem mais
facilidade para salvar-se. A todo aquele a quem muito foi dado,
muito lhe será pedido (Lucas XII-48). Ele sabe que o grande
mandamento da lei é este: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o
teu coração e de toda a tua alma e de todo o teu entendimento
(Mateus XXII-37). Bem como, conhece pelo Evangelho as palavras
de Jesus Cristo. Ora, não estará amando a Deus com todo o seu
entendimento, se não crer nas palavras do Divino Mestre. Logo, a
obrigação de crer nas palavras de Jesus, que são palavras de Deus,
pois Jesus Cristo é Deus, já está incluída na lei: observa os
mandamentos. Porque não posso amar a Deus e, ao mesmo tempo
desacreditar a sua palavra. E quando Jesus lhe diz que quem crê
nEle se salva, quem não crê se condena, o cristão sabe que tem
que aceitar todas as palavras de Jesus; logo, não pode desprezar a
verdade que está contida nestas palavras: Se tu queres entrar na
vida, guarda os mandamentos (Mateus XIX-17). Veja-se, portanto,
que equilíbrio, que glória se encerra na doutrina católica! Os
mandamentos incluem a obrigação da fé em Cristo, e a fé em Cristo
traz como consequência a obrigação dos mandamentos.

Desequilíbrio da doutrina protestante.

6. Comparemos isto com o desequilíbrio da doutrina dos


protestantes. Nós lhes apresentamos um número incalculável de
pagãos que existiram antes de Cristo ou que existem ainda hoje
(milhões dos quais têm adorado o Deus Verdadeiro, como os
maometanos, por exemplo) pagãos estes que não chegaram a ter
conhecimento da doutrina de Cristo e que têm a fé mínima, a que se
refere S. Paulo na sua Epístola aos Hebreus, isto é, creem que
existe um Deus e que Ele é remunerador; quanto ao mais, nada
sabem da doutrina revelada. Ora, segundo a doutrina protestante,
só a fé é que salva, as boas obras do indivíduo para a
salvação. Agora perguntamos: esta fé mínima — crer em um Deus
Remunerador — é suficiente para a salvação ou não? Se é
suficiente, todos esses pagãos se salvaram ou ainda se salvam, só
vão para o inferno os ateus, pois segundo os protestantes, o que
salva é a fé, e não as obras. Neste caso onde está a justiça de
Deus, colocando assim no Céu a todo o mundo, indistintamente,
sem nenhuma atenção à maneira de proceder de cada um? Se não
é suficiente, então todos eles se condenam, mesmo que pratiquem
as melhores obras deste mundo e se mostrem corretíssimos na sua
maneira de proceder, pois as boas obras, segundo os protestantes,
não influem na salvação. Estão esses pagãos irremediavelmente
perdidos, porque sua fé é, na hipótese, insuficiente para salvar.
Neste caso, onde está a justiça de Deus condenando, por não terem
fé em Cristo povos inteiros que, sem culpa sua, desta fé foram
privados [3]?

Os protestantes já estão salvos aqui na terra... apesar de todas as


suas faltas e imperfeições, as quais temos todos nós humanos,
quando morrem, vão diretamente para o Céu (pois os protestantes
não acreditam na existência do purgatório)... mas fora o
Protestantismo, são muitos os que inevitavelmente se condenam...
Deus seria neste caso, não um Pai de Misericórdia, mas um
Soberano evidentemente injusto e monstruoso, que predestina uns
para o Céu e outros para a perdição.

Este Deus que assim concebem os protestantes, que a inúmeros


homens nega qualquer oportunidade para se salvarem, pois para a
salvação só aceita a fé e nada mais, mas como crerão àquele que
não ouviram? E como ouvirão seu pregador (Romanos X-14), este
Deus tão parcial que aos protestantes dá tudo e a outros nega tudo
em matéria de salvação, será o mesmo Deus da Bíblia que quer que
todos os homens se salvem (1ª Timóteo II-4) [4]? que não tem
acepção de pessoas (2º Paralipômenos [5] XIX-7; Romanos II-11,
Efésios VI-9, Colossenses III-25; 1ª Pedro I-17)? O Único Mediador
que eles pregam será mesmo Jesus Cristo que se deu a si mesmo
para a (1ª Timóteo II-6), que é a propiciação
pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também
pelos de (1ª João II-2)? Não há lógica, portanto,
nesta matéria de doutrina da salvação, se não se admite aquilo que
vimos agora mesmo a Bíblia dizer pela pena de S. Paulo, na sua
Epístola aos Romanos: que Deus há de retribuir a cada um
(Romanos II-6).

Lutero pensava e ainda pensam os protestantes de hoje que se


pode alterar facilmente a doutrina verdadeira que Deus deixou neste
mundo e que vem sendo ensinada pela sua Igreja, a Igreja Católica.
Com a sua ampla liberdade para mexer na Bíblia e dela extrair
apenas os textos que mais lhes convenham e agradem, os
protestantes entenderam de tornar para si muito fácil a salvação,
fazendo-a depender somente da fé, tornando-a inteiramente
independente das boas obras. Mas ao mesmo tempo a tornaram
impossível para os pagãos que nenhum conhecimento tiveram de
Nosso Senhor Jesus Cristo.

A doutrina da salvação só pela fé, sem as obras, logo se fez


acompanhar da doutrina horrorosa e blasfema de que Deus
predestina uns para o Céu e outros para o inferno, a qual já estava
contida claramente nas obras de Lutero e foi abertamente ensinada
por Calvino. Por mais que repugne a alguns modernos protestantes
esta monstruosa teoria, não há como fugir a ela, na hipótese de que
só a fé e nunca as obras do indivíduo é que podem influir na
salvação. Aqueles a quem não chega a luz da revelação ficam
assim numa situação irremediável. No entanto, nada mais contrário
ao ensino da Bíblia, segundo a qual Deus é infinitamente bom e
quer salvar a todos.

E é muito de admirar que os protestantes vejam perigo (de favorecer


ao orgulho e à presunção) na teoria de que o homem se salva
praticando boas obras — já veremos (nos 37; 135 e 136) até onde
existe este perigo na doutrina católica — e não vejam perigo
nenhum em ensinar-se ao povo que pela fé ele já está salvo e que
as boas obras não influem nem direta nem indiretamente na
salvação da nossa alma...

Notas (pular)

[3] Aqui naturalmente perguntarão os protestantes: E os católicos também não


ensinam que ? Logo, segundo eles,
também todos os pagãos se condenam, pois estão fora da Igreja.

— É preciso que se tome bem em consideração o sentido que o Catolicismo


empresta a esta fórmula: Fora da Igreja não há salvação.
Esta mesma Igreja que ensina, como veremos, (nº 22) que o Batismo é
indispensável para a salvação, mas afirma também que o Batismo de água
pode ser suprido pelo Batismo de desejo, ou seja, a reta consciência naqueles
que não conhecem o Sacramento do Batismo, e que ensina que, em caso de
impossibilidade, a Confissão sacramental pode ser suprida pelo ato de
contrição perfeita, ensina igualmente que se pode pertencer à Igreja ou
realmente ou . Ou, para usar uma linguagem mais acessível a todos,
pode-se pertencer à Igreja por uma adesão explícita e pode-se pertencer a ela
. Aqueles que estão separados da Igreja, mas
buscam sinceramente a verdade e querem do íntimo d’alma servir a Deus e
realmente o fazem, obedecendo aos ditames da própria consciência,
pertenceriam à Igreja Verdadeira, como devotados fiéis, se dela tivessem
suficiente conhecimento. São, portanto, filhos seus, que ela não conhece;
pertencem à I ; fazem lá a seu modo, na sua ignorância, o que
ela quer que todos façam: servir a Deus de todo coração. Por isto disse o
Papa Pio IX: “Aqueles que estão em ignorância invencível a respeito de nossa
Santa Religião, mas observem fielmente os preceitos da lei natural gravados
por Deus no coração de todos e, prontos a obedecer a Deus, levam uma vida
proba e honesta, podem, pela luz divina e pela operação da graça, obter a
vida eterna: porque Deus penetra, perscruta e conhece os corações, os
espíritos, os pensamentos e a conduta. Em sua bondade e clemência
supremas, não consentirá jamais em punir com suplícios eternos um homem
que não é culpável de falta voluntária” (Encíclica Quanto Conficiamur).

Mas aqueles que receberam a luz da revelação cristã têm obrigação de


conhecer a Verdadeira Igreja que Cristo fundou e de pertencer a ela; estar
deliberadamente separado da Igreja de Cristo é o mesmo que estar separado
de Cristo, pois Cristo é a cabeça da Igreja (Efésios V-23). Se alguém não
ouvir a Igreja, tem-no por um gentio ou um publicano (Mateus XVIII-17).

Desta possibilidade de salvar-se o pagão, baseada em que Deus dá a todos a


graça suficiente para a salvação, não se conclui absolutamente que seja inútil
a pregação do Evangelho: 1º porque a Igreja recebeu a incumbência de
pregar o Evangelho a toda a criatura, de levar a todos o conhecimento da
verdade; 2º porque a pregação da doutrina de Cristo vai excitar ao
arrependimento muitos pagãos que se acham de má-fé ou mergulhados no
pecado e que assim se encontram francamente no caminho da condenação;
3º porque estes próprios que observam fielmente a lei natural e que não
parecem ser em grande número podem, com a abundância de meios
sobrenaturais que a Igreja lhes oferece, fortificar-se ainda mais na graça e
atingir uma melhor perfeição, para maior glória de Deus. (voltar)
[4] Quando diz: como crerão àquele que não ouviram? E como crerão sem
pregador?, S. Paulo toma a fé no sentido restrito da palavra, fé
, as quais não são conhecidas onde não foi anunciada ainda a
palavra de Deus. E quando diz: Sem fé é impossível agradar a Deus,
porquanto é necessário que o que se chega a Deus creia que há Deus e que
é remunerador dos que O buscam (Hebreus XI-6), S. Paulo toma a fé em um
sentido lato, a crença em verdades
, a qual não só pode provar a existência de Deus, mas também
chegar à ideia de sua justiça, bondade e perfeição. Aliás, ele estava falando
naquele momento (Hebreus XI-4 e 5) em Abel e Henoque, os quais viveram
num tempo em que não haviam sido feitas ainda as revelações transmitidas a
Abraão, a Moisés e aos profetas.

Ora, nós católicos, admitimos que a todos os homens que gozam do uso da
razão a guarda dos mandamentos é indispensável para a salvação; a fé em
Cristo é indispensável para aqueles a quem chega a notícia do Evangelho; a
fé em Deus Remunerador, ou seja, a fé em sentido lato, é indispensável
mesmo para aqueles que nunca ouviram falar em Cristo. Mas a mentalidade
dos protestantes é inteiramente outra; tomam as palavras evangélicas: Quem
crê em Jesus se salva, quem não crê se condena (as quais se referem
naturalmente àqueles a quem o Evangelho é anunciado) no sentido de que
quem não ouve a pregação do Evangelho está irremediavelmente perdido;
quem aceita o Evangelho está salvo com toda certeza. Sim, porque eles veem
como caminho para o Céu, pura e exclusivamente J . Obras,
absolutamente não! Mas se crer em Jesus é, segundo eles,
J , eis aí um sentimento que é inteiramente incapaz de ter
aquele que ainda não foi devidamente instruído a respeito da doutrina do
Evangelho. (voltar)

[5] N.d.r.: Paralipômenos = parte do Velho Testamento mais conhecida por


Crônicas, em suplemento aos livros dos Reis. (voltar)

Estranho remédio para os males do mundo.

7. Quem quiser ouvir ensinamentos que aberram contra toda lógica


e bom senso, é só prestar bem sentido à doutrina da salvação, à
doutrina do Evangelho tal qual vem sendo apresentada pelos
protestantes.
Nós sabemos que o mundo sempre foi perverso e corrompido, e
especialmente nos dias de hoje. Isto decorre da decadência da
nossa natureza humana, fortemente inclinada para o mal.

O homem tem que lutar contra suas paixões: há de vencê-las pelo


sacrifício, pela mortificação e pela renúncia ou há de sucumbir a
elas. Abrace qual religião abraçar, esta luta continuará sempre.
Mesmo que se eleve à mais alta santidade, está sujeito a cair, pois
continua sempre livre e sempre inclinado para o mal.

É claro que a doutrina do Evangelho é uma doutrina santificadora,


que estimula o homem a dominar-se, a cantar vitória sobre si
mesmo, sobre seus instintos, que o eleva à prática da virtude, a qual
muitas vezes requer heroísmo. Ela se apresentará, assim, como um
incentivo para o bem, a contrapor-se à maléfica influência do mundo
que, posto no maligno (1ª João V-19), arrasta o homem para o mal,
com suas máximas funestas, seus escândalos e seus maus
exemplos.

Mas qual é a doutrina que traz o Protestantismo para o mundo


corrupto de hoje?

Dizem os protestantes:

Há quem ensine que a salvação se alcança:

praticando boas obras;


fazendo penitências;
fazendo sacrifícios e renúncias;
rezando;
recebendo sacramentos etc, etc.

Nada disto! A salvação se alcança simplesmente pela fé em Jesus.

E em que consiste a fé em Jesus, segundo a doutrina protestante?


Consiste apenas nisto: em C
, .

Se o pecador se arrepende de seus pecados e aceita a Cristo como


seu Salvador, está salvo — e, segundo ensina um grande número
de seitas protestantes, está salvo para sempre, não pode perder-se
jamais, .

A salvação lhe é dada de graça. Basta estender a mão para recebê-


la. Não é prêmio de virtudes, nem de boas obras, nem de prática da
Religião, nem da observância da lei de Deus.

E quando se objeta que esta salvação assim dada “de graça” está
barata demais, os protestantes respondem que é uma loucura
recusar-se uma coisa, só porque é dada de graça: a luz do sol e o ar
que respiramos também nos são dados gratuitamente e ninguém os
vai recusar por isto...

É este o Evangelho que vai regenerar e santificar o homem,


segundo o ensino protestante! Não se fala na necessidade da
mortificação, do sacrifício para ganhar o Céu; barateia-se a salvação
para que ela fique ao alcance de todos.

Onde está o desmantelo.

8. Ora, percebe-se claramente que existe neste sistema uma bruta


falsificação da doutrina do Evangelho.

Enquanto o Protestantismo ensina que o remédio para os males do


mundo, a salvação do homem está na J , tudo vai muito
bem. Porque é realmente J
, que a Humanidade encontra o bom caminho e o homem
se salva.

Todo o mal do homem está em não crer em Jesus, ou em crer, mas


não viver de acordo com a sua crença, o que seria uma fé morta,
uma fé contradita, negada e desmoralizada pelas obras.

Mas, quando o Protestantismo nos vem dizer que a fé em Jesus


consiste em aceitar a Cristo como nosso Salvador,
aí é que está a completa e escandalosa adulteração do Evangelho.
Esta noção de fé é mera invenção de Lutero; procura-se assim
misturar a verdade evangélica com o erro luterano.

Não há dúvida que, se o Evangelho nos diz que o homem se salva


C , compete ao próprio Evangelho dizer-nos
em que consiste. É isto o que vamos examinar minuciosamente
com a Bíblia na mão, daqui a pouco (capítulo 4º).

Mas se os protestantes dizem só admitir aquilo que está na Bíblia,


em que parte da Bíblia eles viram que esta fé em Cristo, esta fé que
nos salva consiste em aceitar a Cristo como Salvador?
Quem autorizou os protestantes a andar pregando pelo mundo esta
aceitação de Cristo, tão mesquinha, tão parcial, tão incompleta? Por
que motivo havemos de aceitar a Cristo como nosso Salvador e não
havemos de aceitá-Lo também como nosso , que nos
impôs uma lei, a qual teremos de observar, se quisermos alcançar a
salvação? Por que motivo não havemos de aceitar a Cristo como o
, que nos ensinou uma , um conjunto de verdades,
que estamos obrigados a aceitar, porque Ele é Deus e Deus não
pode errar? Por que motivo não havemos de aceitar a Cristo como
I que Ele deixou aqui na terra,
inseparavelmente unida a Ele que é a cabeça do corpo da Igreja
(Colossenses I-18)?

Não falam tanto os protestantes na adesão a Nosso Senhor Jesus


Cristo? E como é que acham que vão para o Céu aqueles que veem
em Cristo um Salvador e nada mais?

Aceitação integral de Cristo.


9. Se aceitamos a Cristo exclusivamente como Salvador, se
tapamos a sua boca quando Ele nos vai doutrinar, se não Lhe
damos outro direito senão o de estender os braços sobre a cruz e
morrer por nós, então é fácil lançarmos mão do Evangelho e
fazermos a salvação do tamanho que a quisermos; mas se
aceitamos a Cristo integralmente, se O deixamos falar como nosso
Legislador, como nosso Mestre, como fundador da sua e nossa
Igreja, logo chegaremos à conclusão de que para a salvação:

é necessária a observância dos mandamentos: Se tu queres entrar


na vida, (Mateus XIX-17);

são necessárias as boas obras, como se deduz claramente da


descrição do juízo final (Mateus XXV-31 a 46);

é de grande importância a penitência: Ai de ti, Corozaim; ai de ti,


Betsaida; que se em Tiro e Sidônia se tivessem obrado as
maravilhas que se obraram em vós, há muito tempo que elas teriam
feito , - . Por isso
haverá sem dúvida no dia de juízo para Tiro e Sidônia menos rigor
que para vós (Lucas X-13 e 14);

é preciso fazer sacrifícios e renúncias: Se o teu olho te escandaliza,


- ; melhor te é entrar no reino de Deus sem um olho do
que, tendo dois, ser lançado no fogo do inferno (Marcos IX-46). Se
alguém quer vir após de mim, - ,
e siga-me (Lucas IX-23);

é preciso orar para se obter a graça, pois sem a graça não se pode
praticar a virtude: Importa orar sempre e não cessar de o fazer
(Lucas XVIII-1). Vigiai e orai, para que não entreis em tentação
(Mateus XXVI-41);

é preciso receber os sacramentos: Quem não renascer da e


do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus (João III-5). Se
não comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu
sangue, (João VI-54). Aos que vós
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados, e aos que vós
os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23);

é preciso obedecer à Igreja: Tudo o que ligares sobre a terra será


ligado também nos Céus, e tudo o que desatares sobre a terra será
desatado também nos Céus (Mateus XVI-19), disse Jesus a Pedro,
pedra da Igreja. E se não ouvir a Igreja, tem-no por um gentio ou um
publicano (Mateus XVIII-17).

E veremos que, em vez desta salvação baratíssima, Ele nos prega


uma salvação árdua e penosa: Larga é a porta e espaçoso o
caminho que guia para a perdição e muitos são os que entram por
ela. Q
e que poucos são os que acertam com ele! (Mateus VII-
13 e 14).

Por que motivo então havemos de aceitar a Cristo como Aquele que
nos dá a salvação e não havemos de aceitá-Lo como Aquele que
tem o direito de nos impor, de nos indicar as condições em que esta
salvação é obtida?

Reduzindo a fé que salva à simples aceitação de Cristo como


Salvador e ao mesmo tempo dando a cada um o direito de
interpretar a Bíblia como bem entende, o Protestantismo abre o Céu
de par em par a todos os hereges. Isto de doutrina, de
ensinamentos de Cristo, passa a ter muito pouca importância, cada
um os aceita como acha mais conveniente; o que vale somente para
a vida eterna é aceitar a Cristo .

Como veremos mais adiante (nos 225 a 243):

Há, entre os protestantes, uns que negam a SSma Trindade e outros


que a admitem;

uns que dizem que Jesus Cristo é Deus, e outros que é um simples
homem;
uns que creem na existência do inferno e outros que a rejeitam;

uns que admitem a imortalidade da alma e outros que a negam;

uns que creem que Jesus está realmente presente na Eucaristia e


outros que dizem que a Eucaristia não é mais do que pão e vinho;

uns que batizam e outros que não batizam etc, etc.

Todos estes entram de roldão no Céu. Pois a pergunta de ordem é


somente esta: Aceitais a Cristo como vosso Único e Suficiente
Salvador, como vosso Salvador Pessoal?

Aceitamos — respondem todos.

Pois então, todos estais salvos.

Não se podia inventar uma doutrina que fosse mais a gosto para
contentar a todos os hereges.

Além disto (e a questão agora é com aqueles inúmeros protestantes


que acham que aquele que C já
não se pode perder mais) perguntamos:

Um homem se arrependeu de seus pecados e aceitou a Cristo como


Salvador. De agora por diante, que homem vai ser ele? O mesmo
homem combatido pelas paixões próprias e pelas tentações do
inimigo, livre para pecar ou deixar de pecar — ou um homem
impecável? Cada um olhe sinceramente para si e veja se se tornou
impecável, depois que aceitou a Cristo como Salvador...

Se este homem depois peca, engolfa-se no pecado, não se


arrepende mais, não quer mais emendar-se, como pode ter já neste
mundo a salvação garantida? A salvação dada por Cristo será uma
licença ampla para cada um fazer o que bem lhe apraz e ir para o
Céu de qualquer jeito?
Ou, por acaso, estão os protestantes confiados em que aquele que
pecava quando tinha medo da condenação eterna, agora
espontaneamente, vai deixar de pecar, depois que
se considera já com a salvação garantida? Isto seria ser ingênuo
demais e não ter nenhum conhecimento do que é a nossa natureza
humana.

A Bíblia mal compreendida.

10. Será possível que o Evangelho nos ensine esta doutrina tão
ilógica de que as boas obras, o nosso modo de proceder não
influem na salvação da nossa alma?

É claro que não.

Se os protestantes vivem a ensinar isto e julgam ver nas páginas da


Sagrada Escritura uma doutrina tão estranha, é porque eles
certas passagens da Bíblia. Esta é que é a verdade.

E não fiquem de cara amuada os protestantes, não se mostrem


ofendidos conosco, pelo fato de dizermos que eles não entendem
certos versículos da Bíblia. A Bíblia tem de fato muitas coisas
, é ela própria quem o diz, falando a respeito
das epístolas de S. Paulo, nas quais
, as quais adulteram os indoutos e inconstantes,
, para ruína de si mesmos (2ª Pedro
III-16).

E verá o leitor que é justamente nas epístolas de S. Paulo, com


especialidade, que os protestantes se atrapalham e se confundem,
querendo ver aí uma teoria sobre a salvação que o próprio S. Paulo
nunca ensinou.

Não há nenhuma desonra em não entender a Bíblia, que tem como


Autor a Deus, cuja inteligência é infinita. Desonra e crime há, sim,
em não entendê-la e ao mesmo tempo meter-se a doutrinador
desastrado, apresentando uns textos e desprezando outros,
blasfemando daquilo que ignora e incutindo no povo uma doutrina
que não passa de uma caricatura da legítima doutrina do
Evangelho.

Deus nos podia ter deixado uma Bíblia sempre clara e fácil de
entender. Por que quis que ela fosse tão obscura e tão difícil em
certos pontos? Foi para que ninguém se arvorasse em forjador de
doutrinas, quando Deus deixou também aqui na terra a sua Igreja
encarregada de ensinar a doutrina da verdade.

É natural, portanto, que procuremos, primeiro que tudo, conhecer,


em suas linhas gerais, a doutrina da Igreja sobre a salvação.

Depois veremos como foi que surgiu no século XVI a teoria da


salvação pela fé sem as obras. E será interessante ver como foi um
homem que procurou arrancar do Evangelho uma doutrina
, de acordo com os seus interesses pessoais; e depois
muitos outros ficaram viciados nesta história de salvação
baratíssima.

Finalmente analisaremos os textos apresentados pelos protestantes,


com os quais pretendem provar a sua tese de salvação pela fé sem
as obras e veremos como todos eles se baseiam numa
interpretação errônea, seja porque não tomam a no mesmo
sentido em que a tomam as Escrituras, seja porque não percebem o
verdadeiro mecanismo da salvação, no qual a graça de Deus exerce
um papel muito importante, sem excluir, no entanto, a necessária
cooperação humana.
Capítulo Segundo
Doutrina católica sobre a salvação
1º — A parte realizada por Jesus Cristo
A visão beatífica.

11. Quando Deus criou Adão e Eva, destinou-os a irem para o Céu,
depois de viverem algum tempo aqui na terra. Dizendo — ir para o
Céu — entendemos: ir gozar da felicidade de Deus, vendo-O face a
face. É o que se chama : Nós agora vemos a Deus
como por um espelho, em enigmas; mas então . Agora
conheço-O em parte, mas então hei de conhecê-Lo como eu mesmo
sou também dEle conhecido (1ª Coríntios XIII-12).

Ora, esta visão beatífica está acima das forças da nossa natureza.
Nossa alma não pode ver a Deus diretamente, mas só pode
conhecê-Lo como por espelho, isto é, através do conhecimento das
criaturas. Para usarmos uma comparação: assim como na ordem
material a luz demasiada cega os nossos olhos e, se nós
chegássemos mais perto do sol, não poderíamos contemplá-lo de
maneira alguma (seria preciso, então, que Deus concedesse aos
nossos olhos uma força especial para isto) assim também é preciso
que Deus eleve a alma a um estado superior à sua natureza, e que
lhe dê uma força toda especial (é o que os teólogos chamam o
) para que ela possa gozar da glória divina, vendo Deus
diretamente lá no Céu.

Em outros termos, foi para um que Deus


destinou a Humanidade, quando criou o primeiro homem.

A graça santificante.
12. Mas um fim sobrenatural exige também meios sobrenaturais.
Para chegar à glória, na qual o homem vai ser um de
Deus, gozando, quanto é possível, da própria felicidade divina, é
preciso que aqui na terra já seja elevado a um estado sobrenatural,
que se torne um D , pela graça santificante.

Por esta graça santificante, nós nos tornamos participantes da


natureza divina (2ª Pedro I-4). Não no sentido de que ficamos iguais
a Deus, mas no sentido de que tomamos uma grande semelhança
com Ele. Costuma-se comparar com a barra de ferro que se mete
no fogo; não deixa de continuar a ser ferro, mas torna-se como uma
brasa viva pela semelhança com o fogo — ou com o cristal banhado
pelos raios do sol, recebendo deste modo o seu brilho e esplendor.

Foi assim que Deus criou o primeiro homem: à sua imagem e


semelhança, em estado de justiça e de santidade.

Dons gratuitos.

13. Além deste dom sobrenatural da alma, ou seja, a graça


santificante, Deus concedeu a Adão e Eva outros dons, como por
exemplo: a imortalidade do corpo. Não haveriam de morrer. Além
disto, não sentiam os movimentos desordenados da concupiscência,
isto é, as suas paixões não resistiam, nem se antecipavam à voz da
razão. E viviam num estado de felicidade, sem dores nem agruras,
lá no Paraíso terrestre.

Mas tanto a graça santificante e a destinação à visão beatífica,


como estes dons de imortalidade do corpo, imunidade à
concupiscência e felicidade terrena eram dons gratuitos. Deus os
concedeu ao homem simplesmente porque quis, pois podia tê-lo
criado para um fim meramente natural, isto é, destinado a ser
eternamente feliz, mas feliz sem ver a Deus, como pode ser feliz
uma pessoa aqui na terra, com o conhecimento indireto do Criador,
por intermédio das criaturas; podia ter deixado o homem em seu
estado natural e entregue às suas próprias forças, sem a graça
santificante e fazendo o que pudesse sem o auxílio especial da
graça. Como também podia tê-lo criado já sujeito à morte que é o
fim natural do nosso fraco e imperfeito organismo e sujeito aos
movimentos desenfreados da concupiscência, que são uma
consequência também das inclinações do nosso corpo para as
coisas sensíveis e materiais como ele.

Mas não! Quis dar-lhe aqueles dons gratuitos, os quais passariam


aos descendentes, porém com uma condição, a saber, se Adão
obedecesse ao preceito divino: Come de todos os frutos das árvores
do paraíso, mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e
do mal; porque, em qualquer dia que comeres dele, morrerás de
morte (Gênesis II-16 e 17).

Cometido o pecado da desobediência — que, diga-se de passagem,


não foi o pecado da carne, como pensam muitos erradamente, pois
Adão e Eva eram legítimos esposos, a quem Deus havia dito:
Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra (Gênesis I-28) — ficaram
Adão e Eva sujeitos à concupiscência, o que sentiram
imediatamente (pois logo se envergonharam de sua nudez), ficaram
sujeitos às dores, às enfermidades e à morte e perderam a graça
santificante. Seus descendentes nascem nas mesmas condições —
e a esta privação da graça santificante em nós é que chamamos
: nascemos fora da graça de Deus. No que não há
nenhuma injustiça da parte de Deus com relação a nós, pois somos
privados de dons que estavam acima da nossa própria natureza.

Promessa do Redentor.

14. Naquela hora em que Adão e Eva pecaram, ficou a Humanidade


em estado deplorabilíssimo. Adão e Eva estariam pelo seu pecado
condenados ao inferno. Os seus descendentes, mesmo que
observassem em toda vida os ditames da própria consciência e
jamais cometessem um pecado mortal, seriam felizes depois da
morte, mas de uma felicidade natural, sem ver a Deus, nem ir ao
Céu, porque a Humanidade, com o pecado de Adão, havia decaído
do estado sobrenatural, havia perdido o direito à visão beatífica.
Mas o que era pior é que bastaria que um de nós cometesse um só
pecado mortal para ser irremediavelmente condenado ao inferno
pelo motivo seguinte: O pecado mortal é uma ofensa de malícia
infinita, pois a ofensa cresce na proporção da dignidade da pessoa
ofendida. A ofensa feita a um homem comum é um crime comum;
feita ao rei, já se torna um crime de lesa-majestade, feita a Deus, é
uma ofensa ilimitada, pela infinita grandeza de Deus. Ora, o homem,
sendo criatura limitada, não podia nunca oferecer a Deus uma
satisfação suficiente pela ofensa feita pelo pecado mortal, que é um
total afastamento de Deus, Infinitamente Perfeito. E no entanto era
muito fácil ao homem cair num pecado mortal por causa da
concupiscência desenfreada que apareceu em Adão e em nós, após
o pecado de Adão, a qual não destrói o nosso livre-arbítrio, mas o
deixa muito enfraquecido e inclinado para o mal. O homem precisa
da graça de Deus para observar os preceitos da lei divina impressos
no seu coração e, naquele estado de afastamento de Deus em que
estaríamos pela triste herança recebida de Adão, não poderíamos
receber a graça de Deus. A Humanidade haveria de cair no inferno
aos borbotões. Havia, além disto, as dores e enfermidades aqui na
terra, que foram consequência do pecado de Adão.

Mas o estado lamentabilíssimo da Humanidade não durou muito


tempo. Logo depois da queda de Adão, Deus compadecido de
nossa miséria, o procurou e fez imediatamente a promessa do
Redentor, nas palavras dirigidas à serpente: Eu porei inimizade
entre ti e a mulher, entre a tua posteridade e a dela. Ela
, e tu armarás traições ao seu calcanhar (Gênesis III-15).
Com esta promessa foi outra vez a Humanidade posta em
condições de atingir o fim sobrenatural, podendo novamente receber
a graça santificante. E isto se realizou em virtude dos futuros
merecimentos de Cristo, ou seja, na previsão de sua morte
redentora.

Quanto aos outros dons gratuitos, não puderam mais ser


readquiridos por nós aqui na terra, mas por outro lado, com o auxílio
da graça de Deus as dores, as enfermidades, a morte, as tentações
da concupiscência podiam e podem tornar-se uma fonte riquíssima
de merecimentos para o homem, pela resignação, pela paciência e
pelo heroísmo em vencer-se a si mesmo, amparado com a ajuda
divina. E assim aquelas vantagens no que diz respeito ao corpo, as
quais possuíam Adão e Eva e possuiriam seus descendentes, se
eles não houvessem pecado, nós as conseguiríamos em grau mais
esplêndido e elevado, depois da ressurreição da carne, se
merecermos a salvação que Deus, na sua infinita misericórdia, quer
conceder a cada um de nós.

O único Salvador.

15. Quando chegou a plenitude dos tempos (Gálatas IV-4) Deus,


para restaurar em Cristo todas as coisas (Efésios I-10), enviou o seu
próprio Filho Unigênito, Segunda Pessoa da SSma Trindade. E o
Verbo se fez carne e habitou entre nós (João I-14) e fez para nós
sabedoria e justiça e santificação e redenção (1ª Coríntios I-30).

A salvação é obra de Jesus Cristo, que é o Único Salvador, o Único


a nos poder resgatar, porque Ele é que era homem e Deus ao
mesmo tempo; homem, para poder sofrer e expiar por nós; Deus,
para que seu sofrimento, sua expiação tivessem um valor infinito. E
é neste sentido que S. Paulo o chama: Único Mediador entre Deus e
os homens. Só há um Mediador entre Deus e os homens que é
Jesus Cristo homem, que a
(1ª Timóteo II-5 e 6). Sobre isto falaremos mais a vagar nos
nos 372 a 374. E disse S. Pedro falando a respeito do mesmo Nosso
Senhor Jesus Cristo: Não há salvação em nenhum outro, porque do
céu abaixo nenhum outro nome foi dado aos homens pelo qual nós
devamos ser salvos (Atos IV-12).

Em que sentido Maria SSma é chamada corredentora.


16. Quando alguns escritores católicos chamam a Maria SSma
corredentora do gênero humano, eles empregam este termo não no
sentido de que os merecimentos de Maria SSma pudessem
acrescentar alguma coisa aos merecimentos de Jesus Cristo quanto
ao resgate do gênero humano: os merecimentos de Cristo eram
infinitos, e os de Maria, finitos, como de criatura que é: além disto,
os próprios merecimentos da Virgem já são efeitos dos
merecimentos de Jesus. Nem é no sentido de que o Messias
necessitasse da ajuda de Maria para realizar a sua obra salvadora.

O que esses escritores querem significar com tal denominação é o


papel que Deus, nos desígnios de sua Providência, fez com que
Maria SSma, embora simples criatura, exercesse na obra da
Redenção. Pelo poder divino, Cristo podia ter aparecido neste
mundo, como homem feito; mas tendo que mostrar-se em todas as
coisas à nossa semelhança, exceto no pecado (Hebreus IV-5) era
preciso, segundo os desígnios de Deus, que nascesse de um ventre
materno. Uma mulher, Eva, se associara ao primeiro homem no
pecado, oferecendo-lhe o fruto da árvore proibida. Outra mulher,
Maria, foi associada ao novo homem, Jesus Cristo, na obra da
salvação, pois foi escolhida por Deus para ser a Mãe do Salvador.

Para isto era preciso, em atenção à honra e dignidade do próprio


Filho, que Deus escolhesse uma mulher pura, imaculada, sem a
mínima sombra de pecado, a fim de ser o sacrário onde havia de
formar-se o corpo de Jesus Cristo. Deus lhe manda o anjo Gabriel
para anunciar-lhe que ela, cheia de graça, havia sido escolhida para
a grande honra da maternidade divina. E só depois que Maria vê
resolvido o problema de sua virgindade, é que dá o consentimento:
Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua
palavra (Lucas I-38). E é em seguida a este consentimento que o
Verbo se faz carne e habita entre nós, tornando-se Maria, nessa
hora, a esposa do Espírito Santo: O Espírito Santo descerá sobre ti
e a virtude do Altíssimo te cobrirá de sua sombra (Lucas I-35). Se o
Verbo se faz carne para nossa salvação, Maria contribui para isto,
pois a carne de Cristo é carne de Maria, o sangue de Cristo é
sangue de Maria, pela íntima união que há entre o filho e a mãe, a
mesma união que há entre o fruto e a árvore que produz, e por isto
lhe diz S. Isabel, falando cheia do Espírito Santo: Benta és tu entre
as mulheres e bento é o fruto do teu ventre (Lucas I-42).

Aquele Menino que ela trouxe no seu ventre puríssimo e virginal


durante 9 meses, Maria depois O nutriu, O guardou, O educou
durante trinta anos e Jesus lhe foi obediente: E estava à obediência
deles (Lucas II-51). E na cruz, no momento da Redenção, Maria que
pela ação preservativa de Deus, graças aos merecimentos de
Cristo, jamais teve o mínimo pecado, ali estava sofrendo juntamente
com Jesus Cristo, fazendo resignada e heroicamente o sacrifício de
seu Filho Amantíssimo para a redenção do gênero humano.

É frisando esta atuação que Maria, embora simples criatura, foi


destinada a exercer junto a seu Divino Filho, que esses escritores
dizem que Maria SSma é corredentora do
gênero humano.

Se o termo está bem ou mal empregado — é uma questão de


gramática e de linguagem. Mas os católicos nada querem significar
além do que está exposto, quando dão Maria SSma o aludido título.

O que Jesus mereceu por nós.

17. Jesus Cristo morreu por todos os homens: Ele é a propiciação


pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também
pelos (1ª João II-2).

Oferecendo sua vida por nós, no sacrifício da cruz, Jesus Cristo:

1º ofereceu uma reparação íntegra, condigna e perfeita pela ofensa


feita a Deus, não só pelo pecado de Adão e Eva, mas também por
todos os pecados, passados, presentes e futuros. Foi do agrado do
Pai... reconciliar por Ele a si mesmo todas as coisas (Colossenses I-
19 e 20). Sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus pela
morte de seu Filho (Romanos V-10);

2º restaurou a Humanidade no seu destino sobrenatural, dando aos


homens o direito de receberem a graça santificante neste mundo,
tornando-se filhos adotivos de Deus para chegarem a ser herdeiros
de Deus no Céu pela visão beatífica. A todos os que O receberam,
deu Ele poder de se fazerem filhos de Deus (João I-12) E se somos
filhos, também herdeiros; herdeiros verdadeiramente de Deus e co-
herdeiros de Cristo (Romanos VIII-17);

3º mereceu para todos os homens a graça necessária para


alcançarem a salvação, de modo que todas as graças recebidas
pelos homens e que dizem respeito à sua salvação provêm da
morte redentora de Cristo. Nós vimos a sua glória, a sua glória como
de Filho Unigênito do Pai, e verdade... E todos nós
participamos de sua plenitude e (João I-14 e 16).
Ficará mais salientada esta contribuição de Cristo, quando falarmos
na influência e necessidade da graça de Deus em todos os nossos
atos meritórios para Céu (nos 24 a 30).

Esta Redenção, Cristo a realizou abundantíssima e


generosissimamente. Onde abundou o pecado, superabundou a
graça (Romanos V-20). Bastaria uma gota de seu sangue, bastaria
um suspiro seu para redimir toda a Humanidade, mas Ele quis sofrer
todas as dores e todas as ignomínias por nosso amor.

Agora naturalmente ocorrem ao espírito do leitor duas perguntas. A


primeira é sobre

Os que viveram antes de Cristo.

18. Passaram-se milhares e milhares de anos, antes de Jesus


Cristo vir ao mundo. Aqueles que viveram antes de Cristo, como
podiam salvar-se, se Cristo ainda não tinha morrido por eles?
Como já dissemos, com a simples promessa do Redentor, os
homens passaram a receber novamente o dom sobrenatural da
graça, na previsão dos merecimentos de Jesus Cristo que um dia
havia de morrer por todos. É o que mostra claramente pelas
palavras de S. Pedro, no Concílio de Jerusalém, em que o Apóstolo
mostra que seus antepassados foram salvos pela graça de Jesus
Cristo: Por que tentais agora a Deus, pondo um jugo sobre as
cervizes dos discípulos, que nem nossos pais nem nós pudemos
suportar? Mas nós cremos que pela graça do Senhor Jesus Cristo
somos salvos, assim como (Atos XV-10 e
11). Deus já distribuía a graça a todos pelos futuros merecimentos
de Jesus Cristo, assim como (perdoe-se a comparação) um homem
que distribuísse cheques sacando para o futuro, em vista de uma
riqueza que infalivelmente lhe seria oferecida.

Esta graça, é claro, também os gentios a recebiam, pois a ninguém


Deus torna impossível a salvação. Os gentios podiam salvar-se
crendo em um Deus Remunerador e fazendo o que estivesse ao
seu alcance, pela observância da lei natural impressa em seus
corações, uma vez que não haviam recebido a revelação mosaica.

Sim; os homens podiam salvar-se antes de Cristo, e salvar-se em


virtude da futura morte do Redentor. Mas daí não se segue que
entrassem logo no Céu, no gozo da visão beatífica; a morte de
Cristo ainda não lhes havia aberto as portas do Céu. Depois de
purificadas, as almas justas eram felizes sem ver a Deus face a
face, num lugar que é designado na parábola de Lázaro e o mau
rico como o seio de Abraão (Lucas XVI-22) e que nós, católicos,
chamamos de limbo. É este mesmo lugar que Jesus Cristo alude
quando diz ao bom ladrão: Hoje serás comigo no paraíso (Lucas
XXIII-43), porque o limbo com a presença de Cristo seria um paraíso
e a alma de Cristo ali desceu (enquanto o corpo aguardava no
sepulcro a ressurreição) para anunciar àquelas almas, que em breve
entraria no Céu triunfalmente com todas elas.

A parte de Deus e a nossa.


19. A outra pergunta é esta: Se Cristo ofereceu uma satisfação
condigna e perfeita pelos nossos pecados, então que nos resta
fazer? Não se segue daí que todos estamos salvos e vamos todos
para o Céu?

Absolutamente não! Se Cristo viesse morrer por nós neste sentido


de que pagou por nós, fez tudo em nosso lugar, não nos resta fazer
mais nada e nos salvamos de qualquer maneira, isto seria a licença
ampla para todos os crimes, todos os pecados, todas as
perversidades, todas as misérias. A obra realizada por Cristo seria
neste caso não uma obra regeneradora, mas o incentivo para a
mais desbragada corrupção. A salvação de Cristo tem outro sentido.

Somos todos pecadores. Todos nós tropeçamos em muitas coisas


(Tiago III-2). Mas, por maiores e mais graves que tenham sido os
nossos pecados, não devemos desesperar da salvação, temos a
Deus de braços abertos para nos perdoar, contanto que façamos o
que é da nossa parte para nos pormos novamente no caminho da
vida eterna, o que não é possível se não nos voltarmos de todo
coração para Deus. E se Ele está pronto a nos reabilitar, foi porque
a sua ira foi aplacada pela morte de Cristo. Cristo é o autor da
salvação eterna para todos os que Lhe obedecem (Hebreus V-9).
Cabe, portanto, ao próprio Cristo que não só nos veio abrir a porta
do Céu, oferecendo a reparação a Deus, mas também mostrar-nos
o verdadeiro caminho, ensinar-nos a doutrina da salvação, cabe a
Ele indicar em que condições nos são aplicados os méritos infinitos
de sua Paixão, ou, em outras palavras, em que condições
poderemos salvar-nos e conquistar o Céu. É o que veremos agora
expondo
2º — A nossa contribuição entrelaçada com a ação de
Deus
A regeneração das crianças pagãs.

20. Em consequência da culpa de Adão, nascemos com o pecado


original e, portanto, sem a graça santificante: Assim como por um
homem entrou o pecado neste mundo e pelo pecado a morte, assim
passou também a morte a todos os homens por um homem, no qual
(Romanos V-12). O texto grego traz assim: a morte
passou a todos os homens, . Mas
não se altera o sentido. De qualquer forma se exprime que todos os
homens estão sujeitos à morte A ,
em virtude da solidariedade entre Adão, cabeça do gênero humano
e seus descendentes. As criancinhas, que não cometeram nenhum
pecado pessoal, estão também sujeitas à morte, porque pecaram
em Adão. Um pouco mais adiante ainda diz o Apóstolo: Pelo pecado
dum só, incorreram todos os homens na condenação... pela
desobediência dum só homem foram muitos feitos pecadores
(Romanos V-18 e 19) [6]. O texto grego traz os ( )
o que significa a totalidade; por isto a versão da Sociedade Bíblica
do Brasil não hesitou em colocar : pela desobediência de um
só foram constituídos pecadores (Romanos V-19).

Sendo assim, mesmo a criança que não tem o uso da razão precisa,
pra conseguir a visão beatífica, receber a graça santificante pelo
Batismo, que produz um verdadeiro renascimento espiritual: Na
verdade, na verdade te digo que não pode ver o reino de Deus
senão aquele que renascer de novo... Quem não nascer da água e
do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus (João III-3 e 5).

Esta é, segundo a própria norma traçada por Cristo, a condição para


que se lhe aplique o benefício da Redenção. As crianças que
morrem sem atingir o uso da razão e sem receber o Batismo, não
vão gozar da visão beatífica, mas não sofrem nenhuma pena
pessoal, podem mesmo gozar dum felicidade natural, sem a direta
visão de Deus e sem ter ideia da felicidade sobrenatural que
perderam. Nisto não há injustiça, porque a felicidade do Céu está
acima de sua natureza e elas não fizeram nenhum ato livre pelo
qual pudessem merecê-la, desde que não chegaram a atingir a luz
da razão.

Como a vida das crianças é muito frágil, a Igreja manda que os pais
providenciem para que seus filhos se batizem quanto antes, a fim de
que não se prive o Céu de mais um feliz habitante.

Notas (pular)

[6] Não haverá contradição entre estas palavras de S. Paulo e o dogma da


imaculada Conceição de Maria SSma, ou seja, de que ela foi concebida sem o
pecado original? Nenhuma.

Se Adão e Eva não tivessem pecado, todas as criaturas teriam, segundo os


desígnios de Deus, a graça santificante ;
seríamos descendentes de um homem que se tinha conservado no elevado
estado em que Deus o criou. Mas Adão, antes de gerar, decaiu deste estado.
Dizendo que , , S. Paulo
está mostrando que toda Humanidade sem exceção alguma, M
S , perdeu este direito de herança. Acontece, porém, que aquilo a
que não temos direito por herança, nós podemos receber por uma ,e
assim puderam os homens novamente receber de Deus a graça santificante,
em virtude dos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, que um dia
havia de morrer por nós na cruz. Mas Deus é senhor absoluto das suas
dádivas; Ele não estava proibido de dar a graça santificante a uma pessoa,
mesmo antes que esta pessoa nascesse. Assim é que S. João Batista já foi
santificado, já recebeu a graça santificante e se libertou do pecado original
antes de seu nascimento: já desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito
Santo (Lucas I-15). Tudo indica que esta regeneração de João Batista se deu
no próprio momento em que Maria SSma visitou a S. Isabel, pois esta diz à
Santíssima Virgem: assim que chegou a voz da tua saudação aos meus
ouvidos, logo o menino deu saltos de prazer no meu ventre (Lucas I-44). Pois
bem, Maria SSma foi santificada também no ventre de sua mãe, Sant’Ana,
porém no próprio instante da sua conceição, não houve um só instante em
que estivesse sujeita ao pecado original; isto aconteceu, não em virtude de
um direito seu, mas por concessão de um privilégio especial de Deus e em
virtude dos futuros merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus foi,
portanto, o Salvador, o Redentor para ela, como foi para todos os homens; e a
Redenção foi para ela uma Redenção preservativa. (voltar)

A justificação dos adultos pagãos.

21. Acontece às vezes, porém que em virtude de uma conservação,


ou por causa do descuido dos pais ou por outra circunstância
qualquer, é uma pessoa que já tem o uso da razão (e que para este
efeito de recepção dos Sacramentos é chamada um ) que
vai receber o Sacramento do Batismo. Para isto, é necessário que a
pessoa se disponha pela fé nas verdades reveladas, tendo um certo
conhecimento dos principais mistérios da Religião e que tenha o
arrependimento de seus pecados, com o firme propósito de evitá-los
pela guarda dos mandamentos. Este arrependimento supõe, é claro,
a esperança do Céu que se deseja alcançar e, pelo menos, um
certo começo de amor a Deus, a quem não se deseja ofender. Em
virtude dos merecimentos da Paixão de Cristo, o batismo recebido
com estas boas disposições não só apaga o pecado original, como
também perdoa os pecados pessoais cometidos até aquele
momento. Aos adultos que ouviram a pregação da palavra divina no
dia de Pentecostes e compungidos no seu coração (Atos II-37)
perguntaram o que deviam fazer, S. Pedro respondeu: Fazei
penitência, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus
Cristo ; e recebereis o dom do
Espírito Santo (Atos II-38). A justificação que se segue ao batismo
convenientemente recebido não é somente a remissão dos
pecados, no sentido de que externamente não nos são mais
imputados, fingindo Deus considerar-nos justos, quando
continuássemos a ser os mesmos manchados pecadores, como
queria Lutero. Não; é a remissão dos pecados, com a nossa
renovação interior, operada pelo batismo de regeneração e
renovação do Espírito Santo (Tito III-5); em virtude da imensa
bondade de Deus que quer que nós sejamos chamados filhos de
Deus e com efeito o sejamos (1ª João III-1); justificados pela sua
graça e tornados herdeiros segundo a esperança da vida eterna
(Tito III-7). É a graça santificante com os dons do Espírito Santo: Os
vossos membros são templo do Espírito Santo, que habita em vós
(1ª Coríntios VI-19).

Batismo de desejo e batismo de sangue.

22. Em vista da necessidade do Batismo, surge naturalmente o


problema dos adultos que não ouviram de forma alguma a pregação
do Evangelho e a quem, portanto, não chegou a notícia de que o
Batismo era obrigatório para a salvação. O Batismo pode então ser
suprido pela caridade perfeita naqueles que, não tendo o
conhecimento da Revelação, mostram a Deus o seu amor pela
obediência dos ditames da própria consciência. Nessa boa
disposição estão dispostos a fazer o que é possível para agradar a
Deus e de boa vontade receberiam o Batismo, se dele tivessem
conhecimento. Chama-se isto . Estes
que, assim amando a Deus, amam consequentemente a Jesus
Cristo, que é a Segunda Pessoa da SSma Trindade, podem também
receber a graça santificante: Aquele que tem os meus
mandamentos e que os guarda, esse é o que me ama; e aquele que
me ama será amado de meu pai e eu o amarei também e me
manifestarei a ele (João XIV-21). Se algum me ama, guardará a
minha palavra, e meu Pai o amará; e nós viremos a ele e faremos
nele morada (João XIV-23).

O outro caso em que o batismo é suprido, é o daqueles que antes


de recebê-lo, são martirizados por causa da fé: O que perder a sua
vida por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á (Marcos VIII-35).
Todo aquele, pois, que me confessar diante dos homens, também
eu o confessarei diante de meu Pai que está nos Céus (Mateus X-
32).
A guarda dos mandamentos.

23. Voltamos agora ao caso daquele que com boas disposições de


fé e contrição recebeu o Batismo. É o mesmo caso daquele que
recebeu o Batismo pouco depois de nascido e agora vê chegar o
uso da razão. Que lhe é necessário fazer para salvar-se? Conservar
a graça santificante recebida no Batismo. Morrendo neste estado de
graça, alcançará a salvação. Para conservar a graça santificante, é
preciso evitar o pecado mortal e, por conseguinte, observar os
mandamentos: Se tu queres entrar na vida, guarda os
mandamentos (Mateus XIX-17).

A Escritura não faz uma relação completa e minuciosa dos pecados


mortais e veniais. Mas Jesus Cristo fala em alguns pecados que
impedem a salvação, como o ódio (Mateus VI-15), o escândalo dos
pequeninos (Marcos IX-41), a falta de caridade para com os
necessitados (Mateus XXV-41 a 46). E S. Paulo, pelo menos,
enumera vários pecados graves: Acaso não sabeis que os iníquos
não hão de possuir o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os
fornicários, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados,
nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os que
se dão a bebedices, nem os maldizentes, nem os roubadores hão
de possuir o reino de Deus (1ª Coríntios VI-9 e 10). Vê-se pelo
contexto que o Apóstolo aí se refere a esses pecadores, se não se
converterem e se nesse estado deplorável de pecado são colhidos
pela morte: E tais haveis sido alguns; mas haveis sido lavados,
haveis sido santificados (1ª Coríntios VI-11).

Jesus Cristo não foi somente o nosso Redentor, não foi somente o
Mestre que nos ensinou a sua doutrina, mas também o Legislador
que promulgou preceitos que têm de ser observados: Ide, pois, e
ensinais a todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as
(Mateus XXVIII-19 e 20).

Necessidade da graça para o cumprimento da lei divina.


24. O homem, para salvar-se, precisa cumprir com os
mandamentos e observar o que Jesus mandou.

Mas daí não se segue que ele possa fazer isto unicamente por suas
forças naturais. Quando apareceu Pelágio, em princípios do século
V, afirmando que não havia necessidade da graça para alcançar a
vida eterna, bastando para isto o livre arbítrio ou a liberdade do
homem, de modo que o homem podia por suas forças naturais
vencer as tentações e observar os mandamentos, servindo a graça
apenas para ajudá-lo a cumprir com mais facilidade a lei divina, se
insurgiram contra a heresia pelagiana os Santos Padres da Igreja,
tendo à frente S. Agostinho, que ficou sendo chamado o Doutor da
Graça. E o erro de Pelágio foi formalmente condenado pela Igreja
em vários Concílios particulares e pelos Papas S. Inocêncio I e
S. Zósimo. Foi ao conhecer a condenação do pelagianismo pelo
Papa, que S. Agostinho proferiu a célebre frase: Roma locuta, causa
finita. Roma falou; acabou-se a questão.

Segundo a doutrina da Igreja, não é simplesmente mais difícil, é


impossível ao homem, sem o auxílio da graça de Cristo, vencer a
própria concupiscência e cumprir a lei divina. Lê-se em S. Paulo:
Sinto nos meus membros outra lei que repugna à lei do meu espírito
e que me faz cativo na lei do pecado, que está nos meus membros.
Infeliz homem eu, quem me livrará do corpo desta morte? A graça
de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor (Romanos VII-23 a 25). O
texto grego diz: Graças a Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor —
mas isto não modifica o sentido: dão-se graças a Deus pelo auxílio
que nos vem de Jesus Cristo, ou seja, de sua graça que Ele
mereceu por nós na cruz. E o mesmo S. Paulo diz ainda aos
Efésios: Fortalecei-vos no Senhor e no poder da sua virtude.
Revesti-vos da D para que possais estar firmes
contra as ciladas do diabo (Efésios VI-10 e 11).

Jesus Cristo nos ensinou a dizer no Pai Nosso: Não nos deixeis cair
em tentação (Mateus VI-13). E disse aos Apóstolos: Vigiai e orai,
para que não entreis em tentação. O espírito na verdade está
pronto, mas a carne é fraca (Mateus XXVI-41). O que nos mostra
que para nos livrarmos do pecado, não basta o nosso cuidado, o
nosso esforço, a nossa vigilância; é necessário também o auxílio da
graça divina que se alcança pela oração.

Necessidade da graça para qualquer obra meritória.

25. Há ainda mais: não só é necessária a ajuda da graça de Cristo


para o cumprimento da lei divina, de modo geral, mas para realizar
qualquer obra, por mínima que seja, meritória para a vida eterna.
Isto se vê claramente pelas palavras do próprio Cristo: Sem mim
não podeis fazer nada (João XV-5). A mesma doutrina vemos em
S. Paulo: Não que sejamos capazes de nós mesmos de ter algum
pensamento como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem
de Deus (2ª Coríntios III-5).

Necessidade da graça para a fé.

26. Para a salvação é indispensável a fé. Sem fé é impossível


agradar a Deus (Hebreus XI-6). E aqueles a quem chega o
conhecimento do Evangelho têm que crer em tudo que direta ou
indiretamente se deduz da revelação trazida por Jesus Cristo. É
uma consequência necessária do primeiro mandamento em que se
nos prescreve uma plena submissão de toda a nossa alma, de todo
o nosso coração, de toda a nossa inteligência a Deus.

Mas, embora seja a fé um ato livre da vontade, pois o homem pode


crer ou deixar de crer, não podemos ter a fé sem a ajuda da graça
de Deus. Jesus Cristo disse, falando aos judeus que não queriam
crer nas suas palavras: Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me
enviou não o trouxer (João VI-44). Há alguns de vós outros que não
creem... Por isso eu vos tenho dito que ninguém pode vir a mim, se
por meu Pai lhe não for concedido (João VI-65 e 66).

Depois dos pelagianos, apareceram os semipelagianos que, embora


admitindo a necessidade da graça para a salvação, afirmavam que
o início da fé, ou seja, o piedoso afeto de boa disposição para crer,
que é excitado pela pregação do Evangelho, este primeiro
movimento do homem para a fé seria feito só pela liberdade do
homem, sem a graça de Deus. Realizado este ato, Deus entraria
com a sua graça. A doutrina dos semipelagianos foi igualmente
condenada pela Igreja, em 529, no 2º Concílio de Arles, em
definição confirmada pelo Papa Bonifácio II. Também o início, o
primeiro movimento de fé no coração do homem é feito com o
auxílio da graça divina, pois a fé é um dom de Deus (Efésios II-8). E
o mesmo S. Paulo diz aos Filipenses: A vós vos é dado por Cristo,
não somente que senão que padeçais também por Ele
(Filipenses I-29).

Distribuição desigual das graças.

27. A graça não é dada a todos igualmente; uns recebem mais,


outros menos: A cada um de nós foi dada a graça segundo a
medida do dom de Cristo (Efésios IV-7). Isto se vê também na
parábola dos talentos (Mateus XXV-14 a 30) em que um homem ao
ausentar-se para longe, chamou aos seus servos e lhes entregou os
seus bens e deu a um cinco talentos, e a outro dois, e a outro deu
um, a cada um segundo a sua capacidade e partiu logo (Mateus
XXV-14 e 15) e passando muito tempo, veio o senhor daqueles
servos e chamou-os a contas (Mateus XXV-19).

É claro que no Novo Testamento, ou seja, depois da morte de


Cristo, a graça de Deus é distribuída muito mais abundantemente do
que na Antiga Lei; e que no Antigo Testamento era distribuída entre
os judeus, que eram o povo escolhido, com mais abundância do que
entre os gentios. E é claro também que aqueles que recebem
maiores graças serão julgados com maior rigor. Ai de ti, Coroazim;
ai de ti, Betsaida; que se em Tiro e Sidônia se tivessem obrado as
maravilhas que se obraram em vós, há muito tempo que elas teriam
feito penitência, cobrindo-se de cilício e de cinza. Por isso haverá
sem dúvida no dia do juízo para Tiro e Sidônia menos rigor que para
vós (Lucas X-13 e 14).
Graça suficiente para todos.

28. Embora não seja dada a graça igualmente a todos, no entanto a


todos é dada a graça suficiente para se poderem salvar, porque
Deus quer que os homens se salvem (1ª Timóteo II-4). Deus
espera com paciência por amor de vós, não querendo que algum
pereça, senão que se convertam à penitência (2ª Pedro III-
9). Acaso é de minha vontade a morte do ímpio, diz o Senhor Deus,
e não quero eu antes que ele se converta dos seus caminhos e
viva? (Ezequiel XVIII-23).

É um princípio da teologia católica: Àquele que faz o que está ao


seu alcance, Deus não nega a sua graça; e mesmo para ele fazer
isto que está ao seu alcance, Deus o ajuda com a sua graça
também.

Se nem todos se salvam, é porque nem todos cooperam com a


graça, porém muitos a ela resistem: Jerusalém, Jerusalém, que
matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas
vezes quis eu ajuntar teus filhos do modo que uma galinha recolhe
debaixo das asas os seus pintos, e tu não o quiseste? (Mateus
XXIII-37).

Duas causas que se entrelaçam.

29. Diante do que fica exposto sobre a ação e a necessidade da


graça, se vê claramente que dizer que o homem se salva pela sua
fé juntamente com suas obras ainda não é dar uma ideia exata da
doutrina católica. O homem contribui com sua fé e suas obras para
a salvação, mas não pode ter a fé, não pode fazer nenhum ato
meritório, nem mesmo ter um pensamento salutar sem a graça
divina. Cada ação meritória para a vida eterna é efeito de duas
causas que se unem: a ação da graça de Deus alcançada por Cristo
na cruz, e a livre cooperação do homem.
É por isto que diz S. Paulo: com receio e
com tremor, não só como na minha presença, senão muito mais
agora na minha ausência, porque Deus é o que
, segundo o seu beneplácito (Filipenses II-12
e 13). Trabalhai na vossa salvação com receio e com tremor — é o
esforço, o cuidado, o trabalho do homem; Deus opera em vós o
querer e o executar — é o auxílio da graça divina.

E o mesmo Apóstolo diz na 1ª Epístola aos Coríntios: Pela graça de


Deus sou o que sou, e sua graça não tem sido vã em mim; antes
tenho trabalhado mais copiosamente que todos eles; não eu,
contudo, mas na graça de Deus comigo (1ª Coríntios XV-10). O
Apóstolo fala aí da ação conjunta do livre arbítrio e da graça: tenho
trabalhado mais copiosamente que todos eles — é o esforço
pessoal. Não eu, contudo — isto é, não eu sozinho, com minhas
próprias forças, mas com a graça de Deus a me ajudar, a graça de
Deus trabalhou comigo.

E é muito instrutivo nesta matéria o contraste que há entre um


pequeno trecho do profeta Zacarias e outro das Lamentações de
Jeremias. Em Zacarias se lê: Convertei-vos a mim, diz o Senhor dos
exércitos, e eu me converterei a vós (Zacarias I-3). Aí Deus pede a
cooperação do homem e promete a sua graça.

Nos trenos ou Lamentações de Jeremias se lê: Converte-nos,


Senhor, a ti e nós nos converteremos (Lamentações V-21). Aí o
homem pede a graça divina e promete a sua cooperação.

A Igreja Católica sempre ensinou que o homem nada pode sem a


graça de Deus e tudo pode com ela: Sem mim não podeis fazer
nada (João XV-5). Tudo posso nAquele que me conforta (Filipenses
IV-13).

Algumas comparações clássicas.


30. Já no século 2º, S. Irineu dizia que, assim como a terra seca
não pode frutificar sem a chuva, assim também nós não
frutificaremos para a vida eterna, sem a chuva que Deus manda do
Céu e que é a sua divina graça.

No século 5º, S. Agostinho fazia a comparação com o olho humano


o qual, embora esteja são e perfeito, não pode ver nas trevas,
precisa do auxílio da luz. Assim também, a alma precisa da graça de
Deus para seguir o caminho da salvação: “Assim como o olho do
corpo, mesmo estando plenissimamente são, não pode enxergar
senão ajudado pelo brilho da luz, assim também o homem, mesmo
perfeitissimamente justificado, não pode viver retamente, senão
ajudado pela Eterna Luz da Justiça” (Apud Journel, Enchiridion
Patristicum nº 1792).

E é muito divulgada entre os católicos a comparação da ação


combinada de Deus e do homem neste sentido com uma cena que
vemos comumente na intimidade das nossas famílias: a criança que
não sabe escrever, escreve com a mão coberta pela mão da
mãezinha. Foi por um ato livre que concordou em escrever
juntamente com sua mãe; se não quisesse escrever, poderia ter
emperrado. E quanto mais docilmente cooperar com sua mãezinha
e se entregar à ação maternal, tanto melhor sairá a escrita, porque
cada emperro de sua mão produzirá mais uma imperfeição, mais
uma garatuja.

Naturalmente toda comparação claudica, mas esta dá uma boa ideia


do que é a ação de Deus em nossa alma, pois sem Deus nada
podemos fazer e muitas vezes atrapalhamos a ação da graça com a
nossa fraqueza e imperfeição.

A segunda tábua de salvação depois do batismo.

31. O pior é que às vezes não só atrapalhamos a ação da graça


com a nossa fraqueza, mas nos afastamos de Deus e pelo pecado
mortal perdemos em nossa alma a graça santificante recebida no
Batismo. E o Batismo só se recebe uma vez.

Temos então o Sacramento da Penitência que foi instituído por


Nosso Senhor Jesus Cristo, quando disse aos seus Apóstolos:
Recebei o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os pecados, ser-
lhes-ão eles perdoados; e aos que vós retiverdes, ser-lhes-ão
retidos (João XX-22 e 23). Assim o dispôs Cristo, nosso Redentor. A
absolvição sacramental, porém, só é válida, quando o penitente está
verdadeiramente arrependido de seus pecados, com firme propósito
de emenda.

A impossibilidade de achar um sacerdote não acarreta


impossibilidade de salvação, pois assim como o batismo de água
pode ser suprido pelo batismo de desejo, assim também e em
virtude do mesmo texto do Evangelho (João XIV-23), a confissão
sacramental pode ser suprida pelo Ato de Contrição Perfeita, ou
seja, o arrependimento baseado não no temor da pena, mas no puro
amor de Deus, a quem se ofendeu pelo pecado e com o voto de
confessar os pecados quanto antes, submetemo-nos assim ao
poder das chaves.

Purificação real e interna.

32. A remissão dos pecados sempre se verifica por meio de uma


purificação real e interna. Se a Sagrada Escritura, referindo-se ao
perdão que de Deus recebemos fala às vezes em não-imputação
dos pecados (Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não
imputou pecado — Salmos XXXI-2; Romanos IV-8), é claro que os
pecados não são imputados, simplesmente porque ;
: Eu sou, eu mesmo o que as tuas
iniquidades por amor de mim (Isaías XLIII-25) Tem piedade de mim,
ó Deus... e segundo as muitas mostras da tua clemência, a
minha maldade (Salmos L-3). Quanto dista o Oriente do Ocidente,
tanto Ele tem de nós as nossas maldades (Salmos CII-
12). Cristo foi uma só vez imolado para os pecados de
muitos (Hebreus IX-28). Considerai-vos que estais certamente
ao pecado, porém vivos para Deus em Nosso Senhor
Jesus Cristo (Romanos VI-11).

O desaparecimento dos pecados leva à santificação interior: E tais


haveis sido alguns; mas haveis sido , mas haveis sido
, mas haveis sido em nome de Nosso
Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus (1ª Coríntios VI-
11). Noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz do Senhor...
Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a si mesmo, para a
, purificando-a no batismo da água pela palavra da vida,
para a apresentar a si mesmo Igreja gloriosa,
, nem outro algum defeito semelhante, mas
(Efésios V-8; 25 a 27).

O que o homem pode merecer.

33. Depois desta ligeira exposição sobre a doutrina da graça, surge


naturalmente uma questão importante: Poderá o homem merecer
alguma coisa com relação a Deus?

Merecer — quer dizer: ter direito a uma retribuição .Eo


mérito propriamente dito supõe uma certa proporção, uma certa
equivalência entre o ato merecedor e a coisa merecida.

Sendo assim, o homem não pode merecer a graça primeira. Que


vem a ser a graça primeira? É a passagem do homem do estado de
pecado para o estado de graça santificante.

Todos nós nascemos com o pecado original. É preciso que um dia


Deus nos dê a graça santificante. Pois bem, esta graça santificante
nos é dada sem merecimento nenhum de nossa parte, por pura
bondade e benevolência de Deus.

Suponhamos que a recebemos, quando éramos crianças sem uso


de razão: o Batismo nos conferiu a graça santificante sem
merecimento nenhum de nossa parte, uma vez que nada tínhamos
feito, nem éramos capazes de fazer livremente.

Suponhamos, porém, o caso de um adulto que recebeu o Batismo.


Ele precisou dispor-se para o Batismo, como já vimos, por atos
especiais de fé, contrição etc. Porém, por mais boas obras que
tenha feito, essas boas obras não têm proporção com graça
santificante que é um dom sobrenatural. A graça santificante vai
tornar o homem um filho adotado de Deus. E o servo, por mais
obras que faça, não pode dizer que tem direito por justiça a ser
tratado e considerado como filho. Por outro lado, por maiores que
sejam os pecados cometidos até então, desde que haja as
necessárias disposições de fé, contrição etc., Deus não nega o
Batismo com a consequente reabilitação do pecador; é como uma
esmola que basta estender a mão para receber. Além disto, esta
graça santificante só nos foi alcançada em virtude da morte
redentora de Jesus Cristo que satisfez a Deus em nosso lugar, é um
efeito da benignidade de Deus que quis sacrificar o seu Divino Filho,
para que o servo se tornasse um filho adotivo. É por isto que diz
S. Paulo que somos justificados gratuitamente por sua graça, pela
redenção que tem em Jesus Cristo (Romanos III-24). E isto foi por
graça, não foi já pelas obras; doutra sorte a graça já não será graça
(Romanos XI-6).

Cada vez, portanto, que passamos do estado de pecado mortal para


o de graça santificante, isto Deus nos concede sem merecimento de
nossa parte, por pura bondade e misericórdia sua, pois em estado
de pecado nada podemos merecer. Para haver merecimento em
nós, é preciso que haja em nossa alma a graça santificante:
Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como vara da
videira não pode de si mesmo dar fruto se não permanecer na
videira, assim nem vós o podereis dar, se não permanecerdes em
mim. Eu sou a videira; vós outros, as varas. O que permanece em
mim, e o em que eu permaneço, esse dá muito fruto (João XV-4 e
5).
Se temos a graça santificante, já as nossas boas ações são
sobrenaturalizadas por Jesus Cristo que habita em nós e já se
estabelece uma certa proporção entre elas e a recompensa, a visão
beatífica que é sobrenatural também. A árvore em que corre esta
seiva divina da graça já pode produzir frutos para a vida eterna. Pela
graça santificante somos filhos de Deus e se morremos nesta graça,
se morremos como filhos, é de justiça que se nos dê a herança da
vida celestial, pois quem é filho é também herdeiro. A Escritura está
cheia de textos em que o Justo Juiz nos promete um prêmio, um
galardão, uma recompensa ou retribuição pelas nossas obras,
coroando assim na eternidade os nossos merecimentos.

S. Paulo diz aos Colossenses: Tudo o que fizerdes, fazei-o de boa


mente, como quem faz no Senhor e não pelos homens, sabendo
que recebereis do Senhor o (Colossenses
III-23 e 24). O mesmo S. Paulo compara a vida eterna com o prêmio
que se oferece nas competições esportivas, em que muitas vezes o
atleta faz sacrifícios, se abstém de muitas coisas, com o
pensamento de receber a palma da vitória: Não sabeis que os que
correm no estádio correm sim todos, mas um só é que leva o
prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que
tem de contender de tudo se abstém, e aqueles certamente por
alcançar uma coroa corrutível; nós, porém, uma incorrutível (1ª
Coríntios IX-24 e 25). É a glória do Céu, que vem coroar aquele que
se esforçou, que fez sacrifícios e mortificações para consegui-la
(castigo o meu corpo e o reduzo à servidão — 1ª Coríntios IX-27),
porque, como ele diz a Timóteo, usando a mesma comparação das
lutas esportivas: o que combate nos jogos públicos não é coroado,
senão depois que combateu conforme a lei (2ª Timóteo II-5).

É por isto que ele próprio, Paulo, no fim da vida, depois de ter
combatido o bom combate, espera uma coroa, mas uma
, realmente merecida pelas suas boas obras juntamente
com sua fé e dada pelo : Eu pelejei uma boa peleja,
acabei a minha carreira, guardei a fé. Pelo mais me está reservada
a que o Senhor, , me dará naquele
dia; e não só a mim, senão também àqueles que amam a sua vinda
(2ª Timóteo IV-7 e 8). Porque cada uma receberá a sua
particular (1ª Coríntios III-
8). Os pequenos sofrimentos, bem aceitos em união com Jesus
Cristo, produzem um efeito maravilhoso na vida eterna: O que aqui
é para nós duma tribulação momentânea e ligeira, produz em nós
de um modo todo maravilhoso, no mais alto grau, um peso eterno
de glória (2ª Coríntios IV-17). E S. João diz na sua 2ª Epístola: Estai
alerta sobre vós, para que não percais o que , mas
antes recebais uma (2ª João vers. 8).

Esta doutrina dos Apóstolos não é mais do que a própria doutrina de


Jesus Cristo que promete claramente no Evangelho a divina
recompensa àqueles que sofrem por seu amor, àqueles que
renunciam a tudo ou que praticam a caridade em seu nome:

Bem-aventurados sois quando vos injuriarem e vos perseguirem, e


disserem todo o mal contra vós, mentindo por meu respeito. Folgai e
exultai, porque o vosso é copioso nos céus (Mateus V-11
e 12). E todo o que deixar por amor do meu nome a casa, ou os
irmãos, ou as irmãs, ou o pai, ou a mãe, ou a mulher, ou os filhos,
ou as fazendas, receberá
(Mateus XIX-29). Amai, pois, a vossos inimigos, fazei bem e
emprestai sem daí esperardes nada, e tereis
(Lucas VI-35). O que recebe um profeta na qualidade
de profeta receberá a de profeta, e o que recebe um
justo na qualidade de justo receberá a de justo. E todo
o que der a beber a um daqueles pequeninos um copo d’água fria,
só pela razão de ser meu discípulo, na verdade vos digo que não
perderá a sua (Mateus X-41 e 42).

Aumento da graça e da glória.

34. O que se conclui de tudo isto é que cada sofrimento bem


suportado pelo justo, cada ação boa, cada ato de virtude feito por
ele com reta intenção tem direito a uma nova recompensa — e
assim ele vai merecendo o aumento de graça santificante e, cada
vez mais, consequentemente, um aumento de glória no Céu.
C e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo (2ª Pedro III-18). Aquele que é justo, justifique-se
ainda; e aquele que é santo, santifique-se ainda (Apocalipse XXII-
11).

Por isto, assim como o pecador que permanece no seu pecado, que
peca sempre mais, vai aumentando o seu castigo e a sua desgraça
(pela tua dureza e coração impenitente para ti no
dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus — Romanos II-5),
assim também o justo, praticando cada dia boas obras, vai
aumentando a sua recompensa, o seu tesouro nos céus: Não
queirais entesourar para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a
traça os consume e onde os ladrões os desenterram e roubam; mas
para vós no Céu (Mateus VI-19 e 20).
Porque no Céu é desigual a sorte dos bem-aventurados: Aquele que
semeia pouco, também segará pouco; e aquele que semeia em
abundância, também segará em abundância (2ª Coríntios IX-6).

Deus retribui a cada um segundo as suas obras.

35. A razão desta diferença é que no dia de juízo o Filho do Homem


há de vir na glória de seu Pai com os seus anjos; e então
(Mateus XVI-27).

Aliás, isto é uma verdade insistentemente declarada nas Sagradas


Escrituras, no Antigo e no Novo Testamento: os maus receberão
maior ou menor castigo conforme as suas más ações; os justos
receberão maior ou menor recompensa de acordo com as suas
boas obras.

No Antigo Testamento:

Paralipômenos: , que
conheces que ele tem no seu coração, pois que só tu conheces os
corações dos filhos dos homens (2º Paralipômenos VI-30).

Salmos: O poder é de Deus; e a ti, Senhor, a misericórdia; porque tu


(Salmos LXI-12 e
13).

Provérbios: Se tu disseres: As forças não me ajudam, o mesmo que


é inspetor do coração o conhece e ao guardador da tua alma nada
se esconde e Ele
(Provérbios XXIV-12).

Jeremias: Eu lhes e segundo os


feitos das suas mãos (Jeremias XXV-14).

Ezequiel: Eu ,
diz o Senhor Deus (Ezequiel XVIII-30).

No Novo Testamento, além da palavra de Jesus Cristo, no texto já


citado de S. Mateus (XVI-27):

Epístola aos Romanos: Entesouras para ti ira no dia da ira e da


revelação do justo juízo de D
: com a vida eterna por certo aos que,
perseverando em fazer , buscam glória e honra e
imortalidade; mas com ira e indignação aos que são de contenda e
que não se rendem à verdade, mas que obedecem à injustiça
(Romanos II-5 a 8).

1ª Epístola de S. Pedro: Se invocais como pai Aquele que sem


acepção de pessoas , vivei em
temor durante o tempo da vossa peregrinação (1ª Pedro I-17).

Apocalipse: Eu sou aquele que sonda os rins e os corações; e


de vós
(Apocalipse II-23). Eis aqui que depressa virei, e o meu galardão
anda comigo para
(Apocalipse XXII-12). Veja-se ainda Apocalipse XX-12 e 13.
Sim, é dada de graça. Mas uma vez recebida a graça
santificante, ainda temos que observar os mandamentos, trabalhar,
lutar e sofrer em união com Cristo para conquistar .Ea
glória eterna do Céu varia de acordo com as virtudes, os atos de
penitência, as boas obras, em suma, o mérito de cada pessoa, pois
Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras.

Confusão de ideias.

36. Ainda não entramos de cheio na refutação da teoria da salvação


só pela fé. Fizemos apenas um resumo da doutrina católica sobre a
salvação para esclarecer certos pontos em que se confundem os
nossos adversários que não estão perfeitamente ao par da nossa
doutrina. Mas bastou ao leitor ver o texto das Escrituras em que se
exige a observância dos mandamentos para conseguir o Céu, não
podendo alcançá-lo os que cometem certas faltas graves, bastou
ver a insistência com que a Bíblia nos assegura que Deus retribuirá
a cada um segundo as suas obras, sem fazer acepção de pessoas,
para observar como é inexata a doutrina de que só a fé é que salva
e de que as boas obras não influem na salvação. Queremos dizer
apenas algumas palavras sobre uma confusão que fazem os
protestantes a respeito do perigo de envaidecimento para aqueles
que fazem boas obras, sabendo que elas terão a sua recompensa.

Os protestantes viram um texto de S. Paulo (Efésios II-8 e 9) em


que o Apóstolo nos ensina que a concessão da graça primeira, ou
seja, a passagem do pecador do estado de pecado para o estado de
justiça pela graça santificante se realiza de graça e não em atenção
a nossas obras, para que ninguém se glorie. Teremos ocasião de
comentar atentamente e a vagar esse texto (nº 133) num capítulo
especial que versará sobre a graça primeira. Daí aprenderam de
oitiva a dizer que a glória do Céu não se alcança pelas nossas obras
mas só pela fé, para que o homem não se orgulhe, não se glorie de
ter alcançado a salvação pelo seu próprio esforço. Deus teria
querido assim evitar o perigo do orgulho humano, e teria caído
noutro perigo muito maior ainda: teria favorecido horrivelmente à
corrupção do homem e ao relaxamento no pecado, impondo
somente a fé para a salvação e dispensando a observância dos
mandamentos e a prática das outras virtudes cristãs, entre as quais
avulta a caridade, para a consecução da glória celeste.

A doutrina católica e a presunção.

37. Qualquer um que considere atentamente a doutrina católica,


não terá motivo algum para gloriar-se de suas virtudes ou de suas
boas obras. E a prova é que a Igreja Católica tem produzido um
número imenso de grandes santos que são conhecidos no mundo
inteiro, muitos dos quais bem estimados e admirados pelos
protestantes, e no entanto um fenômeno observado em todos eles é
que, quanto mais progrediam na virtude e se enriqueciam da graça
de Deus, tanto mais baixo conceito faziam de si mesmos. A sua
grande virtude fazia com que lamentassem profundamente as mais
pequenas imperfeições; e causa admiração como se não julgavam
mais do que grandes e desprezíveis pecadores. Seguiam nisto a
palavra do Eclesiástico: Quanto maior és, humilha-te em todas as
coisas, e acharás graça diante de Deus (Eclesiástico III-20).

Realmente a consideração da doutrina sobre a graça, que há pouco


resumimos, leva o homem a reconhecer o seu nada, a sua fraqueza
e insuficiência. Se Deus justifica o pecador e o faz seu filho, esta
elevação a uma grandeza sobrenatural é feita por pura bondade e
misericórdia de Deus. Cada ação boa, cada ato de virtude, cada
vitória sobre as tentações precisou, para efetuar-se, do auxílio da
graça divina: Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5). A
criancinha que não pode escrever a carta sem a mãezinha a estar
ajudando com a mão dela por cima da sua, não pode absolutamente
orgulhar-se de ter escrito a carta por seu próprio engenho e esforço.
E os erros dados nesta carta, por culpa do pequeno escrevente, a
mãezinha depois corrige — isto é, os pecados, as faltas, as
imperfeições que frequentemente cometemos, Deus está sempre de
braços abertos para nos perdoar, se nos voltamos para Ele. E o
católico tem, mais do que ninguém, uma lembrança viva de seus
pecados, pois tem que fazer cuidadoso exame de consciência sobre
eles e confessá-los humildemente ao ministro de Deus, a quem foi
dado o poder de perdoar e reter os pecados. Nenhuma razão tem,
portanto, o católico, para orgulhar-se de suas virtudes, quando as
possui: Que tens tu que não recebesses? Se, porém, o recebeste,
por que te glorias como se o não tiveras recebido? (1ª Coríntios IV-
7).

Se, porém, por um ato de irreflexão ou, para melhor dizer, de


loucura, conceber um pensamento de presunção, uma queda fatal
se dará, porque Deus resiste aos soberbos, e dá sua graça aos
humildes (Tiago IV-6). E acontecerá o que a S. Pedro, que fez as
mais brilhantes profissões de fé e que amava a Cristo mais do que
os outros Apóstolos, mas por ter consentido num ato de confiança
exagerada em si mesmo, teve que chorar, por toda a vida, uma
queda desastrosa. Assim aprenderá o homem, à custa dos próprios
fracassos, a não confiar em si mesmo. Não há razão, portanto, para
Deus deixar de considerar como
a guarda dos mandamentos, a prática das boas obras,
por parte do homem, (que é livre nas suas ações e portanto tem que
mostrar um bom uso da liberdade), só pelo receio de que o homem
se venha a tornar vaidoso.

Se assim fosse, Ele deixaria de apontar a como


, porque a fé é sempre um ato livre,
uma cooperação humana, e assim como há perigo de
ensoberbecer-se o homem pelas suas obras, assim também há o de
ensoberbecer-se pela fé: Tu pela estás firme, pois
, (Romanos XI-20).

Recompensa e benefício.

38. Por mais estranho que pareça, a glória do Céu, que a Escritura
nos mostra como uma dada ao homem pelas suas
boas obras, é também, em última análise, uma graça, um
de Deus.
Um homem rico e ilustre toma um mísero e desprezível servo e o
cumula de favores, espontânea e benignamente, fazendo dele um
filho adotivo. Depois disto, começa a fornecer-lhe verba
continuamente, para que ele realize alguns trabalhos. Perdoa
frequentemente também os erros e fraquezas deste filho, bastando
para isto que ele procure sinceramente o seu perdão. E aqueles
trabalhos realizados pelo filho com verba dada pelo próprio pai, este
os recompensa larguissimamente, fazendo-o cada vez mais
participante de uma imensa herança.

Pode ser maior a sua benignidade?

Assim faz Deus conosco, chamando-nos e justificando-nos


misericordiosamente quando somos pecadores, perdoando-nos
inúmeras vezes na vida, graça aos merecimentos infinitos de Jesus
Cristo, fornecendo-nos continuamente o auxílio da sua graça e
recompensando com os gozos da vida eterna as nossas obras, que
só com a sua graça podiam ser realizadas. Por isto, tinha razão em
exclamar o grande Doutor da Graça, S. Agostinho: “Deus quando
coroa nossos merecimentos, não coroa senão seus próprios
benefícios”.
Capítulo Terceiro
Como surgiu a teoria da salvação só pela fé
Novidade de doutrina.

39. Como vimos no começo deste livro, o pastorzinho protestante


se gloriava de que o Protestantismo é a única religião no mundo a
admitir a salvação só pela fé. É o que diz também Lutero: afirma que
a sua teoria da justificação pela fé é o ponto “único pelo qual nós
nos distinguimos, pelo qual nossa religião se distingue de qualquer
outra religião” (Exegética ópera XXIII pág. 140).

Realmente o Protestantismo só apareceu no século XVI. E até


aquele século, ninguém se tinha lembrado ainda de interpretar a
Escritura de semelhante modo. Porque é tão clara na Bíblia a
existência da lei de Cristo, na qual se inclui a obrigatoriedade dos
mandamentos, a Bíblia fala tantas vezes na necessidade do amor
de Deus e da caridade para com o próximo para conquistar o Céu, a
Bíblia como vimos, insiste tanto em que Deus há de retribuir a cada
um , que, até então, em toda a história do
Cristianismo, não se tinha podido conceber semelhante absurdo de
que o homem se salva só pela fé. Absurdo, sim, porque é tão lógico
e tão razoável que o homem, sendo livre nas suas ações, venha a
conquistar o prêmio do Céu, entre outras coisas, pela sua reta
maneira de proceder, que era preciso que aparecesse um homem
que, embora dizendo-se seguidor de Cristo, negasse o livre arbítrio,
a liberdade humana, para que se pudesse pregar semelhante
doutrina. Este homem apareceu e se chamou Martinho Lutero.

Deixando de lado certos aspectos nada edificantes da vida deste


célebre heresiarca, achamos utilíssimo, para fazermos uma ideia do
que vale realmente a teoria da salvação só pela fé, estudar o modo
como Lutero chegou a fazer esta “grande descoberta”. Mas esta
novidade de doutrina já nos deixa com uma pulga na orelha. Não
parece estranho que Jesus Cristo tivesse fundado uma Igreja, feito
propagar o seu Evangelho para ensinar aos homens o caminho do
Céu, e por 15 séculos tivesse deixado a Humanidade às tontas, Ele
que vela sobre os homens e principalmente sobre a Igreja pela sua
Divina Providência e só no século XVI fizesse aparecer esse
Martinho Lutero para ensinar a “verdadeira doutrina da salvação”?

Martinho Lutero faz-se monge.

40. Martinho Lutero nasceu em Eisleben, na Alemanha, a 10 de


novembro de 1483. Jovem católico e piedoso, que mantinha
relações de amizade com alguns frades e andava impressionado
com as tentações que sentia na convivência com outros estudantes,
um dia um acontecimento vem a ser decisivo na sua vida. Estava
com 19 anos incompletos, pois foi a 2 de julho de 1502.
Surpreendido em viagem por uma violenta tempestade, ficou
aterrado com a perspectiva da morte. E fez uma promessa a S. Ana,
a quem se costumava recorrer nesses transes: “Se tu me ajudas,
S. Ana, tornar-me-ei frade”. Mais tarde ele dirá naquela sua
linguagem sempre estabanada: “Tornei-me frade por violência,
contra a vontade de meu pai, de minha mãe, de Deus e do diabo...
Fiz este voto para me salvar” (Weimar T. tomo IV nº 4414).

Digamos, entre parêntesis, que a alegação de Lutero não tem razão


de ser. Ou o medo lhe transtornara completamente o uso das
faculdades, ou não. No primeiro caso, o voto não o obrigava, pois
para isto era preciso que se fizesse livremente. No segundo caso,
sabia ele, como católico que era naquele tempo, que lhe restava um
recurso: pedir a dispensa ao Sumo Pontífice, a quem foi dado o
poder de ligar e desligar.

O fato, porém, é que Lutero entra no convento sem a necessária


vocação. E, segundo ele próprio confessa, não encontrou a paz
interior na vida religiosa.
Muitos autores que estudaram profundamente a personalidade de
Lutero, entre os quais o católico H. Grisar (Lutero. 3ª edição. Tomo
III págs. 596-673) e o historiador protestante A. Hausrath na sua
biografia sobre Lutero (3ª edição. Berlim; tomo II-págs, 31-36), são
de opinião que Lutero era um homem doente e anormal. Da mesma
opinião é o médico Guilherme Ebstein em obra aparecida em
Stuttgart em 1908. Afirmando esta tese, apareceu uma obra em 2
volumes em Copenhague (1937 e 1941) escrita pelo médico P. J.
Reiter e intitulada: Ambiente, Caráter e Psicose de Martinho Lutero.
A obra, como é natural, desagradou aos luteranos e provocou
discussões.

Seja, porém, como for, o que é certo é que Martinho Lutero era um
sentimental e se preocupava doentiamente com o problema da
predestinação, querendo sentir em si à fina força a certeza de que
era um predestinado. Queria experimentar claramente a sensação
de que seus pecados estavam perdoados e de que se achava na
graça de Deus e não sentia este conforto, esta certeza, por causa
das tentações da nossa natureza corrompida. A acreditarmos nas
suas palavras, ele era dominado por escrúpulos, chegando a
confundir as tentações com o próprio pecado, que só existe quando
as tentações são consentidas. Como ele dirá mais tarde: “Quando
eu era monge, acreditava imediatamente que perdia minha
salvação, cada vez que experimentava a concupiscência da carne,
isto é, um mau movimento de desejo, de cólera, de ódio, de inveja a
respeito de um irmão etc. Eu punha em uso muitos remédios,
confessava-me diariamente, mas isto não me servia de nada.
Porque sempre a concupiscência da carne reaparecia. Eis por que
eu não podia achar a paz, mas estava perpetuamente em suplício
pensando: Tu cometeste tal ou tal pecado, estás ainda sujeito à
inveja, à impaciência etc. Foi em vão que recebeste as ordens e
todas as tuas obras são inúteis” (Comentário da E. aos Gálatas
1535. Weimar; tomo XL).

No meio dessas angústias, encontra um confessor e amigo, o Padre


Staupitz, que o ajuda e faz o possível para acalmá-lo. Diz Lutero em
uma carta dirigida a Jerônimo Weller em julho de 1530: “Nos
começos de minha vida religiosa, eu estava sempre triste e não
conseguia desembaraçar-me deste estado d’alma. Pedi então a
orientação do doutor Staupitz e me confessei com ele. Manifestei-
lhe meus pensamentos horríveis e aterradores. E ele me respondeu:
Não compreendes, Martinho, que esta tentação te é útil e
necessária? Não é em vão que Deus assim te exercita” (Weimar B.
t. Vº pág. 519). Em outra ocasião lhe diz Staupitz: “Por que te
torturas com estas sutilezas? Volta o teu olhar para as chagas de
Cristo e olha para o sangue que Ele derramou por ti” (Ópera
exegética t. VIº 296 e 297).

A “descoberta” de Lutero.

41. Apesar de todos os conselhos do seu diretor espiritual, a alma


de Lutero cada dia mais se lança no desespero. Está convencido de
que o homem não é livre, pois não se liberta nunca do pecado. Um
dia, porém, nos seus estudos sobre a Bíblia, julga ter encontrado na
Epístola aos Romanos a solução para o seu problema [7]. Interpreta
o Apóstolo S. Paulo a seu modo, de acordo com suas próprias
ideias, de maneira que, como diz o próprio Strohl, autor protestante:
“Foi a orientação puramente individualista e a força de sua
experiência pessoal que impediram Lutero de assimilar todo o
pensamento do Apóstolo”.

Se S. Paulo nos lembra que O justo vive da fé (Romanos I-17), este


mesmo S. Paulo que nos diz: Todas as vossas obras sejam feitas
em caridade (1ª Coríntios XVI-14) e nos afirma que o homem,
mesmo tendo a fé a ponto de transportar montanhas, não é nada
sem a caridade (1ª Coríntios XIII-2), Lutero não toma aquela frase
no sentido de que todas as nossas ações devem ser revestidas de
verdadeiro espírito de fé — mas no sentido de que na fé somente se
resume toda a vida do cristão. Se S. Paulo nos ensina que o homem
é justificado pela fé sem as obras da lei (Romanos III-28) no sentido
de que não somos mais obrigados a cumprir todas aquelas
determinações e cerimônias da lei mosaica, como adiante
mostraremos no capítulo 6º, Lutero toma isto no sentido de que não
somos obrigados a obedecer a lei nenhuma, nem mesmo a observar
os mandamentos. Se S. Paulo fala na liberdade da glória dos filhos
de Deus (Romanos VIII-21) e diz que soltos estamos da lei da
morte, na qual estávamos presos, de sorte que sirvamos em
novidade de espírito e não na velhice da letra (Romanos VII-6),
Lutero toma isto não no sentido de que os cristãos já estão libertos
do jugo das prescrições da lei mosaica, mas no sentido de que os
cristãos estão livres de todas as leis, tendo apenas a obrigação de
crer.

Foi assim que nasceu a teoria da salvação só pela fé. Vejamos


agora, em linhas gerais, a doutrina de Lutero, usando sempre as
suas próprias palavras, pois vai aparecer tanta coisa espantosa que
é melhor mesmo que Lutero fale, para que não se diga que estamos
exagerando a sua doutrina.

Notas (pular)

[7] Lutero rompeu oficialmente com a Igreja no dia 1º de novembro de 1516,


afixando às portas do templo, em Vitemberga, as suas 95 teses sobre as
indulgências. Mas já antes disto lavrava no seu espírito o conceito herético
sobre a justificação pela fé sem as obras, de modo que a pretensa descoberta
de Lutero foi no ano de 1514 ou, ao mais tardar, em 1515, conforme se
conclui do exame de suas notas privadas, como professor. (voltar)

Negação do livre arbítrio.

42. Não da leitura da Bíblia, mas da observação do que se passava


no seu espírito doentio e tumultuoso, tirou Lutero a conclusão de
que o homem não goza de liberdade. Eis as palavras de Lutero: “A
vontade humana é como um jumento; se Deus o cavalga, quer e vai
onde Deus quer, como diz o salmo: como jumento me tenho feito
diante de ti e eu estarei sempre contigo (Salmos LXXII-23). Se
Satanás o cavalga, quer e vai para onde vai Satanás, nem está em
seu poder correr para outro cavalgador ou procurá-lo, mas os
cavalgadores é que lutam entre si para alcançar o jumento e tomar
conta dele” (Weimar XVIII-635).

“Tudo se realiza segundo os decretos imutáveis de Deus. Deus


opera em nós o mal e o bem. Tudo o que fazemos, fazemo-lo não
livremente, mas por pura necessidade” (Weimar XVIII-709).

“Foi o diabo que introduziu na Igreja o nome de livre arbítrio”


(Weimar VII-145).

Houve a este respeito uma célebre polêmica entre Lutero e Erasmo,


na qual Lutero escreveu um livro intitulado “O arbítrio escravo”,
combatendo a doutrina de que o homem goza de liberdade e
Erasmo escreveu outro sob o título “O livre arbítrio”, defendendo
esta doutrina, embora também Erasmo errasse, caindo no
pelagianismo.

Os magistrados começam a inquietar-se, porque o livre arbítrio é da


base do direito civil e penal e também pelas péssima repercussões
das ideias de Lutero no seio do povo. Lutero responde: “Estou
falando da vontade livre com relação a Deus e às coisas da alma.
Pois que necessidade teria eu de disputar tanto sobre a liberdade do
homem no que diz respeito às vacas e aos cavalos, ao dinheiro e
aos bens?” (Apud Denifle-Paquier III-267) “Mas no que toca à
salvação ou a condenação, o homem não tem livre arbítrio; é o
cativo, o súdito e o escravo da vontade de Deus ou da vontade de
Satanás” (Weimar XVIII-638).

O pecado original.

43. Para Lutero, o anjo também não é livre, porque “o livre arbítrio é
o apanágio exclusivo de Deus” (Weimar XVIII-664). Mas com o
homem aconteceu uma grande desgraça. Foi o pecado original que
tornou a nossa vontade inteiramente corrompida, completamente
dominada pelo mal, segundo a doutrina luterana. E isto por toda a
nossa vida.
Diz Lutero: “Nossa pessoa, nossa natureza, todo o nosso ser está
corrompido pela queda de Adão... Nosso pecado não é em nós uma
obra ou uma ação; é a nossa natureza e todo o nosso ser” (Apud
Doellinger. III-31).

No comentário à Epístola aos Romanos cap. 5º, afirma que o


pecado original é “não somente a privação de qualidade na vontade,
não somente a privação de luz na inteligência e de poder na
memória, mas a completa privação de toda a retidão do homem
interior e exterior. É a própria tendência para o mal, náusea para o
bem, aversão à luz e à sabedoria, amor ao erro e às trevas, fuga e
abominação das boas obras, corrida para o mal” (Ficker II, 144).

A consequência disto é que o homem só pode fazer o mal: “O


homem, não sendo senão um tronco apodrecido, não pode produzir
senão corrupção, não pode querer e fazer senão o mal” (Ópera
latina I, 243 e 350).

“Tudo o que empreenderes, por belo e brilhante que seja, é pecado


e continua sendo pecado. Faze o que quiseres, não podes senão
pecar” (Apud Denifle-Paquier III-179).

E tudo o que o homem faz é, por sua natureza, pecado mortal:


“Todo pecado, no que diz respeito à substância do fato, é moral”
(Comentário da E. aos Gálatas. Erlangen III-24).

Luz nas trevas e consolo no desespero...

44. Diante deste quadro tenebroso, parece que estamos


irremediavelmente perdidos: não temos liberdade e trazemos, do
berço até o túmulo, a natureza tão corrompida pela queda do
primeiro homem, que tudo que fazemos é pecado e pecado mortal;
como poderemos então salvar-nos?

Muito simples, segundo Lutero; basta crer em Jesus Cristo. Crê e


serás salvo.
Que entende Lutero por esta palavra — crer?

Todos sabem que crer em Cristo significa aceitar toda a sua


doutrina. Lutero também admite a fé neste sentido, mas isto para ele
não tem grande significação; não é propriamente neste sentido que
a fé salva.

Ouçamos as suas palavras: “Cristo tem duas naturezas. Em que isto


me interessa? Se Ele traz este nome de Cristo, magnífico e
consolador, é por causa do ministério e da tarefa que Ele tomou
sobre si... Crer em Cristo não quer dizer que Cristo é uma pessoa
que é homem e Deus, o que não serve nada a ninguém; significa
que esta pessoa é Cristo, isto é, aquele que para nós saiu de Deus
e veio ao mundo... É deste ofício que Ele tira seu nome” (Erlangen
XXXV-207). Em resumo, Lutero quer dizer que crer em Cristo
significa simplesmente crer que Ele é o Salvador e nada mais.

A fé que salva é a confiança. O homem cheio de temor, de angústia,


de horror diante de sua própria miséria, sabendo que não pode fazer
outra coisa senão pecar, se lança nos braços de Cristo, seu
Salvador e se enche da convicção de que pelo sangue de Cristo
está salvo. Crendo que somos salvos por Cristo, estamos salvos.

Nada de arrependimento, nem de boas obras.

45. Não se pense, porém, que entre estes sentimentos que levam o
homem aos pés de Cristo, esteja incluído o arrependimento dos
pecados. Não! Arrependimento supõe liberdade e o homem não é
livre.

Lutero qualifica de “delírio” a atitude dos padres que exigem do


penitente a contrição e o arrependimento e diz que “a esses padres
se deveria tirar o poder das chaves e dar-lhes um bastão para
conduzir as vacas” (Apud Denifle-Paquier III-352). Porque o
arrependimento só torna o homem “mais hipócrita e mais pecador”.
Ouçamos as suas palavras: “A contrição que se prepara pelo
exame, recapitulação e detestação dos pecados, pelos quais
alguém relembra, os seus anos de amargura de sua alma,
ponderando a gravidade, multidão e fealdade dos pecados, a perda
da eterna felicidade e a aquisição da condenação eterna, esta
contrição o faz hipócrita e até mais pecador” (Weimar VII-113).

Arrependimento supõe que o homem quer salvar-se por suas obras.


E as boas obras, Lutero as considera inúteis para a salvação;
embora tivesse caído às vezes em contradição sobre este assunto,
a doutrina predominante nos seus escritos é a inutilidade das boas
obras; algumas vezes até chegou a chamá-las de nocivas.

Com a nossa natureza corrompida não há boas obras, tudo o que


vem de nós é pecado e “as boas obras são más, são pecado como
o resto” (Apud Denifle-Paquier III-47).

Diz ainda Lutero: “A lei, as obras, a caridade, os votos não só não


resgatam, mas agravam a maldição. Quanto mais obras fizermos,
tanto menos poderemos conhecer e apreender a Cristo” (Weimar XL
1 Abt. pág. 447). “Ensinando as boas obras e excitando a fazê-las
como necessárias à salvação, se causa maior mal do que a nossa
razão humana pode compreender e conceber” (Apud Denifle-
Paquier III-101).

Quando Jorge Maior, professor da Universidade de Vitemberga


procurou reagir contra esta doutrina e ensinou que as boas obras
seriam necessárias à salvação, um grande amigo de Lutero, Nicolau
de Amsdorf publicou em contestação um livro, no ano de 1559 e
neste livro defendia a seguinte tese: Que a proposição “as boas
obras são nocivas à salvação” é justa, verdadeira, cristã, pregada
por S. Paulo e S. Lutero. “Não há escândalo maior, diz Lutero, mais
perigoso, mais venenoso do que a boa vida exterior, manifestada
pelas boas obras e uma conduta piedosa. Isto é a porta de cocheira
e o grande caminho que leva à condenação” (Apud Doellinger III-
124).
A fé e a salvação, obras exclusivas de Deus.

46. Aqui perguntamos a Lutero: — Mas, se a nossa natureza está


tão corrompida assim, que até as boas obras que fazemos são
pecados, como é também que podemos crer?

Responde Lutero que a fé é Deus que “opera em nós, sem nós” e às


vezes até “apesar de nós” (Apud Denifle-Paquier III-272, 289).

A Igreja Católica, que admite o livre arbítrio, considera a fé como


uma convicção da inteligência, sob o império da vontade livre e sob
o influxo da graça divina. A graça de Deus se antecipa à ação
humana, mas a fé é obra de Deus e do homem. Para Lutero, que só
admite o arbítrio escravo, a fé é obra exclusiva de Deus.

A Igreja, como vimos, ensina que Jesus Cristo é o Único Salvador


no sentido de que Cristo, reconciliando-nos com Deus, ofereceu-Lhe
a reparação pelo pecado, que só Ele, Cristo, podia oferecer por ser
Homem e Deus ao mesmo tempo. A obra de Cristo foi perfeitíssima;
falta apenas a nossa contribuição, a qual realizamos juntamente
com a graça de Cristo, que Ele mereceu por nós na cruz. Lutero
toma Cristo como Único Salvador no sentido de que não existe
também a nossa parte na obra da salvação. Ele fez tudo: a sua
parte e a nossa; se Ele nos salvou, não nos resta mais fazer nada:
só crer. E esta fé, Ele é quem opera em nós, com exclusividade.

Pecado mortal e pecado venial.

47. Mas, se tudo o que fazemos é pecado, e pecado mortal, como


podemos com esses pecados entrar no céu?

Lutero esclarece: “Aquele que crê tem tão grandes pecados como o
incrédulo, mas lhe são perdoados, não lhe são mais imputados”
(Comentário da E. aos Gálatas III-25).
Lutero não admite a justificação do pecador, no sentido católico de
que ele se pode tornar realmente um justo, transformado e
regenerado interiormente pela graça de Deus, mas no sentido de
que Deus externamente o considera justo, embora ele seja
realmente o mesmo pecador. O que não crê, tudo o que faz é
pecado mortal; o que crê pode fazer as mesmas coisas, mas Deus
por um decreto considera veniais todos estes pecados. Diz Lutero:
“Para aquele que não crê, não somente todos os pecados são
mortais, mas todas as suas boas obras são pecados... É, portanto,
pernicioso o erro dos sofistas que distinguem os pecados de acordo
com os atos e não de acordo com as pessoas. Naquele que crê o
pecado é venial; é mortal para o que não crê, não que seja
diferente, menor num e maior noutro, mas porque as pessoas são
diferentes” (Weimar II-410; IV-161).

A razão desta diferença é que Jesus Cristo toma o lugar do pecador


que crê. Cristo é “o manto que oculta a nossa vergonha, a cobertura
de nossa ignomínia. Ele deixa o pecador pendurar-se nas suas
costas e assim o livra da morte e do carcereiro” (Apud Denifle-
Paquier III-67, 367) é “a galinha sob cujas asas devemos refugiar-
nos, a fim de que seu cumprimento da lei se torne o nosso. Ó
amável galinha! Ó felizes pintinhos!” (Weimar I-35).

Livres de todas as leis!...

48. Segundo Lutero, Cristo observou a lei por todos aqueles que
creem, estes não tem mais obrigação de observar a lei, observância
que, segundo ele, é impossível, porque não há liberdade: “A palavra
Evangelho significa boa nova, doutrina grata e consoladora para as
almas... ouvir que a Lei já foi observada por Cristo, que nós não
temos o dever de observá-la, mas só o de unir-nos pela fé Àquele
que por nós a observou” (Weimar I-52). “Esta é a nossa doutrina
que sabemos eficaz para consolar as consciências. Viveremos sem
a lei e nos persuadiremos que os nossos pecados nos foram
perdoados” (Weimar XXV-249). “Com propriedade pode definir-se o
cristão: o homem livre de todas as leis no foro interno e externo”
(Weimar XL. 1 Abt. 235). “Assim vês quão rico é o homem cristão ou
batizado que, mesmo querendo, não pode perder a sua salvação,
por maiores que sejam os seus pecados, a não ser que não queira
crer. Nenhum pecado pode condená-lo, a não ser somente a
incredulidade. Todos os outros... se houver fé, na promessa divina
feita ao batizado são absorvidos pela mesma fé” (Weimar VI-529).

Lutero se insurge contra a ideia de que Cristo é um legislador que


nos veio ensinar uma moral sublime, promulgada no Evangelho:

“Erasmo e os papistas cuidam que Cristo é um novo legislador; na


sua demência nada entendem do Evangelho, representam-no
fantasticamente como um código de novas leis, à semelhança do
que sonham os turcos do seu corão” (Weimar XL. 1 Abt. pág. 259).

“O Evangelho não prega o que devemos fazer, não exige nada de


nós. Antes, em vez de dizer-nos: faze isto ou aquilo, manda-nos
simplesmente estender as vestes e receber: toma, meu caro, eis o
que Deus fez por ti; por teu amor Ele vestiu de carne humana o
próprio Filho... aceita este dom; crê e serás salvo” (Weimar XXIV-4).

“Não só com as palavras, mas também com as nossas ações e com


o nosso procedimento, exercitemo-nos com diligência em separar
Cristo de qualquer ideia de legislador, a fim de que, apresentando-
se-nos o demônio sob a figura de Cristo para molestar-nos em seu
nome, saibamos que não é Cristo, mas que é verdadeiramente o
diabo” (Weimar XL. 1 Abt. pág.229).

“A isto se reduz todo o Cristianismo: a sentir que não tens pecado


ainda quando pecas, a sentir que teus pecados aderem a Cristo,
que é salvador do pecado” (Weimar XXV-331).

Mas, dirá o leitor, como posso seguir uma doutrina destas? E onde
está a minha consciência que me acusa quando dou um passo
errado?
Ora consciência! Lutero manda abafar a sua voz. Diz ele: “Se a
consciência do pecado te acusa, se põe ante os teus olhos a ira de
Deus... não deves ouvi-la, mas contra a consciência e contra os teus
sentimentos deves julgar que Deus não está irado, que tu não estás
condenado” (Weimar XXV-330).

Já identificado agora com o pensamento do fundador do


Protestantismo, o leitor pode por si mesmo decidir a seguinte
questão: se se pode dar boa interpretação às célebres palavras de
Lutero na sua carta a Melanchton, escrita em agosto de 1521: “Sê
pecador, peca fortemente, porém mais fortemente ainda crê e
rejubila-te em Cristo!” Vamos citar todo o trecho: “Se pregas a graça,
prega uma graça verdadeira e não falsa; se a graça é verdadeira,
que o pecado seja verdadeiro e não falso. Deus não pretende salvar
falsos pecadores. Sê pecador e peca fortemente, mas confia e
rejubila-te mais fortemente ainda no Cristo, vencedor do pecado, da
morte e do mundo. Temos que pecar enquanto somos o que somos.
Esta vida não é a estância da justiça, mas esperamos, segundo a
palavra de S. Pedro, novos céus e uma nova terra, nos quais habita
a justiça. É o bastante, para nós, haver conhecido pelas riquezas da
glória, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Ele nos
tirará o pecado, ainda quando mil vezes por dia nos tornássemos
fornicários ou assassinos. Considera como nos sai tão barata a
redenção de nossos pecados em um tal e tão grande Cordeiro!” (De
Wette II-37).

Conseguiu Lutero seu objetivo?

49. É escusado dizer que nesta doutrina ímpia e absurda Lutero


não podia encontrar a paz que almejava para o seu espírito
atribulado. Depois do rompimento com a Igreja, continua seu drama
interior: remorsos, tentações, inquietações e crises violentas. Ele
acusa o demônio como o responsável por tudo isto. E, por mais
estranho que pareça, ele aponta, como um dos remédios para estas
perturbações interiores, os acessos de cólera contra os seus
opositores. “Isto, diz ele, refresca a minha prece, aguça o meu
espírito e expulsa todos os pensamentos de desânimo e todas as
dúvidas” (Walch XXII-1237).

Além disto, a sua doutrina com que forjou para si uma consolação
diabólica, apoiando-se na cega confiança em Cristo para se ver
tranquilamente livre de todas as leis, trazia uma consequência
capaz de lançar muitas almas no desespero.

Calvino irá ensinar a sua doutrina de que Deus predestina uns para
o Céu e outros para o inferno, por um decreto irrevogável que o
próprio Calvino chama (Instituição Cristã III-23).
Lutero não usa esta expressão “predestinação para o inferno”, mas
isto já está contido claramente na sua doutrina sobre o arbítrio
escravo, em que nos mostra Deus jogando com as criaturas a seu
bel-prazer, operando nelas o bem e o mal, encaminhando-as
inelutavelmente para o Céu ou para a perdição. E quando se lhe
apresentam os textos da Escritura em que se diz que Deus quer a
salvação de todos, ou que não quer a morte do pecador e sim que
se converta e viva, Lutero, do mesmo modo que Calvino, faz a
distinção entre a vontade de Deus e a sua vontade
. A vontade revelada é a que Deus nos quer fazer crer nas
Escrituras; mas a sua vontade oculta é que muitos se percam e que
não haja senão um certo número de eleitos no Céu. Distinção, é
claro, perfeitamente absurda (nº 215).

No seu livro “O arbítrio escravo”, diz que Erasmo no livro Diatribe


mostra ignorância, porque não distingue “entre o Deus revelado e o
Deus oculto, isto é, entre a palavra de Deus e o próprio Deus. Deus
faz muitas coisas que não nos mostra na sua palavra. Quer muitas
coisas que pela sua palavra não nos mostra querer. Assim não quer
a morte, isto é, na palavra; mas quer por aquela sua vontade
imperscrutável... É bastante conhecer apenas que existe em Deus
uma certa vontade imperscrutável. O que quer esta vontade, por
que quer, até onde quer, a nós não é lícito investigar, desejar,
procurar ou tocar, mas somente temer e adorar” (Arbítrio escravo I.
c. 730).
Mas como é isto? — perguntamos. Deus vai condenar pessoas sem
culpa alguma, uma vez que estas pessoas não são livres nas suas
ações? Lutero responde que o valor de nossa fé está precisamente
nisto: em achar Deus justo, ou Ele coroe indignos, ou condene
inocentes. Diz ele: “— Mas quando condena inocentes, porque isto
não agrada, se considera iníquo e intolerável, aqui se reclama, aqui
se murmura, aqui se blasfema... Ora, se te agrada Deus coroando
os indignos, não te deve desagradar Deus condenando os
inocentes. Se Ele é justo de uma forma, por que não será da outra?
Aqui espalha graça e misericórdia nos indignos, ali espalha ira e
severidade nos inocentes; em ambos os casos pode ser iníquo e
exagerado aos olhos dos homens, mas é justo e veraz em si
mesmo. Como é justo que Ele coroe os indignos, é incompreensível
agora; veremos, porém, quando chegarmos ali onde já não se crê,
mas se vê face a face. Como é justo que Ele condene os inocentes,
é incompreensível agora; contudo se crê, até que seja revelado o
Filho do Homem” (Arbítrio Escravo ibidem. I. c. 730 segs).

Aí se apresenta naturalmente uma objeção, e esta Lutero faz a si


próprio: se Deus tudo pode, e Ele é quem faz tudo em nós, o bem e
o mal (porque é o Único Ser Livre), por que motivo não transforma
esta natureza totalmente corrompida do homem, por que motivo não
encaminha sempre as nossas ações para o bem e para o Céu? A
resposta de Lutero é esta: “É o segredo de Sua Majestade” (Weimar
XVIII-712).

Para Lutero, Deus “é bom fazendo o mal” (Weimar XVIII pág. 709),
assim como o homem é mau fazendo o bem.

Não há doutrina mais adequada do que esta para lançar as almas


no desespero. De modo que a Lutero que procurou, fosse como
fosse, a certeza da salvação , pouco se lhe dá que muitos
outros... o diabo os carregue para o inferno... e, o que é pior ainda,
sem nenhuma culpa dessas pessoas, pois não gozam de livre
arbítrio. Para isto ele não foi sentimental...
O luteranismo e a razão.

50. Muito longo se tornaria este capítulo, se fôssemos analisar uma


por uma, todas estas enormidades da teoria luterana; ouçamos,
porém, o escritor Antônio Eymieu que nos vai dizer muito em poucas
palavras:

“Será exagerado dizer que, do princípio ao fim, tudo, neste


monstruoso sistema, brada contradição? O homem espoliado pelo
pecado de um outro não somente, como diz o Catolicismo, dos
privilégios sobrenaturais — os quais este outro, cabeça da raça, lhe
teria transmitido, se tivesse sido fiel — mas espoliado de sua
natureza própria; não somente de gratificações acessórias, mas do
que lhe era devido; perdendo sua liberdade e continuando
responsável; aspirando ao Céu e forçado a marchar para o inferno;
não podendo salvar-se senão por uma fé-confiança reclamada à sua
liberdade aniquilada, à sua vontade arquimorta; conservando,
apesar de tudo, por não sei que prodígio, sua consciência moral,
mas aconselhado a dela despojar-se, a fugir dela como de uma
tentação de Satanás. Em face deste homem, um Deus veraz que
mente à sua criatura; um Deus inteligente que se deixa enganar por
ela, que já não percebe os mais monstruosos pecados, quando são
cobertos com o manto de Jesus Cristo e os deixa entrar de
contrabando no Céu; um Deus justo que “condena inocentes” com a
mesma desenvoltura que o leva a “coroar indignos”; um Deus sábio
que faz leis impossíveis, que obriga (ao menos aqueles que não
creem) a observá-las e que força a violá-las; um Deus santo que
olha da mesma forma os santos e os pecadores, ou, se mostra
alguma preferência, a reserva aos pecadores. Todas estas palavras
se chocam profundamente; todas estas ideias são inconcebíveis;
diante deste acervo de contradições, a razão se revolta” (Deux
Arguments pour le Catholicisme págs. 65 e 66).

Vamos agora procurar a Lutero e protestar contra a sua doutrina,


dizer que ela é contrária, profundamente contrária à nossa razão.
Certamente vamos com medo de que “o maior e o mais desbocado
escritor do seu tempo” como chamava Hausrath, que por sinal era
protestante, nos vá brindar com um daqueles palavrões que tantas
vezes ele soube dizer. Mas qual é a nossa surpresa! Lutero
concorda conosco. Sua doutrina é mesmo contra a razão. E contra
esta razão humana é que se volta; para ela é que reserva as suas
injúrias. No seu último sermão proferido em Vitemberga, em 1546,
chamou a razão humana: “a concubina do diabo”.

Diz ele: “Mesmo a nós que recebemos as primícias do Espírito, é-


nos impossível compreender e crer perfeitamente todos estes
pontos, porque eles contradizem no último grau a razão humana”
(Apud Denifle-Paquier III-379). “É impossível fazer concordar a fé
com a razão... A razão é contrária à fé. Unicamente a Deus pertence
dar a fé contra a natureza, contra a razão, em uma palavra, fazer
crer” (Apud Denifle-Paquier III-275). “Nas coisas espirituais e
divinas, a razão é completamente cega” (Erlangen XLV-336).

Estão de acordo com a doutrina de Lutero os protestantes de


nossos dias? É o que veremos daqui a pouco.

Antes, porém, não podemos deixar de fazer duas observações que


espontaneamente nos ocorrem.

E era assim?...

51. O primeiro comentário que não podemos conter é este: E era


com esta doutrina que Lutero queria reformar a Igreja?!!!

Como sabemos, a Igreja tem o seu lado divino e o seu lado humano.
Ela foi fundada por Cristo, cabe-lhe a guarda do depósito da fé; é a
coluna e o firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15). R
não pode haver na Igreja, pois Cristo garantiu a
firmeza e a estabilidade de sua doutrina, prometendo que as portas
do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18). É o seu
lado divino.
Mas a Igreja é constituída por homens que, como tais, estão sujeitos
a pecar, por maior que seja a sua dignidade. Tem produzido grandes
santos, muitos de seus membros levam uma vida altamente
edificante e piedosa, mas dentro dela há também homens que
erram, que são pecadores, porque o reino dos céus é semelhante a
uma rede lançada no mar que toda a casta de peixes colhe; e
depois de estar cheia, a tiram os homens para fora, e, sentados na
praia, escolhem os bons para os vasos e deitam fora os maus.
Assim será o fim do mundo: sairão os anjos e separarão os maus
dentre os justos e lançá-los-ão na fornalha de fogo (Mateus XIII-47 a
50). Se os próprios santos nunca estão satisfeitos consigo mesmos,
sempre acham que deveriam amar e servir a Deus muito mais, que
se dirá então dos pecadores? Em todas as épocas, portanto, os
membros da Igreja sentem necessidade de uma ,
para cuja realização encontram meios na própria Igreja: na sua
doutrina e nos seus sacramentos.

E é muito significativo o que nos inícios da Igreja escreve o livro do


Apocalipse em repreensão e advertência aos anjos das igrejas de
Éfeso (II-4 e 5), Pérgamo (II-14 a 16), de Tiatira (II-20), de Sardes
(III-1 a 3) e da Laodiceia (III-15 e 16). Ou se interprete como sendo
censuras feitas diretamente aos bispos destas igrejas ou às
comunidades cristãs por eles dirigidas, o fato é que já naqueles
tempos do primitivo fervor, aí se prega a reforma de certas
fraquezas e se aconselha a penitência. A Igreja, que viveu cerca de
2000 anos, passou por várias vicissitudes e teve suas épocas, umas
melhores, outras piores. E é possível que no começo do século XVI
os seus membros precisassem de uma reforma moral, mais do que
em outra qualquer época de sua história. Mas era com esta doutrina
de que o homem não pode fazer outra coisa senão pecar e basta
crer em Cristo para salvar-se, de que crendo em Cristo fica livre de
todas as leis, de que só há um pecado que condena o cristão, o
pecado da incredulidade, era com esta doutrina que se podia trazer
aos membros da Igreja a reforma moral de que eles necessitavam?

Bonito começo!...
52. A outra observação que vem a talho de foice é esta: Que bonita
estreia para a teoria do livre exame!

Os protestantes costumam celebrar o gesto de Lutero rompendo


com a interpretação tradicional da Igreja e estabelecendo o princípio
do livre exame: cada um tem o direito de fazer também a
interpretação da Bíblia — como sendo uma verdadeira libertação. A
Igreja estaria querendo monopolizar a interpretação para impor suas
teorias errôneas (!!). Lutero então teria aberto o caminho para se
chegar à interpretação verdadeira. Esta é a versão protestante.

Vejamos agora como as coisas se passaram.

Lutero, como vimos, tomou como ponto de partida de sua doutrina o


princípio de que o ,
.

Ora, se há uma verdade que transparece em todos os capítulos da


Bíblia Sagrada, desde as primeiras páginas do Gênesis em que
Adão e Eva são chamados à responsabilidade pela sua desastrosa
desobediência, até a última página, o último capítulo do Apocalipse
em que se lê: Eis aqui que depressa virei, e o meu galardão anda
comigo para recompensar a cada um segundo as suas obras
(Apocalipse XXII-12) — é a noção da liberdade do homem, a ideia
de que ele pode dispor de seus atos.

Ao próprio Caim, que a muitos poderia aparecer como sujeito à


fatalidade de uma maldição, Deus se mostra dizendo que ele é livre
e bem pode vencer suas tentações: Por que andas tu irado? Por
que se descaiu a tua face? Porventura, se tu obrares bem, não
receberás recompensa? E se obrares mal, não estará logo o pecado
à porta? Mas a tua concupiscência estar-te-á sujeita e tu dominarás
sobre ela (Gênesis IV-6 e 7).

São inúmeras as passagens da Bíblia em que Deus nos aparece


impondo preceitos aos homens, ameaçando com castigos aos que
transgridem, prometendo galardão aos que lhes obedecem. E se Ele
assim o faz, não é para ludibriar dos homens, impondo-lhes
mandamentos impossíveis (o que seria indigno da santidade de
Deus); se Ele exige, é porque dá graça suficiente para cumpri-los.
Se Ele exige, é porque o homem tem à sua mão escolher entre o
bem e o mal, entre a recompensa e o castigo.

Assim se lê na Bíblia:

Este mandamento que eu hoje te intimo, não está sobre ti, nem está
longe de ti, nem está no Céu, de sorte que possas dizer: Qual de
nós pode subir ao Céu, para que no-lo traga e o ouçamos e o
ponhamos por obra? Também não está da banda d’além do mar,
para que te desculpes e digas: Qual de nós poderá passar o mar e
trazer-no-lo, para que possamos ouvir e cumprir o que se nos
manda? Mas esta palavra está muito perto de ti, na tua boca está e
no teu coração para a cumprirdes. Considera que eu te pus hoje
diante dos olhos a vida e o bem, e ao contrário a morte e o mal,
para que tu ames o Senhor teu Deus e andes nos seus caminhos e
guardes os seus mandamentos (Deuteronômio XXX-11 a 16).

Josué diz a seu povo: Temei ao Senhor e servi-O com um coração


perfeito e mui sincero, e tirai os deuses a que vossos pais serviram
na Mesopotâmia e no Egito e servi ao Senhor. Porém, se vos achais
mal com servir ao Senhor, na vossa mão está a escolha: escolhei
hoje o que mais vos agradar e a quem principalmente deveis servir,
se aos deuses a quem serviram vossos pais na Mesopotâmia, ou
aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porque eu e minha
casa havemos de servir ao Senhor (Josué XXIV-14 e 15).

Do profeta Ezequiel: Quando o justo se apartar da sua justiça e


cometer a iniquidade, morrerá nesse estado; ele morrerá nas obras
injustas que cometeu. E quando o ímpio se apartar da sua
impiedade que cometeu e obrar conforme a equidade e a justiça, ele
assim dará a vida à sua alma; porque, considerando o estado em
que se acha e apartando-se de todas as suas iniquidades que
obrou, ele certamente viverá e não morrerá. Depois disto dizem
ainda os filhos de Israel: O caminho do Senhor não é justo. Acaso
os meus caminhos não são justos, casa de Israel, e não são antes
os vossos os que são corrompidos? (Ezequiel XVIII-26 a 29). O
Deus das Escrituras não é aquele que é pintado por Lutero e que
faz do homem um jumento, cavalgando-o a seu bel-prazer, mas um
Deus que, apesar de Todo-Poderoso, respeita a liberdade humana e
se queixa amorosamente, amargamente, porque o homem não quis
seguir o bom caminho de seus mandamentos, não quis cooperar
com a sua graça:

Agora, pois, habitadores de Jerusalém e varões de Judá, sede vós


os juízes entre mim e minha vinha. Que coisa há que eu devesse
fazer à minha vinha que lhe não tenha feito? Far-lhe-ia acaso injúria
em esperar que ela desse boas uvas em lugar das labruscas que só
produziu?... Porque a vinha do Senhor dos exércitos é a casa de
Israel; e o varão de Judá, o seu renovo deleitável; e esperei que
fizesse juízo e eis que só há iniquidade, e que praticasse justiça, e
eis que só há clamor (Isaías V-3, 4 e 7).

Em Jeremias se lê também a queixa de Deus: Pasmai, céus, sobre


isto e ficai em total desolação, portas deles, diz o Senhor. Porque
dois males fez o meu povo: deixaram-me a mim, fonte d’água viva e
cavaram para si cisternas rotas que não podem reter as águas
(Jeremias II-12 e 13). E alguns versículos mais adiante: Também os
filhos de Mênfis e de Tafnes te aprontaram até ao alto da cabeça.
Porventura não te tem acontecido isto, porque abandonaste ao
Senhor teu Deus naquele tempo em que te conduzia pelo teu
caminho? (Jeremias II-16 e 17).

Lutero sabia que Jesus Cristo era Deus. E que prova mais
espetacular da liberdade do homem do que Jesus chorando sobre a
ingratidão de Jerusalém? É verdade que nessa hora Jesus
cavalgava um jumentinho, mas era precisamente porque o homem
estava longe de ser como aquele jumentinho que tão facilmente se
deixava conduzir, era por causa das resistências do homem às
inspirações da divina graça, que Jesus chorava naquele momento.

Será inútil prosseguir nas citações. Negar a liberdade do homem,


depois de tais passagens da Bíblia, afirmar depois disto, como
Lutero, que Deus “opera em nós o bem e o mal” seria atribuir a
Deus uma farsa abominável. Não pode haver, portanto, doutrina
mais contrária ao ensino bíblico do que a negação da liberdade
humana; qualquer pessoa que tenha um conhecimento, embora
mínimo, das Escrituras, sabe muito bem disto.

Sustentando tal doutrina, Lutero sabia que tinha que romper


abertamente com a interpretação tradicional da Igreja.

Qual é o defensor de uma tese que, depois de apresentar seus


próprios argumentos, não acha vantagem em ampará-la com o
testemunho dos sábios que o precederam? Mas, negando o livre
arbítrio, ele não podia encontrar apoio nos Santos Padres, nem nos
intérpretes de nenhuma época. Não teve outro recurso senão
proclamar o livre exame da Bíblia: ele interpretava assim contra a
opinião do mundo inteiro, porque cada um tem o direito de
interpretá-la como bem entende. E como isto não é argumento
capaz de convencer ninguém, Lutero se declara inspirado por Deus:

“Quem não crê como eu é destinado ao inferno. Minha doutrina e a


doutrina de Deus são a mesma coisa. Meu julgamento é o
julgamento de Deus” (Weimar X 2 Abt. 107). “Tenho certeza de que
meus dogmas vêm do Céu... eles hão de prevalecer e o Papa há de
cair, a despeito de todos os poderes dos ares, da terra e do mar”
(Weimar X. 2 Abt. 184).

Em 1535, ele declara ao legado do papa: “Somos agora


esclarecidos sobre todas as verdades da fé pela luz direta do
Espírito Santo” (Apud Janssen III-481).

Foi, portanto, para acobertar uma tese profundamente antibíblica


que Lutero recorreu ao livre exame. Hoje a grande maioria dos
protestantes estão inteiramente em desacordo com Lutero, pois
admitem a liberdade humana e não concordam com aquela teoria
ímpia de que o cristão está livre de todas as leis. São obrigados, por
conseguinte, a confessar que o livre exame foi inaugurado com
erros gravíssimos. Que bonita estreia!

Depois de Lutero apareceu uma chusma de intérpretes, todos


iluminados diretamente pelo Espírito Santo... e cada um
apresentando uma doutrina diferente.

Já Lutero se escandalizava ao ver como Zuínglio e outros podiam


negar a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, a qual está
baseada em textos tão claros da Bíblia. Mas quem os tinha
ensinado a torcer o sentido das Sagradas Letras, senão o próprio
Lutero?

E há textos da Bíblia, por mais claros que sejam, que os partidários


do livre exame não consigam falsear e torcer? (vejam-se nos 215 e
220).

Não existe Santíssima Trindade (nº 225);

Cristo não é Deus, e portanto a adoração a Ele é uma idolatria (nº


226);

Cristo nos salvou somente pregando a sua doutrina e dando-nos um


bom exemplo (nº 227);

A graça é apenas um estímulo externo, como é aquele que


recebemos quando ouvimos sábias palavras de exortação (nº 228);

A alma não é imortal, os maus serão aniquilados (nº 230);

Não existe o inferno (nº 231);

Deus predestinou uns para o Céu e outros para o inferno por um


decreto inflexível — ou então — Deus predestinou todos os homens
para o Céu e todos lá chegarão (nº 232);

Não há necessidade de Batismo (nº 234);

O divórcio é permitido em vários casos (nº 236);

Eis aí algumas das teses que para qualquer pessoa que leia
imparcialmente a Sagrada Escritura se afiguram como verdadeiras
barbaridades antibíblicas e que entretanto têm sido defendidas (às
vezes até através de tenaz e fanática propaganda) pela turma
desenfreada do livre exame.

E agora, passados 4 séculos após a revolta de Lutero, agora que os


protestantes já tiveram tempo bastante para emendar e corrigir os
erros de seu fundador, a eles que se apresentam como os
verdadeiros e iluminados intérpretes, nós podemos perguntar: Que
tal? Como vai a interpretação da Bíblia? Vocês acharam a
verdadeira doutrina?

— Sim, achamos, respondem eles. (E então trezentas e tantas


seitas, profundamente divergentes entre si, se apresentam como
portadoras da interpretação legítima).

— Já vi tudo, pode responder qualquer um de nós. Esta balbúrdia


toda que há do lado de Vocês é um sinal bem evidente de não
haverem encontrado a interpretação legítima, a qual é uma só. Nem
a encontrarão nunca, porque cada dia se vão multiplicando mais as
seitas e novas extravagâncias aparecem, a confusão se torna cada
vez maior nos meios protestantes.

Perdoe-nos o leitor esta digressão que foi necessária, pois as


origens da teoria da salvação só pela fé se confundem, têm relação
direta com as origens da teoria do livre exame da Bíblia. A primeira
explica a segunda. São princípios irmãos e dignos um do outro. Não
podíamos deixar de ressaltar esta ligação.
Voltemos agora ao nosso assunto e vejamos em que pé se
encontra, entre os protestantes modernos, a teoria da salvação só
pela fé.

Só podia dar nisso mesmo!

53. Muitos dos primeiros chefes e adeptos do Protestantismo,


embora divergindo em muitas coisas não só de Lutero, mas também
entre si, estavam de acordo naquele ponto: em que o homem não
goza de livre arbítrio. Cristo pagou por todos nós e não nos resta
mais fazer nada, a não ser crer em Cristo, etc, etc. Mas a pregação
de tais ideias, que vinham dar numa doutrina francamente imoral e
escandalosa, não podia deixar de receber as censuras mais
acerbas, não só da parte dos católicos, senão também de todos os
homens de bom senso. E desde cedo se começaram a ver os tristes
efeitos da disseminação de tais ideias no seio do povo, os quais
logicamente não podiam ser senão os mais desastrosos. Não há
testemunho mais insuspeito sobre o assunto do que o do próprio
Lutero:

“Os evangélicos são sete vezes piores que outrora. Depois da


pregação da nossa doutrina, os homens entregaram-se ao roubo, à
mentira, à impostura, à crápula, à embriaguez, e a toda a espécie de
vícios. Expulsamos um demônio e vieram sete piores. Príncipes,
senhores, nobres, burgueses e agricultores perderam de todo o
temor de Deus” (Weimar XXVIII-763). O demônio que ele dizia ter
expulsado era o Papado.

Diz ainda Lutero:

“Depois que compreendemos não serem as boas obras necessárias


para a justificação, ficamos muito remissos e frios na prática do
bem. É admirável com que fervor nos dávamos às boas obras de
outrora, quando por meio delas nos esforçávamos por alcançar a
justificação. Cada qual porfiava por vencer os outros em piedade e
honestidade. E se hoje se pudesse voltar ao antigo estado de
coisas, se de novo revivesse a doutrina que afirma a necessidade
do bem fazer para ser santo, outra seria a nossa alacridade e
prontidão no exercício do bem” (Weimar XXVII-443).

“Quem de nós se teria abalançado a pregar, se pudesse prever que


tanta desgraça, tanto escândalo, tanto crime, tanta ingratidão e
malvadez seriam o resultado da nossa pregação? Agora, uma vez
que chegamos a este estado, soframos-lhe as consequências”
(Walch VIII-564).

O leitor nem precisava destes comentários feitos tão sinceramente


por Lutero para calcular, por si mesmo, os efeitos daquela teoria da
salvação só pela fé: se os pregadores, apresentando o Cristianismo
como realmente é, um admirável código de moral, e mostrando
Deus a impor aos homens a sua lei e querendo que eles se
santifiquem (esta é a vontade de Deus: a vossa santificação — 1ª
Tessalonicenses IV-3) não podem com isto impedir que haja muitos
crimes, escândalos e pecados, muita libertinagem nesta massa
humana, tão inclinada para o mal e para a perdição — que não será
agora a pregação desta nova doutrina, e isto em nome de Cristo, em
nome do Evangelho: que não há mais necessidade de observar os
mandamentos, mas só a de confiar em Cristo para conseguir o Céu,
porque Cristo já conseguiu o Céu para todos nós?

A máscara.

54. Os protestantes tiveram, portanto, que rejeitar o erro de Lutero.


Toda a teoria luterana se baseia no princípio de que o homem não é
livre. Mas os protestantes hoje, na sua quase totalidade, admitem a
liberdade humana. Cai assim por terra todo o sistema do Patriarca
da Reforma, porque, se o homem é livre, ninguém o dispensa de
servir a Deus em seus pensamentos, palavras e obras para
conseguir o Céu. E adeus, salvação só pela fé!

Mas os protestantes, embora não admitindo mais a salvação só pela


fé, passaram a fingir que a admitiam. Mudaram completamente a
doutrina, mas continuam a por na fachada o mesmo letreiro de
outrora. Por que motivo?

Porque confessar abertamente agora que as obras do indivíduo


influem na salvação seria confessar claramente o fracasso
doutrinário da Reforma e seria renunciar à vantagem que a
apresentação da doutrina da salvação só pela fé trazia e traz, para
eles, ou seja, o efeito da propaganda.

Realmente apresentar ao povo frases da Bíblia como estas:

Crê no Senhor Jesus e serás salvo (Atos XVI-31);

O que crer e for batizado será salvo; o que, porém, não crer será
condenado (Marcos XVI-16);

O que crê no Filho tem a vida eterna (João III-36);

sem apresentar-lhe também outras passagens que “as completam,


servindo-lhes de contrapeso”, para nos utilizarmos da expressão de
Vinet, autor protestante, que daqui a pouco citaremos;

e acrescentar a isto a teoria do livre exame — cada um interpreta a


Bíblia como bem entende, pois este é o nosso direto — é usar a
mais perigosa das armas contra a Igreja Católica.

Se basta crer em Cristo para me salvar, e a Bíblia que eu tenho em


casa posso interpretá-la como me convier, então não preciso da
Igreja Católica, nem dos seus sacramentos, nem da sua doutrina,
para coisa alguma.

Arma perigosíssima que, como todas as armas deste gênero, pode


voltar-se contra aqueles mesmos que a manejam, ou seja, no caso,
os protestantes, os quais costumam organizar-se em igrejas
visíveis, com seus templos, reuniões, associações etc. Há algumas
seitas protestantes até que arrecadam nada menos que 20% dos
rendimentos de seus adeptos. Mas o protestante também pode
pensar assim: Se basta crer em Cristo para salvar-me, que
necessidade tenho eu de frequentar esta seita ou pertencer a ela?
Se Cristo prometeu graças especiais quando se acham 2 ou 3
pessoas em seu nome (Mateus XVIII-20), 2 ou 3 pessoas é fácil
reuni-las aqui mesmo dentro de casa. E que necessidade tenho eu
de ouvir a pregação do pastor que, pelo livre exame, vai expor suas
opiniões pessoais sobre a Bíblia, se a Bíblia a tenho eu em casa, e
também sei interpretá-la, talvez até melhor que ele?

Tais princípios logicamente levariam a uma Igreja invisível; e


entretanto os protestantes se organizam em igrejas visíveis, porque
sabem muito bem que foi uma Igreja Visível que Jesus instituiu.

Esta arma perigosa contra a Igreja Católica, podiam usá-la Lutero e


Calvino e os Primeiros Reformadores, mas a que preço? Negando a
liberdade humana, base de toda a Religião, pregando o arbítrio
escravo, teoria evidentemente antibíblica e que acarreta as piores
consequências, como já vimos.

O protestante de hoje, que admite o livre arbítrio, já não pode usá-la


por uma razão muito simples: ele não crê mais na salvação só pela
fé; ao contrário reconhece que as obras do indivíduo influem na
salvação. Não se espante o leitor.

É muito fácil prová-lo.

Chame o leitor qualquer protestante que encontrar por aí e


pergunte-lhe:

— Um homem crê em Cristo, mas já cometeu muitos pecados


graves; que lhe é necessário para salvar-se? Basta a fé?

O protestante responderá:

— Não. É necessário também o arrependimento dos pecados.


(Ele responderá sempre assim e só assim é que pode responder,
porque dispensar do arrependimento os pecadores seria abrir a
porta para todos os crimes e todas as misérias).

— Já se vê, meu caro amigo protestante, que Você não admite a


salvação só pela fé. Admiti-a, sim, o chefe Lutero, o qual não exigia
arrependimento para o homem salvar-se; era só a fé e nada mais.

Das duas, uma:

Ou aquelas palavras da Bíblia não têm a significação que Você quer


emprestar-lhes, ou então Você já não acredita mais nas palavras da
Bíblia, que prega com tanto ardor.

Porque a Bíblia não diz: Crê no Senhor Jesus e arrepende-te dos


teus pecados e serás salvo; mas diz: Crê no Senhor Jesus e serás
salvo (Atos XVI-31).

Porque não Bíblia diz: O que crer e for batizado e se arrepender de


seus pecados será salvo — mas — o que crer e for batizado será
salvo (Marcos XVI-16).

A Bíblia não diz: O que crê no Filho e se arrepender de seus


pecados tem a vida eterna — mas — O que crê no Filho tem a vida
eterna (João III-36).

Em parte nenhuma do mundo fé e arrependimento, crer e


arrepender-se são sinônimos.

Além disto, caro amigo protestante, Você dizendo que o


arrependimento é necessário para o homem salvar-se, está
reconhecendo que as nossas obras influem na salvação. E no
entanto vive a pregar que elas não influem na salvação nem direta
nem indiretamente.

Que é o arrependimento? É o pesar por haver praticado más obras.


Supõe, para ser verdadeiro, o firme propósito de daqui por diante
não praticá-las mais.

Se, por exemplo, um homem vive em união ilícita com uma mulher,
se está metido em transações proibidas que dão prejuízo ao
próximo, se tem o ódio no seu coração, não basta que ele na igreja
ou nas suas orações se mostre compungido. Porque a Deus
ninguém engana. É preciso que abandone aquela união
pecaminosa, aquelas transações ilegais, aquele ódio que domina o
seu coração. São, portanto, as suas obras, o seu modo de agir, a
sua maneira de proceder daqui por diante que vão demonstrar a
sinceridade do seu arrependimento. Por que é que Lutero tanto se
zangava quando se falava em arrependimento? Era porque
arrependimento inclui emenda, uma correção, uma alteração em
nossas obras, em nossa maneira de proceder; o que já não vem a
ser salvação só pela fé.

Você diz que para a salvação é necessário o arrependimento dos


pecados. E diz muito bem. Mas em que consiste o pecado? Em não
obedecer ao que Deus nos preceituou na sua lei. Só posso
arrepender-me de não ter feito uma coisa, quando reconheço que
tinha obrigação de fazê-la. Como posso arrepender-me de não ter
sido casto, se não reconheço a obrigação da castidade? Como
posso arrepender-me de ter feito um roubo, se não reconheço a
obrigação de respeitar a propriedade alheia? Como posso
arrepender-me de uma grosseria para com meus pais, se não
reconheço a obrigação de honrá-los? Afirmando, portanto, a
necessidade do arrependimento dos pecados para a salvação, Você
está reconhecendo consequentemente que é necessária para a
salvação a observância dos mandamentos. Logo, não é só a fé.

E não venha dizer-me que o homem que crê em Cristo se torna


impecável, já não comete pecados, porque posso dizer-lhe
seguramente que é mentira. Primeiro que tudo, temos o exemplo na
própria Bíblia. S. Pedro cria em Cristo, fez as mais belas profissões
de fé, e isto não o impediu de cair em pecado. E a experiência de
cada dia nos mostra que não é o fato de crerem os homens em
Jesus Cristo que os torna incapazes de cometer pecados, pois a fé
não tira o livre arbítrio de cada um.

Como vê o leitor, o protestante de nossos dias, embora não admita


a teoria da salvação só pela fé, usa de textos da Bíblia fingindo
admiti-la: “Não estão vendo os Srs.? A Bíblia afirma que basta crer
em Cristo para salvar-se; logo, as nossas obras não influem na
salvação.”

É a máscara que usam, fazendo-se mais feios do que realmente


são. “Os protestantes pessoalmente valem mais do que a sua
doutrina” — tem sido reconhecido isto por vários escritores
católicos. Se usam máscara, é para fazer a sua propaganda contra
a Igreja. A sua atitude admitindo agora o livre arbítrio põe por terra a
teoria de Lutero, a qual se baseava no princípio do arbítrio escravo:
o homem é um jumento etc. Se o homem não é um jumento, mas
um ser livre, precisa arrepender-se de seus malfeitos para salvar-se.
Arrepender-se não é só sentir uma dor passageira, é mudar de vida.
E mudando de vida, está contribuindo com suas obras para a
salvação.

A manha protestante.

55. E assim o leitor já vai começando a tomar contacto com este


fenômeno tantas vezes comprovado: .

Cristo nos veio ensinar a doutrina da salvação. Teve, portanto que


falar muitas vezes sobre isto, ou melhor, sempre que falava era
sobre este assunto. Mas não era necessário que cada vez que
falasse sobre a salvação, repetisse enfadonhamente todas as
coisas que são necessárias para o homem salvar-se. Uma noite em
conversa com Nicodemos fala na necessidade do Batismo (João III-
5). Em outras ocasiões mostra que o caminho do Céu é a
observância dos mandamentos (Mateus XIX-17; Lucas X-25 a 28).
Salienta ser imprescindível, para a salvação, a caridade para com o
próximo (Mateus VI-15 XXV-31 a 46). Se a salvação não é possível
sem a remissão dos pecados, Ele mostra por mãos de quem nos
chega esta remissão (João XX-23). Fala-nos da necessidade de
recebê-Lo eucaristicamente para manter em nós a vida de graça e
conseguir a vida eterna (João VI-54). Mostra-nos que o dia do juízo
virá retribuir a cada um segundo as suas obras (Mateus XVI-27).
Além disto, há um texto bem claro da Bíblia que nos diz
abertamente que a fé sem as obras não pode salvar (Tiago II-14).

Por isto, antes de Lutero, já fazia 15 séculos que a Bíblia vinha


passando em muitas e muitas mãos; homens santos e sábios
tinham-se debruçado sobre ela por toda a vida e feito luminosas
interpretações, mas nenhum deles se havia lembrado de ver nas
frases — Quem crê em Jesus se salva, quem não crê se condena;
Crê em Cristo e serás salvo; o que crê no Filho tem a vida eterna —
a doutrina de que a fé, somente ela, sem as outras condições
preceituadas por Cristo era capaz de salvar o homem. Estes textos
estavam todos misturados na Bíblia e cada um sabia que cada
trecho da Escritura merece toda a nossa consideração, e não um
mais do que outro, porque todos são palavra de Deus. Além disto, a
Igreja sempre teve como norma rejeitar qualquer doutrina, quando
esta doutrina logicamente leva à imoralidade e à corrupção dos
costumes. Porque, é claro, o Deus que nos ensina a verdade é o
mesmo Deus que nos manda praticar as virtudes.

Chega, porém, Lutero e, na ânsia de resolver os problemas do seu


espírito atribulado, não recua diante da doutrina ímpia e
escandalosa: a fé, só ela é quem salva. Pouco lhe importam os
outros textos bem claros, bem evidentes em que se mostra que
outras coisas também são necessárias para a salvação. Refuga-os,
despreza-os, torce-os, e chega até ao cúmulo de se declarar
abertamente contra a própria Bíblia:

“Se os nossos adversários fazem valer a Sagrada Escritura contra


Jesus Cristo, nós fazemos valer Jesus Cristo contra a Escritura. Do
meu lado, tenho o Senhor; eles têm os servos; nós, a cabeça; eles
os pés e os membros, que se devem sujeitar e obedecer à cabeça.
Se é mister sacrificar-se a lei ou Jesus Cristo, sacrifique-se a lei,
não Jesus Cristo” (Ópera latina I-387-a).

“Tu fazes grande caso da Escritura que é serva de Jesus Cristo; eu,
pelo contrário, dela não me importo. À serva liga a importância que
quiseres, eu quero valer-me de Jesus Cristo, que é o verdadeiro
senhor e soberano da Escritura e que mereceu e conquistou, com a
sua morte e ressurreição, a minha justiça e a minha salvação
eterna” (Walch VIII-2140 segs.).

Admite assim Lutero que há contradição entre Jesus Cristo Salvador


e as Escrituras, o que equivale a dizer, entre a Escritura e ela
própria, pois o que sabemos de Jesus Cristo é pela Escritura.
Interpretar a Escritura desta maneira, vendo nela contradições,
decidindo-se por uns textos rejeitando outros, isso não é interpretar,
é mostrar claramente que não se encontrou ainda a verdade e se
quer apenas lançar a confusão nos espíritos.

A causa de tanta desordem, de tantas seitas no Protestantismo é


precisamente esta. Cada qual se aferra a uns textos e despreza
outros, procurando tirar da Escritura o que bem entende. Quem vai
explicá-lo bem direitinho é o próprio pastor protestante, Alexandre
Vinet, que pode falar de cadeira, pois saberá descrever mais
perfeitamente do que nós, o que se passa nos arraiais protestantes:

“A palavra de Deus, não há dúvida, só pode ter um sentido em si


mesma; mas terá mil sentidos no espírito do leitor... Não se procura
com efeito na Bíblia toda a verdade, mas a verdade que agrade e
deleite. Cada qual se lança sobre sua presa; rica e esplêndida
presa, porque mesmo as verdades parciais têm na Bíblia uma
beleza que as transformaria em belos erros, e a autoridade do livro
lhes dá uma consagração majestosa. Insiste-se no sentido da
verdade que se procurou; excluem-se ou desprezam-se aquelas que
a completam, servindo-lhe de contrapeso; não se vê na Bíblia senão
o que se quer; de sorte que de fato cada um tem a sua Bíblia,
sustenta em seu nome e tira de seu texto os erros mais antibíblicos,
e assim os caracteres, as inclinações, os homens que diferem mais
profundamente entre si, se valem todos da Bíblia e o mesmo
estandarte flutua para exércitos rivais” (L’Eglise et les confessions
de foi. Pág. 29).

Vê-se aí, pelas palavras do próprio autor protestante, como se pode


abusar facilmente do Livro Sagrado. Assim o fez Lutero, apegando-
se exclusivamente àqueles textos em que se mostra a fé como
necessária à salvação. Os protestantes de hoje reconhecem que
Lutero errou, pois não admitem mais aquela teoria absurda,
escandalosa e subversiva que foi pregada pelo iniciador da
Reforma, ou seja, a salvação pela fé e .

Mas continuam a apegar-se aferradamente aos mesmos textos e, o


que é mais grave ainda, em matéria de falsa interpretação,
arranjando-os, alterando-os ao seu modo.

Quem crê em Jesus (e se arrepende de seus pecados) se salva —


crê em Jesus (e arrepende-te dos teus pecados) e serás salvo — o
que crê no Filho (e se arrepende dos pecados) tem a vida eterna.

Não, caros amigos! Já que Vocês se aferram tão obstinadamente a


estes textos e não se dão nem ao trabalho de conferi-los com os
outros da mesma Bíblia, numa busca sincera da verdade, como era
sua obrigação, pelo menos deveriam ter a lealdade de não mexer
neles, de não alterá-los.

— Mas, dirão estes protestantes, nós não estamos alterando;


estamos apenas subentendendo uma palavra no texto de Cristo.

— Muito bem! Se subentendem juntamente com a palavra ,


que está no texto, a palavra - , que nele não se
encontra, por que não subentender também todas as outras
contradições que, segundo as palavras claras de Cristo, são
igualmente indispensáveis para a salvação? Os textos falam da fé
em Cristo, não é verdade? E fé em Cristo não é acreditar em todas
as palavras que Ele disse?
E que arranjos são estes com os textos da Escritura? Como é que
os textos que serviam ao Protestantismo no tempo de Lutero, de
Calvino e dos Primeiros Reformadores, para provar que só a fé é
quem salva, sem o arrependimento ser necessário, estes mesmos
textos servem agora ao mesmo Protestantismo para provar que
para a salvação é necessária a fé e é necessário também o
arrependimento, se estes textos não falam em arrependimento [8]?

Notas (pular)

[8] Temos visto protestantes que, tentando acobertar a incoerência do seu


sistema, querem agora valer-se de uma fórmula inteiramente imaginária: “A fé
e o arrependimento sempre andam juntos; são duas graças gêmeas. Quem
crê, se arrepende; quem se arrepende, crê”.

Mas isto não é verdade, ou se tome a fé no sentido protestante ou no sentido


católico. Que é a fé, segundo o conceito dos protestantes? É a confiança de
ser salvo por Jesus. Pode haver esta confiança de salvar-se, sem haver a
contrição. Será uma confiança , a de que Jesus nos salve sem
exigir de nós o arrependimento, mas uma confiança que excede os seus
justos limites. Aqueles que chegarão, no dia de juízo,
J , mas a quem o Divino Mestre dirá: Apartai-vos de mim os
que obrais a iniquidade (Mateus VII-23), por que serão condenados
eternamente, senão porque lhes faltou o arrependimento de seus pecados?
Bem como, pode haver o arrependimento sem haver esta confiança, como se
viu no caso de Judas que tocado de , tornou a levar as
trintas moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos (Mateus
XXVII-3) e no entanto levado pelo desespero, destituído de qualquer
confiança de salvar-se, retirou-se e foi-se pendurar de um laço (Mateus XXVII-
5).

Se se toma a fé no sentido católico, o de nas verdades reveladas,


também é evidente que esta fé pode existir sem o arrependimento, como é o
caso daqueles que creem nas verdades da fé sem ter coragem de deixar o
pecado; e o arrependimento pode existir sem a fé, é o que se observa
naqueles que detestam de coração seus próprios crimes e desatinos e têm
firme propósito de emenda, mas ainda não se abalançaram a acreditar em
todos os dogmas ensinados por Cristo. (voltar)
A fé que salva.

56. O que se mostra em tudo isto é que os protestantes não


entendem ou fingem não entender o que Cristo disse, quando
afirmou que aquele que nEle crê se salva, aquele que não crê se
condena. Cristo aí fala da fé. Mas a fé de que aí se faz menção não
é um mero sentimento que nasce no nosso íntimo e aí termina. Não.
Trata-se de um sentimento que é ao mesmo tempo um princípio de
atividade, uma fonte de virtudes e de boas obras. Pela fé é que
Abraão ofereceu a Isaque quando foi provado (Hebreus XI-17). Pela
fé é que Raab, que era uma prostituta, não pereceu com os
incrédulos, recebendo aos espias em paz (Hebreus XI-31). Pela fé
conquistaram reinos, obraram ações de justiça, alcançaram as
promessas (Hebreus XI-33).

Quando o católico procura, com a graça de Deus, vencer as suas


tentações, observar os mandamentos, convencido de que isto é
indispensável para a salvação, está fazendo um em
Jesus Cristo Legislador que lhe mandou cumprir com os
mandamentos; em Jesus Cristo, Justo Juiz que um dia o há de
julgar segundo as suas obras. Quando o católico se ajoelha aos pés
do seu confessor, faz um ato de fé não naquele homem que ali está,
mas um em Jesus Cristo que deu a homens por Ele
escolhidos e enviados, o poder de perdoar os pecados: Aos que vós
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós
os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (João XX-23). Quando o católico
purifica a sua consciência e se aproxima da Sagrada Comunhão é
que em vez de fazer como os judeus e os protestantes que dizem:
Duro é este discurso e quem no pode ouvir? (João VI-61), faz um
nas palavras de Cristo que disse: Minha carne
é comida; e o meu sangue é
bebida (João VI-56). Quando o católico se mostra submisso à Igreja,
faz um em Cristo que edificou a sua Igreja sobre a pedra
que era Pedro e prometeu que as portas do inferno não
prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18). Sim; é a fé que o salva.
Não, essa fé ilusória pela qual, alguém pensando ter-se salvado, já
por isto está salvo. Não a fé desacompanhada das obras que
demonstram a submissão à lei e aos preceitos de Cristo. Mas a fé
inspiradora das virtudes e das boas obras; a fé que domine toda a
sua vida, toda a sua atividade de cristão, pois o meu justo vive da fé
(Hebreus X-38).
Capítulo Quarto
O verdadeiro sentido da salvação pela fé
Introdução
Textos bíblicos sobre a salvação pela fé.

57. Agora que já fizemos uma ligeira exposição da doutrina católica


no capítulo segundo e mostramos, no capítulo terceiro, como
nasceu a teoria da salvação só pela fé, passamos a mostrar
diretamente como é falsa esta teoria, expondo a verdadeira
interpretação dos textos em que os protestantes pretendem apoiá-
la.

Vamos aos textos.

O Evangelho de S. Marcos nos mostra Jesus mandando os


Apóstolos a pregar o Evangelho por todo o mundo: Ide por todo o
mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura (Marcos XVI-15) e
acrescentando logo em seguida: O que e for batizado
; o que, porém, não crer será condenado (Marcos XVI-16).

Mas onde se encontram muitos textos sobre a salvação pela fé é no


Evangelho de S. João, que nos mostra Jesus dizendo: Assim amou
Deus ao mundo, que lhe deu a Seu Filho Unigênito, para que
E não pereça, mas ; porque
Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas
para que o mundo seja salvo por Ele. Quem nEle
, mas o que não crê já está condenado, porque não crê
no nome do Filho Unigênito de Deus (João III-16 a 18). Mais
adiante, no fim do mesmo capítulo 3º: O que no Filho
; o que, porém, não crê no Filho não verá a vida, mas
sobre ele permanece a ira de Deus (João III-36).
Na capítulo 5º: Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a
minha palavra e nAquele que me enviou, a e
não incorre na condenação, mas passou da morte para a vida (João
V-24).

No capítulo 6º: A vontade de meu Pai que me enviou é esta: que


todo o que vê o Filho e nEle, ; e eu o
ressuscitarei no último dia (João VI-40). Uma palavra semelhante
diz Jesus a Marta, pouco antes da ressurreição de Lázaro: Eu sou a
ressurreição e a vida; o que em mim, ainda que esteja morto,
viverá; e todo o que vive e em mim
(João XI-25 e 26). Ainda no capítulo 6º: O que
em mim (João VI-47).

Nos Atos dos Apóstolos se lê que, enquanto Paulo e Silas estavam


na prisão, o carcereiro, tendo visto os fenômenos extraordinários
que se deram à meia-noite quando ambos se entregavam à oração,
lhes perguntou: Senhores, que é necessário que eu faça para me
salvar? (Atos XVI-30). A resposta foi esta: no Senhor Jesus, e
tu e a tua família (Atos XVI-31).

No primeiro capítulo da Epístola aos Romanos se leem estas


palavras de S. Paulo: Eu não me envergonho do Evangelho,
porquanto a virtude de Deus é para dar a a o que
(Romanos I-16). E na mesma Epístola se lê mais adiante, com
referência a Jesus: Todo o que E
(Romanos X-11). Frase esta que se lê também na 1ª Epístola de
S. Pedro, em que se fala sobre Jesus, que é a pedra angular da
Igreja: Eis aí ponho eu em Sião a principal pedra do angulo,
escolhida, preciosa; e o que nela (1ª
Pedro II-6).

Há ainda outros textos (todos de S. Paulo) alegados também pelos


protestantes em favor de sua teoria; nós os examinaremos, um por
um, nos três capítulos seguintes, porque todos eles só podem ser
estudados no seu respectivo contexto [9].
Quanto aos textos deste capítulo, o leitor está vendo logo que são
muitos, mas exprimem exatamente a mesma coisa:

Quem crê em Cristo se salva; quem não crê se condena.


Crê em Jesus e serás salvo.
Quem nEle crê não perece, mas tem a vida eterna.
Quem nEle crê não é confundido.

Notas (pular)

[9] O texto de S. João: A obra de Deus é esta, que creiais nAquele que Ele
enviou (João VI-29) será comentado especialmente no nº 301, quando
falarmos sobre a Eucaristia; aí faremos um demorado estudo sobre o capítulo
VIº de S. João (nos 298 a 317). (voltar)

Doutrina protestante e doutrina católica.

58. Nos textos acima apresentados se baseiam os protestantes


para tentar provar a salvação . Mas caem logo em
manifesta contradição, pois enquanto procuram firmar-se nestes
textos para dizer que a fé é que salva e nada mais, ao mesmo
tempo asseveram que para a salvação é indispensável o
. E no entanto já mostramos no capítulo anterior
que salvação pelo arrependimento é salvação pelas obras.

Os que não querem cair nesta contradição e afirmam que para o


perdão dos pecados o arrependimento não é necessário, ensinam
uma doutrina ímpia, imoral e escandalosa, tal qual ensinou Lutero.

Isto, porém, não é obstáculo para que uns e outros se aferrem aos
citados textos, desprezando os demais: continuam a pregar com
eles a salvação só pela fé, afirmando que a salvação não depende
das obras do indivíduo, nem direta, nem indiretamente, porque é
dada inteiramente de graça para aquele que crê. Daí afirmarem
abertamente que já estão salvos, porque estão convencidos de que
creem em Jesus Cristo. Se creem ou não, isto veremos mais
adiante (nº 364). Quanto às boas obras, já não falam como Lutero
que dizia serem elas inúteis ou mesmo nocivas à salvação. Dizem
os protestantes de hoje que as boas obras são um meio de exercitar
a fé, são um fruto ou consequência da salvação: o indivíduo que já
está salvo pela fé pratica boas obras, mas as boas obras não são
da salvação.

A distinção é sutil, capciosa e, sobretudo, confusa para se ensinar


ao povo, que precisa saber de uma maneira límpida e clara o que
deve fazer e o que não deve fazer para ganhar o Céu. Mas o
Protestantismo não está ligando muita importância a isto: discordar
da Igreja Católica é todo o seu gosto e prazer.

A fórmula protestante encerra uma linguagem duvidosa e geradora


de confusões: “As boas obras são uma consequência da fé: aquele
que já está salvo pela fé, pratica boas obras”.

Mas consequência, de que modo? Consequência livre, no sentido


de que aquele que tem fé praticará as boas obras que bem
entender? Isto não se admite. Se Deus nos impôs 10 mandamentos,
não está em nosso poder fazer uma escolha entre eles, não nos é
lícito nem ao menos escolher nove mandamentos e rejeitar um só;
quem peca contra um só mandamento que seja, peca contra toda a
lei, pois se rebela contra Deus, Senhor Supremo, que é o Autor de
toda a lei: Qualquer que tiver guardado toda a lei e faltar em um só
ponto, fez-se réu de ter violado todos (Tiago II-10).

Consequência necessária, no sentido de que aquele que tem fé, já


não peca mais e só pratica boas obras? Ninguém é tolo para
acreditar nisto. A experiência de cada dia nos demonstra que não
existe sobre a face da terra nenhum homem impecável: Todos nós
tropeçamos em muitas coisas (Tiago III-2). Aquele, pois, que crê
estar em pé veja não caia (1ª Coríntios X-12).

Consequência necessária, no sentido de que qualquer ação, seja


boa, seja má, praticada por aquele que tem fé se torna uma obra
boa? Mas isto seria o maior dos absurdos. Como é que Deus vai
considerar obras boas o roubo, a injustiça, o adultério, o falso
testemunho pela simples fato de serem praticados por um homem
que tem fé? Muito pelo contrário: se estes pecados já são graves
para o pagão que não conhece a Cristo, mais graves ainda se
tornam para o cristão, esclarecido pelas luzes da fé.

Consequência necessária, no sentido de que aquele que tem fé se


sente forçosamente na obrigação de observar os mandamentos e
praticar boas obras? Mas isto é a pura doutrina católica; neste caso
os mandamentos são tão obrigatórios como a própria fé. Sua
observância é indispensável para a conquista do Céu. Não se trata
mais, portanto, de salvação pela fé sem as obras.

Nós, católicos, afirmamos que para o homem salvar-se, para ganhar


o Céu, não só é necessária a fé em Cristo; é necessária também a
observância dos mandamentos, pelo amor de Deus e do próximo,
indispensável para a salvação. Não é a fé sem as obras que salva; é
a fé acompanhada das obras, a fé (Tiago
II-22), como se expressou S. Tiago.

Se se exige o arrependimento dos pecados para o pecador receber


o perdão, isto é porque ele, desviando-se da obrigação dos
mandamentos, se afastou do caminho do Céu. Dizendo, porém, que
a fé salva com as obras, não afirmamos que o homem realiza estas
obras, sozinho, por suas próprias forças naturais; realiza-as, sim,
ajudado com a graça de Deus, a qual Deus dá a todos; ao que faz o
que está ao seu alcance, Deus não nega a sua graça, porém a
graça é necessária, não só para a fé, mas para a observância dos
mandamentos, como também para fazer qualquer ato bom meritório
para a vida eterna (nos 24 a 26). Em suma, existe na obra da
salvação a parte de Deus e a nossa. A nossa parte não consiste só
na fé, mas também nas obras, na observância dos mandamentos,
embora que para isto precisamos que Deus nos ajude. Se
cooperamos com a sua graça, pela fé e pela observância dos
mandamentos de Jesus, e morremos em estado de graça
santificante, seremos salvos. Se com ela não cooperamos e
morremos em estado de pecado mortal, seremos condenados. A
salvação é, portanto, efeito da graça e das nossas obras, da nossa
cooperação, ao mesmo tempo.

Método para a interpretação dos textos.

59. Temos agora que nos entregar, de corpo e alma, à interpretação


dos textos acima alegados, que se podem resumir no seguinte:

Crê em Jesus e serás salvo, pois quem não crê em Jesus será
condenado.

O que é - não precisa de explicação.

Salvar-se é livrar-se do inferno, da condenação eterna; é morrer


com o direito de ir para o Céu, de participar da vida eterna, vendo a
Deus, não por espelho ou em enigmas, porém face a face, como
dizem as Escrituras; direito do qual se vai gozar ou imediatamente
ou após a temporária purificação no purgatório.

Para bem penetrarmos no sentido dos textos apresentados, temos,


sim, que fazer uma ideia bem clara do que seja .

E assim veremos:

1º O que é
2º O que devemos
3º Como devemos

Expondo estas 3 partes, não nos valeremos de ideias, nem


interpretações nossas, a Bíblia será sempre a nossa mestra e a
nossa guia.
O que é CRER
A concepção de Lutero.

60. Quem não sabe o que é crer? Quem não entende o que quer
dizer crer em Cristo? É aceitar como verdadeiro, abraçar e professar
tudo o que Cristo ensinou; qualquer criança sabe disto. Que
necessidade há de fazermos uma longa dissertação sobre este
assunto?

Sim; não haveria necessidade, se Lutero e os protestantes não


houvessem confusamente adulterado esta noção. Lutero, como
sabemos, quis ir buscar nas Escrituras a certeza absoluta de que
estava salvo folgadamente, sem ter que continuar naquela luta
tremenda contra as tentações. Gostou muito daqueles textos em
que se diz que quem crê em Cristo se salva. Mas, se fosse tomar a
palavra no sentido de convencer-se de todas as palavras de
Jesus, isto iria dar novamente num ponto que ele não queria, porque
Cristo se mostrou não só um Salvador, mas também um Legislador.
Daí a alteração que faz no sentido da palavra : Crer em Cristo
é crer que eu estou salvo, certamente salvo, e salvo por Cristo; é,
portanto, confiar em Cristo, como em meu Salvador.

Todo o mundo percebe logo a adulteração que se está fazendo aí da


noção de .

Que Cristo é meu Salvador é de fé, está na Bíblia. Mas a mesma


Bíblia nos mostra que uns se salvam, outros se condenam, o que
não impede que Cristo seja o Salvador de , é sinal apenas de
que muitos não se sabem aproveitar da salvação que a todos é
oferecida por Cristo. E irão estes para o suplício eterno, e os justos
para a vida eterna (Mateus XXV-46). Que uns se salvam, outros se
condenam é de fé; que eu, Martinho Lutero; que eu, Lúcio Navarro;
que eu, Fulano de tal, me salvo com toda certeza, isto não é objeto
de , porque não foi revelado. Não é o fato de sugestionar-me a
mim mesmo de que estou salvo que me dá a salvação, pois o que a
Bíblia nos diz é que Cristo é o autor da salvação eterna para
L (Hebreus V-9). Posso ter esperança firme de
salvar-me. Mas aí já se trata de outra virtude diferente: a virtude da
esperança. E é a própria Bíblia quem no-las apresenta como
virtudes diversas: Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a
caridade, estas virtudes; porém a maior delas é a caridade (1ª
Coríntios XIII-13). Sejamos sóbrios, estando vestidos da couraça da
e da e tendo por elmo (1ª
Tessalonicenses V-8). Sois fiéis em Deus, o qual O ressuscitou dos
mortos e Lhe deu glória, para que a vossa e a vossa
fosse em Deus, fazendo puras as vossas almas na obediência da
(1ª Pedro 1-21 e 22).

Um texto da epístola aos hebreus.

61. Os argumentos que apresentam os protestantes, para confundir


uma virtude com outra, são muito fracos diante de tantos textos da
Bíblia que vamos daqui a pouco apresentar para mostrar o legítimo
sentido da palavra . Apelam para o texto de S. Paulo: É pois, a
fé, a substância das coisas que se devem , um argumento
das coisas que não aparecem (Hebreus XI-1). É claro que há uma
relação íntima entre a esperança e a fé, pois a fé apresenta matéria,
objeto, quase diríamos assunto para a esperança. Se espero o Céu,
é porque a fé me dá certeza de que este Céu existe; é por isto que
S. Paulo diz que a fé é a substância das coisas que se devem
esperar, não se esquecendo logo de acrescentar: um argumento,
uma demonstração, uma prova daquelas coisas que não aparecem,
que não se veem. E se ele diz um argumento, uma demonstração
(que é este o sentido da palavra , aí empregada no texto
grego: , isto é, o ato de argumentar, de convencer, de
persuadir, de demonstrar), é porque a fé não é um mero sentimento;
é, sobretudo, um ato da inteligência que se convence da verdade. E
neste mesmo trecho, cinco versículos mais adiante, diz S. Paulo:
Sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que o
que se chega a Deus creia que há Deus e que é remunerador dos
que o buscam (Hebreus XI-6). Aí S. Paulo nos diz que para agradar
a Deus precisamos ter fé; depois mostra em que consiste esta fé
D ; não se trata da esperança
ou da certeza de que seremos salvos; trata-se de, pelo menos,
a 2 coisas (uma vez que nem todos chegam a ter
conhecimento da doutrina do Evangelho), de dar o nosso
assentimento a duas verdades: 1º Deus existe; 2º Deus é justo e
recompensa aqueles que O buscam.

Outro engano.

62. Apresentam também outro argumento que nada prova. A


algumas pessoas que alcançaram curas corporais, Nosso Senhor
lhes fez ver que foi por causa de sua fé que conseguiram aqueles
milagres. Assim disse à mulher que padecia do fluxo de sangue:
Filha, a tua fé te salvou: vai-te em paz e fica curada do teu mal
(Marcos V-34). A mesma frase: A tua fé te salvou — Jesus disse ao
cego de Jericó (Lucas XVIII-42) e ao leproso que voltou para
agradecer (Lucas XVII-19). Ora, dizem os protestantes, aquelas
pessoas vieram com toda a confiança de que Jesus as curaria;
Jesus chama a esta confiança, fé; logo, fé é confiança.

É fácil mostrar onde está o engano deste raciocínio. Aquela fé que


traziam os cegos, doentes, leprosos etc., quando vinham ter aos pés
de Jesus, se compunha de 2 elementos. Eles vinham, certos,
convictos de 2 coisas:

1º Jesus queria curá-los;


2º Jesus podia curá-los.

Ora, a convicção de que Jesus curá-los não causa nenhuma


admiração. Não admira que um homem, mesmo sendo mau e
perverso, se prontificasse a curar um cego, um leproso etc, se
soubesse que bastaria uma palavra sua para livrá-lo daquele triste
estado. Querer curá-los, qualquer homem quereria; mas poder curar
aquilo que é por sua natureza incurável — aí é que está o difícil. A
convicção de que Jesus queria curá-los era confiança, mas uma
confiança natural, que facilmente se explica; a convicção de que
Jesus , isto era a convicção de uma verdade: que Jesus era
Deus ou, pelo menos, um Enviado de Deus, o Messias Prometido,
porque estava a seu alcance fazer o que quisesse. É sempre a
aceitação de uma verdade.

A prova está aqui: Aos dois cegos que seguiam atrás dEle dizendo:
Tem misericórdia de nós, Filho de Davi, Jesus não pergunta: Tendes
confiança de que eu quero curar-vos? Sua pergunta é esta: Credes
que vos fazer isto a vós outros? (Mateus IX-28) e quando
eles respondem Sim, Senhor, Jesus lhes diz: Faça-se-vos, segundo
a vossa (Mateus IX-29). E no capítulo anterior, S. Mateus nos
narra que, quando Jesus desceu do monte, muita gente o seguiu;
veio ao encontro dEle um leproso, e como é que esse leproso
exprime a sua fé? É com esta palavra: Se tu queres, Senhor, bem
me alimpar (Mateus VIII-2). Parece não estar muito certo de
que o Mestre quer, pois talvez ele não o mereça; está, porém,
certíssimo de que o Mestre pode.

O centurião vem pedir a Jesus a cura do criado e o Mestre lhe diz


imediatamente: Eu irei e o curarei (Mateus VIII-7). Até aqui nenhuma
admiração de Jesus pelo fato de ter vindo o centurião à sua
presença. Mas, quando o centurião Lhe faz ver que não é
necessário que Jesus vá à casa dele, pois curar de longe
mesmo: Senhor, eu não sou digno de que entres na minha casa;
porém manda-o só com a tua palavra e o meu criado será salvo
(Mateus VIII-8) diz o Evangelho o que aconteceu: Jesus, ouvindo-o
assim falar, admirou-se e disse para os que O seguiam: Em verdade
vos afirmo que não achei tamanha em Israel (Mateus VIII-10). A
fé, portanto, dos que recorriam a Jesus era sobretudo a convicção
de que Jesus podia fazer o milagre e, se podia, é porque era um
Enviado de Deus, pois, como disse Nicodemos: Ninguém pode fazer
estes milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele (João III-
2).
A cananeia.

63. Não faz exceção a esta regra a própria cananeia, que nos legou
um tão notável exemplo de confiança.

A semelhança do que no exame faz o mestre com o ótimo discípulo,


“espichando-o” bastante para que se saia com brilhantismo, Nosso
Senhor procurou pôr em prova as virtudes da cananeia.

Ela vem pedir-Lhe um milagre, mas Jesus não dá resposta. Insiste


aos gritos atrás dEle, a ponto de azucrinar os Apóstolos que,
impacientes, dizem a Jesus: Despede-a, porque vem gritando atrás
de nós (Mateus XV-23).

Jesus diz: Eu não fui enviado senão às ovelhas que pereceram da


casa de Israel (Mateus XV-24). E quando a mulher O adora,
dizendo: Senhor, valei-me, Jesus lhe dá uma resposta um bocado
dura: Não é bom tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães (Mateus
XV-26). Mas a cananeia responde calmamente: Assim é, Senhor;
mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da
mesa de seus donos (Mateus XV-27). Sem falarmos no amor
materno, que a faz, tão solícita, tudo enfrentar pela cura da filha,
quantas virtudes mostra a mulher com esta réplica tão suave! Dá um
exemplo de , porque responde com
respeito e, ao mesmo tempo, com lógica, fazendo reverter em seu
favor as próprias palavras de Jesus; de , porque, se fosse
uma mulher afobada, se tomaria logo de raiva e deitaria tudo a
perder; de , porque se conforma em ser equiparada a
uma cadelazinha, em comparação com os judeus que são
considerados como filhos; de , porque
insiste em pedir, mesmo quando já recebeu uma resposta negativa.
Por conseguinte não foi só de confiança, que ela nos deu um
admirável exemplo! Se Jesus quisesse fazer o seu elogio completo,
teria muita coisa que dizer. Preferiu elogiar-lhe a fé: Ó mulher,
grande é a tua fé; faça-se contigo como queres (Mateus XV-28). De
todas aquelas virtudes a base era fé, porque, se ela se portou com
tanta prudência, paciência, humildade e perseverança diante de
Jesus, é porque sabia que estava diante do Messias Prometido, a
quem ela chamou: Senhor, filho de Davi (Mateus XV-22), estando
certa, portanto, da missão divina de Jesus.

Não há dúvida que a fé vem sempre acompanhada de um certo


sentimento de confiança: quem , é porque
naquele que revela. E se nos textos evangélicos que nos falam das
curas por Jesus realizadas, se resume sob o nome de fé um
complexo sentimento daqueles que vinham em busca de milagres,
sentimento este que era adesão a Cristo, incluindo também a
confiança e até alguma coisa mais como no caso da cananeia e não
só a fé, no sentido em que a distinguimos das demais virtudes, não
há aí nenhuma confirmação da doutrina protestante, pois daí não se
conclui de forma nenhuma que devamos ter uma mera fé-confiança,
sem cuidar de aderir seriamente com a inteligência às verdades
reveladas. Sem esta adesão da inteligência é que não pode haver fé
de maneira alguma. E se podemos ter confiança de nos salvarmos,
é só nas bases e sob as condições em que o plano da salvação nos
é apresentado pela doutrina infalível de Jesus Cristo no Novo
Testamento.

O caso do paralítico.

64. Mas os protestantes apresentam as palavras de Jesus ditas ao


paralítico: Filho, tem confiança; perdoados te são teus pecados
(Mateus IX-2), tentando provar com elas que basta a confiança para
obter o perdão dos pecados e, por consequência, a salvação.

O argumento não prova coisa alguma.

Eis aí um belo exemplo para se mostrar, numa aula de português,


quanto pode às vezes influir no sentido de uma frase a partícula ,
que tantas outras vezes a gente pode colocar ou suprimir, sem
alterar, de maneira alguma, o sentido.
Se eu digo: O sol, a lua, as estrelas foram criados por Deus, posso
acrescentar o E, sem sofrer alteração o sentido da frase: O sol E a
lua E as estrelas foram criados por Deus.

Mas, se Jesus Cristo tivesse dito: — Filho, tem confiança, E


perdoados são teus pecados — os protestantes teriam razão: Nosso
Senhor estaria dizendo que bastava ao paralítico ter confiança para
receber o perdão de suas culpas. Nesse caso os escribas não
teriam estranhado a palavra do Mestre; não teriam pensado: Este
blasfema (Mateus IX-3), porque assim Jesus não estaria dizendo
que perdoara os pecados ao paralítico, mas aconselhando-o a que
tivesse confiança, pois Deus lhe perdoaria, caso esta confiança não
lhe faltasse.

Mas Nosso Senhor disse: Filho, tem confiança; perdoados te são


teus pecados (Mateus IX-2). No mesmo segundo em que o
aconselha a ter confiança, lhe está já anunciando que os
seus pecados.

Havia, entre os judeus, a convicção de que as enfermidades


corporais eram castigos de pecados. Relacionavam com esta
crença as palavras dos Salmos: Se seus filhos abandonarem a
minha lei e não andarem nos meus preceitos, se violarem as minhas
justiças e não guardarem os meus mandamentos, visitarei com vara
as suas maldades e com açoites os seus pecados (Salmos
LXXXVIII-31 a 33). E uma amostra de que tinham esta convicção
está na pergunta que fizeram a Jesus os seus discípulos, diante do
cego de nascença: Mestre, que pecado fez este, ou fizeram seus
pais, para nascer cego? (João IX-2).

Jesus, que lia perfeitamente nos corações, bem sabia que


perturbação, que ansiedade reinava na alma do paralítico: este
desejava ardentemente a cura, mas seus pecados não seriam um
obstáculo para isto? Jesus o tranquiliza, fazendo-lhe ver que não há
motivo de receio quanto aos pecados, eles já foram absolvidos:
Filho, tem confiança; perdoados te são teus pecados (Mateus IX-2).
No ânimo triste e acabrunhado do paralítico, a palavra de Jesus
deve produzir o mais benéfico e salutar efeito: é preciso que ele
esteja confiante de que alcançará a cura do corpo, pois até a própria
cura da alma já lhe foi concedida.

Querer basear-se neste texto para provar que a confiança na


salvação é a condição exclusiva para remissão dos pecados, é
inteiramente fora de propósito: 1º porque a confiança, a que Jesus
aí se refere, não é a confiança na salvação eterna, é a confiança na
libertação daquela cruel enfermidade; 2º porque esta confiança aí já
se mostra não como causa, mas como da remissão dos
pecados concedida ao paralítico.

Noção legítima de fé.

65. Desfeita a ilusão protestante, que pretende confundir a fé com a


esperança, vejamos o que significa a palavra .

Quando dizemos a uma pessoa: Creio em Você, significamos com


isto que aceitamos como sendo verdadeiro o que esta pessoa nos
está dizendo, disto estamos convictos, embora nada tenhamos visto
nem presenciado, porque estamos certos de que a referida pessoa
não é capaz de nos enganar.

Aqui, neste assunto de crença religiosa, crer é estar convicto das


verdades reveladas, não porque foi a nossa razão que nos disse
que era assim, mas porque Deus o disse, e Deus não nos engana,
nem pode enganar-se: Se nós recebemos o testemunho dos
homens, o testemunho de Deus é maior (1ª João V-9).

Deus merece todo o nosso crédito, porque é a Suma Verdade; e


aparecendo Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, Deus se
encarregou de dar o testemunho em favor de Jesus Cristo,
mostrando que suas palavras eram palavras de Deus e mereciam
toda a nossa aceitação: Este é aquele meu filho especialmente
amado; -O (Lucas IX-35). Este é o meu Filho amado, no qual
tenho posto toda a minha complacência (Mateus III-17).

O testemunho de Deus a favor de Jesus não foi dado somente por


palavras, mas também pelos milagres, obras divinas, que por Jesus
foram realizadas: As obras que eu faço em nome de meu Pai, elas
dão testemunho de mim (João X-25). Se eu não faço as obras de
meu Pai, não me creiais; porém se eu as faço, e quando não
queirais crer em mim, crede as minhas obras, para que conheçais e
creiais que o Pai está em mim, e eu no Pai (João X-37 e 38).

Tendo Jesus a seu favor o testemunho divino, crer em Jesus é o


mesmo que crer em Deus; duvidar de Jesus é duvidar de Deus: A
minha doutrina não é minha; mas é dAquele que me enviou (João
VII-16). O que me enviou é verdadeiro; e eu o que digo no mundo é
o que dele aprendi (João VIII-26).

Se cremos na doutrina de Jesus, cremos também que Ele é Deus e


igual ao Pai: Eu e o Pai somos uma mesma coisa (João X-30).

Crer ou não crer.

66. Crer em Jesus é, portanto, aceitar como verdade tudo o que


Jesus nos ensinou; uma vez que Ele é o Filho de Deus, igual ao Pai,
temos que reconhecer como verdadeiro tudo o que Ele disser, ainda
que seja um mistério, ainda que o não possamos compreender. Isto
se mostra claramente no capítulo 6º de S. João, onde se vê um
choque entre Jesus e os judeus que nEle não querem crer.

Jesus lançou perante os judeus a seguinte afirmação: Em verdade,


em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem
e beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós. O que come a
minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o
ressuscitarei no último dia, porque a minha carne
é comida; e o meu sangue é bebida (João VI-54
a 56).
O que significam estas palavras? Depois teremos ocasião de
explicar (nos 307 a 309). Por enquanto, pode o leitor perguntar a
qualquer um desses protestantes que andam por aí, ilustríssimos,
sapientíssimos e entusiasmadíssimos intérpretes das Sagradas
Escrituras, o que quer dizer: comer a carne de Cristo, beber o
sangue de Cristo. Se ele disser que significa crer em Cristo, peça-
lhe que prove, por especial obséquio, com citações da Bíblia ou de
qualquer escritor do mundo, que comer a carne de uma pessoa é o
mesmo que crer nela; beber o seu sangue é o mesmo que fazer um
ato de fé. O que é fato é que os ouvintes, como não podia deixar de
ser, tomaram as palavras de Cristo no sentido de que Ele falava em
dar mesmo a sua carne para comer, o seu sangue para beber.
Cristo falava sério, não estava brincando, porque Ele nunca falou
brincando, nem para enganar a ninguém.

Qual a reação que aquelas palavras do Mestre produziram entre os


seus ouvintes? Uns pensaram assim: Jesus não erra, não mente,
não engana, Ele tudo pode fazer, porque o poder de Deus está nEle,
se Ele disse que dará sua carne para comer, é porque vai dar
mesmo. Outros, porém, acharam isto impossível e absurdo: Como
pode este dar-nos a comer a sua carne? (João VI-53). Duro é este
discurso e quem no pode ouvir? (João VI-61). Jesus se queixa de
sua incredulidade: Há alguns de vós outros que não (João
VI-65). Porque bem sabia Jesus desde o princípio quais eram os
que não (João VI-65).

Trata-se aqui, portanto, deste assunto: ou . Mas crer


ou não crer não é, no caso, confiar ou não confiar em que se vai
para o Céu mas: na revelação tão
espantosa que Jesus acabara de fazer, isto é, que daria sua própria
carne para comer, seu próprio sangue para beber (veja-se nº 316).
Não resta a menor dúvida. E tão obstinados ficaram aqueles em não
crer em Jesus, que O abandonaram de vez: Desde então se
tornaram atrás muitos de seus discípulos e já não andavam com Ele
(João VI-67).
Jesus volta-se então para os doze. Quererão eles ir embora
também, pelo fato de acharem impossível Jesus dar a sua carne
para comer, o seu sangue para beber? Quererão eles, também,
dizer: Não creio; não Vos sigo mais? Simão Pedro, o primeiro dos
Apóstolos, chefe de todos eles, se encarrega de falar em seu nome
e em nome de todos: Senhor, para quem havemos de ir? Tu tens
palavras de vida eterna; e nós temos e conhecido que tu és o
Cristo, Filho de Deus (João VI-69 e 70). Primeiro creram sem ter
visto os grandes prodígios; depois à vista dos grandes milagres e
pela convivência com o Mestre, conheceram ainda melhor que
Jesus é o Filho de Deus, e, portanto, infalível.

Aqui vemos claramente o que o Evangelho entende pela palavra


. Crer não é lançar-me aos pés de Jesus e procurar
sugestionar a mim mesmo que eu, pessoalmente, eu, Fulano de tal
estou salvo, infalivelmente salvo. Crer é aceitar tudo o que Jesus
disse, mesmo que isto se me afigure dificílimo, incompreensível,
misterioso, impossível aos meus olhos; se Ele diz, é porque está
certo; se Ele diz que faz, é porque faz mesmo. E o fundamento da fé
é magistralmente apresentado por S. Pedro: Jesus não pode mentir,
não pode enganar a ninguém, porque é o Cristo, Filho de Deus e,
como tal, tem palavras de vida eterna.

Crer em Cristo, Filho de Deus.

67. Cristo ensinou muitas coisas, quando andava neste mundo.


Para exprimir a nossa fé em tudo o que Ele ensinou, a gente não
precisa relembrar, um por um, todos os seus ensinamentos, pode
resumir tudo isto num só artigo: Creio que Jesus é o Filho de Deus;
crendo na divindade de Cristo temos que crer necessariamente em
tudo o que Ele disse.

Assim resumida foi a profissão de fé que fez Marta, a irmã de


Lázaro. Jesus lhe diz: Eu sou a ressurreição e a vida; o que crê em
mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo o que vive e crê em mim
não morrerá eternamente. Crês isto? (João XI-25 e 26). Marta Lhe
responde: Sim, Senhor, eu já estou na de que tu és o
Cristo, Filho de Deus Vivo, que vieste a este mundo (João XI-27).

Nestas palavras estava logicamente incluída a fé em todo o ensino


de Jesus; embora Marta não conhecesse perfeitamente todos os
dogmas do Cristianismo, contudo neles cria implicitamente, porque
cria em Jesus que os ensinou.

Um exemplo pitoresco e edificante da disposição de crer em tudo o


que Jesus disser, se vê no cego de nascença a quem o Mestre
concedeu a vista e, dias depois, perguntou: Tu no Filho de
Deus? (João IX-35). O cego não sabe ainda quem é o Filho de
Deus; mas o que Jesus disser, ele acredita. Aponte Jesus quem é o
Filho de Deus e ele está disposto a aceitá-Lo. Quem é Ele, Senhor,
para eu crer nEle? Disse-lhe, pois, Jesus: Até já tu O viste, e é
Aquele mesmo que fala contigo. Então respondeu ele: ,
Senhor. E prostrando-se, O adorou (João IX-36 a 38).

Jesus, sendo o Filho Unigênito do Pai (João I-14) é


necessariamente cheio de graça e de (João I-14) e bem
pode dizer: Eu sou o caminho e a e a vida (João IV-6). Por
isto, só podia ser exato o que Lhe disseram os fariseus, embora não
o dissessem com reta intenção: És , e ensinas o
caminho de Deus pela (Mateus XXII-16). Seria absurdo,
portanto, pensar que crer que Jesus é o Filho de Deus quer dizer
somente, crer na divindade ou na divina missão de Jesus e nada
mais, sem tirar daí a conclusão lógica, inevitável, imperiosa de que é
necessário crer tudo o que Jesus disser.

Crer no evangelho.

68. A Bíblia tem outra expressão para resumir numa só palavra o


objeto da nossa fé: temos obrigação de crer no Evangelho.

O Evangelho é o conjunto de toda a doutrina ensinada por Cristo.


Quando falamos em Evangelho, logo nos lembramos dos quatro
livros que nos narram a vida de Cristo e que têm este título. Mas a
palavra já era empregada por Cristo antes de existirem os livros, os
quais só foram escritos alguns anos depois que Cristo morreu. É
precisamente porque estes livros trazem esta doutrina que tomaram
tal nome. Crer no Evangelho é crer na doutrina pregada por Jesus e
pelos Apóstolos, doutrina esta que ou está encerrada nos livros do
Novo Testamento, ou foi transmitida oralmente aos primeiros
cristãos (2ª Tessalonicenses II-14, III-6; 2ª Timóteo I-13 e 14).

Diz o Evangelho de S. Marcos: Depois que João foi entregue à


prisão, veio Jesus para Galileia, pregando o do reino de
Deus e dizendo: Pois que o tempo está cumprido e se apropinquou
o reino de Deus, fazei penitência e no (Marcos I-
14 e 15).

E é depois de dizer aos Apóstolos: Ide por todo o mundo; pregai o


a toda a criatura (Marcos XVI-15), que Jesus lhes diz: O
que e for batizado será salvo; o que, porém, não será
condenado (Marcos XVI-16). Não é, portanto, a crença só nesta ou
naquela verdade, muito menos a impressão de que estamos salvos
por Jesus, embora sem o merecermos; é a crença em toda a
doutrina de Jesus, a qual é pregada pelos Apóstolos, que é exigida
para a salvação.

E S. Pedro diz no Concílio de Jerusalém: Vós sabeis que desde os


primeiros dias ordenou Deus entre nós que da minha boca ouvissem
os gentios a palavra do e que a (Atos XV-7), o
mesmo S. Pedro que diz na sua 1ª Epístola: Qual será o paradeiro
daqueles que não no de Deus? (1ª Pedro IV-17).

Fé particularizada.

69. Vamos ver outras passagens da Bíblia em que aparece a


palavra , sempre no sentido de dar crédito àquilo que nos
dizem, aceitar uma verdade que nos é proposta.
O Anjo Gabriel anuncia a Zacarias que Isabel conceberá um filho.
Zacarias não acredita: Por donde conhecerei eu a verdade dessas
coisas? porque eu sou velho e minha mulher está avançada em
anos (Lucas I-18). O anjo lhe diz: Desde agora ficareis mudo e não
poderás falar até o dia em que estas coisas sucedam, visto que não
deste crédito às minhas palavras (Lucas I-20). Ao contrário Maria
SSma, que não duvidou das palavras do Anjo, quando este lhe
anunciou a Encarnação do Verbo, é elogiada por S. Isabel: Bem-
aventurada tu, que , porque se hão de cumprir as coisas que
da parte do Senhor te foram ditas (Lucas I-45). Maria SSma é
enaltecida, porque creu — mas não se trata aí de crer que estava
salva — e sim crer que, embora virgem, seria mãe, conforme lhe foi
anunciado peio Anjo.

S. Tiago fala em crer na existência de um só Deus: Tu que há


um só Deus. Fazes bem; mas também os demônios e
estremecem (Tiago II-19). Trata-se aí de ; mas não é
esperança de salvação, pois se diz que até os demônios creem
(embora saibam que não podem salvar-se).

Não podemos falar nesta questão de crer ou não crer, sem que nos
venha à lembrança o episódio de S. Tomé, a quem Nosso Senhor
disse: Tu , Tomé, porque me viste; bem-aventurados os que
não viram e (João XX-29). De que se tratava então? Da
confiança de que seria salvo por Jesus? Não; tratava-se do crédito
dado às palavras daqueles que lhe deram notícia de um fato: o fato
da Ressurreição do Mestre.

Crer é, portanto, aceitar como verdadeira a palavra de alguém: Veio


João a vós no caminho da justiça e não o ; e os publicanos
e as prostitutas o ; e vós outros, vendo isto, nem ainda
fizestes penitência para o (Mateus XXI-32). Se vós
a Moisés, certamente me também a mim, porque
ele escreveu de mim. Porém se vós não dais crédito aos seus
escritos, como dareis crédito às minhas palavras? (João V-46 e 47).
Jesus aí exige dos judeus que creiam nEle com a mesma fé com
que deveriam crer em Moisés. Porventura a crença em Moisés era
de que Moisés os salvava, os levava para o Céu de
qualquer maneira? Não; a crença que deveriam ter em Moisés era,
como diz o próprio Divino Mestre, às suas palavras,
aos seus escritos.

Não há dúvida que, entre os ensinamentos de Jesus, estão a vida


eterna, a remissão dos pecados, a salvação que Ele realizou na
cruz, porém muitas outras verdades, inclusive as obrigações que
Cristo nos impôs, também estão incluídas nestes ensinamentos.

Crer em Jesus é , seja quando Ele nos


faz uma promessa (daí a base em que se firma a nossa
), seja quando nos anuncia qualquer verdade (daí o
fundamento da nossa ). Por que é que acreditamos nEle
quando nos faz as suas promessas de vida eterna? Porque Ele não
se engana e nem quer, nem pode enganar-nos. E justamente este o
motivo que nos obriga a aceitar tudo o que Ele nos ensina. A
posição que tomam os protestantes, colocando a fé salvadora
no ficarmos convictos de suas promessas, sem
incluir neste conceito o crédito que havemos de dar a
, sem irmos verificar nestas infalíveis palavras em
que condições a promessa nos é feita, é uma interpretação
mesquinha, interesseira, ofensiva ao Divino Mestre e sem nenhum
fundamento. Não há nenhum texto da Bíblia pelo qual nos provém
que a fé salvadora consiste só , teoria esta que
tornaria completamente inútil todo o empenho de Jesus em nos
ensinar uma , indo para o Céu da mesma forma os que
aceitam fielmente esta doutrina e os que a rejeitam, torcem,
adulteram, falsificam e deformam, exigindo-se apenas a interesseira
convicção de que se salvam e nada mais. Todo o que se aparta e
não permanece na C não tem a Deus; e o que
permanece na doutrina, este tem, assim ao Padre como ao Filho (2ª
João verso 9º).
Crer em Jesus é, portanto, aceitar tudo o que Ele nos revelou, seja
promessa, seja doutrina: Se eu vos digo a , por que me
não ? (João VIII-46). Ele merece todo o nosso crédito,
porque é o Filho de Deus: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo
(Mateus XVI-16). Ensinou-nos uma doutrina que se chama o
Evangelho: Crede no Evangelho (Marcos I-15). Só nos resta folhear
as páginas do Evangelho para vermos
O que devemos CRER
A palavra infalível do Mestre.

70. Jesus, Verdade Eterna, nos ensinou muitas coisas. Havemos de


crer em tudo o que Ele disse, para podermos ganhar o Céu: Quem
nEle não é condenado, mas o que não já está condenado,
porque não crê no nome do Filho Unigênito de Deus (João III-18).
Não vamos repetir aqui tudo o que Jesus ensinou. Mas há uma
questão que nos está preocupando neste momento: o que é e o que
não é necessário para a salvação, não é assim? Pois bem, vamos
ver alguma coisa do que Jesus nos diz a este respeito.

Por felicidade nossa, um dia apareceu um homem que fez a Jesus


esta pergunta: Bom Mestre, que obras boas devo eu fazer para
alcançar a vida eterna? (Mateus XIX-16).

É precisamente o problema que ora nos preocupa.

Ora, se bastasse a fé para a salvação, a resposta de Jesus só podia


ser uma: “Se queres entrar na vida, basta crer em mim, não é
preciso mais nada, crê em mim e serás salvo”. Se as obras não
vogassem nada para a conquista da vida eterna, não fossem causa
nem direta, nem indireta da salvação, se não fosse, entre outras
coisas, a nossa maneira de proceder que decidisse a nossa sorte na
eternidade, Jesus não daria a resposta que deu, não falaria da
maneira como falou. E a resposta do Mestre foi esta: Se tu queres
entrar na vida, (Mateus XIX-17).

E para que desaparecesse qualquer dúvida, para que ninguém


pudesse sofismar sobre o sentido desta palavra ,o
próprio consulente se encarrega de perguntar que mandamentos
são estes. Ele Lhe perguntou: ? (Mateus XIX-18). Vejamos
agora a resposta do Mestre: E Jesus lhe disse: Não cometerás
homicídio; não adulterarás; não cometerás furto; não dirás falso
testemunho, honra a teu pai e a tua mãe, e amarás ao teu próximo
como a ti mesmo (Mateus XIX-18 e 19).

Se para a salvação basta a fé, se basta estender a mão para


recebê-la, como dizem os protestantes, como é que Jesus impõe
tantas obrigações para o homem ?

Chamamos a atenção do leitor para o estilo abreviado das


Escrituras; a Bíblia não diz tudo num versículo, mas a doutrina
completa se obtém conferindo os versículos uns com os outros. O
Mestre não fala aí no principal mandamento, que é amar a Deus
sobre todas as coisas; cita alguns, porque assim o seu consulente já
poderá identificar que mandamentos são estes. Quando houver
oportunidade, Jesus falará no máximo e primeiro mandamento
(Mateus XXII-38).

Em outra ocasião (sim, em outra ocasião, pois S. Lucas narra um e


outro episódio: X-25 a 28; XVIII-18 a 20), eis que aparece um doutor
da lei e faz a Jesus a mesma pergunta: Mestre, que hei de eu fazer
para entrar na posse da vida eterna? (Lucas X-25).

Vejamos agora a resposta de Cristo: Disse-lhe então Jesus: Que é o


que está escrito na lei? como lês tu? Ele respondendo disse:
Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua
alma, e de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao
teu próximo como a ti mesmo. E Jesus lhe disse: Respondeste bem:
faze isso e (Lucas X-26 a 28).

É claro que Jesus lhe quer dizer: Faze isto e ,


pois o que Lhe perguntaram foi o que se devia fazer para
. Havia dúvidas e discussões entre os
judeus sobre o sentido da palavra: o próximo. Muitos estavam
inclinados a pensar que o próximo era só o amigo, o patrício, o
correligionário; e não o inimigo, o de outra religião, o estrangeiro. O
doutor da lei pergunta a Jesus: E quem é o meu próximo? A
consulta vem a tempo, porque há grande inimizade e separação
entre samaritanos e judeus. Jesus então propõe a parábola do
Samaritano; este faz um grande benefício a um judeu que caiu
ferido no meio da estrada, benefício que os judeus, seus
compatrícios, não quiseram fazer. Tira-se da parábola a conclusão
de que o inimigo também é nosso próximo. E depois de apresentar
a bela ação do Samaritano, Jesus manda o doutor da lei imitá-lo:
pois vai, e faze tu o mesmo (Lucas X-37).

De tudo isto se conclui o papel importantíssimo que não somente a


fé, mas também o (amor de Deus e amor desinteressado do
próximo) exerce na consecução da vida eterna, a verdadeira :
Aquele que não permanece na (1ª João III-14).

E como é que diante de ensinamentos tão claros, tão simples, tão


decisivos do Divino Mestre, os protestantes pregam que só a fé é
necessária, que as nossas obras não influem na salvação?

Amor de Deus.

71. Quando Nosso senhor exige o amor a Deus, de todo o coração,


para se ganhar a vida eterna — e amar a Jesus Cristo é o mesmo
que amar a Deus, porque Jesus Cristo é Deus (Se algum não ama o
Nosso Senhor Jesus Cristo seja anátema — 1ª Coríntios XVI-22) —
não se pense que se trata apenas de um mero afeto ou sentimento,
ou de uma comoção passageira; o amor de Deus se manifesta pelas
obras: Não amemos de palavra, nem de língua, mas por e em
verdade (1ª João III-18).

E de que modo havemos de mostrar pelas obras o nosso amor a


Deus? Pela observância dos mandamentos. É o que nos ensina o
Divino Mestre: Se me amais,
(João XIV-15). Aquele que tem os meus mandamentos e que os
, esse é o que me (João XIV-21). Aquele que os
meus mandamentos, explica Cornélio Alápide, quer dizer: “Aquele
que tem na memória, no espírito e no afeto os preceitos que de mim
ouviu”. É preciso tê-los assim, e observá-los. E S. Agostinho,
naquele seu belo e inconfundível estilo, assim desenvolve o
pensamento do Mestre: “Aquele que tem os meus mandamentos na
memória e os guarda na vida; aquele que os tem nas palavras e os
guarda nas obras; aquele que os tem ouvindo e os guarda fazendo;
que os tem fazendo e os guarda perseverando, esse é o que me
ama”.

Outra não podia ser a doutrina dos Apóstolos: Esse é o amor de


Deus, que guardemos os seus mandamentos (1ª João V-3).

É por isto que o amor de Deus é chamado o máximo e o primeiro


mandamento: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e
de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o máximo e
o primeiro mandamento (Mateus XXII-37 e 38). Porque para bem
observá-lo é preciso observar todos os outros. Se algum disser,
pois: Eu amo a Deus, e aborrecer a seu irmão, é um mentiroso,
porque aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, como pode
amar a Deus, a quem não vê? E nós temos de Deus este
mandamento: que o que ama a Deus ame também a seu irmão (1ª
João IV-20 e 21).

Amor do próximo.

72. O amor ao próximo é, portanto, uma consequência necessária


do amor de Deus. E Jesus dá ao amor do próximo um novo aspecto.
A lei dizia: Ama ao próximo, como a ti mesmo. A medida do amor ao
próximo era o amor que naturalmente cada um tem a si próprio.
Jesus, que nos deu o maior exemplo de amor aos homens, amor até
aos próprios inimigos, propõe o seu exemplo, como a medida do
amor: Eu dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos
outros, assim como eu vos amei (João XIII-34). Este amor ao
próximo, mesmo aos inimigos, de que Ele mostrou um modelo no
Samaritano da parábola, Jesus pregou-o, e pregou-o como
.

1º Jesus pregou o amor aos inimigos:


Tendes ouvido que foi dito: Amarás ao teu próximo e aborrecerás a
teu inimigo. Mas eu vos digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos
que vos têm ódio e orai pelos que vos perseguem e caluniam, para
serdes filhos de vosso Pai que está nos Céus, o qual faz nascer o
seu sol sobre bons e maus, e vir chuva sobre justos e injustos
(Mateus V-43 a 45).

Por aí já se vê que não se trata de mero conselho; precisamos amar


aos inimigos, para sermos filhos de Deus. Mas há outras passagens
que nos mostram ainda mais claramente que Jesus

2º pregou o amor aos inimigos como indispensável à salvação.

Todos nós pecamos e é claro que não podemos salvar-nos, se Deus


não perdoa os nossos pecados. Pois bem, eis o que ensinou Jesus:
Quando vos puserdes em oração, se tendes alguma coisa contra
alguém, perdoai-lha, para que também vosso Pai, que está nos
Céus, vos perdoe vossos pecados; porque, se vós não perdoardes,
também vosso Pai, que está nos Céus, vos não há de perdoar
vossos pecados (Marcos XI-25 e 26). E, depois da parábola do
devedor insolvente, na qual o rei se mostra rigoroso e implacável
para com o servo que, depois de perdoado, não quis perdoar ao seu
companheiro, acrescenta: meu Pai
Celestial, do íntimo de vossos corações cada
um a seu irmão (Mateus XVIII-35).

Ninguém pode alcançar a salvação, se não obtiver o perdão dos


pecados. O perdão dos pecados, não o recebe quem não perdoa a
seu próximo. Logo, não basta a fé para a salvação; é necessário
também o perdão aos inimigos.

E, enquanto os protestantes dizem que o homem pelas suas obras


nada pode merecer, mas só pela fé, Nosso Senhor exalta o
merecimento daqueles que sabem dispensar e perdoar, e lhes
promete grande recompensa: E, se vós amais aos que vos amam,
que é o que vós tereis? porque os pecadores
também amam aos que amam a eles. E, se fizerdes bem aos que
vos fazem bem, que é o que vós tereis? porque isso
mesmo fazem os pecadores. E, se vós emprestais àqueles de quem
esperais receber, que é o que vós tereis? porque
também os pecadores emprestam uns aos outros, para que se lhes
faça outro tanto. Amai, pois, a vossos inimigos, fazei bem e
emprestai sem daí esperardes nada; e tereis
(Lucas VI-32 a 35).

A castidade.

73. Outro ponto em que Jesus, o novo Legislador, exige maior


perfeição do que entre os antigos, e não está apenas aconselhando,
mas exigindo mortificação e sacrifício, sob pena de condenação
eterna, é o sério problema da castidade. É uma interpretação cristã
mais rigorosa do 6º mandamento: Ouvistes que foi dito aos antigos:
Não adulterarás. Eu, porém, digo-vos que todo o que olhar para
uma mulher cobiçando-a, já no seu coração adulterou com ela. E, se
o teu olho direito te serve de escândalo, arranca-o e lança-o fora de
ti; porque melhor te é que se perca um de teus membros, do que
todo o teu corpo seja lançado no inferno (Mateus V-27 a 29).

Ninguém, é claro, vai interpretar isto no sentido material de que


havemos de cegar os nossos olhos, para não ficarmos mais sujeitos
às tentações da carne; mas Jesus quer mostrar que, como essas
amizades pecaminosas tanto prendem e escravizam o coração da
criatura, nestas ocasiões é preciso fazer a renúncia, o sacrifício,
mesmo que seja este tão doloroso para a alma, como seria cruel
para o corpo a extirpação do próprio olho. Porque, como diz S.
paulo: os que são de Cristo crucificaram a sua própria carne com os
seus vícios e concupiscências (Gálatas V-24).

O juízo final.
74. Um dia Jesus Cristo descreveu o juízo final. No juízo final
iremos ver quais os que são salvos e quais os que são condenados.
Ótima ocasião, portanto, para apreciarmos as da salvação e
da condenação de cada um. Ora, se Jesus exigisse para a salvação
apenas a fé, a única descrição que Ele poderia fazer do juízo final
seria a seguinte: De um lado os que creem e são salvos. Do outro
lado os que não creem e são condenados. Todo o mundo percebe
logo que isto seria mais cômodo e mais simples do que a separação
dos salvos e dos condenados pelas boas ou más obras. As boas e
as más obras são de natureza tão diversa, variam tanto de indivíduo
para indivíduo, que seria preciso passar horas e mais horas para
descrever, embora resumidamente, o julgamento de todos os
homens por este critério. Pois bem, Nosso Senhor não se importa
de fazer uma descrição incompleta, contanto que saliente ser o
ponto mais importante do julgamento a prática da caridade.

Repare-se bem na palavra , empregada por Nosso Senhor.


Os justos serão salvos, praticaram a caridade. Os réprobos
serão condenados não a praticaram. O que mostra
evidentemente como é errônea a doutrina protestante de que as
boas obras não podem ser da salvação.

Vejamos a descrição do julgamento final feita pelo Mestre: Quando


vier o Filho do Homem na sua majestade, e todos os anjos com Ele,
então se assentará sobre o trono da sua majestade; e serão todas
as gentes congregadas diante dEle; e separará uns dos outros,
como o pastor aparta dos cabritos as ovelhas; e assim porá as
ovelhas à direita e os cabritos à esquerda.

Então dirá o rei aos que hão de estar à sua direita: Vinde, benditos
de meu Pai; possuí o reino que vos está preparado desde o
princípio do mundo, tive fome e destes-me de comer; tive
sede e destes-me de beber; era hóspede e recolhestes-me; estava
nu e cobristes-me; estava enfermo e visitastes-me; estava no
cárcere e viestes ver-me.
Então Lhe responderão os justos, dizendo: Senhor, quando é que
nós te vimos faminto e te demos de comer, ou sequioso e te demos
de beber? E quando te vimos hóspede e te recolhemos, ou nu e te
vestimos? Ou quando te vimos enfermo ou no cárcere e te fomos
ver?

E respondendo o rei, lhes dirá: Na verdade vos digo que quantas


vezes vós fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos,
a mim é que o fizestes.

Então dirá também aos que hão de estar à esquerda: Apartai-vos de


mim, malditos, para o fogo eterno que está aparelhado para o diabo
e para os seus anjos, tive fome e não me destes de comer;
tive sede e não me destes de beber; era hóspede e não me
recolhestes; estava nu e não me cobristes; estava enfermo e no
cárcere e não me visitastes... Quantas vezes o deixastes de fazer a
um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer (Mateus
XXV-31 a 43, 45).

Chamamos outra vez a atenção do leitor para o estilo abreviado da


Bíblia. A Bíblia não diz tudo de uma vez; uma passagem completa a
outra. Ninguém vai concluir daí que seremos julgados unicamente
por causa das ações caridosas ou das faltas de caridade. A
descrição é claramente incompleta, como dissemos, porque Nosso
Senhor mesmo nos declara que se nos pedirão contas até de uma
palavra inútil: E digo-vos que de que
falarem os homens, darão conta dela no dia do juízo; porque pelas
tuas palavras serás justificado e pelas tuas palavras serás
condenado (Mateus XII-36 e 37). O que Nosso Senhor quer dizer é
que o homem será julgado pelas suas boas ou más ações, como
Ele disse claramente noutra ocasião: Todos os que se acham nos
sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que
sairão para a ressurreição da vida; mas os que sairão
ressuscitados para a condenação (João V-28 e 29). E entre estas
boas ou más obras, ocupa um papel muito saliente a questão da
caridade para com o próximo.
Afirmativa esta, que não só se demonstra pela descrição do juízo
final acima transcrita, senão também pela firmeza com que Nosso
Senhor nos ensina que Deus nos tratará no seu julgamento da
mesma forma como tratarmos o nosso próximo: será duro ou
complacente para conosco, na mesma proporção em que tivermos
sido duros ou complacentes para com os nossos semelhantes:

Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão


misericórdia (Mateus V-7). Não julgueis e não sereis julgados; não
condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados;
dai e dar-se-vos-á; no seio vos meterão uma boa medida e bem
cheia e bem acalcada e bem acogulada; porque, qual for a medida
de que vós usardes para os outros, tal será a que se use para vós
(Lucas VI-37 e 38). O que concorda com a palavra de S. Tiago:
Porque se fará um juízo sem misericórdia, àquele que não usou de
misericórdia (Tiago II-13).

Logo, devemos que não é a fé somente que salva, mas


também a observância dos mandamentos, o amor de Deus e do
próximo, pois isto é o que o próprio Jesus, que merece todo nosso
crédito, nos ensinou; se não cremos isto, não nos salvamos, pois
(João III-18).
Como devemos CRER
Como deve ser a nossa fé?

75. Devemos crer com uma fé viva, uma fé sincera, coerente, uma
fé que não encontre contradição na nossa maneira de agir, porque
aqui não se trata de armazenar conhecimentos, não se trata de um
estudo teórico, de uma mera contemplação intelectual; trata-se de
um princípio de vida, de ação, de atividade: crer para ganhar a vida
eterna.

Assim o exige a Escritura, como já veremos.

Chegamos agora ao fim da nossa argumentação.

Vimos o que é . Crer é aceitar, como verdadeira, toda a


doutrina de Jesus. Jesus é o Filho de Deus; não se pode duvidar de
nenhuma de suas palavras, porque Ele é o Caminho e a e
a Vida (João XIV-6).

Vimos claramente Jesus a nos ensinar que para possuir a vida


eterna, é preciso guardar os mandamentos, que se resumem no
amor de Deus e do próximo.

Agora perguntamos: Aquele que crê em Cristo e sabe, pelas


palavras de Cristo, que precisa observar os mandamentos para
salvar-se, mas apesar disto não guarda estes mandamentos, pode
salvar-se? Quem vai responder a isto é o próprio Cristo:

Por que me chamais: Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu vos


digo? Todo o que vem a mim e ouve as minhas palavras e
, eu vos mostrarei a quem ele é semelhante: é semelhante
a um homem que edifica uma casa, o qual cavou profundamente e
pôs o fundamento sobre uma rocha; e quando veio uma enchente
d’águas, deu impetuosamente a inundação sobre aquela casa e não
pôde movê-la, porque estava fundada sobre rocha. Mas o que ouve
, é semelhante a um homem que fabrica a sua casa
sobre a terra levadiça, uma qual bateu com violência a corrente do
rio e logo caiu; e foi a daquela casa (Lucas VI-46 a
49).

A esta altura da nossa demonstração e com tais palavras do Mestre,


cai por terra a teoria protestante da salvação só pela fé; porque é a
própria fé nas palavras de Cristo que nos leva a convencer-nos de
que a fé sem as obras não é suficiente para a salvação.

Segundo o ensino bíblico, aquele que tem a fé, mas não age de
acordo com ela, nega, contradiz a sua crença; anula, portanto, o
valor da sua própria fé. Vejamos o que nos diz S. Paulo: Para os
impuros e infiéis, nada há limpo; antes se acham contaminadas
tanto a sua mente, como a sua consciência. Eles confessam que
conhecem a Deus, mas - com as obras (Tito I-15 e 16). E
o mesmo S. Paulo diz a respeito daqueles que não se interessam
pelos seus, que eles por este simples fato, negam a sua fé: Se
algum não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua casa,
esse a fé e é pior que um infiel (1ª Timóteo V-8).

Porque, como diz S. Pedro, se não ajuntamos à fé as outras


virtudes, ficamos e , o que, é claro, nos levará
à condenação, pois como disse Jesus: Toda a árvore que não dá
será cortada e metida no fogo (Mateus VII-19).
Ouçamos o Apóstolo: Ajuntai à vossa fé a virtude, e à virtude a
ciência, e à ciência a temperança, e à temperança a paciência, e à
paciência a piedade, e à piedade o amor de vossos irmãos, e ao
amor de vossos irmãos a caridade, porque se estas coisas se
acharem e abundarem em vós, elas vos não deixarão nem
no conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo (2ª
Pedro I-5 a 8).

É por isto que a Sagrada Escritura nos diz abertamente que a


: Que aproveitará, irmãos meus, a
um que diz que tem fé, se não tem obras? Acaso podê-lo-á
a fé? (Tiago II-14). Bem como um corpo sem espírito é morto, assim
também (Tiago II-26).

Estes 2 textos de S. Tiago que refutam diretamente, usando as


mesmas palavras, a tese da salvação pela fé sem as obras, são o
tiro de misericórdia dado na teoria dos protestantes; se estes ainda
querem insistir com alguns textos de S. Paulo, é porque não os
entenderam bem, como mostraremos nos 3 capítulos seguintes; e
isto o leitor já pode bem avaliar, pois não pode haver contradição
nas Escrituras.

A fé é o nosso médico.

76. A fé salva, a fé é o caminho do Céu, isto nos ensina Jesus. A fé


salva sozinha, sem a observância da lei de Deus, isto é doutrina de
Lutero.

Somos justificados pela fé, é doutrina da Bíblia: Justificados, pois,


pela fé, tenhamos paz com Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus
Cristo (Romanos V-1). Mas a mesma Bíblia nos ensina que a fé não
nos justifica sozinha, sem as obras: Não vedes como pelas obras é
justificado o homem, e não pela fé somente? (Tiago II-24).

Para usarmos (ampliando-a) uma comparação de Cornélio Alápide:


Assim como o doente que se achava em estado grave e foi curado
pode dizer: — Este médico me salvou — e no entanto não foi o
médico sozinho, foi o médico por meio dos remédios, das injeções,
da dieta, dos exercícios que ele prescreveu e a que o doente
voluntariamente se sujeitou, assim também a fé em Cristo é o
médico a nos apontar as outras virtudes, as obras, os sacramentos
que nos são necessários à salvação, a qual não é possível sem as
praticarmos ou sem os recebermos em obediência aos ditames da
nossa fé. O fato de dizer o doente: — Este médico me salvou — não
o impede de dizer também: Santo remédio este! foi ele quem me
pôs em pé! Assim como não o impede de aconselhar a outro doente
que não quer observar a dieta: Não faça isto, meu caro; se eu não
tivesse cumprido bem com a dieta, feito a mortificação quando
estava com vontade de comer tais e tais alimentos que sabia que
não podia comer, hoje eu já estaria na “cidade dos pés juntos”.

Do fato, portanto, de dizer a Escritura que a fé nos salva, não se


segue necessariamente que a fé seja a da salvação.
Isto se mostra claramente no episódio da mulher pecadora. Sabe-se
muito bem que ela não podia salvar-se, se os seus pecados, que
eram muitos, não lhe fossem perdoados. Se perguntarmos ao Divino
Mestre foram perdoados os pecados daquela mulher, Ele
nos esclarecerá: Perdoados lhe são seus muitos pecados
(Lucas VII-47). A sua contrição perfeita, baseada no
puro , foi aí apontada como a da salvação. E no
entanto, nesta mesmíssima ocasião, Jesus lhe disse: A tua te
salvou; vai-te em paz (Lucas VII-50). Tanto a fé, como o amor, são
considerados aí como causas da salvação para a pecadora
arrependida: a fé, porque foi o de sua felicidade;
o amor, porque esta mesma felicidade. É por isto que
nos diz muito bem o Concílio de Trento: “somos justificados pela fé
neste sentido de que a fé, sem a qual é impossível agradar a Deus,
é o princípio da salvação, o fundamento e a raiz de toda a
justificação” (Sessão VI, 8).

A fé como ponto de partida.

77. Quando dizemos a alguém: Tome este navio e chegará a


Londres, porque a nado você não consegue chegar até lá, não
queremos dizer com isto que é o fato de embarcar
no vapor, que o faz chegar a Londres. Supomos, é claro, que ele
não vai atirar-se ao mar, durante a viagem, movido pela tentação de
tomar um banho salgado ou de apanhar algum peixe; supomos que,
nos portos onde se demorar o navio, ele, quando quiser dar algum
passeio, vai tomar todas as precauções para estar presente na hora
da partida, bem como não vai cometer nenhum crime para ficar em
terra, trancafiado no xadrez; supomos que ele não vai tomar veneno
durante a viagem etc, etc. Supomos em suma que ele
realmente chegar a Londres e tudo fará para conseguir este
objetivo. Sem valer-se de uma condução como aquela, é que não o
conseguiria de forma alguma.

Assim também a Bíblia nos fala da como de um ponto de partida


para a salvação. Quando S. Paulo diz ao carcereiro: Crê no Senhor
Jesus e serás salvo tu (Atos XVI-31), ninguém vai
concluir daí que bastava o carcereiro crer, para a família dele ser
salva também. É claro que a família tem que crer por sua vez, para
ser salva. Mas a fé, por parte do carcereiro, seria o
para a sua família também crer, induzida pelo seu exemplo.
E a fé, tanto no carcereiro como nos seus, teria que ser a
inspiradora das virtudes e boas obras.

Quando S. Paulo diz: Se confessares com a tua boca ao Senhor


Jesus e creres no teu coração que Deus O ressuscitou dentre os
mortos, serás salvo (Romanos X-9), ninguém pode concluir daí que
para o indivíduo ganhar o Céu, basta confessar a Jesus ,
podendo fazer o que bem entender; e acreditar exclusivamente na
Ressurreição de Jesus Cristo, podendo, portanto, rejeitar todos os
outros artigos de fé. Seria uma conclusão absurda, imoral e
escandalosa, bem como seria abrir uma fonte para os maiores erros
e heresias. S. Paulo aí está apresentando a e o professá-la
abertamente como para a salvação. E vê-se
perfeitamente, não é fé no sentido de confiança, convicção de que já
se está salvo. E fé intelectual: é que Jesus ressuscitou
dentre os mortos. Acreditando isto, acreditará que Jesus Cristo é
Deus. Aceitando isto, terá que aceitar tudo o que Jesus ensinou,
portanto terá que aceitar toda a moral do Evangelho, tudo aquilo que
Jesus mandou fazer e observar. E cumprindo tudo isto, com as
graças abundantes que receberá na Igreja Verdadeira, conquistará a
Céu.
Um caminho só
Desfazendo a confusão.

78. Pelo que já foi explicado, o leitor inteligente está percebendo


perfeitamente o engano dos protestantes.

Quando vemos a Bíblia falar de 2 maneiras:

ora dizendo que, se nos queremos salvar, o que é necessário é crer


em Cristo; crendo em Cristo alcançaremos a salvação;

ora dizendo que, se nos queremos salvar, o que é preciso é


observar os mandamentos; guardando os mandamentos,
chegaremos ao Céu;

parece à primeira vista que a Bíblia nos está falando de dois


caminhos diversos.

Os protestantes que não gostam de aprofundar o sentido das


Escrituras, contentando-se apenas com o ,a
preocupação máxima de se colocarem em oposição à Igreja,
enxergam aí 2 caminhos diversos e se decidem por um, rejeitando o
outro. Já viu o leitor algum protestante citar, explicar e comentar
razoavelmente os textos em que Jesus exige para a salvação a
guarda dos mandamentos?

O simples fato de ficarem assim apavorados diante de certos textos


da Bíblia, que é a palavra infalível de Deus, mostra que estão
completamente enganados. E o seu engano reside precisamente
em não perceber isto: que ou exija só a fé em Cristo, ou exija só a
guarda dos divinos preceitos, a Bíblia nos está ensinando
, porque nos mandamentos está incluída a obrigação da
fé; na fé em Cristo está incluída a obrigação dos mandamentos.
1º Nos mandamentos está incluída a obrigação da fé.

Se devemos amar a Deus com todo o coração, com toda a alma,


com todo o , não podemos negar crédito às palavras
de Cristo que são palavras de Deus; seria negar a Deus a
submissão da nossa inteligência. Quem peca contra a fé, portanto,
peca contra o 1º mandamento, pois quem duvida da palavra de
Deus O está desonrando e considerando mentiroso; não se pode
amar a uma pessoa e desonrá-la ao mesmo tempo. E o que dizia
Jesus aos judeus: Se eu vos digo a verdade, por que me não
credes? O que é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso vós
não nas ouvis, porque não sois de Deus (João VIII-46 e 47). Por isto
dizia o Eclesiastes: Teme a Deus e observa os seus mandamentos,
porque isto é o do homem (Eclesiastes XII-13).

2º A fé inclui a obrigação dos mandamentos.

Em outras ocasiões, falando a pessoas que já estão certas e


convencidas de que para ganhar o Céu precisamos cumprir com os
mandamentos de Deus, Nosso Senhor lhes faz ver que o caminho
do Céu é crer na sua doutrina. Aprendendo esta doutrina, estas
pessoas verão, no meio das coisas novas que não sabiam, a
confirmação daquilo de que já tinham ciência, isto é, de que para
ganhar o Céu é indispensável a observância dos mandamentos. O
amor de Deus e o amor do próximo, eis os pontos altos da doutrina
moral pregada pelo Mestre, que nisto tantas vezes insistiu, como
acabamos de ver. Aquele que não quer guardar os mandamentos é
como se não cresse em Jesus Cristo, pois nem ao menos O
conhece. É o que nos ensina S. João que, falando a respeito de
Jesus, nos diz o seguinte: Ele é a propiciação pelos nossos
pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o
mundo. E nisto sabemos que o , se os
seus . Aquele que diz que O e
, é um mentiroso; e não há nele verdade (1ª
João II-2 a 4).
Logo, a fé em Cristo inclui a obrigação de observar os seus
mandamentos.

A Bíblia, portanto, pode falar num dos 2 pontos e apresentá-lo como


essencial à salvação — crer em Cristo ou observar os
mandamentos — porque um inclui o outro. O que não impede a
própria Bíblia de falar nos 2 pontos ao mesmo tempo: um
confirmando o outro, quando assim o entender o Autor Sagrado.
S. João, na sua 1ª Epístola, falando a respeito de Deus, diz: Este é
o seu mandamento: que no nome de seu Filho Jesus
Cristo e que , como Ele nos mandou
(1ª João III-23). E o livro do Apocalipse diz: Aqui está a paciência
dos santos que guardam os de Deus e a de
Jesus (Apocalipse XIV-12).
O estilo da Bíblia e o teor das divinas promessas
Nas pegadas do Bom Pastor.

79. Jesus é o Bom Pastor que guia as suas ovelhas pelo caminho
do Céu: Eu sou o Bom Pastor (João X-11). O que me segue não
anda em trevas, mas terá o lume da vida (João VIII-12).

Se nós desejamos chegar ao Reino dos Céus, à Jerusalém Celeste


e pedimos a Jesus que nos leve até lá, Ele nos diz: Entra no meu
rebanho e terás o Céu.

Entrando no rebanho de Cristo, ficamos muito anchos e satisfeitos:


Tenho certeza de que em breve estarei no Céu; o Bom Pastor me
disse: Entra no meu rebanho e terás o Céu. Ora, eu entrei no
rebanho. Logo...

É quando uma ovelha mais esclarecida nos adverte:

— Não, meu amigo; o Bom Pastor não te disse: Basta entrar no meu
rebanho para conseguires o Céu; mas disse: Entra no meu rebanho
e terás o Céu, o que é bem diferente. Entra no meu rebanho — quer
dizer: vem e segue-me, sê minha ovelha fiel; entrega-te à minha
direção. E o Bom Pastor então nos vai apontando o verdadeiro
caminho da bem-aventurança, mostrando-nos o caminho que Ele
próprio seguiu à nossa frente, quando nos deu o seu exemplo: Eu
dei-vos o exemplo, para que como eu vos fiz, assim façais vós
também (João XIII-15). Precisas seguir o caminho que Ele te aponta
para chegares ao Céu; se te desviares, és uma ovelha desgarrada
que o Bom Pastor misericordiosamente irá buscar, mas precisarás
então voltar ao caminho indicado, sem isto não alcançarás o teu
destino. Porventura achas que, quando um professor diz: Quem
entrar na minha escola, se tornará um homem bem preparado — é o
simples fato de entrar na escola que torna logo um sábio aquele que
ali entrou? É preciso entrar na escola, mas para fazer bem direitinho
as tarefas e exercícios que o mestre indicar.

Compreendeu Você agora, caro amigo protestante?

Quando Jesus nos diz: crê em mim e serás salvo (porque Ele nunca
disse: Basta crer em mim para ser salvo) é o Bom pastor que nos
está dizendo: Entra no meu rebanho e terás o Céu. Crer em Jesus é
aceitar toda a sua doutrina, colocar-nos no número dos seus
discípulos, entrar no seu rebanho. Por isto disse Jesus aos judeus:
Vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas (João X-26).
Mas entrar no rebanho de Cristo já encerra em si um compromisso:
o de O seguirmos como ao Bom Pastor que nos aponta o caminho.
E quando Ele diz: Guarda os mandamentos, ama a teu próximo
como eu te amei — está apontando este caminho que havemos de
seguir para conquistar o Céu: as minhas ovelhas ouvem a minha
voz: eu conheço-as e elas (João X-27).

As promessas e suas condições.

80. Há, sem dúvida alguma, nestas palavras: Crê no senhor Jesus e
serás salvo (Atos XVI-31), quem nEle crê não é condenado (João
III-18), o que crê no Filho tem a vida eterna (João III-36), Deus deu
ao mundo seu Filho Unigênito para que todo o que crê nEle não
pereça, mas tenha a vida eterna (João III-16), a virtude de Deus é
para dar a salvação a todo o que crê (Romanos I-16) etc, etc. —
uma para todos aqueles que creem em
Jesus.

O que, porém, se torna indispensável é que aqueles que creem em


Jesus se esforcem para se tornarem destas divinas
promessas. E a Igreja sabiamente põe os seus filhos a rezar da
seguinte maneira: “Rogai por nós, santa Mãe de Deus, para que
sejamos das promessas de Cristo”. Porque uma coisa que
não podem negar aqueles que conhecem perfeitamente o
B é o seguinte: a Bíblia não nos diz tudo de uma vez, é muito
comum no texto sagrado estar nuns versículos consignada
, e noutros
. Não se pode desprezar nenhum versículo bíblico;
tudo ali é palavra de Deus; e querer alguém olhar somente para os
versículos que falam da promessa, porque os acha muitos bons,
muito agradáveis e consoladores e desprezar outras passagens da
Escritura, em que se apontam as condições impostas por Deus para
que sejamos dignos desta promessa, é evidentemente falsear a
palavra divina.

É fácil mostrar isto com exemplos.

A invocação do Nome do Senhor.

81. Vejamos este texto: Todo aquele, quem quer que for, o que
o nome do Senhor, será salvo (Romanos X-13; Joel II-32).

Sofregamente se lançam os protestantes sobre este versículo e o


apresentam, muito anchos, vendo aí a destruição do Catolicismo:
para o homem salvar-se não precisa pertencer à Igreja Católica, não
é necessária a observância dos mandamentos, não é necessário o
Batismo, nem a Confissão, nem a Eucaristia, basta invocar o nome
do Senhor!

Mas o argumento que prova demais, não prova coisa alguma e


diante deste texto assim tão mal interpretado, vê o protestante
desmoronar-se também todo o seu Protestantismo:

— A Bíblia! para que me dão Vocês a Bíblia?

— Para conhecer a palavra de Deus; para conhecer a doutrina de


Jesus.

— Que necessidade tenho eu de conhecer a palavra de Deus, de


acreditar ou deixar de acreditar naquilo que ensinou Jesus, se para
salvar-me basta só uma coisa: invocar o seu nome! Para invocar o
seu nome, basta saber que Ele existe e como se chama; não é
preciso saber qual foi, nem qual deixou de ser a sua doutrina.

Assim poderá falar qualquer pagão convidado a abraçar o


Cristianismo ou qualquer indiferente em matéria religiosa que for
exortado à prática da religião.

E o crápula, o devasso, o libertino, o salteador, o homem que vive


praticando as maiores misérias poderá dizer: Pratico muitos crimes,
não nego; porém, por mais crimes que cometa, irei com toda certeza
para o Céu, pois para isto não se precisa nem arrependimento,
basta invocar o nome do Senhor; isto é o que tenho cuidado de
fazer de vez em quando, porque não sou idiota...

Por aí se vê a que absurdos se poderá chegar com este sistema


desonesto de isolar um texto qualquer e apresentá-lo
criminosamente ao público que nada entende de interpretação da
Bíblia, tendo o cuidado de desprezar ou ocultar outros textos do
Livro Sagrado.

Não há dúvida que estas palavras encerram um .A


questão está agora em saber pela própria Bíblia,
-
. Porque a própria Bíblia em outro texto se encarrega de
nos dizer que S
; bem como nos esclarece quais as condições sob as quais o
homem, invocando o nome do Senhor, pode alcançar a salvação:
Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus,
mas sim o que faz a vontade de meu Pai, que está nos Céus, esse
entrará no reino dos Céus (Mateus VII-21).

Há contradição entre um texto e outro? Não. Apenas este último


está indicando com que sentimentos, com que disposições de ânimo
precisa o homem de invocar o nome do Senhor para salvar-se.

É preciso que o faça com o coração sincero do servo que quer ser
fiel ao seu senhor, do filho que não quer de modo algum desagradar
a seu pai. E uma vez que Deus lhe exige a observância dos
mandamentos, sintetizados no amor de Deus e do próximo; uma vez
que Deus lhe exige a fé em toda a doutrina de Jesus; uma vez que
Deus exige a confissão como veremos (capítulo 12º), pois instituiu o
Sacramento da Penitência para aqueles que pecam depois do
Batismo; uma vez que Deus lhe ordena a recepção da Eucaristia
(João VI-54), é preciso que ele esteja disposto a aceitar e praticar
tudo isto para alcançar a salvação, pois esta não se pode conseguir
contrariando a vontade de Deus.

Se se trata de um pagão que, sem culpa sua, não tem


conhecimento de todos estes preceitos de Deus revelados ao
homem, é preciso que esteja disposto a realizar
, tal qual esta vontade se lhe apresenta diante da sua reta
consciência, é preciso que esteja disposto a abraçar a Verdade e o
Bem, onde quer que eles se encontrem.

Como se observa pelo contexto, S. Paulo, citando esta profecia de


Joel, tinha apenas por fim salientar que qualquer homem, judeu ou
gentio (e assim se destrói a ideia que tinham muitos judeus de que
só para eles havia salvação) pode alcançar o Reino dos Céus,
desde que invoque a Deus sinceramente, disposto a cumprir em si a
divina vontade: Não há distinção de e de , posto que
um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que O
invocam. Porque todo aquele, quem quer que for, o que invocar o
nome do Senhor, será salvo (Romanos X-12 e 13).

A eficácia da oração.

82. Vejamos agora outro exemplo.


Nosso Senhor disse: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e
abrir-se-vos-á; porque todo aquele que pede recebe, e o que busca
acha, e ao que bate se lhe abrirá (Lucas XI-9 e 10).
São palavras bem claras, enunciando a que faz Deus de
atender a todas as nossas orações.

Ora, a experiência de cada dia nos mostra evidentemente que há


muitas coisas que se pedem a Deus e não se alcançam. Quando
adoece o pai ou a mãe, ou qualquer outro membro de uma família,
nada mais natural do que a família inteira pôr-se em oração e pedir
a Deus que cure aquela pessoa, e que livre a todos daquele golpe.
É o que frequentemente acontece. E no entanto muitas e muitas
vezes esta prece não é atendida. Quantos pedidos sobem aos Céus
(uma moça quer casar-se, um homem quer conseguir um melhor
emprego, outro quer meios para fazer uma viagem, o encarcerado
quer livrar-se da prisão etc, etc.) e não são satisfeitos!

Que significa isto? Que Deus falta com a sua promessa? Não; a
palavra de Deus é infalível. Quer dizer que num texto vem a
; noutros vêm explicadas sob as quais
.

Está visto que uma destas condições é que aquilo que nós pedimos
seja realmente bom e conveniente para nós. Se um pai diz a seus
filhinhos: darei tudo quanto Vocês pedirem — aí logo se subentende
que dará só o que for bom e útil para eles. Um quer uma peixeira
bem amolada para brincar de vendelhão com seus irmãozinhos; o
outro quer uma motocicleta para sumir-se no meio das ruas
movimentadas com risco da sua própria vida; a outra quer a
liberdade de passear com certas companheirazinhas que não se
recomendam. Que faz o pai extremoso? Nega-lhes inapelavelmente
o que lhe pedem, embora esperneiem e se zanguem, porque quer
somente o bem de seus filhos e reserva alguma coisa melhor, de
outro gênero, para coroar de qualquer maneira, o seu pedido.
Somos diante de Deus como crianças inexperientes: não sabemos o
que havemos de pedir, como convém (Romanos VIII-26); é o que
nos diz S. Paulo. A família toda se reúne para rezar pela saúde do
pai ou da mãe ou de qualquer outro membro que se acha enfermo;
mas se, por exemplo, aquele é o momento propício para a salvação
daquela criatura que se acha contrita e, se ficar boa, pode, quem
sabe? perder-se mais tarde; não é o caso de Deus negar o pedido,
porque a salvação daquela alma está acima de tudo? O emprego
melhor remunerado ou o casamento, a viagem ou o livramento do
cárcere podem ser contrários aos desígnios altíssimos de Deus,
segundo os quais a salvação se poderá tornar muito mais fácil na
pobreza, na renúncia e na penitência. E assim por diante.

Por isto Jesus mesmo se encarrega de esclarecer que a promessa


da eficácia da oração subentende que Deus dará coisas boas, não
coisas que nos são nocivas ou que não nos aproveitam. Se vós
outros, sendo maus, sabeis dar a vossos filhos,
quanto mais vosso Pai que está nos Céus, dará aos que lhos
pedirem! (Mateus VII-11). S. Paulo nos diz que pediu a Deus que o
livrasse de certas angústias e aflições no seu corpo, mas Deus não
o atendeu, porque queria elevá-lo a uma maior perfeição da virtude:
Permitiu Deus que eu sentisse na minha carne um estímulo que é o
anjo de Satanás para me esbofetear. Por cuja causa roguei ao
Senhor três vezes que ele se apartasse de mim. E então me disse:
Basta-te minha graça; porque a virtude se aperfeiçoa na
enfermidade (2ª Coríntios XII-7 a 9). E S. Jerônimo diz sobre este
fato: “Bom é o Senhor que muitas vezes não nos concede o que
queremos, para nos conceder o que preferiríamos”.

Outra das condições é que a oração seja feita com fé e confiança:


Todas as coisas que pedirdes, , haveis de
conseguir (Mateus XXI-22). Todas as coisas que vós pedirdes
orando, que as haveis de haver e que assim vos sucederão
(Marcos XI-24). Cheguemo-nos, pois, ao trono da
graça, a fim de alcançar misericórdia e de achar graça para sermos
socorridos em tempo oportuno (Hebreus IV-16). Se algum de vós
necessita de sabedoria, peça-a a Deus que a todos dá liberalmente
e não impropera, e ser-lhe-á dada. M - ,
; porque aquele que duvida é semelhante à onda
do mar que é agitada e levada duma parte para a outra pela
violência do vento; , pois, este tal,
S (Tiago I-5 a 7).

A oração deve ser humilde, como mostra Nosso Senhor com a


parábola do fariseu e do publicano (Lucas XVIII-9 a 14), a qual
termina assim: Todo o que se exalta, será humilhado e todo o que
se humilha será exaltado (Lucas XVIII-14). Humilhai-vos na
presença do Senhor e Ele vos exaltará (Tiago IV-10). Humilhai-vos,
pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte no
tempo da sua visita, remetendo para Ele todas as vossas
inquietações, porque Ele tem cuidado de vós (1ª Pedro V-6 e 7).
Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes (Tiago IV-
6; 1ª Pedro V-5).

Finalmente a oração precisa ser também perseverante, como


mostra Jesus com a parábola do homem, a quem um amigo, à
meia-noite, vem pedir três pães emprestados: E se o outro
perseverar em bater; digo-vos que no caso que ele se não se
levantar a dar-lhos por seu amigo, certamente pela sua
importunação se levantará e lhe dará quantos pães houver mister
(Lucas XI-8). Como também, com a parábola do juiz iníquo e da
viúva suplicante, a quem o juiz atende somente pela importunação
desta: por último disse lá consigo: Ainda que eu não temo a Deus
nem respeito os homens, todavia, como esta viúva me importuna,
far-lhe-ei justiça, para que por fim não suceda que, vindo ela muitas
vezes me carregue de afrontas. Então disse o Senhor: Ouvi o que
diz este juiz iníquo. E Deus não fará justiça aos seus escolhidos que
estão clamando a Ele dia e noite? (Lucas XVIII-4 a 7).

Por tudo isto se vê que há um versículo que nos assegura a eficácia


da oração: é a . Mas é preciso folhear várias partes do
Novo Testamento para ver
.

A Eucaristia e a vida eterna.


83. Vamos a um terceiro exemplo.

Cristo prometeu a vida eterna àqueles que participassem da


Sagrada Eucaristia: O que come a minha carne e bebe o meu
sangue ;
(João VI-55). O que come deste pão (João VI-
59).

Eis aí a . Pode parecer à primeira vista, que para entrar


na vida eterna, não se precisa de outra coisa a não ser participar
uma só vez da mesa eucarística.

Mas S. Paulo já se encarrega de nos ensinar uma das condições


exigidas para isto; condição, na qual Cristo não havia falado (porque
a Bíblia não nos ensina tudo de uma vez). É preciso que seja
recebida a Eucaristia com a consciência limpa, purificada dos
pecados: Examine-se, pois, a si mesmo o homem e assim coma
deste pão e beba deste cálix, porque todo aquele que come e bebe
indignamente, come e bebe para si a condenação, não discernindo
o corpo do Senhor (1ª Coríntios XI-28 e 29).

Mas será que pelo simples fato de ter recebido uma vez
condignamente o corpo do Senhor, fica o homem com a salvação
assegurada para sempre? Não há dúvida que a comunhão lhe traz
uma íntima união com Cristo: o que come a minha carne e bebe o
meu sangue, esse (João VI-57). Da sua
parte, Cristo entra com a sua graça, com a sua presença inefável na
alma, robustecendo-a, dando-lhe o auxílio necessário para que se
vença a si mesma nas tentações e alcance a vida eterna. Mas o
homem é livre e não se tornou impecável com a comunhão, tem que
corresponder às graças divinas e fazer da sua parte o esforço para
permanecer com Cristo em sua alma, e é a isto que Cristo o exorta:
O , esse dá
muito fruto; porque vós sem mim não podeis fazer nada. Se alguém
será lançado fora como a vara, e secará
e enfeixá-lo-ão e lançá-lo-ão no fogo e ali arderá (João XV-5 e 6).
Eis aí, portanto, mais outra condição para que a comunhão nos
garanta a vida eterna: é preciso permanecer em Cristo pela fuga ao
pecado, e isto fica a depender de nós, pois Cristo já nos dá, pela
comunhão, um valioso aumento de graça para mantermos a nossa
fidelidade. A obrigação de permanecer com Ele supõe, pelo menos,
que tenhamos sempre o cuidado de com Ele nos reconciliarmos e
de O recebermos novamente, se tivermos a desgraça de afastá-Lo
pelo pecado mortal.

Grande condição para uma grande promessa.

84. Está mais do que provado, por conseguinte, qual é o sistema de


doutrinação da Bíblia: em uns versículos estão
, em outros vem explicado
- .

Pois bem, o mesmo acontece com


; sim, para todo o que crê, pois aquele que se
recusa a crer já está excluído: sem fé é impossível agradar a Deus
(Hebreus XI-6); e até mesmo os que de forma alguma não
conhecem a Cristo, têm que crer em alguma coisa, têm que crer ao
menos que há Deus e que é remunerador dos que O buscam
(Hebreus XI-6).

Lemos em vários versículos


em Jesus Cristo. Esta mesma fé em Cristo é
que nos leva a ver no próprio ensino do Novo Testamento
. As condições são
várias, estão esparsas aqui e acolá no ensino bíblico, mas podem
ser todas resumidas numa só, numa , expressa
neste texto há pouco citado: Nem todo o que me diz: Senhor,
Senhor, entrará no reino dos Céus; mas sim o que faz a vontade de
meu Pai que está nos Céus (Mateus VII-21).

Caro amigo protestante, não se fie nesta doutrina: Jesus, Jesus,


Jesus, Jesus é meu salvador; logo, eu estou salvo — isto não
passava de uma malandragem de Lutero que queria ter por fina
força a convicção de que realmente estava salvo, mas sem o
trabalho de vencer as tentações que o atormentavam; foi ele quem
inventou e propagou no mundo este sistema de se olhar na Bíblia,
só para o prêmio que Deus promete e não para aquilo que se nos
impõe como obrigatório a fim de alcançar o que foi prometido por
Deus.

Ninguém pode alcançar o Céu .E


para todos os homens:

ou seja para os gentios antes de Cristo e os pagãos de hoje que de


Cristo não tiveram conhecimento, os quais entretanto tinham e têm
os mandamentos de Deus (não matarás, não furtarás, não
adulterarás, não levantarás falso testemunho, não desejarás a
mulher do próximo etc.) impressos no seu coração pela voz da
consciência, pela lei natural;

ou seja para os judeus antes de Cristo, aos quais tinha Deus


imposto o Decálogo, além de muitas cerimônias e prescrições;

ou seja para os seguidores de Cristo, que não estão obrigados


absolutamente às cerimônias e prescrições da lei mosaica, mas
estão sujeitos à lei de Cristo que confirmou, refundiu, e aperfeiçoou
os preceitos do Decálogo, dando além disto várias determinações
sobre a Igreja que Ele fundou e sobre os sacramentos que Ele
instituiu, determinações estas que, sendo mandamentos de Cristo, o
são também de Deus;

para todos, enfim, a vontade do Pai Celeste está expressa nos seus
mandamentos. Observe-os; realize a vontade divina. Faça isto e
Você , como disse o Divino Mestre, porque só assim Você se
tornará digno das promessas de Cristo.
Capítulo Quinto
A certeza da salvação
Doutrina de S. Paulo.

85. A doutrina do Apóstolo S. Paulo não é, nem podia ser diversa


da doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se, por conseguinte,
Jesus mostra a caridade, ou seja, o amor de Deus e do próximo, e
não somente a fé, como necessária para a salvação, isto mesmo é o
que S. Paulo nos ensina, mostrando-nos que a fé sem a caridade
nada vale: Se eu tiver o dom de profecia, e conhecer todos os
mistérios e quanto se pode saber, e se tiver toda a fé, até o ponto de
transportar montes, e não tiver caridade, (1ª
Coríntios XIII-2). A hipótese apresentada por S. Paulo é muito
expressiva, pois ele figura o caso de um homem que tem a fé em
sumo grau: uma fé tão grande, que é capaz de dizer a uma
montanha que saia de seu lugar e se transporte para outro, e Deus
fará o milagre em atenção à pureza e à perfeição de sua fé. Mesmo
assim, não é nada aquele que a tem, se não tem a caridade. A
caridade é, portanto, na doutrina paulina, a maior das virtudes:
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas três
virtudes; porém a delas é a caridade (1ª Coríntios XIII-13). No
final da mesma Epístola, ele nos diz: Todas as vossas obras sejam
feitas (1ª Coríntios XVI-14). Se algum não a
Nosso Senhor Jesus Cristo, seja anátema (1ª Coríntios XVI-22).

Se Nosso Senhor, descrevendo o julgamento de Deus, nos faz ver


que seremos julgados de acordo com as boas ou más obras, este
também é o ensinamento de S. Paulo. Já citamos mais de uma vez
a sua frase na Epístola aos Romanos em que ele nos fala no justo
juízo de Deus que há de retribuir a cada um
(Romanos II-5 e 6). E isto é o que ele ensina constantemente
nas suas Epístolas: Cada um receberá do Senhor a do
que tiver , ou seja escravo ou livre (Efésios VI-8). Importa que
todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que
cada um receba o segundo o que tem , ou ou
, estando no próprio corpo (2ª Coríntios V-10). Deus não é
injusto, para que se esqueça de vossa e que
mostrastes em seu nome, os que haveis subministrado o necessário
aos santos e ainda o subministrais (Hebreus VI-10). E diz a Timóteo
que mande que os ricos deste mundo se façam ricos de boas obras,
a fim de ajuntarem para si um tesouro e alcançarem a verdadeira
vida: Manda aos ricos deste mundo... que façam bem, que se façam
ricos em , que deem, que repartam francamente, que
façam para si um como um fundamento sólido para o
futuro, (1ª Timóteo VI-17
a 19).

É sempre a mesma doutrina do Mestre: julgamento de Deus de


acordo com as boas ou más obras de cada um, salientando-se entre
estas obras boas a prática da caridade.

Se Jesus nos fala da necessidade da observância dos


mandamentos para conseguir o Céu, esta necessidade é também
ensinada por S. Paulo: A circuncisão nada vale, e o prepúcio nada
vale, senão D (1ª Coríntios
VII-19). Não vos enganeis: nem os fornicários, nem os idólatras,
nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os
ladrões, nem os avarentos, nem os que se dão a bebedices, nem os
maldizentes, nem os roubadores hão de possuir o reino de Deus (1ª
Coríntios VI-10).

E, se Nosso Senhor nos adverte: Nem todo o que me diz, Senhor,


Senhor, entrará no reino dos Céus, mas sim o que faz a vontade de
meu Pai que está nos Céus (Mateus VII-21), S. Paulo se encarrega
de nos mostrar qual é esta vontade de Deus: Pois esta é a vontade
de Deus, a vossa santificação (1ª Tessalonicenses IV-3), porque
para S. Paulo não é somente a fé que nos torna aptos para entrar
na bem-aventurança, indo ver a Deus, mas também a santidade de
vida: Segui a paz com todos e ,
D (Hebreus XII-14).

Não há condenação.

86. Por todas estas passagens do Apóstolo das Gentes se vê muito


bem que ele absolutamente não é adepto da salvação pela fé sem
as obras. Se os protestantes aparecem com textos de S. Paulo para
provar semelhante teoria, é porque não lhe assimilaram bem o
pensamento, e S. Paulo não é fácil de se entender; é o que nos diz
a própria Bíblia Sagrada (2ª Pedro III-15 e 16).

Examinaremos estes textos, começando por um que, aliás, nada


tem de difícil e serve apenas para mostrar como se ilude facilmente
quem já vai ler a Bíblia com uma ideia preconcebida. Tomamos em
primeiro lugar este texto, porque dele se servem os protestantes
com dois objetivos: um, provar que a fé salva sem as obras; outro,
sugestionar-se a si próprios de que .Eé
justamente sobre esta estranha , que
pretendemos fazer um comentário neste capítulo.

Vejamos o texto: Agora, pois, nada de condenação têm os que


estão em Jesus Cristo, os quais não andam segundo a carne
(Romanos VIII-1).

Ingenuamente veem aí muitos protestantes a afirmação de que não


se condena absolutamente quem crê em Jesus Cristo; logo, a fé
salva sem as obras.

Mas a questão é que S. Paulo não disse que não havia condenação
para os que em Jesus Cristo, porém para os que
Jesus Cristo, o que já é diferente. Podemos crer em Jesus, invocá-
Lo com muita frequência, louvá-Lo a cada instante e estar, não em
Jesus Cristo, mas muito longe dEle, se se tratar de uma fé que não
desabrochou em caridade, ou seja, o amor de Deus e do próximo.
Estar em Jesus Cristo é estar em graça santificante, com a alma
reconciliada com Deus, sem mancha de pecado mortal; para isto é
necessária a guarda dos mandamentos. Como se prova? Pela
própria Bíblia. Diz S. João, falando a respeito de Jesus Cristo:
Aquele que diz que O conhece e não guarda os seus mandamentos,
é um mentiroso e não há nele a verdade, mas se algum guarda a
sua palavra, é nele verdadeiramente perfeito o amor de Deus e por
aqui é que conhecemos que E . Aquele que diz que
E , também ele mesmo como E (1ª
João II-4 a 6). Para estar em Cristo não basta a fé, é preciso
guardar os seus mandamentos, guardar a sua palavra, andar como
Cristo andou, isto é, imitá-Lo pela santidade de vida.

Nem era necessário ir procurar a explicação em outra parte. O


próprio texto de S. Paulo, ora comentado, nos mostra quais são os
que estão em Cristo: são os que
(Romanos VIII-1). E justamente no decurso deste mesmo capítulo 8º
da Epístola aos Romanos, S. Paulo traça o contraste entre os que
vivem segundo a carne e os que vivem segundo o espírito:

Os que segundo a carne gostam das coisas que são da carne; mas
os que são segundo o espírito percebem as coisas que são do
espírito. Ora a prudência da carne é morte; mas a prudência do
espírito é vida e paz; porque a sabedoria da carne é inimiga de
Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem tão pouco o pode ser.
Os que vivem, pois, segundo a carne não podem agradar a Deus.
Vós, porém, não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito,
E D ;
E C , E (Romanos VIII-5 a 9). Se
vós viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se vós pelo espírito
fizerdes morrer as obras da carne, vivereis (Romanos VIII-13).

O que é que S. Paulo entende por ?

Ninguém é melhor do que ele nos poderá esclarecer; vejamos,


portanto, o que diz o próprio S. Paulo:
As estão patentes, como são a fornicação, a
impureza, a desonestidade, a luxúria, a idolatria, os
empeçonhamentos, as inimizades, as contendas, os zelos, as iras,
as brigas, as discórdias, , as invejas, os homicídios, as
bebedices, as glutonerias e outras coisas semelhantes, das quais eu
vos declaro, como já vos disse, que os que tais coisas cometem não
possuirão o reino de Deus (Gálatas V-19 a 21).

Os que fazem as obras da carne D ,


portanto, não estão no número daqueles para quais
.

S. Paulo enumera aí vícios que são contra a castidade, como a


fornicação, a impureza, a desonestidade, e a luxúria;

Um pecado que é contra a virtude da religião: a idolatria;

Pecados que são contra a caridade: os empeçonhamentos, as


inimizades, as contendas, os zelos, as iras, as brigas, as discórdias,
as invejas, os homicídios;

Ou que são contra a temperança: as bebedices e as glutonerias.

E entre estas , S. Paulo aponta aí um fenômeno


que é ao mesmo tempo contra a fé e contra o espírito de união:
.

Ninguém pode falar em , sem lembrar imediatamente do


. A Igreja, na sua longa história de 20 séculos, se
tem defrontado com um grande número de seitas. Às vezes de
umas têm nascido outras, como é natural.

Mas o Protestantismo se apresentou, logo desde os seus inícios,


como algo inteiramente novo: não como uma seita simplesmente,
mas como . Dizendo a
todas as pessoas do mundo, sem exceção, mesmo às mais rudes e
ignorantes, mesmo àqueles que gostam de ter opiniões bem
originais e extravagantes, mesmo aos que são desequilibrados,
mesmo aos que têm a mania de serem líderes religiosos, de se
apresentarem como enviados de Deus, de fundarem religiões
novas, mesmo aos “indoutos e inconstantes que gostam de
adulterar as Escrituras, para ruína de si mesmos”, dizendo a todos
estes”a Bíblia é um livro muito fácil de interpretar, Vocês têm o
direito de comentá-la, como acharem mais razoável — o
Protestantismo renunciou ao gosto que tiveram as outras heresias
de ter uma doutrina , um credo próprio, para se tornar uma
heresia industrializada a variadíssima, uma fonte imensa de
heresias, as mais descontroladas [10]. Mais adiante (nos 225 a 243)
daremos uma amostra das profundas divergências que existem
entre as seitas protestantes.

Por enquanto, basta dizer que, se S. Paulo, como vimos (Romanos


VIII-9), estabelece o contraste entre o espírito de Cristo e as obras
da carne, as seitas são contrárias ao espírito de Cristo. Porque
Cristo nos ensinou a Verdade, Ele é a própria e a verdade
é uma só; o ideal de Cristo é que haja
(João X-16); o espírito de Cristo é, como Ele disse ao Padre Eterno,
que os que creem na sua palavra sejam todos , como tu, Pai, o
és em mim e eu em ti; para que também eles sejam em nós e
creia o mundo que tu me enviaste (João XVII-21), o ideal de Cristo é
aquele que traça S. Paulo: a unidade da fé (Efésios IV-13) a unidade
de espírito pelo vínculo da paz, sendo um mesmo corpo e um
mesmo espírito... assim como não há senão um Senhor, uma fé, um
Batismo (Efésios IV-3 a 5).

Depois de mostrar quais são as obras da carne, S. Paulo nos


aponta as obras do espírito: Mas o fruto do espírito é a caridade, o
gozo, a paz, a paciência, a benignidade, a bondade, a
longanimidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia, a continência,
a castidade. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo
crucificaram a sua própria carne com seus vícios e concupiscências
(Gálatas V-22 a 24).
Sim, não há nenhuma condenação para aqueles que
C ; mas os que estão em Cristo não andam segundo a carne.
Enquanto estiverem assim neste bom caminho, não há nenhuma
condenação para eles. Se deste bom caminho se afastam, a coisa
então já mudou de figura. Mas isto não é a doutrina luterana de
salvação só pela Fé sem as obras. É a verdadeira doutrina católica
de que as obras são necessárias para a salvação.

Notas (pular)

[10] A versão de Ferreira de Almeida traz, neste trecho de S. Paulo que


estamos comentando, a palavra em vez da palavra . Mas isto
em nada altera o sentido. A passagem de S. Paulo continua a ser uma
condenação das seitas protestantes, pois todos os “evangélicos” reconhecem
que há dentro das seitas, nascidas do livre exame, nascidas do
Protestantismo, muitas . Elas próprias se acusam umas às outras de
heréticas, o que ninguém surpreende, uma vez que ensinam em muitos
pontos doutrinas totalmente diversas. E é interessante notar que a mesma
palavra grega aí empregada aparece em outros textos da Bíblia: e
em vários lugares é traduzida nas versões protestantes (tanto de Ferreira de
Almeida, como da Sociedade Bíblica do Brasil) pela palavra (Atos V-17;
XV-5; XXIV-5; XXIV-14; XXVIII-22). (voltar)

Salvação em marcha e salvação consumada.

87. Os protestantes, como dissemos, se iludem com este texto de


S. Paulo — nada de condenação têm os que estão em Jesus Cristo
— vendo aí a certeza absoluta de que já estão salvos. A simples
exposição do sentido do texto mostrou claramente que daí
absolutamente não se pode tirar esta conclusão, desde que tudo
está condicionado a uma cláusula: não andar segundo a carne.

Mas há outros textos ainda, que fazem confusão na cabeça dos


protestantes. O leitor vai-nos permitir esta digressão, pois o nosso
livro tem por fim sobretudo, analisando a mentalidade protestante,
esclarecer pacientemente muitas de suas confusões. E não
podíamos deixar de falar sobre esta ideia de certeza absoluta da
salvação, que os protestantes ingenuamente alimentam.

Para isto, antes de tudo, figuremos uma hipótese. Um homem vivia


em deplorável estado de pecado; se morresse nesse estado,
certamente se condenaria. Se quisermos dar um nome a esse
homem, demos-lhe um qualquer: chamemo-lo Agostinho por
exemplo. Deus por muitos anos perseguiu amorosamente com sua
graça o coração desse nosso Agostinho. E um dia ele cooperou
plenamente com a graça: voltou-se de todo o coração para Deus.
Houve um feliz momento em que se operou uma transformação
radical em sua alma: esta que estava em pecado mortal passou a
tornar-se revestida da graça santificante. Suponhamos que esse
homem ainda viveu por muitos anos, mas sempre fiel à graça.

Podia ter acontecido com ele que se perdesse, voltando aos


pecados antigos e morrendo impenitente em estado de pecado
mortal, podia também ter acontecido que retornasse ao pecado, até
mais de uma vez, e no entanto Deus o convertesse de novo e o
regenerasse pelo arrependimento, porque ele conservava o livre
arbítrio, uma vez que a graça não destrói a liberdade. Mas isto não
aconteceu: cooperou com a graça até o fim, nunca perdeu a graça
santificante. Um dia morre o nosso herói e comparece ao tribunal de
Deus. A sentença divina é esta: . Não irá para o inferno;
será um glorioso habitante do Céu por toda a eternidade.

Agora perguntamos: em que ocasião esse homem se salvou?


Podemos dizer que foi naquele momento inicial em que sua alma
passou do estado de pecado para o de graça santificante. Segue-se
daí que ele tinha certeza absolutamente, nesse momento, de que
iria para o Céu? Não, porque o homem não pode garantir, com
absoluta certeza, que sempre há de cooperar com a graça. Sua
vontade firme pode ser esta; no entanto o espírito na verdade está
pronto, mas a carne é fraca (Mateus XXVI-41). O coração do
homem está sujeito a muitas mudanças; uma pequena resistência à
graça pode depois paulatinamente acarretar resistências maiores;
basta, por exemplo, uma inclinação ao orgulho, à presunção para
fazê-lo cair deploravelmente, porque Deus resiste aos soberbos e
dá a sua graça aos humildes (1ª Pedro V-5).

No decorrer de todos os anos que se seguiram à sua conversão, ele


sempre podia dizer: Estou salvo. Mas que sentido teria esta frase?
Quereria dizer que tinha certeza absoluta da salvação? Não; porque
ele podia pecar e afastar-se do bom caminho. A frase seria
verdadeira neste sentido: Estou no caminho da salvação, porque
estou na graça de Deus; se morrer neste mesmo instante,
alcançarei a vida eterna. Assim, tanto ele podia dizer; — Estou salvo
— como: Espero que hei de salvar-me, conforme considerasse
.

Mas quanto a esta salvação consumada, à salvação futura, no dia


do julgamento de Deus, ele não podia ter certeza absoluta (pois não
era impecável) podia, sim, ter a esperança, uma firme e bem
fundada esperança.

Neste dia do julgamento de Deus, quando Deus proferiu a sentença


em seu favor, aí então se pode dizer que se salvou com certeza
absoluta.

O verbo salvar em três tempos.

88. Ora, a Bíblia fala em salvação, usando tanto o passado, como o


presente, como o futuro; e uma vez até usando o passado e o futuro
ao mesmo tempo.

1º — no passado: D .

S. Paulo, falando a Tito, relembra os pecados cometidos pelos


cristãos antes de sua conversão: Também nós algum tempo éramos
insensatos, incrédulos, metidos no erro, escravos de várias paixões
e deleites, vivendo em malícia e em inveja, dignos de ódio,
aborrecendo-nos uns aos outros (Tito III-3). Imediatamente depois
de ter descrito esta miséria e depravação, este estado deplorável
em que se encontravam, S. Paulo mostra como Deus
daquela desgraceira, os colocou no caminho da salvação. Vejamos
os versículos seguintes: Mas quando apareceu a bondade do
Salvador nosso Deus e o seu amor para com os homens, não por
obras de justiça que tivéssemos feitos nós outros, mas segundo a
sua misericórdia, pelo batismo de regeneração e
renovação do Espírito Santo, o qual Ele difundiu sobre nós
abundantemente por Jesus Cristo, nosso Salvador, para que
justificados pela graça, sejamos herdeiros segundo a esperança da
vida eterna (Tito III-4 a 7).

S. Paulo finda falando na esperança da vida eterna. Esperança não


é o mesmo que certeza absoluta. Se Deus os salvou da perdição,
segue-se que se salvarão com absoluta certeza? S. Paulo
absolutamente não afirma que eles são imaculáveis, ou que é
impossível voltar ao estado antigo. Mostraremos, daqui a pouco,
pelos próprios textos da Bíblia, que esta não considera impecáveis,
nem completamente seguros aqueles que estão no bom caminho e
que, portanto, a salvação adquirida nesta vida ainda pode perder-se.

E é por isso que S. Paulo adverte os Coríntios: Acaso não sabeis


que os iníquos não hão de possuir o reino de Deus?
: nem fornicários, nem idólatras, nem os adúlteros, nem os
efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos,
nem os que se dão a bebedices, nem os maldizentes, nem os
roubadores hão de possuir o reino de Deus. E tais haveis sido
alguns; mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados,
haveis sido justificados em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e
pelo Espírito do nosso Deus (1ª Coríntios VI-9 a 11).

A advertência de S. Paulo — Não vos enganeis — mostra muito


bem que apesar de lavados, santificados e justificados em nome de
Jesus Cristo, em outras palavras, apesar de salvos, devem ter
cuidado porque, se voltarem ao estado antigo, não possuirão o reino
de Deus.
A salvação é assim apresentada no passado, porque foi começada
por Deus, que deseja levá-la a bom termo.

2º — no presente: .

Na 1ª Epístola aos Coríntios, S. Paulo diz o seguinte: Ponho-vos,


pois, presente, irmãos, o Evangelho que vos preguei, o qual também
vós recebestes e nele ainda perseverais, pelo qual é certo que
, se todavia o conservais, como eu vo-lo preguei, salvo se
em vão o crestes (1ª Coríntios XV-1 e 2). S. Paulo diz aos Coríntios
que eles estão no caminho da salvação, estão salvos pelo
Evangelho, se é que não creem em vão; e é claro que, se não
obedecem ao que manda o Evangelho, é vã a sua crença e não se
salvam.

Na Epístola aos Efésios, exatamente como fizera no trecho da


Epístola a Tito acima transcrito, S. Paulo fala primeiramente nos
graves pecados de que cristãos eram culpados, antes de abraçarem
o Cristianismo: Vivemos também todos nós em outro tempo
segundo os desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e
dos seus pensamentos e éramos por natureza filhos da ira, como
também os outros (Efésios II-3), para logo em seguida acrescentar:
Mas Deus que é rico em misericórdia, pela sua extremada caridade,
com que nos amou, ainda quando estávamos mortos pelos
pecados, nos deu vida juntamente em Cristo, por cuja graça
(Efésios II-4 e 5). S. Paulo, portanto, lhes diz: Estais salvos
daquele estado de pecado e corrupção em que vos encontráveis,
estais no caminho da salvação eterna e isto foi obra da graça que
tocou o vosso coração. Mas segue-se daí que S. Paulo os julgasse
impecáveis, incapazes de voltar ao antigo estado? Segue-se daí
que S. Paulo esteja dizendo que todos os fiéis de Éfeso, a quem
escreve, irão para o Céu com toda certeza ou que não pode perder-
se nenhum deles por consideração alguma? Absolutamente não,
porque o Apóstolo, nesta mesmíssima Epístola aos Efésios, sente a
necessidade de fazer várias exortações
,
: Não andeis já como andam também os gentios na
vaidade do seu sentido (Efésios IV-17). Renunciando a mentira, fale
cada um a seu próximo a verdade, porque somos membros uns dos
outros. Se vos irardes, seja sem pecar... Não deis lugar ao diabo.
Aquele que furtava não furte mais... Nenhuma palavra má saia da
vossa boca (Efésios IV-25 a 29). Toda a amargura e ira e indignação
e gritaria e blasfêmia, com toda a malícia, seja desterrada dentre
vós outros (Efésios IV-31). A fornicação e toda a impureza ou
avareza, nem sequer se nomeie entre vós outros, como convém aos
santos, nem palavras torpes, nem loucas, nem chocarrices que são
impertinentes, mas antes ações de graças, porque
, o que
é culto de ídolos, C
D (Efésios V-3 a 5).

É um estado de salvação em que se encontram os Efésios, mas um


estado que por meio de um bom
procedimento, para que cheguem a gozar da herança do reino de
Cristo lá no Céu.

3º — no futuro: .

Às vezes a Bíblia apresenta a salvação, não como uma coisa que já


se adquiriu, mas que ainda vai ser adquirida para o futuro.

Se, sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus, pela morte
de seu Filho; muito mais, estando já reconciliados,
por sua via (Romanos V-10). E em outro capítulo da mesma Epístola
aos Romanos, S. Paulo fala da salvação, como a meta para a qual
se marcha, o ideal que procura conseguir: Agora está a
nossa salvação que quando recebemos a fé (Romanos XIII-11).

4º — No passado e no futuro ao mesmo tempo.

Há finalmente um texto curioso da Epístola aos Romanos em que


S. Paulo nos diz: é que . Ora, a
esperança que se vê não é esperança; porque o que qualquer vê,
como o espera? E se o que não vemos esperamos, por paciência o
esperamos (Romanos VIII-24 e 25). Fomos salvos, não na realidade
que se goza imediatamente, mas na esperança (no grego
— dativo modal), isto é, temos este bem da salvação em nossa
esperança.

Duplo conceito de vida eterna.

89. O que se dá com o verbo , também se dá nas Escrituras


com a expressão R C , que, como veremos mais
adiante (nº 179), tanto pode designar o reino dos bem-aventurados
lá no Céu, na glória da eternidade, como pode designar aqui na
terra a Igreja, que prepara os homens para este reino.

E o mesmo se dá também com a expressão .

Muitas vezes aparece na Bíblia designando a glória do


Céu, a vida sem fim que os justos gozarão após a morte:

Ninguém há que, uma vez que deixou pelo reino de Deus a casa, ou
os pais, ou os irmãos, ou a mulher, ou os filhos, logo neste mundo
não receba muito mais, e (Lucas
XVIII-29 e 30). Vinde, benditos de meu Pai, possui o reino que vos
está preparado desde o princípio do mundo... Apartai-vos de mim,
malditos, para o fogo eterno... E irão estes para o suplício eterno; e
os justos para a (Mateus XXV-34, 41 e 46). O que sega
recebe galardão e ajunta fruto para a (João IV-36).
Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que dura até à
(João VI-27). O que ama a sua vida perdê-la-á, e o que
aborrece a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a
(João XII-25). Aquilo que semear o homem, isso também segará... e
o que semeia no espírito, do espírito segará a (Gálatas
VI-8). Para a esperança da (Tito I-2).

Às vezes por abreviação esta , que consiste na glória


celeste, é chamada simplesmente de , porque em comparação
com a nossa vida terrena ela, sim, é que é a verdadeira vida: Todos
os que se acham nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus, e
os que obraram bem sairão para a ressurreição da (João V-28
e 29). Que estreita é a porta e que apertado o caminho que guia
para a (Mateus III-14). Melhor te é entrar na com um só
olho do que tendo dois, ser lançado no fogo do inferno (Mateus
XVIII-9). Se tu queres entrar na , guarda os mandamentos
(Mateus XIX-17).

Como a vida eterna do Céu vai ser a felicidade de uma íntima união
com Deus e esta felicidade já se pode gozar aqui na terra pela
, como só pode entrar no Céu aquele que já daqui da terra
leva em sua alma esta vida sobrenatural, a qual assim vai continuar
no outro mundo e continuar muito mais esplendorosa e feliz, a
Escritura, em outras passagens, já chamava a vida
sobrenatural da graça, que possuem neste mundo aqueles que
estão unidos a Deus, por estarem com a consciência limpa de
qualquer pecado grave: Quem ouve a minha palavra e crê nAquele
que me enviou, e não incorre na condenação,
mas passou da morte para a vida (João V-24). O que come a minha
carne e bebe o meu sangue , e eu ressuscitarei
no último dia (João VI-55). Pai, é chegada a hora; glorifica a teu
Filho... tu Lhe deste poder sobre todos os homens, a fim de que Ele
dê a vida eterna a todos aqueles que tu Lhe deste. ,
porém, consiste em que eles conheçam por um só verdadeiro Deus
a ti, e a Jesus Cristo, que tu enviaste (João XVII-1 a 3). A graça de
Deus é a em Nosso Senhor Jesus Cristo
(Romanos VI-23). O que crê no Filho de Deus tem em si o
testemunho de Deus... E este é o testemunho, que Deus nos deu a
, e esta vida está em seu Filho. O que tem ao Filho tem
a vida; o que não tem ao Filho não tem a vida. Eu vos escrevo estas
coisas, para que saibais que , os que credes
no nome do Filho de Deus (1ª João V-10 a 13).

— Aqui dirão os protestantes: Se nós temos já neste mundo a


, quer dizer que não podemos perdê-la. Se é eterna, é
porque vai durar eternamente.

— Não há dúvida que a vida da graça, a vida de que goza aquele


que está em união com Cristo pela graça santificante é eterna, no
sentido de que ela por si não se extingue. Vem a morte corporal,
mas aquele que estava unido a Cristo continuará vivendo a sua vida
de união com Deus. Porém esta vida é incompatível com o pecado
grave; e aquele que o comete se afasta de Jesus Cristo que é a
Vida Eterna; aquele que o comete renuncia a este .É
como se nos dessem um objeto de ouro ou um livro solidamente
encadernado e nos dissessem que se trata de um presente
; de fato não terá fim, se nós mesmos não resolvermos
destruí-lo ou metê-lo no fogo.

O que nos vale é que, pela misericórdia divina, se perdemos a vida


eterna pelo pecado mortal, podemos readquiri-la, sendo para isto
indispensável o arrependimento.

Que esta , que já possuímos aqui na terra pela graça


santificante, é incompatível com o pecado grave e se perde, se o
cometemos, isto se mostra claramente na Bíblia: Cada um é tentado
pela sua própria concupiscência, que abstrai e alicia. Depois,
quando a concupiscência concebeu, pare ela o pecado; e o pecado,
quando tiver sido consumado, (Tiago I-14 e 15). A
alma que pecar, essa (Ezequiel XVIII-4 e 20). Todo que
tem ódio a seu irmão é um homicida; e vós sabeis que nenhum
homicida tem a permanentemente em si mesmo (1ª
João III-15). Aquele que comete o pecado é filho do diabo, porque o
diabo peca desde o princípio... Nisto se conhece quais são os filhos
de Deus e os filhos do diabo. Todo o que não é justo não é filho de
Deus, e o que não ama seu irmão; porque esta é a doutrina que
tendes ouvido desde o princípio, que vos ameis uns aos outros (1ª
João II-8, 10 e11). A que verdadeiramente é viúva e desamparada,
espere em Deus e esteja perseverante em rogar e orar de noite e de
dia; porque a que vive em deleites vivendo (1ª Timóteo
V-5 e 6). Eu sei ; que tens a reputação de que vives
e tu (Apocalipse III-1). Muitos dos judeus e prosélitos
tementes a Deus seguiram a Paulo e Barnabé, os quais com as
suas razões os exortavam a que
D (Atos XIII-43).

Vimos há pouco esta , ou seja, a graça de Deus em


nós, ser apresentada como anexa à fé em Cristo ou à recepção do
seu corpo e sangue.

Não precisamos mais repetir o que já dissemos: que esta fé se


entende a fé viva, que não é contradita pelas obras, a fé que tem
aquele que guarda a palavra de Jesus (nº 75) e que esta recepção
do corpo e sangue do Senhor há de ser com a almas contrita e com
as necessárias disposições, sob pena de se comer e beber a própria
condenação, como diz S. Paulo (1ª Coríntios XI-29). Queremos
lembrar apenas, a respeito do ensino de Jesus, apresentado pelo
Evangelista S. João, de que a consiste em
D J C (João XVII-3), esta palavra do mesmo
S. João Apóstolo a respeito do Divino Mestre: Nisto sabemos que O
, . Aquele que
diz que O conhece e não guarda os seus mandamentos é um
mentiroso e não há nele a verdade (1ª João II-3 e 4). Não pode,
portanto, ter a , ou seja, a graça santificante, aquele
que não obedece aos mandamentos.

Ovelhas que não perecerão.

90. Vejamos agora um trecho do Evangelho de S. João muito citado


pelos protestantes. Diz Jesus: As minhas ovelhas
, e eu conheço-as e elas ; e eu lhes dou a
, e elas nunca jamais hão de perecer; e ninguém as há de
arrebatar da minha mão (João X-27 e 28).

Em que sentido aí se toma a expressão ?


Pode-se tomar num e noutro sentido. Às suas ovelhas fiéis, Jesus
dá neste mundo a , ou seja, a vida sobrenatural da
graça e no outro a , ou seja, a glória celeste, a visão
beatífica.

— Mas o Mestre diz que elas .

— É claro, pois o Mestre se refere a ovelhas que


e que . Como podem perecer as ovelhas que estão
ouvindo a voz do seu Divino Pastor, que O estão seguindo? Se um
dia entenderem de não ouvir mais esta voz que lhes fala ao
coração, primeiro que tudo, pela voz da consciência, se um dia
resolverem não seguir mais a Jesus, observando a sua lei,
cumprindo os seus mandamentos, então a coisa já muda de figura.
Quer dizer que a ovelha de Jesus tem que ser impecável? Não. A
ovelha costuma ouvir fielmente a voz de seu Pastor ainda mesmo
quando por fraqueza comete um pecado grave, atende logo à voz
de Jesus que procura atraí-la com o remorso, com as inspirações de
sua graça, com o sincero arrependimento. É o caso da ovelha
desgarrada, que o Bom Pastor vai buscar e traz docemente sobre
os seus ombros: não traz, porém, a pulso e violentamente, mas sim
quando ela, atraída pela graça, se entrega espontaneamente em
seus braços. Se, porém, extraviando-se no pecado, a ovelha
persiste em emaranhar-se no vício e em não atender às inspirações
da graça, neste caso pode perecer. Mas já não está no número
daquelas que J C .

— Mas Jesus diz que ninguém arrebatará estas ovelhas de sua


mão.

— E quem foi que disse que, quando a ovelha voluntariamente


abandona o rebanho e se afasta de Jesus pelo pecado, foi
arrebatada violentamente das mãos de Jesus? Afastou-se porque
quis, pois um ato, para ser pecaminoso, precisa ser voluntário e
livre. Quando Jesus diz que ninguém arrebatará as ovelhas de sua
mão, se refere às forças estranhas, às potestades infernais, ao
torvelinho do mundo, aos inimigos de nossa salvação. As almas fiéis
estão sob o abrigo da divina graça. Mas esta graça não força nem
violenta a liberdade. A alma serve a Deus livremente e assim pode
abandoná-Lo.

Um tipo de muito especialmente confiadas à proteção, ao


amparo, à vigilância de Jesus foram os Apóstolos. Entretanto o
Mestre, apesar de todo o empenho, não pôde - todos;
um se perdeu. Por quê? Porque faltasse poder a Jesus? Não; mas
porque Jesus respeitava a liberdade de cada um. O Divino Mestre,
na sua oração sacerdotal proferida depois da Última Ceia, diz,
dirigindo-se ao seu Eterno Pai e falando a respeito dos Apóstolos:
Eu conservei os que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, mas
somente o que era filho de perdição, para cumprir a Escritura (João
XVII-12).

— Ah!, dirá o adversário, mas Judas se perdeu para se cumprir a


profecia: O homem da minha paz, em que eu confiei, o que comia o
meu pão, engrandeceu sobre mim a sua traição (Salmos XL-10).

— Mas que ideia faz Você, caro amigo, a respeito da palavra


Escritura, que é a própria palavra de Deus? Acha que a Escritura
profetiza assim de oitiva, e depois se há de arranjar um pobre diabo
para cumprir de qualquer maneira a palavra sagrada? A Escritura
prediz aquilo que Deus prevê na sua ; e Deus prevê
tudo, mesmo aquilo que cada um dos homens vai fazer .
Judas perdeu-se, porque não correspondeu à graça, porque usou
mal de sua liberdade, porque não quis ser daquelas ovelhas que,
até o fim, seguem a Jesus e ouvem a sua voz. E isto aconteceu a
despeito de todo o empenho de Jesus salvá-lo, porque Deus não
quer a morte do ímpio, mas sim que o ímpio se converta do seu
caminho e viva (Ezequiel XXXIII-11).

O homem só pode salvar-se livremente, e é livremente que se


perde. Dizer o contrário seria destruir toda a noção da bondade, da
justiça e da sabedoria de Deus.
Isto, porém, não impede que Deus daquilo que os homens fazem
livremente se aproveite para a realização de seus grandes
desígnios; e assim a traição de Judas e o deicídio dos judeus foram
meios de que Deus se serviu para operar a nossa Redenção.

Qualquer pessoa pode perder-se.

91. Vimos, portanto, que a Bíblia fala na salvação e na vida eterna


como um bem que já se adquiriu ou que ainda se vai possuir. Resta-
nos saber se este bem que já foi adquirido pode ou não pode
perder-se, se o indivíduo que aqui na terra foi salvo pode depois
perder esta salvação. É uma salvação definitiva que se realiza
infalivelmente, ou é uma salvação que se vai realizando debaixo de
uma condição: a de manter-se o homem neste bom caminho? Pode
o homem decair deste estado de graça, que a Escritura chama
?

Ora, ao contrário do que ensinou Calvino, a bíblia nos mostra que se


pode perder a fé. Se a fé é necessária para a salvação, segue-se
que a salvação adquirida nesta vida pode perder-se.

Vejamos. Nosso Senhor, na parábola do Semeador, explicando qual


é a semente que cai no pedregulho, diz: Quanto à que cai em
pedregulho, significa os que recebem com gosto a palavra, quando
a ouviram; e estes não tem raízes, porque até certo tempo e
no tempo da tentação (Lucas VIII-13). S. Paulo fala
em alguns que perderam a fé, porque não souberam conservar a
boa consciência, ou porque se deixaram levar pela cobiça:
Conservando a fé e a boa consciência, a qual porque alguns
repeliram, ; deste número é Himeneu e
Alexandre, os quais eu entreguei a Satanás, para que aprendam a
não blasfemar (1ª Timóteo I-19 e 20). A raiz de todos os males é a
avareza, a qual cobiçando alguns (1ª
Timóteo VI-10). No fim da mesma Epístola, S. Paulo fala de alguns
que também descaíram da fé (1ª Timóteo VI-21) já por outro motivo:
enredaram-se com as profanas novidades de palavras e uma
ciência de falso nome (1ª Timóteo VI-20).

Na 2ª Epístola aos Coríntios, o Apóstolo fala na fé pela qual Deus


resplandeceu em nossos corações, apara iluminação do
conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo (2ª
Coríntios IV-6) mas, logo após, acrescenta: Temos, porém, este
tesouro em vasos de barro, para que a sublimidade seja da virtude
de Deus, e não de nós (2ª Coríntios IV-7). O que mostra muito bem
que facilmente podemos perder a fé, porque vasos de barro se
podem quebrar com facilidade.

Assim como se pode perder a salvação, perdendo-se a fé, pode-se


perder também pelos pecados que são contrários às demais
virtudes.

Lê-se na Epístola aos Hebreus: É impossível que os que foram uma


vez iluminados, que tomaram já o gosto ao dom celestial e que
foram feitos participantes do Espírito Santo, que gostaram
igualmente a boa palavra de Deus e as virtudes do século vindouro,
, é impossível, digo, que eles tornem a ser
renovados pela penitência, pois crucificam de novo ao Filho de Deus
em si mesmos e O expõem ao ludíbrio (Hebreus VI-4 a 6). Trata-se
aí de apóstatas que tinham recebido graças especialíssimas, como
por exemplo, um sacerdote; trata-se de uma impossibilidade moral e
não absoluta; o que é moralmente impossível pode realizar-se por
um milagre e a graça de Deus também faz os seus milagres. Mas as
palavras do Apóstolo mostram muito bem que nem mesmo aqueles
que já foram iluminados, que já foram feitos participantes do Espírito
Santo estão livres de cair, e caindo de tão alto, não se lhes torna
nada fácil levantar-se.

É por isto que o próprio S. Paulo que se confessa atormentado na


sua carne — permitiu Deus que eu sentisse na minha carne um
estímulo, que é o anjo de Satanás para me esbofetear (2ª Coríntios
XII-7) — fala nas mortificações e penitências que faz no seu próprio
corpo para não cair no número dos réprobos: Castigo o meu corpo e
o reduzo à servidão, para que não suceda que, havendo pregado
aos outros, venha eu mesmo a ser reprovado (1ª Coríntios IX-27). O
perigo que ele vê para si, também o vê nos fiéis: Aquele, pois, que
crê estar em pé veja não caia (1ª Coríntios X-12). Nesta palavra de
S. Paulo deveriam meditar muito seriamente os protestantes que
julgam estar em pé e que com tanta presunção e arrogância
garantem que infalivelmente, certissimamente serão levados para o
Céu, no próprio momento da morte. Falando sobre a rejeição dos
judeus, diz S. Paulo ao cristão que está , ao cristão leal
e fervoroso: ; pois, não te ensoberbeças por
isso, mas ; porque, se Deus não perdoou aos ramos naturais,
deves tu temer que Ele te não perdoe a ti. Considera, pois, a
bondade e a severidade de Deus: a severidade, por certo, para com
aqueles que caíram, e a bondade de Deus para contigo,
; também tu
(Romanos XI-20 a 22). E em vez de procurar incutir uma
ilusória segurança, aconselha o temor: Obrai a vossa salvação
e (Filipenses II-12).

É o que nos ensina também S. Pedro: E se invocais como Pai


Aquele que sem acepção de pessoas julga segundo a obra de cada
um, vivei durante o tempo da vossa peregrinação (1ª
Pedro I-17). É um temor baseado na consideração do julgamento de
Deus, que é Pai, mas é também Juiz Justíssimo, sem fazer acepção
de pessoas. Porque, segundo a doutrina de S. Pedro, é deplorável o
estado daqueles que tendo seguido o bom caminho, dele se
desviaram: Se depois de se terem retirado das corrupções do
mundo pelo conhecimento de Jesus Cristo, Nosso Senhor e
Salvador, se deixam delas vencer, enredando-se de novo, é o seu
último estado pior do que o primeiro. Porque melhor lhes era não ter
conhecido o caminho da justiça do que, depois de o ter conhecido,
tornar para trás, deixando aquele mandamento santo que lhes fora
dado. Porque lhes sucedeu o que diz aquele verdadeiro provérbio:
Voltou o cão ao que havia vomitado; e: A porca lavada tornou a
revolver-se no lamaçal (2ª Pedro II-20 a 22). Por isto S. Pedro
aconselha a mortificação e a contínua vigilância: Sedes sóbrios e
vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda ao derredor de vós,
como um leão que ruge, buscando a quem possa tragar (1ª Pedro
V-8).

Esta doutrina dos Apóstolos de que aquele que está no bom


caminho pode perder-se, desviando-se dele, é confirmada ainda
pelo ensino do Antigo Testamento e pelas palavras de Nosso
Senhor Jesus Cristo.

Ouçamos o que diz o profeta Ezequiel: Se o justo se apartar da sua


justiça e vier a cometer a iniquidade, segundo todas as
abominações que o ímpio costuma obrar, acaso viverá ele? De
nenhuma das obras de justiça que tiver feito se fará memória: na
prevaricação com que prevaricou e no seu pecado que cometeu,
nestas mesmas circunstâncias morrerá (Ezequiel XVIII-24).

E Nosso Senhor Jesus Cristo diz aos Apóstolos: Vós já estais puros
em virtude da palavra que eu vos disse. Permanecei em mim e eu
permanecerei em vós (João XV-3 e 4) para dizer, dois versículos
mais adiante: Se alguém não permanecer em mim, será lançado
fora como a vara, e secará, e enfeixá-lo-ão e lançá-lo-ão no fogo, e
ali arderá (João XV-6).

De tudo isto se conclui que, se a Bíblia usa algumas vezes esta


expressão — estarmos salvos — isto quer dizer: estarmos no
caminho da salvação (e estão no caminho da salvação aqueles que
possuem a graça santificante pela e pela
J ), mas daí não se segue
que seja a salvação definitiva, sem perigo algum de perder-se.
Também do doente que, depois de encontrar-se em estado grave,
conseguiu a cura, se diz que , e no entanto ele ainda
pode recair na sua enfermidade mortal.

Salvação definitiva para o fiel, de tal forma que ele não possa jamais
perder-se, virá na hora da morte, se ele perseverar até o fim: O que,
porém, perseverar até o fim, esse é que será salvo (Mateus X-22).

Sei em quem tenho crido.

92. É próprio da Humanidade interpretar as palavras que ouve


sempre de acordo com os seus próprios sonhos ou com o seu
particular interesse. Por isto, tendo-se encasquetado no cérebro de
muitos protestantes a ideia de que não podem perder-se de maneira
alguma, alimentando eles continuamente este sonho de uma
segurança absoluta aqui na terra, em matéria de salvação, vivem
querendo firmar-se, para sustentar esta teoria tão estranha, em
textos do Novo Testamento que nada têm que ver com o caso.

Tomemos, por exemplo, esta palavra de S. Paulo a Timóteo: Sei a


quem tenho crido e estou certo de que Ele é poderoso para guardar
o meu depósito para aquele dia (2ª Timóteo I-12).

Consideram tais protestantes estas palavras como um hino em que


S. Paulo canta e em que todo cristão deve cantar também a sua
. Mas é preciso perguntar: É deste
assunto que está falando S. Paulo? Que quer dizer o Apóstolo,
quando assevera a sua confiança de que Cristo conservará o seu
depósito? Que significa neste caso a palavra (no grego
)? Esta palavra aparece mais 2 vezes no Novo
Testamento, sempre empregada por S. Paulo e sempre nas suas
epístolas a Timóteo. Uma delas é logo dois versículos mais adiante.
S. Paulo diz ao seu discípulo: Guarda o bom pelo Espírito
Santo que habita em nós outros (2ª Timóteo I-14). E a outra, ao
terminar a 1ª Epístola ao mesmo discípulo: Ó Timóteo, guarda o
, evitando as profanas novidades de palavras e as
contradições duma ciência de falso nome, da qual fazendo alguns
profissão, descaíram da fé (1ª Timóteo VI-20 e 21).

Vê-se claramente nesta última citação que o que S. Paulo chama


é a doutrina de Cristo, a doutrina do Evangelho que ele,
Paulo, juntamente com os demais Apóstolos no
mundo, aos cuidados da Igreja docente que tem de conservá-la
fielmente e, portanto, aos cuidados do próprio Timóteo, que é
também um insigne pregador da Igreja e deste mesmo Evangelho.

Este mesmo sentido, = E cabe


perfeitamente naquelas duas outras frases em que esta palavra se
encontra, como se vê evidentemente pelo contexto. Paulo está
preso (2ª Timóteo I-8) por causa do Evangelho, no qual, diz ele, eu
fui constituído pregador e apóstolo e mestre das gentes (2ª Timóteo
I-11). Sofrendo perseguições por causa do Evangelho, S. Paulo não
se envergonha por isto, nem se considera derrotado, porque sabe
que Cristo é Todo-Poderoso e pode conservar no mundo
perpetuamente o depósito dele, Paulo, isto é, a doutrina sublime do
Evangelho que ele ensinou. Por cuja causa também padeço isto,
mas não me envergonho; porque sei a quem tenho crido e que Ele é
poderoso para guardar o meu para aquele dia (2ª Timóteo
I-12). É com este pensamento de que Cristo vela pela conservação
da doutrina do Evangelho, que S. Paulo exorta a Timóteo a
continuar fiel em conservar esta doutrina, este bom , com
o auxílio do Divino Espírito pois diz : Guarda a
forma das sãs palavras que me tens ouvido na fé e no amor em
Jesus Cristo. Guarda o pelo Espírito Santo que
habita em nós outros (2ª Timóteo I-13 e 14).

Como é que podem ver aí os protestantes um argumento de que


hão de salvar-se, dê no que der, e com infalível certeza?

O poder salvador de Cristo.

93. Vejamos agora outro trecho de S. Paulo, na sua Epístola aos


Hebreus:

Depois de dizer que Jesus porque permanece para sempre, possui


um sacerdócio eterno (Hebreus VII-24), diz S. Paulo que por isto
aos que por Ele mesmo se chegam a
Deus, vivendo sempre para interceder por nós (Hebreus VII-25). Daí
concluem muitos protestantes que já possuem uma
que é dada por Jesus.

Primeiro que tudo, o Autor da Epístola não diz que Jesus


infalivelmente a todos os crentes, mas que os que por
Ele mesmo se chegam a Deus. Quer ressaltar aí o poder salvador
do Eterno Sacerdote Jesus Cristo que , isto é, até o
fim do mundo, até a consumação dos séculos, através de todas as
gerações, exerce a sua missão redentora. O fito de S. Paulo é
estabelecer o contraste entre os sacerdotes da Antiga Lei que
morriam e depois de mortos, não podiam exercer a sua missão (a
morte não permitia que durassem — Hebreus VII-23); e Jesus Cristo
que não morre e por isto exerce eternamente a sua missão de
Sacerdote e Mediador.

Mas desta palavra de S. Paulo não se segue que Cristo nos salve
sem a cooperação da nossa parte, ao contrário supõe o Apóstolo
esta cooperação, pois Cristo pode salvar perpetuamente
D (Hebreus VII-5). E esta
cooperação, segundo o ensino desta mesma Epístola aos Hebreus,
não consiste somente na fé, mas também na a Cristo
que é o da salvação eterna para
(Hebreus V-9).

Nem quer dizer absolutamente que Cristo dê a salvação àqueles


que se chegaram a Deus, que se converteram e depois
voluntariamente se afastaram dEle e voltaram aos pecados de
outrora, àqueles que no começo obedeciam a Cristo e hoje já Lhe
não obedecem mais.

Crescia o número dos que se salvam.

94. Veem ainda muitos protestantes uma certeza absoluta de sua


salvação pessoal, nesta palavra dos Atos, em que se fala do
crescimento da Igreja: E o senhor aumentava cada dia mais o
número dos , encaminhando-os à unidade
da sua mesma corporação (Atos II-47).

É claro que, estando o mundo todo mergulhado no pecado, como


estava, quando veio Jesus, estando o próprio povo judeu tão
corrompido, se aumentava o número daqueles que com tanta
sinceridade e fervor abraçavam a religião de Cristo, aumentava
também necessariamente o número dos eleitos, o número daqueles
que iriam povoar o Céu. Ninguém podia afirmar isto com mais
segurança do que o Divino Espírito Santo, inspirador e principal
autor da Bíblia e que sonda os segredos de todos os corações.

Mas segue-se daí que aqueles que entrassem na Religião Cristã e


não perseverassem no bem ou se tornassem depois traidores da
sua fé, se salvariam também?

Os que se salvam, isto é, nós.

95. Dirão os protestantes: Nós temos um texto mais claro. S. Paulo


diz aos Coríntios: A palavra da cruz é na verdade uma estultícia
para os que se perdem; mas para os
, é ela a virtude de Deus (1ª Coríntios I-18). Logo, os que
salvam somos nós, os que seguimos a Cristo. Não há perigo de nos
perdermos.

— Uma coisa é dizer: Os que se salvam . E outra coisa


é dizer: - .

É muito comum o sacerdote católico dizer, no fim de seus sermões,


mais ou menos isto: “E nós, quando estivermos no reino da glória,
meus caros irmãos, gozaremos eternamente de toda felicidade no
seio de Deus etc, etc”. Ninguém vai concluir que, faça o que fizer,
estará neste caso; o padre está falando daquilo que acontece
normalmente, se se cumpre aquilo que é necessário cumprir-se.
Uma cidade é invadida pelos inimigos da pátria. Na sua resistência
ao invasor, a maioria se porta bravamente, mas neste meio há
também alguns cobardes que fogem ou alguns traidores que
favorecem ao inimigo. Vencida a batalha, isto não impede que os
habitantes desta cidade digam com toda segurança: Nós resistimos
heroicamente e vencemos o adversário. Porque dizer NÓS é uma
coisa; e dizer já é coisa bem diferente.

A Bíblia não nos diz tudo o que se passava entre os primeiros


cristãos. Mas pelo que ela nos diz, nós sabemos que os cristãos
estavam no caminho da salvação; e que o mesmo já não se
pode dizer de todos, sem exceção. Os Atos nos mostram S. Paulo
despedindo-se dos presbíteros, que são seguidores de Cristo de
especial categorias, encarregados de apascentar a Igreja de Deus;
recomenda-lhes que vigiem sobre o rebanho cristão (Atendei por
vós e por todo o rebanho — Atos XX-28), avisa que surgirão lobos
arrebatadores que não hão de perdoar ao rebanho (Atos XX-29) e
faz então uma revelação surpreendente: do seio destes mesmos
presbíteros, encarregados de vigiar sobre as ovelhas, hão de sair
também lobos vorazes: hão de sair homens
que hão de publicar , com o intento de
levarem após si muitos discípulos (Atos XX-30). Será que os
protestantes irão colocar no número daqueles que têm a salvação
infalivelmente certa estes presbíteros que mais tarde haveriam de
bromar, ensinando ?

S. Paulo fala aos Coríntios dizendo: Temo que talvez, quando eu


vier, vos não ache quais eu vos quero e que vós me acheis qual não
quereis; que por desgraça não haja entre vós contendas, invejas,
reixas, dissensões, detrações, mexericos, altivezas, parcialidades;
para que não suceda que, quando eu vier outra vez, me humilhe
Deus entre vós e que chore a muitos daqueles que

(2ª Coríntios XII-20 e 21).


Os protestantes de hoje afirmam que para a salvação é necessário
o arrependimento. Estes cristãos que haviam caído na
(2ª Coríntios XII-21) e que, como diz
S. Paulo, não se arrependeram de tais pecados, morrendo nesse
estado, podiam salvar-se? Se podiam, então esta salvação
“definitiva”daqueles que aceitam a Cristo como Salvador, vem a ser
uma licença para todas as desonestidades e imundícias.

Vejamos agora o que S. Paulo diz aos cristãos na sua Epístola aos
Hebreus: Vede, irmãos, que se não ache talvez nalgum de vós um
D
, mas admoestai-vos vós mesmos uns aos outros ,
durante o tempo que a Escritura chama Hoje, por não acontecer que
, , ;
porque é verdade que nós somos incorporados com Cristo; mas
que nós conservemos o
novo ser que começamos a ter nEle (Hebreus III-12 a 14).

Não podia haver condenação mais clara desta doutrina de que o


cristão tem certeza infalível, absoluta de sua salvação; esta certeza
é condicionada a sua união com Cristo, porque mesmo um seguidor
do Divino Mestre pode por um coração corrompido apartar-se de
Deus Vivo e cair no endurecimento, seduzido pelo pecado; e este
estado é evidentemente incompatível com a salvação eterna.

Outra ilusão protestante.

96. Outra ilusão protestante é julgar que, para estarmos na graça de


Deus, é preciso primeiro que disto estejamos convencidos. Já o
próprio Leibnitz, filósofo protestante, chamava a atenção para o
contrassenso em que os reformados caem neste ponto: “Se o crer-
se justificado se requer para a justificação e consequentemente
precede a justificação, neste caso deve crer-se justificado quem não
está justificado ainda; deve, portanto, crer uma coisa falsa” (Sistema
teológico; Mogúncia; 2ª edição, pág. 62).
Nós valemos diante de Deus o que valemos realmente; não o que
pensamos que valemos. Não é o fato de me julgar justo que me
torna justo, nem o fato de me ter na conta de um pecador que me
faz mais pecador do que sou realmente.

Não foi enchendo-se da convicção de que estava salvo, que o


publicano da parábola (Lucas XVIII-10 a 14) conseguiu a purificação
se sua alma, mas apenas humilhando-se e tendo-se na conta de um
desprezível pecador; e não consta do Evangelho que ele tivesse a
certeza, nem ao menos a mínima ideia, de que estava em graça de
Deus naquela hora. Se havia certeza, era no outro, no fariseu que
voltou para casa ainda mais pecador do que dantes.

— Mas a certeza que ele tinha era diferente da nossa, porque era
baseada nas obras, dirão os protestantes.

— Perfeitamente de acordo. A dele era certeza baseada nas obras


que praticava sem ter a virtude interior, mas sim com verdadeiro
espírito de ostentação. Mas ou certeza por causa das obras feitas
com orgulho e presunção, ou certeza porque alguém não se julga
obrigado às obras para salvar-se, o que é fato é que a parábola
mostra que a gente pode facilmente enganar-se nesta matéria.

E o que lemos no Evangelho é que muitos que creem firmemente


em Jesus Cristo, que chegam mesmo a profetizar e a fazer
prodígios em seu nome e que por isto estão certos, certíssimos da
salvação, sofrerão uma decepção tremenda no dia das contas,
serão rejeitados por causa de suas que não agradaram a
Deus: Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não é assim
que profetizamos em teu nome, e em teu nome expelimos os
demônios, e em teu nome obramos muitos prodígios? E eu então
lhes direi em voz bem inteligível: Pois eu não vos conheci; apartai-
vos de mim, os que obrais a iniquidade (Mateus VII-22 e 23).

Suponhamos que um homem tem dois criados: ambos o servem


com boa vontade; mas um está sempre cheio de si, convencido de
que o patrão está bem satisfeito com ele e de que receberá com
toda a certeza a recompensa prometida pelo amo aos servos que
façam bem o seu trabalho; o outro está sempre desconfiado,
sempre temeroso de que o patrão tenha alguma coisa a reclamar
sobre o seu serviço, ou de que talvez não mereça a recompensa
almejada. Isto faz com que este último valha menos perante o
patrão ou perca o seu direito à recompensa? Ao contrário, com este
receio sobre o valor do seu trabalho, está mais apto a caprichar, a
fazer tudo com perfeição do que o outro que está convencido de que
tudo quanto faz é uma maravilha que agrada imensamente ao seu
patrão. Isto se dá com maioria de razão na vida espiritual, onde a
humildade é a virtude mais apta para conquistar as graças de Deus.

Perguntaram um dia a uma santa se ela estava na graça de Deus.


Ela respondeu o seguinte: “Se eu estou na graça de Deus, que
Deus me conserve neste estado; se não estou, que Deus me ponha
nele”. Deixou, por acaso, de ser o que realmente era diante de Deus
por ter falado desta maneira?

O matuto, movido por aquela fé viva e inabalável que caracteriza o


camponês, se arrepende profundamente de seus pecados; faz o
firme propósito de jamais cometê-los, ajudado pela graça divina e
com aquela força de vontade com que tantas vezes os homens do
campo superam os da cidade. Confessa humildemente os seus
pecados ao sacerdote no Sacramento da Penitência, e quantas
vezes não andou a pé léguas e léguas para fazer a confissão!
Depois recebe a sua comunhão com viva fé e santo recolhimento.
Mas se lhe perguntarmos: Sua confissão foi bem feita?, ele
responderá: Para mim, foi; para Deus, eu não sei. Na sua
simplicidade, inspirado por Deus que revela aos pequeninos o que
oculta aos sábios e prudentes, demonstra, sem saber disto, um
mesmo sentimento de humildade, de desconfiança de si próprio,
que demonstrou o Apóstolo S. Paulo. Se todo o cristão para se
salvar, para estar bem com Deus, deve ter forçosamente a certeza
de que está em graça, ninguém deveria tê-la melhor do que
S. Paulo. Entretanto S. Paulo fala assim: Nem ainda eu me julgo a
mim mesmo; porque ; mas
; pois o Senhor é que me julga.
Pelo que, não julgueis antes de tempo, até que venha o Senhor, o
qual não só porá às claras o que se acha escondido nas mais
profundas trevas, mas descobrirá ainda o que há de mais secreto
nos corações; e então cada um receberá de Deus o louvor (1ª
Coríntios IV-3 a 5).

Pelas palavras do Apóstolo se vê que importante é servir a Deus,


fazer o bem, conservar a fé e a boa consciência. Quanto ao
julgamento, pertence a Deus. E enquanto nós estamos sujeitos a
enganos ao julgarmos a nós mesmos (pois ninguém é juiz de causa
própria) Deus é quem conhece, como diz o Apóstolo: o que há de
mais secreto nos corações. Ele penetra as mais íntimas
profundezas das nossas almas, infinitamente melhor do que nós
mesmos. E os seus julgamentos são diversos dos nossos: Senhor...
os teus juízos são um abismo profundo (Salmos XXXV-6 e 7). Ó
profundidade das riquezas da sabedoria e da ciência de Deus! Quão
incompreensíveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus
caminhos! (Romanos XI-33).

Não devemos, portanto, inverter a ordem das coisas, nem querer


precipitar os acontecimentos. Tenhamos a preocupação de servir a
Deus, com a maior perfeição que for possível; o testemunho da boa
consciência virá naturalmente depois. Não é o fato de nos julgarmos
bem com Deus que fará com que realmente o estejamos; ao
contrário, é o fato de estarmos realmente bem com Deus, que
nascerá a doce tranquilidade da consciência, a suave sensação de
que Deus habita em nós.

O testemunho do Espírito Santo.

97. Um exemplo manifesto do perigo desta inversão, nós o temos


no modo como encaram muitos protestantes uma frase de S. Paulo
na sua Epístola aos Romanos (VIII-16).
Os Romanos, a quem escreve S. Paulo, estão abatidos pelos
sofrimentos com que se têm defrontado após a sua conversão. Na
sua inexperiência, ficam desanimados com a ideia de que talvez
Deus não esteja satisfeito com eles, uma vez que lhes aparecem
estas tribulações e contratempos.

S. Paulo procura soerguer-lhes o ânimo, fazendo-lhes ver que, se


sofremos com Cristo, é para sermos glorificados com Ele; o sofrer é
antes um sinal de que somos filhos de Deus; e o próprio Espírito
Santo se encarrega de nos atestar que somos filhos de Deus
( , é claro); e estes sofrimentos daqui da
terra não são nada em comparação com a glória que Deus reserva
para nós: O mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de
que somos filhos de Deus. E, se somos filhos, também herdeiros;
herdeiros verdadeiramente de Deus e co-herdeiros de Cristo,
E ,
E . Porque eu tenho para mim que as
penalidades da presente vida não têm proporção alguma com a
glória vindoura que se manifestará em nós (Romanos VIII-16 a 18).

Texto grego traz = . O Espírito Santo


, isto é, atesta juntamente com o nosso espírito, confirma
o que o nosso próprio entendimento ou o testemunho da boa
consciência já nos vem atestando.

Tudo isto, porém, todo este testemunho do Espírito Santo supõe


que os destinatários da carta estejam , o que
não é o mesmo que dizer , mas sim regenerados depois
de uma conversão sincera: Libertados do pecado, haveis sido feitos
servos da justiça (Romanos VI-18). Estais livres do pecado e...
haveis sido feitos servos de Deus (Romanos VI-22).

Dizendo , o Apóstolo não os está considerando


impecáveis. Isto se vê pela insistência do mesmo em aconselhá-los
a que continuem livrando-se do pecado, pois do contrário estão
perdidos: Se vós viverdes segundo a carne, , mas se vós
pelo espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis (Romanos
VIII-13). Não há dúvida que se trata aí de morte eterna, pois morrer,
todos morrem de qualquer maneira. Permaneceremos no pecado,
para que abunde a graça? Deus nos livre; porque uma vez que
ficamos mortos ao pecado, como viveremos ainda nele? (Romanos
VI-1 e 2). Não reine, pois, o pecado no vosso corpo mortal, de
maneira que obedeçais aos seus apetites. Nem tão pouco ofereçai-
vos a Deus como ressuscitados dos mortos, e os vossos membros a
Deus como instrumentos de justiça; porque o pecado vos não
dominará, pois já não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.
Pois quê? Pecaremos porque não estamos debaixo da graça? Deus
tal não permita (Romanos VI-12 a 15). O pecado não vos dominará
— é a confiança de S. Paulo de que os fiéis saberão corresponder à
graça abundante que lhes vem na Nova Lei. Mas Deus tal não
permita — exprime sempre o receio de que os cristãos queiram
entregar-se voluntariamente ao pecado.

Mais adiante, nesta mesma Epístola aos Romanos, falando sobre os


judeus que rejeitaram a Cristo, S. Paulo os considera como ramos
que foram quebrados da árvore do povo de Deus, sendo em seu
lugar enxertados os cristãos. Mas vem sempre a advertência para
que estes não se ensoberbeçam com isto, pois se Deus não
perdoou aos ramos naturais, também os enxertados devem temer
que Deus não lhes perdoe (Romanos XI-18 a 21). Se o cristão não
permanece na bondade, também será cortado (Romanos XI-22). E o
próprio Deus tem poder para enxertar de novo os judeus na sua
própria árvore (Romanos XI-23 e 24).

Não há motivo, portanto, para que o cristão se ensoberbeça com a


ideia de uma , a qual de fato não existe,
sendo a soberba, ao contrário, o caminho para cair na reprovação
divina.

E não precisamos mais repetir aqui aquelas advertências bem


claras, que já expusemos há pouco, de que os que fazem tais e tais
coisas R D (1ª Coríntios VI-9 e 10;
Gálatas V-19 a 21).

Diante disto, qual é o papel da Verdadeira Igreja que quer realmente


ensinar a doutrina de S. Paulo, que é exatamente a mesma doutrina
de Jesus?

É exortar aos seus fiéis para que , de todo


o pecado. Ouvindo a sua exortação, os fiéis, uma vez que gozam do
livre arbítrio (e uns cooperam com a graça, e outros não) ou se
libertarão do pecado, com o auxílio da graça de Deus ou
continuarão a ele escravizados, por sua própria culpa.

Os que se libertarem realmente do pecado serão filhos e herdeiros


de Deus, co-herdeiros de Cristo. E a naturalmente o Espírito
Santo lhes infundirá paz e tranquilidade, juntamente com o
testemunho da boa consciência. Não é necessária, para isto,
nenhuma insinuação da nossa parte. Se, por acaso, alguém que
procede irrepreensivelmente, que cumpre exatamente o seu dever,
que segue sempre os ditames da própria consciência, que tem de
seus pecados passados um arrependimento , ainda se
mostra receoso e cheio de temor, é o caso de lhe dizermos que
expulse tais temores infundados, e que o próprio Espírito Santo se
encarregará de lhe atestar que é realmente um filho de Deus.

Mas os que continuaram presos aos seus vícios, aos seus pecados,
sem a necessária emenda, sem o arrependimento, estes, enquanto
permanecerem assim, não são filhos de Deus neste sentido especial
em que S. Paulo toma aí esta expressão, no de herdeiros do Céu; e
portanto o Espírito Santo não lhes poderá atestar isto, pois seria
uma mentira, e o Espírito Santo não mente. Realmente o mesmo
Divino Mestre que nos diz: Todo o que comete pecado é escravo do
pecado (João VIII-34) nos diz também: Ninguém pode servir a dois
senhores (Mateus VI-24).
O que é que procuram fazer algumas seitas protestantes?
Exatamente o inverso. Convencidas de que para alguém estar em
graça de Deus, é preciso, primeiro que tudo, estar plenamente
certificado disto, procuram incutir no espírito de todos os seus
adeptos a ideia de que são filhos de Deus e que o Divino Espírito
Santo lhes está atestando isto: que são realmente co-herdeiros de
Cristo e herdeiros do Céu.

Ora, a coisa mais fácil deste mundo é um pecador que está aferrado
ao pecado convencer-se de que é filho de Deus e de que irá para o
Céu com toda a certeza, se este pecador vem sendo trabalhado por
uma seita que já o convenceu de que nem a observância da lei
divina, nem as boas obras contribuem para justificação do homem,
nem são necessárias para a salvação e que o vai sempre
acostumando a ver em Jesus Cristo
A que temos para com o Pai (1ª João II-1) e nunca isto:
um Justo Juiz que há de vir na glória de seu Pai com os seus anjos;
e então (Mateus
XVI-27).

Tanto mais que este crente está acostumado a olhar para o que se
passa neste mundo e a ver como frequentemente os advogados
conseguem por no olho da rua muitos que deveriam permanecer
sob as grades da prisão... E pode facilmente esquecer que o
Advogado que temos para com o Pai é, como diz o próprio S. João,
Jesus Cristo (1ª João II-1) e, sendo justo, só pode advogar a
causa daqueles que realmente são dignos de receber o perdão, por
se acharem sinceramente arrependidos.

Não venham os protestantes dizer que se distingue facilmente a voz


do Espírito Santo e a voz do nosso próprio orgulho e presunção.
Pois podemos logo dar uma amostra bem clara do contrário. Todas
as seitas protestantes, ao mesmo tempo que vão imbuindo da sua
própria interpretação os seus adeptos, vão incutindo também neles
a ideia de que o E S ,
. O resultado é que, como veremos, (nos{} 225 a 243) as
interpretações da Escritura são as mais disparatadas e
contraditórias, mas todos os protestantes, desde Lutero até o mais
recente nova-seita, estiveram e estão plenamente convencidos de
que a sua interpretação, foi o Divino Espírito Santo quem lhes
inspirou! Nunca foi tão caluniado o Espírito Santo como nestes
últimos tempos, desde o nascimento do Protestantismo até os dias
de hoje! O Espírito Santo é infalível, não há dúvida alguma; a
questão está apenas em saber quando é que o Espírito Santo nos
fala e quando é que nos está falando no nosso íntimo o nosso
próprio EU instigado por uma secreta vaidade.

O ensino das epístolas.

98. Erram lamentavelmente os protestantes em muitas passagens


das Epístolas por uma razão bem compreensível: muitas e muitas
frases dos Apóstolos são escritas de acordo com as necessidade
dos seus destinatários, de conformidade com a correção de que
precisam no momento. Mas os protestantes as querem aplicar
indistintamente a todos os casos, a toda as pessoas. E como nem
sempre é possível fazê-lo com todas as exortações, escolhem, para
isto, as frases que mais lhes agradem, de acordo com a sua
ideologia.

S. Paulo, por exemplo, diz aos Romanos: Vós não recebestes o


espírito de escravidão para estardes outra vez ; mas
recebestes o espírito de adoção de filhos, segundo o qual
chamamos, dizendo: Pai, Pai (Romanos VIII-15). É precisamente o
versículo que antecede àquele em que S. Paulo se refere ao
testemunho do Espírito e que já comentamos no número anterior.

Já S. Pedro, na sua 1ª Epístola, diz o seguinte: E se invocais como


Pai Aquele que sem acepção de pessoa julga segundo a obra de
cada um, durante o tempo da vossa peregrinação
(1ª Pedro I-17).
Eis aí S. Paulo aconselhando que não se tenha temor, mas sim uma
confiança filial; S. Pedro, ao contrário, dizendo que se deve e
durante toda a vida. Há alguma contradição nisto? Não há. Deus é
Pai e é Juiz Justíssimo. Deve-se ter confiança na sua misericórdia,
que é infinita e temer a sua justiça, que é inexorável. S. Paulo fala
aos Romanos que estão invadidos pelo temor, dominados pelo
pessimismo e é preciso lembrar-lhes que Deus é Pai e havemos de
estar tranquilos e ter confiança nEle. Os que vivem na graça de
Deus, se sofrem, isto não é sinal de que estejam incorrendo no
desagrado divino. Já aos Filipenses, a quem S. Paulo é obrigado a
advertir: Nada façais por porfia , mas
(Filipenses II-3), o mesmo Apóstolo das Gentes exorta a
trabalhar no obra da salvação
(Filipenses II-12). S. Pedro, por sua vez, fala a cristãos que estão
muito confiados em que Deus é Pai e então se esquecendo de que
este mesmo Pai é também Juiz Justíssimo que julga segundo as
obras de cada um, sem fazer acepção de pessoas, e por isto estão
arriscados a caírem no pecado e no relaxamento e,
consequentemente, na condenação eterna. Todos indistintamente,
cristãos e pagãos, católicos e protestantes, judeus e gentios, santos
e pecadores têm que passar pelo seu tribunal de uma justiça
perfeita e aí prestarão contas de tudo o que fizeram, ou de bom ou
de mau (2ª Coríntios V-10). É certo que se levará em conta
naturalmente o perdão que receberam aqueles que o que
era necessário para obter este perdão.

Por isto havemos de ter em toda a nossa vida em


Deus, que é nosso, que nos quer salvar, que vela sobre todos os
nossos passos, que está sempre pronto a nos ajudar com a sua
graça. E havemos de ter em toda a nossa vida (ou, como diz
S. Pedro, durante o tempo de nossa peregrinação) por
causa da nossa miséria, da nossa inconstância e fragilidade, uma
vez que é necessário que correspondamos à graça e não podemos
garantir que sempre seremos fiéis a ela. Ostentar certeza absoluta
disto seria desconhecer a nós mesmos e nutrir uma presunção que
nos privaria desta mesma graça. É por isto que S. Filipe Néri, um
santo muito engraçado, apesar da sua resolução inabalável de
servir a Deus e jamais ofendê-Lo, dizia sempre nas suas orações a
Jesus Sacramentado: “Jesus, cuidado com Filipe! Ele pode
atraiçoar-vos”. E no mesmo sentido dizia o virtuoso sacerdote
cearense Mons. Antônio Tabosa: “Eu não tenho tanto medo do
demônio, nem dos homens; eu tenho medo é do Tabosa”.

Confiar plenamente em Deus; desconfiar de nós mesmos, é o


equilíbrio da ascese católica, que é a única ascese legítima, pois
constrói o edifício da nossa esperança sobre os alicerces da virtude
da humildade.

Vício de origem.

99. A mentalidade protestante tem sido diversa da mentalidade


católica neste ponto, porque o Protestantismo nasceu precisamente
disto: da pretensão de Lutero de querer ter, e sem grande trabalho,
a certeza absoluta de que era um predestinado para o Céu. Para
isto, alargou monstruosamente o caminho da salvação. Fez, pode-
se dizer, desta certeza absoluta da salvação, o único requisito para
alcançá-la. Segundo a doutrina de Lutero, para alguém se salvar
certamente, não precisa observar os mandamentos (porque,
segundo ele, o homem não pode observá-los, uma vez que não é
livre), não precisa mais do que crer que já está salvo.

O Evangelho, na doutrina de Lutero, se tornou uma boa nova, não


no sentido que lhe deu Jesus Cristo, mas uma boa nova para todos
os criminosos, todos os ímpios, todos os crápulas, todos os
devassos, os quais, de queixos caídos, ouvem Lutero explicar-lhes,
que também para eles é facílima a salvação, uma vez que não se
exige o arrependimento, uma vez que os pecados que cometeram,
ou cometerão ainda para o futuro, não os impedirão de entrar no
Céu; Cristo cobrirá com o seu manto todos estes pecados; basta
ficarem certo, certíssimos, convencidos inteiramente de que se
salvarão pelo sangue redentor de Cristo, que fez tudo por nós, que
já pagou, que já observou a lei de Deus por todos eles, para que
eles ficassem dispensados de observá-la.

Assim a certeza absoluta da salvação era uma consequência da


doutrina de Lutero, mas de uma doutrina ímpia, perversa e
monstruosa. Realmente se para entrar no Céu o pecador não
precisa emendar-se nem arrepender-se, entra com os pecados e
tudo, porque Jesus acoberta estes pecados debaixo do seu manto,
se só o pecado que condena o homem ao inferno é o pecado de
não crer, isto é, de não confiar em Cristo, é fácil ao homem que
confia em Cristo ficar com a convicção absoluta de que se salva.

Mas todo este sistema é, debaixo das aparências de piedade, de


adesão a Cristo, um sistema diabólico. Nem Deus, nem o
Evangelho, nem homem algum de bom senso pode estar de acordo
com isto, porque é fazer do Evangelho a porta aberta para todos os
crimes, todas as misérias e degradações.

Um quadro maravilhoso.

100. Os protestantes de hoje não concordam, nem podiam


concordar com semelhante teoria. Foram obrigados a fazer uma
notável alteração no sistema luterano: o homem é livre e para
salvar-se precisa arrepender-se, emendar de vida, deixar o pecado,
o que é o mesmo que reconhecer que o pecado que não foi
convenientemente retratado impede de entrar no Céu. Mas onde se
mostra toda a inexperiência dos protestantes é em querer conciliar
esta nova doutrina com a ideia de certeza absoluta da salvação.
Dizer ao crente que ele tem certeza absoluta de salvar-se é, no
caso, garantir que ele não pecará jamais.

— Exatamente, dizem os protestantes. O crente está


completamente liberto do pecado: Se algum, pois, é de Cristo (ou
mais de acordo com o texto grego: se algum está C ) é uma
(2ª Coríntios V-17). Desde que o homem se
arrepende sinceramente e faz profissão de fé em Cristo, único e
Suficiente Salvador, torna-se regenerado pelo Espírito Santo e
assim não peca mais. É a maravilhosa transformação que o
Evangelho realiza no coração do homem.

E como os protestantes não admitem nenhuma distinção, entre


pecado mortal e pecado venial, porque estas expressões não se
encontram na Bíblia, segue-se que o crente não comete pecado de
espécie alguma, nem grave nem leve; se o cometesse e não se
arrependesse, iria para o inferno. Mas não vai, porque não peca.

E uma amostra, que pode estar à vista do público, de que estes


crentes já estão completamente regenerados e santificados pelo
Espírito Santo, pode-se ver em muitas seitas: o crente já não fuma,
não toca absolutamente em bebidas alcoólicas, não dança e não
joga.

A Igreja dos crentes é constituída exclusivamente de puros e


perfeitos... E enquanto os católicos apresentam o cristão subindo
penosamente a montanha da perfeição, em peleja contra as
intempéries, contra os animais ferozes, sujeito às vezes a cair ferido
nesta luta, embora depois possa levantar-se, no Protestantismo é
como se o cristão subisse sentado e conduzido docemente por
Jesus, dentro de um carrinho de mão e carrinho fechado, coberto
e... blindado, para não sofrer nada com os ataques adversos.

Daí se vê, portanto, a superioridade do Protestantismo sobre a


Religião Católica: aquele promete aos seus adeptos a salvação com
toda certeza, enquanto esta não dá a ninguém a certeza absoluta da
salvação, por conseguinte não traz a paz e a tranquilidade às
consciências...

O quadro é assim traçado com uma ingenuidade espantosa.

Da teoria para os fatos.


101. Primeiro que tudo, ainda não é o fato de um indivíduo não
fumar, não beber, não dançar, nem jogar, que prova que ele estar
completamente liberto do pecado. Ser irrepreensível aos olhos dos
homens, é uma coisa; estar inteiramente isento de culpa aos olhos
de Deus, é outra bem diferente. Um mau pensamento, um desejo
impuro, um movimento interior de orgulho, de presunção, de ódio ou
de juízo temerário podem passar com rapidez na alma do cristão e
deixá-lo manchado e culpável aos olhos divinos, sem que isto
transpareça diante das criaturas. São pecados que não se podem,
averiguar. Mas há outros ainda que podem chegar ao nosso
conhecimento: não repugna que um indivíduo que não fuma, não
bebe, não dança e não joga seja capaz de caluniar, de cometer um
adultério, de enlear-se em amizades perigosas, de pregar uma
mentira, de agir com falsidade, de se mostrar grosseiro e intratável
com a família, de detratar da vida alheia, de passar um calote etc,
etc. E aí se vê a responsabilidade tremenda de cada um destes
crentes que se apresentam como perfeitíssimos e de cujo
procedimento fica a depender a verdade de sua própria religião: a
cada falta que cometem, surge uma pessoa para observar: Então a
sua doutrina está errada! Você não diz que aquele que aceitou a
Cristo como Salvador está salvo, porque está completamente liberto
do pecado? Isto é falso, porque Você agora mesmo foi pilhado numa
transgressão.

E quando se mostram a um protestante os casos de pecados


cometidos por crentes e “regenerados”, a saída é esta:

— É porque eles não tinham a fé verdadeira ou não tinham o


verdadeiro arrependimento.

— Quer dizer então que aquilo que a princípio se apresentava como


o que havia de mais simples neste mundo, agora de um momento
para outro, se transformou no que há de mais difícil e complicado.

Porque, antes de se converter o pecador, o infiel ou o descrente,


como Vocês queiram chamar, o que Vocês diziam a ele era que a
salvação é coisa muito fácil. Arrependeu-se o homem, aceitou a
Cristo como seu Único e Suficiente Salvador, como seu Salvador
Pessoal, já está salvo, completamente regenerado, não peca, não
pode perder-se jamais.

Agora que o homem pecou, vem a ter notícia do seguinte: Seu


arrependimento, que o seu coração lhe dizia ser sincero, sua
aceitação de Cristo que ele fez de tão boa vontade, não valiam, não
eram verdadeiros, porque para isto era preciso que
,
, .

Ora, isto não se pode garantir de pessoa alguma!

Os batistas e a certeza da salvação.

102. Deste jeito, a tal garantia absoluta de que se está salvo


definitivamente já neste mundo, se evapora completamente.

É precisamente o que se dá com os Batistas. Se, por acaso, o leitor


é protestante e pertence a alguma outra seita, pode muito bem
confrontar com o que se passa lá nos seus arraiais, dentro da
doutrina de sua denominação.

Como já tivemos ocasião de observar, o Protestantismo teve origem


no cérebro de um homem que estava preocupado com este
problema:
.

Encontrou uma doutrina que lhe “fornecesse” esta certeza absoluta:


O homem não é livre. Deus é quem faz em nós o bem e o mal; é Ele
quem guia os passos de uns para a salvação e os de outros para a
condenação eterna, porque a observância dos mandamentos é
impossível. O pecado, mesmo existente na alma, não impede o
homem de entrar no Céu, porque, se ele tem fé, isto é, confiança em
Jesus Cristo está salvo, mesmo que tenha muitos pecados e deles
não se arrependa (porque arrependimento seria uma hipocrisia, uma
vez que não é livre), Deus não olha para estes pecados, não lhe são
imputados. Assim ensinou Lutero e daí nasceu a doutrina de
Calvino: a predestinação de uns para o Céu e de outros para o
inferno.

Dentro desta horrorosa doutrina, é natural que um homem se julgue


com a salvação garantida: se eu acho que estou no número dos
predestinados para o Céu, penso que dê no que der, faça o que
fizer, chegarei lá sempre. Pobrezinhos daqueles que estão
predestinados para o inferno; mas isto é lá com eles, não me
interessa, nem tenho jeito a dar.

Foi assim que começou o Protestantismo.

Ora, os Batistas no princípio seguiram esta doutrina calvinista da


predestinação de uns para o Céu e outros para o inferno. E a
proclamaram solenemente na Confissão de Fé de Filadélfia, no ano
de 1742, a qual esposou as ideias da Confissão de Westminster
(1641-1648) francamente calvinista, acrescentando-lhe os princípios
batistas: independência de cada igreja, batismo dos adultos etc.

Mas acontece que pouco a pouco foram os protestantes sentindo


horror a esta doutrina calvinista. E, como não é de admirar, os
Batistas resolveram abandoná-la. Foi o que fizeram na Confissão de
New Hampshire, em 1833, na qual se diz no Artigo 6º: “Cremos que
a salvação concedida gratuitamente , segundo o
Evangelho, que é o dever imediato de todos aceitá-la por meio de
uma fé sincera, ardente e obediente; que não há empecilho algum à
salvação do maior pecador que existe sobre a terra, a não ser a sua
própria perversidade e rejeição voluntária do Evangelho”.

Ficaram alguns Batistas apegados à doutrina calvinista, porque há


várias subdivisões entre os Batistas (“há vinte e seis denominações
batistas nos Estados Unidos agora” é o que nos informa o pastor
batista William Carey Taylor no seu livro “É possível a perda da
Salvação?” pág.31), mas a grande maioria dos Batistas segue a
Confissão de New Hampshire. E esta é a doutrina comumente
ensinada pelos pastores batistas na América do Sul.

Entretanto estes mesmos pastores batistas pregam abertamente


. Como pode ser isto?

Que os Batistas calvinistas, admitindo que Deus já desde


toda a eternidade e de uma maneira irrevogável, que uns irão para o
Céu e outros para o inferno, isto independentemente das obras de
cada um, nutram em si esta ilusão da
, se compreende muito bem.

Mas homens que admitem:

1º que somos livres e podemos pecar a cada instante;

2º que a graça não violenta a nossa liberdade, mas é preciso que


cooperemos com ela;

3º que um pecado cometido, seja ele qual for, se não for retratado
pelo arrependimento, nos põe em estado de condenação
, pois nem ao menos os Batistas fazem distinção entre
pecado mortal e pecado venial; como é que estes homens podem
pregar uma ?

Isto é o que naturalmente aguça a nossa curiosidade.

Vejamos, portanto, a doutrina dos Batistas.

O homem é salvo pela FÉ, não pelas obras. A salvação é dada


gratuitamente àquele que tem a verdadeira fé e o verdadeiro
arrependimento.

Mas a fé verdadeira é aquela que , pelo


reto procedimento do homem, que assim
, quando age em tudo como uma criatura regenerada e liberta do
pecado. Se o homem procede mal, é sinal de que não tem a
verdadeira fé.

O homem que peca mostra que não alcançou a salvação, que,


portanto, não é um verdadeiro crente, pois “se é um crente
verdadeiro, os frutos de sua fé manifestar-se-ão , pois
que tal homem não deixará de agir como um herdeiro da salvação.
Pretender ser um dos eleitos e agir como um herdeiro da salvação.
Pretender ser um dos eleitos e agir como um incrédulo, seria fazer o
papel de hipócrita ou néscio” (O Que Creem os Batistas. O. C. S.
Wallace. 1945. pág.71).

Há, por conseguinte, duas espécies de crentes: uns que são crentes
verdadeiros e outros que são crentes nominais, ou seja, são crentes
.S
.

Daí se conclui, é claro, que para eu ter certeza de que já estou


salvo, não basta que eu seja membro da Igreja Batista. É preciso,
além disto, que seja .

Desejoso, como me acho, de saber realmente se já estou salvo ou


não, é natural que eu pergunte: Quando é que posso saber se sou
ou não um verdadeiro crente?

Vamos reproduzir a resposta que dão os Batistas a esta pergunta.

Mas repare bem o leitor. Não vamos citar este ou aquele pastor,
porque assim os Batista se descartarão, dizendo que se trata aí
apenas de uma opinião pessoal. Vamos citar um livro que expõe
o pensamento dos Batistas em geral. É o livro o
, editado pela Casa Publicadora Batista e
vendido em todas as livrarias desta denominação. Está já na 4ª
edição brasileira, portanto não é um livro que os Batistas tivessem
rejeitado depois de um certo tempo, ao contrário tem sido mais do
que aprovado por eles, uma vez que vem tendo edições sucessivas.
Dizemos: 4ª edição , porque se trata de tradução de uma
obra norte-americana do Sr. O. C. S. Wallace, muito conhecida dos
Batistas em várias partes do mundo. É, além disto, como diz no
Prefácio “um comentário aos 18 artigos de fé que constituem a
Confissão de Fé de New Hampshire. Foi formulada e adotada pelos
Batistas do Estado de New Hampshire em 1833 e é atualmente
aceita pelos batistas em geral. Não se trata de um credo, porque os
batistas não o possuem. É apenas uma síntese daquilo que
cremos”.

Pois bem, se eu pergunto


, que é o mesmo que dizer, quando é que sei que já
estou salvo, eis aí a resposta deste livro, que é destinado a “prestar
seus bons serviços na orientação doutrinária do povo batista”:


. A Corrente da âncora não terá sido
provada satisfatoriamente, enquanto cada elo não tiver sido
provado. Assim também o crente não terá dado prova suficiente da
, até que essa fé tenha sido provada, quer na
mocidade, quer na velhice, desde o princípio .
Um homem pode enganar os outros durante muitos anos, até que
uma circunstância inesperada venha pôr a descoberto seu
verdadeiro caráter. E e recusar-se a
uma submissão completa a Cristo, como o Evangelho exige, crendo
ser possível obter a vida eterna . Neste caso fica
convencido de que realmente alcançou a vida e animado por essa
esperança passa a executar os deveres cristãos sem, por muito
tempo, ter de enfrentar uma provação a que não possa resistir.
Como consequência de sua própria , o homem deixa-se
descansar numa , e será despertado só quando
sobrevier alguma prova imprevista ou tentação para a qual não
esteja preparado. Então se revela o fato de que sua vida anterior
apresentava apenas
” (O Que Creem os Batistas.
O. C. S. Wallace. 4ª edição, 1945 pág. 84).
Mas direi eu: Passei muitos anos, santificando-me, sem cometer
nenhum pecado, será que eu ainda não sou crente verdadeiro, será
que não tenho a verdadeira fé?

Vejamos o que diz o mesmo citado livro:

“Uma experiência passada, , não é motivo


que justifique a esperança do céu. gastos na fiel observância
das obrigações religiosas
do homem que já deixou de andar em conformidade com a
vontade de Deus. Se o presente é caracterizado pela impiedade,
mundanismo e indiferença, falta a prova da fé e
; em tal caso da parte do
homem esperar um lugar entre os santos” (O Que Creem os
Batistas. O. C. S. Wallace. 1945 pág. 87).

Como se vê pelas palavras acima citadas, esta


, em que tanto falam os Batistas, ou seja — a convicção
no homem de que está agindo bem, só faz o que é reto e por isso já
está sentindo que Deus está satisfeito com ele, que o Espírito Santo
lhe está dando o testemunho de que já fez dele um filho de Deus,
co-herdeiro de Cristo e herdeiro do Céu — esta experiência, ainda
que se prolongue , mesmo assim não
pode dar ao homem . Ele pode, ainda depois
disto, cair na , .

Não se alegue que isto é apenas uma opinião do comentarista


O.C.S. Wallace. É a própria Confissão de Fé de New Hampshire que
diz no Artigo 11º: “Cremos que só
”.

Depois de ler tudo isto, lembre-se agora o leitor do seguinte:


quantas pessoas, por não terem sólida instrução religiosa, foram
atraídas a ingressar na seita dos Batistas e nelas ingressaram,
porque ficaram encantadas com esta seita que dizia
a salvação e pretendia provar isto
com B ! Uma verdadeira maravilha! Quem é que
não quer ter certeza de que morrendo, irá direitinho para o Céu?

E assim se foram engrossando as fileiras dos Batistas!

Mas basta que o batistas estude realmente qual é a doutrina de sua


seita, para ver como está sendo vítima de um deplorabilíssimo
engano e : 1º porque, se estudar
a Bíblia, comparando uns versículos com os
outros, pois tudo ali é palavra de Deus, verá que ela não promete a
ninguém esta regalia de ficar descansado, absolutamente certo de
que irá para o Céu, mas a entrada no Céu é sempre apresentada
sob certas condições: se o homem crer (João III-18), se observar os
Mandamentos (Mateus XIX-17), se amar a Deus de todo o coração
e o próximo como a si mesmo (Lucas X-25 a 27), a impureza, a
idolatria, as invejas, os homicídios, a embriaguez e outras coisas
semelhantes (Gálatas V-19 a 21) etc, etc;

2º porque , pelo menos, a seguida


pela grande maioria da seita, a qual rejeita o Calvinismo com as
suas ideias sobre a predestinação,
autoriza ninguém a se julgar salvo assim com
.

— Sim, meu amigo, deverá dizer o outro batista. Os crentes vão


para o Céu com toda certeza. São palavras da Bíblia. Mas há uma
coisa: quando se diz que os crentes são salvos definitivamente já
neste mundo, aí se entende dos . Você,
, não saberá nunca se é crente verdadeiro
ou não, porque só se sabe com certeza se alguém é crente
verdadeiro, quando praticou a virtude até o fim da vida. Pois se
deixou de praticar a virtude em algum tempo, mesmo que por longos
anos a tenha praticado, isto é sinal de que o indivíduo nunca teve
nem fé, nem salvação, nem regeneração, nem coisa alguma.
É o caso de dizer: Que me adianta a mim, desejoso, como estou de
ter certeza absoluta de , o saber que os crentes
verdadeiros vão para o Céu, porque se salvam já neste mundo, se
eu não sei nunca se sou crente verdadeiro ou não, se isto é um
segredo de Deus, só Ele conhece os verdadeiros crentes?

E é interessante observar qual o remédio que usam os Batistas para


acalmar esta dúvida, quando assalta o espírito de seus adeptos.

Diz o mesmo livro: “Como posso saber se sou um dos eleitos? É em


geral a inquirição de uma alma mórbida” (O Que Creem os Batistas.
O. C. S. Wallace. 1945 pág. 71). Aqui paramos para apreciar este
verdadeiro contraste: uma seita cujos pastores e fiéis tanto falam na
certeza absoluta da salvação, é ela mesma a nos dizer que esta
indagação sobre se iremos para o Céu ou não é a preocupação de
uma alma doentia. Outra observação que vem bem a propósito é
esta: donde é, que nasceu o Protestantismo, senão da ideia fixa que
se meteu na cabeça de Frei Martinho Lutero sobre a certeza ou não
de sua salvação? É o mesmo que confessar que as seitas
evangélicas tiveram origem de uma preocupação mórbida... Se a
pergunta: Como posso saber se sou um dos eleitos? Dominando
insistentemente o espírito de uma pessoa, é sinal de uma doença
mental, neste caso aqueles médicos, psicólogos e historiadores que,
estudando a fundo a vida de Lutero, viram nele um indivíduo
anormal, se nos apresentam cobertos de toda razão.

Mas vejamos o livro: “Como posso saber se sou um dos eleitos? É


em geral a inquirição de uma alma mórbida. Todas as vezes que
surgir a dúvida, volte-se a alma para Jesus. Em vez de alimentar
dúvidas, esta grande doutrina da Palavra de Deus dá maior certeza”
(O Que Creem os Batistas. O. C. S. Wallace. 1945 pág. 71).

De modo que o crente batista, assaltado pela dúvida se já está salvo


ou não, abre a sua Bíblia e nela vai encontrar o remédio para suas
inquietações, vai buscar o conforto naqueles grandes ensinamentos:
Quem crê no Filho, tem a vida eterna; Crê em Jesus, e serás salvo;
Quem crer, não será confundido etc, etc. E aquieta-se
completamente sob o efeito destas sublimes palavras.

Sim, aquieta-se completamente... se quiser realmente iludir-se a si


mesmo. Porque, se quiser um pouquinho que seja, logo
perguntará: Quando a Bíblia diz: O que crê no Filho tem a vida
eterna; Crê em Jesus, e serás salvo; Quem crer, não será
confundido etc, ela se refere ao crente verdadeiro ou ao crente só
de nome?

— Refere-se só ao .

— E eu? Sou crente verdadeiro ou só de nome?

— Isto não sabes agora. Porque crente verdadeiro é aquele que se


conserva regenerado, que se mantém liberto do pecado até o fim da
sua vida.

E assim fica o homem exatamente na mesma dúvida.

Nesta matéria de certeza da salvação, a situação do batismo é, de


acordo com a sua própria doutrina, a mesma situação em que se
encontra o católico.

O católico, ainda que se encontre em estado de graça, mesmo que


sinta que Deus está habitando no seu coração, porque a sua
consciência não o acusa de falta grave, e de todos os pecados
passados está arrependido e perdoado, ainda assim
C ; seria uma presunção
da sua parte, porque seria o mesmo que garantir que na hora da
morte estará conservando esta mesma graça santificante; garantir
pela própria fidelidade é confiar demais em si mesmo. Pode, sim, ter
uma , porque a graça de Deus jamais lhe faltará;
se tiver sempre boa vontade em cooperar com ela, se salvará com
toda a certeza.
O batista, ainda mesmo que esteja de boa fé, que esteja
procedendo bem, que sinta o bom testemunho de sua consciência,
porque, na hipótese, sua conduta é em todos os pontos
irrepreensível e ainda mesmo que esta boa situação, já a tenha
conservado durante anos seguidos, mesmo assim
C , porque no Céu só
poderão entrar aqueles que são crentes verdadeiros, e ele não sabe
ainda se é crente verdadeiro, pois “
”.
(O Que Creem os Batistas. O.C.S. Wallace. 1945 pág. 84).

A condição única da salvação, a seu ver, é a verdadeira fé, mas


passa a vida inteira sem saber se possui esta verdadeira fé, porque
ela se manifesta pelas , obras estas que ele pratica
livremente e nelas pode falhar.

E assim estamos diante de um fato bastante estranho.

Esses Batistas que nós vemos tão frequentemente acusarem os


católicos de serem heréticos e antibíblicos pelo fato de não
ensinarem a certeza absoluta, individual, da salvação, são eles
próprios que mostram claramente que, na prática, esta certeza
absoluta não pode existir.

É o caso de perguntar: encontra o leitor nesta estranha atitude


algum vestígio daquela com que se há de aceitar e
transmitir a verdadeira doutrina do Evangelho?

Amigos Batistas: depois que apareceu o Protestantismo, várias


seitas têm pregado no mundo esta
, mas para chegar até aí sempre seguiram um caminho
errado e escabroso. Se Vocês querem também chegar a esta
conclusão, enveredem por algum desses maus caminhos.

Querem pregar a certeza absoluta da salvação, não é assim?


Então preguem como Lutero e os primeiros luteranos que o homem
não é livre, Deus é quem faz em cada um o bem e o mal, que para
alcançar o Céu não se precisa de arrependimento, que lá se entra
com pecados e tudo, porque Cristo cobre estes pecados debaixo do
seu manto. — Mas isto é a destruição de toda a moral.

Ou então preguem, como Calvino, que Deus por um decreto firme e


irrevogável já predestinou desde toda eternidade alguns homens e
anjos para o Céu e outros para o inferno, isto independentemente
de qualquer consideração das obras ou do procedimento de cada
um. — Mas, isto é uma doutrina , que se choca
evidentemente com a nossa e que destrói qualquer ideia da
e de D .

Ou então preguem, como os Universalistas, que não existe inferno,


que todos nós, sem distinção alguma, justos e pecadores,
chegaremos ao Céu. — Mas isto vai de encontro abertamente ao
ensino das Escrituras.

Bem, se não querem seguir nenhum desses caminhos, se querem


pregar o , a doutrina de que o pecado que não foi
retratado pelo arrependimento impede de entrar no Céu, se querem
exaltar, como deve ser, a bondade e a justiça divinas, se querem
admitir, com a Bíblia, além de um Céu eterno para os bons, um
inferno também eterno para os maus, neste caso não há outro jeito
senão desistirem desta ideia de andar pregando aos crentes a
promessa de uma segurança absoluta no que diz respeito à
salvação. Sim, porque há um fenômeno que ninguém jamais poderá
negar, pois está à vista de todos: a fragilidade da nossa natureza, a
inconstância do coração humano.

A desigualdade das graças.

103. Todo o mal dos Batistas neste ponto (e é também o mal de


muitas outras seitas protestantes) é embalar-se com um e
não encarar a : é imaginar que a todos são concedidos
que são limitados a algumas
pessoas. Fazem como a crianças que, vendo a firmeza com que os
equilibristas fazem em cima do arame as mais incríveis acrobacias,
ficasse pensando que isto era um sinal de que ela mesma podia
fazê-las também, esquecida de que para aquilo se faz mister um
dom especial.

Não há dúvida que nós vemos os operados pela graças


nos grandes santos: uns desde a mais tenra infância, outros desde
o momento de sua conversão, entraram de cheio no serviço de
Deus com uma firmeza inquebrantável, agigantaram-se cada vez
mais na vida sobrenatural, e seguiram para o Céu num caminho
direto, sem cometerem nenhuma falta, nem mesmo venial, ao
menos deliberada. Aos olhos dos homens podiam parecer
impecáveis, mas era uma ação tão abundante do Espírito Santo que
lhes infundia, além das virtudes, um horror muito grande ao pecado,
que este, fosse qual fosse, se lhes afigurava o que havia de mais
inconcebível, e assim era livremente que eles realizavam em si o
ideal da perfeição. E o realizavam, apesar das tentações, por vezes
bem acerbas, que tiveram de suportar.

É fácil notar pelas Escrituras a transformação extraordinária que, a


partir do dia de Pentecostes, se verificou no espírito dos Apóstolos,
os quais de ignorantes passaram a mostrar-se altamente
iluminados, de covardes se fizeram intrépidos, de mesquinhos em
certas atitudes logo se tornaram generosos e santos. Então antes
de Pentecostes não tinham a fé verdadeira? Tinham, sim. Mas era
tão importante a missão que eles haviam de exercer, lançando,
depois de Cristo, as bases da verdadeira Igreja, que era preciso se
realizasse na sua inteligência, no seu coração, em toda sua alma,
uma ação superabundante e eficacíssima do Divino Espírito Santo,
em grau muito mais elevado do que no comum dos fiéis. E esta
operação maravilhosa se verificou precisamente no dia em que lhes
chegou a vez de saírem pelo mundo, substituindo a Cristo na obra
evangelizadora.
Mas agora perguntamos: estas transformações extraordinárias se
têm que operar necessariamente em todos?

Não, porque Deus não quer levar todas as almas pelo mesmo
caminho.

Não, porque as graças do Espírito Santo não são distribuídas a


todos da mesma maneira, nem na mesma proporção: A cada um de
nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo (Efésios
IV-7).

Não, porque além de não serem iguais as graças concedidas,


também é certo que nem todos cooperam com a graça da mesma
forma.

Haverá injustiça nesta distribuição desigual das graças? Nenhuma;


porque, se Deus dá a todos uma para a
salvação, cada um trate de salvar-se com esta graça que recebeu,
nada tem que ver com a maior liberalidade que Deus usa para com
outros, pois Deus dá os seus dons a cada um da maneira que bem
Lhe apraz.

Ora, acontece que estas seitas, apegadas à ideias de


dada já neste mundo, e não sabendo
explicar exatamente em que sentido a salvação é um
D , imaginam o seguinte sistema: A salvação é dada de
pelo Divino Espírito Santo a todo aquele que tem FÉ, e é
dada quando o Espírito Santo regenera o indivíduo. Regenerar o
indivíduo é libertá-lo completamente do pecado, ele já não peca,
não porque se tornou impecável, mas porque se
mostra em tudo obediente a Cristo. É uma operação misteriosa e
inefável do Divino Espírito Santo.

Aquele que peca, é porque ainda não foi , não foi


, o que é sinal de que ainda não tem a fé.
E assim julgam conciliar a realidade da liberdade humana com o
sonho da
.

E ficam a zombar dos católicos que se põem a rezar, a fazer


penitências, a ouvir missas, a receber sacramentos etc, para obter
maiores graças de Deus e assim garantir ainda melhor a sua própria
salvação, quando a salvação eles a julgam ter recebido
, já estão salvos definitivamente desde este
mundo; foi o Espírito Santo que num momento transformou a sua
alma e eles se tornaram regenerados e purificados para sempre... E
isto é um dom concedido a todo verdadeiro crente, a todo aquele
que tem a verdadeira fé...

O protestante, portanto, considera a FÉ, a ea


, como sendo uma peça inteiriça que não se quebra
nunca e que nunca se perde, como um presente que, ou se dá para
sempre, ou então não se deu ainda de forma alguma.

Tudo isto vai muito bem, .

E é tão fácil um homem pecar! Mais fácil ainda, quando se julga


superior a outra pessoa, seja ela qual for, porque isto é o mesmo
que privar-se da graça: Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça
aos humildes (1ª Pedro V-5).

Os próprios Batistas reconhecem que, mesmo depois de ter levado


de vida santa e frutuosa, o homem ainda pode pecar.

E o protestante que peca está numa situação lamentabilíssima. Caiu


fragorosamente das grandes alturas, a que se julgava elevado, na
sua presunção.

Embalado, como esteve até agora, com a pretensão de que


, , ou por cegueira não leva em
consideração os pecados que vai cometendo e deles, portanto, não
se arrepende, e neste caso é maior dos infelizes, julgando-se salvo
quando está fora do caminho da salvação: vai morrer sorrindo,
pensando que o Céu se lhe vai abrir de par em par, mas não sabe a
surpresa que o espera no outro mundo, porque
e porque Deus julga
(Mateus XVI-27; Romanos II-6) e não de acordo com as suas
ilusões;

ou então sente o remorso do pecado cometido, e uma decepção


tremenda se abate sobre o seu espírito: Passei tanto tempo, tendo-
me na conta de salvo, de regenerado, pensando que possuía a
verdadeira fé; agora cheguei à conclusão de que eu
nem fé, nem salvação, nem regeneração, nem coisa alguma. Uma
verdadeira lástima!

E como está convencido de que a salvação não a alcança por seu


próprio esforço, ajudado embora com a graça de Deus, como
ensinam os católicos; mas é apenas um dom de Deus, dado
, em vez de acusar a si próprio de ter
perdido a salvação, a que até agora teria o direito, ele se volta para
o Divino Espírito Santo, a fim de perguntar-Lhe por que motivo ainda
não lhe concedeu ,
.

— Não culpes assim o Divino Espírito Santo, lhe dirá o “irmão na fé”,
o outro nova-seita. Se não estás salvo ainda, é porque não tinhas a
verdadeira fé, isto é, a confiança absoluta de que Jesus é que te
salva.

— Mas esta fé, esta confiança de que Jesus me salva, vem só do


meu esforço ou é, por sua vez, também um dom de Deus? Se vem
só do meu esforço, não sei mais o que possa fazer, porque
confiança de que Jesus é que me salva, acho que a tenho muita,
pois passei todo este tempo absolutamente convencido disto e cada
vez me convencendo mais. Se é, por sua vez, um dom de Deus, por
que é que Deus não me dá este dom?
E assim vai o homem fazer força novamente para ver se tem fé, até
que um novo pecado o faz cair outra vez na mesma situação de
desespero. Deste modo, ele está a poucos passos da terrível teoria
calvinista de que Deus é quem predestina uns para o Céu, e outros
para a perdição.

Como é, então, que esta doutrina de que a salvação é dada por


Deus, como um presente inteiramente gratuito e só é possuída por
aqueles que se acham confirmados em graça, isto é, de pé para
nunca mais cair, como é que esta doutrina pode ser consoladora
para nós, que somos todos, mais ou menos, pecadores?

Entre os católicos as coisas se passam de maneira bem diferente.

Suponhamos que um católico se achava em estado de graça, que


passou mesmo muitos anos levando uma vida santa e agora caiu
num pecado grave. Ele não se sente privado da fé, como se fora um
incrédulo, porque a fé consiste em aceitar toda a doutrina de Cristo,
a qual nos é proposta pela sua Igreja Infalível. Ele continua a ver em
Jesus o seu Salvador: sabe que Deus quer salvá-lo e não lhe
negará a graça do arrependimento, nem o seu perdão, a ser
adquirido pelos meios competentes, porque Deus não quer a morte
do pecador, mas sim, que ele se converta e viva (Ezequiel XXXIII-
11). Não se trata aqui absolutamente de pecar alguém com a
esperança de alcançar o perdão. Porque, para haver perdão, é
preciso haver um (isto é, pronto a empregar
todos os meios), de não mais afastar-se de Jesus
por todo o resto da vida [11]. Mesmo quem quisesse abusar da
misericórdia divina, pecando com a esperança deste perdão, se
arriscaria a cair no endurecimento e a não receber da
contrição, que Deus pode por justiça negar àqueles que querem
ludibriar de sua benevolência. É por isto que diz S. Paulo: Obrai a
vossa salvação ... D
,
(Filipenses II-12).
Trata-se, sim, do soerguer-se, pela misericórdia divina, aquele que
ia seguindo o bom caminho, mas pagou o seu tributo à fragilidade
humana. E o mesmo Deus que obrigava S. Pedro a perdoar 70
vezes 7 vezes (Mateus XVIII-21 e 22) saberá ser rico em
misericórdia para com a alma que quer seguir a Cristo de todo o
coração, mas se encontra muitas vezes a braços com a sua própria
fraqueza. Assim faz o Bom Pastor que corre, pressuroso, em busca
da ovelha perdida.

E agora chamamos a atenção do leitor para uma circunstância que


não pode ser esquecida: O católico que se achava em estado de
graça e caiu num pecado mortal vai
atribuir a causa de sua desgraça. Uma vez que não tem esta ideia
de que a salvação é dada por Deus e de
uma vez para sempre, mas sim a de que a salvação deve ser
conseguida palmo a palmo por ele, ajudado com a indispensável
graça de Deus, uma vez que está convencido, de acordo com a
doutrina católica, de que “àquele que faz o que está ao seu alcance,
Deus não nega a sua graça, e mesmo para ele fazer o que está a
seu alcance, Deus ainda o ajuda com a sua graça”, a sua conclusão
é esta: Existem, na salvação, a parte de Deus e a minha. Deus
sempre faz maravilhosamente a sua parte, o seu desejo de salvar-
me é muito maior do que o meu próprio desejo. Mas fracassei, não
soube perseverar na minha cooperação melhor, ajudado com a
graça de Deus, pois e pedirei ao
próprio Deus que me ajude a me tornar melhor daqui por diante.

Não é difícil verificar, destas duas concepções a respeito da nossa


salvação, qual a que se mostra mais adequada à nossa natureza
humana, que nada tem de imutável. Trata-se aí de um assunto que
a se refere, pois todos precisam ser salvos, todos têm
obrigação de na mensagem do Evangelho.

Segundo a teoria protestante, que sinceramente


creem no Evangelho, são por uma operação do Espírito Santo
transformados em regenerados, que não pecam
mais e assim recebem a salvação dada toda de presente.

Segundo a teoria católica, o homem precisa a salvação


cooperando livremente com a graça, dia a dia; e se fraqueja, se cai
no meio do caminho, se perde esta salvação em cuja posse se
encontrava, ainda pode recuperá-la com o arrependimento e com o
perdão divino. Deus amorosamente o ajudará a levantar-se da
queda, a não ser que o pecador prefira continuar no deplorável
estado em que caiu. Não se negam as transformações maravilhosas
que o Divino Espírito Santo tem realizado em certas almas que se
guindaram bem depressa às mais belas culminâncias da santidade.
Mas também estas almas só chegaram a tal ponto, só conquistaram
o grau mais elevado de glória celeste porque por sua vez souberam
dia a dia ir cooperando heroicamente com a graça.

Medite bem o leitor, olhe para si e para os outros, e para toda a


história do homem, inclusive nesses 2.000 anos de Cristianismo e
veja qual destas duas concepções reflete com exatidão o que é a
marcha da Humanidade sobre a face da terra. E observe também
qual delas está mais conforme com a palavra da Bíblia: Aquele,
pois, que crê estar em pé (1ª Coríntios X-12).

Notas (pular)

[11] Uma coisa, porém, é o homem aos pés de Deus fazendo o seu firme
propósito, e outra já um bocado diversa é o mesmo homem às voltas com as
seduções da tentação. E aí muitas vezes fraqueja. A mentalidade
excessivamente rígida de certos protestantes não pode compreender isto:
acham que, desde que o propósito foi alguma vez quebrado, isto é sinal de
que nunca houve o arrependimento. Doutrina muito boa... para levar a pobre
Humanidade ao desespero. Mas é o caso de perguntar: será que esses
protestantes se sentem assim tão inflexíveis, tão angélicos que
não experimentem o contraste entre os nossos melhores propósitos e a
realidade das nossas imperfeições? (voltar)

Deus é imutável; mas nós?!


104. O homem é fraco e o seu coração está sujeito a mudanças.
Pode ter hoje as melhores disposições e amanhã começar a nutrir
sentimentos bem diversos.

Entre os próprios que , isto pode verificar-se. Há uns que


, como disse Nosso
Senhor Jesus Cristo no Evangelho. E a experiência de cada dia nos
mostra que aquele que é hoje filho dócil, obediente e amoroso pode
amanhã, atraído pelo vício ou pelos maus companheiros, tornar-se
um filho rebelde: aquele que foi durante muitos anos um esposo
inteiramente dedicado à sua esposa e que jamais pensou em
infidelidade pode, de uma hora para outra, ceder à tentação de
adultério. A moça que sempre resistiu bravamente às insinuações
do sedutor, pode algum dia fraquejar. O empregado que foi correto e
fidelíssimo durante longo tempo, pode afinal cair em falta. E assim
por diante, para só falarmos em pecados graves. Isto se pode dar
com qualquer pessoa, seja qual for a sua religião. Nisto não há
fatalidade, nem influência do destino, como querem alguns; mas a
apenas a liberdade humana, que pode a cada momento ceder à
tentação do mal, a inconstância do coração humano, a fragilidade
da nossa pobre natureza, fragilidade esta que trouxemos do berço e
levamos ao túmulo.

A transformação do homem.

105. A transformação no coração humano, o Evangelho a realiza


por si só ou somente pode realizá-la mediante o esforço e a
cooperação do homem? Se a realizasse por si só, nenhum de nós
poderia ser melhor transformado do que Judas Iscariotes: ele tinha
conhecimento da doutrina e dos prodígios do Divino Mestre, não
pelos livros como nós mesmos, mas ouvindo as palavras da própria
boca do Salvador e presenciando pessoalmente os milagres
evangélicos. E no entanto, em vez de santificar-se, mergulhou no
endurecimento.
O mesmo Deus que diz ao seu povo, por intermédio do profeta
Ezequiel: Dar-vos-ei e porei
no meio de vós, e tirarei da vossa carne o coração de pedra e dar-
vos-ei um coração de carne (Ezequiel XXXVI-26) é também Aquele
que igualmente pelo profeta Ezequiel manda a este mesmo povo
que : Convertei-
vos e fazei penitência de todas as vossas iniquidades, e a
iniquidade vos não trará ruína. Lançai para muito longe de vós todas
as vossas prevaricações, de que vos fizestes culpáveis -
(Ezequiel XVIII-30 e 31). Não é
possível a santificação, se não se realizam conjuntamente
D ; ambas são indispensáveis. Faça o homem o
que está ao seu alcance e Deus não lhe negará a sua graça; a
graça, pode, então, realizar maravilhas.

Imaginar que vamos para Céu carregados docemente por Jesus,


sem nenhum esforço de nossa parte, não passa de um sonho ditado
pelo nosso velho comodismo: o cristão tem que lutar como um bom
de Jesus Cristo (2ª Timóteo II-3) e se dá no Reino de
Deus o mesmo que acontece nos jogos públicos: o homem não é
coroado senão depois que segundo a lei (2ª Timóteo II-
55).

A nova criatura.

106. Quando S. Paulo nos diz que aquele que está em Cristo é uma
nova criatura, não é no sentido de que este homem deixou de ser
livre para fazer o mal; nem que ficou nele extinto o fogo das paixões
e das más inclinações da nossa natureza. Quer dizer que este
homem se tornou outro diante de Deus pela graça santificante, que
o torna agradável aos olhos do seu Criador; e se tornou outro aos
olhos dos homens, pelo seu modo de proceder que todos veem ser
proceder de um verdadeiro cristão, muito diferente do modo de agir
dos pagãos que viviam mergulhados na corrupção, ou dos judeus
que eram cheios de maldade e de hipocrisia. Mas S. Paulo não diz
com esta situação é inamissível.
Se está em Cristo, é uma nova criatura; mas, homem como é, fraco,
sujeito a tentações, se não coopera com a graça e cai no pecado
mortal, enquanto permanecer neste triste estado, já não está mais
em Cristo, porque dEle se afastou pelo pecado; e já não é mais a
nova criatura, porque está privado da graça santificante e está
agindo à maneira do velho homem.

O mesmo S. Paulo, na sua Epístola aos Efésios, exorta os cristãos a


se despojarem do homem velho (Efésios IV-22) e a se revestirem do
novo: - , que foi criado segundo Deus em
justiça e em santidade de verdade (Efésios IV-24). Como poderão
revestir-se deste homem novo? O Apóstolo o mostra em seguida
com uma série de exortações: , renunciando a mentira,
fale cada um a seu próximo a verdade... Se vos irardes, seja sem
pecar... Não deis lugar ao diabo. Aquele que furtava não furte
mais... Nenhuma palavra má saia da vossa boca... Não entristeçais
ao Espírito Santo... Toda a amargura e ira e indignação dentre vós
outros... Sede uns para com os outros benignos, misericordiosos,
perdoando-vos uns aos outros (Efésios IV-25 a 32). E nos dois
capítulos seguintes continuam as exortações. É, portanto,
, que o cristão se vai
tornar um homem novo. Se fosse por uma operação miraculosa em
que o homem automaticamente fica transformado em impecável,
entrando crisálida e saindo borboleta, não eram necessárias tantas
recomendações: bastava mandar em Cristo.

Aquelas exortações mostram muito bem que quem não proceder


segundo a norma traçada pelo Apóstolo, já não estará agindo como
o novo, mas sim como o .

Não admitindo nenhuma distinção entre pecado mortal e pecado


venial, reconhecendo também que com o pecado na alma ninguém
pode entrar no Céu, o protestante tem que admitir que a
se tem certeza absoluta da salvação, é porque não
comete nenhum pecado nem grave, nem leve.
Entretanto, a Bíblia nos diz que todo homem cai em pecados (o que
se há de entender: pelo menos em pecados leves); vejamos esta
palavra de S. Tiago: tropeçamos em muitas coisas
(Tiago III-2). Tropeçar aí quer dizer pecar, pois logo em seguida o
Apóstolo mostra que uma destas coisas em que tropeçamos
facilmente é no que diz respeito à língua: Se algum não tropeça em
qualquer palavra, este é varão perfeito (Tiago III-2).

E Nosso Senhor ensinou-nos a orar dizendo sempre: Perdoa-nos as


nossas dívidas (Mateus VI-12), o que mostra que todos os cristãos,
ainda mesmo os mais justos e santos, têm sempre alguma coisa de
que se penitenciar perante Deus.

Há certeza do arrependimento?

107. Alguém poderá dizer: Concordo com o Sr. em dizer que


ninguém pode ter certeza de que nunca pecará na sua vida. Mas há
uma coisa: o homem que peca, ainda pode salvar-se pelo
arrependimento. Assim posso ter a certeza absoluta da salvação,
porque tenho a certeza de que, se pecar, hei de arrepender-me e
conseguir o perdão de Deus e, por conseguinte, a vida eterna.

— E quem lhe dá esta do arrependimento?

Primeiro que tudo: como disse S. Paulo, não somos capazes nem
de um pensamento bom, sem a graça de Deus (2ª Coríntios III-5). O
arrependimento é, portanto, uma graça divina.

Esta graça, Deus não a nega ao coração bem disposto. Aquele que
procura seguir sempre o bom caminho, aperfeiçoar-se em
pensamentos, palavras e obras, portar-se santamente na Igreja de
Deus, a qualquer falta, embora mínima que cometa, vê surgir
espontaneamente, inquietadoramente, o arrependimento no seu
coração. Arrependimento, porque caiu numa falta, a que o seu bom
espírito não estava habituado; arrependimento mandado
misericordiosamente por Deus, que quer logo perseguir com a sua
graça, fazer soerguer-se o seu servo fiel que teve a infelicidade de
cair na tentação.

Mas o indivíduo que começa a recair muito frequentemente no


pecado grave, sem fazer o esforço necessário para dele se
emendar, vai pouco a pouco se tornando menos apto a receber a
graça do arrependimento. À proporção que ele vai abusando das
graças de Deus, o arrependimento vai escasseando e, depois de um
certo tempo, pode desaparecer por completo. É o endurecimento do
pecador, cuja consciência já emudeceu ou só faz ouvir mui
fracamente a sua voz.

Além disto, para ser verdadeiro, o arrependimento tem que incluir


um propósito firme de deixar o pecado, custe o que custar, e não por
um dia ou dois, mas por todo o resto da vida. Ora, há certos
pecados que não podem ser deixados sem uma renúncia heroica. É
o caso, por exemplo, das amizades pecaminosas, que prendem o
coração; do vício da impureza, que tão frequentemente envolve as
criaturas, do vício do roubo da embriaguez. Às vezes é também o
ódio que se enraizou no coração e ao qual o cristão nem sempre
renuncia facilmente. Há casos, portanto, em que Deus exige do
cristão um sacrifício doloroso: Se o teu olho te escandaliza, lança-o
fora: melhor te é entrar no reino de Deus sem um olho do que, tendo
dois, ser lançado no fogo do inferno (Marcos IX-46).

Garantir que sempre se terá o arrependimento, seria garantir que


nunca se abusará da graça de Deus e que também sempre se
tomará a resolução heroica, por mais que ela nos custe, sejam quais
forem as tentações que se nos depararem no futuro; e seria sempre
uma certeza baseada na presunção, no desconhecimento da nossa
inata fragilidade humana.

E é o caso ainda de perguntar: há sempre a certeza de que é


sincera a contrição?
Muitas vezes o cristão se julga arrependido e de fato não está. Há
no fundo do seu coração ainda um resto de apego ao pecado e só
Deus, que conhece perfeitissimamente a alma nas suas mais
íntimas profundezas, é que bem pode saber se o arrependimento é
deveras sincero. Porque a sinceridade do arrependimento não está
propriamente na comoção que se sente em determinado momento;
pode haver até lágrimas e soluços sem haver arrependimento
sincero, o qual consiste na firmeza da vontade em detestar o
pecado de tal modo que não se queira, por hipótese alguma,
cometê-lo jamais. É por isto que podemos ter dúvida sobre se
estamos ou não na graça de Deus, sem que isto envolva
absolutamente dúvida sobre o poder reparador da morte de Cristo, o
qual bem sabemos ser infinito, mas dúvida, sim, sobre as
disposições da nossa própria alma, as quais também são
necessárias para a justificação. Bem-aventurado homem que
sempre está com temor (Provérbios XXVIII-14). Às vezes a falta de
arrependimento é tão evidente que não é somente Deus que a
percebe, qualquer observador imparcial pode percebê-la também;
só a alma se ilude a si própria, tendo-se na conta de contrita, sem o
estar de fato. Quantas vezes no confessionário acontece que o
penitente vem confessar-se na suposição de que está contrito; e o
confessor percebe claramente, pelas próprias declarações do
penitente, que ele não possui a contrição verdadeira! Diz-se
arrependido, mas não quer tomar as providências necessárias para
fugir às ocasiões do pecado; adquiriu bens ilicitamente, mas sente
repugnância em fazer a restituição; está empolgado pela paixão,
mas não quer afastar-se de vez da criatura que desta paixão é
causadora; diz perdoar, mas não quer nem ver a pessoa que o
ofendeu etc, etc.

Se uma criatura nestas condições estiver no Protestantismo, está


completamente atolada. Em vez de encontrar alguém que a advirta
do perigo de condenação em que se encontra, vai deparar-se com
um pastor a sugestioná-la de que já está salva, uma vez que tem a
fé em Cristo e o arrependimento; a ensiná-la a sentir a “experiência
da salvação”, ou seja, a doce sensação de que Cristo já a salvou; a
decantar as belezas de uma religião tão agradável, tão consoladora
que já nos faz gozar neste mundo a certeza absoluta da
recompensa celeste...

Tranquilidade da firme esperança.

108. Se a Igreja Católica não acena aos seus adeptos com uma
da salvação, é por uma razão muito simples:
porque se trata de um assunto que, segundo os desígnios de Deus,
não depende somente de Cristo, depende também de cada um de
nós: Se tu queres entrar na vida,
(Mateus XIX-17). Se vós viverdes segundo a carne, morrereis; mas
se vós pelo espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis
(Romanos VIII-13). Nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará
no reino dos Céus; mas sim o que faz a vontade de meu Pai que
está nos Céus, esse entrará no reino dos Céus (Mateus VII-21).
Temos , sim, mas uma
: se cooperamos com a graça, nos salvaremos com
. Porque, como disse o Grande Doutor S. Agostinho:
“Deus nos criou sem nós, mas sem nós não nos pode salvar”.

Isto, porém, não impede absolutamente a paz e a tranquilidade das


nossas almas; porque, se nas várias vicissitudes da nossa vida, só
pudéssemos ter paz quando soubéssemos com plena certeza qual o
das nossas empresas, das nossas aspirações,
então esta paz seria sempre impossível ou seria preciso que Deus
nos desse primeiro o dom da profecia. Para tudo isto há um
remédio: a doce e humilde confiança em Deus que é o Pai das
Misericórdias. Se para tantos e tantos empreendimentos, cujo
resultado de nós não depende, havemos de ter plena confiança na
Divina Providência, quanto mais no que diz respeito ao negócio de
nossa salvação; porque isto é um assunto cujo resultado depende
de nós: somos nós que com a graça de Deus construiremos a nossa
sorte na eternidade. Deus é infinitamente bom, é Pai, nada quer
mais do que a nossa salvação, deseja-se mais do que nós mesmos;
se por nosso turno nos queremos salvar, e trabalhamos para isto
com a ajuda divina que nunca nos falta quando a pedimos, se
detestamos de todo o coração o pecado, fiquemos tranquilos e
peçamos a Deus que nos conserve nestas santas disposições;
porque neste caso nos salvaremos com toda certeza. Esta é a
nossa .

Diante da realidade.

109. Não se trata aqui de saber se a certeza absoluta de salvação


adquirida já nesta vida seria ou não mais agradável para nós; o que
interessa à Sabedoria e à Providência de Deus é o que vem a ser
para nós mais útil e proveitoso. Se não temos segurança absoluta
neste sentido, isto nos conserva mais humildes, mais desconfiados
de nossas próprias forças, mais necessitados de implorar o socorro
divino, mais ativos e vigilantes no serviço de Deus, porque o
soldado, tendo certeza absoluta da vitória, perderia muito de seu
estímulo para a luta contra o inimigo.

Nem se trata de uma religião procurar atrair adeptos prometendo


uma segurança absoluta, porém imaginária e sem fundamento,
assim como os candidatos caçam votos, fazendo promessas
ilusórias, às vésperas das eleições.

Trata-se de encarar a realidade, tal qual nos é apresentada pelos


textos da Escritura, os quais não nos mostram os que creem em
Cristo como imutáveis, mas ao contrário como sujeitos a perder a fé
ou a recair na escravidão do pecado, o que é confirmado pela
experiência pessoal da nossa própria fraqueza: Vigiai e orai, para
que não entreis em tentação. O espírito na verdade está pronto,
mas a carne é fraca (Mateus XXVI-41).

E se S. Paulo nos ensina que não há condenação para os que estão


em Jesus Cristo, os quais não andam segundo a carne (Romanos
VIII-1), em vez de querermos antecipar em nosso favor a sentença
definitiva que só pode ser dada depois da nossa morte pelo
Supremo Juiz, todo o nosso empenho deve ser viver C ,
não só pela verdadeira fé (e verdadeira fé consiste em sujeitarmos o
nosso modo de ver aos ensinos de Cristo e não em torcê-los com a
torquês do livre exame, para que se acomodem ao nosso modo de
ver e ao nosso pensamento), não só pela verdadeira fé, como
dizíamos, mas também pela prática da caridade, da castidade e das
demais virtudes, evitando as obras da carne. Deus não nos faltará
jamais com ajuda de sua graça para nos conservar no bom
caminho, cooperemos com a sua graça até o fim, porque só no fim é
que nos poderemos julgar definitivamente possuidores do prêmio
eterno da glória celeste: Sê fiel até a morte, e eu te darei a coroa da
vida (Apocalipse II-10).
Capítulo Sexto
A justificação pela fé sem as obras da lei
Dois textos de S. Paulo.

110. Dizem os protestantes que S. Paulo nos ensina a salvação


pela fé sem as obras, nos dois textos seguintes.

Sabemos que o homem não se justifica pelas , sendo


pela fé de Jesus Cristo (Gálatas II-16).

Concluímos, pois, que o homem se justifica pela fé


(Romanos III-28).

Toda a confusão dos protestantes reside precisamente nisto: se


S. Paulo aí fala em , não se refere à lei de Deus,
expressa nos 10 mandamentos, os quais fazem parte integrante da
lei de Cristo, e seria na realidade um escândalo e uma aberração
Paulo mostrar a inutilidade da lei de Cristo para a justificação do
homem, dizer que a observância da lei de Cristo não torna ninguém
justo diante de Deus. S. Paulo se refere à , a qual foi
abolida depois da morte do Redentor, logo que começou a ser
pregado o Evangelho. Fala das , as quais,
como observa Cornely, nenhum católico jamais incluiu entre as
disposições necessárias para a justificação.

Lei é um termo usado tanto para significar lei civil, como lei divina.
Trata-se aqui, é claro, da lei divina.

Neste sentido de lei divina, isto é, lei emanada de Deus, lei que é
preciso observar para ganhar a salvação, pode-se tomar esta
palavra em 3 sentidos: lei natural, lei mosaica, lei de Cristo.

Lei natural.
111. Lei natural é aquela a que está sujeito todo homem, mesmo
que não tenha tido nenhum conhecimento da revelação feita por
Deus, nem daquela que foi transmitida aos judeus por intermédio de
Moisés, nem da revelação que nos veio por Nosso Senhor Jesus
Cristo.

Todo homem, mesmo que não professe nenhuma religião tem,


contudo, a voz de sua consciência que lhe diz que não deve matar,
nem furtar, nem levantar falso testemunho, nem desrespeitar pai e
mãe, nem cometer adultério, nem atraiçoar o próximo etc. E esta
voz da consciência o acusa e enche de remorsos, quando ele falta a
estes preceitos naturais. Além disto, independentemente de
qualquer doutrinação religiosa, a própria razão nos demonstra a
existência de Deus, de um Ser Supremo que fez o Universo, pois
todo efeito supõe uma causa capaz de produzi-lo.

Antes de Cristo, os gentios, que não conheciam a lei de Moisés,


estavam sob este regime da lei natural, como estão ainda hoje os
pagãos que nunca tiveram conhecimento de Jesus Cristo. De todos
estes, tanto se pode dizer que têm a lei de Deus impressa nos seus
corações pala voz da consciência, como se pode dizer também que
estão sem lei, desde que se tome a palavra — lei — no sentido mais
rigoroso do termo, ou seja, lei escrita nos livros ou nos monumentos,
lei promulgada externamente por um legislador. É neste último
sentido que S. Paulo assim escreve: Todos os que pecaram,
sem lei perecerão (Romanos II-12). Porém um pouco mais adiante,
o próprio S. Paulo toma a palavra — lei — num sentido mais largo:
Quando os gentios que não têm lei, fazem naturalmente as coisas
que são da lei, esses tais, não tendo semelhante lei, a si mesmos
servem de lei, os quais mostram a obra da
, dando testemunho a eles a sua mesma consciência e os
pensamentos de dentro que umas vezes os acusam, e outras os
defendem, no dia em que Deus, segundo meu o Evangelho, há de
julgar as coisas ocultas dos homens por Jesus Cristo (Romanos II-
14 a 16). Fazem naturalmente as coisas que são da lei, quer dizer:
fazem sem ter nenhum conhecimento da doutrina revelada, pelo que
sabem, de si mesmos, sem revelação divina.

Os pagãos mostravam ter conhecimento da lei natural e dela


falavam abertamente. Assim é que Cícero, na sua Oração Pro
Milone fala “na lei não escrita, mas inata... que nós recebemos da
própria natureza”. E numa tragédia de Sófocles, o personagem
central Antígono se recusa a desobedecer aos “decretos divinos,
que não foram escritos e que são imutáveis, não é de hoje que eles
existem, eles são eternos.”

Lei mosaica.

112. Aos judeus, antes da vinda de Cristo, Deus impôs pela


revelação a sua lei. Aquelas obrigações da lei natural (não matarás,
não furtarás, honrarás pai e mãe, não levantarás falso testemunho,
não adulterarás etc.) Deus as impõe claramente nos 10
mandamentos.

Mas, além disto, há muitas outras determinações que os judeus


tinham que observar, porque lhes foram impostas por Deus. Não
vamos aqui citar todas estas prescrições, porque seria muito longo,
mas daremos alguns exemplos.

A lei foi dada por intermédio de Moisés. Mas já antes de Moisés,


desde o tempo de Abraão, Deus havia preceituado a circuncisão ao
seu povo: ... Eis aqui o meu pacto que haveis de guardar entre mim
e vós, e a tua posteridade depois de ti: todos os machos dentre vós
serão circuncidados, e vós circuncidareis a carne do vosso prepúcio,
para que seja o sinal do concerto que há entre mim e vós (Gênesis
XVII-9 a 11). O macho que não tiver sido circuncidado na carne do
seu prepúcio, será aquela alma apagada do seu povo, porque
tornou írrito o meu pacto (Gênesis XVII-14).

Havia, na lei mosaica, a proibição de comer certos animais


considerados imundos: Não comais o que é imundo. Estes são os
animais que deveis comer: o boi, e a ovelha, e a cabra, o veado e a
corça, o búfalo, a cabra montês, o unicórnio, o orige, o camelopardo.

Comereis de todo o animal que tem a unha fendida em duas partes


e que remói. Não deveis, porém, comer dos que, sim, remoem, mas
não tem unha fendida como são o camelo, a lebre, o querogrilo;
estes, porque remoem e não tem a unha fendida, serão imundos
para vós.

O porco também será para vós imundo, porque, ainda que tem unha
fendida, não remói. Não comereis da carne destes animais, nem
tocareis nos seus cadáveres.

De todos os animais que vivem nas águas comereis estes: comei os


que têm barbatanas e escamas; mas não comais daqueles que não
têm barbatanas nem escamas, porque são imundos.

Comei de todas as aves que são limpas; mas não comereis das
imundas, quais são a águia, e o grifo, e o esmerilhão, o ixião, e o
abutre, e o milhano, segundo seu gênero; e todo o gênero de
corvos, e o avestruz, e a coruja, e a gaivota, e o açor, segundo o
seu gênero, a cegonha, e o cisne, e o íbis, e o mérgulo, o porfirião, e
o bufo, o onocrótalo, e o caradrio, cada um no seu gênero, a poupa
também e o morcego. E tudo o que anda de rastos e tem asas será
imundo e não se comerá (Deuteronômio XIV-3 a 19).

Havia a proibição de comer o sangue dos animais: Qualquer homem


da casa de Israel e dos estrangeiros que peregrinam entre eles, se
comer sangue, obstinarei eu o meu rosto contra a sua alma e
exterminá-la-ei do seu povo, porque a vida do animal está no
sangue. (Levítico XVII-10 e 11). Qualquer homem dos filhos de
Israel e dos estrangeiros que moram entre vós que tomar, em caça
ou laço, fera ou ave daquelas é lícito comer, derrame o seu sangue
e cubra-o com terra (Levítico XVII-13).

Eram proibidas as vestes com certas misturas de tecidos: Não te


vestirás de coisa que seja tecida de lã e de linho (Deuteronômio
XXII-11).

Havia determinações especiais sobre a purificação da mulher que


dá à luz (Levítico cap. XII).

Havia a obrigação de celebrar com ritos especiais as solenidades


dos Pães Ázimos, das Semanas e dos Tabernáculos (Deuteronômio
XVI-1 a 17).

São exemplos de prescrições, dentre muitas, que havia para os


judeus, as quais não vigoram mais, agora estamos sob a

Lei de Cristo.

113. Vindo Cristo ao mundo, promulgou a sua lei, que veio substituir
e aperfeiçoar a lei mosaica. Ele exige igualmente a observância dos
10 mandamentos: Se tu queres entrar na vida,
(Mateus XIX-17), os quais, portanto, estão de pé na
Nova Lei, embora não estejam mais em vigor aquelas penas que
existiam na Lei Antiga, segundo a qual deviam ser apedrejados o
filho contumaz e rebelde (Deuteronômio XXI-18 a 21), a esposa que
não foi encontrada virgem (Deuteronômio XXII-20 e 21), aqueles
que cometiam adultério (Deuteronômio XXII-22) etc. O que não
exclui naturalmente as penas impostas pela justiça de Deus na outra
vida.

A respeito do matrimônio, Cristo se mostra mais rigoroso do que a


Lei Antiga, ensinando a unidade e indissolubilidade do casamento
(Marcos X-11 e 12), quando na Lei Antiga havia o direito de repudiar
o homem à mulher que não for agradável a seus olhos por causa
dalguma fealdade (Deuteronômio XXIV-1) e casar com outra.

Prescrevendo a prática dos mandamentos, o Divino Mestre insiste


na sua parte mais importante: o amor de Deus e o amor do próximo,
sem deixar de tornar mais rigorosa a obrigação da castidade
(Mateus V-27 e 28).
Além dos mandamentos, Cristo impõe outros preceitos: há os
sacramentos da Nova Lei e assim em vez da circuncisão é
obrigatório o Batismo: Quem não renascer da água e do Espírito
Santo não pode entrar no reino de Deus (João III-5). Outra lei nos
impõe Jesus Cristo nestas palavras: Se não comerdes a carne do
Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós
(João VI-54).

Em suma Cristo é não só o Salvador, o Mestre da verdade, mas


também um Legislador que nos veio apontar, pela sua lei santa e
sublime, o caminho da salvação.

Sempre o Decálogo.

114. Já demos uma ideia da distinção entre a lei natural, a lei


mosaica e a lei cristã. Mas o que não pode passar despercebido
nesta exposição é que de uma forma ou de outra, ou seja na lei
natural, ou no judaísmo, ou na lei de Cristo, ou mais ou menos
rigorosos, ou mais ou menos explícitos, os 10 mandamentos sempre
estão de pé. É a lei de Deus eterna que impera no coração do
homem, seja qual for a época, religião ou raça a que pertença, seja
maior ou menor o seu conhecimento da vontade divina.

Obras da lei; de qual lei?

115. Durante muitos e muitos séculos, quando na linguagem bíblica


se falava na , não se podia entender senão a lei de Moisés.

Na lei de Cristo ninguém pensava, por uma razão muito simples:


Jesus Cristo não havia aparecido ainda e não havia, portanto,
ensinado a sua lei.

Na lei natural, também não: porque tendo uma lei escrita, expressa
com as próprias palavras de Deus, dada com tanta pompa e
solenidade no monte Sinai, incluindo, além dos preceitos da lei
natural, muitíssimos outros preceitos, não era certamente na lei
natural que os judeus pensavam, quando se falava na .

Os apóstolos e Evangelistas conservam este modo de falar, que era


o usual naquele tempo, pois vinha sendo usado desde muitos
séculos. Sabem muito bem que existe uma lei de Cristo. Assim diz
S. Paulo: Levai as cargas uns dos outros, e desta maneira
cumprireis a C (Gálatas VI-2). Mas, quando dizem
simplesmente — a lei — entendem a lei de Moisés: A foi dada
por Moisés; a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo (João I-
17). A palavra — lei — continua a designar também no Novo
Testamento os 5 primeiros livros da Bíblia, em contraposição com
outros livros sagrados, precisamente porque é naqueles que vêm
circunstanciadamente descritas as prescrições da lei mosaica: Não
tendes lido na que os sacerdotes nos sábados, no templo
quebrantam o sábado e ficam sem pecados? (Mateus XII-5). Depois
da lição da e dos profetas, mandaram-lhes dizer os chefes da
sinagoga (Atos XIII-15). Sirvo eu a meu Pai e Deus, crendo todas as
coisas que estão escritas na e nos profetas (Atos XXIV-14).

Quando o Evangelho fala em — doutor da lei (Mateus XXII-35;


Lucas V-17) — isto não significa um homem entendido na lei civil, na
lei natural ou na lei de Cristo, mas um homem que é bom
conhecedor da lei de Moisés.

Assim sendo, chamamos a atenção do leitor para o seguinte trecho


de S. Paulo na sua 1ª Epístola aos Coríntios: E me fiz para os
judeus como judeu, para ganhar os judeus; para os que estão
debaixo da lei, como se eu estivera debaixo da lei (
), por ganhar aqueles que estavam
debaixo da lei; para os que estavam sem lei, como se eu estivera
sem lei (ainda que não estava sem a lei de Deus, mas
C ), por ganhar os que estavam sem lei (1ª Coríntios IX-
20 e 21).
Ora, aí diz o Apóstolo que não está debaixo da lei; porque, quando
ele diz simplesmente — a lei — entende a lei de Moisés. Do fato de
não estar debaixo da lei, não se segue que não esteja sujeito a lei
nenhuma, pois ele diz abertamente estar sujeito à lei de Cristo,
portanto, à lei de Deus.

Do mesmo modo, quando o Apóstolo diz que o homem não é


justificado pelas obras da lei, entende-se que as obras da lei de
Moisés não servem mais para tornar o homem um justo diante de
Deus. A lei de Moisés foi abolida. Mas daí não se segue que o
homem não se torne justo pelas obras de outra lei: da lei cristã, por
exemplo. Muito ao contrário, se S. Paulo diz que a fé em Cristo é
que justifica o homem, a fé em Cristo, como provamos no capítulo
quarto, nos obriga a obedecer à sua lei, pois Cristo também foi um
Legislador e nos impôs mandamentos, cuja observância é
indispensável para se conquistar a vida eterna. E a estas obras que
nascem da obediência à Lei de Cristo, S. Paulo não chama — obras
da lei — chama : Esta é uma verdade infalível e quero
que isto afirmes, para que procurem avantajar-se em
os que creem em Deus (Tito III-8). E aprendam também os nossos a
serem os primeiros em para as coisas que são
necessárias, para que não sejam infrutuosos (Tito III-14). Somos
feitura dEle mesmo, criados em Jesus Cristo para , que
Deus preparou, para caminharmos nelas (Efésios II-10).

S. Tiago e S. Paulo.

116. Somente à luz da distinção entre estas duas noções, é que se


podem conciliar o ensino de S. Tiago e o de S. Paulo,
esta , pois não pode haver contradição nas
Escrituras. Um fala em ; o outro, em , o que já
vem a ser duas coisas diferentes.

Dizendo: Não vedes como pelas é justificado o homem, e


não pela fé somente? (Tiago II-24), S. Tiago nos mostra claramente
que a fé não basta para a salvação, sendo necessárias também
, em cumprimento da lei de Cristo.

Dizendo: O homem é justificado pela fé, sem


(Romanos III-28; Gálatas II-16), S. Paulo nos mostra que para o
homem tornar-se justo diante de Deus, o caminho a seguir é a fé em
Cristo, a fiel submissão a seus divinos ensinamentos, não sendo
mais obrigatórios aqueles ritos, purificações e observâncias da lei
mosaica, porque esta não está mais em vigor.

Desprezando completamente o ensino de S. Tiago, que é tão


infalível como o de S. Paulo, porque também faz parte da Bíblia,
Lutero e Calvino se aproveitaram desses textos em que o Apóstolo
das Gentes nos diz que o homem é justificado pela fé em Cristo,
sem as obras da lei, para afirmar que S. Paulo nos ensina que
estamos completamente livres da obrigação de obedecer aos
mandamentos, à lei de Deus, estamos livres de todas as leis, pois
Cristo não é legislador, não nos impôs nenhum preceito, veio
apenas oferecer-nos a salvação pela fé (!!).

Pelo que foi exposto até aqui, o leitor já percebe claramente a


adulteração que se faz assim das palavras de S. Paulo. Mais ainda
o perceberá, estudando ambas as frases no seu respectivo
contexto. Vale a pena o trabalho, porque conseguiremos mais uma
vez desfazer as confusões que fazem os nossos queridos irmãos
separados, completamente perdidos naquele intricado estilo do
Apóstolo S. Paulo.
1º — Na Epístola aos Gálatas
A questão dos judaizantes.

117. Vamos citar o trecho todo da Epístola aos Gálatas: Nós somos
por natureza e não pecadores dentre os gentios, como
sabemos que o homem não se justifica pelas obras da lei, senão
pela fé de Jesus Cristo, por isso também nós cremos em Jesus
Cristo, para sermos justificados pela fé de Cristo, e não pelas obras
da lei; porquanto pelas obras da lei não será justificada toda a carne
(Gálatas II-15 e 16).

Estas palavras se prendem à questão dos judaizantes, assunto


sobre o qual versa a Epístola aos Gálatas. Temos, portanto,
que fazer o histórico desta questão.

Depois da morte de Jesus Cristo, que em vida obedeceu à lei


mosaica, ficou uma dúvida entre os cristãos, que no princípio tinham
sido recrutados entre os judeus: estariam eles obrigados ainda a
observar a lei de Moisés? A S. Pedro, como chefe da Igreja, é que
cabia resolver a questão. Por isto Deus o instruiu com uma visão
especial: viu o céu aberto e que descendo um vaso, como uma
grande toalha suspensa pelos quatro cantos, era feito baixar do céu
à terra, no qual havia de todos os quadrúpedes, e dos répteis da
terra, e das aves do céu. E foi dirigida a ele uma voz, que lhe disse:
Levanta-te, Pedro; mata e come. E disse Pedro: Não, Senhor,
porque nunca comi coisa alguma comum, nem imunda. E a voz lhe
tornou segunda vez a dizer: Ao que Deus purificou, não chames tu
comum (Atos X-11 a 15). Estava ainda a imaginar no que quereria
dizer esta visão, quando lhe batem à porta os enviados de Cornélio,
um gentio, um incircunciso, que o mandava chamar à sua casa. Indo
Pedro à casa de Cornélio e fazendo a sua pregação diante de
Cornélio e dos seus, desceu o Espírito Santo sobre todos os que
ouviram a palavra de Deus. E se espantaram os fiéis que eram da
circuncisão, os quais tinham vindo com Pedro, de verem que a
graça do Espírito Santo foi também derramada sobre os gentios
(Atos X-45). E S. Pedro mandou que eles fossem batizados em
nome do Senhor Jesus Cristo (Atos X-48). Estava evidente que
Deus, para justificar o homem, para dar-lhe a graça do Espírito
Santo, não exigia absolutamente a observância da lei de Moisés.

Mas aconteceu que vindo alguns da Judeia, ensinavam assim aos


irmãos: Pois se vos não circuncidais segundo o rito de Moisés, não
podeis ser salvos. E tendo-se movido uma disputa não mui pequena
de Paulo e Barnabé contra eles, sem os convencer, resolveram que
fossem Paulo e Barnabé e alguns dos outros, aos Apóstolos e aos
presbíteros de Jerusalém, sobre esta questão (Atos XV-1 e 2).

Reunidos os Apóstolos e presbíteros no Concílio de Jerusalém,


quando está mais acesa a discussão sobre o assunto, depois de se
fazer sobre ele um grande exame (Atos XV-7), Pedro levanta-se e
mata a questão. Deus não fez diferença alguma entre judeus e os
gentios, dando também a estes últimos o Espírito Santo. E com a
palavra decisiva de Pedro, acabou-se a discussão:
(Atos XV-12). Falam Paulo e Barnabé
contando quão grandes milagres e prodígios fizera Deus por
intervenção deles nos gentios (Atos XV-12).

Levanta-se no fim S. Tiago, para mostrar como a decisão de


S. Paulo concordava com o que tinham anunciado os profetas e
para fazer também uma proposta; proposta que é aprovada, porque
pareceu bem aos Apóstolos e aos presbíteros, com toda a Igreja
(Atos XV-22).

A proposta de S. Tiago é a seguinte:

1º Que se mande aos cristãos que se abstenham de comer das


carnes sacrificadas aos ídolos.

Era costume entre os gentios separar para os sacerdotes uma parte


dos animais que foram sacrificados aos ídolos. Esta carne era
vendida nos mercados e às vezes com elas se faziam banquetes.
Aos cristãos convertidos do gentilismo se manda que se abstenham
de tais banquetes, a fim de não escandalizarem os judeus, para
quem tais carnes eram abominação e também pelo perigo de
recaírem na idolatria ou de parecerem aos idólatras como
coniventes com o seu culto.

2º Mande-se que se abstenham de fornicação, porque os gentios


pensavam erradamente que a simples fornicação (sem adultério)
não era pecado, e parece até que juntavam a fornicação a esses
banquetes feitos com carnes dos sacrifícios; é, pelo menos, o que
se insinua em Números XXV-1 e 2: Neste tempo estava Israel em
Setim, e o povo caiu em fornicação com as filhas de Moab, as quais
os chamaram para os seus sacrifícios; e eles comeram e adoraram
os deuses delas. É claro que a fornicação é proibida de qualquer
maneira na lei cristã.

3º Mande-se que não comam nem o sangue, nem os animais


sufocados.

Os antigos, mesmo os gentios, tinham horror a este ato de comer o


sangue; parecia-lhes isto uma demonstração de selvageria, à
imitação dos cães que lambem o sangue dos animais.

Depois, com o tempo, feita a verdadeira fusão entre os judeus e os


gentios no seio da Igreja, desaparecidas aquelas ideias antigas,
esta proibição caiu em desuso, uma vez que cessava o motivo pelo
qual havia sido feita, isto é, evitar a aversão mútua entre os gentios
e os judeus. É interessante notar neste ponto como os protestantes,
que só admitem aquilo que está na Bíblia, deveriam ainda hoje
obedecer a esta lei e no entanto comem a carne dos animais
sufocados, como é a carne de boi que se vendem nos nossos
açougues, e comem o sangue de animais. Deveriam fazer como
fazem ainda hoje os judeus: matar as galinhas por um processo
todo especial e deixar escorrer todo o seu sangue; pois a Bíblia não
fala na revogação desta lei, pelos sucessores dos Apóstolos,
quando esta lei não foi mais julgada necessária.
Fora as restrições propostas por S. Tiago, ficou de pé o princípio
que a lei de Moisés não obrigava mais: os cristãos não estavam
mais obrigados a circuncidar-se, nem àquelas purificações e
cerimônias da Lei Antiga, nem a abster-se de todos aqueles
alimentos considerados imundos na legislação mosaica, como a
carne de porco, etc.

Acontecia, porém, que para os judeus nascidos e criados entre


aqueles costumes da lei mosaica, embora a lei já estivesse morta,
para eles não se considerava grande mal que a cumprissem,
enterrando-a com honras. Cumpriam uma coisa que não lhes era
imposta, não porque se considerassem obrigados a isto, mas por
uma questão de hábito ou por um motivo qualquer de conveniência.
Isto fez o próprio S. Paulo, o qual vimos, há pouco, dizer: E me fiz
para os judeus, como judeu, para ganhar os judeus; para os que
estão debaixo da lei, como se estivera debaixo da lei (não me
achando eu debaixo da lei) por ganhar aqueles que estavam
debaixo da lei (1ª Coríntios IX-20 e 21). Assim procedeu S. Paulo,
por exemplo, no caso de Timóteo, como vem narrado nos Atos
(cap. XVI-1 a 3). Paulo sabia muito bem que a circuncisão não era
mais obrigatória, mas querendo utilizar em prol da Igreja os bons
serviços de Timóteo, que era filho de pai gentio com mãe judia,
tomando o discípulo, o circuncidou por causa dos judeus que havia
naqueles lugares (Atos XVI-3); assim Timóteo teria mais prestígio
para conquistar os judeus ao reino de Cristo, porque podiam os
judeus não lhe dar muita autoridade, sendo um incircunciso a
serviço do Evangelho. Outro caso, em que S. Paulo obedece a
prescrições da lei mosaica, mesmo sabendo-se não sujeito a ela, se
lê nos Atos, capítulos XXI. S. Paulo chega a Jerusalém. Os anciãos
o advertem: Bem vês, irmãos, quantos milhares de judeus são os
que têm crido e todos são zeladores da lei. E têm ouvido de ti que
ensinas aos judeus que estão entre os gentios que deixem a
Moisés, dizendo que eles não devem circuncidar a seus filhos, nem
andar segundo o seu rito (Atos XXI-20 e 21). Com o pensamento de
conquistar as graças dos judeus, S. Paulo concorda em entrar no
templo de Jerusalém, juntamente com quatro varões que têm voto
sobre si (Atos XXI-23) e submeter-se com eles a uma cerimônia
judaica, embora sabendo que a lei de Moisés não estava mais em
vigor: Então Paulo, depois de tomar consigo aqueles varões,
purificado com eles, no seguinte dia entrou no templo, fazendo
saber o cumprimento dos dias da purificação, até que se fizesse a
oferenda por cada um deles (Atos XXI-26).

Apesar do que já foi decidido no Concílio de Jerusalém, obstinam-se


alguns judeus convertidos na sua tarefa de induzir os gentios a
professar o judaísmo juntamente com a Religião Cristã, ensinando
que eles não podiam salvar-se sem a observância da lei mosaica.

A questão vai tomando assim um aspecto mais grave. Que os


judeus já acostumados a observar a lei mosaica, embora
estivessem agora livres da lei, continuassem temporariamente a
observá-la, para sepultar com honras esta lei que já estava morta,
não era tão grande mal. Mas querer obrigar os gentios, que a esta
lei nunca estiveram sujeitos, que não eram da raça judaica, a se
circuncidarem, a fazerem profissão de judaísmo juntamente com a
de Cristianismo, era um erro muito grave. Equivalia a ensinar que o
homem não pode justificar-se diante de Deus sem as obras da lei
mosaica, quando a Religião Cristã ensinava que o judaísmo está
abolido e não se deve admitir outra religião, a não ser a fé cristã.
Assim, se a lei para os judeus estava morta, para os gentios ia
tornar-se mortífera. Querer obrigar os gentios à observância da lei,
como condição para salvar-se, era o erro dos
.

E o pior é que invocavam a autoridade dos Apóstolos que, uma vez


ou outra, obedeciam à lei de Moisés, embora soubessem não ser
obrigados a isto. Os Apóstolos estavam assim num dilema. Se se
mostravam muito intransigentes com os judeus, que já estavam tão
habituados a observar a lei mosaica, ofendiam os judeus e os
afastavam de si. Se condescendiam com eles, davam margem a
que os judaizantes apontassem o seu exemplo para ensinar que a
observância da lei mosaica era necessária para a salvação e a
prova é que os Apóstolos também a observavam. Foi isto que deu
origem em Antioquia ao

Incidente entre S. Paulo e S. Pedro.

118. S. Pedro em Antioquia estava convivendo com os gentios,


comendo de todos os alimentos que eles comiam, mesmo dos que
tinham sido proibidos aos judeus, quando chegaram os judeus que
tinham ido falar com S. Tiago. Depois da chegada deles, S. Pedro
começou a retrair-se, a afastar-se dos gentios, temendo ofender aos
que eram circuncidados (Gálatas II-12). No dilema em que se havia
colocado, S. Pedro achou que, tendo-se encarregado especialmente
da pregação aos judeus, enquanto S. Paulo o era da pregação entre
os gentios, cabia-lhe em primeiro lugar evitar o desgosto da parte
dos judeus. Não previu, porém, as consequências do seu
retraimento. Sendo o chefe da Igreja, tendo tanta autoridade que o
próprio Barnabé, apesar de companheiro de S. Paulo, apesar de ser
um dos campeões na luta contra os judaizantes (Atos XV-2),
começou a seguir-lhe o exemplo, a sua atitude bem podia ser
explorada pelos partidários da circuncisão obrigatória. S. Paulo
resolveu então adverti-lo do mal que estava fazendo com isto: eu lhe
resisti na cara, [12] porque era repreensível (Gálatas II-11) e
reclamar contra aquela simulação (Gálatas II-13). A verdade é que
simulação maior do que esta fez o próprio S. Paulo, entrando no
templo de Jerusalém para submeter-se a uma purificação e
apresentando-se como uma espécie de padrinho para os quatro
nazareus (Atos XXI-26), o que, aliás, não deu resultado, porque os
judeus findaram sempre revoltando-se contra ele; maior, porque a
atitude de S. Pedro foi apenas negativa: retraiu-se do convívio com
os gentios. O que agravava a situação era a exploração que os
judaizantes podiam fazer do caso, perigo este que foi previsto por
S. Paulo, antes que S. Pedro o percebesse.

S. Pedro recebeu humildemente a advertência de S. Paulo, achou


que ele tinha razão e encerrou-se o incidente. A respeito disto diz
S. Gregório Magno: “Calou-se Pedro, para que aquele que era o
primeiro em culminância do apostolado, fosse também o primeiro na
humildade” (Homilia 18 in Ezechielem). E S. Agostinho assim
comenta: “Pedro aceitou com santa piedosa humildade a
observação que utilmente lhe fizera Paulo, inspirado pela liberdade
do amor, deixando assim aos pósteros o raro exemplo de não se
dedignarem em ser corrigidos pelos inferiores, onde quer que se
desviassem do reto caminho; exemplo mais raro e mais santo que o
deixado por Paulo aos inferiores que, por defender a verdade
evangélica, ousassem resistir confiadamente, salvando-se, porém, a
caridade... Em Paulo louvemos a justa liberdade; em Pedro, a santa
humildade” (Epístola 19 ad Hieronymum).

Notas (pular)

[12] Resisti-lhe — é uma expressão dura e grosseira para a nossa


linguagem de hoje; e o leitor inexperiente pode até ficar com uma ideia infeliz,
pensando que S. Paulo de S. Pedro. Mas o sentido da
expressão grega aí empregada: é este: .
S. Paulo quer significar que não se opôs a S. Pedro por trás dos bastidores,
mas o fez abertamente, em sua presença, ou em outros termos -
a falta que estava cometendo com a sua atitude.

As versões protestantes de Ferreira de Almeida e da Sociedade Bíblica do


Brasil não fazem por menos: usam a expressão do Pe Pereira e do Pe Matos
Soares, tão estranha para os nossos hábitos de hoje: resisti-lhe .

Entretanto esta mesma expressão aparece também em


outras passagens e é traduzida de maneira suave.

Veja-se em Ferreira de Almeida: A tua salvação, a qual tu preparaste


de todos os povos (Lucas II-30 e 31). Jesus, a quem vós entregastes e
de Pilatos negastes (Atos III-13).

Veja-se a versão da Sociedade Bíblica do Brasil: A tua salvação, a qual


preparaste de todos os povos (Lucas II-30 e 31). Jesus, a quem
vós entregastes e negastes Pilatos (Atos III-13).

Ora, estas expressões , , correspondem


exatamente à mesma expressão grega , que é usada no
incidente entre S. Paulo e S. Pedro.

Quer dizer que os tradutores da Bíblia não foram tão delicados com S. Pedro
como o foram com Pôncio Pilatos...

Monsenhor José Basílio traz a versão cortês e ao mesmo tempo correta:


resisti-lhe — porque S. Paulo nunca se referiria a S. Pedro com um
tom de inocência. (voltar)

A luta contra os judaizantes na Epístola aos Gálatas.

119. Continuando na sua obra dissolvente, os judaizantes procuram


induzir os Gálatas à profissão de judaísmo. E como S. Paulo se lhes
opõe vivamente, eles procuram diminuir a autoridade do Apóstolo,
fazendo ver que ele não era como os outros, não tinha convivido
com o Mestre, e assim não tinha o mesmo valor que os outros
Apóstolos.

É contra eles que S. Paulo escreve sua Epístola aos Gálatas a qual,
do princípio ao fim, se refere a esta questão. Logo no primeiro
versículo vai S. Paulo defendendo a sua autoridade que os
adversários procuram diminuir: Paulo, Apóstolo, não pelos homens,
nem por algum homem, mas por Jesus Cristo e por Deus Padre,
que O ressuscitou dentre os mortos (Gálatas I-1). E logo depois da
sua saudação de costume, ele começa: Eu me espanto de que,
deixando aquele que vos chamou à graça de Cristo, passáveis
assim tão depressa a outro Evangelho; porque não há outro, se não
é que há alguns que vos perturbam e querem transtornar o
Evangelho de Cristo. Mas ainda quando nós mesmos, ou um anjo
do céu vos anuncie um Evangelho diferente do que nós vos temos
anunciado, seja anátema (Gálatas I-6 a 8).

Este Evangelho diferente, de que fala S. Paulo, é a doutrina


daqueles que querem obrigar os cristãos convertidos dentre os
gentios a serem circuncidados; e um dos argumentos de que usa
para mostrar como estão errados, é o seguinte: Ele esteve
conferindo a sua doutrina com os outros Apóstolos e levou consigo
a Tito, mas nem Tito foi impelido a circuncidar-se: Comuniquei com
eles o Evangelho que prego entre os gentios, e particularmente com
aqueles que pareciam ser de maior consideração, por temor de não
correr em vão, ou de haver corrido. Mas nem ainda Tito, que estava
comigo, sendo gentio, foi compelido a que
(Gálatas II-2 e 3).

Basta ler com atenção a Epístola para se ver como o que S. Paulo
está condenando aí não é a doutrina católica de que a observância
dos mandamentos, ou seja, a caridade para com Deus e com o
próximo, seja necessária para a salvação. Esta é também a doutrina
de Jesus, como provamos no capítulo 4º, e, consequentemente, a
doutrina de S. Paulo.

O que S. Paulo condena é a heresia daqueles que, mesmo depois


do que foi decidido pelos Apóstolos no Concílio de Jerusalém, ainda
ensinam que para o homem ser um justo perante Deus, é
necessária a observância daquelas cerimônias e prescrições da lei
mosaica, a começar pela circuncisão.

Vejamos estas passagens da nossa Epístola aos Gálatas: Olhai que


eu, Paulo, vos digo que se vos fazeis , Cristo vos não
aproveitará nada. E de novo protesto a todo homem que se
que está obrigado a guardar . Vazios estais
de Cristo os que vos justificais pela : decaístes da graça (Gálatas
V-2 a 4).

Todos os que querem agradar na carne, este vos obrigam a que vos
, só por não padecerem eles a perseguição da cruz de
Cristo. Porque esses mesmos que não guardam a
lei; mas querem que vós vos , para se gloriarem na
vossa carne (Gálatas VI-12 e 13).

E a conclusão a que chega S. Paulo é que agora na religião de


Cristo não há mais nenhuma distinção entre os que são
circuncidados e os que não são, entre os judeus e os gentios: Não
há , não há servo, nem livre, não há macho nem
fêmea; porque todos vós sois um em Jesus Cristo (Gálatas III-28).

S. Paulo continua a considerar a prática dos 10 mandamentos como


necessária à salvação, é o que se vê claramente na sua
enumeração das obras da carne (Gálatas V-19 a 21) entre as quais
ele inclui a impureza (pecado contra o 6º mandamento), a idolatria
(contra o 1º), os homicídios (contra o 5º), as contendas, os zelos, as
iras, as brigas que são contra a caridade para com o próximo, e
finda dizendo: os que tais coisas cometem não possuirão o reino de
Deus (Gálatas V-21).

O pensamento paulino e a doutrina católica.

120. Finalmente vamos provar a identidade do pensamento de


S. Paulo com a doutrina da Igreja. Já mostramos no capítulo 2º, que
segundo a doutrina católica, para a nossa salvação, são
necessárias três coisas: uma é a , pois quem não crer será
condenado. Outra são as nossas , pela
. Outra, por fim, é a D , que tanto é
necessária para termos fé, como também é necessária para se fazer
qualquer obra boa meritória para a vida eterna, pois sem a graça de
Cristo nada podemos fazer.

Vejamos agora este trecho de S. Paulo nesta Epístola aos Gálatas.


Em Jesus Cristo nem a circuncisão vale alguma coisa, nem o
prepúcio; mas sim a que obra por caridade (Gálatas V-6).
Sempre a mesma preocupação de mostrar que a circuncisão já não
tem valor; o que tem valor é a fé, mas não a fé morta, a fé sem as
obras e sim a fé de que opera pela caridade.

Vejamos agora mais este outro versículo desta mesma Epístola aos
Gálatas: Em Jesus Cristo nem a circuncisão vale alguma coisa, nem
a incircuncisão valem nada, mas o ser uma (Gálatas
VI-15). S. Paulo, que, no versículo há pouco citado, mostrou o valor
da , mas fé que opera pela caridade, agora mostra o valor da
graça. A nova criatura de que ele fala é o homem revestido da
graça, o homem elevado a uma grandeza sobrenatural e que assim
foi objeto de uma nova criação espiritual feita por Deus. Esta graça
nos vem pelos sacramentos, a começar pelo Batismo que produz
em nós uma verdadeira renovação espiritual: Todos os que fostes
batizados em Cristo, revestiste-vos de Cristo (Gálatas III-27).

Agora confrontemos estes dois versículos em que S. Paulo nos diz


que o que tem valor diante de Deus é a fé, o que tem valor diante de
Deus é a graça que faz do homem uma nova criatura, com este
versículo também de S. Paulo, na 1ª Epístola aos Coríntios: A
circuncisão nada vale, e o prepúcio nada vale; senão a
(1ª Coríntios VII-19).

Assim se completam, segundo o pensamento de S. Paulo, os três


elementos indispensáveis para a salvação, de acordo com a
doutrina católica: a fé, a graça e a guarda dos mandamentos.

Isto não impede o próprio S. Paulo de resumir o problema da nossa


salvação numa só palavra: o homem é justificado pela fé em Cristo.
A fé em Cristo é o médico que nos aponta a necessidade da
que nos vem pelos sacramentos, pois a fé é aceitar toda a doutrina
de Cristo e Cristo disse: Quem não renascer da água e do Espírito
Santo, não pode entrar no reino de Deus (João III-5). Se não
comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue,
não tereis vida em vós (João VI-54). Cristo nos mostra como nos
vem o perdão dos pecados: Aos que vós perdoardes os pecados,
ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão
eles retidos (João XX-23).

A fé em Cristo é o médico que nos aponta a necessidade da


, pois a fé é aceitar toda a doutrina de
Cristo, e Cristo disse: Se tu queres entrar na vida,
(Mateus XIX-17).
2º — Na Epístola aos Romanos
Uma trela de Lutero.

121. Passamos agora ao versículo da Epístola aos Romanos:

Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras


da lei (Romanos III-28).

Antes de fazermos o comentário sobre este versículo, queremos


relembrar um pequeno episódio da vida de Lutero. Lutero fez a
tradução da Bíblia para o alemão, aliás numa linguagem clássica e
elegante, que exerceu profunda influência sobre a língua e literatura
alemãs, pois ele era de fato um grande escritor. Mas, na sua
tradução, esteve longe de mostrar-se consciencioso. Fez maliciosas
alterações na Bíblia, levado pelo seu sectarismo. Os nomes com
que o povo designava os sacerdotes católicos e as suas vestes,
Lutero na Bíblia os aplicou aos sacerdotes idólatras. Usou no Antigo
Testamento a palavra — Igreja — para designar os lugares em que
se adoravam os ídolos, e no Novo Testamento substituiu a palavra
Igreja, quando designava a Igreja de Cristo, pela palavra —
comunidade.

Onde a Bíblia traz a palavra , ele tomou como norma substituí-


la pela palavra , explicando que quer dizer aquele que tem fé,
isto para favorecer à sua teoria de que ninguém pode ser justo,
apenas podemos ter uma justiça exteriormente imputada, atribuída a
nós por Deus que nos considera justos, embora realmente não o
sejamos.

Onde se lê: A lei obra ira (Romanos IV-15), ele acrescentou a


palavra : A lei obra somente ira.

Neste versículo de que ora tratamos, Lutero, para ajustá-lo à sua


doutrina, acrescentou também a palavra e assim traduziu:
Concluímos, pois, que o homem é justificado sem as obras da lei,
pela fé.

Um católico reclamou contra o acréscimo desta palavra


que não estava no texto. E Lutero assim respondeu numa carta
dirigida a Link: “Se o nosso papista quiser importunar-nos por causa
da palavra , responde-lhe logo: assim quer o Doutor
Martinho Lutero que diz: papista e burro são a mesma coisa. Assim
quero, assim mando, ponha-se a vontade em vez da razão.”
(Weimar XXX 2 Abt 635). E a frase de Lutero: Sic volo, sic jubeo, sit
pro ratione voluntas — assim quero, assim mando, ponha-se a
vontade em vez da razão — que, aliás, já era tomada de um escritor
pagão, ficou célebre para indicar que uma pessoa se obstina numa
opinião ou numa atitude, mesmo sabendo que está errada, como se
diz também em português: É de pau, porque eu quero; é de pau, e
bem bonito; é de pau, e tenho dito.

A argumentação de S. Paulo.

122. Mas voltemos ao nosso versículo: Concluímos, pois, que o


homem é justificado pela fé sem as obras da lei (Romanos III-28).

Por esta palavra , estamos logo vendo que S. Paulo fez


um argumento e chegou a uma conclusão.

S. Paulo, como é natural, quer mostrar a necessidade de se abraçar


a Religião de Cristo. O seu argumento para chegar a tal conclusão é
o seguinte:

No tempo em que fala S. Paulo, o mundo inteiro está


completamente fora do bom caminho, do caminho da salvação.

Aqueles que viviam sob a caíram lamentavelmente nos


erros mais deploráveis e nos mais horrendos pecados. É o que,
depois de fazer as costumeiras saudações, demonstra o Apóstolo,
do versículo 18º até o fim do capítulo 1º, descrevendo a depravação
em que estavam mergulhados os gentios.

S. Paulo acusa-os por causa da idolatria: mudaram a glória do Deus


incorruptível em semelhança de figura de homem corruptível, e de
aves, e de quadrúpedes, e de serpentes (Romanos I-23); adoraram
e serviram à criatura antes que ao Criador, que é bendito por todos
os séculos (Romanos I-25). E depois de acusá-los de pecados
vergonhosos que são, não só contra a castidade, mas também
contra a natureza, os descreve como sujeitos a inúmeras
perversões: cheios de toda a iniquidade, de malícia, de fornicação,
de avareza, de maldade, cheios de inveja, de homicídios, de
contendas, de engano, de malignidade, mexeriqueiros,
murmuradores, aborrecidos de Deus, contumeliosos, soberbos,
altivos, inventores de males, desobedientes a seus pais, insipientes,
imodestos, sem benevolência, sem palavra, sem misericórdia, os
quais tendo conhecido a justiça de Deus, não compreenderam que
os que fazem semelhantes coisas são dignos de morte; e não
somente os que estas coisas fazem, senão também os que
consentem aos que a fazem (Romanos I-29 a 32).

O capítulo 2º é endereçado aos judeus que estavam sob a


. Antes de estudá-lo, porém, precisamos abrir

Um parêntesis.

123. Para bem entendermos a argumentação de S. Paulo,


precisamos fazer um confronto entre o pensamento paulino e a
mentalidade dos judeus. Estes estavam muito envaidecidos,
julgando-se superiores aos gentios por causa da , que lhes fora
dada por Deus e também muito confiados em suas próprias forças
para a prática da virtude. Mas não sabiam estes judeus de uma
coisa muito importante: é que a lei nada adianta como remédio do
pecado, se Deus não der a sua graça, sem a qual não é possível
observá-la. A lei é na verdade, santa; e o mandamento é santo, e
justo, e bom (Romanos VII-12), porque é a expressão da vontade de
Deus. Mas a lei, por si só, não resolve o problema do homem,
porque o que a lei nos traz é o conhecimento do que é pecado e do
que não é: Pela lei é que vem o conhecimento do pecado (Romanos
III-20); se a lei que foi dada pudesse , a justiça, na
verdade, seria pela lei (Gálatas III-21). O problema do homem não é
somente saber o que é pecado e o que não é, o seu maior problema
é este: quem o vivificará na luta contra o mal? Quem lhe dá forças
para isto é a graça de Deus. A lei é espiritual, mas eu sou carnal
(Romanos VII-14). Eu me deleito na lei de Deus, segundo o homem
interior; mas sinto nos meus membros outra lei que repugna à lei do
meu espírito e que me faz cativo na lei do pecado, que está nos
meus membros. Infeliz homem eu, quem me livrará do corpo desta
morte? A graça de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor (Romanos
VII-22 a 25).

A graça de Deus tinham-na os judeus e os gentios e tinham


suficiente para a salvação, pois Deus quer que todos os homens se
salvem (1ª Timóteo II-4). E não sabiam eles que esta graça que
Deus lhes concedia era graça de Cristo (veja-se Atos XV-10 e 11),
que Deus lhes dava por antecipação, em virtude dos futuros
merecimentos do Salvador.

Mas apesar de ter sido oferecida a todos esta graça, apesar de


terem podido, com auxílio desta graça, os gentios observar a lei
natural, e os judeus, a lei mosaica; na realidade estiveram
muitíssimo longe de observá-las como deviam. E a conclusão
natural disto é que sejam substituídas a lei natural e a lei mosaica,
que pela ingratidão e malícia dos homens vieram a dar um grande
fracasso, sejam substituídas pela fé em Cristo, pela Religião de
Cristo, que nos vem trazer a graça em muito maior abundância:
Onde abundou o pecado, superabundou a graça (Romanos V-20).
De forma que, segundo os desígnios altíssimos de Deus, a lei
mosaica serviu para mostrar aos homens a necessidade imensa em
que o mundo se achava de receber a Cristo, a sua doutrina e a sua
graça. E é neste sentido que diz S. Paulo: A lei nos serviu de
que nos conduziu a Cristo, para sermos justificados pela
fé. Mas depois que veio a fé, já não estamos debaixo do pedagogo
(Gálatas III-24 e 25).

Reatando o fio da argumentação.

124. Fechado o parêntesis, voltamos à argumentação feita nos 3


primeiros capítulos da Epístola aos Romanos. S. Paulo quer
demonstrar como não é mais suficiente nem a lei natural, nem a lei
mosaica, uma vez que tanto sob o regime de uma como de outra, os
homens pecaram de maneira mais desastrosa. Já mostrou, no 1º
capítulo, como os gentios, que estavam sob a lei natural, caíram nos
mais abomináveis pecados.

No capítulo 2º chega a vez dos judeus. Estão eles muito orgulhosos


de sua lei, falando com bastante desprezo a respeito dos gentios
que são pecadores, e no entanto são eles, judeus, pecadores da
mesma forma: Assim diz o 1º versículo: És inescusável tu, ó homem
qualquer que julgas; porque no mesmo em que julgas a outro, a ti
mesmo te condenas, porque fazes essas mesmas coisas que julgas
(Romanos II-1).

S. Paulo se baseia neste princípio de que, seja qual for a lei sob a
qual o homem se encontre, ou a lei natural, ou lei mosaica, ou lei de
Cristo, o que é fato é que não são justos diante de Deus aqueles
que ouvem a lei, ou que leem as palavras da lei, mas os que
cumprem o que a lei manda: Não são justos diante de Deus os que
ouvem a lei; mas os que fazem o que manda a lei, serão justificados
(Romanos II-13) porque Deus há de retribuir a cada um segundo as
suas obras (Romanos II-6) e não há para com Deus acepção de
pessoas (Romanos II-11). Basta este princípio estabelecido por
S. Paulo para nos mostrar que erram os protestantes atribuindo ao
Apóstolo a doutrina de que o homem se justifica pela fé somente.

Estabelecido o princípio de que são justos os que cumprem a lei,


não os que a ouvem, S. Paulo tira a conclusão de que os judeus já
não são justos, nem agradáveis a Deus, estão fora do caminho da
salvação. Ele fala ao judeu de seu tempo: Se tu que tens o
sobrenome de judeu e repousas sobre a lei, e te glorias em Deus, e
sabes a sua vontade, e distingues o que é mais proveitoso, instruído
pela lei, tu mesmo que presumes ser o guia dos cegos, o farol
daqueles que estão em trevas, o doutor dos ignorantes, o mestre
das crianças, que tens a regra da ciência e da verdade na lei; tu,
pois, que a outro ensinas, não te ensinas a ti mesmo; tu que pregas
que se não deve furtar, furtas; tu que dizes que não se deve cometer
adultério, o cometes; tu que abominas os ídolos, sacrilegamente os
adoras; tu que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão
da lei (Romanos II-17 a 24).

Depois de mostrar o fracasso de ambos os lados, da parte dos


gentios e dos judeus, depois de resolver uma objeção sobre as
vantagens da circuncisão até aquele tempo, S. Paulo vai enfeixar,
no capítulo 3º, o seu argumento: Já temos provado que judeus e
gentios estão todos debaixo do pecado, assim como está escrito:
Não há, pois, nenhum justo; não há quem entenda, não há quem
busque a Deus. Todos se extraviaram, a uma se fizeram inúteis, não
há quem faça bem, nem sequer um. A garganta deles é um sepulcro
aberto; com as suas línguas fabricavam enganos; um veneno de
áspides se encobre debaixo dos lábios deles, cuja boca está cheia
de maldição e de amargura; os pés deles são velozes para derramar
sangue. A dor e a infelicidade se acham nos caminhos deles, e não
conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante dos
olhos deles (Romanos III-9 a 18).

Alguns protestantes de hoje ainda não compreendem esse texto


porque se mostram apegados ao erro de Lutero, o qual enxergava a
prova de que a natureza do homem se depravada completamente
pelo pecado, de tal modo que não possa haver nenhum homem
justo. Aí não se diz que não pode haver justos na Terra, mas sim
que o mundo tinha degenerado de tal forma, que os justos
praticamente haviam desaparecido, nos tempos que antecederam a
vinda de Cristo. Não há nenhum — explica S. Tomás que é um
modo de falar por hipérbole, figura pela qual se procura exagerar
para encarecer. Dessa figura usamos frequentemente dizendo —
não vejo nada — quando o que vemos é muito pouca coisa. Uma
hipérbole usou S. João quando disse: Muitas outras, porém, há
ainda que fez Jesus; as quais, se se escrevessem uma por uma,
creio que os livros que delas
se houvessem de escrever (João XXI-25) e os judeus, quando
disseram a respeito de Jesus: eis aí vai após ele todo o mundo
(João XII-19): todo o mundo, isto é, muita gente.

Que podem existir justos na terra, que havia um ou outro naquele


tempo, isto se mostra em outros textos da Escritura: E José, seu
esposo, como era justo... (Mateus I-19). Para serdes filhos de vosso
Pai que está nos céus, o qual faz nascer o sol sobre bons e maus, e
vir chuva sobre e injustos (Mateus V-45). Eu não vim a
chamar os , mas os pecadores (Mateus IX-13). O que recebe
um na qualidade de justo receberá a recompensa de justo
(Mateus X-41). Herodes temia a João, sabendo que ele era varão
e santo (Marcos VI-20). Haverá maior júbilo no céu sobre um
pecador que fizer penitência que sobre noventa e nove que
não hão de mister penitência (Lucas XV-7). Havia, então, em
Jerusalém um homem chamado Simeão; e este homem e
timorato esperava a consolação de Israel (Lucas II-25). O centurião
Cornélio, homem e temente a Deus... (Atos X-22).

O caso de Cornélio é típico: era um gentio, não era circuncidado,


nem observava a lei de Moisés, ainda não conhecia a Religião de
Cristo e já é chamado justo. O que mostra que S. Paulo fala de um
modo geral. Em regra geral os gentios e judeus, ou seja, todos os
homens, não eram justos diante de Deus, mas esta regra geral tinha
exceções. No meio da depravação geral, alguns cooperavam com a
graça de Deus e a Ele eram agradáveis.

Falando de maneira geral, a Humanidade toda está, ao tempo em


que fala o Apóstolo S. Paulo, no caminho do vício e da depravação.
Nestas circunstâncias todos pecaram e todos estão necessitando de
um socorro, de uma intervenção especial de Deus, que redunde na
glória divina: Todos pecaram e necessitam da glória de Deus
(Romanos III-23). Se todos pecaram, se todos estavam naquele
estado de corrução e miséria, a justificação, a reconciliação que
Cristo operou na cruz, não foi merecida pelas obras dos homens, foi
realizada gratuitamente por mera bondade divina: tendo sido
justificados por sua graça, pela redenção que tem
em Jesus Cristo (Romanos III-24).

E desde que pecaram demasiadamente, tanto os judeus como os


gentios, é preciso que se estabeleça uma nova ordem de coisas;
não se exige mais obediência à lei mosaica, ela está morta, Deus
quer que se abrace a Religião de Cristo, Deus impõe a fé em Jesus
Cristo, sem distinção alguma entre gentios e judeus: Agora
se tem manifestado a justiça de Deus, testificada pela lei e pelos
profetas, e a justiça de Deus é infundida pela fé de Jesus Cristo em
todos e sobre todos os que creem nEle, porque
(Romanos III-21 e 22).

E chegamos então ao texto apresentado pelos protestantes. Mas


nada melhor do que fazê-lo acompanhar das palavras que o
seguem, para perfeitamente conhecer-lhe o sentido:

Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé


. Porventura Deus só o ? Não no é Ele também
dos gentios? Sim, por certo, Ele o é também dos gentios; porque na
verdade não há senão um Deus, que justifica pela fé os
circuncidados e que também pela fé
(Romanos III-28 a 30).

S. Paulo fala aos Romanos, que podem vir a ser trabalhados pelos
judaizantes (se é que já não o estão sendo) no sentido de se
julgarem obrigados a cumprir a lei de Moisés para poderem salvar-
se. Fala a cristãos novos que podem pela leitura da Bíblia, do Antigo
Testamento, ficar com a ideia de que a circuncisão, a proibição de
certas comidas, todas aquelas purificações e cerimônias ordenadas
por Deus na Lei Antiga, ainda são obrigatórias. Faz-lhes ver então
que em vista do estado geral do mundo, chegou agora o momento
de Deus estabelecer um novo caminho para o homem se tornar um
justo. A Lei Antiga vai desaparecer para dar lugar à fé em Cristo.
Mas a fé em Cristo acarreta, é claro, a obrigação de obedecer à
nova lei, à lei de Cristo, na qual se preceituam os 10 mandamentos
até com maior rigor do que entre os judeus (em compensação
estamos livres daquela escravidão de tantos preceitos, de tantas
restrições, como estavam os judeus na lei mosaica). A fé em Cristo
conduz à recepção dos sacramentos que Cristo apontar como
necessários à salvação. A fé em Cristo leva à obediência a todos os
preceitos que por Jesus Cristo nos são impostos na doutrina do
Evangelho.

Não é assim a argumentação de S. Paulo.

125. A interpretação protestante que quer ver neste texto — o


homem é justificado pela fé sem as obras da lei — uma prova de
que as nossas obras, a observância dos mandamentos não
contribuem para a justificação do homem, está completamente em
desacordo com a argumentação apresentada por S. Paulo. S. Paulo
apresenta a fé em Cristo, a Religião de Cristo, como remédio contra
o pecado. Para prová-lo, deplora aqueles crimes cometidos pelos
pagãos, principalmente a idolatria que é contra o 1º mandamento,
os pecados da impureza que são os contra o 6º, os homicídios que
são contra o 5º, a desobediência aos pais que é contra o 4º.
S. Paulo, o que mais deplora nos judeus é a falta de obediência ao
7º, ao 6º e ao 1º mandamento: Tu que pregas que se não deve
furtar, furtas; tu que dizes que não se deve cometer adultério, e
cometes; tu que abominas os ídolos, sacrilegamente os adoras
(Romanos II-21 e 22). E se destes crimes cometidos pelos gentios e
pelos judeus, tira a conclusão de que eles não estão justificados
diante de Deus, o que se segue daí é que a observância dos 10
mandamentos é necessária para a justificação do homem. Se ele
apresenta, portanto, a fé em Cristo como realizadora da justificação
do homem, é claro que não está dispensado o homem de observar
estes mandamentos para viver como justo diante de Deus; está
mostrando a fé em Cristo como o caminho para melhor observá-los.
O remédio para a depravação não seria de forma alguma Deus
desobrigar o homem da prática dos 10 mandamentos; isto seria
levá-lo a uma depravação ainda maior, a saber: antigamente se
fazia o mal, desobedecendo a Deus; agora se faria o mal, sem
medo algum de desagradar-lhe, porque Ele, dando-se por vencido,
teria desistido de exigir do homem a prática do bem, exigindo
somente a fé, e não mais a observância do Decálogo, como meio
para obter-se a salvação. Não seria um remédio para o pecado;
seria piorar horrivelmente a situação moral do mundo.

A fé em Cristo é o remédio para o pecado, porque, embora Cristo


exija a observância dos 10 mandamentos com maior perfeição do
que antigamente (Sede vós, logo, perfeitos, como também vosso
Pai Celestial é perfeito — Mateus V-48), Ele nos orienta
admiravelmente para a verdadeira santificação, ensinando-nos a
não confiar nas nossas próprias forças e a implorar continuamente o
auxílio da sua graça (Sem mim não podeis fazer nada — João XV-
5); Ele, cheio de graça, de cuja plenitude todos nós recebemos, nos
veio distribuir esta vida da graça mais abundantemente: Eu vim para
elas terem vida, e para a terem em maior abundância (João X-10).

É neste sentido que o homem é justificado, que a Humanidade toma


o caminho da justiça, da santificação, pela fé em Cristo e sem as
obras da lei, isto é, sem mais obrigação daquelas cerimônias e
prescrições do Antigo Testamento, que serviram apenas de
preparação para a justiça cristã que nos foi trazida pelo Evangelho.
Capítulo Sétimo
A graça dada “de graça”, segundo o ensino
de S. Paulo
Graça atual e graça santificante.

126. Segundo a doutrina católica, o homem, para salvar-se, precisa


da graça atual e da graça santificante. Qual a diferença entre graça
santificante e graça atual?

Graça atual é o D , pelo qual Ele ilumina a inteligência


e ajuda a vontade do homem, para que este possa vencer as
tentações ou praticar as virtudes necessárias para a conquista do
Céu. Ela pode visitar o homem, como uma boa inspiração e ser
rejeitada, como também ser aceita e produzir o seu bom efeito;
neste último caso a tentação é vencida ou a virtude é praticada. É a
, que se refere S. Paulo quando diz, falando a respeito
do Espírito Santo: o Espírito Santo também a nossa fraqueza
(Romanos VIII-26).

Graça santificante é o que, pelo fato de estar livre


do pecado original e perdoada de todos os pecados mortais que
porventura tenha cometido, é vista com agrado aos olhos de Deus.
Com a graça santificante, o homem se torna um justo, filho adotivo
de Deus, templo do Espírito Santo, herdeiro da vida eterna. Já não é
Deus visitando-o, auxiliando-o, fortalecendo-o; é mais do que isto: é
Deus habitando no seu coração. Assim S. Paulo, falando ainda
sobre o Espírito Santo, chama-o: Espírito que em vós
(Romanos VIII-11). E Nosso Senhor disse no Evangelho: Se algum
me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará; e nós
viremos a ele e faremos nele morada (João XIV-23).

O homem que está neste feliz estado pode perdê-lo, bastando, para
isto, que cometa um pecado mortal; depois de perdido o estado de
graça, pode ser recuperado e isto acontece quando lhe são
perdoados os pecados mortais cometidos.

Ambas são necessárias.

127. Conforme o ensino da Igreja, o homem não pode, por suas


próprias forças naturais, cumprir a lei de Deus, nem fazer nenhum
ato meritório para a vida eterna; para a salvação, portanto, necessita
continuamente do D , ou seja, da : Não
que sejamos capazes, de nós mesmos, de ter algum pensamento,
como de nós mesmos, mas a nossa capacidade vem de Deus (2ª
Coríntios III-5).

Além disso, para salvar-se, precisa estar na no


momento de sua morte: é a veste nupcial, sem a qual ninguém pode
ser admitido no banquete da bem-aventurança celeste. A graça
santificante é quem nos faz filhos adotivos de Deus, e portanto,
herdeiros da vida eterna; os que não estiverem na categoria de
filhos não poderão herdá-la.

Finalmente, para fazer qualquer ato merecedor de um prêmio na


vida eterna, é preciso que o homem esteja na .
A alma que não possui este estado de graça é ramo que não está
enxertado na divina videira que é Cristo; não pode produzir frutos
para a eterna bem-aventurança (João XV-4 e 5). Isto é uma verdade
tremenda, que encerra séria advertência para aqueles que,
afastando-se dos sacramentos da Confissão e da Comunhão, (e
aqui nos dirigimos especialmente aos católicos negligentes em
aproveitar-se dos tesouros da divina misericórdia que a sua Religião
lhes oferece), afastando-se dos sacramentos, ficam por longo tempo
em estado de pecado mortal: além do perigo de se condenarem
eternamente, em consequência da uma morte repentina, tão fácil
acontecer, perdem também todo o fruto de suas boas ações que
nenhuma recompensa terão na eternidade. Podem estas boas
ações feitas assim por um homem em estado de pecado mover o
coração de Deus a lhe conceder mais depressa a graça do
arrependimento ou a não lhe faltar com ela no momento mais crítico,
mas são infrutuosas para o Céu.

O princípio do mérito não pode ser merecido.

128. O princípio do mérito é, portanto, .


Antes de alcançá-la, não pode o homem ter nenhum .

Ora, não é na graça santificante que o homem nasce. Nasce com o


pecado original que consiste precisamente nisto: na privação da
graça santificante. Tem que haver, portanto, um momento na sua
vida, em que ele passa do estado do pecado (ou seja pecado
original só, ou seja pecado original e mais os pecados mortais que
ele já cometeu) para o estado de graça santificante.

Esta passagem se dá algum de sua parte, não


pode - , dá-se , por
mera misericórdia de Deus, e a razão é muito simples: a graça
santificante é um , e enquanto o homem não for
elevado a um estado sobrenatural, não pode merecer este dom que
supera a sua própria natureza.

A graça nos torna participantes da natureza divina (2ª Pedro I-4), já


nesta terra, para melhor ainda nos tornarmos participantes da
natureza divina lá na glória do Céu. É uma altura a que não
podemos chegar por nossas próprias forças; é preciso, portanto,
que Deus mesmo nos coloque nela.

E quando se dá esta passagem do estado de pecado para o de


graça santificante? Dá-se a primeira vez na nossa vida, quando
recebemos o Batismo, que apaga na alma o pecado original, com o
qual fomos concebidos, bem como perdoa todos os pecados
cometidos até aquela hora, desde que seja recebido com as devidas
disposições.
Dá-se outras vezes na vida, quando a alma que, tendo cometido
pecado mortal, perdeu a graça santificante, recebe o perdão dos
pecados cometidos. Para isto é que foi instituída a Confissão ou o
Sacramento da Penitência (João XX-23). O perdão é dado por pura
misericórdia, “de graça”, não por merecimento das obras humanas,
mas o que nos conforta é o que a Escritura nos diz sobre a
misericórdia de Deus que é muita bondade para perdoar (Isaías LV-
7). Ele é misericordioso e clemente, sofredor e de muita compaixão
(Êxodo XXXIV-6). Não quebrará a cana rachada, nem apagará a
torcida que ainda fumega (Isaías XLII-3), diz o profeta Isaías a
respeito de Jesus. Ele é o primeiro, portanto, a sair em busca do
pecador para lhe oferecer a sua graça, como Bom Pastor que se
esforça por reabilitar a ovelha perdida.

Esforço e merecimento.

129. Aqui naturalmente o leitor pede a palavra para fazer uma


pergunta: O Sr. disse que a graça santificante, a gente recebe “de
graça”. Se eu fui batizado, quando não tinha ainda o uso da razão,
estou perfeitamente de acordo: recebi a graça santificante “de
graça”, pois nada fiz para recebê-la. Mas, se já recebi o Batismo
depois de grande, como é que esta graça santificante foi recebida
“de graça”, se precisei, para isto, instruir-me com os principais
conhecimentos da fé, arrepender-me de meus pecados, procurar o
Batismo etc? Se eu já me batizei e depois caí no pecado, preciso
fazer exame de consciência, arrepender-me sinceramente, fazer um
firme propósito, confessar-me etc. Como é que posso dizer nestes
casos que recebi “de graça” a justificação, se precisei fazer esforços
para consegui-la?

— Você está apenas confundindo duas coisas bem diversas.


Esforço que se faz para conseguir uma coisa nem sempre é o
mesmo que . Quantas vezes Você faz os seus
esforços precisamente para isto: para conseguir uma coisa “de
graça”? Suponhamos que um amigo lhe telefone: Venha aqui agora
mesmo, e eu lhe darei um anel de ouro cravejado de brilhantes!
Você vai com sacrifício, abandonando seus afazeres, dispõe-se a
dar muitas passadas, pode até fazer despesas com a condução e
no fim de tudo recebe o anel “de graça”. Não foi a caminhada que
Você fez que lhe deu merecimento para adquirir o anel; Você o
recebeu sem ter merecido, uma vez que não havia pago um preço
equivalente, nem feito ação alguma, para a qual fosse o anel um
prêmio adequado; a caminhada foi apenas uma providência
necessária para entrar em posse do objeto.

Diga-se o mesmo do homem carregado de crimes e condenado à


pena de morte, a quem o rei manda dizer: “Venha a meu palácio,
ajoelhe-se aos pés de meu ministro, confesse seus erros e eu
assinarei o decreto, libertando-o da morte”. Ainda mesmo que ele
precise andar algumas léguas para isto, o perdão lhe foi concedido
sempre “de graça”, sem merecimento seu e por pura misericórdia;
pois o que ele merecia era a morte, e não o perdão.

Assim também Deus pode exigir algumas condições, algumas


nossas, para conceder a sua graça, mas não são
estas disposições que estão na altura de merecê-la.

Ações com valor divino.

130. Mas se a graça, o pecador não pode -, como é que,


depois de receber a graça santificante, pode a glória do
Céu? Não é o mesmo homem fraco, mortal, limitado, imperfeito,
como são todos os homens?

— Sim, continua fraco, mortal, imperfeito, limitado, mas já não é o


mesmo homem, enquanto perseverar na graça santificante. Se Você
visse o seu amigo, inerte, morto, estirado na sala, e depois Deus o
ressuscitasse e Você o passasse a ver rindo, conversando,
trabalhando, exercendo toda a sua atividade, Você diria que este de
agora é o mesmo homem? É o que se dá na vida espiritual: quem
não está na graça santificante está morto pelo pecado para a vida
sobrenatural; o morto não pode merecer; o morto nada pode fazer
por si, para sair do estado de morte em que se encontra; é preciso
que Deus o ressuscite, o crie espiritualmente, faça dele uma
(2ª Coríntios V-17), um (Efésios IV-24), para
que possa andar, operar e produzir alguma coisa na vida da graça:
Ele é quem vos deu a , quando vós estáveis pelos
vossos delitos e pecados (Efésios II-1).

Uma vez que esteja a alma com a graça santificante, sendo uma
habitação do Espírito Santo, as suas boas obras feitas com reta
intenção, as quais são efeito, portanto, não só do livre arbítrio, mas
também da graça do Espírito Santo, são ações sobrenaturalizadas,
ações divinizadas pela graça. As boas obras feitas pela alma que se
tornou participante da natureza divina, tomam assim um valor divino
e já merecem, não uma recompensa natural, mas a recompensa da
vida eterna, dada por justiça, pois o prometido é devido e Deus
assim o prometeu: Irão estes para o suplício eterno, e os ,
(Mateus XXV-46). Não precisamos mais citar
aqueles textos em que a vida eterna nos aparece como uma
(Mateus XIX-29), um (Mateus V-11 e 12),
uma (2ª Timóteo IV-8), um
C (Mateus VI-19 e 20), uma
(Mateus XVI-27), e em que Nosso Senhor nos fala num verdadeiro e
real (Lucas VI-32 a 35).

À proporção que a alma santificada pelo Divino Espírito vai fazendo


boas obras e praticando atos de virtude, vai crescendo na graça (2ª
Pedro III-18), e aumentando em si esta graça divina, vai
aumentando também o seu prêmio no Céu, pois Deus há de retribuir
a cada um segundo as suas obras (Romanos II-6).

A vocação para a fé.

131. Fica, portanto, esclarecido, que o merecimento das nossas


obras só se começa a contar desde o momento em que começamos
a possuir a .
Se é assim, é claro que a nossa passagem do estado de infidelidade
ou de descrença para a , se opera também sem merecimento de
nossa parte. Já vimos que a Igreja condenou a doutrina dos
semipelagianos, os quais afirmavam que o primeiro movimento do
homem para a fé, o impulso inicial que o leva a crer, é obra
exclusiva do nosso livre arbítrio, quando a Igreja afirma que este
primeiro movimento para a fé é obra da graça de Deus. Assim a
, a graça atual que vai tocar o coração do
homem que ainda não crê, é um dom de Deus, concedido
gratuitamente, sem merecimento das obras humanas. Deus, quando
chama o homem para a fé, não o faz porque ele o tenha merecido
pelas suas obras, pois a fé é também um dom sobrenatural. Ele o
faz por pura bondade e benevolência, podendo chamar até mesmo
os maiores pecadores. E é sobre este ponto que S. Paulo fala a
Timóteo: Trabalha comigo no Evangelho, segundo a virtude de
Deus, que nos livrou e ,
, mas segundo o seu propósito e
que nos foi dada em Jesus Cristo antes de todos os séculos (2ª
Timóteo I-8 e 9).

É também à , que se refere S. Paulo


quando diz: E se isto foi por graça, não foi já ; doutra
sorte a graça já não será graça (Romanos XI-6). Senão, vejamos.

S. Paulo termina o capítulo 10º referindo-se à incredulidade e


rebeldia com que os judeus rejeitaram o Evangelho e citando as
palavras de Isaías: Todo o dia abri as minhas mãos a um povo
incrédulo e rebelde (Romanos X-21).

E, logo no começo do capítulo XI, ele afirma que não se segue daí
que o povo de Israel esteja completamente rejeitado. No meio de
tantos judeus obstinados e endurecidos, Deus reservou alguns para
lhes dar a . E um exemplo está nele
próprio, S. Paulo, que é judeu e, no entanto foi convertido à Religião
Cristã: eu também sou Israelita, do sangue de Abraão, da tribo de
Benjamin (Romanos XI-1).
E S. Paulo faz uma comparação com o que aconteceu ao profeta
Elias, nos tenebrosos tempos do rei Acab e de sua mulher Jezabel,
quando parecia que o povo judaico na totalidade tinha abandonado
a Deus e a sua lei: Porventura não sabeis vós o que a Escritura
refere de Elias, de que modo pede ele justiça a Deus contra Israel?
Senhor, mataram os teus profetas, derribaram os teus altares; e eu
fiquei sozinho e eles me procuraram tirar a vida (Romanos XI-2 e 3).

Naqueles tempos difíceis, em que o povo de Israel estava


mergulhado na idolatria, Deus concedeu uma graça especialíssima
a 7 mil homens, preservando-os de caírem na adoração a deuses
falsos: Mas que lhe disse a resposta de Deus? Eu reservei para mim
sete mil homens que não dobraram os joelhos diante de Baal
(Romanos XI-4). Um fato semelhante foi o que aconteceu agora
depois da vinda de Cristo. Os judeus rejeitaram a Cristo obstinados
na sua incredulidade, soberba e dureza de coração. Mas não foi
total esta rebeldia. Deus salvou alguns judeus, livrando-os de cair
naquele estado de obstinação e incredulidade, dando-lhes
, chamando para o Cristianismo muitos deles,
entre os quais o Apóstolo S. Paulo: Do mesmo modo, pois, ainda
neste tempo, segundo a eleição da sua graça, salvou Deus a um
pequeno número que ele reservou para si (Romanos XI-5).

E por que foi que esses judeus receberam a graça da conversão?


Foi porque tivessem sido melhores do que os outros? Foi porque
tivessem merecido a conversão, por meio de suas obras? Não; se
esta conversão foi uma , é porque Deus não indagou quais
eram as obras praticadas por esses judeus para concedê-la, Deus
os chamou por pura bondade e misericórdia: E se isto foi por graça,
não foi já pelas obras; doutra sorte a graça já não será graça
(Romanos XI-6).

Os protestantes veem este texto em que S. Paulo diz que a graça


da conversão não foi merecida pelas obras, mas foi dada “de graça”
e daí tiram a conclusão de que nossa , a nossa
C é dada também “de graça”, o que já é bem diferente.
Toda a sua confusão reside nessa palavra : Deus os salvou.
Mas, como já explicamos no capítulo 5º (nº 88), Deus salvou esses
poucos judeus, quer dizer: salvou-os da apostasia, pôs esses
homens no caminho da salvação. S. Paulo aí não está garantindo
que todos os judeus que se converteram ao Cristianismo
infalivelmente conseguirão o Céu; se querem ir para o Céu, terão
que , ajudados pela graça, está claro, como tinha que
fazer força o próprio S. Paulo, que era um deles: Castigo o meu
corpo e o reduzo à servidão, para que não suceda que, havendo
pregado aos outros, venha eu mesmo a (1ª
Coríntios IX-27). Porque, segundo S. Paulo, a entrada no Céu para
ver a Deus face a face não é dada “de graça”, ela tem um preço;
este preço se chama e santidade inclui não só a fé, mas
também as boas obras: Segui a paz com todos, e a ,
D (Hebreus XII-14).

Para acalmar alguns leitores porventura escrupulosos, temos que


esclarecer que o estado de graça já é santidade, pode ser o primeiro
grau, o abecê da santidade, mas é santidade sempre; é o estado da
alma que goza da amizade de Deus, embora nem sempre seja o
grau elevado da união com Deus que se encontrou naqueles que
mais propriamente nós chamamos: os santos.

Na Epístola a Tito.

132. Outra confusão bem semelhante é a que fazem os


protestantes com o trecho da Epístola a Tito, capítulo 3º, versículos
3 a 8. S. Paulo fala aí evidentemente na
e diz que esta transição
não foi merecida pelas obras, foi efeito da misericórdia de Deus. E
daí concluem os protestantes que a salvação, a passagem desta
vida para o Céu não depende das nossas obras, o que é muito
diferente.

Vejamos as palavras do Apóstolo.


Primeiramente ele descreve a corrução a que estavam sujeitos os
cristãos antes de se converterem ao Cristianismo. Estavam num
deplorável : Também nós algum tempo éramos
insensatos, incrédulos, metidos no erro, escravos de várias paixões
e deleites, vivendo em malícia e em inveja, dignos de ódio,
aborrecendo-nos uns aos outros (Tito III-3).

Ora, o Evangelho estava sendo pregado havia pouco tempo.


Inúmeros daqueles cristãos ouviram a pregação do Evangelho,
quando já tinham mais de 7 anos, e foram batizados como adultos.
Assim foi o Batismo que neles realizou esta passagem do estado de
corrução em que se encontravam para o estado de graça
santificante, pois, como dissemos, o Batismo apaga o pecado
original e perdoa todos os pecados cometidos antes de se receber
este Sacramento, desde que haja disposições necessárias. Esta
graça do Batismo não foi merecida pelas obras de cada um, pois, se
estavam no estado do pecado, não podiam a graça de
Deus, como já explicamos. É a esta transformação gratuita, por pura
bondade de Deus, e não pelas obras, a transformação de pagãos
em cristãos, de pecadores em criaturas justificadas pela graça, que
S. Paulo se refere: Mas quando apareceu a bondade do Salvador
nosso Deus e o seu amor para com os homens, não por obras de
justiça nós outros, mas segundo a sua
misericórdia,
E S , [13] o qual Ele difundiu sobre nós
abundantemente por Jesus Cristo, nosso Salvador, para que,
justificados pela sua graça, sejamos herdeiros segundo a esperança
da vida eterna (Tito III-4 a 7)

É interessante notar que o Apóstolo não diz — herdeiros com a


certeza da vida eterna — mas — herdeiros segundo a
da vida eterna, para no versículo seguinte exortar às :
Esta é uma verdade infalível e quero que isto afirmes, para que
procurem avantajar-se em os que creem em Deus (Tito
III-8).
Está evidente, portanto, que aquele
, se refere a obras de justiça que tivessem feito os
cristãos quando se encontravam em estado de pecado, e isto está
de acordo com a nossa doutrina católica: estas obras feitas no
estado de pecado, não têm para os bens da vida
eterna, não vogam para a salvação, pois só vogam as obras feitas
no estado de graça santificante.

Notas (pular)

[13] Mais adiante (nº 280) ao falarmos sobre o Batismo, faremos mais um
comentário deste texto. (voltar)

Na Epístola aos Efésios.

133. Sobre a
fala também um versículo da Epístola aos Efésios,
muito citado pelos protestantes. É a ressurreição espiritual dos que
estavam mortos pelo pecado.

Vejamos as palavras de S. Paulo, referindo-se a Cristo: Ele é quem


vos deu a , quando vós estáveis
, em que noutro tempo andastes segundo o
costume deste mundo, segundo o príncipe das potestades deste ar,
o príncipe daqueles espíritos que agora exercitam o seu poder sobre
os filhos da infidelidade, entre os quais vivemos também
em outro tempo ,
,
, como também os outros (Efésios II-1 a 3).

Tendo descrito o estado deplorável em que se encontravam antes


da conversão os Efésios, a quem escreve, S. Paulo mostra que
, agora
eles (pois este é o sentido da palavra
empregado pelo Apóstolo, conforme já provamos no nº 88) e passa
a frisar que esta transformação foi realizada pela graça mediante a
fé, pois iluminados pela fé que os arrancou das trevas do
paganismo, vieram depois a alcançar a graça santificante. Esta
transformação não veio como prêmio ou consequência das ,
pois, antes de se converterem, que faziam eles? Obras más, como
faziam os outros. Não foi porque estivessem realizado melhores
obras do que os não-convertidos, que eles se converteram. Não
veio deles, pois a é um D .

Assim não podem gloriar-se de sua superioridade moral sobre os


gentios, porque sua conversão da gentilidade para o Cristianismo,
sua passagem de vida de pecado para o estado de graça foi uma
dádiva, um benefício de Deus.

Ninguém pode gloriar-se de suas virtudes, pois a virtude não é


possível sem a graça, e a graça não é dada em prêmio das obras: a
graça é dada “de graça”: Mas Deus, que é rico em misericórdia, pela
sua extrema caridade com que nos amou, ainda
, nos juntamente
C ( ) e com Ele nos ressuscitou e
nos fez assentar nos Céus com Jesus Cristo, para mostrar nos
séculos futuros as abundantes riquezas da sua graça, pela sua
bondade sobre nós outros em Jesus Cristo. Porque é
que , , e isto não vem de vós, porque é
D ; não vem das nossas obras, para que ninguém se
glorie. (Efésios II-4 a 9).

Uma vez recebida a graça santificante, a alma que estava morta


pelo pecado torna-se uma , uma criação de Deus,
criação maravilhosa, superior a toda a criação maravilhosa, superior
a toda criação material, agora pode produzir frutos para a vida
eterna, pois foi sobrenaturalmente criada, justamente para isto, para
caminhar pela estrada das boas obras. E assim termina S. Paulo:
Porque somos E , em Jesus Cristo,
para que Deus preparou, para caminharmos nelas
(Efésios II-10).
Deus prepara as boas obras, pois Ele pela sua Providência é quem
encaminha os nossos passos: se nos faz viver em tal época e em tal
localidade, conviver com estas e aquelas pessoas, das quais uma
necessita de nossa ajuda material, outra nos rouba o sossego, outra
nos faz um benefício etc, Deus assim nos vai oferecendo ocasião
para a esmola, para a paciência, para a gratidão. Deus prepara as
nossas obras também oferecendo-nos sempre o auxílio de sua
graça, sem a qual não podemos praticá-las. Mas daí não se segue
absolutamente que sejam obras exclusivas de Deus: uma vez que
somos livres, e está no nosso poder fazer o mal ou fazer o bem,
Deus prepara as boas obras a fim de nelas caminharmos
para o Céu. O Filho do Homem há de vir na glória de
seu Pai com os seus anjos; e então dará a cada um a segundo
as suas (Mateus XVI-27). Todos os que se acham nos
sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que
sairão para a ressurreição da vida; mas os que sairão
ressuscitados para a condenação (João V-28 e 29).

Na Epístola aos Romanos.

134. Também à
se refere S. Paulo no seguinte trecho: Ao
que obra, não se lhe conta o jornal por graça, mas por dívida, mas
ao que não obra e crê nAquele que , a sua fé lhe é
imputada a justiça, segundo decreto da graça de Deus. Como
também Davi declara a bem-aventurança do homem a quem Deus
atribui justiça sem obras: Bem-aventurados aqueles
e cujos pecados têm sido cobertos
(Romanos IV-4 a 7). S. Paulo se refere à justificação do ímpio, ou
seja, ao momento em que o homem ímpio passa a tornar-se um
justo diante de Deus. Isto não é conquistado pelas suas obras, mas
por um D . Exigem-se, apenas, algumas
disposições da alma em que S. Paulo resume na palavra , porque
a fé é a base, é o ponto de partida para aquelas disposições
preparatórias. É claro, por exemplo, que Deus não vai perdoar o
pecador que não está contrito e arrependido, mas este
arrependimento já deve nascer da fé; o arrependimento que não
nascesse da fé, que fosse baseado nalgum motivo natural e
humano e não sobrenatural (p. ex. o ímpio se arrepende apenas
porque perdeu a saúde, o dinheiro ou a liberdade) não seria
suficiente para a justificação.

— Mas, podem objetar os protestantes, S. Paulo aí não fala nem no


Batismo que, segundo os católicos, é necessário para receber a
graça santificante pela primeira vez, nem na Confissão Sacramental
que, conforme o ensino da Igreja, é necessária para recuperar a
graça santificante que já se perdeu. Fala somente na fé.

— É fácil explicar porque S. Paulo aí não fala no Batismo, nem na


Confissão. S. Paulo aí está falando no homem, seja ele qual for e
em qualquer época, em que ele viva. A prova é que acabara de falar
em Abraão, que foi justificado quando não havia Confissão, nem
Batismo; mais ainda, foi justificado antes que Deus ordenasse a
circuncisão (Romanos IV-10) e daí tira S. Paulo um argumento
contra os judaizantes, os quais pensavam que para haver
justificação tinha que haver necessariamente a circuncisão, não
sabiam separar uma da outra.

Já foi abolida a circuncisão outrora prescrita por Deus; agora em


seu lugar Cristo prescreve o Batismo. Aquele que conhece a
doutrina de Cristo, a fé o impele a receber o Batismo (João III-5) se
ainda não recebeu, ou a receber a absolvição sacramental, porque
também assim o estabeleceu Cristo (João XX-23). E a própria Igreja
ensina que os pagãos que nenhum conhecimento têm da Religião
Cristã podem justificar-se sem o Batismo e sem a Confissão
Sacramental, pois tudo isto neles pode ser suprido pelo ato de
caridade perfeita; e este ato de puro amor a Deus ou de caridade
perfeita tem que nascer da fé: Sem fé é impossível agradar a Deus,
porquanto é necessário que o que se chega a Deus creia que há
Deus e que é remunerador dos que O buscam (Hebreus XI-6). A fé
é sempre o para o homem que cometeu pecados
(e é o assunto de que trata S. Paulo: ) se
aproximar de Deus e conseguir a regeneração.

Falando sobre o homem, em geral, seja ele qual for, desde Adão até
o último homem a existir sobre a terra e não só sobre os homens
que existem agora depois de Cristo haver pregado a sua doutrina (e
por isto cita o que já no seu tempo dizia o Profeta Davi), ele não
podia falar no Batismo, nem na Confissão. Apresenta uma fórmula
geral: a fé. A fé ditará a cada um aquilo que é necessário para
alcançar a justificação.

Dadas estas explicações, vamos agora apresentar o exemplo de um


homem a quem Deus atribuiu , a quem Deus
concedeu a justificação, não como quem paga um salário por dívida,
mas por um decreto da sua graça em vista da fé nAquele que
justifica o ímpio, tal qual como escreveu S. Paulo.

Este foi o bom ladrão que morreu juntamente com Cristo no


Calvário. Era um criminoso, seu passado tinha sido deplorável. Mas
a graça divina toca o seu coração. Ele é iluminado pela fé: apesar
de ver Cristo tão humilhado no suplício da cruz, nEle enxerga o Rei
Divino, cujo reino não é deste mundo. Da fé nasce a esperança de
alcançar a sua complacência: Senhor, lembra-te de mim, quando
entrares no teu reino (Lucas XXIII-42). Da fé nasce a caridade, o
amor a Cristo pelo qual defende o Divino Mestre contra as
blasfêmias do seu companheiro, não temendo proclamar
abertamente, perante os algozes, a inocência do Salvador, quando
os próprios Apóstolos não tiveram coragem de vir assim proclamá-
la; da fé nasce o reconhecimento de seus erros, o arrependimento
sincero de todos os seus crimes: Nem ainda tu temes a Deus,
estando no mesmo suplício? E nós outros o estamos na verdade
justamente, porque recebemos o castigo que merecem as nossas
obras; mas este nenhum mal fez (Lucas XXIII-40 e 41). Diante de
tais disposições que havia no coração de um homem que tinha sido
um ímpio, Cristo não indagou quais eram as suas obras passadas
para lhe dar a justificação, Cristo não lhe disse que só se tornaria
justo se praticasse tais e tais obras, tornou-o um justo
imediatamente, fê-lo de um pecador um santo: Em verdade te digo
que hoje serás comigo no paraíso (Lucas XXIII-43).

Que se conclui daí? Simplesmente que a graça santificante não nos


é dada como prêmio das obras, mas como benefício de Deus,
embora se exijam certas disposições para recebê-la: “Nós somos
justificados neste sentido de que nada do que precede a
justificação, nem a fé, nem as obras, podem merecer a graça da
justificação” (Concílio de Trento VI-8).

Uma vez justificado, uma vez tornado um justo, o bom ladrão, se


queria ir para o Céu tinha que evitar o pecado mortal, observar a lei
divina; aliás o seu arrependimento, para ser sincero, teve que incluir
a intenção de nunca mais roubar, de levar outra vida, de proceder
como um verdadeiro discípulo de Cristo, se por acaso o livrassem
daquele suplício e ele tivesse ainda mais uns dias, ou meses, ou
anos de vida. A intenção das obras estava, portanto, incluída no seu
arrependimento.

Mais ainda: ele teve, pelo menos, três horas de vida, pois quando o
Mestre tão bondosamente lhe perdoou, era, então, quase a hora
sexta (Lucas XXIII-44). À hora nona, Cristo ainda estava falando
(Marcos XV-34). Ora, Cristo foi dos três crucificados o primeiro a
exalar o último suspiro: Vieram, pois, os soldados e quebraram as
pernas ao primeiro e ao outro que com Ele fora crucificado. Tendo
vindo depois a Jesus, como viram que estava já morto, não Lhe
quebraram as pernas (João XIX-32 e 33). Pelo menos durante três
horas, o bom ladrão, ajudado pela graça, perseverou nas suas boas
disposições, aceitando com resignação as suas dores, por ele
mesmo consideradas bem merecidas; isto influiu na sua salvação
porque, se depois de justificado por Cristo, caísse no desespero,
não poderia salvar-se. Foi precisamente prevendo na sua ciência
infinita que, uma vez recebido o perdão e tornado um justo, ele
passaria a agir como um justo, que Cristo lhe disse: Hoje serás
comigo no paraíso (Lucas XXIII-43).
Nós, católicos, vemos algumas vezes estes casos especialíssimos
da misericórdia divina em que um pecador se arrepende e se
converte nos últimos momentos. Deus lhe dá a graça santificante e,
como não há mais tempo para que este pecador tornado justo Lhe
mostre sua submissão pela observância da lei de Cristo e pelas
boas obras, Deus se contenta com a intenção, em que está, de
praticar os mandamentos e fazer o bem, pois Deus não é como nós
que só vemos as obras, Ele conhece perfeitissimamente os mais
profundos segredos dos corações.

Mas tirar daí a conclusão de que as nossas obras são inúteis para a
salvação seria um grande absurdo. Bem como seria a maior das
loucuras querer deixar o arrependimento para o instante final,
porque muitos morrem repentinamente, sem ter tempo para
arrepender-se e mesmo porque sendo o arrependimento uma graça
de Deus, arrisca-se quase infalivelmente a não recebê-la, quem por
malícia e covardia, só por livrar-se de servir a Deus durante a sua
vida, pretendesse deixar a conversão para os momentos finais da
existência. Como diz um piedoso autor, a Escritura só dala de um
caso de conversão na hora da morte, o do bom ladrão: fala de um,
para jamais cairmos no desespero; fala de um só para não nos
iludirmos, caindo na temeridade. Porque a regra geral, com muitos
poucas exceções, é esta: Talis vita, finis ita. Assim como é a vida do
homem, assim é também o seu fim.

Depois da justificação

135. Já vimos, pelos textos estudados, que S. Paulo absolutamente


não ensina a . Ensina, sim, que quando
estamos mortos pelo pecado e somos ressuscitados, recebendo a
vida da graça, isto se dá não por merecimento das nossas obras e o
motivo é muito claro: os mortos não podem merecer. Uma vez
recebida a , se esta graça nos tornasse impecáveis,
ou se Deus naquele mesmo segundos nos chamasse para a
eternidade, então poderíamos dizer que a salvação era obra
exclusiva de Deus, nela não influiriam as nossas obras. Mas, depois
de justificados pela graça, continuamos a viver.

E continuamos homens livres, sujeitos a fraquezas, assaltados pelas


tentações, combatidos pela concupiscência. Não nos falta a graça
de Deus para nos ajudar, mas a graça não nos violenta a liberdade.
Podemos cooperar com ela, conservando-nos na amizade de Deus,
como podemos a ela ser rebeldes pelo pecado mortal; e se este se
torna muito frequente, vem a degeneração do vício que é como uma
segunda natureza. Depois de recebida a graça santificante, é que
nossa alma, ramo enxertado na videira que é Cristo, pode produzir
frutos para a vida eterna, mas tanto pode abundar em boas obras,
como pode tornar-se infrutuosa. Está nas nossas mãos com a graça
de Deus, conservar ou não o tesouro com que Deus enriqueceu a
nossa alma. É esta a nossa parte, a nossa função, a influência das
nossas obras, do nosso esforço, da nossa oração, da nossa
vigilância, pela qual, sem desconhecer a ação de Deus, que é muito
maior do que a nossa, nós contribuímos também para a nossa
própria salvação.

Deus fez tão bem feito o seu plano que, embora o cristão se salve a
si mesmo, ele não pode de modo algum orgulhar-se de sua
salvação. Só salva a si mesmo, depois que Deus o pôs em
condições de fazê-lo; mais ainda, só salva a si mesmo, com a ajuda
constante de Deus. E considerando a ação de Deus e a sua, na
obra da salvação, vê que a ação de Deus é tão maior, tão mais
eficiente, tão mais importante e persistente do que a sua, que seria
ridícula qualquer tentativa de presunção. Se os protestantes gostam
de pintar aqueles que acham que além da fé e da graça, as suas
obras são necessárias para a salvação, como sendo criaturas
inevitavelmente presumidas, vaidosas, que se gloriam em si
mesmas:

1º é porque querem disfarçar a má impressão causada pela doutrina


de que — só a fé é que salva, e nossas obras não influem nem
direta nem indiretamente na salvação — doutrina esta que, tal como
é enunciada, se mostra perigosa e indecente, não podendo, fora do
Protestantismo, convencer a ninguém.

2º é porque não têm ou fingem não ter uma noção exata do que é a
verdadeira santidade, a qual é conseguida por meio da ação
maravilhosa do Espírito Santo sobre as almas dóceis à sua graça,
pois o Espírito Santo, à proporção que vai enriquecendo a alma com
as mais belas virtudes, a vai tornando cada vez mais humilde, mais
convicta e sua fraqueza e insuficiência.

3º é também porque fazem uma ideia parcial e incompleta do


verdadeiro mecanismo da salvação, o qual vamos tentar descrever
por meio de

Uma alegoria.

136. Suponhamos um homem que vive aqui na terra, sabendo,


portanto, que um dia há de morrer. De vez em quando vem à sua
procura o Rei dos Céus, que sempre está lhe propondo uma ótima
ideia: deixar esta terra e ir para o Céu, um lugar maravilhoso, onde
se tem a vida eterna. Afinal um dia se resolver a aceitar a proposta.
Quer ir para o reino deslumbrante de imensas riquezas, onde se
vive eternamente a verdadeira vida, a vida bem-aventurada.

— Que devo fazer para chegar até o Céu? — pergunta ele.

— Bem, diz-lhe o Rei dos Céus, o Céu é lá em cima, Você não pode
chegar até lá, se continua a caminhar aqui com seus pés fincados
na terra. Tem que subir, tem que tomar um avião.

— A empresa já se está tornando mais difícil. Onde hei de ir


conseguir este avião?

— É muito fácil. Você dá comigo algumas passadas e um pouco


mais adiante, eu lhe darei um belo avião de presente, para que Você
possa subir aos Céus. Não lhe custa nada; porque este avião eu já
o paguei e por muito bom preço. E há também uma coisa: Você é
quem vai dirigi-lo.

Paremos aqui um pouco a nossa alegoria para explicar logo os seus


símbolos. O homem que vive aqui na terra simboliza aquele que se
acha em estado de pecado mortal. Enquanto ele está aqui na terra,
isto é, enquanto está em pecado, o fim que o está aguardando é a
morte que no caso representa a morte da alma, ou seja, a
condenação eterna. Aqueles primeiros encontros com o Rei dos
Céus simbolizam a que procura iluminar, comover e
atrair a alma do pecador. O dia em que se resolve a seguir a sua
viagem é o dia em que se resolve a seguir a Cristo para ganhara o
Céu. O avião que ele deve tomar é a , que o
eleva a uma grandeza sobrenatural, que faz o homem subir, altear-
se acima da sua própria natureza, e só assim com a graça
santificante é que o homem está em marcha para o Céu; enquanto
não a possui, ele está na terra, ou melhor, no lodo, está em pecado,
e não está fazendo nada para a conquista da vida eterna. As poucas
passadas que o homem dá até alcançar o avião representam as
disposições necessárias para o homem receber a graça como são a
fé, o arrependimento, a esperança etc, unidas ao Batismo, se é um
adulto que o recebe, ou à absolvição sacramental, se já foi batizado
em criança. Ele vai dirigir, porque desde que é livre, ele próprio é
que deve encaminhar-se para o Céu. Se é uma criança que o
recebe, não precisa dar passada alguma para alcançar o avião;
graças ao interesse dos pais dela, o Rei dos Céus a coloca na
e Ele mesmo vai dirigindo, até que um dia a
criança desperte à luz da razão e nesta hora a direção lhe é
confiada. Se o Rei dos Céus a chama para o seu reino antes disto:
eis aí uma pessoa que alcançou o Céu sem as obras, justamente
como querem os protestantes. O avião da nos
é dado gratuitamente, porque já foi pago por Cristo na Cruz, o qual
por sua morte redentora, mereceu para nós toda a graça que nos é
necessária para a salvação.

Mas continuemos com a nossa história.


O Rei dos Céus dá ao homem todas as instruções necessárias para
bem conduzir-se na viagem. Avisa-o de que esta não deixará de ter
as suas dificuldades. Exigirá uma vigilância contínua, muita força de
vontade para não afastar-se do roteiro e para enfrentar as
tempestades que não faltarão pelo caminho. Mas não deve
desanimar, porque o Rei dos Céus irá com ele, dando-lhe instruções
durante toda a viagem, ajudando-o em todo o seu percurso. Estará
ao seu lado para atendê-lo com gosto, sempre que necessitar de
alguma coisa. Dar-lhe-á a alimentação necessária para não
desfalecer em meio da sua empresa. Mas é preciso obedecer-lhe,
do contrário pode suceder um lamentável desastre. Dadas estas
explicações, levantam voo.

O homem a caminho do Céu, vai seguindo o seu roteiro, mas nem


sempre está firme na direção. Comete algumas falhas, que fazem
pequenas avarias no avião. Amedronta-se às vezes com as
tempestades, mas junto dele está sempre o Rei dos Céus,
instruindo-o, aconselhando-o, ajudando-o, fortalecendo-o. No
entanto, apesar de toda a assistência de seu guia e protetor, o
homem nem sempre se porta com a firmeza e perfeição desejadas.
E em dada ocasião, comete uma falta grave, porque teima em
desobedecer ao seu guia e zás... o avião se desarranja e despenca
daquelas alturas. Só não morre o aviador, porque o Rei dos Céus
lhe fornece um . Está novamente na terra e novamente
sujeito à morte. Mas está unicamente por culpa sua.

Volta assim ao princípio a nossa história: O Rei dos Céus o convida


a subir outra vez. Tem que dar com ele algumas passadas e
(maravilhosa bondade do Rei dos Céus!), outro belo avião é
oferecido de presente, porque já foi pago por Ele na cruz, uma vez
que as riquezas de sua morte redentora são infinitas. Para encurtar
a história, raros são os que fazem a viagem para o Céu no primeiro
avião que tomaram (a não ser as criancinhas que vão ao Céu sem o
uso da razão). Muitos são os que despencam de lá de cima
repetidas vezes. O nosso herói, p. ex., já perdeu a conta das vezes
em que caiu e voltou para a terra.
Paremos mais uma vez para dar a explicação.

As instruções que dá o Rei dos Céus para a viagem são os ensinos


de sua doutrina, de sua lei que nos apontam o exato roteiro para o
Céu. As tempestades que aparecem no caminho são
que ameaçam fazer desaparecer da alma do cristão a graça
santificante. O Rei dos Céus sempre ao seu lado, ajudando-o,
iluminando-o, fortalecendo-o é ainda , da qual
precisa o cristão constantemente, para manter-se no seu estado de
união com Deus. O alimento que lhe dá o Rei dos Céus é a
S E , sem a qual não tereis vida em vós (João
VI-54). As pequenas avarias são os . Mas a falha
grave que provoca o lastimável desastre é o , que
faz desaparecer em nós a graça santificante e nos torna novamente
mortos pelo pecado, fora do caminho da salvação. O paraquedas é
a que dá tempo e espaço ao pecador para
regenerar-se, porque Deus não quer a morte do pecador, e sem,
que ele se converta e viva (Ezequiel XXXIII-11). As passadas que
ele dá para conseguir novamente um meio de subir para o Céu são
o exame de consciência, a contrição e a confissão pelos quais
recebe outra vez a graça santificante, no Sacramento da Penitência.

Agora finalizemos a alegoria.

Afinal, depois de muitas vicissitudes, o Rei dos Céus dá por


terminada a viagem.

Bem, — diz ao homem — Você trabalhou e se esforçou para chegar


até aqui; também mostrou que confiava na minha palavra. Ora,
acontece que aqui na casa de meu Pai há muitas moradas (João
XIV-2). Aqui se tem que fazer justiça: Cada um receberá a sua
recompensa particular segundo seu trabalho (1ª Coríntios III-8).
Nem todos aqui têm o mesmo grau de felicidade, da mesma forma
que há diferença de estrela a estrela na claridade (1ª Coríntios XV-
41). Você, portanto, vai ter o grau de felicidade que lhe cabe, de
acordo com o tempo que passou em viagem (pois o que Você
passou na terra não se conta) e de acordo com o grau de boa
vontade, de amor, de obediência, de confiança que mostrou para
comigo.

É nesta ocasião que o homem lhe diz:

— O Sr. Diz que o lugar que vou ter no Céu é um prêmio pelo que
fiz. Eu me acanho até de ouvir fala nisto. Que é que fiz, em
comparação com o que o Sr. fez comigo? Como eu poderia subir até
aqui, se o Sr. não me desse “de graça” aquele avião que para mim
tão generosamente adquiriu por alto preço? Como eu poderia
chegar até o Céu, se o Sr. não estivesse sempre ao meu lado,
indicando-me o caminho, ajudando-me e confortando-me a todos os
instantes? Como eu poderia sair vitorioso nesta empresa, se todas
as vezes que por minha culpa fiz despedaçar-se o avião, o Sr. não
me protegesse com o paraquedas de sua misericórdia e não me
desse, mais uma vez gratuitamente, outro avião para subir? O meu
lugar nos Céus pode ser prêmio de meus esforços, como o Sr. diz
com tanta bondade, porém mais, muitíssimo mais do que isto, deve
ele ser considerado um grande benefício do Sr. para comigo.

Não é preciso mais explicar a significação do resto. É assim o


prêmio do Céu. É como se a criancinha de 3 anos que escreveu a
carta, com sua Mamãe a sustentar por cima a sua mãozinha, ainda
recebesse um belo prêmio pela carta enviada, que de um certo
modo é também obra sua. Afinal algum merecimento teve, porque
não emperrou e se prontificou a colaborar.

Compreenderam agora os nossos prezados amigos protestantes? É


por isto que S. Paulo, depois de dizer que o estipêndio, o salário, o
preço do pecado é a morte, quando nós esperávamos que ele
dissesse que, por sua vez, o prêmio, o estipêndio, a recompensa da
virtude é a vida eterna, termina a frase de uma maneira imprevista;
ele nos diz que a graça, o dom gratuito de Deus é a vida eterna em
Nosso Senhor Jesus Cristo: O estipêndio do pecado é a morte; mas
D é a vida perdurável em Nosso Senhor Jesus
Cristo (Romanos VI-23).

A vida eterna, o prêmio do Céu, que está acima da nossa natureza,


é uma dádiva que Deus oferece àquele que estava submerso no
pecado e que passa, pela misericórdia divina, a revestir-se da graça
santificante, gozando da amizade de Deus. E já é vida eterna esta
graça que habita no coração do homem, mas a vida eterna que
precisa ainda ser mantida pela fidelidade, pela cooperação deste
mesmo homem.

Por maior que seja a nossa cooperação, se bem consideramos toda


a história da salvação de uma alma, desde o começo até o fim, em
última análise o prêmio do Céu é sempre um benefício de Deus,
pois Ele nos ajudou em toda a altura.

O fato de dizermos que as nossa obras influem na salvação não nos


impede de considerar a salvação um dom de Deus, dom que Ele
misericordiosamente oferece a todos; nem tira o valor do sacrifício
oferecido por Jesus Cristo na cruz, pois daí é que nos vieram os
meios, que nunca teríamos, de nos elevarmos acima de nós
mesmos, a fim de conquistar o Céu. Toda a graça que os homens
recebem, desde a queda de Adão até hoje, é graça de Cristo
adquirida pelo seu sangue no Calvário; e por isto toda a glória dos
salvos, dos santos, dos eleitos reverte em louvor e glória do próprio
Cristo, o qual se fez para nós sabedoria e justiça e santificação e
redenção (1ª Coríntios I-30) e sem o qual nada poderíamos fazer.

E o fato de termos que dizer, em vista do nosso nada, da nossa


insuficiência: Somos uns servos inúteis (Lucas XVII-10) não impede
a Deus de nos oferecer a sua coroa de justiça: Bem está, servo
e ; já que foste fiel nas coisas pequenas, dar-te-ei a intendência
das grandes; S (Mateus XXV-23).
Capítulo Oitavo
O equilíbrio da doutrina santificadora
Os três elementos.

137. Desde o começo deste livro vem sendo focalizado, à luz dos
textos bíblicos, o problema da nossa salvação eterna e por isso vem
tendo o leitor sob suas vistas muitas e muitas passagens das
Sagradas Letras. Agora, se quiser sinceramente chegar a uma
conclusão ditada pela de todos esses ensinos
da palavra de Deus, tem que concordar numa coisa: tem razão a
Igreja Católica, quando ensina que a FÉ, a D e as
nossas são três elementos indispensáveis para a nossa
salvação.

A Igreja conta 20 séculos de existência e já tem lutado com heresias


múltiplas e diversas; já está bem acostumada a ver como a
tendência dos hereges é ter uma do assunto, dar
importância a um elemento e não a outro, e assim muitas vezes
querer fazer a salvação mais fácil do que é na realidade, tendência
que não é de estranhar naqueles que querem interpretar a seu
modo os ensinamentos do Evangelho.
A Fé
Necessidade da fé.

138. A fé é necessária, como se vê por todos aqueles textos em


que Jesus nos mostra que quem crê nEle se salva, quem não crê
condena-se.

Jesus não é apenas um filósofo que nos tenha vindo ensinar a sua
doutrina sublime. É muito mais do que isto: é o próprio Filho de
Deus, igual ao Pai; nenhuma de suas palavras pode ser rejeitada,
nem torcida no seu sentido, nem relegada ao esquecimento. Por isto
erram aqueles que, como os espiritistas em geral, dão muito realce
à doutrina de caridade e de amor ao próximo que Jesus nos
apresenta (no que fazem muito bem), mas não dão nenhuma
importância à fé, começando logo por negar a divindade de Cristo
(no que fazem muito mal). Nisto há um contrassenso, porque a fé é
a base de toda a virtude cristã, e o amor do próximo que não nasce
da verdadeira fé, pode chamar-se filantropia, mas não é a
verdadeira caridade.

E nesta luta contra as heresias é interessante observar que até aos


próprios protestantes que falam tanto em fé e que pretendem
resumir só na fé a nossa contribuição para a salvação eterna, a eles
próprios, nós, católicos, somos obrigados a lembrar: que
. Porque os protestantes adulteram a
noção de fé: fazem dela apenas uma convicção cega de que já
estão salvos pela morte de Cristo, quando, como provamos, a fé é
aceitar toda a doutrina do Mestre. Diante das inúmeras divergências
(e sobre pontos da maior importância) que há no Protestantismo,
chega-se a conclusão de que entre os “evangélicos” a fé não
consiste em aceitar a doutrina de Jesus; consiste em sobre
esta doutrina, como se discute sobre questões de história, filosofia
ou literatura. E, enquanto a Igreja Verdadeira de Jesus Cristo é
quem ensina a seus adeptos a legítima doutrina, pois tem
autoridade para isto, uma vez que é a coluna e firmamento da
verdade (1ª Timóteo III-15), no Protestantismo, desde o princípio,
tem sido o contrário: são os fiéis que ensinam a doutrina às Igrejas,
pois são os adeptos mais atilados, mais sabichões que discordam
de suas comunidades e vão fundando outras Igrejas, às quais
passam a indicar o que elas devem crer. E assim sucessivamente.
Por isto é que as seitas são tão numerosas e tão variadas.

A crença vem do coração.

139. Mas me dirão os protestantes:


— O Senhor está enganado. Há, de fato, divergências entre nós.
Mas não negamos que se deve em tudo o que Jesus ensinou
e a prova é que vivemos a citar as palavras da Bíblia. Apenas
ensinamos que a fé que salva não é mera credulidade. Não é um
ato da inteligência, porque, se fosse assim, seriam os sábios, seriam
os mais inteligentes que mais poderiam ter fé. A fé que salva é
aquela que parte do âmago do nosso coração. É a em
nosso Salvador Jesus Cristo e no seu Sacrifício Redentor.

— Eis aí precisamente o erro de Vocês. Querem salientar, como


condição para nos salvarmos, o papel o papel da que é
apenas uma consequência da nossa fé, no sentido de ,e
procuram obscurecer, relegar para um plano secundário o valor
desta mesma . Por isto, Vocês se esforçam por desfigurá-la
primeiro, para poder desprezá-la.

Quem lhes disse que a nossa em Jesus Cristo, na Bíblia e


nos seus ensinamentos é ? Credulidade é
acreditar numa coisa sem o mínimo de fundamento, é dar alguém
crédito a uma afirmativa, por ingenuidade, por ser tolo demais. A
nossa crença em Deus, em Jesus, no seu Evangelho não é desta
natureza, e sim baseada nos mais sólidos argumentos capazes de
convencer a razão mais exigente. Crer na veracidade dos
Evangelhos não é mera credulidade é crer num fato que nos é
provado com todo o rigor de uma demonstração histórica.

Daí, porém, não se segue que a fé seja um ato puramente da


inteligência: tanto pode ter uma o mais sábio, o mais
erudito dos teólogos, como o mais rude camponês. E são
precisamente os simples, os rudes e os pequeninos que se mostram
mais esclarecidos na FÉ, do que os sabichões, do que os
intelectuais, o que não impede que estes possam ter também a sua
crença: Graças te dou, Pai, Senhor do Céu e da terra, porque
escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as
. Sim, porque assim foi do teu agrado (Lucas X-21).

Não é pelo simples fato de se empregar, por vezes, uma palavra


mais difícil, de se chamar a = no conceito dos católicos
com o nome de ,ea = no conceito
dos protestantes com o nome de , que a se
torna um ato só para intelectuais.

A fé é um ato da inteligência que na palavra de Deus,


sendo movida pela que se dispõe a crer, e ajudada desde
o início pela .

Se ela também procede da vontade, é porque tem as suas raízes


profundas no coração humano.

Diante de textos como este: O que crê no Filho tem a vida eterna
(João III-36) e alguns outros, os protestantes ainda poderão teimar,
querendo fazer prevalecer a sua hipótese sem fundamento, de que
aí não se trata de e sim de uma cega .

Mas nada melhor para compreender um texto da Escritura do que


compará-lo com outro.

E podemos apresentar-lhes um texto que não só prova que a fé que


encaminha o homem para a salvação é a crença (sendo, portanto a
confiança já uma consequência desta crença, pois da fé nasce a
esperança), mas também que esta crença procede do
humano, onde tem as suas raízes: Se confessares com a tua boca
ao Senhor Jesus e que Deus o
ressuscitou dentre os mortos, . Porque
para alcançar a justiça; mas com a boca se faz a
confissão para conseguir a salvação (Romanos X-9 e 10).

Primeiro que tudo, ninguém pode daí deduzir que basta crer que
Jesus Ressuscitou dentre os mortos para só por isto ser salvo.
Neste caso cairia também toda a doutrina, tanto católica, como
protestante, de que é preciso crer que Jesus é o nosso salvador.
Mas é este o sistema da Bíblia: ensina-nos a verdade
parceladamente, pedacinho por pedacinho. S. Paulo não vai aí
nesta simples frase expor minuciosamente todos os artigos de fé;
seria escrever um livro e não uma frase. Apresentar dez ou vinte
artigos, mas no final das contas, não apresentá-los todos, seria pior
ainda do que apresentar um só. Por isto tomou como exemplo a
Ressurreição, que é um ponto básico para a de
todas as outras verdades da fé: Se Cristo não ressuscitou, é vã a
nossa fé (1ª Coríntios XV-17). S. Paulo, é claro, não podia fazer uma
redução naquilo que devemos crer, quando o mesmo Cristo que
disse aos Apóstolos, no dia em que os enviou a pregar: Ide, pois, e
ensinai todas as gentes (...) ensinando-as a observar
que vos tenho mandado (Mateus XXVIII-19 e 20), disse-lhe,
também: pregai o Evangelho a toda a criatura. O que crer e for
batizado será salvo; o que, porém, não crer será condenado
(Marcos XVI-15 e 16).

Esclarecido isto, para que os protestantes não queiram tirar daí


conclusões absurdas, como , o que se deduz
claramente da frase é que a fé salvadora é a crença, e a crença
nasce no nosso coração.

Também aos discípulos de Emaús que não que Cristo


havia ressuscitado, Nosso Senhor lhes diz: ó estultos e
para tudo o que anunciaram os profetas! (Lucas
XXIV-25). Tratava-se de às profecias e ficar certos da
ressurreição do Mestre; mas o coração dele era duro e ronceiro
demais para chegarem até a convicção de que Jesus havia de fato
ressuscitado.

E a prova de que a fé se processa na inteligência, mas nasce do


coração, nós a temos nos judeus do tempo de Nosso Senhor Jesus
Cristo: mesmo depois de tantos milagres, mesmo depois da própria
ressurreição do mestre, . É que o seu coração
estava endurecido e cheio de maldade.

Não faltam hereges nos dias de hoje que, apesar de se dizerem


cristãos, ainda mesmo que tivessem presenciado, se fora possível,
todos os milagres de Lurdes e Fátima, verificados desde o principio
até os nossos dias, mesmo assim na Igreja
Católica, tal é o ódio, a má vontade, a obstinação, a teimosia que
anda lá pelo seu coração.

O que é fato, portanto, é que o ponto de partida para a salvação é o


ato pelo qual o homem se dispõe, com a graça de Deus, a
tudo o que o Divino Mestre ensinou e que Ele depois
encarregou a sua Igreja de transmitir a todos os povos.

Como é perigoso menosprezar a crença!

140. Mas os protestantes, pondo a em segundo plano e


reduzindo a fé salvadora apenas à de que Jesus nos
salva, chegam a uma incrível situação de balbúrdia e de anarquia.

Mesmo quando torcem miseravelmente, ridiculamente os mais


claros textos da Bíblia, já não sentem remorso de injuriar assim a
palavra de Deus; acham que não perdem com isto o direito à
recompensa do Céu: eles têm a confiança de que se salvam, e é
quanto basta...
Além disto, são muitos os protestantes que se mostram ou fingem
mostrar-se satisfeitos com esta confusão tremenda de doutrinas, as
mais diversas, que se nota no seio da Reforma e que dizem que
assim mesmo está certo: a palavra de Deus deve ser sujeita à
discussão e cada um se manifesta sobre ela de acordo com o seu
modo de ver pessoal.

Na América do Norte e na velha Europa, onde a árvore do


Protestantismo já amadureceu bastante para produzir seus
verdadeiros frutos, são muitos os protestantes que foram
progredindo de negação em negação, até rejeitarem não só a
divindade, mas até a infalibilidade do próprio Cristo e a divina
autoridade das Escrituras. Com a Bíblia na mão, mas ao mesmo
tempo depositando na razão humana uma confiança ilimitada no
interpretá-la, o Protestantismo leva naturalmente ao Racionalismo.

Tudo isto tem sido resultado deste erro de falsear a noção de fé


salvadora.

Não é isto o que quer o Divino Mestre; quer que os homens se


santifiquem, mas se santifiquem , só podendo haver
verdade, onde existe a unidade da fé: - .A
tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo,
também eu os enviarei ao mundo. E eu me santifico a mim mesmo
por eles, para que também eles sejam .E
eu não rogo somente por eles, mas rogo também por aqueles que
hão de crer em mim por meio da sua palavra; para que
, como tu, Pai, o és em mim e eu em ti (João XVII-17 a
21).

E é aí que nós percebemos claramente a legitimidade, a firmeza da


Igreja, sempre zelosa e intransigente em conservar o (2ª
Timóteo I-14) da fé, guiada nisto pelo Divino Espírito Santo,
mostrando-se inabalável em sustentar todas as verdades, todos os
dogmas que ela vem ensinando desde o tempo dos Apóstolos e
sem admitir os quais não pode haver salvação.
A Graça
Necessidade da graça.

141. Firmada em vários textos bíblicos, os quais podem resumir-se


nesta palavra de Jesus: Sem mim não podeis fazer nada (João XV-
5), a Igreja nos ensina a necessidade da para a salvação.
Necessidade absoluta, porque ninguém pode entrar no Céu sem a
graça santificante; é preciso possuir a vida sobrenatural da ,
para entrar na sobrenatural da . E para praticar
a virtude, é necessária a ajuda constante da , a qual
Deus sempre nos oferece, porque quer salvar a todos.

A ninguém, que esteja de boa fé, é negada a possibilidade de


conseguir a graça santificante: embora sejam os sacramentos do
Batismo e da Penitência os meios ordinários para adquiri-la ou
recuperá-la, até os próprios pagãos que nunca tiveram
conhecimento de Cristo, dela podem ser revestidos, desde que,
crendo em Deus Remunerador, tenham também as disposições
necessárias para recebê-la. E para conseguirem ou conservarem
esta , Deus lhes dá também a
suficiente, pois Deus quer a salvação de todos, de ninguém exigindo
o que é impossível. Não há, portanto, no ensino da Igreja, nenhum
vestígio da revoltante doutrina de que Deus predestina certas almas
para o inferno, doutrina esta que é ensinada por muitos
protestantes.

E sobre este assunto da influência da graça na salvação, nós,


católicos, que contra os protestantes sustentamos a necessidade da
fé, no legítimo sentido da palavra, nós que sustentamos a
necessidade das nossas obras, que uns têm negado de fato e
abertamente, e outros apenas fingem negar, nós temos ainda que
defender contra a necessidade da graça,
que, antes de tudo, é um . Já dissemos que, no
5º século, a Igreja teve que condenar a heresia dos pelagianos, os
quais afirmam poder o homem salvar-se por suas próprias forças
naturais, sem o auxílio sobrenatural da graça. Pois bem, muitos
protestantes, indo ao extremo oposto com relação aos demais, têm
renovado lamentavelmente o erro de Pelágio. São os Socinianos,
Unitários e Protestantes Liberais que usam este nome , mas
adulteram de tal forma a sua noção, que na realidade a negam por
completo. São protestantes que negam a divindade de Cristo,
considerando-O como um simples homem. Para eles a graça
consiste apenas em Cristo nos instruir com sua doutrina sublime e
nos confortar com seu maravilhoso exemplo. Deste modo, na
doutrina deles, a graça deixa de ser um dom sobrenatural, uma
força interior, para ser apenas um estímulo externo que tanto vem
de Cristo como poderia vir de outro homem qualquer que nos
ensinasse uma bela doutrina e nos edificasse com um notável
exemplo de virtude.

Quantos estragos tem feito o livre exame na doutrina do Evangelho!


As Obras
A fé sem obras é morta.

142. A necessidade das nossas obras para a salvação é tão lógica


e tão evidente, que os próprios protestantes que os próprios
protestantes tiveram que retroceder neste ponto. A doutrina de
salvação só pela fé, que pregaram os Primeiros Reformadores, era
tão perigosa e subversiva, que para cristãos logo se mostrou
insustentável. Aquilo já não era Cristianismo, era a confiança cega
de que Jesus tudo perdoa conduzindo logicamente o homem ao
mais desenfreado materialismo.

Quando viram os protestantes a devastação tremenda que essas


ideias produziam no seio do povo, com a propaganda do desprezo
pelas boas obras como meio para obter a salvação, perceberam
claramente que não era possível prosseguir com tais ensinos.

Mas toda a sua tática tem consistido em recuar até a doutrina


católica nesta matéria, mas recuar conservando mais ou menos a
mesma linguagem que usavam antigamente, recuar sem querer que
se perceba que estão recuando.

Já vimos que a antiga fórmula: só a FÉ é necessária para a


salvação foi substituída pela outra: só a
são necessários para a salvação.

Entrando neste terreno, exigindo agora o arrependimento como


indispensável para a conquista da vida eterna, entraram na doutrina
católica da necessidade das obras para a salvação. Já tivemos
ocasião de demonstrá-lo (nº 54).

Quaisquer fórmulas que inventem dentro deste novo sistema, por


mais manhosas que elas sejam, mostram desde logo, depois de um
pouco de reflexão, que são fórmulas católicas disfarçadas com a
máscara de protestantes. Exigir é exigir as
para a salvação; não há para onde correr.

Vejamos, por exemplo, este modo de argumentar:

— Os católicos afirmam que o homem se salva pela


, ajudados pela D . Nós, protestantes, achamos
que esta doutrina está errada. O que salva o homem é só a fé, e
não as obras. O que acontece é que a fé é manifestada pelas obras.
Aquele que peca, que não ama a Deus, que não faz o bem que
devia fazer está mostrando que . Portanto, é só a fé que
salva.

— Ouçam, caros amigos. Dois indivíduos estavam discutindo: um


deles possuía um automóvel e garantia que o seu carro podia andar
sem gasolina. O outro apostava que não. Mas acontece que,
aproveitando um descuido de seu antagonista, o primeiro colocou a
gasolina no seu automóvel e o fez andar. Ganhou a aposta? Provou
que tinha razão? Absolutamente não; porque o outro, como é
natural, podia muito bem proceder à verificação no automóvel e,
certificando-se de que este agora estava , podia
muito bem desmascarar o seu opositor.

É o que se dá entre nós.

Como começou o Protestantismo? Afirmando que a FÉ salva sem


as obras e dizendo que esta fé consiste apenas em aceitar Jesus
como nosso ,
. É a confiança de que Jesus nos salva, isto
independentemente de obras, de arrependimento da nossa parte.

Já fizemos a refutação desta doutrina. Mostramos com muitos textos


da Bíblia (nº 65 a 69) que esta noção de fé não é exata, que fé é
nas verdades eternas, na palavra de Deus.
Fizemos ver que esta fé é o para a salvação,
porque a aceitação da doutrina de Jesus inclui necessariamente a
aceitação de , o reconhecimento dos impostos
por Cristo e que, portanto, a fé que salva é a fé coerente, a fé que
não entra em contradição com as obras, a fé que não está morta,
mas (Gálatas V-6), sendo a caridade o amor
de Deus sobre todas as coisas e amor ao próximo como a nós
mesmos. Mostramos que se trata de uma promessa de vida eterna,
e se Deus promete o Céu àquele que tem fé, é esta mesma fé que o
leva a aceitar na própria Bíblia as condições em que esta promessa
será cumprida (nº 80 a 84): sem praticar a virtude, sem observar os
mandamentos, sem receber os sacramentos que Cristo instituiu
para a nossa salvação, esta não pode ser alcançada.

Em todo este sistema de argumentação, estávamos considerando a


FÉ como uma virtude especial, distinta das demais virtudes, como
distinta das nossas obras, do nosso modo de proceder. Acaso
estávamos errados em considerá-la assim? Não é a própria Bíblia
que distingue a fé das outras virtudes, quando nos diz: Agora, pois,
permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas três virtudes;
porém a maior delas é a caridade (1ª Coríntios XIII-13)? Não é o
próprio S. Paulo que nos diz: Se tiver toda a fé, até o ponto de
transportar montes , não sou nada (1ª
Coríntios XIII-2)? Não é a própria Bíblia que nos diz que também os
demônios (Tiago II-19)?

É, portanto, neste sentido, considerando a fé como uma virtude


distinta das outras, que nós dizemos que a fé sozinha não pode
salvar, ela não salva sem as obras, as quais também são
necessárias; e dizemos isto, apoiados no ensino claríssimo da
Bíblia: não vedes como ,
? (Tiago II-24). Aqui não há meio de
subterfúgio: S. Tiago não diz que o homem é salvo pela fé, mas esta
só se pode conhecer nas obras etc. etc., como Vocês estão dizendo;
mas que o homem é salvo , e não somente pela fé.

Ora, que acontece com quem quer discutir e argumentar com


, porque quer realmente defender a
ou chegar ao conhecimento dela? Quem é sincero na
argumentação procura, antes de tudo, explicar, de modo que não
deixe margem para nenhuma dúvida, em que sentido está tomando
as palavras que emprega na sua exposição. A questão é sobre a
FÉ, não é assim? A obrigação de quem vai sustentar uma tese
sobre a fé, é dizer bem claramente o que é que entende por esta
palavra FÉ.

Ora, quando perguntamos a Vocês o que é que entendem por fé,


Vocês recorrem àquele velho conceito dos primeiros tempos do
Protestantismo: F J C
, .

Agora perguntamos: a fé tomada neste sentido


D ?E ,
?

Não, não está. A fé aí está reduzida apenas a confiança que tenho


em que Jesus salva.

Esta definição não exclui o pecado. A prova é que de acordo com


esta noção de fé os Primeiros Reformadores ensinavam que o
pecador se salva sem arrependimento. “Sê pecador e peca
fortemente, mas confia e rejubila-te mais fortemente ainda no Cristo
vencedor do pecado, da morte e do mundo”, dizia Lutero na sua
carta a Melanchton, em 1521, este mesmo Lutero que dizia que “a
contrição que se prepara pelo exame e recapitulação e detestação
dos pecados, pelos quais alguém relembra os seus anos na
amargura de sua alma, ponderando a gravidade, multidão e
fealdade dos pecados, a perda da eterna felicidade e aquisição da
condenação eterna, esta contrição faz hipócrita o homem e até mais
pecador” (Lutero. Edição Weimar VII-13).

Esta definição de maneira alguma supõe que a fé se manifesta


pelas obras. Pois, em que sentido se toma aí a expressão: Jesus é
o nosso Único e Suficiente Salvador? Não no reto sentido de que o
resgate foi feito por Jesus e só Ele o podia fazer, e o fez da maneira
mais completa e satisfatória para nos alcançar e merecer a graça.
Mas é empregada maliciosamente no sentido de que, tendo Cristo
feito tudo por nós, o homem não precisa fazer mais nada; não lhe
resta, portanto, salvar-se a si mesmo pela prática da virtude, pois só
Cristo é quem nos salva sem a nossa cooperação. Ou, em outros
termos, a cooperação do homem consiste apenas em .
Confiando, a salvação lhe é dada de graça.

Seria, por conseguinte, um contrassenso, uma verdadeira


contradição, que o homem, a fim de que Cristo é o
seu Único e Suficiente Salvador, neste mal sentido da expressão,
tivesse agora que esforçar-se, obedecendo à lei divina, praticando
atos de virtude etc. assim estaria procurando salvar-se a si mesmo,
para demonstrar que não se salva a si mesmo, que Jesus é o seu
Único e Suficiente Salvador.

Agora acontece que, enquanto Vocês, protestantes, continuam a


sustentar esta mesma definição — Crer é aceitar a Jesus como
nosso Único e Suficiente Salvador, como nosso Salvador Pessoal —
quando a gente menos espera, surgem Vocês mesmos dizendo que
a fé se manifesta pelas , que aquele que peca, que não ama
a Deus, que não faz o bem que devia fazer está mostrando que
.

Isto quer dizer que de repente passaram a tomar a palavra fé noutro


sentido bem diferente. Fazem como o homem que às escondidas
meteu gasolina no automóvel.

Bem, fé neste sentido de que todo aquele que peca está mostrando
que não tem fé, quer dizer adesão total a Cristo,
C . É não só na nossa
mente, mas também no nosso modo de agir, a aceitação de Cristo,
não só como Salvador, mas também como nosso Mestre, nosso
Legislador e como o Rei que domina toda a nossa vida.
Se é neste sentido que Vocês querem tomar a palavra FÉ, então
nós, católicos, não temos nenhum receio ou dúvida em dizer que
para a salvação, porque não
; o que no interessa são as realidades da
vida cristã. Mas há uma coisa: aí já não se trata de
, trata-se de , porque as obras já estão
incluídas neste conceito de fé. Trata-se de fé com
C .

Fica, sempre, de pé que a fé sem as obras não salva, porque a fé


sem as obras é morta (Tiago II-26).

A salvação depende das obras.

143. Dirão, porém, os protestantes:


— Não nos revoltamos contra os católicos, quando dizem que o
homem não pode salvar-se sem obedecer aos mandamentos de
Cristo, que o são também de Deus. Não concordamos é com o
dizerem que a salvação . Ora, isto é o
mesmo que dizer que nós nos salvamos a nós mesmos, quando
nosso Único Salvador é Jesus Cristo.

— Dizemos que a salvação depende de nossas obras. E onde está


o erro ou a heresia desta afirmação? Não estamos afirmando com
isto que ela depende de nossas obras, mas sim que ela
depende de nossas obras. Sabemos muito bem que sem a
graça de Cristo não nos podemos salvar, mas a graça de Cristo não
nos salva sem a nossa cooperação. A salvação depende de uma
coisa e de outra.

Toda a repugnância de Vocês em aceitar esta ideia baseava-se


principalmente naqueles dois textos de S. Paulo: O homem é
justificado pela fé sem as obras da lei (Romanos III-28) e no outro
da Epístola aos Efésios: Pela graça é que sois salvos mediante a fé,
e isto não vem de vós, porque é um dom de Deus, não vem das
nossas obras (Efésios II-8 e 9). Já explicamos convenientemente
esses textos (capítulo 6º e nº 133). Desde que Vocês agora sabem
que o primeiro exprime apenas que para nos salvar, não estamos
mais obrigados a obedecer à lei de Moisés, como estavam os
Judeus antes de Cristo; e o segundo, que a graça da conversão ao
Cristianismo, que foi a chave da salvação, não foi concedida por
causa de obras que tivessem sido feitas anteriormente a ela, não há
mais motivo para tanta repugnância a esta proposição:
.

Quando um homem perguntou a Nosso Senhor o que devia fazer


para obter a vida eterna, que foi que o Senhor lhe respondeu? Se tu
queres entrar na vida, (Mateus XIX-17).
Eis aí claramente a salvação .

Quando Nosso Senhor diz: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o


reino que vos está preparado desde o princípio do mundo,
tive fome e destes-me de comer etc. etc. Apartai-vos de mim,
malditos, para o fogo eterno... tive fome e não me deste de
comer etc. etc. (Mateus XXV-34 e 35, 41e 42) que está dizendo
Nosso Senhor, senão que a salvação ou a condenação
da nossa caridade ou falta de caridade?

Quando Nosso Senhor diz: Pelas tuas palavras serás justificado e


pelas tuas palavras serás condenado (Mateus XII-37), que nos está
dizendo, senão que tenhamos cuidado com as nossas palavras,
porque do nosso modo de falar a nossa salvação ou a
nossa condenação?

Não nos podemos salvar sem o perdão, a misericórdia, a


benignidade de Deus. Quando Nosso Senhor diz: Perdoais e sereis
perdoados (Lucas VI-37), bem-aventurados os misericordiosos,
porque eles alcançarão misericórdia (Mateus V-7), não julgueis e
não sereis julgados (Lucas VI-37), que nos está ensinando senão
que do nosso perdão e benignidade para como próximo a
misericórdia com que o Senhor nos há de julgar?
É a própria Bíblia, Palavra de Deus Eterna e Infalível, portanto, a
nos ensinar que a salvação .

Quanto à expressão: - , pode ser


errônea ou pode ser admissível, de acordo com o sentido em que
seja ela empregada. Se dizemos que o homem salva a si mesmo,
no sentido de que ele o faz sozinho, por seu próprio esforço e boa
vontade, independentemente da graça de Deus, que Cristo nos
mereceu na cruz, seria um erro desde o começo condenado pela
Igreja: o pelagianismo.

Mas o próprio Protestantismo reconhece que existe, na nossa


salvação, a parte de Deus e a nossa. Temos que cooperar com a
graça, sem isto não nos salvamos, pois Cristo não nos salva
violentando a nossa liberdade, nós cooperamos livremente. Se
cooperamos com a graça, estamos salvando a nós mesmos. Se não
cooperamos, é a nós mesmos que estamos condenando, a
condenação será por nossa culpa. Mas o protestante só se
convence se ler na Bíblia empregada esta expressão: -
. Neste caso, leia o trecho da 1ª Epístola de
S. Paulo a Timóteo: e pela instrução dos outros,
nestas coisas, porque, fazendo isto, tanto
, como aos que te ouvem (1ª Timóteo IV-16).

É inútil querer iludir os mais rudes, apelando para o texto grego,


porque aí é o verbo , o mesmo verbo grego que S. Paulo
emprega, quando diz que Jesus pode perpetuamente
aqueles que por Ele mesmo se chegam a Deus (Hebreus VII-25),
que se lê nas palavras do Anjo, quando anunciou a Maria, referindo-
se a Jesus: Ele o seu povo dos pecados deles (Mateus I-
21) ou, se não quisermos sair desta mesma 1ª Epístola a Timóteo, é
o mesmo que o Apóstolo das Gentes empregou no 1º capítulo:
Jesus Cristo veio a este mundo para os pecadores, dos
quais o primeiro sou eu (1ª Timóteo I-15). É o verbo empregado
frequentemente no Novo Testamento para exprimir a salvação
eterna.
Se quisermos outro exemplo do mesmo Apóstolo S. Paulo, vejamos
este: com receio e com tremor (Filipenses
II-12). Ferreira de Almeida diz, num português mais moderno:
a vossa salvação com temor e tremor (Filipenses II-12). E a
versão da Sociedade Bíblica do Brasil: a vossa salvação
com temor e tremor (Filipenses II-12).

Outra vez dizemos: Não adianta querer impressionar os incautos


com despropositadas alusões ao texto grego, porque na frase
a vossa salvação, o verbo corresponde ao verbo grego:
.

Vejamos o dicionário de Bailly:

= executar, efetuar, cumprir, acabar, procurar para si,


obter, elaborar, trabalhar.

Ainda mesmo que se quisesse escolher a significação , não


se alteraria o sentido: cabe-nos a obra que Deus começou,
mas que Ele não quer realizar sem nós. O fato de S. Paulo referir-se
logo em seguida à ação de Deus na salvação de nossa alma: Deus
é o que obra em vós o querer e o perfazer, segundo o seu
beneplácito (Filipenses II-13) não exclui a nossa parte no obter da
salvação, exprime apenas que nada podemos querer, nada
podemos fazer sem o auxílio, a moção de Deus, a nossa ação é
entrelaçada com a ação divina.

Nas seguintes frases: eu não aprovo o que (Romanos VII-15)


o querer bem eu o acho em mim, mas não acho o meio de o
perfeitamente (Romanos VII-18) a ira do homem não a
justiça de Deus (Tiago I-20) o que aqui é para nós duma tribulação
momentânea e ligeira, em nós... um peso eterno de glória
(2ª Coríntios IV-17), os verbos , e
correspondem no grego ao mesmo verbo .

Os dois textos, em que vemos expressa na Bíblia a ideia de que


Jesus é o , não excluem absolutamente a outra
ideia de que, uma vez recebidos de Cristo os meios
para a salvação e suposto que sem Cristo a salvação não pode ser
realizada, o homem, como criatura livre que é, tenha, por sua vez,
que salva-se a si mesmo.

Para usarmos uma comparação: o náufrago que só encontrou


capaz de lhe fornecer embarcação e bússola e mantimentos
tem neste homem o seu único Salvador, embora precise salvar-se a
si mesmo, guiando a embarcação para chegar em terra.

Um dos textos é o dos Atos: não há salvação em nenhum outro,


do céu abaixo aos homens
nós devamos ser salvos (Atos IV-12). O homem que foi
batizado em nome de Jesus, que recebeu o perdão de seus
pecados em nome de Jesus, e que em nome de Jesus vai
recebendo a graça, em virtude dos merecimentos infinitos do
Redentor, uma vez que o Batismo, o perdão dos pecados e a graça
são necessários para a salvação, é claro que é em nome de Jesus
que está sendo salvo. Mas isto não impede que ele, para salvar-se,
com os mandamentos (e os cumpre
livremente, portanto tem que salvar-se a si mesmo) e só os pode
cumprir ajudado pela graça de Jesus. Até mesmo, portanto, quando
está cooperando com a graça, a sua salvação está sendo realizada
com Jesus, por meio de Jesus, e, portanto, e nome de Jesus e não
em seu próprio nome.

O segundo texto é o de S. Paulo a Timóteo:


entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo homem (1ª Timóteo II-
5). Dizendo que o homem salva a si mesmo, neste sentido de que
tem que cooperar livremente com a graça ,
, não se está negando absolutamente que
Jesus Cristo foi o Único Mediador que reconciliou os homens com
Deus e que nos alcançou a graça, sem a qual ninguém pode salvar-
se.

A gratuidade da salvação.
144. Outro ponto, em que os protestantes ensinam uma doutrina
católica, porém disfarçada com a máscara protestante, é a
gratuidade da nossa salvação.

Os Primeiros Reformadores ensinavam que


, neste sentido de que o
. Diziam eles que esta
observância dos mandamentos é impossível ao homem. Ele se
salva pela confiança de que Jesus perdoa os seus pecados.

A Igreja Católica não pode admitir que a salvação seja dada


neste sentido. Isto é uma doutrina escandalosa, de péssimas
consequências e que destrói a lei de Deus.

Que a salvação do homem seja dada gratuitamente no sentido de


que o perdão de seus pecados, a sua justificação no ponto inicial,
isto é, a sua passagem do estado de pecador afastado de Deus
para o estado de justo com a graça santificante seja dada ao
homem gratuitamente por pura benevolência de Deus, porque o
homem nunca poderia merecer este , isto
admitimos. Mas que a salvação seja dada o homem
de obedecer a Deus pelas suas obras, isto é que não.

Verificado o seu erro, compreendendo agora que o homem não


pode salvar-se C
e querendo ainda continuar pregando, como pregavam antigamente,
que a salvação é dada , que fazem os protestantes?
Um arranjo contraditório.

O Artigo 4º da Confissão de Fé dos Batistas em New Hampshire


(1833) diz:

“Cremos que de pecadores ”.

E o Artigo 6º:
“Cremos que a salvação é concedida a todos,
segundo o Evangelho; que é o dever imediato de todos -
por meio de uma fé sincera, ardente e ”.

Vejamos uma história, para melhor apreciarmos a ironia de


desconchavo desta explicação:

Um homem tinha mil palácios abarrotados de riquezas e tinha mil


vizinhos.

Disse a eles: Tenho riquezas fabulosas que chegam para Vocês


todos. Cada um de Vocês vai ter um palácio riquíssimo. E vou dar, a
todos e a cada um, este palácio . Vocês
aceitam?

— Aceitamos, sim, responderam todos. Isto é uma verdadeira


maravilha. Quem é que não aceita uma pechincha desta? Um
palácio cheio de riquezas e dado inteiramente de graça!

— Pois bem, meus amigos, diz o homem riquíssimo. Já que Você


todos estão dispostos a aceitar a minha oferta, tenho que explicar
uma coisa; tenho que ensinar-lhes qual é o modo de - .
Aceitar não é só abrir a boca e dizer: Aceitamos. Para aceitar o
palácio, Vocês têm que ser sempre , à
minha vontade por todo o resto da vida, só fazer e dizer o que eu
mandar, mesmo que isto lhes custe sacrifícios. Se não fazem assim,
perdem o direito ao palácio.

Qual é o comentário que naturalmente farão aqueles homens?

— Sim, o Sr. tem todo o direito. Pode dar o palácio sob as condições
que quiser. Mas há uma coisa: se o Sr. exige, em troca do palácio,
esta total obediência, então não diga que o palácio foi dado
.

Quando dizem os protestantes que é nosso dever aceitar a salvação


e só a aceitamos “por meio de uma fé sincera, ardente e
”, estão reconhecendo a verdade da doutrina católica de
que para a salvação, é preciso uma ;
em outros termos, é necessário prestar obediência a tudo o que
Cristo ordenou e prescreveu, a tudo o que nos impõe a lei de Cristo,
a lei de Deus. Aí não é salvação só ; é salvação pela
, pois as obras já foram incluídas jeitosamente na fé,
por meio desta palavra .

Mas, se ensinam os protestantes esta doutrina que é legítima, então


não digam que a salvação é conseguida inteiramente de graça.

Em que parte da Bíblia viram os protestantes (que dizem só ensinar


o que está na Bíblia) que , isto é,
C nos é dada ?

Será, porventura, este texto: todos e necessitam da glória


de Deus, por sua graça,
pela redenção que tem em Jesus Cristo (Romanos III-23 e 24)?

O que há de mais comum é a mesma palavra na Bíblia tomar aqui e


acolá um sentido diferente; por isto perguntamos: a palavra
aí significa , C ?
Não; porque, se S. Paulo acabara de descrever o miserável estado
moral em que se encontrava a humanidade antes de Cristo, tanto
entre os gentios, como entre os judeus e, para resumir tudo isto, diz
que e logo depois acrescenta que são justificados
por meio da Redenção operada por Jesus Cristo — aí justificados
não quer dizer salvos, pois S. Paulo não quer dizer absolutamente
que os homens estão salvos, nem muito menos que todos
aqueles que pecaram outrora foram para o Céu; S. Paulo aí se
refere à reconciliação da humanidade com Deus, a qual
Jesus Cristo deixou para realizar justamente quando a Humanidade,
depois de ter pecado tanto, mostrou, e bem claro, que de modo
algum merecia esta reconciliação, a qual, portanto, foi realizada
generosamente, espontaneamente, .
S , onde é que está isto na doutrina
do Evangelho?

Que estreita é a porta e que apertado o caminho que guia para a


vida e que poucos são os que acertam com ele! (Mateus VII-14). É
esta a salvação dada ?

Se o teu olho te escandaliza, lança-o fora: melhor te é entrar no


reino de Deus sem um olho do que, tendo dois, ser lançado no fogo
do inferno (Marcos IX-46). Isto é oferecer a salvação
a todos?

Filhinhos, quão difícil coisa é entrarem no reino de Deus os que


confiam nas riquezas! Mais fácil é passar um camelo pelo fundo
duma agulha do que entrar no reino de Deus um rico (Marcos X-24
e 25). O que ama o pai e a mãe mais do que a mim não é digno de
mim (Mateus X-37). Se vos não converterdes e vos não fizerdes
como meninos, não haveis de entrar no reino dos Céus (Mateus
XVIII-3). Se a vossa justiça não for maior e mais perfeita do que a
dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no reino dos Céus
(Mateus V-20). Chama-se a isto salvação dada
?

Não há motivo para desânimo ou desespero. Se a salvação exige


renúncias e sacrifícios, mais nuns e noutros menos, é também
verdade certíssima que Deus, sendo justo e bom e sábio, não exige
de ninguém o impossível: Deus é fiel, o qual não permitirá que vos
sejais tentados mais do que podem as vossas forças (1ª Coríntios
X-13). A cada sacrifício que se exige de nós acompanha também a
graça necessária para levá-lo a efeito e a graça
eleva a criatura a um poder sobre-humano, como
se viu nos mártires, como se tem visto em todos os santos. E
mesmo quando a alma fraqueja e não corresponde bem à graça
divina, ainda resta a misericórdia do Bom Pastor, que corre a buscar
a ovelha perdida até que a ache (Lucas XV-4), ainda nos vale a
benignidade do nosso Salvador que não quebrará a cana rachada,
nem apagará a torcida que ainda fumega (Isaías XLII-3).

E depois de tantas vicissitudes, de tantas provas da divina


misericórdia, a visão beatífica, que está acima da nossa natureza,
vem a ser em última análise uma graça, um benefício de Deus.

Mas pintar a salvação, a conquista do Céu, como sendo dada


, neste sentido de que o homem não
precisa também fazer jus a ela pelo seu próprio
(ajudado, é claro, pela graça divina) — isto é desvirtuar
completamente os ensinos do Evangelho.

O salvo pratica a virtude para ser salvo.

145. Finalmente aparecem os protestantes com esta sutil distinção:


O homem não pratica a virtude, não pratica as boas obras
. Mas sim, ,
. As boas obras são uma consequência da salvação.

— Não vemos oposição entre uma coisa e outra: O homem pratica a


virtude e as boas obras ; e também pratica a
virtude e as boas obras .

— Não estou entendo nada, dirá o leitor. Não parece haver aí uma
contradição?

— Contradição nenhuma.

Como já tivemos ocasião de explicar (nº 88), a Bíblia toma a palavra


em dois sentidos. Às vezes se chama aquele que
, porque está com a graça santificante. A
criatura que tem a felicidade de se encontrar em estado de graça, a
qualquer instante em que falecer permanecendo nesta situação,
está com a salvação garantida.
Enquanto estamos aqui na terra, esta situação do homem , ou
seja, C , ainda pode perder-se pelo pecado mortal,
por uma razão muito simples: a alma é livre e sendo tentada, ainda
pode pecar gravemente. E o pecado, quando tiver sido consumado,
(Tiago I-15).

Mas aquele que morreu em estado de graça, este está


definitivamente, não pode mais perder este estado de salvação. E é
neste sentido que diz a escritura: Aquele, porém, que perseverar até
o fim, esse é que (Mateus X-22).

Assim, ambas as proposições são verdadeiras. O homem pratica a


virtude e as boas obras, porque , isto é, porque está na
graça santificante, está na amizade de Deus e por isto tem a
caridade, o amor de Deus e do próximo em seu coração, e eis aí a
fonte para todas as boas obras. Além disto, já tivemos ocasião de
explicar (nº 25 e 33) que as nossas obras só para o Céu,
só são merecedoras da recompensa, na visão beatífica, se forem
feitas em estado de graça, ou em outras palavras, se forem feitas
quando estamos .

O homem pratica a virtude e as boas obras para , porque


ele sabe muito bem que só conquistará o Céu, se morrer neste
estado de graça. Por isto continua sempre a praticar a virtude, a
fazer as boas obras para se manter neste feliz estado. Sabe que
pode morrer a qualquer momento e quer comparecer diante do Juiz
Supremo, no dia de sua morte, com a veste nupcial da graça, para
que possa ter o direito de ser admitido no banquete celeste.

O protestante toma a palavra somente no sentido de


, de herdeiro do Céu que não pode mais por
consideração alguma perder o direito à divina herança. Apresenta
também o cristão felicíssimo, convencidíssimo já nesta vida de que
C . E nos vem dizer que só porque o
homem já está salvo, já está com a herança no bolso, é que pratica
a virtude e as boas obras.
Mas isto não convence a ninguém: a ideia de que já está salva com
toda a certeza, sem perigo nenhum de perder-se, não seria para
pessoa alguma um incentivo às renúncias e aos sacrifícios exigidos
pela virtude e pelas boas obras. Muito pelo contrário... porque nós
conhecemos muito bem como é a nossa pobre natureza humana.

Nossos adversários.

146. A esta altura do livro, o leitor que nos vem acompanhando


desde o princípio, já pode fazer uma boa ideia do que é a nossa
luta, a luta da Igreja Católica contra o Protestantismo.

Temos, pela nossa frente, adversários matreiros, que não encaram


abertamente a verdade, que recorrem frequentemente a
escapatórias e subterfúgios.

Começou o Protestantismo com uma doutrina de salvação só pela


fé, muitíssimo errada e de péssimas consequências. Após 400 anos
de polêmicas com os católicos e de estudos sobre o assunto, os
protestantes vão compreendendo no confronto dos diversos textos
da Bíblia e na observação dos péssimos resultados que logicamente
resultariam de suas teorias, que aquelas doutrinas que se
pretendiam basear em certas passagens da Escritura são
claramente refutadas em outras. Mas conservam-se ainda apegados
às mesmas fórmulas antigas, porque não querem dar o braço a
torcer. As Confissões de Fé protestantes se têm sucedido umas às
outras e nunca chegam a um acordo, a uma solução definitiva,
porque a primeira de todas as suas normas tem sido esta: ,
I .

E enquanto, ao apresentar as suas doutrinas, se preocupam


demasiadamente com esta ideia de combate à Igreja Católica, se
esquecem de uma verdade importantíssima: a doutrina do
Evangelho, pregada por Nosso Senhor, não foi ensinada neste
mundo para a esposa de Cristo, a Igreja que o Divino
Mestre instruiu, foi ensinada para .
É assim que se santificam as almas?

147. Uma vez que a Bíblia é tão clara em nos mostrar a


necessidade da cooperação do homem para ganhar o Céu, em nos
ensinar quais as virtudes que ele deve praticar para fazer a vontade
de Deus e assim tornar-se um herdeiro seu, na vida eterna, não se
compreende de forma alguma qual a
, que encontram os protestantes em
ensinar ao povo simples e rude, estas doutrinas tão perigosas, tão
fáceis de fazer mergulhar o homem no relaxamento e que, ao
mesmo tempo, conforme acabamos de provar, são inexatas, diante
dos próprios ensinos da Bíblia: o homem se torna justo não pelas
suas obras, mas pela confiança de que Cristo o salva — a salvação
não depende das nossas obras — uma vez que Cristo é o nosso
Único Salvador, o homem não tem que pensar em salvar-se a si
mesmo — a salvação é dada inteiramente de graça.

Existem, na obra da salvação, a parte de Deus . A nossa


não só consiste em crer em Jesus (João III-18), mas também em
observar os mandamentos (Mateus XIX-17), em praticar boas obras
(Mateus XXV-34 a 36; 41 a 43), em saber perdoar ao nosso próximo
(Mateus VI-15), em adquirir a santidade, sem a qual ninguém verá a
Deus (Hebreus XII-14), etc. etc.; em suma, consistem em
mantermos em nós a amizade divina, não só pela fé, mas também
pela prática de todas as virtudes. Esta nossa parte é feita por nós
livremente. O homem não pode fazer sozinho, por isto precisa
continuamente a Deus que o ajude. Por isto, ao mesmo
tempo em que a Igreja exorta insistentemente o homem a fazer a
sua parte, a cooperar com a graça, exorta-o também a pedir a Deus
ardentemente a graça de que está necessitado.

A Igreja Católica que todo dia brada ao homem que se santifique a


si próprio, é a mesma que ensina a rezar: Alma de Cristo,
- . A Igreja Católica que exorta o homem a que salve a
sua alma, a que se resigne no sofrimento, é a mesma que lhe
ensina esta súplica: Corpo de Cristo, - ; Paixão de Cristo,
- . A Igreja Católica que nos manda empregar todos os
meios para reprimir os ímpetos da cólera e as tentações do orgulho,
é esta mesma Igreja que põe nos nossos lábios este apelo: Jesus,
manso e humilde de coração,
. Ela exorta o homem a que ame a Jesus de todo o seu
coração e ao mesmo tempo o ensina a dizer: Doce Coração de
Jesus que tanto nos amais, cada vez mais. O
católico que tomou o firme propósito de tudo fazer casto, ele mesmo
vai pedir a Deus: Senhor, - .Éo
pensamento de S. Agostinho: “Senhor, ordenas a castidade; dá-nos
aquilo que ordenas e ordena o que quiseres!”

Uma coisa não pode existir sem a outra: nem o homem pode
praticar a virtude, se Deus não lhe dá a graça; nem Deus vai dar a
virtude aquele que não se esforça por consegui-la.

Este, sim, é o verdadeiro caminho da santificação!

Mas que vantagem há, para a santificação das almas, em se ensinar


ao povo que a nossa parte na salvação consiste apenas em
em Jesus, se outras virtudes também são claramente exigidas
pelo evangelho?

Se, por acaso, em virtude de sua controvérsia com os católicos, os


protestantes chegaram à conclusão de que a fé que salva não é
uma simples confiança de que Jesus nos salva, mas sim uma
, fé que não só inclui a crença nas verdades reveladas
por Jesus, mas também a integral obediência a Cristo (e obediência
não está apenas na nossa intenção, obediência está nos nossos
pensamentos, palavras e obras), se chegaram a esta conclusão,
neste caso, expliquem bem claramente a seus adeptos esta fé
salvadora em que consiste. Não se ponham a usar fórmulas antigas,
que se vê claramente que são errôneas; não se ponham a dizer que
a fé salvadora consiste apenas em C
, .E
se, porventura, os seus adeptos lhes perguntarem qual a diferença
entre a doutrina protestante e a doutrina católica sobre este ponto
da para a salvação, saibam dizer
com toda lealdade que esta diferença não existe ou, se houver, é
apenas diferença de nomes. Não continuem a lançar invectivas
contra os católicos e a apresentá-los como contrários à Bíblia, pelo
fato de ensinarem os católicos aquilo que a própria Bíblia nos
declara abertamente, isto é, que
, (Tiago II-24), quando eles próprios,
protestantes, exigindo para a salvação uma , estão
exigindo também para a salvação. Isto é o que devem
fazer os protestantes, se é que o seu ideal é realmente
, e não apenas extravasar todo o seu ódio contra a
Igreja Católica.

Que vantagem há, para a santificação das almas, em chamar a


atenção para a parte realizada por Cristo na nossa
salvação, ou seja, o sacrifício no Calvário, como se em vez de
empregar todo o empenho em realizar a , quiséssemos
limitar esta nossa parte à C ?

Antes da tragédia do Calvário, muitos se salvaram


N S J C . Isto foi dito claramente por S. Pedro
(Atos XV-11). Não foi à custa de ouvirem longos sermões ou de
fazerem profundas meditações sobre o sacrifício de Jesus Cristo na
Cruz, que eles alcançaram a salvação. Este sacrifício não se tinha
realizado ainda.

Se eram judeus e tinham a fé no Messias Prometido, era um


conhecimento vago, não conheciam nem de longe toda a extensão
da obra redentora do Mestre, nem faziam uma ideia exata do
verdadeiro caráter do Messias, que esperavam fosse um Rei
temporal, um Rei poderoso na terra. Se eram pagãos (e os pagãos
podiam salvar-se seguindo a lei escrita nos seus corações —
Romanos II-15), nenhum conhecimento tinham do Redentor, nem
explícito, nem vago.
Como se salvaram então? De uma maneira muito simples:
receberam a graça e cooperaram com ela. De Deus, por
antecipação, receberam C , cujo preço ainda havia
de ser pago no Calvário, sentiram o toque que movia e animava os
seus corações, não sabiam esta graça donde vinha, nem qual era a
sua natureza, nem que nome tinha, mas foram fiéis a ela e se
salvaram.

Que queremos dizer com isto? Que é inútil a meditação na Paixão


de Jesus Cristo? Absolutamente não! Mil vezes não! Ela é de uma
utilidade incalculável. Mas é útil esta meditação precisamente para
isto: .

O Crucifixo é o nosso grande livro.

Vendo o amor imenso de Jesus Cristo por nós, o qual Ele


manifestou em toda a sua vida e sobretudo na sua Paixão Dolorosa,
nós somos incitados a retribuir-Lhe com o nosso amor (porque amor
só com amor se paga); temos que a amar a Deus, porque Ele foi o
primeiro que nos amou a nós e enviou a seu Filho como vítima de
propiciação pelos nossos pecados (1ª João IV-10). Vendo os
exemplos admiráveis de virtude que Cristo nos deixou em toda a
sua vida e sobretudo na sua Paixão: a obediência a seu Eterno Pai
até a morte e morte de cruz (Filipenses II-8), a completa resignação
no sofrimento, porque foi levado como uma ovelha ao matadouro
(Isaías LIII-7), a sua generosidade em perdoar aos próprios inimigos
(Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem — Lucas XXIII-
34) etc. etc., nós nos estimulamos à sua imitação: Cristo padeceu
também por nós, deixando-vos exemplo para que sigais as suas
pisadas (1ª Pedro II-21), porque nós somos herdeiros
verdadeiramente de Deus e co-herdeiros de Cristo: que todavia
com Ele, para que sejamos também com Ele
glorificados (Romanos VIII-17). Por isto dizia S. Paulo: Cumpro na
minha carne o que resta a padecer a Jesus Cristo pelo seu corpo
que é a Igreja (Colossenses I-24).
Se S. Paulo dizia: julguei não saber coisa alguma entre vós, senão a
Jesus Cristo, e este crucificado (1ª Coríntios II-2) não era senão
para tornar-se , como ele
diz nesta mesma Epístola: Rogo-vos, pois, que sejais meus
imitadores, C (1ª Coríntios IV-16),
não era senão para identificar-se plenamente com Jesus na sua
vida: Não sou eu já o que vivo; mas Cristo é que vive em mim
(Gálatas II-20). Mas isto, ele não conseguiu por uma transformação
súbita e automática, e sim à custa de renúncias e sacrifícios:
Castigo o meu corpo e o reduzo a servidão, para que não suceda
que, havendo pregado aos outros, venha eu mesmo a ser reprovado
(1ª Coríntios IX-27), porque os que são de Cristo crucificaram a sua
própria carne com os seus vícios e concupiscências (Gálatas V-24).

Vemos no Calvário uma fonte imensa de , as quais nós


podemos ir buscar, para nossa ajuda, por meio das orações, dos
sacramentos e do Santo Sacrifício da Missa. Temos, portanto,
riquezas abundantíssimas de graças, que os judeus e pagãos não
tiveram ou que eles não sabiam adquirir como nós adquirimos. Mas
a todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido; e ao
que muito lhe confiaram, mais conta lhe tomarão (Lucas XII-48).
Será para nós um motivo evidente de condenação, se por acaso
não nos esforçarmos por seguir o árduo caminho da vida eterna, o
sermos comparados no dia de juízo, com pagãos de qualquer época
da História, que, sem terem tido o maravilhoso conhecimento de
Cristo, de sua Redenção, no entanto ao receberem a graça
suficiente que é dada a todos, mas recebendo-a em muito menor
proporção do que nós, souberam, no entanto, corresponder a esta
mesma graça e praticar a virtude que nós não praticamos.

A consideração do Calvário tem, portanto, que ser um incentivo para


D . Como
também será um remédio para não nos deixarmos dominar pelo
desânimo, pois nos infunde a firme convicção de alcançarmos o
perdão divino,
e empregamos os meios que Cristo dispôs para isto.
Porém, meditar insistentemente no Calvário e na misericórdia
imensa de Cristo aí manifestada, exclusivamente para
C e esquecermos
, , é querermos obrigar o
Divino Salvador a exclamar, como o salmista: Que proveito há no
meu sangue? (Salmos XIX-10).

Apresentar continuamente ao povo o sofrimento redentor de Jesus,


para insistir nestas proposições, tão fáceis de serem pessimamente
interpretadas:

Cristo já pagou por todos nós — ou, pior ainda, como ensinou
Lutero (Weimar I-52): “Cristo já observou a Lei, para que não
tenhamos mais o dever de observá-la” — Cristo já sofreu por nós na
Cruz os tormentos do inferno, para que não tenhamos mais que
passar por ele — etc. etc.;

Querendo concluir daí que a nossa salvação é


realizada por Cristo, cabendo-nos apenas confiar nEle e mais nada;

É ministrar ao povo uma doutrina que não só é contrária à moral


rigorosa do Evangelho, mas também em vez de santificá-lo, vai
induzi-lo a negligenciar completamente na conquista do
Céu.

Não podia haver mais fina cilada do demônio do que esta: levar o
homem a descuidar-se da sua salvação, baseado numa piedosa e
entusiástica, porém mal fundada confiança no Divino Salvador
Jesus Cristo, o qual morreu por nós para nos adquirir meios
abundantes que nos ajudem a realizarmos nós mesmos a nossa
salvação, a qual sem a sua graça nunca poderia ser realizada, e
não para ficarmos com a ideia de que Ele já nos salvou e, por
conseguinte, nada mais nos resta fazer.

Finalmente, nós sabemos como são as criaturas humanas: livres


para fazer o bem e o mal, combatidas por tentações e fortemente
inclinadas para o pecado e, além disto,
, ,
, . Onde é que
aprenderam os protestantes que o melhor meio de santificar essas
criaturas é sugestioná-las de que já estão salvas, já sentem em si a
experiência da salvação e que não poderão perder-se jamais,
quando não sabem eles absolutamente quais dessas criaturas
permanecerão fiéis à voz da consciência (se é que já o são), quando
sabem muito bem que inúmeras delas irão pecar, e muito?

Eis aí, portanto, um grande erro do Protestantismo. Preocupado em


demasia com a sua polêmica contra a Igreja, deixou introduzir-se a
anarquia na doutrina, com a sua falsa ideia de que a fé salvadora
era somente a fé-confiança. E com esta mesma falsa noção, deixa
também uma confusão tremenda no espírito do crente, a respeito do
que é preciso fazer para salvar-se, desviando a atenção do ponto
mais importante nesta matéria: a necessidade de sua
com a graça, cooperação esta que não é só confiança de ser salvo,
mas para santificar-se, obedecer à lei,
submeter-se totalmente a Cristo.

É precisamente em pregar, de uma maneira clara e insofismável, a


necessidade deste esforço pessoal, deste espírito de renúncia,
desta cooperação pela oração e pela vigilância: vigilância que se
estende a todos os pensamentos, palavras e obras, e oração que
vai pedir a Deus continuamente o auxílio da graça, sem a qual nada
se pode fazer no plano sobrenatural, graça, porém, que Deus não
nega àqueles que sinceramente desejam alcançá-la — é aí
precisamente que se vê o da doutrina da
Igreja. Num país onde há muitos milhões de católicos, não se pode
deixar de encontrar um grande número de católicos que não se
santifiquem. É um assunto que depende da liberdade humana. Os
erros provenientes da livre vontade do homem, não há religião
alguma que os possa evitar. Os protestantes que puseram na
cabeça a ideia de que a Igreja não é mais as dos tempos primitivos,
se para proclamar esta diversidade, querem basear-se no exemplo
de maus católicos, dos que são católicos somente no nome, dos
que erram em desobediência a esta mesma Igreja, estão
completamente enganados. Também naqueles primeiros tempos,
em que os cristãos eram em muito menor número e recebiam,
muitos deles, carismas especiais e em que reinava o fervor
característico de qualquer associação nascente, também naqueles
tempos lavravam, mesmo no seio da Cristandade, erros, fraquezas
e desordens contra os quais surge a severa repreensão na própria
Bíblia: Examine-se pois, a si mesmo o homem e assim coma deste
pão e beba deste cálix. Porque todo aquele que come e bebe
indignamente, come e bebe para si a condenação, não discernindo
o corpo do Senhor. porque há muitos
enfermos e sem forças e muitos que dormem (1ª Coríntios XI-28 a
30). Se vós, porém, vos mordeis e vos devorais uns aos outros,
vede não vos consumais uns aos outros (Gálatas V-15). Donde vêm
as guerras e contendas ? Não vêm elas deste princípio?
Das vossas concupiscências que combatem em vossos membros?
(Tiago IV-1)... para que não suceda que, quando eu vier outra vez,
me humilhe Deus e que chore a muitos daqueles que
antes pecaram e não fizeram penitência da imundice e fornicação e
desonestidade que cometeram (2ª Coríntios XII-21). Temos ouvido
que andam alguns inquietos, que nada fazem senão
indagar o que lhes não importa (2ª Tessalonicenses III-11). Tenho
contra ti que deixaste a tua primeira caridade. Lembra-te, pois,
donde caíste e arrepende-te e faze as primeiras obras; e se não, eu
virei a ti e moverei o teu candieiro do seu lugar, se não fizeres
penitência (Apocalipse II-4 a 5). Eu sei as tuas obras; que tens a
reputação de que vives, e estás morto (Apocalipse III-1). Sei as tuas
obras; que não és nem frio nem quente. Oxalá que tu foras ou frio
ou quente! Mas porque tu és morno e nem és frio nem quente,
começar-te-ei a vomitar da minha boca (Apocalipse III-15 e 16).

Uma mãe, por melhor educadora que seja, não está livre de ter
surpresas desagradáveis partidas de filhos rebeldes; por isto a
Igreja terá sempre o desgosto de ver no seu seio muitos que não
seguem fielmente a sua doutrina. Não os despreza, não lhes mete
os pés; porque ela, como o Divino Mestre, está neste mundo para
socorrer não os justos e sadios, e sim os enfermos e pecadores. E
onde há homens, sempre há erros de procedimento.

Mas desde que a doutrina católica seja fielmente seguida,


assimilada e , percebe-se claramente a que culminância de
virtude e de perfeição podem elevar-se as almas, o que se vê nos
, que só existem na Igreja Católica. Não são
fantasmas, nem personagens inventadas pela imaginação de
romancistas. Foram criaturas de carne e osso, como todos nós, mas
que a Igreja formou e educou com a graça de Cristo e deixaram o
seu rastro de luz na História da Humanidade. É um pobrezinho de
Assis, perfumando a terra inteira com seu ardente amor a Deus e
seu desprendimento e espírito de pobreza; é um S. Antônio de
Pádua, eletrizando as massas com sua santidade, sua eloquência e
seus milagres; é um S. Francisco Xavier, o gigante das Missões,
alma abrasada de amor, conquistando para Cristo centenas de
milhares de pagãos no Japão e na Índia; é um S. Luís de Gonzaga,
lírio de pureza, que ficou como um exemplo maravilhoso para a
juventude; é um S. Vicente de Paulo, tornando-se, aos olhos de
todos, a personificação da caridade; é uma Santa Gema Galgâni,
uma Santa Rosa de Lima, uma Santa Teresinha do Menino Jesus;
são muitas e muitas almas que foram sublimes no amor divino e
heroicas no sofrimento. A enumeração seria demasiado longa. É
esta a mais rica contribuição da Igreja Católica para a galeria de
heróis, de que se orgulha a Humanidade. Alimentam os protestantes
a ideia errônea de que, desde que o homem se convence de que
tem de lutar e esforçar-se para salvar a sua alma, a santificação não
pode ser alcançada. A grande quantidade de santos admiráveis que
a Igreja Católica tem produzido é o mais formal desmentido a este
estranho preconceito. O que há, sim, é que o esforço do homem não
deve provir da ideia de salvar-se sozinho pelas suas próprias forças,
mas de colaborar generosamente com a ação de Deus que é quem
trabalha as almas, na sua obra da santificação.

Enquanto os protestantes vivem a apontar a Igreja como ocupada


exclusivamente com ritos e cerimônias (como se os ritos e
cerimônias fossem incompatíveis com a purificação interna), em
todas as épocas e em todos os países, é uma legião imensa de
criaturas de ambos os sexos que, desde a adolescência, se
consagram inteiramente a Deus, abandonando o doce aconchego
do lar, renunciando os prazeres do matrimônio e as amizades do
mundo pelo voto de castidade perpétua, para servir ao Senhor, seja
na vida contemplativa dos claustros; seja nos hospitais, nos
colégios, nos leprosários, nos manicômios, nos orfanatos; seja entre
as agruras das terras de Missões ou entre as vicissitudes da vida
paroquial. Serenamente, calmamente, muitas vezes desconhecidas
completamente do mundo, se imolam numa vida de disciplina, de
silêncio, de oração, de obediência, de serviço ao bem do próximo.

Enquanto os protestantes ingenuamente nos vivem convidando a


entrar no Protestantismo, para termos “um contato mais íntimo e
pessoal com Jesus Cristo”, é precisamente na Igreja Católica que
este contato se verifica. É em torno de Jesus,
na Santíssima Eucaristia, centro da nossa vida litúrgica, que gira a
espiritualidade católica, desde a criancinha com todo o ardor de sua
alma infantil se prepara para receber a Primeira Comunhão, até o
moribundo que, no seu leito de dores, recebe o Sagrado Viático,
aprovisionando-se para a jornada derradeira. O momento mais
sublime para o católico é sempre aquele em que, purificado até nos
mais íntimos pensamentos, recebe no seu peito o Divino Mestre, na
Santíssima Eucaristia, preparando-se assim para comparecer um
dia, na hora de sua morte, diante do Juiz Supremo, a quem nada é
oculto e que vai julgá-lo minuciosamente segundo todos os seus
pensamentos, palavras e obras. Sabe que neste exame justíssimo
serão considerados um por um todos os seus pecados, mas
também por outro lado o esforço que despendeu para retratá-los e
emendar-se deles, de acordo com os meios que lhe ministrou a
divina misericórdia, bem como todos os atos de virtude que praticou,
se é que morreu na graça e amizade de Deus. Está decretado aos
homens que morram uma só vez e que depois disto
(Hebreus IX-27). Importa que compareçamos diante do
tribunal de Cristo, para que cada um receba o galardão segundo o
que tem feito, ou bom ou mau, estando no próprio corpo (2ª
Coríntios V-10).

A vida, portanto, se lhe apresenta como uma luta contínua contra o


mundo, contra o demônio, contra si mesmo, uma busca incessante
da perfeição, para um dia lá em cima receber a coroa da bem-
aventurança. O estímulo para a virtude é muito diferente daquele
que possa sentir o protestante que desde o princípio de sua
conversão, já se julga com essa coroa na cabeça; já se tem na
conta de completamente purificado e se considera um privilegiado
que não vai submeter-se a nenhum julgamento, porque isto de
julgamento de Deus fica somente para os que não são
protestantes...

Sacramentalismo.

148. Ainda suposto que os protestantes resolvessem ensinar, com


todo o equilíbrio, como a Igreja ensina,
, , mesmo
assim faltariam ao protestantismo outros meios ordinários de
santificação: os , que a Bíblia nos aponta
como veículos da graça.

— Já vem o Sr. com esta antipática doutrina: o sacramentalismo!

— Que é que o amigo chama sacramentalismo? É a graça ser


conferida por meio de um rito, de uma cerimônia, não é assim?
Neste caso a doutrina do sacramentalismo existe na Bíblia. Mais
adiante neste livro, Você encontrará um capítulo inteiro sobre o
Batismo, outro sobre a Confissão, outro sobre a Eucaristia. São
sacramentos que necessitam de um estudo especial, porque são os
mais necessários para a salvação.

Mas, se quiser ver ainda na Bíblia mais outros exemplos do que


Você chama sacramentalismo, leia por obséquio o seguinte:
Então sobre eles, e recebiam o Espírito Santo
(Atos VIII-17);

Não desprezes que há em ti, que te foi dada por profecia


(1ª Timóteo IV-14).

Está entre vós algum enfermo? Chame os presbíteros da Igreja e


estes façam oração sobre ele, -
S ; e a oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o aliviará;
, - - (Tiago V-
14 e 15).

É isto que Você chama sacramentalismo. É ou não é? Tanto é, que


Você sabe muito bem a que sacramentos da Igreja a sua e nossa
Santa Bíblia aí se está referindo.

Conclusão.

149. Agora já percebemos todo o equilíbrio da doutrina ensinada


pela Igreja Católica.

Sustenta a necessidade da FÉ, mas FÉ na legítima significação do


termo, fé que precisa primeiro aderir à para guiar o homem
pelo legítimo e assim fazê-lo chegar à verdadeira .

Sustenta a necessidade da , sem a qual nada podemos no


plano da salvação e é ai que se salienta todo o valor do sacrifício
expiatório de Cristo, que nos alcançou esta , sem a qual
estaríamos irremediavelmente perdidos.

Não suprime, nem subestima, nem esconde com doutrinas


mascaradas a necessidade das nossas , da nossa
cooperação com a graça, embora seja esta cooperação também
ajudada pela graça divina.

E assim, sem cair na doutrina escandalosa dos Primeiros


Reformadores (o homem salvo com pecados e tudo e sem
arrependimento), sem cair também no sonho de muitos protestantes
atuais (uma Igreja constituída somente de pessoas confirmadas em
graça);

Sendo não só depositária da doutrina que recebeu da boca dos


Apóstolos e, por isto, única orientadora infalível na exegese da
Bíblia, mas também profunda conhecedora do que é nosso coração
humano, a nossa natureza frágil e decaída;

Só I é que vem ensinando desde os tempos de Cristo e


continua a ensinar, através dos séculos,
.
Segunda Parte
A minha Igreja
Capítulo Nono
A Igreja, sua pedra fundamental e seu
governo
A primazia de S. Pedro
A enumeração dos Apóstolos.

150. Desde que Nosso Senhor Jesus Cristo iniciou a pregação do


Evangelho, foi logo cuidando em organizar a sua Igreja. E o primeiro
passo para esta organização foi a escolha de 12 Apóstolos. Ora, um
fato que não se pode negar é a primazia exercida por S. Pedro
neste colégio apostólico.

Inúmeros atestados disto nos dá o Novo Testamento; um deles, por


exemplo, é a enumeração completa dos Apóstolos, a qual é
apresentada quatro vezes; em S. Mateus (X-2 a 4), em S. Marcos
(III-16 a 19), em S. Lucas (VI-13 a 16) e nos Atos dos Apóstolos (I-
13).

S. M
Pedro e André; Tiago de Zebedeu e João; Filipe e Bartolomeu;
Tomé e Mateus; Tiago de Alfeu e Tadeu; Simão Cananeu e
Judas Iscariotes.

S. M
Pedro e Tiago de Zebedeu e João e André e Filipe e
Bartolomeu e Mateus e Tomé e Tiago de Alfeu e Tadeu e Simão
Cananeu e Judas Iscariotes.
S. L
Pedro e André; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; Mateus e
Tomé; Tiago de Alfeu e Simão, o Zelador e Judas de Tiago e
Judas Iscariotes.
A
Pedro e João; Tiago e André; Filipe e Tomé; Bartolomeu e
Mateus; Tiago de Alfeu e Simão, o Zelador e Judaqs de Tiago.

Nestas enumerações logo se observa que dois Apóstolos não


mudam de lugar: o primeiro é sempre de Pedro, o último é sempre
de Judas Iscariotes, o indigno traidor; se este não vem mencionado
nos Atos, é porque no tempo de que fala a história já havia morrido.

Excetuando apenas Filipe que é sempre nomeado em 5º lugar, e


Tiago de Alfeu que é sempre posto no 9º, todos os outros Apóstolos
mudam de colocação.

Em segundo lugar: ora vem André; ora vem Tiago, filho de Zebedeu;
ora vem João.

Em terceiro lugar: ora João, ora Tiago de Zebedeu.

Em quarto lugar: ora João, ora André.

É evidente a preocupação de por Pedro sempre em primeiro lugar.

Pedro, o primeiro dos Apóstolos.

151. O melhor, porém, é que S. Mateus, ao enumerar os Apóstolos,


diz assim: Ora os nomes dos doze Apóstolos são estes: o
S , que se chama Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de
Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o
publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão Cananeu e Judas
Iscariotes que foi o que O entregou (Mateus X-2 a 4).

A palavra grega , aí traduzida por , tal como


acontece em português, tanto pode significar o primeiro
numericamente, como pode significar o primeiro na dignidade, na
excelência, nas honras, na qualidade.
Assim, quando Cristo diz aos Apóstolos: O que entre vós quiser ser
o , esse seja vosso servo (Mateus XX-27), aí não se refere
a primeiro na enumeração, mas sim a primeiro como superior dos
outros; e a palavra grega correspondente a esta palavra — primeiro
—é .

Um dos escribas perguntou a Jesus qual era o de todos


os mandamentos (Marcos XII-28). É claro que ele está perguntando,
não qual é o primeiro na ordem, mas qual é o mais importante. E a
prova é que Jesus lhe diz qual é o primeiro mandamento, e depois
qual é o segundo; e acrescenta: Nenhum outro mandamento há que
seja do que este (Marcos XII-31). Ora, qual é a palavra grega
que corresponde a em todo este trecho: o escriba
perguntou qual era o mandamento e Jesus lhe respondeu
que de todos o mandamento era este etc. etc.? É sempre
a palavra .

Na parábola do filho pródigo, o pai diz aos seus servos: Tirai


depressa o seu vestido e vesti-lho, e metei-lhe um anel no
dedo, e os sapatos nos pés (Lucas XV-22). Ora, é claro que aí não
se trata da roupa mais velha, da primeira (no tempo) que o filho
usou, mas sim da mais nobre, da mais rica, da mais excelente. E
como é que o grego designa o vestido? É com a palavra
.

Lê-se nos Atos dos Apóstolos: Naqueles lugares havia umas terras
do da ilha, chamado Públio, o qual, hospedando-nos em
sua casa, três dias nos tratou bem (Atos XXVIII-7). Esta palavra —
príncipe — é a tradução da palavra grega . O primeiro da
ilha era Públio, não porque os habitantes da ilha fossem numerados
como os sentenciados, os condutores de bonde ou os meninos de
colégio, mas porque ele era a entre os ilhéus.

Nos Atos ainda se lê: Os judeus concitaram a algumas mulheres


devotas e nobres e os da cidade (Atos XIII-50) e os
príncipes dos sacerdotes e os dos judeus acudiram a ele
contra Paulo (Atos XXV-2) passados três dias convocou Paulo os
dos judeus (Atos XXVIII-17). Em todos estes casos a
palavra é tradução da palavra grega .

De tudo isto se conclui que a palavra (no grego )é


frequentemente usada no Novo Testamento para exprimir o primeiro
na dignidade, na posição mais elevada, na excelência, embora
possa significar também o primeiro numericamente. Tal qual como
acontece na nossa língua. Um professor tanto pode dizer: este é
meu aluno — e logo se entende que é o aluno melhor da
classe, como numerar os seus discípulos numa fila e ir chamando-
os a dar lição: venha o primeiro; venha o segundo; venha o terceiro,
etc.

É o caso agora de se perguntar: quando S. Mateus diz que Pedro é


o apóstolo, quer dizer primeiro na dignidade ou primeiro
numericamente?

Para que fosse primeiro numericamente, era preciso que ele fosse
nomeado também o segundo, o terceiro, o quarto, etc. E, no
entanto, S. Mateus chama S. Pedro de primeiro e dos outros não diz
nada. E nas quatro enumerações os outros variam de colocação,
enquanto S. Pedro ocupa invariavelmente o primeiro lugar, vem
sempre à cabeça da lista.

Isto é muito significativo e por aí se verifica como são forçadas,


artificiais e improcedentes as alegações dos protestantes
procurando explicar porque Pedro aí é chamado o dos
Apóstolos.

Dizem uns: é chamado , quer dizer, o primeiro


cronologicamente a receber o convite do Mestre para segui-Lo.
Neste caso, se S. Mateus que apenas quis informar
12 (Ora os nomes dos doze Apóstolos são estes etc. — Mateus X-2)
os considerasse a todos iguais, para chamar de a Pedro,
precisava avisar previamente que ia enumerá-los pela ordem de
entrada ao serviço de Cristo, como faria qualquer bom escritor que
não quisesse mostrar em Pedro uma primazia.

Além disto, S. Mateus só podia dizer que Pedro era o primeiro a ter
sido chamado pelo Mestre, se Pedro tivesse sido chamado
. Ora, o que os Evangelhos nos ensinam é que
S. Pedro e S. André foram chamados na mesmíssima ocasião: E
passando ao longo do mar da Galileia, viu a Simão e a André, seu
irmão, que lançavam as suas redes ao mar (porque eram
pescadores). E disse-lhes Jesus: Vinde após mim e eu vos farei
pescadores de homens. E no mesmo ponto, deixadas as redes, O
seguiram (Marcos I-16 a 18).

Aliás, dos dois foi André o primeiro a ter contato e conhecimento


com o Mestre. S. João Batista estava com dois discípulos seus,
quando passou Jesus. E vendo a Jesus que ia passando, disse: Eis
ali o cordeiro de Deus. Então os dois discípulos, quando isto lhe
ouviram dizer, foram logo seguindo a Jesus. E Jesus, olhando para
trás e vendo que iam após Ele, disse-lhes: Que bucais vós?
Disseram-Lhe eles: Rabi (que quer dizer mestre), onde assistes tu?
Respondeu-lhes Jesus: Vinde e vede. Foram eles e viram onde
assistia e ficaram lá aquele dia: era então quase a hora décima. E
A , irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido o
que João dissera e que tinham seguido Jesus. Este encontrou
primeiro a seu irmão Simão e lhe disse: Temos achado ao Messias
(que quer dizer o Cristo). E levou-o a Jesus (João I-36 a 42).

Se S. Mateus quisesse referir-se à anterioridade na vocação, não


teria dito no singular: O Primeiro Pedro, mas no plural: Os primeiros
Pedro e André.

Dizem outros protestantes que Pedro é chamado o primeiro por ser


o mais velho. É uma afirmação meramente gratuita, porque não há
nenhuma passagem da Bíblia que nos assevere ter sido Pedro o
mais velho de todos. E se buscamos fora da Bíblia alguma
informação a respeito, encontramo-la em S. Epifânio (Haereses 51;
nº 17) que nos diz justamente o contrário, isto é, que André era mais
velho do que Pedro. É um autor do 4º século (n. 315 — m. 403),
porém, em todo caso, muito mais apto do que os protestantes de
hoje ou do século XVI, para nos transmitir uma informação dos mais
antigos. Além disto, se a enumeração dos Apóstolos fosse feita pelo
critério da idade, S. João Evangelista deveria estar lá no fim, pois
era o mais moço de todos. Foi o Apóstolo que sobreviveu por longos
anos aos seus companheiros, tendo escrito o Apocalipse lá pelos
últimos anos do 1º século.

Dizem outros que S. Pedro figura como primeiro por ter sido o
discípulo predileto do Mestre. Mas, de acordo com este critério, o
primeiro lugar caberia a S. João: Voltando Pedro viu que o seguia
aquele discípulo a quem Jesus amava, que ao tempo da ceia
estivera até reclinado sobre o seu peito (João XXI-20). E sobre este
discípulo que Jesus amava, S. João mesmo se declara ao findar o
seu Evangelho: Este é aquele discípulo que dá testemunho destas
coisas e que as escreveu (João XXI-24).

Por tudo isto que fica dito, já há autores protestantes como


Olshausen, Meyer, de Wette que estão de acordo em afirmar que
aquele significa o primeiro na dignidade e não só o
primeiro na ordem. Reconhecem assim a primazia de Pedro, porque
não há outro jeito diante desta afirmação tão clara de S. Mateus.

Pedro fala pelo colégio apostólico.

152. Mas não é só pelo fato de ser chamado o por


S. Mateus, que a primazia de Pedro se nos apresenta na Bíblia.

Vemos sempre S. Pedro falar em nome dos demais Apóstolos, do


mesmo modo que é muito comum, num grupo de homens, ter a
palavra aquele que, sendo o chefe ou o mais graduado, pode falar
em nome de todos.
Depois de anunciar, no capítulo 6º, que daria a sua carne para
comer, o que deu motivo a muitos discípulos não quererem mais
andar com Ele, Jesus fez uma pergunta aos 12 Apóstolos. Por isso
disse Jesus aos doze: Quereis vós outros também retirar-vos? (João
VI-68). Não foi preciso que todos respondessem; Pedro respondeu
por todos eles: E respondeu-Lhe Simão Pedro: Senhor, para quem
havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna;
crido e conhecido que tu és o Cristo, Filho de Deus (João VI-69 e
70). É como se diz na linguagem moderna: os Apóstolos falaram por
intermédio de seu .

Quando Jesus perguntou aos Apóstolos o que pensavam a respeito


do Filho do Homem: E vós quem dizeis que sou eu? (Mateus XVI-
15), foi outra vez o líder que falou em nome de todos eles: Tu és o
Cristo, Filho de Deus vivo (Mateus XVI-16).

Quando Jesus disse: Não é o que entra pela boca o que faz imundo
o homem; mas o que sai da boca, isso é o que faz imundo o homem
(Mateus XV-11), foi S. Pedro quem pediu em nome dos Apóstolos a
explicação desta parábola. E respondendo Pedro, Lhe disse:
- essa parábola (Mateus XV-15). E Nosso Senhor, em
resposta, não se dirigiu somente a Pedro, mas a todos eles, porque
em nome de todos é que Pedro tinha falado: Também vós
estais ainda sem inteligência? (Mateus XV-16).

Quando Jesus afirmou: Mais fácil é passar um camelo pelo fundo de


uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus (Mateus XIX-
24), os discípulos, ouvidas estas palavras, conceberam grade
espanto, dizendo: Quem poderá logo salvar-se? Porém Jesus,
olhando para eles, disse: Aos homens isto é impossível, mas a Deus
tudo é possível (Mateus XIX-25 e 26). Nesta ocasião, Pedro falou
mais uma vez em nome de todos: Eis aqui estamos nós que
deixamos tudo e te seguimos; que galardão será o nosso? (Mateus
XIX-27). E Jesus, respondendo não a Pedro em particular, mas a
todos os Apóstolos, respondendo a pergunta de Pedro que por eles
tinha falado, disse: Em verdade vos afirmo, que vós, quando no dia
da regeneração estiver o Filho do Homem sentado no trono da sua
glória, vós, torno a dizer, que me seguistes, também estareis
sentados sobre doze tronos, e julgareis as doze tribos de Israel
(Mateus XIX-28).

A posição de Pedro se mostra sempre assim, como a de líder, de


chefe, de intérprete dos sentimentos dos seus companheiros.

Pedro e os que com ele estavam.

153. Mais de uma vez se observa na Bíblia o seguinte: estando o


chefe acompanhado de seus subordinados, emprega-se somente o
nome do chefe, omitindo-se o nome dos outros: E soube Saul que
D tinha aparecido (1º Reis XXII-
6). Mas Jesus se retirou para a parte do
mar (Marcos III-7). Então houve no céu uma grande batalha: M
pelejavam contra o dragão (Apocalipse XII-7).

O mesmo se usa com S. Pedro com relação aos demais Apóstolos,


falando-se só nele e não nos outros: E levantando-se muito de
madrugada, saiu e foi a um lugar deserto, e foram-nO seguindo
S (Marcos I-35 e 36). Entretanto
P se tinham deixado oprimir do
sono (Lucas IX-32). Ide, e dizei a P que
Ele vai adiante esperar-vos em Galileia (Marcos XVI-7). Porém
P , , posto em pé, levantou a sua vós
(Atos II-14). Mas dando P a sua resposta A ,
disseram: Importa obedecer mais a Deus do que aos homens (Atos
V-29).

Atenções especiais a S. Pedro.

154. Jesus mostrou sempre para com S. Pedro uma atenção toda
especial. Já não falamos aqui na mudança de seu nome e nas
grandes prerrogativas de pedra fundamental da Igreja e seu Pastor
Universal, que vão ser assunto dos artigos seguintes.
Não só quando se deu a ressurreição da filha de Jairo (e não
permitiu que O acompanhasse nenhum, senão P e Tiago e
João, irmão de Tiago — Marcos V-37), como também no monte
Tabor, onde foi glorificado na sua transfiguração (toma Jesus a
P e a Tiago e a João, seu irmão, e os leva à parte de um alto
monte e transfigurou-se diante deles — Mateus XVII-1 e 2), como no
jardim de Getsêmani (e tendo tomado consigo a P e aos dois
filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e angustiar-se —
Mateus XXVI-37), Jesus levou somente os 3 discípulos: Pedro,
Tiago e João; e os Evangelistas, ao narrarem tais fatos,
invariavelmente nomeiam a Pedro em primeiro lugar.

Na borda do lago de Genesaré, Jesus viu duas barcas, mas deu


preferência a barca de Pedro para daí doutrinar as multidões: E
entrando em uma destas barcas, S , lhe rogou
que o apartasse um pouco da terra. E estando sentado,
(Lucas V-3). Depois deu ordem a Simão,
para que conduzisse a barca mais para o alto mar. Disse a Simão:
Faze-te mais ao largo (Lucas V-4). A pesca feita nessa ocasião é
maravilhosa. E Pedro, espantado com o prodígio, lança-se aos pés
de Jesus: Retira-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador
(Lucas V-8), porque o espanto o tinha assombrado a ele e a todos
os que se achavam com ele, de ver a pesca de peixes que haviam
feito (Lucas V-9). Mas, apesar de estarem ali presentes Tiago e
João, Jesus diz diretamente a Pedro que ele vai tornar-se pescador
de homens: Mas Jesus disse a Simão: Não tenhas medo; desta
hora em diante (Lucas V-10).

É claro que ninguém vai concluir daí que Tiago e João e os demais
Apóstolos não tenham sido também pescadores de homens. Mas,
se o próprio Jesus compara aquela pesca maravilhosa com a pesca
espiritual que vai ser realizada pela Igreja, não será de forma
alguma forçar o sentido desta bela passagem do Evangelho, ver em
tudo que aconteceu naquela hora, um símbolo da Igreja que havia
de ser empenhada na conquista de almas. É da barca de Pedro, isto
é, da Igreja, que Jesus ensinará ao povo, pois daqui a pouco
veremos Jesus dizer que vai construir a sua Igreja sobre a pedra
que é Pedro (Mateus XVI-18), Jesus manda a Pedro que leve a
barca até o alto mar, o que simboliza a Igreja sob a direção de
Pedro em luta contra os perigos e as tempestades, mas sempre
firme, porque as portas do inferno não prevalecerão contra ela
(Mateus XVI-18). A pesca maravilhosa, conforme insinuou o próprio
Cristo, simboliza a conversão das almas para o reino de Deus. E se
a Pedro somente, na presença dos outros, Cristo diz que será
pescador de homens, é que os outros hão de pescar homens sob
seu governo, sob a sua direção, pois a Pedro individualmente é que
Jesus dirá: Apascenta os meus cordeiros... Apascenta as minhas
ovelhas (João XXI-15, 16, 17).

Quando apareceram os cobradores de imposto das dracmas, Jesus


mandou a Pedro que procurasse pagá-lo por Ele, Jesus, e por si
próprio, sem mencionar os demais Apóstolos. Isto significa a
especial união que há entre Cristo e Pedro, bem como que Pedro
representa os seus companheiros. Disse Cristo a Pedro: Vai ao mar
e lança o anzol; e o primeiro peixe que subir, toma-o; abrindo-lhe a
boca, acharás dentro um estáter, tira-o e dá-lho
(Mateus XVII-26). Aí termina o capítulo XVII de S. Mateus. A
distinção dada a Pedro nesta ocasião é tão evidente, que não
passou despercebida aos outros Apóstolos. E o capítulo XVIII
começa assim: Naquela hora, chegaram-se a Jesus os seus
discípulos, dizendo: Quem julgas tu que é no reino dos
Céus? (Mateus XVIII-1).

Depois da ascensão.

155. Depois da subida de Jesus para o Céu, os Apóstolos haviam


de reunir-se para receber o Espírito Santo. Mas era preciso procurar
um substituto para Judas, que se havia enforcado. Quem tomou a
iniciativa dessa substituição? Naturalmente o chefe dos Apóstolos,
que era S. Pedro. Naqueles dias, levantando-se Pedro no meio dos
irmãos (e montava a multidão dos que ali se achavam juntos a
quase cento e vinte pessoas) disse: Varões irmãos, é necessário
que se cumpra a Escritura que o Espírito Santo predisse por boca
de Davi acerca de Judas... Porque escrito está no livro dos Salmos:
Fique deserta a habitação deles e não haja quem habite nela; e
receba outro o seu bispado (Atos I-15 e 16; 20). É como o
presidente de uma associação providenciando para a eleição de um
membro da diretoria.

Com a vinda do Divino Espírito Santo, todos receberam o dom das


línguas e isto chamou logo a atenção dos judeus. Era preciso dirigir
a palavra à multidão que se encontrava em Jerusalém. Se os
Apóstolos não tivessem um chefe, como se saberia quem haveria
de dirigir a palavra, se todos estavam bem capacitados para isto,
com as luzes do Espírito Santo? Entretanto, não houve nenhuma
dúvida. Naquela hora soleníssima em que ia iniciar-se a propagação
da Igreja, P , em companhia dos onze, posto em pé, levantou a
sua voz e lhe falou assim: Varões da Judeia e todos os que habitais
em Jerusalém, seja-vos isto notório e com ouvidos atentos percebei
as minhas palavras (Atos II-14). Depois de Pedro falar, ninguém lhes
falou. E no fim do discurso, os ouvintes ficaram compungidos no seu
coração e disseram a Pedro e aos mais Apóstolos: Que faremos
nós, varões irmãos? (Atos II-37). A pergunta é feita aos doze, mas é
Pedro quem manda, quem orienta, quem esclarece: P então
lhes respondeu: Fazei penitência e cada um de vós seja batizado
em nome de Jesus Cristo para remissão de vossos pecados; e
recebereis o dom do Espírito Santo (Atos II-38). É Pedro assim que
dá início com esta primeira pregação, e de uma maneira brilhante, à
obra vastíssima de conquista das almas, que a Igreja havia de
exercer através dos séculos: e ficaram agregadas naquele dia perto
de três mil pessoas (Atos II-41).

Pouco tempo depois, foram Pedro e João ao templo de Jerusalém, e


Pedro curou o homem coxo que mendigava à porta do templo
chamada Especiosa. Se houvesse perfeita igualdade entre os
Apóstolos, como querem os protestantes, era natural que João
desta vez tomasse a palavra. Mas foi ainda Pedro quem falou e fez
uma nova pescaria espiritual: Muitos daqueles que tinham ouvido a
pregação creram nela e chegou o seu número a cinco mil pessoas
(Atos IV-4).

Tendo Pedro assim esta parte preponderante na pregação, como a


pregação dos Apóstolos nos princípios da Igreja devia ser
prestigiada pelos milagres, é nos milagres também que Pedro se
sobressai: E cada vez se aumentava mais a multidão dos homens e
mulheres que criam no Senhor; de maneira que traziam os doentes
para as ruas e os punham em leitos e enxergões, a fim de que, ao
passar P , cobrisse sequer a sua sombra alguns deles e
ficassem livres das suas enfermidades. Assim mesmo concorriam
enxames deles das cidades vizinhas a Jerusalém, trazendo os seus
enfermos e os vexados dos espíritos imundos; os quais todos eram
curados (Atos V-14 a 16).

E a ação de Pedro foi considerada de tanta importância para a


Igreja que, quando ele foi preso, caindo assim em perigo de morte,
pois Tiago já tinha sido sacrificado à fúria de Herodes, logo a Igreja
em peso se pôs a orar continuamente por ele: E Pedro estava
guardado na prisão a bom recado. Entretanto pela Igreja se fazia
sem cessar oração a Deus por ele (Atos XII-5).

Foi como chefe da Cristandade, que S. Pedro começou a visitar as


várias Igrejas: Tinha então paz a Igreja por toda a Judeia e Galileia
e Samaria; e se propagava caminhando no temor do Senhor e
estava cheia da consolação do Espírito Santo. Aconteceu, pois, que
andando P , chegou aos santos que
habitavam em Lida (Atos IX-31 e 32). Era o que se pode chamar
a todas as comunidades cristãs.

Bem se mostra ainda a preeminência de Pedro no episódio de


Ananias que com sua mulher Safira, vendeu um campo e com
fraude usurpou certa porção do preço do campo, consentindo-o sua
mulher; e levando uma parte, a pôs A (Atos
V-2). Aos pés dos Apóstolos tinham levado a sua oferta e, no
entanto, quem falou por eles foi S. Pedro: E disse Pedro: Ananias,
por que tentou Satanás o teu coração, para que tu mentisses ao
Espírito Santo e reservasses parte do preço do campo? (Atos V-3).

Da mesma forma, quando Pedro e João foram a Samaria, e Simão,


o Mago, lhes ofereceu dinheiro para conseguir o poder de impor as
mãos fazendo receber o Espírito Santo, João nada disse, porque a
Pedro, como chefe, é que competia decidir. Mas Pedro lhe disse: O
teu dinheiro pereça contigo, uma vez que tu te persuadiste que o
dom de Deus se podia adquirir com dinheiro. Tu não tens parte nem
sorte alguma que pretender neste mistério, porque o teu coração
não é reto diante de Deus (Atos VIII-20 e 21).

A atuação no concílio de Jerusalém.

156. Foi S. Pedro que recebeu um aviso do Céu (Atos X-9 a 16)
para atender ao chamado de Cornélio, fazer sua pregação a ele e a
toda sua família e vê-los receber o Espírito Santo. Este privilégio lhe
foi concedido por duas razões: primeiro porque competia a ele,
como chefe da Igreja ser o primeiro a anunciar o Evangelho aos
gentios, como tinha sido o primeiro a anunciá-lo aos judeus, no dia
de Pentecostes; segundo porque devia ser orientado para decidir,
como chefe da Igreja, a questão dos judaizantes que haveria de ser
proposta no Concílio de Jerusalém. Aí a sua atuação foi decisiva.
Coube-lhe, uma vez que era chefe, a primeira palavra. Sua decisão
resolveu a controvérsia, porque, depois que ele falou, se acabou
qualquer discussão: (Atos XV-
12). Se Tiago falou depois, foi para apoiar a palavra do chefe: Simão
tem contado como Deus primeiro visitou aos gentios, para tomar
deles um povo para o seu nome. E com isto as
palavras dos profetas (Atos XV-14 e 15). E foi dentro da solução já
apresentada por S. Pedro que S. Tiago fez a sua proposta sobre o
sacrificado aos ídolos, o sangue e as carnes sufocadas, etc. (Atos
XV-20), proposta esta que foi aceita por todos; e foi em nome de
todos os Apóstolos e presbíteros que a decisão foi tomada: Os
Apóstolos e os Presbíteros irmãos, àqueles irmãos convertidos, etc.
(Atos XV-23). Se pelo simples fato de um sócio, embora graduado,
numa reunião qualquer, fazer uma proposta e ser aceita por todos,
já se torna o presidente daquela sessão, então tem razão os
protestantes em teimar que S. Tiago foi o presidente do Concílio de
Jerusalém...

Mais provas nas epístolas.

157. São inúmeros, portanto, os indícios da primazia de S. Pedro


que nós encontramos nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos.
Mas, como acontece com toda pessoa que tem má vontade em
aceitar aquilo que a gente prova, mesmo com abundância de
argumentos, os protestantes se mostram e notam que
não é com a mesma frequência que as Epístolas trazem provas da
prioridade de S. Pedro. Mas isto se explica facilmente: Os
Evangelhos e os Atos são livros históricos; procuram contar mais ou
menos, com relação aos fatos principais, tudo quanto se passou e aí
aparece frequentemente a figura do líder ou do chefe. Porém, as
Epístolas são diversas escritas de acordo com as
necessidades do momento, para corrigir determinados abusos, ou
para combater certas heresias; são escritos doutrinários que visam,
sobretudo, instruir os homens quanto à fé em Jesus Cristo; é natural
que não precisem estar aludindo à autoridade de Pedro; para
ensinar-lhes a doutrina do Evangelho, qualquer Apóstolo, por mais
humilde que fosse, estava otimamente capacitado, uma vez que
todos para isso haviam recebido em abundância o Espírito Santo.
Suponhamos, por exemplo, uma nação: é natural que os seus
historiadores façam alusão frequentemente ao nome de seu chefe:
rei ou presidente da República. Mas pessoas que escrevem cartas,
mesmo que sejam pessoas da alta roda, podem muito bem não
precisar fazer referências ao chefe da nação.

Embora não falem com tanta frequência sobre S. Pedro, as


Epístolas se encarregam de aumentar a coleção de argumentos que
já temos nos Evangelhos e nos Atos, sobre a sua primazia.
Por exemplo: por onde é que sabemos que Nosso Senhor deu a
S. Pedro uma distinção toda especial, depois da ressurreição,
reservando uma aparição especialmente para ele, para só depois
aparecer aos demais Apóstolos? Sabemos isto por S. Lucas (XXIV-
34) e também por S. Paulo que no-lo disse com destaque em uma
de suas Epístolas: Desde o princípio eu vos ensinei o mesmo que
havia aprendido: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo
as Escrituras: e que foi sepultado e que ressurgiu ao terceiro dia,
segundo as mesmas Escrituras; e que foi visto C ,
, (1ª Coríntios XV-3 a 5).

Já apontamos, como uma das amostras da importância de S. Pedro,


o fato de se nomear Pedro e não os outros, quando se fala sobre
todos os Apóstolos ou sobre um grupo deles. S. Paulo faz o mesmo:
Acaso não temos nós poder para levar por toda a parte uma mulher
irmã, assim como também os outros Apóstolos, e os irmãos do
Senhor e C ? (1ª Coríntios IX-5).

Para conhecer ainda a grande consideração do Apóstolo S. Paulo


para com S. Pedro, basta observar o que aquele diz em Gálatas I-
18. S. Paulo mostra que não teve contato com nenhum dos
Apóstolos para aprender deles a sua doutrina, mas revela que fez
uma viagem a Jerusalém exclusivamente para ver a Pedro,
demorando-se quinze dias em sua companhia. Não precisava
aprender dele a doutrina do Evangelho, pois Jesus Cristo já o havia
iluminado, mas precisava honrar o Príncipe dos Apóstolos e acertar
com ele os planos para o seu futuro apostolado. Indo a Jerusalém,
para ver a Pedro, naturalmente viu também a Tiago que era bispo
daquela cidade: Parti para a Arábia e voltei outra vez a Damasco;
dali no fim de três anos, vim a Jerusalém P
(Gálatas I-17 e 18).

O próprio incidente entre S. Pedro e S. Paulo, a que já nos referimos


(nº 118), tão invocado pelos protestantes para tentar diminuir a
autoridade de Pedro, serve, ao contrário, para fazer salientar esta
mesma autoridade. Se S. Paulo resistiu a S. Pedro, não foi
desobedecendo a nenhuma ordem emanada do chefe, nem também
discordando da sua doutrina, pois S. Pedro ,
; e a doutrina de ambos era a mesma sobre o
assunto, como o era em tudo o mais. S. Pedro limitara-se apenas a
retrair-se do convívio dos gentios, para não chocar os judeus que
tinham acabado de chegar. S. Paulo viu que este retraimento iria dar
mal resultado. Teve que chamar-lhe a atenção para este perigo.
Segue-se daí que S. Pedro não tivesse a primazia entre os
Apóstolos ou não fosse o chefe da Igreja? Quando o Papai ou a
Mamãe ou um Superior estão seguindo um caminho que não está
muito certo, quem há de tomar coragem e adverti-los, em falta de
outra pessoa que possa fazê-lo, senão os próprios filhos ou
inferiores?

Mas por que este simples fato de retrair-se daqueles com quem
tivera convivência se tornou uma , a ponto de
S. Paulo ver aí um grave prejuízo para a Igreja?

Uma pessoa que não tenha grande valor nem posição muito
elevada, ninguém está prestando atenção nem ninguém se está
incomodando porque esta pessoa conviva ou deixe de conviver com
A ou B. Mas com Pedro foi diferente: bastou que ele se retraísse do
convívio com os gentios, para arrastar muita gente com seu
exemplo, inclusive o próprio Barnabé, no momento tão ligado a
S. Paulo e que tanto já se havia sobressaído na luta contra os
judaizantes. E é interessante notar como S. Paulo acusa a S. Pedro
de estar, pelo simples fato de retrair-se da convivência com os
gentios, - a judaizar: Se tu, sendo judeu, vives como
os gentios, e não como os judeus, por que tu os gentios a
judaizar? (Gálatas II-14). Se S. Pedro obrigava, não com palavras,
pois ele nada disse sobre este assunto; estava obrigando
indiretamente, porque era grande o peso de seu exemplo, de sua
autoridade, como chefe que era, da Igreja [14].

Muitas provas demos, até agora, da primazia de São Pedro. Tudo


isto, porém, não é nada em comparação com o que vai dizer, com
suas palavras eternas e infalíveis, o próprio Divino Mestre; vamos,
portanto, analisar a primazia de Pedro na sua genuína fonte, isto é,
nas prerrogativas que lhe foram concedidas diretamente pelo
próprio Jesus.

Notas (pular)

[14] Os protestantes costumam alegar contra o primado de Pedro a palavra de


S. Paulo na Epístola aos Gálatas, na qual diz que Tiago e Cefas e João
(Gálatas II-9) da Igreja; ora, dizem eles, se
pareciam é porque não eram as colunas da Igreja.

— Para se ter uma ideia exata do pensamento de S. Paulo é preciso examinar


o texto original grego, ver qual é a palavra que aí corresponde ao nosso verbo
. Então se verá que o verbo correspondente no grego tem um
sentido mais amplo, pois pode equivaler ao nosso , mas pode
ter também outro sentido.

D = parecer, ter a aparência de.

D = ser considerado como, ser reputado como.

Podem-se ver os bons dicionários de Bailly e de Zorell.

Na nossa própria língua, quando se diz: Aquele rapaz me parece muito


competente — não se quer dizer que ele não o seja, mas se quer dizer
apenas: Eu o reputo, eu o considero muito competente.

Podemos mostrar em outras duas passagens no Novo Testamento o verbo


empregado nesta segunda acepção, e não na primeira, de mera
aparência. Assim se lê em S. Lucas que houve uma disputa entre os
Apóstolos: Excitou-se também entre eles a questão sobre qual deles devia
o maior (Lucas XXII-24). Ora, é claro que cada Apóstolo não queria
apenas o maior, queria , por todos
como o maior. E, no entanto, no texto grego aquele verbo -
é expresso pelo verbo : (qual) (deles) (é
considerado) (ser) (maior).

Também há outra palavra de Cristo em S. Marcos que diz assim: Vós sabeis
que os que entre os povos, esses são os que os dominam, e
que os seus príncipes têm poder sobre eles (Marcos X-42). Ora, é claro que
Jesus aí não fala de homens que reinar, mas os que reinam
realmente e dominam e têm poder. No entanto, o texto grego traz o verbo
: (aqueles que são considerados) (imperar)
(sobre os povos) (dominam) (sobre
eles).

O próprio contexto da Epístola aos Gálatas mostra claramente que S. Paulo


está provando que tem autoridade também para ensinar aos fiéis e para
combater os judaizantes, porque, diz ele, Tiago, Cefas e João que
as colunas da Igreja conheceram a graça que se me havia
dado, deram as destras a mim e a Barnabé em sinal de companhia, para que
nós fôssemos aos gentios, e eles à circuncisão (Gálatas II-9). Sutilmente
Paulo está insinuando que também ele e Barnabé são colunas da Igreja.
Diminuir a autoridade de Tiago, Cefas e João seria no caso diminuir também a
própria.

De tudo isto se tiram duas conclusões. Uma é que a tradução do Padre


Pereira não foi muito feliz. A Bíblia do Pe Matos Soares e a edição do Novo
Testamento de Mons. Dr. José Basílio Pereira trazem uma versão mais fiel:
Tiago e Cefas e João que as colunas... deram as mãos
a mim e a Barnabé (Gálatas II-9). A outra é que nem sempre se pode ter uma
ideia exata do que diz a Bíblia sem se conhecer perfeitamente o hebraico e o
grego, línguas originais em que foi escrita e por isto está sempre sujeita a
algum engano uma pessoa que se limita a estudar o texto que possui em
língua vernácula.

Outra objeção que também nada prova, diante dos textos tão evidentes que
demonstram a preponderância de S. Pedro, é a que tiram os protestantes do
seguinte versículo dos Atos: Os Apóstolos, porém, que se achavam em
Jerusalém, tendo ouvido que a Samaria recebera a palavra de Deus,
- lá a P e a João (Atos VIII-14). Ora, dizem os
protestantes, se mandaram a Pedro, é porque Pedro não era o chefe.

— Primeiro que tudo, existe aí uma confusão com o verbo , que em


português tem dois sentidos:

M = ordenar, impor, preceituar.

M = enviar, remeter.

O verbo correspondente no grego é neste versículo, que sempre


quer dizer e nunca .
Os apóstolos se reúnem e a Pedro e João a Samaria. Segue-se daí
que Pedro não seja o chefe deles? Absolutamente não. Porque é muito
comum numa associação ou numa assembleia qualquer, ficar assentado que
deve ser enviado, para exercer determinada missão, um grupo de dois ou
mais membros e em vista da importância de tal missão, deliberar-se também
que o presidente faça parte desta representação enviada. Se o presidente
acede, ele vai à testa da mesma. Foi o que se deu precisamente no nosso
caso. S. Lucas nos Atos dos Apóstolos já nos dá tantas provas da supremacia
de S. Pedro, que não precisava estar usando amplas explicações para
salvaguardar esta supremacia.

Também na própria Bíblia se lê que tendo ouvido os filhos de Israel...


congregaram-se todos em Silo para marcharem e pelejarem contra eles. E,
entretanto lhes à terra da Galaad a Fineias, filho do sacerdote
Eleazar e com ele, cada um de sua tribo (Josué XXII-11,
12 e 13).

Igualmente o historiador Flávio Josefo narra que os judeus enviaram a Nero o


sumo Sacerdote Ismael com os “dez primeiros” de sua gente (Ant. jud. XX,
VIII, 11 § 194). (voltar)
Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha
Igreja
Simão recebe um novo nome.

158. Um dia Nosso Senhor teve ocasião de frisar o contraste entre


o homem sábio que a sua casa sobre a ; e veio a
chuva e transbordaram os rios e assopraram os ventos e
combateram aquela casa, e ela não caiu porque estava
sobre (Mateus VII-24 e 25) e o homem sem consideração
que edificou a sua casa sobre areia; e veio a chuva e transbordaram
os rios e assopraram os ventos e combateram aquela casa, e ela
caiu e foi grande a sua ruína (Mateus VII-26 e 27).

Ora, Nosso Senhor mesmo nos ensina que a sua obra, fundando e
organizando a Igreja, é semelhante à obra de um homem que
levanta um edifício: a minha Igreja (Mateus XVI-18).

Foi por isto que Ele, logo quando viu a Pedro pela primeira vez,
depois de olhar para o seu futuro Apóstolo de uma maneira tão
significativa e profunda, que o Evangelista registrou este olhar, lhe
mudou o nome de Simão para Cefas. E Jesus, depois de
para ele, disse: Tu és Simão, filho de Jona; tu serás chamado Cefas,
que quer dizer Pedro (João I-42).

Se Jesus fosse um simples homem, não deixaria de causar


estranheza o fato de um homem ver a outro pela primeira vez e ir
imediatamente mudando o seu nome. Mas Jesus era Deus.
Conhecia perfeitamente todos os segredos das almas e todos os
acontecimentos do futuro. Sabia muito bem o que fazer. E também
não fazia nenhuma ação inútil, nem sem significação.

Nem era a primeira vez, na Bíblia, que Deus mudava o nome de


uma pessoa, antes de lhe confiar uma missão importante. O mesmo
acontecera com Abraão. A princípio ele se chamava Abrão que quer
dizer pai excelso, ou que pensa em coisas excelsas. Deus lhe
mudou o nome para Abraão, isto é, pai de uma excelsa multidão, ou
pai de muitos excelsos: Daqui em diante não te chamarás mais
Abrão; mas chamar-te-ás Abraão,
. E farei crescer a tua posteridade
infinitamente e te farei chefe das nações e de ti sairão reis (Gênesis
XVII-5 e 6). “O nome de Abraão, observa S. João Crisóstomo, é
como a coluna em que Deus inscreve para a eternidade a promessa
da posteridade e de uma prole fiel e eleita”.

Ora, na língua que Nosso Senhor falava, ou seja, o aramaico ou


sírio-caldaico, a mesma palavra K com que Nosso Senhor
designou a Simão, tanto quer dizer Pedro, como quer dizer pedra,
sem sofrer a menor alteração. O mesmo acontece na língua
francesa em que P serve para designar um homem chamado
Pedro, como serve também para designar pedra. Um caso
semelhante acontece na nossa língua, em que um homem pode ser
conhecido por Rocha (Sr. Rocha, Dr. Rocha) e a mesma palavra
Rocha quer dizer pedra.

Por isto, tanto o Evangelista podia ter dito: tu serás chamado Cefas
que quer dizer Pedro, como ter dito: tu serás chamado Cefas que
quer dizer pedra; porque Cefas significava uma coisa e outra.
Preferiu dizer que Cefas significava Pedro, para mostrar a que nome
próprio de pessoa correspondia o nome imposto a Simão.

Jesus não explicou na mesma hora qual o motivo por que fazia
aquela mudança de nome; era cedo ainda para isto, deixou para
explicá-lo solenemente mais tarde, como verdadeiro prêmio de uma
bela profissão de fé.

Pedro, pedra fundamental da Igreja.

159. Um dia Jesus faz aos seus discípulos uma pergunta: quer
saber o que é que dizem os homens a respeito dEle: Quem dizem
os homens que é o Filho do Homem? (Mateus XVI-13). E eles
responderam: Uns dizem que é João Batista, mas outro que Elias, e
outros que Jeremias ou algum dos profetas (Mateus XVI-14). Mas
Jesus lhes perguntou: E vós quem dizeis que sou eu? (Mateus XVI-
16). A questão foi, portanto, apresentada por Jesus de propósito, de
ânimo pensado, a fim de provocar a confissão de Pedro. Os outros
Apóstolos calam e hesitam, com receio de dizer alguma coisa que
não seja bem expressiva, que não seja inteiramente exata. Pedro,
porém, o mais fervoroso, o mais decidido, o mais ilustrado por Deus,
antes que alguém dê uma resposta fraca e inadequada e falando
com a convicção de que se reveste o bom aluno quando sabe muito
bem qual a resposta que quer o seu mestre, responde por todos
eles: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo (Mateus XVI-16). Tu és o
Cristo, ou seja, és o Messias Prometido. És mais que isto: é o Filho
de Deus vivo, Segunda Pessoa igual ao Pai, Filho de Deus por
natureza.

Cristo gostou imensamente da resposta de Pedro, a qual era um


sinal de que Deus iluminava de maneira toda particular aquele
espírito simples e bem formado de rude pescador. E já que Pedro
disse tão brilhantemente quem é Cristo, qual é a sua missão, qual é
a sua grandeza, Jesus Cristo vai dizer, em retribuição, quem é
Pedro, qual o seu cargo, quais são as suas prerrogativas. Pedro é a
pedra sobre a qual Jesus vai construir a sua Igreja; vai ter nesta
Igreja o supremo poder, pois Cristo lhe dará as chaves do Reino dos
Céus, com plenos poderes para ligar e desligar.

Desde que, como dissemos, na língua que Jesus falava, a mesma


palavra K quer dizer Pedro e quer dizer pedra, percebe-se
perfeitamente o trocadilho usado por Nosso Senhor: Tu és Pedro e
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, trocadilho este que se
exprime exatamente na língua francesa:

Tu és P et sur cette Pierre je bâtirai mon Église.

O siríaco é uma língua irmã do sírio-caldaico ou aramaico, que


Jesus falou, de modo que diz o comentador M. J. Lagrange: “As
versões siríacas têm muito grande importância para a exegese do
Novo Testamento, porque de um certo modo nos fornecem a
expressão primitiva dos catequistas e sobretudo das palavras de
Nosso Senhor”. Pois bem, as versões siríacas, tanto a chamada
Peshitta que é usada oficialmente pelos cristãos sírios, católicos e
acatólicos, como a chamada Cureton pelo nome daquele que a
descobriu e divulgou, trazem a mesma forma para as duas palavras:
Pedro e pedra; pois no siríaco (língua, repetimos, muito semelhante
àquela que Jesus falou) K é Pedro e é pedra. Na versão
persa e na etiópica também é exatamente a mesma palavra para
designar Pedro e para designar pedra, mostrando-se, assim, o
trocadilho tão perfeitamente como se mostra no francês.

Embora a nossa língua não exprima com tanta perfeição, como o


francês, o trocadilho usado por Nosso Senhor, todavia quem lê o
texto português o percebe logo facilmente, pois entre nós até as
crianças sabem que Pedro quer dizer — pedra. Também no grego o
substantivo apelativo quer dizer pedra. Veja-se no dicionário
de Bailly que assinala pedra, rochedo (Pierre, rocher) como os dois
únicos significados desta palavra. Se o intérprete grego chamou a
Pedro P e não , é porque no grego os nomes próprios
masculinos terminam em regra geral em as, es, is, os, us.

O que se deu na língua falada por Nosso Senhor foi o que se teria
dado na nossa língua. Por exemplo, se um homem tivesse imposto
a outro o nome de Rocha, para depois dizer-lhe abertamente: Tu és
e sobre esta é que vou edificar a associação que
quero instituir. Sendo que nos lábios de Nosso Senhor o trocadilho
ainda foi mais perfeito, porque em sírio-caldaico ou aramaico a
palavra é sempre masculina, ou signifique Pedro, ou
signifique Pedra: Tu és K e sobre edificarei a
minha Igreja.

É natural a luta dos hereges para tentar desfazer o valor deste texto,
de suma importância para se conhecer qual é a verdadeira Igreja,
porque, como diz o teólogo acatólico Palmer: “A doutrina a respeito
do primado do Bispo de Roma sobre a Igreja Universal é o eixo, em
torno do qual giram todas as controvérsias entre a Igreja Romana e
as demais Igrejas, porque se Cristo Nosso Senhor instituiu um
primado ex-ofício de algum Bispo na Igreja Católica, primado este
que deva perdurar, e se este primado o herdou o Bispo de Roma,
daí se segue que a Igreja Universal se reduz a uma só Igreja, de
obediência romana; e os concílios, doutrina e tradição desta Igreja,
são revestidos de autoridade para todo o mundo cristão” (p. 7 de
Romano Pontífice c. 1).

Nada mais compreensível, portanto, do que o esforço dos


protestantes, procurando violentar o texto, querendo afirmar que
aquelas palavras se referem a todos os Apóstolos, pelo fato de ter
falado Pedro em nome de todos eles; — ou que se referem à fé, e
não a Pedro; — ou que aquela pedra, de que aí se trata não é
Pedro, mas o próprio Cristo.

Mas Nosso Senhor faz tudo sempre bem feito. Ele tomou tantas
precauções para mostrar que se referia diretamente e
exclusivamente à pessoa de Pedro, que, como observa o Cardeal
Mazzella, “os notários, quando fazem documentos públicos e
querem designar uma certa e determinada pessoa, não usam de
mais minúcias do que usou Jesus Cristo”.

Bem-aventurado S , J (Mateus XVI-17). Cristo


lhe dá o nome de nascimento e lhe acrescenta o nome do pai, para
não se confundir com outros;

porque não foi a carne e sangue quem revelou, mas sim meu Pai
que está nos Céus — fala numa revelação oculta feita diretamente a
Pedro;

Cristo vai fazer também a Pedro uma revelação e continua


insistentemente tratando por , insistentemente mostrando que fala
só a Pedro: Também eu digo que Pedro (Mateus XVI-18)
— para que ainda não se confunda com nenhum outro, acrescenta-
lhe o nome especial que deu a Simão e vai explicar o motivo porque
lhe impôs este nome;

e sobre edificarei a minha Igreja e as portas do inferno


não prevalecerão contra ela — a palavra mostra claramente
que Ele se refere a um termo usado anteriormente, que no caso é o
termo Pedro que quer dizer: Pedra (Pedro e pedra eram a
mesmíssima palavra na língua que Jesus estava falando);

e continua Cristo dirigindo-se exclusivamente a Pedro, como se


prova pelo contínuo emprego de : E eu darei as chaves do
reino dos Céus; e tudo o que sobre a terra será ligado
também nos Céus, e tudo o que sobre a terra será
desatado também nos Céus (Mateus XVI-19).

Os protestantes passaram muito tempo sustentando que na frase —


sobre esta pedra edificarei a minha Igreja — esta pedra se referia a
Cristo e não a Pedro. Depois é que muitos deles resolveram desistir
dessa interpretação, por eles mesmos considerada antigramatical e
por demais torcida e ilógica.

No meio de um discurso que se refere, todo ele, a Pedro (Bem-


aventurado és... Eu te digo... Tu és Pedro... Eu te darei... Tudo
quanto ligares) aquela expressão — sobre esta pedra — só podia
referir-se a Simão, que por Cristo foi chamado especialmente
, isto é, pedra. Do contrário Cristo estaria ludibriando a
S. Pedro; deu-lhe o nome de pedra, mas Pedro não o seria. Cristo o
teria chamado pedra só para levá-lo na troça; na hora de explicar
por que motivo lhe dera este nome, teria dito que a pedra era só Ele,
Cristo e ninguém mais.

Além disto, para justificar a sua interpretação, os protestantes são


obrigados a inventar uma hipótese que não consta absolutamente
no texto, ou seja, que Jesus dizendo — esta pedra —
. Além da falta de nexo, de ligação entre as
palavras: Eu te digo que és Pedro — e as outras: sobre esta
pedra que sou eu (é claro que devia ser: que és tu) edificarei a
minha Igreja; como provam os protestantes, os quais admitem só o
que está na Bíblia, que Cristo apontou com o dedo para si próprio?

Respondem eles: Isto não é preciso provar, porque também Cristo


disse: Desfazei este templo e eu o levantarei em três dias (João II-
19), certamente apontou para si próprio e o Evangelista não o diz.

— Sim, o Evangelista não disse que Cristo apontou para si próprio,


porém fez ainda melhor: explicou bem claramente a que templo se
referia Jesus: Mas Ele falava do templo de seu corpo (João II-21).
Se Cristo dizendo — sobre esta pedra — se referisse a si próprio,
S. Mateus deveria explicá-lo claramente, porque dentro daquelas
palavras, todas dirigidas exclusivamente a S. Pedro, não haveria
ninguém de bom senso que fosse capaz de decifrar semelhante
enigma.

Um texto que não vem ao caso.

160. Para confirmar a sua forçadíssima interpretação, surgem


vitoriosamente os protestantes com um texto de S. Paulo: E esta
pedra era Cristo (1ª Coríntios X-4).

Eis aí um , que não honra absolutamente


a quem o inventou, porque isto é nada mais nada menos do que
fazer uma ideia baixa da inteligência de seus ouvintes ou de seus
leitores. Tratando-se, como se trata, de uma discussão a respeito da
frase — sobre esta pedra edificarei a minha Igreja — e aparecendo
alguém com a solução: esta pedra aí é Cristo, porque o disse
S. Paulo — a pessoa que ouça esta explicação pelo rádio ou a
encontre num livro qualquer e não tenha à mão o texto completo de
S. Paulo (porque o protestante tem o cuidado de não lho
apresentar), que é que fica pensando? É que S. Paulo está dizendo
aos Coríntios mais ou menos o seguinte: Vocês não se lembram
daquele texto de S. Mateus: sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja? Pois bem, aquela pedra era Cristo.
Mas vá ver o texto de S. Paulo. Dará uma bonita gargalhada, vendo
a que ponto chega um protestante, quando está incomodado com
uma palavra muito clara de Jesus. A mesma gargalhada que dá a
professora, quando vai começando a contar uma história: Era uma
vez um rei; este rei chamava-se Salomão;

e o meninozinho interrompe: Não professora; o rei chamava-se


Alexandre; e muito sério, muito entusiasmado, mostra à professora
um livro no qual ele prova, com letras de forma, que Alexandre era o
nome do rei.

— Sim, meu filhinho, esse rei de que fala o seu livro se chamava
Alexandre, não há dúvida, mas a história que eu ia contar não é a
mesma que está no seu livro, daí a diferença.

É justamente o caso da frase: E esta pedra era Cristo (1ª Coríntios


X-4). A história que S. Paulo estava contando era muito diferente.

Vejamos o texto todo de S. Paulo. Ele faz uma alegoria mostrando


que aquilo que aconteceu com os judeus no deserto, sobretudo na
passagem do Mar Vermelho (todos passaram o mar — 1ª Coríntios
X-1) era figura dos mistérios do Cristianismo: estas coisas foram
feitas em de nós outros (1ª Coríntios X-6).

A passagem do Mar Vermelho, pela qual se salvaram os judeus das


garras do exército do Faraó, simbolizava o Batismo, em que ficam
submergidos nos nossos pecados, assim como ali os egípcios
ficaram submersos (todos foram batizados debaixo da conduta de
Moisés na nuvem e no mar — 1ª Coríntios X-2); Moisés neste caso
representa aquele que ministra o batismo. A nuvem miraculosa que
os iluminava representava o Espírito Santo. O maná recebido do
céu era uma figura da SSma Eucaristia (Todos comeram dum
mesmo manjar espiritual — 1ª Coríntios X-3). A pedra, donde brotou
a água era Cristo, golpeado pelos judeus na sua cruz, mas donde
jorram as águas da graça: Se alguém tem sede, venha a mim e
beba (João VII-37). O que beber da água que eu hei de dar, nunca
jamais terá sede, mas a água que eu lhe der virá a ser nele uma
fonte d’água que salte para a vida eterna (João IV-13 e 14). Da
crença dos rabinos, de que o rochedo donde jorrou a água seguira
os judeus no deserto, para dessedentá-los, S. Paulo se aproveita
para dizer que a graça de Cristo já os seguia, confortando-os e
fortalecendo-os, pois toda graça recebida pelos homens depois do
pecado de Adão, já era graça de Cristo, que havia de ser merecida
por Cristo na cruz: E todos beberam duma mesma bebida espiritual,
porque todos bebiam da pedra misteriosa que os seguia
C (1ª Coríntios X-4).

Desta alegoria se serve S. Paulo para fazer uma exortação. Apesar


de terem recebido tão grandes favores do Céu, nem todos os judeus
souberam corresponder à graça e por isto muitos foram castigados:
de muitos deles Deus se não agradou, pelo que foram prostrados no
deserto (1ª Coríntios X-5). Assim também os cristãos, que tão
excelsos benefícios receberam do Céu, maiores ainda do que os
recebidos pelos judeus, os quais eram apenas figura dos mistérios
cristãos, devem ter cuidado em não abusar das graças divinas: Mas
estas coisas foram feitas em figura de nós outros, porque não
sejamos cobiçosos de coisas más, como também eles as cobiçaram
(1ª Coríntios X-6).

E seguem as exortações de S. Paulo: Nem vos forçais idólatras


como alguns deles (1ª Coríntios X-7) nem forniquemos, como
alguns deles fornicaram e morreram em um dia vinte e três mil; nem
tentemos a Cristo, como alguns deles O tentaram e pereceram
pelas mordeduras das serpentes, nem murmureis, como
murmuraram alguns deles e foram mortos pelo exterminador (1ª
Coríntios X-8 a 10). E S. Paulo termina a sua exortação dizendo:
Todas estas coisas, porém, lhes aconteciam em figura, mas foram
escritas para de nós outros (1ª Coríntios X-11) para
logo, em seguida, acrescentar: Aquele, pois, que crê estar em pé
veja não caia (1ª Coríntios X-12).
Não pode haver prova mais clara, digamos entre parêntesis, para
mostrar que S. Paulo não adotava a teoria protestante de que
aquele que crê em Cristo está salvo infalivelmente, não se pode
perder jamais.

Porém, voltando ao nosso assunto: que relação tem toda esta


história com o cargo de chefe da Igreja confiado a S. Pedro? Eis aí
uma das “maravilhas” da interpretação protestante. Cristo chamou a
Pedro pedra fundamental da Igreja, constituindo-o, portanto, chefe
da mesma. Tudo ia muito bem, até o momento em que S. Paulo se
lembrou de dizer que aquela pedra, donde jorrou água no deserto,
era uma , uma de Cristo. Desde esse
momento S. Pedro tinha que ser destituído de seu cargo, não podia
mais ser considerado a pedra fundamental da Igreja que Cristo
edificou.

O argumento é verdadeiramente infantil. Se fosse um meninozinho


de escola que assim argumentasse, se perdoaria facilmente, seriam
coisas de menino. Mas um intérprete das Sagradas Letras, cheio de
sabença e de erudição, que quer demonstrar que a Igreja errou
durante 20 séculos e ainda erra hoje na interpretação deste texto,
com franqueza, isto é simplesmente imperdoável.

Cristo é a pedra e Pedro é a pedra.

161. Mas, dirão os protestantes, o Sr. não brinque conosco, porque


nós apresentamos textos em que se demonstra que a pedra
fundamental da Igreja é o próprio Cristo. E lá vão os textos:

O próprio S. Pedro disse, referindo-se a Cristo: Esta é a que


foi reprovada por vós, arquitetos, que foi posta pela
do ângulo (Atos IV-11). E o mesmo S. Pedro diz na
sua 1ª Epístola, também se referindo a Jesus: Chegai-vos para Ele
como para a que os homens tinham, sim, rejeitado, mas
que Deus escolheu e honrou; também vós mesmos,
como pedras vivas, em casa espiritual, em
sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais, que sejam
aceitos a Deus por Jesus Cristo. Por cuja causa se acha na
Escritura: Eis aí ponho eu em Sião a principal ,
escolhida, preciosa; e (1ª
Pedro II-4 a 6). S. Pedro não faz mais que repetir o que dissera
Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: que fora rejeitada
pelos que edificavam, essa foi posta por cabeça do ângulo? Pelo
Senhor foi feito isto, e é coisa maravilhosa nos nossos olhos
(Mateus XXI-42). E S. Paulo diz na sua Epístola aos Efésios: Sois
cidadãos dos santos e domésticos de Deus sobre o
fundamento dos Apóstolos e dos Profetas, J
C (Efésios II-19 e 20).

— Estes textos servem, não há dúvidas, para armar efeito. Mas


quem tenha alguma noção do que é realmente interpretação da
Bíblia, da qual , nota logo a
anormalidade que há em tudo isto: como é que, em vez de dar uma
explicação correta, lógica, legítima e convincente de um texto tão
claro (Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja), o
intérprete vai buscar outras passagens da Bíblia para tentar destruir
este texto? A gente estuda um versículo à luz de outras passagens
bíblicas - , e não para deixá-lo sem
explicação.

Estas citações e mais outras que arranjassem os protestantes não


conseguem destruir a palavra de Cristo dita a S. Pedro, pois uma
passagem da Bíblia não destrói a outra, serve, sim, para melhor
ilustrá-la. Cristo chamando a Pedro pedra da Igreja quis chamar a
Pedro o I . Isto não impede de ser Cristo
também o I , pois Pedro, sendo
homem, fraco, imperfeito, limitado como todos os homens, precisava
por sua vez de um também, e só Deus, ou por outras
palavras, só Jesus Cristo que era Deus, jamais criatura alguma
poderia sustentá-lo. Cristo sustenta Pedro e Pedro sustenta a Igreja;
logo, Cristo também sustenta a Igreja.
A própria metáfora usada por Cristo obriga a esta conclusão. A
gente costuma dizer e Ele também disse que um edifício está sólido
quando está construído sobre a rocha. Mas esta própria rocha
necessita de um ponto de apoio: tem que está encravada na
; se pusermos esta rocha sustentada por cordas bambas, tudo
se desmorona.

Fundando a sua Igreja, Cristo fundou uma sociedade que devia ser
constituída por homens, e homens de todas as raças, de todas as
condições sociais, de todos os graus de cultura e também de todos
os tempos. Ora, nós sabemos como são os homens, como
divergem, como discutem, como têm temperamentos diversos e
diversos modos de ver as coisas também. Vemos pelas escrituras,
por exemplo, que entre o próprio Paulo e Barnabé houve
divergência e findaram separando-se: E houve entre
eles, que se separaram um do outro; e assim Barnabé, levando
consigo a Marcos, navegou para o Chipre; e Paulo, tendo escolhido
a Silas, partiu, encomendado pelos irmãos à graça de Deus (Atos
XV-39 e 40). É uma pequena amostra do que pode acontecer
mesmo entre pessoas muito santas e que professam a mesma fé, a
mesma doutrina. A Igreja havia de ser uma grande família, um
grande reino, um grande povo; ora, para haver união num povo,
num reino, numa família, é preciso que haja , a quem
todos atendam, a quem todos obedeçam e em torno do qual se
unam, nos bons e nos maus momentos. Se cada um tem o direito
de opinar, de agir, como bem entende, nasce a desunião, a
desagregação, a anarquia e tudo vai de água abaixo, pois a união é
que faz a força, ou para usarmos as palavras do próprio Jesus: Todo
o reino dividido contra si mesmo será desolado, e toda a cidade ou
casa dividida contra si mesma não subsistirá (Mateus XII-25). Não
podemos ter melhor exemplo da falta que faz um chefe do que o
próprio Protestantismo. Não têm todos à mão a mesma Bíblia? Não
consideram todos a Jesus Cristo como seu chefe? E, entretanto, a
balbúrdia que há entre os protestantes é verdadeiramente infernal. É
pena que não tenhamos espaço para reproduzir aqui todos os
desaforos com que se brindavam reciprocamente os Primeiros
Reformadores, e tudo quanto as seitas protestantes têm dito, com
tão notável acrimônia, uma das outras. Isto daria muitos e grossos
volumes. E o Protestantismo só tem quatro séculos. O simples
enunciado das palavras de Cristo: Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei I (Mateus XVI-18) contém já em si
abertamente a mais formal condenação do Protestantismo. Cristo
não disse , mas a minha Igreja, porque a sua
Igreja é [15]. Uma Igreja firme, sustentada pela rocha, havia
de ser necessariamente uma Igreja que não se dividisse em
centenas de igrejinhas, distribuindo reciprocamente a pecha de
heréticas e ensinando as mais desencontradas doutrinas, como é o
que acontece entre as seitas protestantes. Todos os nossos irmãos
separados dizem que o seu chefe é Jesus Cristo, mas quando Este
lhes fala pelas Escrituras, cada um julga com pleno direito de torcer
a seu modo, de falsear as palavras do Mestre, por mais claras que
elas sejam, e não há ninguém entre eles que tenha autoridade
bastante para coibir semelhantes abusos, porque o Protestantismo
nasceu precisamente disto: da revolta contra qualquer autoridade
religiosa. A discussão estava animada no Concílio de Jerusalém,
Pedro falou e logo se calou toda a assembleia. No Protestantismo a
algazarra é cada vez maior, porque falta um Pedro para decidir as
suas questões. E mesmo que Jesus Cristo baixasse à terra, em
pessoa, visivelmente, para exercer esta função, seria inútil: o livre
exame se encarregaria de deturpar novamente as suas palavras,
como tantas e tantas vezes já tem deturpado aquelas que Ele
proferiu outrora na palestina.

Jesus bem conhecia os homens e sabia a que desagregação


chegaria a sua única Igreja, se todos fossem independentes e não
tivessem um chefe. Não é que Deus precise das criaturas para fazer
as suas obras, absolutamente não! Mas Ele sempre quis dar às
criaturas a honra de associá-las à sua ação neste mundo. Não
costuma multiplicar os milagres, quando um efeito pode ser
conseguido por meios humanos; e se já pode ser considerada um
grande milagre na História esta unidade maravilhosa que vem
mantendo universalmente, através de 20 séculos, a Igreja Católica,
sempre congregada em torno de um homem sustentado por Cristo,
uma série incalculável de milagres (quase diríamos: um milagre para
cada pessoa) seria a Igreja de Cristo manter a sua unidade, cada
um agindo, pensando, interpretando a Bíblia como melhor lhe
parecesse.

Quando dizemos, portanto, que Cristo fez de S. Pedro e seus


sucessores o sustentáculo da Igreja, não queremos dizer que o
Papa se torna um Deus, nem um super-homem. Continua a ser um
homem fraco, imperfeito, sujeito ao pecado, como são todos os
homens, mas um homem destinado a exercer uma missão
importantíssima na Igreja de Deus, sobre a qual vela muito
particularmente a Divina Providência, pois Deus não faria uma obra
que lhe é muito cara, para relegá-la ao abandono; se Deus sustenta
o Papa a fim de que conserve sempre nos momentos decisivos a fé
legítima, é porque este é o único meio, dentro dos planos divinos, de
conservar a Igreja una e fiel à sua missão [16]. E se para tão alto
cargo Cristo escolheu a Pedro, um rude pescador, que O havia de
negar, que, ao lado de uma vontade firme e de uma fé ardorosa,
dava provas também às vezes de fraqueza e de ignorância, é
porque as coisas fracas do mundo escolheu Deus para confundir os
fortes; e as coisas vis e desprezíveis do mundo escolheu Deus, e
aquelas que não são, para destruir as que são (1ª Coríntios I-27 e
28).

Cristo fazendo de Pedro o sustentáculo da Igreja, isto não destrói a


outra verdade: e é que Cristo é numa ordem ainda mais elevada, o
sustentáculo desta mesma Igreja. Tudo quanto de bom, de grande,
de honroso possuem as criaturas, Deus possui de uma maneira
eminente; toda prerrogativa das criaturas é participação das
perfeições de Deus.

Por conseguinte, a argumentação dos protestantes neste ponto, se


mostra por demasiado estreita e ingênua.
Vejamos, por exemplo: Nós sabemos por S. Mateus (Mateus V-1 e
2) que Jesus disse a seus discípulos:
(Mateus V-14). Ora, segundo o modo protestante de argumentar,
apesar de Nosso Senhor falar claramente, eles hão de dizer: Não,
não é exato; os discípulos de Cristo não podem ser a luz do mundo.
Veja-se, por exemplo, em S. João: E outra vez lhes falou Jesus,
dizendo: (João VIII-12). Logo, dirão
triunfalmente os protestantes, está provado que quem é a luz do
mundo não são os seus discípulos, é o próprio Cristo.

— Mas isto é uma verdadeira infantilidade, se os discípulos de


Cristo iluminam o mundo com sua doutrina, quem foi que os
iluminou, quem lhes ensinou esta doutrina luminosa? Não foi o
próprio Cristo? Iluminados por Cristo, iluminam o mundo. E assim
não há nenhuma contradição em dizer-se que eles são a luz do
mundo e dizer-se que Cristo é a luz do mundo.

Honrarás a teu pai e a tua mãe (Êxodo XX-12; Mateus XIX-19).


Ouve a teu pai que te gerou; e não desprezes a tua mãe quando for
velha (Provérbios XXIII-22). Maldito o que não honra a seu pai e a
sua mãe (Deuteronômio XXVII-16). Que diria do filho que dissesse a
seu progenitor: não te reconheço como meu pai? Iria certamente de
encontro ao mandamento divino. Entretanto, Nosso Senhor disse no
Evangelho: vosso sobre a terra; porque um
só é o Pai que está nos Céus (Mateus XXIII-9). Que quer dizer
Nosso Senhor com isto? Quer dizer que não devemos pensar como
os pagãos e os ateus, que encaram o pai terreno como único autor
de seus dias, como se este pai terreno que os criou, que os
alimentou, que lhes deu a educação fosse a única Providência com
que contam aqui na terra. O nosso pai terreno nos gerou, mas a
geração só foi possível, porque Deus criou do nada a nossa alma.
Os bens que recebemos dos pais nos vieram de Deus, por
intermédio deles. Assim é Deus quem tem em sumo grau e por
excelência o privilégio da paternidade; é dEle que toda paternidade
toma o nome nos Céus e na terra (Efésios III-15), como diz
S. Paulo. O que não impede os pais terrenos de terem direito ao
carinho, às homenagens, à submissão e à obediência de seus
filhos.

S. Paulo diz a Timóteo que só Deus possui a imortalidade: O Rei


dos reis e o Senhor dos senhores, Aquele que, só, possui a
imortalidade (1ª Timóteo VI-15 e 16). Os Adventistas do 7º dia
querem basear-se neste texto para afirmar que a alma humana não
é imortal, ensinando que a alma fica adormecida, até a segunda
vinda de Cristo. Basta ler a parábola de Lázaro e do mau rico para
se ver que eles não tem razão: Ora, sucedeu morrer este mendigo
que foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. E morreu também o
rico e foi sepultado no inferno (Lucas XVI-22). E segue a história
com um diálogo entre eles. Trata-se de uma parábola, é verdade,
mas Nosso Senhor nunca ensinou parábolas para lançar confusão
nos espíritos e sim para ensinar com precisão a doutrina verdadeira.
O que é certo, portanto, é que do fato de se dizer que só Deus
possui a imortalidade não se segue que a nossa alma, nem que os
anjos não sejam imortais. Só Deus possui a imortalidade por si
mesmo, por uma exigência de sua própria natureza divina. A alma e
os anjos possuem a imortalidade, simplesmente porque Deus quis
fazê-los imortais; quis fazê-los também participar da imortalidade,
que é um de seus divinos atributos.

Um dia, um homem disse a Jesus: Bom mestre, que devo eu fazer


para alcançar a vida eterna? (Marcos X-17). Nosso Senhor, numa
velada queixa àquele homem que O tinha na conta de mestre, mas
ainda não cria na sua divindade, lhe falou assim: Por que me
chamas tu bom? senão só D (Marcos X-18).
Segue-se daí que nenhum homem pode ser chamado bom? Não se
segue; porque a própria Bíblia se encarrega de chamar bons a
alguns homens: Vosso Pai que está nos Céus, o qual fez nascer o
seu sol sobre e maus (Mateus V-45). O homem do bom
tesouro tira boas coisas (Mateus XII-35). Muito bem, servo e
fiel (Mateus XXV-21). Um varão, por nome José, que era senador,
varão e justo (Lucas XIII-50). De Barnabé se diz nos Atos: Era
varão e cheio do Espírito Santo (Atos XI-24).
Há contradição aí? Absolutamente não; quando se diz: este homem
é bom, a palavra não tem sentido tão elevado, tão perfeito, tão
absoluto, como quando se diz: Deus é bom. Deus é bom, quer dizer,
Deus é a fonte de toda a bondade, é a própria bondade em si
mesmo. Um homem é bom, porque participa, como criatura, da
bondade de Deus; tem a bondade que já foi o próprio Senhor quem
lhe deu.

S. Paulo diz que só Deus é sábio: A Deus que, só, é sábio, a Ele por
meio de Jesus Cristo seja tributada honra a glória por todos os
séculos dos séculos (Romanos XVI-27). Assim termina S. Paulo a
sua Epístola aos Romanos. Entretanto, oito versículos atrás, ele
tinha dito aos fiéis: Quero que vós sejais no bem (Romanos
XVI-19). Os homens podem ser sábios; e, no entanto, só Deus é
sábio, porque toda sabedoria vem de Deus.

Ainda mais; diz S. Paulo: A Deus só, seja e pelos


séculos dos séculos (1ª Timóteo I-17). Entretanto, o próprio S. Paulo
diz na Epístola aos Romanos: A ea e a paz será
dada a todo obrador do bem, ao Judeu primeiramente e ao Grego
(Romanos II-10). Que se conclui daí? Que a honra e a glória que
recebem os santos, aqueles que nos deram belos exemplos de
virtude, revertem-se, em última análise, em honra e glória a Deus,
sem cuja graça não teriam conseguido a virtude. Daí se vê, diga-se
de passagem, como é estreita a mentalidade dos protestantes, os
quais acham que a honra por nós prestada a Maria SSma, sublime
exemplo de santidade e mãe de Jesus Cristo que é Deus, e aos
santos que também realizaram maravilhas em matéria de virtude
simplesmente porque Deus os enriqueceu com a sua graça, rouba
alguma coisa à honra e à glória que prestamos a Deus, fonte de
toda virtude, de toda bondade, de toda perfeição. Como se elogiar e
exaltar os quadros belíssimos que vemos numa exposição de arte
roubasse alguma coisa ou não fosse antes uma exaltação ao
grande artista que os produziu. E a virtude dos santos é, afinal, de
contas, obra da graça de Deus; e, se exigiu a cooperação humana,
foi esta própria graça que os ajudou a cooperar.
Pelo que vimos, a Bíblia nos diz que só Deus é pai, só Deus possui
a imortalidade, só Deus é bom, só Deus é sábio, só a Ele deve ser
tributada honra e glória. Isto não impede a própria Bíblia de chamar
a um homem de pai, de ensinar a imortalidade da alma, de chamar
bons e sábios os homens, de dizer que alguns deles merecem
honra e glória.

Assim também, se Cristo disse a Pedro (e só a Pedro, não a Tiago,


nem a João, nem a Paulo) que ele era a pedra sobre a qual ia
fundar a sua Igreja, isto não obsta a que o próprio Cristo seja
apontado, num sentido ainda mais elevado, como a pedra angular
desta mesma Igreja. Ninguém seria tão louco a ponto de pensar que
um homem pudesse sustentar e manter a Igreja Universal sempre
firme, sempre una, sempre livre de cair na heresia, sem o auxílio e
proteção especialíssima de Deus; e este auxílio, Cristo prometeu
que o daria até o fim do mundo. E dizer que a Igreja não pode ter
um chefe aqui na terra pelo fato de dizer a Bíblia que Cristo é a
cabeça da Igreja; porque um corpo não pode ter duas cabeças,
seria o mesmo disparate que dizer que não podemos ter um pai
humano aqui na terra pelo fato de ser Deus o nosso Pai, porque
uma pessoa não pode ter dois pais ao mesmo tempo.

Existem na Bíblia várias metáforas, várias comparações. Não se


pode absolutamente estabelecer um nexo sistemático, uma ligação
entre todas elas. Seria cair no grave erro de querer materializar por
demais as ideias. A metáfora é um meio, não um fim; serve para
realçar, fazer compreender melhor a ideia que se tem em vista
naquele momento. Depois, noutra ocasião, se usa outra metáfora
que se considera mais oportuna, porém sem compromisso algum de
relacioná-la com as metáforas usadas anteriormente. Seria ridículo,
por exemplo, se alguém se pusesse a dizer: Não é certo que Cristo
é a pedra angular que sustenta o edifício da Igreja? Como é que ele
diz: Eu sou a porta (João X-9)? Nosso Senhor não nos compara
com os ramos da árvore (Eu sou a videira e vós outros as varas —
João XV-5)? Como é que nos considera também como árvores (toda
a árvore boa dá bons frutos, e a má árvore dá maus frutos —
Mateus VII-17)? Nosso Senhor não é o pastor (Eu sou o bom pastor
— João X-11)? Como é que ao mesmo tempo é chamado um
cordeiro (Eis aqui o cordeiro de Deus — João I-29)? São diversas
metáforas, usadas de acordo com a ideia que se quer salientar
precisamente naquela ocasião. Foi justamente o que se deu com
esta metáfora: pedra.

Davi, nos seus Salmos, aplica este nome de pedra ao Messias


Prometido: A que desprezaram os edificadores, esta foi posta
por cabeça do ângulo. Pelo Senhor foi feito isto, e é coisa admirável
nos nossos olhos (Salmos CXVII-22 e 23). O profeta Isaías fala do
mesmo modo a respeito do Messias: Eis aqui estou eu que vou a
lançar nos fundamentos de Sião uma , uma pedra aprovada,
, preciosa (Isaías XXVIII-16). Ora, Nosso Senhor mostra no
Evangelho que nEle se cumprem estas palavras. A ideia que se
quer frisar aí é a seguinte: pelos escribas e fariseus, que eram os
edificadores da sinagoga, Cristo foi rejeitado, como se não passasse
de uma pedra inútil, um homem sem valor; entretanto, esta pedra,
por eles considerada inútil, era a pedra escolhida de Deus, a pedra
fortíssima que havia de desempenhar um papel de ligação entre as
duas paredes, ou as duas partes do edifício, ou seja, os Judeus e os
Gentios, outrora tão separados em matéria de religião, pois o
Cristianismo agora vai ligar e unir a todos os povos, num só povo de
Deus.

Aproveitando-se desta mesma ideia, S. Paulo, na sua Epístola aos


Efésios mostra que eles fazem parte de um edifício, a Igreja de
Deus, a qual assenta sobre o fundamento que são os Apóstolos e
Profetas [17]. Note-se que fundamento e pedra fundamental são
duas metáforas diversas. Fundamento são os alicerces, os quais
podem ser postos sobre a rocha os sobre a areia movediça. Assim
Nosso Senhor diz daquele que quis fazer bem firme a sua casa que
ele cavou profundamente e pôs o sobre uma rocha
(Lucas VI-48). Os alicerces da Igreja foram lançados pela doutrina
pregada pelos Apóstolos e pelos Profetas, mas a firmeza de tudo
isto está em Cristo, a pedra angular que uniu judeus e gentios e que
é a fonte de toda força, de toda vitalidade da Igreja. Se os Apóstolos
pregam, é a própria doutrina que Cristo lhes ensinou; se são
dispenseiros dos mistérios de Deus (1ª Coríntios IV-1), é a graça de
Cristo que vivifica a toda a Igreja nestes mistérios. Dentro desta
ordem de considerações (Cristo, pedra angular rejeitada; Cristo,
fonte de toda a firmeza da Igreja) é que S. Pedro chama também a
Cristo que os homens tinham, sim, rejeitado (1ª Pedro
II-4), sobre a qual os fiéis devem ser edificados.

Mas no trecho de S. Paulo que já vimos: E esta pedra era Cristo (1ª
Coríntios X-4) a metáfora era inteiramente outra. S. Paulo quer
salientar a ideia de que Cristo, como a pedra que saciou os judeus
no deserto é a fonte donde jorram as águas da graça, e que esta
graça já existia para os judeus, como um efeito antecipado da
Paixão do Salvador e por isto diz S. Paulo: bebiam da pedra (1ª
Coríntios X-4). Ninguém vai beber de uma pedra que está servindo
de esteio a um edifício. É uma comparação inteiramente de outro
gênero.

Já S. João, no Apocalipse, querendo salientar apenas a


apostolicidade da Igreja, ou seja, a ideia de que os Apóstolos
pregando a doutrina que Cristo lhes ensinou, transmitindo os
poderes que Cristo lhes deu, lançaram as bases para a propagação
e difusão da Igreja, S. João, depois de comparar a Igreja gloriosa
nos Céus com uma cidade (vi a cidade santa, a Jerusalém nova,
que da parte de Deus descia do Céu, adornada como uma esposa
ataviada para seu esposo — Apocalipse XXI-2) afirma simplesmente
que os fundamentos desta cidade são os 12 Apóstolos: E o muro da
cidade tinha doze fundamentos, e neles os doze nomes dos doze
Apóstolos do cordeiro (Apocalipse XXI-14). Não fala em Cristo,
porque quer frisar somente o trabalho dos Apóstolos dando início à
Igreja, mas daí não se segue absolutamente que a base de tudo não
seja o próprio Cristo.

No trecho que estamos analisando (Tu és Pedro e sobre esta pedra


edificarei a minha Igreja) a ideia que Nosso Senhor quer fazer
sobressair é outra. Não se está tratando deste assunto: Cristo
rejeitado pelos Judeus e tornando-se a base de toda a Igreja de
Deus. Nem deste: Cristo, uma pedra viva donde jorram as águas da
graça, da qual também participaram os judeus. Nem deste: a glória
que terá nos Céus a Igreja que aqui na terra teve como fundamento
os 12 Apóstolos que a propagaram. Trata-se do seguinte: Pedro fez
uma bela profissão de fé; Cristo em retribuição quer salientar a
missão importante que vai confiar a Pedro. Não é obrigado mais a
usar aquela metáfora da pedra angular; nem fala mesmo em pedra
angular. Compara a Igreja a um edifício, mas este edifício vai ser
construído por Ele, Cristo, que será o arquiteto ( ),
portanto não está pensando neste momento em apresentar-se como
pedra, pois é claro que não é o arquiteto que vai servir de pedra
para sustentar o edifício; Ele é de opinião, como já antes tinha
manifestado, que edifício sólido é aquele que é construído sobre a
rocha; Pedro é que vai ser a rocha em que vai ser levantado o
edifício da Igreja. E assim como da pedra fundamental de um
edifício é que vem a sua , a sua , a sua
,o - e - , a Pedro,
como chefe da Igreja, é que cabe manter esta coesão, esta unidade.
Por isto, Pedro precisará ter autoridade para mandar; de plenos
poderes para governar esta Igreja. Cristo lhos dá, entregando-lhe as
chaves do Reino dos Céus e dizendo: Tudo o que ligares sobre a
terra será ligado também nos Céus, e tudo o que desatares sobre a
terra será desatado também nos Céus (Mateus XVI-19). Por isto,
Pedro precisará de uma proteção especial de Cristo; esta não faltará
até o fim do mundo: As portas do inferno não prevalecerão contra a
Igreja.

E, como já explicamos, dentro desta mesma metáfora não se


defende absolutamente a ideia de que só em Pedro reside toda a
segurança da Igreja, porque se Pedro é a Pedra, sobre a qual a
Igreja se firma, por outro lado, a providência Divina, ou em outros
termos, a ação contínua do Espírito Santo prometido por Cristo (eu
rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Consolador, para que fique
eternamente convosco — João XIV-16) pode ser considerada a
em que a pedra está encravada e que, portanto,
sustentando a pedra, sustenta todo o edifício.

Para que tanto barulho, tanto torcimento de textos, tanto suor, tanto
artifício a fim de provar que Pedro não pode ser a pedra da Igreja,
se é o próprio Cristo quem o diz com palavras tão claras? Cristo
sustenta a sua Igreja e quis associar um homem a esta missão de
sustentá-la. Quem O impedia de assim proceder?

O grande segredo, a grande maravilha da Providência é que Deus


realiza seus planos servindo-se dos homens que são e no
entanto, nenhum deles usa de sua liberdade para fazer uma
surpresa a Deus, pois Deus prevê perfeitissimamente todas as
ações livres de todos os homens. Apesar da liberdade humana e
mesmo contando com ela, Deus encaminha todos os
acontecimentos. Desde que quis colocar um homem como
sustentáculo da Santa Igreja, Ele que tudo pode, tudo prevê e dirige,
bem sabe quais os homens que sucessivamente irá suscitando para
exercerem esta missão [18], bem sabe como há de guiar todas as
ocorrências de tal modo que a Igreja encontre sempre nesse
homem, fortalecido pela proteção divina, a base de sua própria
firmeza e estabilidade. Não há nenhuma contradição, portanto, em
Cristo=pedra e Pedro=pedra. Cada um é pedra da Igreja, à sua
maneira, maneira tão diversa como Deus é diverso do homem.
Pedro sustenta a Igreja, porque tem as promessas de Cristo
garantindo sustentá-lo. E, no final de tudo, toda a firmeza da Igreja
vem de Cristo.

Notas (pular)

[15] Bem que diz o nosso povo: para tudo há gente neste mundo! Ainda há
protestantes que, quando lhes mostramos Cristo dizendo I ,
pretendem justificar a multiplicidade das seitas, observando-nos que as
Igrejas de Cristo são muitas, pois se diz no Apocalipse: Aquele que tem
ouvidos ouça o que o Espírito diz às (Apocalipse II-7). Mas isto é
simplesmente o cúmulo!
A Bíblia chama a Religião fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, a
Igreja Universal que é uma só. Ora é chamada simplesmente I (1ª
Coríntios XII-28; Efésios I-22, III-10, V-23 e 25, 27, 29 e 32; Colossenses I-8 e
24), ora é chamada I D (Atos XX-28; 1ª Coríntios XV-9; Gálatas
I-13; 1ª Timóteo III-15).

A Bíblia chama também a casa, o templo onde se reúnem os fiéis de


certa localidade: é coisa indecente para uma mulher o falar na (1ª
Coríntios XIV-35).

E chama igualmente de o conjunto dos fiéis de uma determinada


região: a igreja de Deus que está em Corinto (1ª Coríntios I-2) igreja dos
Tessalonicenses (1ª Tessalonicenses I-1), igrejas da Galácia (Gálatas I-2),
igrejas da Macedônia (2ª Coríntios VIII-1) igreja dos Laodicenses
(Colossenses IV-16). E S. Paulo, escrevendo a Filemon, chega a dirigir-se à
Igreja que está em tua casa (Filemon verso 2º).

O mesmo se dá em nossa língua com a palavra — pois tanto dizemos:


o Brasil é um grande povo — como vamos repartindo o sentido da palavra
pelos Estados: povo de Pernambuco, povo do Ceará, povo do Rio Grande do
Sul, mais ainda, pelas cidades: povo do Recife, povo de Olinda; até chegar a
dizer: o povo da minha casa.

É neste último sentido (de assembleia local) que o Espírito Santo transmite
por intermédio de S. João, no Apocalipse, a sua mensagem, que, como o
Apóstolo mesmo indica, é dirigida às sete Igrejas que há na Ásia, a Éfeso, e a
Esmirna, e a Pérgamo, e a Tiatira, e a Sardes, e a Filadélfia, e a Laodiceia
(Apocalipse I-11).

Querer prevalecer-se disto para tentar provar que também na Igreja primitiva
havia muitas seitas, como se aquelas assembleias locais fossem como outras
tantas seitas protestantes, a discutir entre si, umas batizando as crianças,
outras só os adultos; umas descansando no sábado e outras no domingo;
umas admitindo sacramentos e outras não, umas acreditando no inferno e
outras o negando; umas garantindo que o crente, quando morre, vai direto
para o Céu, outras asseverando, ao contrário, que ele fica adormecido
completamente até o dia do juízo final etc. etc., é querer caluniar e apresentar
como sumamente anarquizada a Igreja primitiva, tão sabiamente instruída e
unificada pela doutrinação dos Apóstolos. (voltar)

[16] Como bem explica a Pastoral Coletiva de 1871, dos bispos suíços, a qual
foi explicitamente aprovada pelo Papa Pio IX: “O Papa não é infalível nem
como homem, nem como sábio, nem como sacerdote, nem como bispo, nem
como príncipe temporal, nem como juiz, nem como legislador. Não é infalível
e impecável na sua vida e procedimento, nas suas vistas políticas, nas suas
relações com os príncipes, nem mesmo no governo da Igreja. É única e
exclusivamente infalível quando, como Doutor supremo da Igreja, pronuncia
em matéria de fé ou de costumes uma decisão que deve ser aceita e tida
como obrigatória por todos os fiéis”. (voltar)

[17] Muito preocupados com a ideia, que puseram na cabeça, de que a Bíblia
não podia chamar fundamento da Igreja senão ao próprio Cristo, alguns
protestantes, diante desta frase de S. Paulo: sois cidadãos dos santos e
domésticos de Deus, edificados sobre o dos Apóstolos e dos
Profetas, sendo o mesmo Jesus Cristo a principal pedra angular (Efésios II-
20), querem interpretá-la não deste modo: sois edificados sobre o
A , sendo Jesus Cristo a
principal pedra angular — mas deste: sois edificados sobre o
A , A
é Jesus Cristo, a pedra angular. Em português já se está
percebendo como se tortura o texto para chegar a esta conclusão. E, se
vamos examinar o texto original grego, vemos perfeitamente que esta
interpretação não é exata. no grego está em dativo (
) e Jesus Cristo vem em genitivo (C I ). A frase —
sendo o mesmo Jesus Cristo a principal pedra angular (
C I ) vem expressa no texto grego por um genitivo
absoluto, que equivale ao ablativo absoluto do latim; esta frase é, portanto,
independente da outra. Se o Apóstolo diz o J C , é porque
vinha falando de Jesus Cristo nos versículos imediatamente anteriores
(Efésios II-13 a 18).

Compreendam bem os protestantes o que queremos dizer: Não negamos


absolutamente que Jesus Cristo seja o fundamento dos Apóstolos e dos
Profetas. Apenas estamos dizendo que S. Paulo aí no trecho não se está
referindo a isto: está dizendo que a Igreja é como um edifício que tem como
os Apóstolos e os Profetas, sendo Jesus Cristo a principal pedra
angular. (voltar)

[18] Quando dizemos isto, não afirmamos absolutamente que todos os Papas
foram santos. Alguns houve (poucos, mas houve sempre) que até se fizeram
célebres pela sua vida irregular. Mas infalibilidade é uma coisa e
impecabilidade é outra bem diversa. O próprio exemplo da Bíblia, em que
Cristo escolhe Pedro para esteio da sua Igreja, mesmo sabendo que o
Apóstolo haveria de fraquejar e negá-Lo, nos mostra muito bem que não são
as fraquezas íntimas do homem, como tal, que o impedem de exercer a sua
missão unificadora. A Providência Divina, preservando na verdadeira
Igreja, consiste em que Deus não permite absolutamente que a cátedra de
Pedro seja ocupada por um herege que leve esta mesma Igreja a afogar-se
no erro, ao passo que as outras sedes episcopais não gozam de tal privilégio:
algumas delas foram de fato ocupadas por bispos hereges que fizeram
grande mal à Igreja, sem, no entanto, quebrarem a sua unidade, uma vez que
a sede de Roma estava sempre firme, a sustentar a verdadeira doutrina.
(voltar)

Conforta a teus irmãos

162. A prova de que Cristo quis associar S. Pedro a esta sua


missão de ser a , a fortaleza, o sustentáculo da Igreja, está
nas suas próprias palavras que se leem em S. Lucas: Simão,
Simão, eis aí pediu Satanás com instancia para joeirar
como trigo; mas eu roguei por , para que a fé não falte; e ,
em fim, depois de convertido, conforta a irmãos (Lucas XXII-31
e 32). Um leitor que só conheça o português, pode até querer
criticar o tradutor, acusando-o de ter misturado, no mesmo trecho,
os dois tratamentos: e . Mas o português aí é tradução do
latim, como o latim já é por sua vez tradução do grego. E tanto no
grego, como no latim, os dois empregos são separados: só se
emprega para mais de uma pessoa; e para uma pessoa
somente.

Quando Nosso Senhor diz: eis aí vos pediu Satanás... para vos
joeirar como trigo (Lucas XXII-31), está-se referindo a todos os
Apóstolos. Aliás era a eles todos que o Mestre vinha falando
naquela ocasião: Não há de ser, porém, assim entre
(Lucas XXII-26). V sois os que haveis permanecido
comigo nas minhas tentações (Lucas XXII-28) eu preparo o reino
para (Lucas XXII-29).

Se Nosso Senhor diz: Simão, Simão, eis aí pediu Satanás com


instância para joeirar como trigo (Lucas XXII-31) é porque o
final do período vai referir-se a Simão em particular, e porque Nosso
Senhor quer frisar que S. Pedro está também entre estes que
Satanás pediu para tentar com violência; aliás, é o mais visado por
Satanás, por ser o discípulo principal.

Que quer dizer joeirar? Joeirar o trigo é agitá-lo sobre o crivo, sobre
a peneira, para a palha voar e ficarem somente os grãos. É uma
metáfora que serve para exprimir a tentação que vem acompanhada
de agitação do espírito, tentação que serve para provar os
verdadeiros servos de Deus que são os grãos, para distingui-los da
palha, sem valor, que logo desaparece. Assim como se lê no 1º
capítulo do livro de Jó, que Satanás sugeriu a Deus as aflições e
angústias destinadas a por em prova a virtude de Jó, assim também
Cristo revela que Satanás instou para que lhe fosse permitido tentar
fortemente os Apóstolos, nos transes dolorosos da Paixão. E de
fato, todos os Apóstolos passaram por tentação muito forte naquelas
circunstâncias, como se vê pelas palavras de Jesus: A todos vós
serei esta noite uma ocasião de escândalo. Está, pois, escrito:
Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se porão em desarranjo
(Mateus XXVI-31).

Ora, apesar de serem todos tentados, apesar de ser geral o perigo,


Cristo orou especialmente por Pedro, para que a fé não lhe faltasse
e ele servisse para robustecer os demais Apóstolos: Mas eu roguei
por , para que a fé não falte; e , em fim, depois de
convertido, (Lucas XXII-31 e 32). O que
mostra que S. Pedro era o chefe, o Apóstolo principal, que havia de
fortalecer os outros e no qual os outros haveriam de encontrar
apoio.

— Mas, dirão os protestantes, S. Pedro se mostrou fraco e negou o


Mestre.

— Se S. Pedro se mostrou fraco e negou o Mestre, e no entanto


estava com a missão de confortar e robustecer os outros Apóstolos,
isto ajuda ainda mais a demonstração da nossa tese. É mais uma
prova de que ele, e não outro, era o chefe de todos; é sinal de que
todos não eram iguais.

Se Jesus fosse um simples homem, sujeito, portanto, a enganar-se,


se Jesus não previsse todos os acontecimentos, então alguém
poderia dizer que o seu plano teria fracassado; teria imaginado pôr
S. Pedro como o apoio dos Apóstolos e S. Pedro teria sido o mais
fraco de todos. Mas Jesus era Deus, bem sabia que Pedro iria negá-
Lo. Mais ainda: profetizou-o abertamente. O próprio S. Lucas,
trazendo-nos este texto em que Jesus encarrega a S. Pedro de
confortar os Apóstolos, logo em seguida nos mostra Jesus
profetizando a tríplice negação: Declaro-te, Pedro, que não cantará
hoje o galo, sem que tu por três vezes não hajas negado que me
conheces (Lucas XXII-34).

Cristo orou por Pedro, para que a fé não faltasse a ele; e a oração
de Cristo não foi inútil. Pedro não pecou contra a fé. A fé em Cristo,
Messias Prometido e na sua divindade estava firme no espírito de
Pedro, que pecou por mentira, por simulação, por cobardia. A criada
de palácio afirmou que ele era um dos discípulos de Cristo; e ele
não teve a coragem de sustentar que sim; disse que não, que nem
conhecia a Jesus (mas estava convicto, é mais do que evidente, de
que era discípulo de Cristo e de que O conhecia). Feita a terceira
negação, imediatamente cantou o galo. E Pedro se lembrou da
palavra que lhe havia dito Jesus: Antes de cantar o galo, três vezes
me negarás. E tendo saído para fora, chorou amargamente (Mateus
XXVI-74 e 75).

Foi uma conversão rápida e decisiva, que mostrou o bom espírito de


Pedro e que marcaria uma nova fase da sua vida; daí por diante
mais fervor, mais humildade, menos confiança em si mesmo. Mas
tudo isto não ressalta admiravelmente a autoridade de Pedro? Se
João, o Apóstolo amado, um dos principais discípulos de Jesus
(Pedro, Tiago e João é uma sequência bem conhecida nos
Evangelhos), João que se portou irrepreensivelmente durante a
Paixão e estaria firme ao pé da cruz, não recebeu a incumbência de
fortalecer os outros, é porque tal incumbência competia ao chefe; e
o chefe, convertido logo após o seu erro, estava apto para dar aos
outros Apóstolos o robustecimento, o conforto que lhes era
necessário.

Cristo reza especialmente por Pedro ;


porque não faltando a fé a Pedro, não faltará àqueles que lhe devem
obediência e que nele se apoiam como no seu chefe. É o que
sempre sucederá à Igreja, na luta incessante contra as heresias. Por
isto diz S. Francisco de Sales: “O jardineiro, quando vê secas e
mirradas as suas plantas, não irriga todos os ramos, mas só a raiz,
para que da raiz vá a umidade invadir a todos e cada um dos ramos;
assim o Senhor, depois que plantou a árvore da Igreja, orou por
aquele que era Cabeça e Raiz, para que não faltasse a água, isto é,
a fé, que devia fortalecer os outros, de modo que sob o influxo da
cabeça a fé sempre subsistisse na Igreja.”

Ninguém pode pôr outro fundamento.

163. Finalmente vamos examinar outro texto que os protestantes


apresentam, com ares de vitória, tentando destruir a própria palavra
de Cristo de que Pedro é a pedra sobre a qual é edificada a Igreja:
Ninguém pode pôr outro senão o que foi posto, que é
J C (1ª Coríntios III-11).

Eis aí o tipo de objeção protestante. A frase é separada do seu


contexto, e assim serve exclusivamente para impressionar o
ouvinte. Mas o efeito é fugaz e passageiro. Basta examinar-se o
contexto para se ver logo que a frase foi dita .A
objeção é, portanto, irmãzinha daquela outra que já vimos: E a
pedra era Cristo (1ª Coríntios X-4).

Querem ver Vocês, caros amigos protestantes, como a frase de


S. Paulo não vem absolutamente ao caso? Digam-nos uma coisa:
De que assunto estamos tratando? Trata-se do seguinte: compara-
se a organização da Igreja com a construção de um edifício
(Edificarei a minha Igreja). Está-se discutindo se Pedro pode ou não
ser chamado pedra fundamental deste edifício e Vocês,
protestantes, servem-se do texto de 1ª Coríntios III-11 para provar
que o deste edifício que é a Igreja só pode ser Jesus
Cristo, não é assim?

Pois bem, é bastante ver o versículo anterior a este da objeção,


para qualquer pessoa se inteirar do absurdo que Vocês estão
insinuando. No versículo anterior disse S. Paulo: Segundo a graça
de Deus que me foi dada, ,
, mas outro edifica sobre ele, porém veja cada um como
edifica sobre ele (1ª Coríntios III-10). Desde que estamos tratando
do I , querem então Vocês dizer que S. Paulo foi o
sábio arquiteto que construiu este edifício e que colocou ( )
Jesus Cristo como fundamento do mesmo? S. Paulo não podia ter
lançado as bases deste edifício da Igreja Universal, porque, quando
a Igreja foi fundada, S. Paulo era simplesmente um judeu ainda não
convertido, que depois se fez um perseguidor desta mesma Igreja,
para por fim tornar-se um brilhante e excelente Apóstolo de Jesus
Cristo. Dizer que foi S. Paulo que, como sábio arquiteto, colocou
Jesus Cristo como fundamento do edifício da Igreja seria atribuir a
S. Paulo um poder superior ao do próprio Cristo, o qual não passaria
de um instrumento nas mãos do Apóstolo das Gentes.

É sempre a mania de querer encadear todas as metáforas usadas


na Bíblia, como se elas tivessem que obedecer a um plano
sistemático e de querer fazer sempre um , como
se a mesma palavra só pudesse ter forçosamente um sentido em
todas as frases onde ela é empregada.

De que assunto fala aí S. Paulo? Foi ele quem primeiro pregou o


Evangelho aos Coríntios. Sabe-se o carinho ou, por assim dizer, o
que nutria S. Paulo a respeito das comunidades que
ele tinha convertido para Cristo. Precisamente a estes mesmos
Coríntios, ele dirá no capítulo seguinte: Ainda que tenhais dez mil
aios em Cristo, não teríeis, todavia, muitos pais: pois eu sou o que
vos gerei em Jesus Cristo pelo Evangelho (1ª Coríntios IV-15). Ele
tinha como norma não pregar o Evangelho naquelas igrejas que
tinham sido fundadas por outros: Tenho anunciado este Evangelho,
não onde se havia feito já menção de Cristo, por não edificar sobre
de outro (Romanos XV-20).

Ao ver que não só chegou lá em Corinto um propagador do


Evangelho, chamado Apolo, pregando com eloquência (o que era
ótimo), mas também (o que era mau) se estabeleciam divisões e
contendas entre os Coríntios, S. Paulo fica bastante incomodado.
Porque dizendo um: Eu certamente sou de Paulo; e outro: Eu, de
Apolo; não se está vendo nisto que sois homens? (1ª Coríntios III-4).
S. Paulo mostra que não há motivo para tais partidarismos e
rivalidades: Que é logo Apolo? E que é Paulo? São uns ministros
dAquele a quem crestes e segundo o que o Senhor deu a cada um
(1ª Coríntios III-4 e 5). Não há razão de ser para estas diferenças,
porque a base de toda a pregação é uma só: Jesus Cristo.

Está se vendo bem claramente que a metáfora usada por Jesus não
é a mesma que a usada por S. Paulo.

Jesus apresenta-se como arquiteto de um grande edifício, o qual vai


ser sólido, porque Ele resolveu construí-lo sobre a rocha que é
Pedro. Ele, arquiteto, garante que este edifício resistirá a todas as
tempestades. E este edifício é a I .

S. Paulo está-se referindo ao A


. Primeiro comparou-o com um plantio: Eu plantei; Apolo
regou; mas Deus é o que deu o crescimento (1ª Coríntios III-6).
Depois, comparou-o com um edifício, do qual ele, Paulo, como
arquiteto, lançou as bases ou o fundamento, outros também estão
acabando de construí-lo com partes douro, de prata, de pedras
preciosas, de madeira, de feno, de palha (1ª Coríntios III-12), o fogo
da justiça de Deus se encarregará de mostrar o que tem valor e o
que não tem na construção deste edifício; mas, ponha cada um o
que quiser, ele só pode ser construído, isto é, o apostolado entre os
Coríntios só pode ser exercido na base que Paulo já colocou; e esta
base, este fundamento é Jesus Cristo, é a doutrina do Divino
Mestre.

Então, pelo fato de dizer S. Paulo que a base de sua pregação é a


doutrina de Jesus Cristo, fica o mesmo Jesus Cristo proibido de
dizer que o esteio em que se firma a sua Igreja e que lhe dá coesão
e unidade é a instituição que ele pôs nesta Igreja, isto é, o primado
de Pedro e seus sucessores? Ao contrário: se a base de tudo é a
doutrina de Cristo, então nenhuma palavra do mestre deve ser
torcida nem desprezada, nem mesmo esta que tanto desagrada aos
protestantes: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja (Mateus XVI-18).

Os sucessores de Pedro.

164. Cristo chamou Pedro a pedra sobre a qual é construída a sua


Igreja. Ora, se a pedra sobre a qual se constrói um edifício tem por
finalidade dar-lhe solidez (e é por isto que Jesus Cristo logo
acrescenta: e as portas do inferno não prevalecerão contra ela —
Mateus XVI-18), é claro que ela deve durar tanto tempo quanto
durar o edifício. Se a pedra que sustenta desaparece, a casa está
sujeita à ruína.

Deste modo, a função confiada a S. Pedro não podia de forma


alguma limitar-se a este Apóstolo. Como poderia ele por sua
atuação passageira e transitória, como é a vida de qualquer homem,
sustentar a Igreja de tal modo que ela permanecesse firme e estável
durante milhares e milhares de anos? Se Jesus que ia confiar a 12
Apóstolos, iluminados e robustecidos abundantemente pelo Espírito
Santo, a propagação da Igreja, achou necessário colocar a Pedro
como traço de união entre eles, com maioria de razão precisaria a
Igreja desta fonte de coesão quando não houvesse mais aqueles
carismas extraordinários dos primeiros tempos e quando a Igreja
estivesse espalhada por todo o mundo, para homens de todas as
raças, de todos os graus de cultura, de todas as condições sociais.
Se todos os Apóstolos haviam de ter sucessores, porque a Igreja
havia de prolongar-se até o fim do mundo (eu estou convosco todos
os dias, até a consumação do século — Mateus XXVIII-20), também
S. Pedro, chefe da Igreja, havia de ter quem ficasse em seu lugar,
continuando a sua missão.

Seu sucessor imediato foi Lino, um nome que não é estranho


àqueles que leem a Bíblia, pois vem mencionado na 2ª Epístola a
Timóteo: Saúdam-te Êubulo e Prudente e L e Cláudia e todos os
irmãos (2ª Timóteo IV-21).

Temos em abono desta afirmativa uma autoridade valiosíssima: o


historiador Eusébio de Cesareia (nascido em 265), que foi chamado
o Herôdoto cristão, o Pai da História Eclesiástica e que fez
pacientes estudos à base de documentos antigos, muitos dos quais
ele livrou de caírem no esquecimento, pois os reproduziu na íntegra.
No seu livro Chrónicon, Eusébio fala na viagem de Pedro a Roma,
onde Pedro “prega o Evangelho, perseverando 25 anos como bispo
da mesma cidade.” E mais adiante diz: “Depois de Pedro, o primeiro
a governar a igreja romana foi Lino” Chrónicon L. IIº (Migne XIX.
539, 543). Em outro livro seu, a História Eclesiástica, ele diz a
mesma coisa abertamente: “Depois do martírio de Paulo e de Pedro,
Lino foi o primeiro a receber o episcopado da igreja romana”
(História Eclesiástica 3,2). Afirma ainda Eusébio no mesmo livro (3,
15) que Lino, depois de 12 anos de administração, morreu no
segundo ano do império de Tito. Fala também nos outros
sucessores de Pedro, segundo a ordem cronológica, de modo que,
segundo o testemunho de Eusébio, a ordem dos sucessores de
Pedro foi esta: Lino, Anacleto, Clemente, Evaristo, Alexandre, Sisto,
Telésforo, Higino, Pio, Aniceto, Sotero e Eleutério (Em apêndice, no
final deste livro, damos o catálogo de todos os papas, desde
S. Pedro até os nossos dias).

Que Eusébio se baseia em outros documentos mais antigos, se vê


claramente por duas razões:
1º O próprio Eusébio cita o testemunho de Hegesipo, que depois de
visitar a igreja de Corinto, tendo conversado com Primo, bispo
daquela cidade, partiu para Roma e aí organizou o catálogo dos
bispos romanos até Aniceto, acrescentando que depois da morte de
Aniceto, sucedeu a este Sotero e depois Eleutério. E a conclusão
que chega Hegesipo de suas viagens a várias igrejas é a seguinte,
segundo suas próprias palavras: “Em cada uma das sucessões dos
Bispos e por todas as partes permanecem as mesmas coisas que
foram pregadas por intermédio dos profetas e pelo Senhor”. A
respeito deste mesmo Hegesipo, dirá mais tarde S. Jerônimo:
“Afirma ter vindo a Roma sob Aniceto, que foi o décimo bispo depois
de Pedro”. Ora, o governo de Aniceto foi em meados do século
segundo.

2º Temos outro testemunho anterior ao de Eusébio e também de


grande valor. É o de S. Irineu, bispo de Lião, escritor do século 2º,
discípulo de S. Policarpo, que o foi de S. João Apóstolo. S. Irineu diz
que os Apóstolos “Pedro e Paulo, tendo fundado e instruído a igreja
de Roma, transmitiram o episcopado a Lino e lhe sucedeu Anacleto
e depois deste, Clemente tem em terceiro lugar o episcopado que
vem dos Apóstolos.” (Adversus Haereses III-3 Migne VII-849).
Falando nos outros sucessores, S. Irineu os cita com os mesmos
nomes e na mesma ordem que citou Eusébio, terminando a lista
com Eleutério em 12º lugar.

Depois de S. Irineu e Eusébio chovem os testemunhos da


antiguidade.

Não estamos neste livro fazendo um estudo histórico; o nosso


principal objetivo é mostrar a legítima interpretação de vários textos
da Bíblia. Apresentamos, porém, estes testemunhos para mostrar
que, se a existência, na Igreja, de um chefe com plenos poderes, a
quem todos devem acatar, seguir e obedecer, é uma consequência
lógica das palavras de Cristo a S. Pedro, desde os inícios da Igreja.
S. Pedro sempre teve sucessores no cargo elevadíssimo que lhe foi
confiado.
E as portas do inferno não prevalecerão contra ela
Profecia e promessa.

165. Depois das palavras de Cristo mostrando que a sua Igreja se


apoia sobre Pedro, alguém poderia perguntar como pode uma tão
vasta instituição firmar-se num só homem. Mas quem está falando é
Cristo que prevê e dirige todos os acontecimentos e que é
depositário de todo o poder: Tem-se-me dado todo o poder no Céu e
na Terra (Mateus XXVIII-18) “Jesus trata aqui a S. Pedro como seu
Pai havia tratado a Jeremias, quando disse que o tornaria como
uma cidade fortificada, e como uma coluna de ferro, e como um
muro de bronze (Jeremias I-18)” observa S. João Crisóstomo,
acrescentando que há aí apenas uma diferença: Jeremias teria que
lutar com um só povo e Pedro “seria forte contra o mundo inteiro”.
Pedro continuaria vivo na presença de seus sucessores. E as
palavras do Mestre são uma profecia do que vai acontecer com a
Igreja, sempre em luta com as portas do inferno, isto é, com os
poderes infernais e sempre vitoriosa contra elas.

Entre os orientais se designava com o nome de a cidade e


principalmente o poder que nela se exercia, não só porque nas
portas estava a segurança da cidade, a qual, tomadas as portas,
ficava abertamente à mercê do inimigo, como também porque era
nas portas das cidades que os magistrados exerciam o seu poder. E
até os nossos dias o poder imperial dos turcos tem sido designado
com o nome de Sublime Porta.

Este emprego de = , = ,
, nós o vemos frequentemente na Bíblia: A tua
descendência possuirá de seus inimigos (Gênesis XXII-
17). És nossa irmã, cresce em milhares de milhares, e a tua
posteridade possua de seus inimigos (Gênesis XXIV-60).
Quando forem achados na tua cidade, dentro dalguma das tuas
que o Senhor te tiver dado, homem ou mulher que cometam
o mal... (Deuteronômio XVII-2). O Senhor escolheu novas guerras e
Ele mesmo derribou dos inimigos (Juízes V-8). Saíram os
filhos de Benjamim com ímpeto das de Gábaa e, vindo a
seu encontro, fizeram tão grande mortandade que derrubaram
dezoito mil guerreiros (Juízes XX-25). Ama o Senhor as de
Sião (Salmos LXXXVI-2).

E assim, na palavra do Mestre, se mostra o combate entre a cidade


do diabo e o edifício construído por Jesus sobre a pedra, que é
Pedro.

Portas do hádes = poder das trevas.

166. A palavra aí no texto é expressa no grego pelo termo


, que é equivalente à palavra hebraica XeOL, muito usada no
Antigo Testamento para exprimir a região dos mortos. Daí concluem
alguns que a expressão do inferno, ou seja,
designa a . Jesus neste caso estaria dizendo que a
morte não prevaleceria contra a Igreja, isto é, a Igreja não morreria,
seria perene, seria imortal.

Que dizer desta interpretação?

— Temos que dizer simplesmente que esta significação da palavra


não cabe aí no texto.

Realmente a Igreja será perene, será imortal e Jesus o diz aí no


texto; mas o texto exprime muito mais do que isto: se ela será
perene, é porque sairá sempre vitoriosa contra o poder das trevas,
pois aí não se trata de = morte, mas sim de = inferno,
no sentido de região onde imperam os demônios.

Não há dúvida que esta palavra aparece muito


frequentemente na versão dos Setenta, que também (é claro) a
palavra XeOL a ela correspondente aparece frequentemente no
texto hebraico para exprimir vagamente no a
região dos mortos. Mas não é o Antigo Testamento que vai resolver
a nossa questão.

Senão, vejamos:

Antes de Cristo entrar no Céu, ninguém entrou lá. Portanto, antes de


Cristo, no Antigo Testamento, não podia haver este conceito que há
hoje entre os cristãos: há uns que morrem e vão ser recompensados
no Céu, vendo a Deus face a face; há outros que morrem e serão
castigados eternamente no inferno. Dois lugares, portanto,
completamente opostos. Havia o conceito, muitas vezes expresso
na Bíblia, de que a pessoa depois da vida terrena, iria para a vasta
região dos mortos.

Esta região é apresentada como sendo , ou seja, num


lugar profundo, e é por isto que S. Jerônimo traduz o XeOL de
hebraico (que é o mesmo do grego) pela palavra latina
, inferno em português. Inferno, isto é, um lugar que está
em baixo, um lugar situado nas regiões inferiores. É natural,
portanto, que o leitor de hoje se espante ao ver, na Bíblia, Jacó
dizendo, ao receber a notícia da pretensa morte de José, seu filho
querido: Chorando descerei para meu filho ao (Gênesis
XXXVII-35). Aos seus ouvidos, acostumados a tomar a palavra
no sentido de lugar dos réprobos, parece que Jacó está
dizendo que José está na casa do diabo e ele quer ir para lá
também encontrar-se com ele; quando Jacó quer dizer
simplesmente que irá encontrar-se com seu filho na vasta região
dos mortos [19].

Nos primeiros livros da Bíblia (desde Gênesis até os livros dos Reis)
não se fala na região dos mortos senão de um modo vago, de um
modo geral, sem se distinguir aí um lugar bom ou um lugar ruim; e a
respeito de uma pessoa que morreu se diz apenas que foi reunir-se
a seus pais (Gênesis XV-15; Deuteronômio XXXI-16) ou que foi
reunir-se ao seu povo (Gênesis XXV-17; XXXV-29; XLIX-32;
Números XX-24; Deuteronômio XXXII-50); não se especificam
diversos lugares na região dos mortos.

Os livros poéticos de Jó e dos Salmos continuam a falar vagamente


neste , nesta região dos mortos, a qual é considerada uma
terra tenebrosa e coberta da escuridão da morte (Jó X-21), a terra
do esquecimento (Salmos LXXXVII-13), um lugar profundíssimo,
pois se diz a respeito de Deus: Ele é mais elevado do que o Céu e
que farás tu? é mais profundo do que o e como O
conhecerás? (Jó XI-8), lugar do qual não se volta: aquele que
descer aos não subirá, nem tornará mais à sua casa, nem
o lugar onde estava o conhecerá jamais (Jó VII-9 e 10), onde há
casa estabelecida para todo vivente (Jó XXX-23), onde os ímpios
cessaram de tumultos e ali acharam descanso os cansados de
forças (Jó III-17).

É sempre uma maneira geral de encarar a vida de além-túmulo, sem


discriminar propriamente a ideia de castigo ou de recompensa,
sendo digna de nota esta última citação, na qual se fala nos ímpios,
mas não se revela a sua punição, apenas se diz que ali deixaram de
provocar barulho.

Entretanto o Salmista já descerra uma pontinha do véu que encobre


os mistérios do além, manifestando a esperança de que Deus não o
deixará para sempre no : Deus na verdade resgatará a minha
alma do poder do , quando me tomar (Salmos XLVIII-16)
[20].

À medida que se aproximam dos tempos de Jesus Cristo, os judeus


vão tendo uma notícia mais circunstanciada, vão fazendo uma ideia
mais exata a respeito da vida futura.

Já para diante os livros proféticos começam a dar uma ideia mais


clara dos castigos reservados aos ímpios nesta região dos mortos:
Verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim, o
seu e (Isaías
LXVI-24). Toda esta multidão dos que dormem no pó da terra
acordarão, uns para a vida eterna, e outros para
(Daniel XII-2).

Os livros escritos em época ainda mais próxima de Jesus Cristo


[21], além desta ideia do castigo dos ímpios (Humilha
profundamente o teu espírito, porque a vingança da carne do ímpio
será o fogo e o bicho — Eclesiástico VII-19), acrescentam a ideia de
felicidade além-túmulo, para os bons e justos, mesmo antes da
ressurreição da carne: O justo, ainda que for colhido de uma
apressada morte, estará ... Porque a sua alma era
agradável a Deus, por isso Ele se apressou a tirá-lo do meio das
iniquidades (Sabedoria IV-7 e 14). Aquele que teme ao Senhor será
feliz no fim e será abençoado no dia da sua morte (Eclesiástico I-
13). As almas dos justos estão na mão de Deus e não os tocará o
tormento da morte. Pareceu aos olhos dos insensatos que morriam,
e o seu trânsito foi reputado por aflição, e a jornada que fazem,
separando-se de nós, extermínio; mas eles estão . E se eles
sofreram tormentos diante dos homens,
(Sabedoria III-1 a 4).

E o 2º Livro de Macabeus já fala de sacrifícios oferecidos a Deus em


sufrágio de alguns que haviam bravamente morrido em combate,
mas em cujo poder foram encontrados certos objetos consagrados
aos ídolos, os quais eles conservavam, digamos entre parêntesis,
ou por superstição ou por apego ao seu valor material. E
acrescenta: É logo um santo e saudável pensamento orar pelos
mortos, para que sejam livres dos seus pecados (2º Macabeus XII-
46).

Não precisam os nossos amigos protestantes fazer caretas porque


citamos o livro dos Macabeus ou porque citamos a Sabedoria e o
Eclesiástico. Apenas estamos fazendo uma demonstração da
evolução que houve entre os judeus a respeito da ideia da vida
futura. Considerem ou não os protestantes estes últimos livros
inspirados, pouco importa; o seu testemunho é sempre valiosíssimo
para demonstrar as ideias que vigoravam entre os judeus, nas
derradeiras épocas anteriores a Cristo. Judas Macabeu, que
constituía com seus combatentes uma parte seleta e fiel do povo
judaico em luta contra os inimigos da Pátria, não teria pensado
naquele sufrágio pelos mortos, se não houvesse entre os judeus a
crença na existência de um lugar de purificação no outro mundo.

Como observa Vigouroux: “Os judeus desta época distinguiam três


classes de mortos, que habitavam todos o : justos como
Jeremias estavam num estado feliz e podiam socorrer os vivos por
suas preces [22]; outros justos, como os soldados de Judas
Macabeu, culpados de faltas leves que não os impediriam de tomar
parte na ressurreição gloriosa; enfim criminosos que mereceram a
pena do fogo... Vê-se que as crenças expressas no Antigo
Testamento relativas à morada do mortos se desenvolveram de uma
maneira sensível, à medida que se aproximaram os tempos
messiânicos. Os antigos hebreus não entreviam no inferno quase
senão o seu lado temível, porque a seus olhos a morte era sempre o
castigo do pecado. Os judeus dos últimos tempos, melhor instruídos
sobre as normas da justiça de Deus, aprenderam que, mesmo antes
da ressurreição, havia uma diferença profunda entre o estado dos
maus e o dos santos” (Dictionnaire de La Bible. D-F. col 1795).

Passemos agora ao Novo Testamento.

Quando Nosso Senhor apareceu, já tinham os judeus, como vimos,


a ideia de três lugares diferentes no ou região dos mortos,
chamada na Vulgata : um bom para os justos, um de eterna
perdição para os maus, e outro em que as almas estavam sujeitas à
purificação. E uma prova de que admitiam este último, nós vemos,
por exemplo, no cuidado que teve Nosso Senhor em dizer aos
Judeus que todo o que disser alguma palavra contra o Filho do
Homem, perdoar-se-lhe-á; porém o que a disser contra o Espírito
Santo, não se lhe perdoará, nem neste mundo,
(Mateus XII-32). Outro indício nós temos na alusão que faz S. Paulo
àqueles que se batizam (1ª Coríntios XV-29). Sobre
este assunto, falaremos um pouco mais adiante (nº 221).

Com esta ideia a respeito das sortes diferentes que têm as almas no
, já os judeus podem compreender a parábola do rico e do
pobre Lázaro (Lucas XVI-19 a 31). A parábola se reporta a um fato
que aconteceu ou que se imagina que aconteceu no passado,
portanto numa época em que os bem-aventurados não tinham ido
ainda para o Céu. O mau rico está no , na região dos mortos,
porém está no lugar ruim, de eterna perdição, pois não só está no
meio dos tormentos, mas para ele não há alívio nem remédio de
forma alguma.

De longe se avista a Abraão que está no bom lugar e vê a Lázaro no


seu seio (Lucas XVI-23). Faz então a súplica que não é atendida,
porque entre o lugar que está Abraão e o lugar que está o mau rico
não há passagem, não se pode ir de um para outro, o que não
impede que houvesse no outro lugar, cujos moradores,
culpados de faltas menos graves do que as do mau rico, pudessem
após a necessária purificação passar para o bom lugar, onde se
achavam Abraão e Lázaro.

Porque o fim que teve Nosso Senhor ao propor esta parábola, não
foi ensinar quantos lugares existem no outro mundo; mas sim
mostrar a transformação extraordinária, a completa mudança de
sorte que vão ter nas regiões de além-túmulo o mau que passou a
sua vida engolfado nos prazeres e o justo que aqui na terra
conheceu acerbamente as agruras da existência. E temos que dizer
aqui também entre parêntesis: os protestantes se revoltam contra a
Igreja, quando esta ensina que as crianças mortas sem batismo vão
para o , porque, dizem, esta palavra não se encontra na
Bíblia. Pois vejam aí na parábola onde é que fica o limbo: o lugar
havia de ter um nome e não podemos chamá-lo,
porque Abraão já não se encontra nele, e sim no Céu, para onde foi
após a Ascensão do Senhor. É a este bom lugar do que
desce a alma de Jesus após a morte, para esperar a ressurreição
que se verificaria na manhã do domingo e assim nEle se cumpre a
profecia de Davi que é relembrada em Atos II-27: Não deixarás a
minha alma no , nem permitirás que o teu santo
experimente corrupção. Inferno aí como sempre = = região
dos mortos. Mas aí num bom lugar desta região. Muitos
protestantes, interpretando a Bíblia pela própria cabeça, se têm
atrapalhado com este texto, garantindo que Jesus desceu mesmo
ao inferno dos réprobos, o que é inconcebível.

A esta noção que já possuíam os judeus sobre as variadas regiões


do , o Novo Testamento vem acrescentar uma nova ideia. Os
ímpios estão no mau lugar do , mas este é também
e dos seus anjos: Apartai-vos de mim, malditos,
para o fogo eterno, que está aparelhado para o e para
(Mateus XXV-41). Não é de admirar que estejam assim
associados os réprobos e os demônios no mesmo lugar de suplício
uma vez que pertencem à mesma família: Vós sois
e quereis cumprir os desejos de vosso pai... Quando ele diz a
mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da
mentira (João VIII-44). Aquele que comete o pecado é
, porque o diabo peca desde o princípio (1ª João III-8).

E assim se foi progredindo no conhecimento do , esta vasta


região dos mortos.

Mas acontece que depois da Ascensão do Senhor, o significado de


teve que sofrer uma substancial alteração.

Depois que Jesus entrou no Céu, na bem-aventurança, subiram do


bom lugar do para o Céu todos os justos devidamente
purificados que houve desde o princípio do mundo até aquela data.
E os que estivessem nas mesmas condições daí por diante iriam
para o Céu e não para o .

De modo que continua a designar o lugar de todos os mortos


que não estão na bem-aventurança. Mas a diferença é muito
grande: antes de Cristo, todos os mortos sem exceção estavam
neste caso. Não havia nenhum no Céu. Hoje o já não é o
lugar de todos os mortos. Por conseguinte, se Jesus tivesse dito: —
As portas do não prevalecerão contra a Igreja — naqueles
tempos de Isaque, de Jacó, de Josué, de Jó, etc., ainda se podia
entender que aí significava , pois se tinha apenas
uma vaga ideia de que o era o lugar de todos os mortos, não
se fazia nem uma ideia bem clara da diferença entre bons e maus
nesta vasta região.

Mas Jesus veio a dizer isto . Mais ainda, está falando


da luta que a Igreja terá com o , e até
o fim do mundo.

Se perguntarmos a um protestante (que em geral não admite nem o


limbo nem o purgatório): quem está neste para combater a
Igreja? ele terá que responder: Homem, neste só
, no sentido rigoroso da palavra. São os réprobos e os
demônios. É daí que vem o combate da Igreja. Terá que reconhecer,
portanto, com um de seus corifeus, Zuínglio, que “por inferno aí se
deve entender toda a força contrária e satânica, todo ímpeto do
inimigo” (in Mateus 16-18. Opera VI.1. Schuler et Schulthess 1836
pág. 322). E é interessante notar que a versão protestante de
Ferreira de Almeida, a qual em outros lugares não traz a palavra
como tradução do , mas sim a palavra
mesmo em português (Atos II-27; Lucas XVI-23), neste passo, sem
nenhuma hesitação apresenta a palavra : E as portas do
não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18).

Um católico sabe que no , ou seja, na região dos mortos que


fica lá em baixo, dos mortos que não estão na bem aventurança,
está o inferno, onde são atormentados os demônios e os réprobos,
está também o purgatório, onde estacionam as almas salvas que
ainda precisam purificar-se para entrar no Céu, e está o limbo, onde
se encontram as crianças que morreram sem batismo. Mas sabe por
outro lado que o combate contra a Igreja não pode absolutamente
partir das almas do purgatório que, ao contrário, só podem ajudar a
Igreja no que estiver a seu alcance, pois são almas justas e
precisam de nossas preces para que Deus lhes dê um refrigério nos
seus padecimentos. Nem pode partir das criancinhas inocentes que
morreram sem batismo, as quais quase que podemos garantir de
antemão: nada sabem do que se passa neste mundo. A luta,
portanto, de contra a Igreja só pode provir das profundas do
inferno, ou seja, de satanás e seus anjos e dos réprobos que estão
sob o seu poder.

É inútil, por conseguinte, apresentar textos e mais textos do Antigo


Testamento para nos explicar que a ideia do se identifica com
a ideia de . A ideia de é hoje muito diferente.

Além disto, esta interpretação supõe que Cristo considera aí a


como uma entidade que está ocupada em destruir
coletivamente reinos, instituições, impérios e nações e que procura
também levar de vencida a Igreja, como instituição. Mas onde é que
na Bíblia se encontra este conceito? A morte sempre se apresenta
como o desaparecimento do daqui da face da terra. É
temida, é um castigo do pecado, a ela se submeteu por nosso amor
o próprio Cristo, que dela se serviu como de meio para realizar a
sua obra redentora: para destruir ao que tinha o
império da morte, isto é, ao e para livrar aqueles que pelo
temor da morte estavam em escravidão toda a vida (Hebreus II-14 e
15). Por aqueles que estão bem integrados no reino de Deus,
praticando a virtude, ela deixa de ser encarada como uma inimiga,
antes muitas vezes é desejada ardentemente, pois é considerada
uma libertação: Pois me vejo em aperto por duas partes:
e estar com Cristo, que é sem
comparação muito melhor; mas o permanecer em carne é
necessário por amor de vós (Filipenses I-23 e 24), diz aos fiéis o
Apóstolo S. Paulo, porque, segundo o mesmo Apóstolo, sabemos
que se a nossa casa terrestre desta morada for desfeita (é claro que
é ao nosso corpo que ele se refere) temos de Deus um edifício,
casa não feita por mãos humanas, que durará para sempre nos
Céus. E por isto também gememos, ser revestidos da
nossa habitação que é do Céu (2ª Coríntios V-1 e 2). Ansiosos,
ausentar-nos do corpo e estar presentes ao Senhor
(2ª Coríntios V-8). É aos olhos do Senhor a dos
seus santos (Salmos CXV-15). Bem-aventurados os mortos que
morrem no Senhor (Apocalipse XIV-13).

Luta, sim, tremenda e sem tréguas, é a que a Bíblia nos apresenta


entre a Igreja, o reino de Deus e o demônio, o inferno, as potestades
diabólicas: A cizânia são os maus filhos e o inimigo que a semeou é
o (Mateus XIII-38 e 39). Vem o e tira a palavra do
coração deles, para que não se salvem crendo (Lucas VIII-12). Se
pelo dedo de Deus, lanço os , é certo que chegou a vós o
reino de Deus (Lucas XI-20). Eis aí vos pediu com a
instância para vos joeirar como trigo (Lucas XXII-31). Revesti-vos da
armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as ciladas
do ; porque nós não temos que lutar contra a carne e o
sangue, mas sim contra os , contra os
, contra os
espalhados por esses ares... embraçando sobretudo o
escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados
do (Efésios VI-11 e 12; 16). Sede logo sujeitos a
Deus e resisti ao , e ele fugirá de vós (Tiago IV-7) O ,
vosso , anda ao derredor de vós, como um leão que
ruge, buscando a quem possa tragar; resisti-lhe fortes na fé,
sabendo que
(1ª Pedro V-8 e 9). Para
destruir as obras do é que o filho de Deus veio ao mundo (1ª
João III-8).

A luta, portanto, a que Jesus se refere, é a luta contra as potestades


infernais. P equivale ao que Jesus chamou em
outra ocasião (Lucas XXII-53). É a luta da
Igreja contra os satânicos perseguidores que procuram oprimi-la
pela força e afogá-la no sangue dos seus adeptos; é a luta contra a
cizânia, os maus filhos que o demônio, com suas tentações, procura
introduzir no meio do trigo, no meio dos filhos fiéis; é a luta contra
todas as heresias de todos os tempos, que procuram disseminar o
erro, instigadas pelo demônio, que é o pai da mentira (João VIII-44).

Notas (pular)

[19] Ferreira de Almeida teve medo de traduzir assim e traduziu: com choro
hei de descer ao meu filho até a (Gênesis XXXVII-35). A tradução
é incorreta, pois, segundo a suposição de Jacó, uma fera havia devorado o
filho dele. E a tradução da Sociedade Bíblica do Brasil diz: com choro hei de
descer para meu filho ao (Gênesis XXXVII-35). Não existe esta palavra
em português; o leitor a procura no dicionário e não a encontra. De modo que,
de qualquer forma quem quer compreender perfeitamente a Bíblia sem ter um
certo preparo sobre a linguagem e a literatura dos hebreus, está sempre
arriscando a sair apanhando. (voltar)

[20] Outra passagem em que o Salmista levanta mais uma pontinha do véu, é
aquela em que ele diz: O poder é de Deus; e a ti, Senhor, é a misericórdia;
porque tu (Salmos LXI-12 e
13). No tempo em que foi escrita esta frase, os judeus certamente, não lhe
mediam todo o alcance, porque pensavam muito em justiça feita já neste
mundo. Mas com a revelação do Novo Testamento (Mateus XVI-27; Romanos
II-5 a 8) é que se vê claramente que se trata sobretudo de uma justiça a ser
exercida após a morte, na vida futura, e aí se compreende melhor a profunda
significação de tais palavras. (voltar)

[21] Todos os anteriores à era cristã, o Eclesiástico é do século 2º; a


Sabedoria e o 2º livro dos Macabeus são do 2º ou do 1º século. (voltar)

[22] Refere-se a 2º Macabeus XV-12 a 14. (voltar)

A Igreja de Cristo é a Igreja Católica.

167. Agora perguntamos: Quando Cristo diz: edificarei


I e as portas do inferno não prevalecerão contra (Mateus
XVI-18) a que Igreja se refere? Não é ao Protestantismo, nem a
nenhuma Igreja protestante em particular, porque as Igrejas
protestantes só começaram a existir no século XVI.
Refere-se, sem dúvida alguma, à Igreja Católica; é fácil demonstrá-
lo.

Logo nos inícios da Igreja, os seguidores de Cristo foram


designados com o nome de cristãos. Assim podiam distinguir-se dos
filósofos pagãos e dos judeus ou seguidores da sinagoga. Este
nome de cristãos, como se sabe, já vem da própria Bíblia, e tal
denominação começou em Antioquia: em Antioquia foram primeiro
os discípulos denominados (Atos XI-26). Então Agripa
disse a Paulo: Por pouco me não persuades a fazer-me
(Atos XXVI-28) se ele, porém, padece como , não se
envergonhe (1ª Pedro IV-16).

Aconteceu, porém, que, logo que a Igreja começou a propagar-se,


começaram a aparecer os hereges, seguindo doutrinas diversas
daquela que tinha sido recebida dos Apóstolos, mas tomando o
nome de cristãos, pois também criam em Cristo e dEle se diziam
discípulos. Era preciso, portanto, um novo nome para designar a
verdadeira Igreja, distinguindo-a dos hereges. E desde tempos
antiquíssimos, desde os tempos dos Apóstolos, a Igreja começou a
ser designada como I , isto é, Universal, a Igreja que
está espalhada por toda a parte, para diferençá-la dos hereges,
pertencentes a igrejinhas isoladas que existiam aqui e acolá. Assim
é que já S. Inácio Mártir, que foi contemporâneo dos Apóstolos, pois
nasceu mais ou menos no ano 35 da era cristã e, segundo Eusébio
de Cesareia no seu Chrónicon, foi bispo de Antioquia entre os anos
70 a 107, já S. Inácio nos fala abertamente da Igreja Católica, na
sua Epístola aos Esmirnenses: “Onde comparecer o Bispo, aí está a
multidão, do mesmo modo que, onde estiver Cristo Jesus, aí está a
I ” (Epístola aos Esmirnenses c. 8,2).

Outro contemporâneo dos Apóstolos foi S. Policarpo, bispo de


Esmirna, que nasceu no ano de 69 e foi discípulo de S. João
Evangelista. Quando S. Policarpo recebeu a palma do martírio, a
Igreja de Esmirna escreveu uma carta que é assim endereçada: “A
Igreja de Deus que peregrina em Esmirna à Igreja de Deus que
peregrina em Filomélio e a todas as paróquias da I Santa e
em todo o mundo”. Nessa mesma Epístola se fala de uma
oração feita por S. Policarpo, na qual ele “fez menção de todos
quantos em sua vida tiveram trato com ele, pequenos e grandes,
ilustres e humildes, e especialmente de toda a I ,
espalhada por toda a terra” (c.8).

O Fragmento Muratoriano que é uma lista, feita no 2º século, dos


livros do Cânon do Novo Testamento, fala em livros apócrifos que
“não podem ser recebidos na I ”.

S. Clemente de Alexandria (também do século 2º) responde à


objeção dos infiéis que perguntam: “como se pode crer, se há tanta
divergência de heresias, e assim a própria verdade nos distrai e
fatiga, pois outros estabelecem outros dogmas?” Depois de mostrar
vários sinais pelos quais se distingue das heresias a verdadeira
Igreja, assim conclui S. Clemente: “Não só pela essência, mas
também pela opinião, pelo princípio, pela excelência, só há uma
Igreja antiga e é a I . Das heresias, umas se
chamam pelo nome de um homem, como as que são chamadas por
Valentino, Marcião e Basílides; pelo lugar donde vieram, como os
Peráticos; outras, do povo, como a heresia dos Frígios; outras, de
alguma operação, como os Encratistas; outras, de seus próprios
ensinos, como os Docetas e Hematistas.” (Stromata 1.7.c.15).
Digamos de passagem: o mesmo argumento podemos formular hoje
contra os protestantes. Há uma só Igreja que vem do princípio: é a
Igreja Católica. As seitas protestantes, umas são chamadas pelos
nomes dos homens que as fundaram, ou cujas opiniões seguem,
como: Luteranos (de Lutero), Calvinistas (de Calvino), Zuinglianos
(de Zuínglio), Arminianos (de Armínio), Svedenborgianos (de
Svedenborg), Socinianos (de Socin), Russelitas (de Russel),
Valdenses (de Valdo), Menonitas (de Menno);

outras, do lugar donde vieram: Igreja Livre Evangélica Sueca,


Irmãos de Plymouth;
outras, de um povo: Anglicanos (da Inglaterra), Irmãos Moravos (da
Morávia);

outras, do modo pelo qual se governam, como os Presbiterianos, os


Congregacionalistas;

outras, de alguma doutrina que professam, como os Batistas [23]


(que rebatizam os que foram batizados em criança ou por infusão),
os Adventistas (que anunciam a próxima vinda ou advento do
Senhor), os Pentecostais (que pretendem receber os mesmos
carismas do dia de Pentecostes), os Ubiqüitários (que dizem que o
corpo de Cristo está em toda a parte), os Universalistas (que dizem
que a predestinação e a salvação são universais);

outras, de algum apelido que foi imposto aos seus adeptos, como os
Metodistas, porque os estudantes reunidos em Oxford por Carlos
Wesley, para iniciar a seita, levavam uma vida bastante metódica,
ou como os Quacres, de uma palavra inglesa que quer dizer
, designação que lhes veio por causa da palavra dita
pelo fundador Jorge Fox diante do juiz Bennet: “Treme, diante da
palavra de Deus”.

No século 3º, Firmiliano, bispo de Capadócia, diz assim: “Há uma só


esposa de Cristo, que é a I ” (Ep. de Firmiliano nº
14).

Na história do martírio de S. Piônio (morto em 251) se lê que


Polemon o interroga:

— Como és chamado?

— Cristão.

— De que igreja?

— Católica. (Ruinart. Acta martyrum pág. 122 nº 9)


S. Frutuoso, martirizado no ano de 259, diz: “É necessário que eu
tenha em mente a I , difundida desde o Oriente até o
Ocidente” (Ruinart. Acta martyrum pág. 192 nº 3).

Lactâncio, convertido ao Cristianismo no ano de 300, diz: “Só a


I é que conserva o verdadeiro culto. Esta é a fonte
da verdade; este o domicílio da fé, o templo de Deus, no qual se
alguém não entrar, do qual se alguém não sair, está privado da
esperança de vida e salvação eterna” (livro 4º cap. 3º).

S. Paciano de Barcelona (morto no ano de 392) escreve na sua


epístola a Simprônio: “Como, depois dos Apóstolos, apareceram as
heresias e com nomes diversos procuraram cindir e dilacerar em
partes aquela que é a rainha, a pomba de Deus, não exigia um
sobrenome o povo apostólico, para que se distinguisse a unidade do
povo que não se corrompeu pelo erro?... Portanto, entrando por
acaso hoje numa cidade populosa e encontrando marcionistas,
apolinarianos, catafrígios, novacianos e outros deste gênero, que se
chamam cristãos, com que sobrenome eu reconheceria a
congregação de meu povo, se não se chamasse ?”
(Epístola a Simprônio nº 3). E mais adiante, na mesma epístola:
“Cristão é o meu nome; , o sobrenome” (ibidem nº 4).

S. Cirilo de Jerusalém (do mesmo século 4º) assim instruiu os


catecúmenos: “Se algum dia peregrinares pelas cidades, não
indagues simplesmente onde está a casa do Senhor, porque
também as outras seitas de ímpios e as heresias querem coonestar
com o nome de casas do Senhor as suas espeluncas; nem
perguntes simplesmente onde está a igreja, mas onde está a igreja
; este é o nome próprio desta santa mãe de todos nós, que
também é esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Instrução
Catequética c.18; nº 26).

S. Agostinho (do século 5º) dizia: “Deve ser seguida por nós aquela
religião cristã, a comunhão daquela Igreja que é ,e
é chamada não só pelos seus, mas também por todos os
inimigos” (Verdadeira Religião c.7; nº 12).

E quando o Concílio de Constantinopla, no ano de 381, colocou, no


seu símbolo estas palavras: “Cremos na Igreja Una, Santa,
C e Apostólica”, isto não constituía novidade alguma, pois já
desde tempos antiquíssimos, se vinha recitando no Credo ou
Símbolo dos Apóstolos: Creio na Santa Igreja .

Notas (pular)

[23] A respeito da origem do nome , ouçamos o que o reverendo Davi


Gomes, pastor batista conhecido em todo o Brasil, pois é fundador e diretor
da Escola Bíblica do Ar, nos informa à pág. 147 do seu livro “Perguntas e
Respostas”, editado em 1955: “Durante a idade média surgiu um grupo de
religiosos que exigiam o batismo dos crentes, mesmo que tivessem sido
aspergidos na infância. Por esta causa, foram chamados pelos seus inimigos
de anabatistas ou rebatizadores. Com o correr dos tempos o prefixo ANA caiu
e ficou o nome batista, que designa uma seita religiosa que só aceita como
membros pessoas que voluntariamente aceitam Jesus como Salvador e
sejam batizados em nome da Trindade e por imersão, por ordem de uma
igreja biblicamente organizada”. Completando a exposição do Pastor Davi
Gomes: a seita dos Anabatistas foi iniciada por Nicolau Storch e Tomás
Münzer no ano de 1521; foi a primeira cisão que se verificou no seio do
Protestantismo, iniciando-se aí a longa história da multiplicidade das seitas
protestantes. (voltar)

Onde está a promessa de Cristo?

168. Vemos, portanto, na história do Cristianismo, o contraste


evidente entre aquela Igreja que veio desde o princípio e logo se
espalhou por toda a parte (Ide, pois, e ensinai todas as gentes —
Mateus XXVIII-19) e que desde o começo foi chamada ,
segundo o que acabamos de demonstrar, e as outras heresias que
foram aparecendo no decorrer dos séculos, discordando deste ou
daquele ponto, inventadas por um homem qualquer, mas todas
levadas de vencida pela Igreja, pois ou desapareceram por
completo ou ficaram tão reduzidas em número de adeptos que logo
mergulharam no esquecimento: como são ebionistas, marcionistas,
apolinarianos, sabelianos, arianos, monofisistas, nestorianos,
pelagianos, monotelitas, etc., etc. Nenhuma conseguiu quebrar-lhe a
unidade, nem fazê-la afastar-se de sua doutrina ensinada desde o
princípio.

Chega esta Igreja ao século XVI. Aparece então Martinho Lutero,


pretendendo afirmar que esta Igreja está completamente afogada no
erro e é preciso fazer uma reforma doutrinária. A doutrina que ele
apresenta é aquela “beleza” que já vimos no capítulo 3º, uma
monstruosidade que aberra contra toda a lógica. Surgem outros
Reformadores, às centenas, cada um apresentando uma doutrina
diferente. Se querem, quase todos, basear-se na salvação pela fé
sem as obras, já demonstramos cabalmente que essa teoria vai de
encontro a palavras claras da própria Bíblia. Se negam o primado de
Pedro, a eficácia do Batismo, a presença real de Cristo na
Eucaristia, o poder de perdoar pecados concedido aos Apóstolos,
estamos demonstrando neste Livro que todas estas negações são
contrárias a ensinos evidentes da Sagrada Escritura. Aliás, os
protestantes negam estes pontos da doutrina católica, não porque
um estudo consciencioso da Bíblia os leve a tal conclusão, mas sim
porque são forçados pela necessidade; não há outro jeito senão
negá-los, uma vez que vindo do século XVI, não têm eles a
sucessão apostólica; transmissão de poderes desde os tempos de
Cristo é coisa que de forma alguma pode haver agora entre eles, se
querem continuar ostentando uma completa independência da Igreja
Católica.

Queremos aqui apenas fazer uma pergunta aos protestantes: como


é que Cristo deixou durante tantos séculos a sua Igreja mergulhada
completamente no erro, e só no século XVI fez aparecerem os
“inspirados” e “esclarecidos” doutrinadores da verdade? Onde está a
Providência Divina com relação à obra de Deus que é a sua Igreja?
Se tal desastre se tivesse verificado, então teria falhado
completamente a promessa de Cristo: E as portas do inferno não
prevalecerão (Mateus XVI-18).
Eu te darei as chaves do Reino dos Céus;
e tudo o que ligares sobre a terra será ligado também
nos Céus,
e tudo o que desatares sobre a terra será desatado
também nos Céus.
A entrega das chaves.

169. Depois de chamar a Pedro de pedra fundamental de sua


Igreja, depois de prometer que esta Igreja estaria sempre firme,
sempre vitoriosa na luta contra os poderes do inferno, Jesus Cristo
passa a falar nos plenos poderes que confere ao principal Apóstolo
sobre esta mesma Igreja. A Pedro, só a ele, mais a ninguém, Cristo
declara solenemente que lhe vai entregar as chaves do reino dos
Céus. Esta expressão — reino dos Céus — tanto pode significar, no
Evangelho, a corte celestial, como pode designar a Igreja: é o que
veremos daqui a pouco (nº 179).

Aqui se trata evidentemente de poderes a serem exercidos na


Igreja, porque é sobre a Igreja que Cristo acabou de falar (edificarei
a minha I ) e sobre a Igreja daqui da terra, que Ele continuará
falando (Tudo o que ligares sobre etc.). E trata-se de
plenos poderes, porque esta metáfora — entregar as chaves — era
usada entre os povos antigos, principalmente entre os orientais,
como símbolo de poder. Se um superior entregava a seu súdito as
chaves de uma fortaleza ou de uma cidade, isto significava o poder
que ele havia de exercer naquela cidade ou naquela fortaleza. Se
era o inferior que entregava as chaves ao seu superior, queria
indicar com isto que dele dependia e a ele estava sujeito. A razão de
ser desta cerimônia é que antigamente a defesa da cidade estava
principalmente nas suas portas. Aquele que tinha as chaves da
cidade, que tomava as suas portas, a possuía virtualmente em suas
mãos.
Ainda hoje, mesmo entre nós, aquele que vende uma casa confere
solenemente o pleno domínio de propriedade sobre esta casa,
quando faz a entrega das chaves. O mesmo acontece quando uma
casa é alugada: entregar as chaves é transmitir o domínio útil sobre
a mesma; o locatário desde este momento tem a casa à sua
disposição. Do mesmo modo a Igreja está sobre o domínio de
Pedro, que recebe plenos poderes sobre ela.

Os protestantes, querendo diminuir o alcance destas palavras de


Jesus, afirmam que S. Pedro recebeu as chaves do reino dos Céus,
porque ele foi o primeiro a abrir o reino dos Céus pela pregação no
dia de Pentecostes. Mas é a própria Bíblia que se encarrega de
desautorizar a mesquinhez desta interpretação. Porque o que
vemos na própria Bíblia é a posse das chaves significando um pleno
domínio por parte daquele que as recebe.

No livro de Isaías se lê que Deus manda dizer a Sobna, prefeito do


templo: E te deitarei fora do teu posto e te deporei do teu ministério.
E acontecerá isto naquele dia: Chamarei ao meu servo Eliacim, filho
de Helcias, e vesti-lo-ei da tua túnica e confortá-lo-ei com o teu cinto
e ;
J J .E
D ;
; .E
fincá-lo-ei como estaca em lugar firme; e ele será como um trono de
glória para a casa de seu pai. E deixarão pendentes dele toda a
glória da casa de seu pai, diversas castas de vasos, todo o vaso
pequenino, desde os vasos de beber até todo o instrumento músico
(Isaías XXII-19 a 24).

Também no Apocalipse se põem nos lábios de Cristo estas palavras


em que se exprime o seu supremo poder sobre a morte e o inferno:
Eu sou o primeiro e o último, e o que vivo e fui morto; mas eis aqui
estou eu vivo por séculos dos séculos e tenho da morte
e do inferno (Apocalipse I-17 e 18). Este mesmo poder supremo de
Cristo é expresso em outra passagem do mesmo livro: Isto diz o
Santo e o Verdadeiro, que tem de Davi, que
, (Apocalipse III-7).

Ligar e desligar.

170. E dentro da própria Bíblia, não é preciso ir tão longe para


demonstrar que as chaves significam pleno domínio, poder e
autoridade, quando é o próprio Jesus Cristo que nos vem ilustrar
esta interpretação com as palavras que se seguem no contexto:
Tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos Céus; e
tudo o que desatares sobre a terra será desatado também nos Céus
(Mateus XVI-19).

É um poder amplo e universal: , estende-se a todas as


pessoas, a todas as coisas que digam respeito à natureza da Igreja.
Q : é claro que não se trata de amarrar com cordas, nem
com cadarços, nem com laços de fita, mas sim de ligar moralmente
e o que moralmente nos liga e nos amarra é a obrigação. Trata-se
aí, portanto, de impor leis, de instituir obrigações. S. Pedro recebe o
poder de legislar na Igreja de Cristo e como a lei tem a sua sanção,
o poder de legislar inclui naturalmente o poder de admoestar e de
punir. Ele pode excluir do Reino dos Céus, ou da Igreja, aqueles que
cometeram certos crimes, porque as chaves deste reino estão em
suas mãos.

E o que ele fizer no governo da Igreja será ratificado nos Céus. As


palavras ligar e desligar tinham entre os rabinos o sentido de proibir
e permitir, declarar ilícita ou lícita alguma coisa. Encontram-se no
Talmud frases como esta: “Os escribas diziam: na Judeia se
trabalha até o meio-dia na véspera de Páscoa; na Galileia não se
trabalha. No que concerne à noite (precedente) a escola de
Chammai o liga aos galileus; enquanto a escola de Hillel o desliga
até o nascer do sol” (Strack-Billerbeck pág. 739-740).

Alguns protestantes se pegam somente com esta segunda acepção:


cabe a Pedro somente declarar lícita ou ilícita uma coisa. Mas ainda
mesmo dado e não concedido que ligar e desligar só tivesse entre
os rabinos esta significação, vê-se pelas próprias palavras de Cristo
quão grande é o poder conferido a S. Pedro: não se trata de
declarar lícito ou ilícito aqui na terra aquilo que já foi como tal
declarado nos Céus. Mas do inverso. Pedro pode declarar lícita ou
ilícita qualquer coisa aqui na terra, que isto será confirmado no
próprio Céu, onde passará a ser considerado lícito ou ilícito.

— Mas, dirão os protestantes, assim está o chefe da Igreja com o


direito de acabar com aquilo que é da própria lei natural ou de
preceito divino.

— Não há motivo para receio neste ponto. Quando há 2 poderes,


um maior, o outro menor, se houvesse nalgum caso contradição
entre os dois poderes, o maior prevaleceria. É o que se dá, por
exemplo, com a obediência a nossos pais: devemos obedecer a
Deus, devemos obedecer aos pais. Mas, se os pais ordenam
alguma coisa que é proibida por Deus, cessa o dever de obediência
filial. É claro, portanto, que o poder de S. Pedro e de seus
sucessores não se estendem àquilo que é contrário ao direito divino.

Do chefe de repartição, do presidente de uma sociedade qualquer


que nada decide, nada resolve, se diz vulgarmente que ele não ata
nem desata. Não foi para fazer essa figura de papelão, para exercer
um papel meramente figurativo, que Cristo fez de S. Pedro e seus
sucessores a que havia de sustentar a sua Igreja. Para
exercer esta missão era preciso que S. Pedro tivesse plenos
poderes no governo eclesiástico [24]. Por isto lhe são entregues as
chaves do Reino dos Céus. E é por isto também que Cristo lhe diz:

Notas (pular)

[24] A fim de lançarem uma cortina de fumaça sobre este texto de S. Mateus,
os protestantes se põem a querer dar exemplos destes casos de e
, mas fornecem exemplos que nada têm que ver com o caso, e
assim se estabelece a confusão, que é precisamente o que lhes interessa.
Dizem: Pedro pregou no dia de Pentecostes e, depois da pregação,
perguntaram os ouvintes o . A resposta de Pedro foi que
deviam arrepender-se e ser batizados (Atos II-38). Pedro é chamado à casa
de Cornélio, prega aí o Evangelho, Cornélio e os presentes se convertem e aí
se abre o reino dos Céus para os gentios (Atos cap. 10º). Filipe, um simples
diácono, prega em Samaria e aí muitos se convertem (Atos VIII-5 a 8 e 12);
abriu-se, portanto, o reino dos Céus para os samaritanos. E assim por diante.
Desses exemplos, os protestantes poderão apresentar milhares, se quiserem,
desde os tempos de Cristo até os dias de hoje. Mas isto nada tem que ver
com o poder de ligar e desligar. Trata-se aí, sim, da missão de , de
: Ide, pois, e todas as gentes (Mateus XXVIII-19) o
Evangelho a toda criatura (Marcos XVI-15), missão esta que os Apóstolos
receberam, mas podiam também confiar e de fato confiaram a outras pessoas
idôneas, para que os ajudassem nesta obra evangelizadora. Ainda hoje são
muitos os que pregam o Evangelho; uns, porque receberam a missão da
Igreja Verdadeira que Cristo fundou; outros, porque por sua própria cabeça
entendem que devem pregá-lo, quando ninguém os autorizou para isto. Mas o
que não sabíamos é que pelo simples fato de pregar o Evangelho, pregação
esta J , nada fica,
portanto, ao nosso arbítrio, pelo simples fato de informar a alguém que
precisa - , como Cristo ordenou, por este
simples fato uma pessoa possa dizer: Vejam que poder é o meu! Tudo o que
eu ligo na terra, é ligado nos Céus; o que eu desligo na terra é desligado nos
Céus.

Apresentam Ananias, um simples discípulo, com o poder de e


, porque foi ele encarregado de introduzir a Saulo na Igreja (Atos IX-
10 e 11; 17 e 18; XXII-12 a 16). Mas era outra coisa que não sabíamos: que
pelo simples fato de ter recebido de Jesus
com relação a Saulo, a de curá-lo da cegueira e ministrar-lhe o
Batismo, por este simples fato Ananias pudesse dizer: Vejam que poder é o
meu! T o que eu ligo na terra, é ligado nos Céus; o que eu desligo na terra
é desligado nos Céus!

Para ser maior a confusão, no meio destes exemplos fora de propósito, os


protestantes apresentam três exemplos legítimos: Pedro condena o proceder
de Simão Mago, que queria por dinheiro adquirir o poder de dar o Espírito
Santo (Atos VIII-18 a 24), Pedro repreende severamente a Ananias e Safira,
que haviam sido réus de hipocrisia (Atos V-1 a 10), Paulo reprova
energicamente a Elimas, o Mago, que procura dificultar a conversão do
procônsul (Atos XIII-8 a 12) e nestes dois últimos casos, Deus se encarregou
de mostrar visivelmente com um castigo do Céu como ratificava a sentença
dos Apóstolos. Mas que provam estes exemplos senão que havia de fato uma
para governar, repreender e castigar, que Deus reconhecia na
pessoa de seus Apóstolos? É precisamente esta autoridade que negam os
protestantes que dizem que a Igreja Cristã se regia democraticamente e os
fiéis é que tudo decidiam. (voltar)
Apascenta os meus cordeiros; Apascenta as minhas
ovelhas
O pastor do grande rebanho.

171. Cristo que orou ao Pai para que seus seguidores fossem todos
, como tu, Pai, o és em mim e eu em ti (João XVII-21) e que um
dia profetizou a realização de seu ideal na Igreja, que Ele havia de
fundar: haverá (João X-16), antes de
subir aos Céus, resolveu entregar a um homem a missão de
pastorear o seu rebanho.

Depois do que pacientemente expusemos (nº 161) sobre as


prerrogativas dos homens e os atributos de Deus, ninguém vai mais
ter o espírito tão estreito que chegue a dizer: Cristo não é o nosso
Bom Pastor (João X-11)? Como é que um homem vai ser o pastor
de toda a sua Igreja? É o caso de dizer: Deus não é o Pai dos Céus
que cuida de todos nós, de quem todos somos filhos, a quem
devemos toda a submissão? Isto não o impede de nos dar aqui na
terra um pai que também cuida de nós e a quem devemos respeito,
amor, sujeição e obediência.

Qual foi o homem, a quem Cristo constituiu pastor de todo o seu


rebanho? Foi S. Pedro, o mesmo S. Pedro que o Divino Mestre
chamou a pedra, sobre a qual ia edificar a sua Igreja.

O amor de Pedro.

172. Vejamos como tudo se passou.


Estavam reunidos alguns Apóstolos com outros discípulos, quando
lhes apareceu Jesus: Depois tornou Jesus a mostrar-se a seus
discípulos junto do mar de Tiberíades; e mostrou-se-lhes desta
sorte: Estavam juntos Simão Pedro e Tomé chamado Dídimo, e
Natanael que era de Caná de Galileia, e os filhos de Zebedeu, e
outros dois de seus discípulos (João XXI-1 e 2). É diante destes
Apóstolos e discípulos, que Jesus faz uma pergunta a Pedro. Tendo
eles, pois, jantado, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de
João, tu amas-me mais do que estes? (João XXI-15).

Nota-se outra vez em Jesus a preocupação de identificar


perfeitamente a S. Pedro, para que não se confunda com outro, pois
o chama pelo nome de nascimento, acrescentando-lhe o nome do
pai: Simão, filho de João. É a Pedro exclusivamente que se dirige.

A pergunta que lhe faz Jesus é bem significativa e, ao mesmo


tempo, embaraçosa para S. Pedro. Significativa, porque Jesus
mostra muito bem que lhe vai dar uma missão à parte, superior à de
seus companheiros, uma vez que para isto se exige que Pedro o
ame mais do que os outros. Embaraçosa para S. Pedro que acabara
de colher uma amarga experiência de sua presunção: julgara-se
superior aos outros Apóstolos na firmeza e dedicação ao Mestre:
Ainda quando todos se escandalizarem a teu respeito, eu nunca me
escandalizarei (Mateus XXVI-33). E o resultado de tal presunção
havia sido bastante funesto. S. Pedro agora não ousa dizer que ama
a Jesus Cristo mais do que os seus companheiros, porque já
aprendeu, de sua própria fraqueza, do fracasso de sua negação, a
não se julgar superior a ninguém. Sua resposta é firme, sincera e ao
mesmo tempo modesta: Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo (João
XXI-15).

Alguns protestantes, querendo diminuir a significação das palavras


ditas a S. Pedro nesta passagem do Evangelho, interpretam assim
as palavras de Jesus: Perguntando a Pedro — amas-me mais do
que estes? — Nosso Senhor lhe perguntou apenas se o amor que
Pedro tinha a Cristo era maior do que o amor que Pedro tinha aos
outros Apóstolos e companheiros: amas-me mais do que amas a
estes?
Outros vão mais além. Como a palavra , tanto no grego
( ), como no latim (HIS) é expressa por uma forma que é
igual para o masculino, o feminino e o neutro, dizem que aí se trata
do gênero neutro, isto é, Cristo perguntou a Pedro se tinha mais
amor a Ele, Cristo, do que àquelas coisas que ali estavam: como
eram as barcas, as redes, os peixes etc. Interpretação
verdadeiramente ridícula, que bem mostra até que ponto pode
chegar o partidarismo dos protestantes em matéria de exegese.

Nenhuma das duas interpretações tem fundamento. Se Cristo


tivesse perguntado a S. Pedro se ele amava ao Mestre mais do que
aos outros discípulos, ou se amava ao Mestre mais do que as redes
e barcas e pescados, S. Pedro não teria hesitado um só instante,
nem de maneira alguma em responder. Ele bem sabia o que se
passava no seu coração; sabia perfeitamente que o seu amor ao
Mestre superava todos os outros amores. Nem os seus colegas
podiam ficar ofendidos com a resposta afirmativa, pois é nossa
obrigação amar a Deus, Fonte de todo o Bem, e amá-Lo de todo o
coração e sobre todas as coisas. A hesitação de S. Pedro nascia
precisamente disto: Cristo lhe perguntava se o seu amor era maior
do que o amor que tinham os outros; Pedro não sabia bem o que ia
pelo coração alheio, nem devia julgar-se superior a ninguém (a
tríplice negação o havia ensinado nesse ponto), por isto limita-se a
dizer: Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo (João XXI-15). Não
havia motivo algum para Cristo duvidar do amor e da afeição que
Pedro Lhe dedicava, a ponto de pensar que Pedro amasse aos
próprios companheiros mais do que a Ele. Primeiro que tudo, isto
demonstraria uma preocupação, um ciúme que não condizem bem
com a pessoa de Cristo. Além disto, Pedro já havia dado ao Divino
Mestre, mais do que qualquer outro, provas especiais de amor e de
terna afeição.

Basta ver a sinceridade, a veemência com que ele disse: Senhor,


para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna
(João XIII-6) e foi este mesmo amor que o levou a dizer, diante da
ameaça de Jesus de que não teria parte com Ele: Senhor, não
somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça (João XIII-
9).

Se algumas vezes teve os seus erros, foram estes ocasionados de


uma certa forma pelo amor extraordinário que tinha a Jesus. Há em
todos estes erros o sinal do amor.

Não tendo ainda uma compreensão exata dos desígnios e dos


planos de Deus com respeito à salvação dos pecadores, seu amor
terno e por demais humano para com o Mestre não podia
conformar-se com a ideia de que Jesus tinha que ir a Jerusalém e
padecer muitas coisas dos anciãos e dos escribas e dos príncipes
dos sacerdotes e ser morto (Mateus XVI-21), o que lhe mereceu a
repreensão de Jesus: Tira-te de diante de mim, Satanás, que me
serves de escândalo; porque não tens gosto das coisas que são de
Deus, mas das que são dos homens (Mateus XVI-23). Era preciso
uma repreensão muito forte, para Pedro compreender o erro
daquela afeição demasiadamente humana, que era também muito
forte; era preciso uma advertência enérgica para que Pedro olhasse
o amor a Cristo pelo lado mais sobrenatural, adorando, acima de
tudo, os sapientíssimos desígnios de Deus.

Um parêntesis sobre Pedro e satanás.

173. Aqui vamos abrir um parêntesis para comentar uma divertida


observação protestante.

Vivendo a catar na Bíblia tudo quanto é pretexto para destruir as


prerrogativas concedidas por Jesus a S. Pedro, os protestantes
veem aí ingenuamente uma prova de que S. Pedro não podia ser
chefe da Igreja e assim formulam o seu “formidável” argumento:
Cristo chamou de Satanás a Pedro; ora, Satanás não podia ser
chefe da Igreja; logo Pedro não podia ser chefe da Igreja.

O argumento é tão “formidável” que não prova coisa alguma. Por


este mesmo modo de argumentar podia-se provar que S. Pedro não
foi Apóstolo de Cristo: Cristo chamou de Satanás a Pedro; ora,
Satanás não podia ser Apóstolo de Cristo; logo, Pedro não podia ser
Apóstolo. Podia-se provar até que Pedro não era nem cristão: Pedro
foi chamado por Satanás; ora, Satanás não é cristão; logo, Pedro
não é cristão.

Há uma semelhança entre Pedro e Satanás: Pedro é pescador de


homens (Lucas V-10) e Satanás o é também, com uma diferença
apenas e esta é muito grande. Pedro era pescador de homens, para
o Céu, para a vida eterna; Satanás era pescador de homens, para
levá-los ao inferno e à eterna perdição.

Assim como a mãe extremosa chama a seus filhinhos queridos de


diabinhos, porque eles a tentam várias vezes ao dia, Cristo quis
mostrara Pedro que, na sua inexperiência, na sua ignorância, estava
naquela hora fazendo, como se fosse um menino sem juízo, um
papel próprio de Satanás: estava querendo induzi-Lo a que não
sofresse humilhações da parte dos chefes da sinagoga, quando não
sabia Pedro que tudo isto era necessário para a nossa própria
salvação.

Ainda o amor de Pedro.

174. Mas prossigamos. Foi também pelo amor ao Mestre que ele
feriu a um servo do pontífice e lhe cortou a orelha direita (João
XVIII-10). Ele enganou-se
, pois o mestre havia dito: Agora quem tem bolsa tome-a
e também alforje; e o que não tem, venda a sua túnica e
, porque vos digo que é necessário que se veja cumprido em
mim ainda isto que está escrito: E foi repudiado pelos iníquos.
Porque as coisas que dizem respeito a mim vão já a ter o seu
cumprimento. Mas eles responderam: Senhor,
. E Jesus lhes disse: (Lucas XXII-36 a 38). A sua
interpretação das palavras do Mestre não foi exata. Mas a intenção
foi boa, e a ação, ditada pelo amor: quis defender o Mestre querido.
Jesus mesmo permitiu esta reação, porque servia para que, curando
o soldado ferido, tivesse ocasião de dar uma cabal demonstração de
amor aos inimigos e de que era livremente que ele se entregava.

Foi pelo amor que Pedro caiu na presunção: Eu darei a minha vida
por ti (João XIII-37). Repugnava-lhe a ideia de ter que negar o seu
Mestre. Era amor, porém, que precisava ser acompanhado de
humildade; e por isto não foi suficiente para vencer a tentação no
momento preciso. A prova de que havia muito amor a Jesus no seu
coração foram as lágrimas copiosas que ele derramou logo após o
cantar do galo: E tendo saído para fora, chorou Pedro amargamente
(Lucas XXII-62).

E mais uma prova de seu amor ao Mestre, Pedro tinha dado nesta
mesma aparição de Jesus, sobre a qual estamos falando e que se
realizava à margem do mar de Tiberíades. Logo que viu que Jesus
ali estava, Pedro não esperou que a barca chegasse em terra,
lançou-se ao mar, ansioso por se encontrar com o Mestre: Então
aquele discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor.
Simão Pedro, quando ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a sua
túnica (porque estava nu) e lançou-se ao mar. E os outros discípulos
vieram na barca (João XXI-7 e 8). O amor se descobre nestas
pequeninas coisas.

Enganou-se Pedro algumas vezes; mostrou ignorância, o que é


natural porque era um rude pescador e não havia recebido ainda a
abundância das luzes do Espírito Santo no Pentecostes; mas o que
é fato é que assim como se sobressaiu entre os discípulos pela sua
fé decidida, assim também se salientou pelo seu amor ardoroso. E é
por isto que Jesus lhe diz, a ele especialmente, depois de exigir-lhe
uma confissão de seu amor: Apascenta os meus cordeiros (João
XXI-15).

A cena se repete ainda duas vezes: Perguntou-lhe outra vez: Simão,


filho de João, tu amas-me? Ele Lhe respondeu: Sim, Senhor, tu
sabes que eu te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus
cordeiros. Perguntou-lhe terceira vez: Simão, filho de João, tu amas-
me? Ficou Pedro triste, porque terceira vez perguntara: Tu amas-
me? e respondeu-Lhe: Senhor, tu conheces tudo; tu sabes que eu te
amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas (João XXI-16 e
17).

O verbo apascentar.

175. Vê-se, pelo texto grego, que tendo Jesus dito a Pedro três
vezes , este verbo apascentar é expresso de duas
formas: e . É a missão do pastor em toda a
extensão da palavra, pois enquanto é empregado mais para
significar a ação de nutrir, oferecer alimento, o verbo é
frequentemente empregado na Escritura para significar a ideia não
só de instruir com palavras (E vos darei pastores segundo o meu
coração, os quais com a ciência e a doutrina —
Jeremias III-15), mas também de governar e governar com
autoridade e por isto é aplicada a Deus e também aos reis. Vejamos
alguns exemplos.

No livro 2º dos Reis se aplica este verbo a Davi, que ia ser rei de
Israel: E vieram todas as tribos de Israel ter com Davi em Hebron,
dizendo: Aqui nos tens, que somos teus ossos e tua carne. E ainda
ontem e antes de ontem, quando Saul era rei sobre nós, era tu o
que conduzias e fazias voltar a Israel; e o Senhor te disse: Tu
o meu povo de Israel, e tu serás o condutor de Israel
(2º Reis V-1 e 2).

A respeito do mesmo Davi se lê em Ezequiel: Eu salvarei o meu


rebanho e ele não servirá mais de presa, e eu julgarei entre ovelhas
e ovelhas. E suscitarei sobre elas um único Pastor que as
, meu servo Davi; ele mesmo as , e este
mesmo terá o lugar de seu pastor. Eu, porém, o Senhor, serei para
eles o seu Deus, e meu servo Davi será no meio delas como o seu
príncipe (Ezequiel XXXIV-22 a 24).
No livro de Isaías se lê a respeito de Deus: Eis aí virá o Senhor
Deus com fortaleza e o seu braço dominará; eia aí virá com Ele a
sua paga e diante dEle a sua obra. Ele , como pastor,
o seu rebanho, ajuntará pela força do seu braço os cordeiros e os
tomará no seu seio, Ele mesmo levará sobre si as ovelhas que
estiverem prenhes (Isaías XL-10 e 11).

Em Miqueias se lê na profecia sobre o Messias: E tu, Belém Efrata,


tu és pequenina entre os milhares de Judá; mas de ti é que me há
de sair Aquele que há de reinar em Israel... E Ele estará firme e
o seu rebanho na fortaleza do Senhor (Miqueias V-2 e
4).

Em todos estes exemplos acima citados, o verbo é


expresso no texto grego (versão dos Setenta), pelo verbo ,
o mesmo verbo que é aplicado a S. Pedro (João XXI-16).

Cristo confere, portanto, a Pedro, a missão não só de instruir, mas


também de governar o seu rebanho, como um rei governa o seu
povo.

O pastor dos pastores.

176. Mas, dirão os protestantes, os Apóstolos também não são


pastores?

— Não há dúvida; mas foi somente a Pedro que Cristo confiou a


missão de reger e pastorear, não alguns de seus cordeiros, algumas
de suas ovelhas, mas , sem
restrição alguma. Os seus cordeiros, as suas ovelhas — quer dizer
todos os que pertencem ao rebanho de Cristo, todas as suas
ovelhas e cordeiros e aí se incluem os próprios Apóstolos, que são
também ovelhas do Divino Salvador: A todos vós serei eu esta noite
uma ocasião de escândalo, pois está escrito: Eu ferirei o pastor e
se porão em desarranjo (Marcos XIV-27).
O artigo que precede a esses nomes (os meus cordeiros; as minhas
ovelhas) vem também no texto grego.

Quando o protestante pede a Deus: Senhor, protegei


, não está pedindo a Deus que proteja
? Ou está pedindo apenas que proteja alguns? Quando o
protestante diz ao seu criado: Tome conta , vai
ficar satisfeito se o criado que se descuidou de alguns, vem
apresentar, como desculpa, que o seu patrão não falou em
? Quando diz ao seu filho: Estude ,
está mandando que estude as suas lições ou que estude
somente algumas? Quando diz: são sinceras,
quer dizer que todas elas são sinceras ou que somente algumas o
são? Como é que então que só diante deste texto vem alegar que
Cristo não disse: ,
?

Todos os Apóstolos eram pastores. Mas por que somente a Pedro,


Cristo fez especialmente Pastor (e seu rebanho é
toda a Cristandade), a este mesmo Pedro que Ele declarou seria a
pedra sobre a qual edificaria a sua Igreja, a este mesmo Pedro pelo
qual orou especialmente, para que ele confortasse os seus irmãos
(Lucas XXII-32)? É porque Pedro, sendo o chefe visível da Igreja,
havia de ser naturalmente aqui na terra o pastor dos pastores.

Não foi uma reintegração no apostolado.

177. Procurando diminuir o valor demonstrativo destes textos


(Apascenta os meus cordeiros; apascenta as minhas ovelhas), os
protestantes se lembraram de forjar a seguinte explicação: Pedro
havia negado seu mestre; tinha, portanto, perdido o direito de ser
Apóstolo de Cristo, pois não se pode negar o Mestre e ser seu
Apóstolo ao mesmo tempo. Dizendo-lhe especialmente: Apascenta
os meus cordeiros; apascenta as minhas ovelhas, Cristo está
apenas restituindo a Pedro o cargo de Apóstolo que ele havia
perdido.
— Antes de tudo, a argumentação dos protestantes se baseia num
falso suposto: o de que Pedro, só pelo simples fato de sua negação
foi destituído do seu cargo de Apóstolo. É claro que, se ele
continuasse a negar o Mestre por todo o resto da vida, não poderia
ser Apóstolo, pois para ser Apóstolo, haveria de confessar o Cristo.
Mas a sua conversão foi pronta, sincera e imediata. Depois da
queda, Pedro, profundamente humilde, está mais do que nunca
indicado para Apóstolo. Por isto diz S. Ambrósio: “Ensina-nos, ó
Pedro, de que te aproveitaram tuas lágrimas? mas tu ensinaste
imediatamente, pois tu que antes de chorar, caíste; depois de
chorar, te levantaste para reger os outros, tu que antes não tinhas
regido a ti mesmo”.

Mas, supondo mesmo que fosse como dizem os protestantes, que a


negação o tivesse despojado da sua dignidade de Apóstolo, o que é
certo é que na hora em que Cristo lhe disse: Apascenta os meus
cordeiros; apascenta as minhas ovelhas (João XXI-15, 16 e 17), a
dignidade de Apóstolo, Pedro já a teria recuperado. Não só Cristo
lhe fez uma aparição especial depois da ressurreição, mas também
daquela cena da margem do lago das Tiberíades, já
aparecera a Pedro e aos demais Apóstolos, quando estavam
trancados numa casa em Jerusalém, com exceção apenas de
S. Tomé, e tinha dito a todos eles, portanto também a S. Pedro:
P ,
(João XX-21). Recebei o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os
pecados, ser-lhes-ão perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-
lhes-ão eles retidos (João XX-22 e 23). E S. João acrescenta:
Porém Tomé, , que se chama Dídimo, não estava com
eles quando veio Jesus (João XX-24).

Que quer dizer Apóstolo, senão enviado? Aqueles doze foram os


enviados de Jesus. E aí já aparecem recebendo (S. Pedro com eles)
a prerrogativa de perdoar os pecados e reter. Logo, Cristo não
pensou absolutamente em fazer a Pedro a restituição de
apostolado, pois Apóstolo, Pedro já era e continuava sendo, quando
Cristo lhe disse: Apascenta os meus cordeiros; apascenta as
minhas ovelhas. Ele quis, não há dúvida, levá-lo a fazer com a
tríplice confissão de amor uma reparação pública pela sua tríplice
negação. Mas desta tríplice confissão de amor se serviu
imediatamente, como base, para conceder a Pedro uma
prerrogativa que não concedeu aos demais Apóstolos: a de ser
Pastor de todo o seu rebanho.
A disputa sobre o maior
Origem da disputa.

178. Os protestantes objetam o seguinte: Depois que Cristo disse:


Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, os
Apóstolos ainda aparecem disputando sobre qual deles é o maior no
Reino dos Céus. Ora, isto é um sinal de que não tinham entendido
as palavras de Cristo no sentido de que Pedro era o chefe, portanto
o maior de todos. Além disto, quando perguntaram qual era o maior
no Reino dos Céus, se na verdade fosse Pedro o chefe da Igreja,
Cristo deveria responder: É Pedro e não outro o maior no Reino dos
Céus. Mas qual foi a resposta de Cristo? Foi esta: Na verdade vos
digo que, se vos não converterdes e vos não fizerdes como
meninos, não haveis de entrar no Reino dos Céus. Todo aquele,
pois, que se fizer pequeno como este menino, esse será maior no
Reino dos Céus (Mateus XVIII-3 e 4). É uma prova, portanto, de que
Cristo não tinha nem a Pedro, nem a ninguém na conta de chefe,
nem de maior, mas eram todos iguais.

— O fato de surgir entre os Apóstolos aquela disputa sobre quem


era o maior, foi justamente uma prova de que Jesus Cristo estava
distinguindo a Pedro com a primazia. Se Cristo os considerasse a
todos iguais, em ninguém se teria despertado a preocupação de
saber quem era o maior, nem quem era o menor. E o Evangelho de
S. Mateus nos mostra claramente a sequência lógica dos
acontecimentos. No capítulo XVI se mostra, como vimos, Jesus
chamando a Pedro de pedra de sua Igreja, dando-lhe as chaves do
Reino dos Céus, o poder de ligar e desligar. Porém imediatamente
S. Mateus nos mostra Jesus fazendo a Pedro uma repreensão bem
severa diante de todos: Tira-te de diante de mim, Satanás, que me
serves de escândalo; porque não tens gosto pelas coisas que são
de Deus, mas das que são dos homens (Mateus XVI-23). Isto, como
é natural, serviu para amortecer bastante o efeito que teriam
produzido aquelas prerrogativas especialmente à pessoa de Pedro.
No capítulo seguinte se mostra Jesus levando para o monte Tabor,
para a sua transfiguração, a 3 Apóstolos somente: Pedro, Tiago e
João. Era um grande privilégio concedido agora a três de uma vez.
Este mesmo capítulo XVII no fim nos mostra o episódio do imposto
das dracmas, em que Cristo dá uma distinção especialíssima a
S. Pedro, mandando-lhe que pesque, para poder adquirir um estáter
e pagar o imposto em nome do Mestre e em seu próprio nome.
Todos esses fatos reunidos despertaram o ciúme, a emulação entre
os Apóstolos e a sua pergunta a Cristo: Quem é maior no reino dos
Céus? (Mateus XVIII-1) vem no texto grego acompanhada da
partícula que quer dizer : Quem é maior no
Reino dos Céus? É uma consequência da distinção feita naquela
hora a S. Pedro e da discussão que se suscitou entre eles.

Ainda mesmo que eles tenham a certeza de que Pedro é o primeiro,


sabe-se muito bem como são os homens, quando estão
interessados num assunto, quando estão “torcendo” para que
alguma coisa não se verifique. Cheios de ciúme, de ambição de
conseguir o primeiro lugar, os Apóstolos só se conformarão quando
ouvirem o Mestre desenganá-los com uma aberta declaração do
assunto e por isto vêm perguntar: Quem julgas tu que é maior no
Reino dos Céus? (Mateus XVIII-1), para se desiludirem de uma vez
e tirarem a limpo toda a questão.

Mas Jesus lhes responde com a máxima habilidade.

Primeiro que tudo, os Apóstolos não sabiam bem o que estavam


perguntando, porque não conheciam exatamente o que vinha a ser
esse Reino dos Céus.

Tinham sobre o mesmo uma ideia confusa, pois estavam imbuídos


daquela mesma concepção que predominava entre os judeus, ou
seja, a ideia de um reino messiânico a realizar-se aqui na terra, com
predomínio de Israel sobre os outros povos. Esta ideia, os Apóstolos
conservaram até mesmo depois da ressurreição e só perderam este
preconceito, quando os iluminou o Espírito Santo, no dia de
Pentecostes. Por isto os vemos ainda perguntando, quando o
Mestre, prestes a subir para o Céu, lhes ordena que não saiam de
Jerusalém para poder receber o Paráclito: Senhor, dar-se-á caso
que restituas o reino a Israel? (Atos I-6).

O Reino dos Céus.

179. Uma coisa é evidente nos Evangelhos: a expressão Reino dos


Céus é tomada em dois sentidos diversos, embora afins. Ora
designa a Igreja, ora designa o reino celestial da eterna bem-
aventurança, onde se reúnem os anjos e os santos.

Vejamos por exemplo: O Reino dos Céus é semelhante a uma rede


lançada no mar, que toda a casta de peixes colhe e, depois de estar
cheia, a tiram os homens para fora e, sentados na praia, escolhem
os bons para os vasos e deitam fora os maus. Assim será no fim do
mundo: sairão os anjos e separarão os maus dentre os justos e
lançá-los-ão na fornalha de fogo (Mateus XIII-47 a 50). Pelo que aí
se vê, o Reino dos Céus vem significar a Igreja, a qual tem bons e
maus, porque mesmo dentre os que creem em Cristo e em todos os
seus ensinamentos, nem todos cumprem a lei divina e têm o espírito
de Cristo, como deviam; no fim do mundo é quando se fará a
separação e só os bons é que irão para o Reino dos Céus, tomado
este no sentido da bem-aventurança celeste.

Do mesmo modo: O Reino dos Céus é semelhante a um homem


que semeou boa semente no seu campo; e, enquanto dormiam os
homens, veio o inimigo e semeou cizânia no meio do trigo e foi-se. E
tendo crescido a erva e dado fruto, apareceu também então a
cizânia (Mateus XIII-24 a 26). No tempo da ceifa, direi aos
segadores: Colhei primeiramente a cizânia e atai-a em molhos para
a queimar; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro (Mateus XIII-30).
No fim do mundo, portanto, se fará a depuração.
O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um
homem tomou e semeou no seu campo; o qual grão é na verdade o
mais pequeno de todas as sementes, mas depois de ter crescido é
maior que todas as hortaliças e se faz árvore, de sorte que as aves
do céu vêm a fazer ninhos nos seus ramos (Mateus XIII-31 e 32). Aí
se trata evidentemente da Igreja, pequenina a princípio, reduzida a
12 Apóstolos, poucos discípulos e algumas mulheres, e depois
desenvolvendo-se até estender os seus ramos pelo mundo inteiro.

Em outras ocasiões, porém, Jesus falando do Reino dos Céus fala a


respeito da eterna bem-aventurança. Assim, quando diz: Se a vossa
justiça não for maior e mais perfeita do que a dos escribas e
fariseus, não entrareis no Reino dos Céus (Mateus V-20) ou quando
diz: Em verdade vos digo que um rico dificultosamente entrará no
Reino dos Céus (Mateus XIX-23), Jesus aí não se refere à Igreja: é
fácil a um homem que não seja mais virtuoso que os fariseus, ou
que seja rico entrar na Igreja e ser aí um mau peixe ou uma cizânia
no meio do trigo; difícil, sim, será que entre no Céu. Do mesmo
modo, quando Cristo diz: Bem-aventurados os pobres de espírito,
porque deles é o Reino dos Céus (Mateus V-3) Digo-vos, porém,
que virão muitos do Oriente e do Ocidente e que se sentarão à
mesa com Abraão e Isaque e Jacó no Reino dos Céus, mas que os
filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores (Mateus VIII-11),
a referência à bem-aventurança celeste é bem evidente.

Levantando os ânimos.

180. Ali estavam os Apóstolos a perguntar quem era o maior no


Reino dos Céus (existente aqui na terra), fosse qual fosse a ideia
que eles tinham desse reino. Mas estavam desunidos, cheios de
ambição de glória e de mando, num estado de espírito que só podia
ser amplamente desastroso para a Igreja. Que seria da Igreja, se os
Apóstolos, seus futuros propagadores, as colunas em que ia firmar-
se, estavam assim rosnando entre si, divididos pelo ciúme e pela
discórdia? Jesus podia ter-lhes dito: O maior, o chefe de Vocês é
Simão Pedro. Mas isto não resolveria o caso, não serviria para
arrancar-lhes o veneno da rivalidade que havia em seus corações.
Preferiu levantar-lhes o espírito, falando-lhes do Reino dos Céus
noutro sentido, não o reino, a Igreja aqui na terra, mas o prêmio
eterno de Deus lá no Céu, o qual eles não conseguirão de forma
alguma se continuarem com esta soberba, se não se tornarem
simples e humildes e desinteressados de honras e de grandezas,
como são as crianças: Na verdade vos digo que, se vos não
converterdes e vos não fizerdes como meninos, não haveis de
entrar no Reino dos Céus (Mateus XVIII-3). E em lugar de se
estarem preocupados com os primeiros lugares aqui na terra, a
preocupação que deviam ter era a de alcançar o primeiro lugar no
Céu, mas isto só conseguirão à custa de humildade e quanto mais
humildes forem, melhor lugar alcançarão: Todo aquele, pois, que se
fizer pequeno como este menino, esse será o maior no Reino dos
Céus (Mateus XVIII-4). Vê-se, portanto, que Nosso Senhor mudou
de assunto, procurando habilmente elevá-los a uma consideração
mais alta, para dar-lhes uma lição de cordura, de humildade e
desprendimento e concitá-los a acabarem com aquela discussão tão
antipática e desastrosa.

Cristo aí toma o Reino dos Céus, como sinônimo do Céu; quando


dizemos que Pedro ou o Papa tem a chave do Reino dos Céus, é o
maior no Reino dos Céus, aqui entendemos a Igreja. É claro que um
cristão dos mais humildes, mais obscuros, pode alcançar no Céu um
lugar maior do que o do Papa. E não negamos a possibilidade de
alguns Papas não terem nem entrado no Céu. Isto é outro assunto.
O que não impediu a Cristo de deixar um pastor universal para a
sua Igreja, pois a Igreja é uma sociedade bem organizada e toda
sociedade bem organizada tem um chefe. E outro não é na Igreja de
Deus senão aquele que é o sucessor de Pedro, a quem foi dito: Tu
és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja... E eu te darei
as chaves do Reino dos Céus (Mateus XVI-18 e 19).
A questão dos doze tronos
Outra objeção do mesmo gênero.

181. Mas os Apóstolos ainda não se emendaram completamente


com a lição do Mestre. A ideia de competição surgiu novamente
entre eles. E surge, por consequência, uma nova objeção dos
protestantes. Objetam com as palavras de Cristo: Sabeis que os
príncipes das gentes dominam os seus vassalos e que os que são
maiores exercitam o seu poder sobre eles. Não será assim entre vós
outros; mas entre vós todo o que quiser ser maior, esse seja o que
vos sirva; e o que entre vós quiser ser o primeiro, esse seja o vosso
servo (Mateus XX-25 a 27).

Logo, dizem eles, Cristo destruiu completamente a ideia de que


entre os Apóstolos houvesse alguém que dominasse os outros.

— Vejamos, porém, como tudo se passou.

No capítulo anterior, S. Mateus nos mostra S. Pedro dizendo ao


Mestre: Eis aqui estamos nós que deixamos tudo e te seguimos:
que galardão, pois, será o nosso? (Mateus XIX-27).

A resposta de Jesus é esta: Em verdade vos afirmo que vós,


quando no dia da regeneração estiver o Filho do Homem sentado no
trono da sua glória, vós, torno a dizer, que me seguistes, também
estareis sentados sobre doze tronos, e julgareis as doze tribos de
Israel (Mateus XIX-28).

Uma observação fora de propósito.

182. Para mostrar como os protestantes vivem catando a torto e a


direito passagens da Bíblia, para ver se tapam o sol com uma
peneira, ou no caso, se obscurecem a primazia de S. Pedro sobre
os demais Apóstolos, basta dizer que há alguns deles (e até
ilustrados!) que diante deste texto se põem a dizer: Estão vendo?
Cristo aí não fala num trono mais elevado para S. Pedro, fala de 12
tronos; logo, todos os Apóstolos eram iguais! A objeção é
verdadeiramente infantil, porque está argumentando com aquilo que
vai acontecer . Nesse tempo não
haverá mais Papa governando a Igreja, pois é um governo que se
exerce , para que a Igreja cumpra fielmente a sua
missão, de acordo com o estabelecido pelo seu Divino Fundador
Jesus Cristo. O grau maior ou menor de glória é devido à virtude de
cada um; se os Apóstolos estarão assim tão elevados, não é pelo
simples fato de terem sido escolhidos para Apóstolos. Pois houve
um que foi escolhido para Apóstolo e no entanto fracassou: Judas
Iscariotes, o qual não terá o direito a trono algum. Se os Apóstolos
conseguirão esses tronos, é porque os terão merecido pelas suas
virtudes. E são duas as coisas diferentes: a virtude de uma pessoa e
o cargo que esta pessoa exerce. Quais os que brilharão mais nos
seus respectivos tronos, isto fica para vermos no dia em que se vai
cumprir exatissimamente a justiça de Deus.

A proposta da mãe dos filhos de Zebedeu.

183. Mas voltemos à nossa exposição. Cristo tinha prometido 12


tronos no Céu aos 12 Apóstolos para julgar as tribos de Israel. Isto
chegou ao conhecimento de Salomé, a mãe de João e Tiago, a qual
não se contentou com a certeza de que seus 2 filhos teriam um
trono cada um. Ela não fazia uma ideia muito clara sobre que
espécie de trono seria este. Mas queria algo mais para os seus
filhos: que esses 2 tronos fossem os primeiros, os principais, um à
direita, outro à esquerda do Mestre.

A mulher não veio fazer este pedido contra a vontade dos filhos; ao
contrário, eles estavam perfeitamente de acordo com a proposta
materna. E a prova é que Jesus interrogará daqui a pouco a João e
a Tiago, e eles se mostrarão interessados nesta pretensão. É bem
interessante notar que tal ambição existe precisamente em Tiago e
João, quando sabemos que Pedro, Tiago e João eram os discípulos
principais, os discípulos privilegiados do Salvador. Eles se aliam a
fim de deixar Pedro para trás, sinal de que já sabiam ou, pelo
menos, desconfiavam que Pedro gozava da primazia. E tomando
conta um do trono à direita e outro, do trono à esquerda, para Pedro
não sobraria senão um lugar de menos relevo.

Diante da petição da mãe dos 2 Apóstolos, Jesus lhes diz, não só a


ela, mas também aos filhos que esposavam aquela ideia: Não
sabeis o que pedis (Mateus XX-22). “Pedis o triunfo antes da luta,
antes da vitória; além disto o meu reino não é terreno e pomposo,
como pensais, e sim espiritual e eterno, conquistado à custa de
sacrifícios e de atos heroicos de virtude; pedis honras, quando antes
devíeis pedir a graça necessária para poderdes suportar os
trabalhos e sofrimentos que deverão ser arrostados por causa do
meu nome”, assim parafraseia um douto comentarista.

Para conseguir estes lugares, é preciso passar pelo martírio. Por


isto o Mestre pergunta: Podeis vós beber o cálice que eu hei de
beber? (Mateus XX-22).

Isto é uma prova de que se trata aqui, não de um lugar na Igreja,


mas de um lugar privilegiado para os Apóstolos na glória celeste,
pois seria absurdo dizer que para ter um lugar de honra no governo
da Igreja, governo que é exercido aqui na terra, seja preciso morrer,
ser martirizado primeiro. Nem será preciso gastar muita tinta para
provar que — beber o cálice — aí equivale a passar por amarguras,
sofrer e morrer. Basta relembrar a palavra de Cristo, no Horto das
Oliveiras, ao iniciar sua paixão: Pai meu, se é possível, passe de
mim este cálice (Mateus XXVI-39). E Cristo no nosso caso está
falando em beber-se o mesmo cálice que Ele bebeu.

Tiago e João dizem: Podemos (Mateus XX-22), isto é, estamos


preparados para morrer por ti. Nosso Senhor lhes responde: Haveis
de beber meu cálice (Mateus XX-23). Realmente S. Tiago foi o
primeiro Apóstolo martirizado, conforme se lê em Atos: E neste
mesmo tempo enviou o rei Herodes tropas para maltratar a alguns
da Igreja. E matou à espada a Tiago, irmão de João (Atos XII-1 e 2).
S. João foi mandado lançar por Domiciano na caldeira de óleo
fervendo, mas dela saiu ileso, tornando-se um “mártir vivo” pelo
resto da vida, como diz S. Jerônimo.

Mas continua Nosso Senhor: Pelo que toca a terdes assento à


minha mão direita ou à esquerda, não me pertence a mim o dar-vo-
lo; mas isso é para aqueles para quem está preparado por meu Pai
(Mateus XX-23).

E o Evangelho diz em continuação: E quando os dez ouviram isto,


indignaram-se contra os dois irmãos (Mateus XX-24).

A exortação do mestre.

184. Eis aí novamente a desunião, a falta de caridade reinando


entre os Apóstolos e tudo motivado pela cobiça, pelo desejo de
suplantar os outros. Era mais uma vez a crise da discórdia
ameaçando a Igreja. Tornava-se necessário repreender vivamente
os Apóstolos e outra vez recomendar-lhes a humildade cristã, a
simplicidade, o desprendimento. Vamos então repetir as palavras de
Jesus na sua íntegra, uma vez que há no fim um pequeno trecho
que os protestantes manhosamente ocultam, porque é suficiente
para destruir completamente a sua objeção. São estas as palavras
de Jesus: Sabeis que os príncipes das gentes dominam os seus
vassalos e que os que são maiores exercitam o seu poder sobre
eles. Não será assim entre vós outros, mas entre vós todo o que
quiser ser o maior, esse seja o que vos sirva; e o que entre vós
quiser ser o primeiro, esse seja o vosso servo,
, e para
dar a sua vida em redenção por muitos (Mateus XX-25 a 28).

Jesus repreende os seus discípulos por aquela competição sobre


qual há de ser o maior no Reino dos Céus, quando os cristãos não
devem ser como os pagãos, que têm ambição de mando e
procuram ser grandes só para dominar os outros com soberba.
Devem seguir o exemplo. Ninguém tinha mais autoridade, mais
poder do que Ele; e no entanto Ele veio ao mundo fazer o papel de
servo, não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida
pela redenção de muitos. Esta humildade, entretanto, diminuía em
alguma coisa a qualidade de chefe que tinha Jesus? Que não
diminuía, se vê claramente na cerimônia do Lava-pés: Jesus, ao
realizar a ceia da véspera de sua Paixão, lavou os pés de seus
discípulos e depois lhes disse: Sabeis o que vos fiz? Vós chamais-
me de M S , e dizeis bem . Se eu, logo,
sendo vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, deveis vós também
lavar-vos os pés uns aos outros, porque eu dei-vos o exemplo para
que, como eu vos fiz, assim façais vós também (João XIII-12 a 15).
Cristo recomenda a humildade a todos, mas esta humildade não
despoja da autoridade aquele que dela estiver revestido, assim
como não destruía a autoridade do próprio Cristo.

E a prova de que das palavras do Mestre, dirigidas aos seus


discípulos por ocasião da questão dos doze tronos, não se segue
absolutamente que todos sejam iguais, é que S. Lucas traz estas
mesmas palavras e pela frase que se lê em S. Lucas se mostra
claramente que há um que é o maior, um que governa entre eles:
Porém Jesus lhes disse: Os reis dos gentios dominam sobre eles e
os que têm sobre eles autoridade chamam-se benfeitores. Não há
de ser, porém, assim entre vós outros; mas
faça-se como o mais pequeno e seja como o
que serve.Porque qual é o maior, o que está sentado à mesa ou o
que serve? Não é maior o que está sentado à mesa? Pois eu estou
no meio de vós outros assim como o que serve (Lucas XXII-25 a
27).

Por que é que os protestantes, para entender bem o sentido de um


texto, não o comparam com os textos paralelos? Isto é um cuidado
elementar que deve ter quem queira penetrar o
verdadeiro sentido das palavras do Mestre. Querer argumentar
somente com um texto, desprezando intencionalmente outros que o
esclarecem, só pode resultar nisto mesmo: atribuir-se a Nosso
Senhor uma intenção que Ele jamais teve. A sua intenção não foi
dizer que não havia primazia em nenhum dos Apóstolos. Foi, sim,
combater o espírito de ambição reinante entre os seus discípulos,
fazendo-lhes ver que aquele que quiser ser o primeiro no Céu, tem
que ser o primeiro na humildade, porque a humildade é o caminho
do Céu: Todo o que se exalta será humilhado, e todo o que se
humilha será exaltado (Lucas XIV-11). E aquele que governa, para
bem fazê-lo, há de ser humilde, como foi humilde o Mestre a quem
foi dado todo o poder no céu e na terra (Mateus XXVIII-18), mas que
não deixou, por isto, de ser um vivo exemplo de humildade:
Aprendei de mim que sou manso e de coração (Mateus XI-
29).

S. Pedro seguiu os conselhos do mestre.

185. S. Pedro, iluminado pelo Espírito Santo quando assumiu o


governo da Igreja, no dia de Pentecostes e já antes preparado
psicologicamente pelo pecado da negação, o qual ele havia de
deplorar e carpir por todo o resto da vida, estava apto para assimilar
perfeitamente a doutrina do Mestre: devia governar com humildade,
pois o que governa, o que é o maior deve ser o mais humilde. Não
têm, portanto, razão de ser as alegações daqueles que acham não
ter sido S. Pedro o chefe da Igreja, porque não veem um
nas suas palavras, o que se explica pela extraordinária
modéstia do Apóstolo, que seguiu com toda a perfeição os
conselhos de Jesus.

Se S. Pedro diz na sua 1ª Epístola: Esta é, pois, a rogativa que eu


faço aos presbíteros que há entre vós, eu como eles e
testemunha das penas que padeceu Cristo (1ª Pedro V-1), daí não
se pode tirar um argumento para negar que fosse Pedro o chefe da
Igreja, como fazem os protestantes que dizem: Ele aí está-se
dizendo um presbítero como os outros; logo, não é o chefe. É um
desses argumentos que não provam nada, porque provam demais:
com esta mesma maneira de argumentar se poderia provar também
que Pedro não era Apóstolo, pois um Apóstolo era evidentemente
mais do que um simples presbítero. A raciocinar deste jeito, quando
ouvíssemos um general modestamente dizer aos seus soldados:
“Eu que sou como vós um soldado da Pátria, apelo para a vossa
boa vontade” etc, etc, teríamos o direito de dizer: “Estão vendo? Eu
não disse? Ele não é general, não é nem mesmo um oficial, porque
ele mesmo se declara um soldado.” Raciocínio evidentemente falho,
porque a maior dignidade inclui atribuições da menor; quem é
general é também soldado; quem era Apóstolo, máxime quem era o
chefe dos Apóstolos tinha exclusivamente todos os direitos, todos os
poderes, todos os privilégios de um simples presbítero.

O silêncio de S. Marcos.

186. Outra consequência da extrema humildade e modéstia de


S. Pedro foi o silêncio de S. Marcos sobre tudo o que servia de
glória para o Apóstolo.

S. Marcos narra a confissão de S. Pedro e não traz, como


S. Mateus, as palavras seguintes que lhe disse Jesus: Tu és Pedro
e sobre esta pedra etc. Então lhes disse Jesus: E vós outros quem
dizeis que sou eu? Respondendo Pedro, Lhe disse: Tu és o Cristo.
E Jesus lhes proibiu com ameaças que a ninguém dissessem isto
dEle (Marcos VIII-29 e 30). E no entanto S. Marcos narra a
repreensão severa que Pedro recebeu logo em seguida: Tira-te de
diante de mim, Satanás, que não tens gosto das coisas de Deus,
mas sim das dos homens (Marcos VIII-33). E o mesmo S. Marcos
narra bem circunstanciadamente a negação de S. Pedro (Marcos
XIV-29 a 31; 66 a 72), bem como fala na censura a ele feita porque
dormia no Getsêmani (Marcos XIV-37).

Ora, S. Marcos fez o seu Evangelho de acordo com o que ouviu da


pregação de Pedro. Devia, portanto, dizem os protestantes, ser o
primeiro a narrar este episódio.

— Mas, afinal, aonde se quer chegar com semelhante


argumentação? Quer-se provar com isto que S. Mateus mentiu ou
inventou? Quem estava mais apto para contar tudo quanto se
passou sem faltar coisa alguma: S. Mateus, que foi testemunha
ocular do fato ou S. Marcos e S. Lucas, que não foram
testemunhas? Então uma passagem de S. Mateus precisa de ser
repetida por S. Marcos ou por outro Evangelista, para ser palavra de
Deus? Tudo quanto está na Escritura não merece a nossa fé?
Porque uma passagem do Evangelho não nos agrada, vamos exigir
que a Bíblia a repita para nela acreditarmos?

Há muitos pontos importantes da vida e da doutrina de Cristo que


vêm narrados por um só Evangelista.

S. João é o único evangelista a nos narrar o milagre das bodas de


Caná (II-1 a 11), a entrevista de Jesus com Nicodemus (III-1 a 11),
seu encontro com a Samaritana (IV-4 a 42); as curas: do filho do
régulo de Cafarnaum (IV-43 a 54), do paralítico da piscina (V-1 a 16)
e do cego de nascença (IX-1 a 41), o episódio da adúltera (VIII-1 a
11), a parábola do Bom Pastor (X-1 a 16), a ressurreição de Lázaro
(XI-1 a 45), a cerimônia do Lava-pés (XIII-1 a 20).

S. Lucas é o único evangelista a nos narrar: a anunciação a Maria e


Encarnação do Verbo (I-26 a 28), a adoração dos pastores (II-8 a
20), a purificação (II-22 a 38), o episódio de Jesus perdido no templo
(II-41 a 50), a parábola do Bom Samaritano (X-30 a 37), o episódio
de Jesus, Maria e Marta em Betânia (X-38 a 42), a cura da mulher
encurvada (XIII-10 a 17); as parábolas: da torre a ser edificada (XIV-
28 a 30), da guerra a ser empreendida (XIV-31 1 33), da dracma
perdida (XV-8 a 10), do filho pródigo (XV-11 a 32), do ecônomo infiel
(XVI-1 a 12), de Lázaro e o mau rico (XVI-19 a 31); a cura dos 10
leprosos (XVII-12 a 19), a parábola do fariseu e do publicano (XVIII-
9 a 14), a visita a Zaqueu (XIX-1 a 10).

Só em S. Mateus se encontra: a adoração dos magos (II-1 a 12), a


fuga para o Egito e a volta (II-13 a 23) as parábolas da cizânia (XIII-
24 a 30) e do devedor insolvente (XVIII-23 a 35) e a descrição do
juízo final (XXV-31 a 46).
Não é, portanto, o fato de um trecho qualquer dos Evangelhos ser
consignado em um só evangelista que lhe diminui o valor
demonstrativo.

Agora chamamos a atenção para o seguinte: dos 4 evangelistas,


S. Marcos, discípulo e companheiro de S. Pedro e que fez o
Evangelho de acordo com sua pregação, é o único a não nos
fornecer um argumento a favor do primado daquele Apóstolo.

S. Mateus nos traz este trecho já por nós analisado: Tu és Pedro e


sobre esta pedra edificarei a minha Igreja... Eu te darei as chaves do
Reino dos Céus. Tudo que ligares sobre a terra etc. (Mateus XVI-18
e 19).

S. Lucas nos fornece um trecho precioso que também já


analisamos: Simão, Simão, eis aí vos pediu Satanás com instância
para vos joeirar como trigo; mas eu roguei por , para que
não falte; e enfim, depois de convertido,
(Lucas XXII-31 e 32).

S. João nos apresenta Jesus confiando a Pedro, só a Pedro, o


governo do seu rebanho: Apascenta os meus cordeiros; apascenta
as minhas ovelhas (João XXI-15, 16 e 17).

E no entanto S. Marcos não traz nada que sirva para engrandecer


S. Pedro, mas se mostra sempre explícito e minucioso em narrar
tudo o que para ele servia de humilhação.

Qual a razão deste fenômeno?

Não somos nós que vamos apontá-la. É uma autoridade


antiquíssima, o historiador Eusébio de Cesareia, na sua
Demonstração Evangélica (III-V, 92), que nos diz ser a razão de
tudo isto a humildade de S. Pedro que nas suas catequeses
costumava sempre relembrar o que mais contribuía para humilhá-lo,
passando em silêncio aquilo que mais lhe servia de exaltação e de
louvor; e o Evangelho de S. Marcos, calcado sobre a catequese de
Pedro, tinha que trazer a marca desta humildade profunda.

De modo que S. Pedro não era só entre os Apóstolos aquele que


tinha a fé mais firme e mais esclarecida (não foi a carne e sangue
quem to revelou, mas sim meu Pai que está nos Céus — Mateus
XVI-17); não era somente aquele que O amava mais do que os
outros (Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes? —
João XXI-15); era também o que mais se sobressaía pela sua
modéstia, portanto, segundo o modo de pensar do Divino Mestre,
indicado por isto para ser o chefe da Igreja, pois o que entre vós
faça-se como o mais pequeno (Lucas XXII-26), impondo-se
não só por ser o depositário das chaves do reino dos Céus, mas
também pelo exemplo notável de sua profunda humildade.
Dize-o à Igreja
Uma interpretação pelo método confuso.

187. Já vimos que Cristo deu especialmente a S. Pedro o poder de


ligar e desligar.

Tentando destruir o efeito destas palavras de Jesus Cristo ditas


diretamente ao chefe dos Apóstolos, os protestantes pertencentes
às seitas de tipo congregacionalista, costumam fazer o seguinte
argumento: Isto não prova que Pedro seja o chefe da Igreja. Porque
este mesmo poder de ligar e desligar foi também concedido aos
Apóstolos: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles
perdoados; e aos que vós retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João
XX-23); e foi concedido também a toda a Igreja, como se vê pelas
palavras seguintes: Se teu irmão pecar contra ti, vai e corrige-o
entre ti e ele só; se te ouvir, ganhado terás a teu irmão; mas se te
não ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que por
boca de duas ou três testemunhas fique tudo confirmado. E se os
não ouvir, - I ; e se não ouvir a Igreja tem-no por um
gentil ou publicano. Em verdade vos digo que tudo o que vós
desatardes sobre a terra será desatado também no Céu (Mateus
XVIII-15 a 18). Isto quer dizer que não há chefes na Igreja; todos
são iguais.

— Vamos responder a isto.

Quanto à distinção que há entre o poder de ligar e desligar e o


poder de perdoar pecados e reter, veremos mais adiante (nº 288).
Isto não diz respeito diretamente à nossa questão, uma vez que
reconhecemos que os Apóstolos tinham um e outro poder.

Queremos, antes de tudo, chamar a atenção para 2 anormalidades


que facilmente o leitor poderá perceber nesta manhosa
argumentação. Todo mundo vê logo nestas palavras — Tudo o que
ligares sobre a terra, será ligado também nos Céus, tudo o que
desatares sobre a terra, será desatado também nos Céus — que
Jesus aí está dando plenos poderes no governo da Igreja. Então é o
caso de perguntar: será Jesus Cristo tão confuso, tão desordenado
assim, que dê plenos poderes a um só, depois dê plenos poderes a
12, e dê também plenos poderes ao grosso da multidão? Que se
diria do rei que desse plenos poderes ao general para governar o
exército, desse também aos oficiais os mesmos plenos poderes e
desse do mesmo modo plenos poderes a toda a tropa? Daí nasceria
naturalmente uma grande balbúrdia. Numa sociedade onde um
particularmente e ao mesmo tempo todos em conjunto têm o
supremo domínio, não pode haver nenhuma organização e entra
facilmente a anarquia. Num exército, numa família, numa sociedade,
pode-se admitir que vários mandem, mas tem que haver certa
graduação, certa hierarquia entre os poderes. Manda o Presidente
da República; manda o governador; manda o prefeito, mas nem
todos mandam da mesma forma, nem com o mesmo grau de
autoridade. Do contrário se estabelece a desordem e a confusão.

Os dois tratamentos: tu e vós.

188. Outra coisa que logo nos chama a atenção é esta mistura de
e : dize-o à Igreja ( ); tudo quanto ligardes ( ).

Isto necessita naturalmente de uma explicação. Quando Jesus diz:


Tudo o que vós ligardes sobre a terra será ligado também no Céu, e
tudo o que vós desatardes sobre a terra será desatado também no
Céu, (Mateus XVIII-18); este vós a quem se refere? Refere-se
exclusivamente aos Apóstolos, pois exclusivamente aos Apóstolos é
que Jesus estava falando naquele momento.

Isto se vê desde o começo deste capítulo. Jesus está na intimidade


de seus Apóstolos, que O procuraram pra resolver uma dissensão
que lavra entre eles, ou seja, a disputa sobre qual seja o maior:
Naquela hora chegaram-se a Jesus os seus discípulos, dizendo:
quem julgas tu que é maior no Reino dos Céus? (Mateus XVIII-1).
Falando diretamente aos Apóstolos, Jesus lhe apresenta uma
criança como modelo de simplicidade e de desprendimento: Na
verdade vos digo que, se vos não converterdes e vos não fizerdes
como meninos, não haveis de entrar no Reino dos Céus. Todo
aquele, pois, que se fizer pequeno como este menino, esse será o
maior no Reino dos Céus. E o que receber em meu nome um
menino, tal como este, a mim é que recebe (Mateus XVIII-3 a 5).

Falando sobre as crianças e sempre no seu propósito de desviar a


atenção dos Apóstolos daquela desagradável controvérsia, Nosso
Senhor passou a falar sobre o perigo de escandalizá-las: O que
escandalizar, porém, a um destes pequeninos que creem em mim,
melhor lhe fora que se pendurasse ao pescoço uma mó de atafona,
e que o lançassem no fundo do mar. Ai do mundo por causa dos
escândalos, porque é necessário que sucedam escândalos, mas ai
daquele homem por quem vem o escândalo (Mateus XVIII-6 e 7).

Ora, vemos nos Evangelhos que Jesus às vezes está tratando por
vós aos seus ouvintes e interrompe este tratamento por ,
dirigindo-se ao homem, qualquer que ele seja, ao cristão em geral:
Tu, ó cristão; tu, ó homem.

Eu digo que se a justiça não for maior e mais perfeita


que a dos escribas e a dos fariseus, não no Reino dos
Céus. O que foi dito aos antigos: Não matarás, e quem
matar será réu no juízo. Pois eu digo- que todo o que se ira
contra seu irmão será réu no juízo e o que disser a seu irmão: Raca,
será réu no conselho; e o que lhe disser: És um tolo, será réu do
fogo do inferno. E aqui o tratamento passa a ser : Portanto se
estás fazendo a oferta diante do altar e te lembrar aí que
irmão tem contra alguma coisa, deixa ali a oferta diante do
altar e - reconciliar primeiro com irmão e depois virás fazer
a oferta... Dois versículos mais adiante, dirige-se novamente
aos seus ouvintes: que foi dito aos antigos: Não
adulterarás. Eu, porém, digo-vos que todo o que olhar para uma
mulher cobiçando-a, já no seu coração adulterou com ela. E volta ao
tratamento de : E se olho serve de escândalo, -
e - fora de , porque melhor é que se perca um de
membros do que todo o corpo seja lançado no inferno
(Mateus V-20 a 29).

Vemos aí perfeitamente a transição de para e vice-versa;


se dirige àqueles que estão presentes ao sermão, indica
uma doutrina geral para qualquer cristão, seja ele qual for.

O mesmo faz Nosso Senhor aqui no capítulo XVIII. Continuando a


falar sobre o escândalo, fala agora ao cristão em geral, tratando-o
por : Ora, se mão ou pé te escandaliza, corta-o e lança-o
fora de ; melhor é entrar na vida manco ou aleijado do que,
tendo duas mãos ou dois pés, ser lançado no fogo eterno. E se o
olho escandaliza, tira-o e lança-o fora de : melhor é
entrar na vida com um só olho do que, tendo dois, ser lançado no
fogo do inferno (Mateus XVIII-8 e 9).

Passa depois a dirigir-se diretamente aos Apóstolos, tratando-os por


vós: não algum destes pequeninos; porque eu vos
declaro que os seus anjos nos Céus incessantemente estão vendo a
face de meu Pai que está nos Céus. Porque o Filho do Homem veio
a salvar o que havia perecido. Que vos parece? Se tiver alguém
cem ovelhas e se desgarrar uma delas, porventura não deixa as
noventa e nove nos montes, e vai buscar aquela que se extraviou?
E se acontecer achá-la, digo-vos em verdade que maior
contentamento recebe ele por esta do que pelas noventa e nove que
não se extraviaram. Assim não é a vontade de vosso Pai que está
nos Céus, que pereça um destes pequeninos (Mateus XVIII-10 a
14).

Já que falou sobre o escândalo, Nosso Senhor passa a indicar um


remédio contra ele. É a correção fraterna, que deve ser feita em
secreto, diretamente com a pessoa com que se tem qualquer
diferença. No caso de não dar resultado, recorre-se à Igreja. Jesus
aí volta ao tratamento de , falando ao cristão em geral: Portanto
se irmão pecar contra , vai e corrige-o entre e ele só; se
ouvir, ganhado terás a irmão; mas, se não ouvir, toma ainda
uma ou duas pessoas, para que por boca de duas ou três
testemunhas fique tudo confirmado. E se os não ouvir, -
I ; e se não ouvir a Igreja, tem-no por um gentio ou um
publicano (Mateus XVIII-15 a 17).

Autoridade da Igreja.

189. Jesus aí se refere à autoridade da Igreja para resolver


questões entre os seus súditos. A que Igreja se refere? Àquela
mesma a que se referiu no capítulo XVI. É à instituição que Ele vai
fundar: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei I
(Mateus XVI-18). Para que os Apóstolos façam uma ideia do que vai
ser esta Igreja, Ele faz uma comparação com a sinagoga, que
funcionava para os judeus. Esta tinha um tribunal, o Sanedrim, o
qual era composto de autoridades investidas do poder de julgar; os
julgamentos não eram feitos tumultuariamente pela multidão, mas
sim pelos juízes. Assim como para a sinagoga aquele que dela era
expulso era tido como um , o mesmo
equivalentemente acontecerá com aquele que for eliminado da
Igreja.

Mas como foi a Igreja que Cristo fundou? Foi como uma multidão
que tudo resolve por si, sem ter chefe, sem ter quem a governe?
Não, A Igreja fundada por Cristo tem as suas autoridades
legitimamente constituídas. Existe a Igreja docente e a discente, os
que ensinam e os que aprendem: Ide pois, e todas as
gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
- a observar todas as coisas que vos tenho mandado
(Mateus XXVIII-19 a 20). Nesta Igreja há uns que forma
encarregados de governá-la: Atendei por vós e por todo o rebanho
sobre que o Espírito Santo vos constitui bispos
I D , que Ele adquiriu pelo seu próprio sangue (Atos
XX-28). Nesta Igreja há pastores, enquanto outros são
apascentados: A o rebanho de Deus que está entre vós
(1ª Pedro V-2). Tem esta Igreja seus enviados, com missão especial,
a que é preciso atender, do modo que se atende ao próprio Cristo: O
que a vós ouve, a mim ouve; e o que a vós despreza, a mim
despreza e quem a mim despreza, despreza Àquele que me enviou
(Lucas X-16).

É a estes, constituídos como dirigentes da Igreja, que compete


decidir as questões. E por isto Cristo se volta novamente para os
Apóstolos, falando-lhes diretamente e tratando-os outra vez por vós:
Em verdade vos digo que tudo o que vós ligardes sobre a terra será
ligado também no Céu e tudo o que vós desatardes sobre a terra
será desatado também no Céu (Mateus XVIII-18).

São os Apóstolos a voz autorizada que fala em nome da Igreja.


Assim como acontece num país em que os seus dirigentes decidem
por todo o povo: a Bélgica entrou em aliança com a Holanda e
Luxemburgo; a França declarou guerra à Alemanha, o Brasil fez um
pacto comercial com a Inglaterra, o Japão e os Estados Unidos
assinaram um acordo etc, assim também as decisões dos Apóstolos
ou de seus sucessores são decisões da Igreja. É muito comum
entre nós, se ouvir a opinião de um Bispo sobre um assunto
qualquer, dizer-se: Vamos ouvir a palavra da Igreja. Por isto diz o
teólogo protestante Cameron: “Igreja aí se entende: aqueles que na
Igreja presidem com autoridade. Assim como se diz do corpo
humano que ele vê, quando só veem os olhos, assim se diz da
Igreja que ela ouve, quando ouviram aqueles que são como que os
ouvidos da Igreja”.

Trata-se aqui de um poder judiciário e tanto entre os judeus, com


cuja sinagoga Jesus está fazendo uma comparação, como em
qualquer reino ou sociedade bem organizada, os julgamentos são
feitos, não pela multidão que muitas vezes não raciocina, nem tem a
necessária serenidade, mas por aqueles que tem competência,
autoridade, ciência, imparcialidade para julgar. Podem os juízes
pedir a opinião da massa, o modo de ver do povo, se assim
acharem conveniente, mas não é à massa que compete julgar.
Segundo a interpretação protestante, havendo qualquer divergência
entre os fiéis que não pôde ser resolvida pela admoestação secreta,
pois é o assunto de que se trata neste trecho, se deveria declarar
publicamente perante a igreja local reunida em sessão (note-se bem
que Jesus Cristo ensinou simplesmente isto: dize-o à Igreja — e
não: dize-o à igreja reunida em sessão) para o caso ser julgado pela
assembleia. Ora, isto vai de encontro evidentemente ao objetivo que
visa Cristo com o seus ensino. Ele acabara do falar sobre o
escândalo. Mostrou como remédio a correção fraterna. Em caso de
falhar esta, o escândalo deve ser remediado com a decisão da
Igreja. Ora, segundo a interpretação protestante, a solução proposta
viria aumentar e desenvolver o escândalo. Dize-o à Igreja. Mas a
Igreja considerada como a reunião de todos os fiéis, é composta
também de crianças, as quais tanto insistiu Cristo não deveriam ser
escandalizadas; delas fazem parte mocinhas e pessoas simples, às
quais não convém o conhecimento de certas questões escabrosas.
Se teu irmão pecar contra ti... dize-o à Igreja. Trata-se aí de uma
queixa feita contra um irmão na fé, e a queixa feita publicamente
redundaria muitas vezes em falta de caridade, em humilhação
pública, pois no meio da multidão bem podem aparecer alguns
espíritos críticos e galhofeiros.

Havendo, portanto, divergências íntimas entre marido e mulher, por


questões de leviandades, de adultério ou de incompreensão da
parte de um ou de outro, questões entre patrões e empregados,
entre patroas e criadas, por causa de roubo, de injustiça ou de
crueldade, questões entre amigos, dos quais um nem sempre
procedeu com lealdade, brigas entre namorados, desavenças entre
comerciantes e seus fregueses, entre mestres e seus discípulos,
entre companheiros de uma mesma associação, profissão ou
classe, trata-se muitas vezes de questões complicadas ou, para
usar a linguagem popular moderna, de “sujeiras” que não devem ser
discutidas perante os pequenos ou, pelo menos, de coisas íntimas
que ninguém gostaria de ver tratadas e julgadas pela multidão. Esta,
muitas vezes, poderia dividir-se em duas correntes opostas,
servindo isto somente para generalizar um conflito que dantes era
somente de 2 pessoas. O direito concedido a qualquer pessoa de
apresentar queixas perante a assembleia de fiéis, iria contra a
caridade e a prudência, roubando a fama do próximo, contra o qual
se faz a reclamação, tornando notório um crime que bem se podia
conservar oculto.

Qualquer seita protestante que adotasse continuamente este


sistema, veria logo seus adeptos desejarem ardentemente que tais
questões fossem decididas não pelo povo o qual, composto de
pessoas de modos de ver muito diversos, não resolveria coisa
alguma, mas diretamente, discretamente, pelos seus próprios
pastores que se supõe teriam mais capacidade para julgar.

É por isto que Nosso Senhor, depois de dizer a qualquer cristão


- I , volta-se para os Apóstolos, fazendo-lhes ver que
lhes vem do próprio Céu o seu poder de julgar: Em verdade vos digo
que tudo o que vós ligardes sobre a terra será ligado também no
Céu e tudo o que vós desatardes sobre a terra será desatado
também no Céu (Mateus XVIII-18).

Os fatos nas escrituras.

190. E a prova disto é que este julgamento de questões ou de


crimes feito na Igreja de Cristo por votação ou por aclamação da
assembleia de fiéis, sem haver entre eles um chefe que decida, pois
no caso a congregação é que decidiria, é coisa que nunca se viu
nas Escrituras. Aí sempre aparece o poder judiciário exercido por
um Apóstolo ou, pelo menos, por um juiz autorizado.

Já vimos, por exemplo, que no episódio de Ananias, o qual vendeu


um campo e com fraude usurpou certa porção do preço do campo,
consentindo-o sua mulher; e levando uma parte, a pôs aos pés dos
Apóstolos (Atos V-1 e 2), S. Pedro não submeteu o caso à votação
da Igreja, nem mesmo à votação dos Apóstolos, mas proferiu, ele
próprio, sua sentença de condenação: Ananias, por que tentou
Satanás o teu coração, para que tu mentisses ao Espírito Santo e
reservasses parte do preço do campo?... Sabe que não mentisse
aos homens, mas a Deus (Atos V-4 e 5).

O mesmo aconteceu no caso da condenação de Simão, o Mago;


S. Pedro não submeteu o caso à apreciação da assembleia dos
fiéis, nem ao menos pediu o parecer de S. João que com ele se
achava, mas proferiu logo a sentença: O teu dinheiro pereça
contigo... Faze, pois, penitência desta tua maldade (Atos VIII-20 e
22).

No caso do incestuoso de Corinto, se s. Paulo censura os Coríntios


não é porque não o julgaram, é porque, havendo ali aquele
escândalo, eles nem se incomodavam com isto, nem se mostravam
constrangidos ou escandalizados, providenciando para que
o incestuoso do meio, tirado, é claro, pela autoridade
competente, como era o próprio S. Paulo: É fama constante que
entre vós há fornicação e tal fornicação qual nem ainda entre os
gentios, tanto que chega a haver quem abusa da mulher de seu pai.
E andais ainda inchados; e ,
dentre vós o que fez tal maldade (1ª
Coríntios V-1 e 2) [25]. Acontece muitas vezes numa sociedade que
os seus membros, embora não tenham por si mesmos o direito de
expulsar, pelo menos se mostram contrafeitos, desejando que os
maus elementos sejam eliminados. Foi isto o que faltou nos
Coríntios. Se S. Paulo reconhecesse neles o direito de decretar a
expulsão, os teria censurado porque não o expulsaram ou teria
ordenado que o expulsassem. Mas S. Paulo é quem, mesmo
ausente, com toda a sua autoridade de Apóstolo, lavra, ele próprio a
condenação: E na verdade, ainda que ausente com o corpo, mas
presente com o espírito, como presente aquele
que assim se portou: em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo,
congregados vós e o meu espírito, com o poder de Nosso Senhor
Jesus Cristo,
, a fim de que a sua alma seja salva no dia de Nosso
Senhor Jesus Cristo (1ª Coríntios V-3 a 5).
Já no capítulo anterior, S. Paulo se apresenta a si mesmo
pessoalmente com o direito de castigar: Que quereis? Irei a vós
outros ou com caridade e espírito de mansidão? (1ª
Coríntios IV-21).

E no capítulo seguinte se mostra incomodado, porque os cristãos


estão levando suas demandas para serem decididas pelos juízes
pagãos. A igreja de Corinto tinha sido fundada havia muito pouco
tempo; ainda não havia nela um bispo que a regesse, nem um
pastor que a dirigisse. “Ainda não tinha sido constituído um reitor da
Igreja”, como observa S. Ambrósio. Ora, se a doutrina de Cristo
fosse esta: que as questões devessem ser resolvidas por uma
assembleia sem chefe, resolvidas “democraticamente” por todos,
como dizem alguns protestantes, qual o conselho que daria
S. Paulo? Que os Coríntios se reunissem e resolvessem, eles
mesmos, estas questões. Mas o que S. Paulo ordena é outra coisa:
é que eles constituam um homem sábio para decidir estes casos: É
possível que não haja entre vós que possa julgar
entre seus irmãos? (1ª Coríntios VI-5). Porque é uma coisa que
entra pelos olhos: a difícil missão de julgar exige certas qualidades
especiais, exige competência, serenidade, espírito de justiça; é
preciso que se escolha um homem sábio para isto. E ironicamente
S. Paulo lhes faz ver que era muito melhor que eles escolhessem os
menores, os membros menos importantes para julgar, do que se
sujeitarem a ver suas questões decididas pelos pagãos: Se tiverdes
diferenças por coisas do século, estabelecei aos que são de menor
estimação na Igreja para julgá-las (1ª Coríntios VI-4).

No fim de sua 2ª Epístola aos Coríntios, S. Paulo os adverte para


que não continuem a cometer os mesmos erros e os ameaça de ser
duro para com eles, usando com rigor a sua autoridade:

Temo que talvez, quando eu vier, vos não ache quais eu quero e
que vós que me acheis qual não quereis; que por desgraça não haja
entre vós contendas, invejas, rixas, dissensões, detrações,
mexericos, altivezas, parcialidades; para que não suceda que,
quando eu vier outra vez, me humilhe Deus entre vós e que chore a
muitos daqueles que antes pecaram e não fizeram penitência da
imundícia e fornicação e desonestidade que cometeram. Eu me
disponho a vos ir ver pela terceira vez. Na boca de duas ou três
testemunhas estará toda a palavra. Assim como já o disse dantes
achando-me presente, assim o digo também agora estando ausente
que, se eu for outra vez
(2ª Coríntios XII-20 e 21; XIII-1 e 2). E mais
adiante no versículo 10º: Eu vos escrevo isto ausente para que,
estando presente, não empregue
D para edificação e não para destruição (2ª Coríntios
XIII-10).

É uma autoridade exercida pessoalmente por S. Paulo que julga e


pune, e não pela multidão; dela usou ele condenado a Himeneu e
Alexandre: Conservando a fé e a boa consciência, a qual porque
alguns repeliram, naufragaram na fé: deste número é Himeneu e
Alexandre, os quais a Satanás, para que aprendam a
não blasfemar (1ª Timóteo I-19 e 20).

Esta mesma autoridade, vemo-la em Timóteo, a quem compete


receber as queixas contra os presbíteros, para tomar as devidas
providências. É a Timóteo que cabe repreender os que pecam e
S. Paulo recomenda que ele faça repreensões públicas que sirvam
de escarmento para os fiéis, o que é sinal de que os fiéis não se
apresentam como juízes, mas como súditos, debaixo da autoridade
do bispo de Éfeso: acusação contra o presbítero,
senão com duas ou três testemunhas. Aos que pecarem,
- diante de todos, para que também os
(1ª Timóteo V-19 e 20).

Está, portanto, mais do que provado, pela observação do contexto,


pela lógica e pela praxe dos Apóstolos que nas suas palavras -
I , Cristo se refere à Igreja docente, àqueles que dirigem a
Igreja e sobre ela tem autoridade, portanto aos Apóstolos, a estes é
que Ele disse (pois a eles é que estava falando naquele momento):
Tudo o que vós ligardes sobre a terra será ligado também no Céu, e
tudo o que vós desatardes sobre a terra será desatado também no
Céu (Mateus XVIII-18). Por isto observa com razão S. Jerônimo que
Cristo “deu tal poder aos Apóstolos, para que saibam os que são por
eles condenados que a sentença humana deles é corroborada pela
sentença divina”.

Notas (pular)

[25] Ferreira de Almeida traduz assim: e nem ao menos vos entristecestes


quem cometeu tal ação (1ª Coríntios
V-2). (voltar)

Os versículos seguintes.

191. Mas os protestantes insistem e dizem que se trata aí de


poderes concedidos aos fiéis, porque Jesus em seguida diz: Ainda
vos digo mais que, se dois de vós se unirem entre si sobre a terra,
seja qual for a coisa que eles pedirem, meu Pai que está nos Céus
lha fará, porque onde se acham dois ou três congregados em meu
nome, aí estou eu no meio deles (Mateus XVIII-19 e 20).

Primeiro que tudo, estamos diante de um destes célebres,


argumentos protestantes que não provam nada, porque provam
demais. Se se tratasse do mesmo assunto de julgamento dos que
caíram em faltas, então nesse caso Cristo estaria dizendo que 2 ou
3 fiéis, sem intervenção de seus chefes, pastores ou prelados, terão
também o poder de julgar. E assim aquele que fosse condenado
pela assembleia, se houvesse no meio desta assembleia 2 ou 3
vencidos, poderia depois promover novo julgamento feito por estas
2 ou 3 pessoas e este julgamento também seria válido, o que daria
numa confusão tremenda. Quer dizer então que 2 ou 3 pessoas,
sem ser revestidas de autoridade alguma, tem o direito de expulsar
alguém de sua igreja? Isto é demais.

Há evidentemente aí uma mudança de assunto.


Jesus diz: A vos digo etc (Mateus XVIII-19). Este
é expresso no grego pela partícula , a qual indica muitas
vezes na Bíblia a transição para outro assunto.

Assim se lê em S. Mateus: Eu vos digo que todo o que repudiar a


sua mulher, a não ser por causa de fornicação, a faz ser adúltera; e
o que tomar a repudiada comete adultério. ouvistes que
foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás ao Senhor os
teus juramentos (Mateus V-32 e 33). Ora, este é
expresso no grego pela partícula . E aí houve evidentemente
mudança de assunto.

Em S. Lucas se lê que Jesus dizia: A que é semelhante o reino de


Deus e a que o compararei eu? É semelhante ao grão de mostarda
que um homem tomou e semeou na sua horta e que cresceu até se
fazer uma grande árvore; e as aves do céu repousaram nos seus
ramos. E disse : A que direi que o reino de Deus é
semelhante? Semelhante é ao fermento que tomou uma mulher e o
escondeu dentro de três medidas de farinha, até que ficasse
levedada toda a massa (Lucas XIII-18 A 21). Ora, este
corresponde no grego à partícula ; e aí se vê claramente a
transição de uma para outra parábola.

O texto em questão, a Bíblia de Ferreira de Almeida o traz assim:


T vos digo que se dois de vós concordarem na terra acerca
de qualquer coisa que pedirem etc (Mateus XVIII-19). Assim se
exprime mais claramente o sentido da palavra , que equivale
no caso à palavra portuguesa , pela qual significamos
que vamos tratar de outro assunto, embora este não deixe de ter
alguma relação com o assunto anterior.

Qual a relação que há, portanto, entre o poder de ligar e desligar


concedido aos Apóstolos e a promessa da presença de Cristo junto
àqueles que se congregarem em seu nome? É a seguinte: Jesus
acabara de fazer uma comparação da Igreja com a sinagoga. Existia
nesta o Sanhedrim, composto de juízes autorizados para decidir as
questões, podendo até expulsar alguns da sinagoga. Jesus mostra
que na Igreja existirá também este poder e, para falar em termos
que os Apóstolos compreendam, diz que aqueles que forem
condenados pelas autoridades da Igreja, serão tidos como
e . É evidente a comparação com o que se passava nos
tribunais judaicos.

Ora, havia também entre os rabinos a doutrina de que Deus assistia


particularmente a 2 ou mais pessoas reunidas em nome dEle, como
se vê por estas palavras do rabi Hananiah Ben Teradyon: “Quando
dois estão assentados e ocupados com a Lei, a Glória está no meio
deles” (Aboth III-2). Esta doutrina, eles a baseavam em Malaquias:
Falaram os que temem ao Senhor cada um com o seu próximo; e o
Senhor se pôs atento e os ouviu (Malaquias III-16).

Jesus mostra que, assim como aos rabinos era concedida uma certa
assistência de Deus nas suas reuniões mesmo de 2, aos Apóstolos
se promete, além da ratificação de suas sentenças, uma assistência
especial de Cristo nas suas reuniões, ainda que sejam de 2 ou 3 (se
dois de vós se unirem entre si sobre a terra — Mateus XVIII-19),
mesmo porque há um princípio ainda mais amplo: onde se acham
dois ou três congregados em meu nome, aí estou eu no meio deles
(Mateus XVIII-20). E supõe-se que se 2 Apóstolos se reúnem, é
para tratar da glória de Deus, é em nome de Jesus e neste caso tem
sempre a complacência divina.

Esta promessa de Cristo equivale a uma afirmação de sua própria


divindade. Cristo é Deus, pois Ele promete estar sempre presente
onde Deus prometia outrora o conforto de sua presença. E se havia
esta promessa de assistência divina para os judeus, quando
ocupados sinceramente com as coisas de Deus, com maioria de
razão haverá para aqueles que pertencem à verdadeira Igreja, à
qual Cristo prometeu assistência especial.
O poder concedido aos Apóstolos
Harmonia entre os poderes.

192. Descartados os protestantes congregacionalistas, que põem a


direção da Igreja na assembleia dos fiéis, surgem em cena os
protestantes chamados episcopalianos. Dirão eles naturalmente:

Pelo que o Sr. disse, se vê claramente que o Sr. concorda em que o


poder de ligar e desligar foi concedido, não só a Pedro, mas a todos
os Apóstolos também. Logo, o governo da Igreja não está somente
nas mãos de Pedro, está nas mãos de todos os Apóstolos.

— É claro que a Igreja não haveria de ser sempre um pequenino


rebanho (Lucas XII-32), mas tinha que tornar-se universal, espalhar-
se por toda a terra (Ide, pois, e ensinai todas as gentes — Mateus
XXVIII-19); não era possível a um homem governar esta
Igreja espalhada por todo o mundo, assim como não é possível ao
Presidente da República governar o país; ele tem que ser
auxiliado também neste ofício pelos governadores; e como o
governador não pode sozinho dirigir todo o Estado, tem que ser
auxiliado, na sua administração, pelos prefeitos. Mas daí não se
segue que o poder de um prefeito é igual ao de um governador, nem
que o poder de um governador é igual ao do Presidente da
República. O mesmo se dá no exército. Embora a direção geral do
exército esteja nas mãos do general comandante, ele tem que ser
auxiliado nesta direção pelos oficiais, também revestidos de
autoridade.

Qual o maior poder, o de Pedro ou o dos outros Apóstolos? Eis aí


um ponto que os próprios Evangelhos se encarregam de esclarecer.

Primeiro Jesus, num momento A


, disse a Pedro, somente a Pedro estas
palavras: Tudo o que ligardes sobre a terra será ligado também nos
Céus, e tudo o que desatares sobre a terra será desatado também
nos Céus (Mateus XVI-19). Se Jesus não tencionasse dar a Pedro
um poder todo especial, teria imediatamente acrescentado que o
mesmo poder dado a Pedro era concedido também aos outros
Apóstolos. No entanto, só falou a Pedro.

Depois noutra ocasião, Jesus disse a todos os Apóstolos, ,


,P : Tudo o que vós ligardes
sobre a terra será ligado também no Céu, e tudo o que vós
desatardes sobre a terra será desatado também no Céu (Mateus
XVIII-18). A nenhum Apóstolo, fora S. Pedro, estas palavras foram
ditas individualmente. Todos os outros receberam em conjunto.

Além disto, antes de dar a Pedro o poder de ligar e desligar, Cristo


disse a Pedro, somente a ele, e mais a nenhum dos Apóstolos, que
ele era a sobre a qual se ia edificar a Igreja. Mais ainda: a
metáfora de ligar e desligar é distinta da metáfora das chaves; pois
às chaves compete abrir e fechar e não propriamente amarrar e
desamarrar. E a Pedro, somente a ele, mais a nenhum dos
Apóstolos foi que Cristo disse: Eu te darei as chaves do Reino dos
Céus (Mateus XVI-19). Como já provamos (nº 169), dar as chaves
significa dar todo poder e domínio sobre uma casa ou sobre uma
cidade.

Finalmente, depois da ressurreição, antes de subir para o Céu,


tendo que deixar alguém tomando conta do seu rebanho, foi a
Pedro, somente a Pedro, e mais a nenhum dos Apóstolos, que
Cristo confiou esta vasta missão: Apascenta os meus cordeiros;
apascenta as minhas ovelhas (João XXI-15, 16 e 17).

Cristo não era desorganizado nem confuso, nem capaz de cair em


contradições. Nem era inconstante a ponto de dar a um homem todo
o poder sobre a Igreja, para retirar-lhe depois e concedê-lo a 12
outras pessoas. Se deixasse a Igreja entregue a 12 homens para
que a governassem como bem entendessem (12 homens estes que
haviam de ser substituídos por um número ainda maior por causa da
enorme expansão da Igreja) daí resultaria uma extraordinária
confusão. Portanto, se disse aos Apóstolos que lhes cabia o direito
de ligar e desligar, é porque os queria fazer subordinadamente
participantes daquele poder que foi conferido solenemente a
S. Pedro, é porque só gozavam eles deste direito em união com
aquele que foi constituído, só ele entre os Apóstolos, a pedra
fundamental da Igreja, o depositário das chaves do Reino dos Céus
e o Pastor do rebanho universal.
Os mandamentos da Igreja
O mandamento do Concílio de Jerusalém.

193. Tendo Pedro e os Apóstolos o poder de ligar e desligar e, por


consequência, o poder de estabelecer leis que ligam a vontade dos
homens, leis estas ratificadas pelo próprio Céu, daí se segue que a
Igreja tem o direito de estabelecer seus mandamentos que obrigam
os cristãos em consciência. Não é preciso que o objeto da lei seja
em si já ordenado ou proibido por Deus. Se a Igreja ordena ou
proíbe, isto já se torna ordenado ou proibido por Deus. Tudo o que
ligares sobre a terra será ligado também nos Céus (Mateus XVI-18).

Assim vemos nos Atos que os Apóstolos, juntamente com Pedro e


com os presbíteros de Jerusalém (era portanto a voz da Igreja na
palavra de seus dirigentes), mesmo sabendo que a lei de Moisés
não obrigava mais, acham que é necessário impor alguns encargos
aos cristãos: que vos abstenhais do que tiver sido sacrificado aos
ídolos, e do sangue, e das carnes sufocadas e da fornicação (Atos
XV-29).

Quanto à fornicação, era já proibida pela lei de Deus; quanto ao


comer carnes sacrificadas aos ídolos, só no caso em que isto viesse
a dar num escândalo ou numa cooperação com a idolatria. Mas, se
a lei de Moisés já não estava mais em vigor, é claro que Deus não
proibia comer o sangue, nem comer as carnes sufocadas. E no
entanto é a Igreja, pela voz de Pedro, dos Apóstolos e de alguns
presbíteros que decreta essa proibição, porque a considera
conveniente naquelas circunstâncias. Mais adiante, quando as
circunstâncias mudam, é a própria Igreja que dispensará desse
preceito.

Não é de admirar, portanto, que a Igreja, em vista dos poderes que


lhe foram outorgados pelo próprio Cristo, a Igreja representada pelo
seu chefe ou pelo próprio Cristo, a Igreja representada pelo seu
chefe ou pelos seus chefes, estabeleça leis que são necessárias
para que ela cumpra fielmente a sua missão de encaminhar as
almas para Deus aqui na terra.

Mas surgem protestantes ferozes e agressivos que declamam,


muito entusiasmados, afirmando que a Igreja estabeleceu os seus
mandamentos em contraposição com os mandamentos da lei de
Deus (!). Vamos, portanto, examinar os mandamentos da Igreja para
ver se realmente encontramos entre eles algum que seja contrário à
lei divina.

Primeiro mandamento: ouvir a Missa.

194. O primeiro mandamento da Igreja nos obriga a ouvir missa


inteira nos domingos e festas de guarda.

Ora, santificação do dia do Senhor é um preceito da lei divina,


exarado no 3º mandamento do Decálogo. Aos judeus havia sido
ordenada a observância do sábado. Mas é claro que o
era que se consagrasse a Deus um dia na semana, reservando-
o para o descanso.

Para os judeus, o sábado tinha um significado especial: era o dia em


que Deus terminara a criação, desde que os períodos em que Deus
fez o mundo são simbolizados por 7 dias, representando assim uma
semana. Mas para cristãos, o primeiro dia da semana tomou uma
significação muito maior: foi no primeiro dia da semana que se
realizou o grande acontecimento da Ressurreição de Jesus Cristo,
quando se consumou a sua grande vitória sobre a morte e sobre
todos os inimigos. E a Ressurreição do Senhor é um ponto básico
para a nossa fé, como ensina S. Paulo (1ª Coríntios XV-14). Foi
igualmente num domingo que o Espírito Santo desceu visivelmente
sobre os Apóstolos, acontecimento também de suma importância
para o estabelecimento do reino de Deus sobre a terra. E se o
sábado simbolizava o término da obra criadora de Deus, o domingo
simboliza, por sua vez, o começo da criação, o primeiro dia, e a
criação é atribuída de modo especial a Deus Pai. Ficou assim o
domingo como um dia, por excelência, da SSma Trindade, portanto o
dia de Deus. A Igreja com o seu poder de ligar e desligar, desligou
os fiéis da obrigação do sábado para os ligar à obrigação do
domingo. A lei de Deus foi respeitada, pois o que Deus queria na
sua lei era que houvesse um dia consagrado a Ele; e o fato de ser
esse dia um sábado ou um domingo já se havia tornado uma
questão de menor importância: o sábado era prescrito aos judeus na
lei de Moisés, mas a lei mosaica (exceto naquilo que pertence à lei
natural) já tinha sido abolida.

Estão, aliás, de acordo conosco a grande maioria das seitas


protestantes, embora afirmem só admitir aquilo que consta
explicitamente da Bíblia.

Ora, sendo o domingo um dia consagrado a Deus e sendo o Santo


Sacrifício da Missa o ato, por excelência, do nosso culto (sobre a
Missa falaremos depois nos nos{} 345 a 348) e não sendo justo que
a Igreja deixasse que os seus fiéis ficassem completamente
desobrigados deste ato supremo do culto de adoração a Deus,
obrigou-os a ouvir a Santa Missa todos os domingos. Foi, portanto,
uma maneira de acentuar ainda mais o caráter de S
que possui o domingo. Longe de ser uma contradição à lei de Deus,
ao contrário foi um reforço para o cumprimento da lei divina. Unem-
se os fiéis no dia consagrado ao Senhor e em seu templo para orar,
ouvir a palavra de Deus, adorar a Jesus Sacramentado no Santo
Sacrifício da Missa. E isto obriga sob pecado, porque o Mestre
disse: Tudo o que ligardes sobre a terra será ligado também nos
Céus (Mateus XVI-19).

Por este mesmo princípio a Igreja obriga também os fiéis ao seu


culto em certos dias do ano, em que se comemoram grandes
festividades religiosas. São 9 apenas, atualmente, os dias santos
obrigatórios para a Igreja Universal. E alguns deles, como por
exemplo: o Nascimento de Cristo, a 25 de dezembro, e a Adoração
dos Magos, a 6 de janeiro, os protestantes se unem conosco para
comemorá-los. Se algumas destas festas, como são 2 consagradas
a Maria SSma e uma a S. Pedro, não agradam aos protestantes, isto
já é outra questão, mas não é isto que tira à Igreja o poder de ligar
os fiéis com suas sábias leis, poder que lhe foi outorgado pelo
próprio Cristo.

Segundo mandamento: a participação da Eucaristia.

195. O segundo mandamento se refere à obrigação de participar da


Ceia Eucarística, obrigação esta que nos foi imposta pelo próprio
Cristo: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne
do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida em
vós (João VI-54). Sobre a presença real de Jesus na Eucaristia
(nos{} 298 a 322) e sobre a comunhão sob uma só espécie (nº 307)
falaremos mais adiante.

Durante muitos séculos a Igreja não precisou impor esta obrigação,


porque os fiéis eram solícitos em aproximar-se da mesa eucarística.
Vendo, depois, que muitos se descuidavam e andavam afastados da
mesa divina por muito longo espaço de tempo, ela resolveu
estabelecer um mínimo, marcando também a época própria para
isto: Comungar ao menos uma vez cada ano, pela Páscoa da
Ressurreição.

A Igreja está aí apenas urgindo o cumprimento de uma obrigação


que já havia sido imposta pelo próprio Divino Mestre: a obrigação de
comungar.

Terceiro mandamento: a confissão anual.

196. Mas o cristão só pode aproximar-se da mesa divina estando


com a consciência bem purificada: Todo aquele que comer este pão
ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do
sangue do Senhor. Examine-se, pois, a si mesmo o homem, e assim
coma deste pão e beba deste cálice. Porque todo aquele que o
come e bebe indignamente, come e bebe para si a condenação, não
discernindo o corpo do Senhor (1ª Coríntios XI-27 a 29).

A obrigação de comungar acarreta, portanto, a necessidade da


confissão. É o terceiro mandamento da Igreja. Sobre o sacramento
da Confissão falaremos mais adiante (capítulo 12º).

Queremos aqui apenas observar que basta a obrigação imposta por


este mandamento para mostrar como é inexata a ideia que os
protestantes fazem sobre a Igreja, a qual eles imaginam como
interessada exclusivamente em ritos e exterioridades.

Em nada insiste mais a Igreja na sua pregação aos fiéis do que na


necessidade de purificarem o seu coração, de servirem a Deus de
corpo e alma, de evitarem o pecado, até mesmo nos mínimos
pensamentos. E, não contente com isto, sob pena de
pecado a todos os fiéis que tenham o uso da razão a fazerem pelo
menos anualmente, a purificação de sua alma pela confissão dos
pecados, a qual só é válida (portanto a obrigação só é cumprida)
quando há o sincero arrependimento e o firme propósito de emenda
para todo o resto da vida. Se se trata de alguém que durante o ano
não cometeu nenhum pecado, nada mais fácil do que dizer ao
confessor que está isento de culpa e que vai apenas pedir os seus
conselhos e a sua benção. Se se trata, porém, de um cristão que
pecou gravemente durante o ano, chegada a Páscoa, é chegado o
tempo, em que a Igreja está urgindo a obrigação de se aproximar
dos sacramentos e em que ele não pode mais adiar a sua volta total
para Deus, sem mostrar-se ao mesmo tempo um filho desobediente
da Santa Igreja, porque o prazo de tolerância já se vai extinguir: ao
menos uma vez a cada ano.

Se há católicos que não cumprem com este dever ou que se


confessam sem a contrição verdadeira, a culpa é deles, são eles
que merecem a censura, e não a Igreja. Esta exige, portanto, mais,
neste ponto de purificação interna do indivíduo do que o
Protestantismo, o qual se limita a exortar pela pregação, ficando
cada um a orientar-se a si mesmo, como juiz em causa própria, sem
a ajuda e direção do confessor.

Os católicos todos e supomos também que todos os protestantes


(porque aquela tese de Lutero de purificação meramente externa,
somente pela não imputação dos pecados é uma tese superada
mesmo dentro do Protestantismo) estão de acordo em que o Céu
não se alcança a não ser pela purificação da alma. A
diferença que há é que nós, católicos, nos temos na conta de
pecadores, sabemos que todos nós tropeçamos em muitas coisas
(Tiago III-2), que temos durante toda a vida que nos penitenciar de
nossos pecados e que havemos de nos esforçar continuamente, ora
para manter, ora para recuperar a nossa purificação. E os
protestantes em geral se têm na conta de completamente e
sempiternamente purificados, santos e imaculados pelo simples fato
de terem aceitado a Cristo como Salvador, a grande maioria deles
com a ideia de que é impossível perderem-se. E foi a sua Religião
que lhes incutiu esta ideia.

Quarto mandamento: o jejum.

197. O 4º mandamento: jejuar e abster-se de carne quando a Santa


Igreja manda — é o que mais intriga os protestantes. Sua
repugnância a este preceito nasce principalmente da sua teoria de
salvação só pela fé e da ideia errônea de que os nossos atos de
virtudes, as nossas penitências não têm merecimento diante de
Deus; só pela fé é que merecemos o Céu. Mas esta teoria já foi por
nós refutada na primeira parte deste livro.

A necessidade da penitência é inculcada no Evangelho pelas


próprias palavras de Nosso Senhor que disse, referindo-se ao
castigo sofrido por alguns galileus, os quais Pilatos mandara matar,
misturando o sangue deles com o sangue dos sacrifícios que
haviam oferecido: Vós cuidais que aqueles galileus eram maiores
pecadores que todos os outros da Galileia, por haverem padecido
tão cruel morte? Não eram, eu vo-lo declaro; mas, se vós outros não
, todos assim mesmo haveis de acabar (Lucas
XIII-2 e 3).

O Evangelho está cheio de exortações à penitência. S. João Batista


assim exorta os seus ouvintes: F , porque está
próximo o Reino dos Céus (Mateus III-2). E diz aos escribas e
fariseus: Fazei, pois, dignos frutos de (Mateus III-8).

Jesus começa a sua pregação com as mesmas palavras: Desde


então começou Jesus a pregar e a dizer: , porque
está próximo o Reino dos Céus (Mateus IV-17). Veio Jesus para
Galileia, pregando o Evangelho do reino de Deus e dizendo: Pois
que o tempo está cumprido e se apropinquou o reino de Deus,
e crede no Evangelho (Marcos I-14 e 15).

Em outras ocasiões disse Jesus: Eu vim chamar, não os justos, mas


os pecadores à (Lucas V-32). Haverá maior júbilo no
Céu sobre um pecador que que sobre noventa e
nove justos que não hão de mister penitência (Lucas XV-7).

Esta é também a pregação dos Apóstolos: E saindo eles, pregavam


aos povos que (Marcos I-12).

S. Paulo, pregando no Areópago diz: Deus, dissimulando por certo


os tempos desta ignorância, denuncia agora aos homens que todos
em todo o lugar (Atos XVIII-30). E no seu
discurso perante o rei Agripa, diz: Preguei primeiramente aos de
Damasco, e depois em Jerusalém e por toda a terra de Judeia e aos
gentios, que e se convertessem a Deus,
fazendo de (Atos XXVI-20).

Os protestantes objetam que a expressão


corresponde no grego ao verbo que significa mudar de
ânimo, de resolução, arrepender-se, converter-se, e que no próprio
latim e no português quer dizer arrependimento.
Penitenciar-se é arrepender-se.
— Não há dúvida que a palavra quer dizer isto; mas daí não se
segue que signifique isto . Segundo o sentido em
que é empregada na Bíblia, não exclui aqueles atos que nascem
naturalmente deste sentimento interno de contrição. E é por isto que
nós vimos nos textos anteriormente citados a referência a
(Atos XXVI-20), a (Mateus III-8).

É claro que a base desta penitência é o arrependimento dos


pecados, o qual deve existir no fundo do coração e sem o qual o
sacrifício externo perderia a sua principal finalidade. Mas a ideia de
penitência é ligada também na Bíblia à ideia de atos de mortificação
corporal que são como o fruto, a consequência, a manifestação
exterior deste arrependimento. Assim se lê no livro de Jó: Por isso
me repreendo a mim mesmo e
(Jó XLII-6). No 2º livro de Esdras se descreve deste modo a
penitência do povo: E no dia vinte e quatro deste mês se ajuntaram
os filhos de Israel e e
(2º Esdras IX-1). Lê-se no livro do Profeta Joel: Agora, pois,
diz o Senhor: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração,
, e em lágrimas e em gemidos (Joel II-12). E no livro do
Profeta Jonas: E creram os ninivitas em Deus; e ordenaram um
e - desde o maior até o
menor... E viu Deus as que eles fizeram, como se
converteram do seu caminho; e compadeceu-se deles para lhes não
fazer o mal que tinha resolvido fazer-lhes e com efeito lho não fez
(Jonas III-5 e 10).

Jesus não condena estas manifestações externas de penitência, ao


contrário as considera como louváveis, pois é assim que descreve o
bom resultado que teriam as suas pregações, se fossem feitas em
Tiro e Sidônia: Ai de ti, Corozaim; ai de ti, Betsaida; que se em Tiro
e Sidônia se tivessem obrado as maravilhas que se obraram em
vós; há muito tempo que elas , -
(Lucas X-13). E notem os protestantes que
também neste trecho o verbo corresponde ao
verbo grego .
E S. Paulo diz: C e o reduzo à servidão, para
que não suceda que, havendo pregado aos outros, venha eu
mesmo a ser reprovado (1ª Coríntios IX-27), o que bem mostra que
a penitência corporal tem também uma função preservativa, a fim de
que a carne não prevaleça contra o espírito, sendo útil também aos
justos e não somente aos pecadores.

Jesus mesmo jejuou quarenta dias e quarenta noites no deserto:


Então foi levado Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado
pelo diabo. E tendo quarenta dias e quarenta noites, teve
fome (Mateus IV-1 e 2). Não foi para fazer penitência por pecados
próprios, que não os tinha, nem para preservar-se de cair em
pecado, uma vez que era impecável; nem para pedir luzes especiais
a Deus, pois era o Verbo e tinha ciência infinita, nem para oferecer o
seu jejum pela salvação do mundo, neste caso o teria remido
naqueles dias, pois bastava um simples suspiro seu, infinitamente
meritório, para remir todo o gênero humano. Foi apenas para nos
dar o exemplo a nós, pecadores. E Ele próprio estabeleceu normas
para os seus discípulos, quando jejuassem: E quando não
vos ponhais tristes como os hipócritas, porque eles desfiguram os
seus rostos para fazer ver, aos homens, que jejuam (Mateus VI-16).

É um erro, portanto, considerar o jejum como antibíblico ou como


uma ofensa ao sacrifício feito por Cristo na cruz, pois ele é
reconhecido, recomendado pelo próprio Cristo que dele nos deu
exemplo.

S. Paulo nos diz na 2ª Epístola aos Coríntios: Em todas as coisas


nos portemos como ministros de Deus na muita paciência... nos
trabalhos, nas vigílias, nos (2ª Coríntios VI-4 e 5). E os Atos
nos mostram o jejum sendo posto em prática por Paulo e Barnabé e
pelos primeiros cristãos (Atos XIV-22; XIII-2 e 3).

Acusar a Igreja de crueldade para com os fiéis (aliás fiéis de 21 a 60


anos) seria desconhecer as minúcias da própria lei do jejum, tão
benigna que há algumas pessoas sóbrias que jejuam diariamente
sem o saber. E mesmo assim, ela dispensa a todas as pessoas
fracas e doentes de acordo com o princípio: As leis da Igreja não
obrigam com grave incômodo. Outros zombam da Igreja, porque
acham o jejum benigno demais, o que também é injusto: a Igreja,
legislando para todos, estabelece um mínimo de penitência a ser
executado; mas não condena, antes louva a quem queira fazer um
jejum mais rigoroso, no caso em que tenha a necessária resistência
física e isto não prejudique à saúde. Se alguém é forte e quer jejuar
abstendo-se de qualquer alimento ou bebida até o meio-dia, ou,
mais ainda, como fazem os judeus e os maometanos não comendo
nada até o por do sol, ou quer jejuar a pão e água, faça-o, se pode,
porque nisto não há desobediência à Igreja; trata-se de fazer ainda
mais do que ela ordena, o que acarreta, se for feito com reta
intenção, um merecimento ainda maior.

Ainda o quarto mandamento: a abstinência de carne.

198. À lei do jejum se acrescenta a de abstinência de carne em


certos dias. Trata-se de tomar por penitência uma alimentação mais
fraca.

Aqui entram os protestantes com a sua chicana, trazendo um texto


que absolutamente não vem ao caso. Dizem que a Igreja está neste
ponto em contradição ao ensino de Jesus: Não é o que entra pela
boca o que faz imundo o homem, mas o que sai pela boca, isso é o
que faz imundo o homem (Mateus XV-11).

Para bem compreender o sentido deste texto, é preciso que


vejamos por que motivo disse Jesus estas palavras.

Além da Lei, ou seja, os 5 livros de Moisés, havia entre os judeus as


sentenças dos rabinos, as quais foram aumentando através dos
séculos. Eram leis ditadas pelos rabinos e não constavam da lei de
Deus. Uma destas leis era que ninguém devia comer sem lavar as
mãos, isto era um “pecado”, pois as mãos não lavadas eram mãos
impuras ou comuns; era preciso purificá-las. Achavam eles que
tinham que lavar as mãos antes e depois da comida e mesmo
durante a comida, antes de cada novo prato. Lavando as mãos,
deviam ter cuidado para que a mão já lavada não tocasse depois na
mão que não tinha sido lavada ainda, pois neste caso ficaria
novamente impura. A água que lavava devia ser pura, sem ter
servido para outros usos. Era preciso lavar as mãos até o punho; e
lavá-las duas vezes, porque a primeira água em contato com as
mãos tinha ficado impura; uma vez que havia perigo de ficarem
algumas gotas “impuras” aderentes à mão, era preciso que a água
passasse outra vez. Estas e outras recomendações assim
minuciosas se podem ver no livro de Strack-Billerbeck (págs. 698-
705).

Enquanto davam a máxima importância a estas cerimônias e


exterioridades, e ficavam altamente escandalizados quando alguém
não as observava, os fariseus não davam importância alguma aos
grandes mandamentos, que eram emanados do próprio Deus e não
tinham nenhum escrúpulo em ter o seu coração cheio de ódio e de
maldade, e de se entregar à calúnia e à maledicência. Isto mostra o
triste estado a que tinham chegado os judeus no tempo de Nosso
Senhor Jesus Cristo, pois se preocupavam somente com
exterioridades, com purificações corporais, não cuidando da
verdadeira purificação que Deus exige de nós, que é a purificação
do espírito e do coração. Contra este farisaísmo ilógico e repelente,
Nosso Senhor várias vezes se insurge no Evangelho.

Ora, não sendo estas purificações por ocasião da comida prescritas


por Deus e sabendo-se que os judeus não as faziam com o
verdadeiro espírito de fé e devoção interior, mas por mera
ostentação, Nosso Senhor não se submetia a tais ritos que
considerava inúteis e provavelmente instruiu os Apóstolos neste
sentido.

O caso chamou a atenção dos escribas e fariseus que vêm


indignados perguntar a Jesus: Por que violam os teus discípulos a
tradição dos antigos? Pois não lavam as suas mãos quando comem
pão (Mateus XV-2).

Nosso Senhor lhes responde que, se estão assim escandalizados


pelos fato de não obedecerem os Apóstolos a uma prescrição dos
homens, por que então vão eles de encontro abertamente às leis de
Deus? E vós também por que transgredis o mandamento de Deus
pela vossa tradição? Porque Deus disse: Honra a teu pai e a tua
mãe; e: o que amaldiçoar a seu pai ou a sua mãe morra de morte.
Porém vós outros dizeis: Qualquer que disser a seu pai ou a sua
mãe: Toda a oferta que eu faço a Deus te aproveitará a ti; pois é
certo que o tal não honrará a seu pai ou a sua mãe; assim é que vós
tendes feito vão o mandamento de Deus pela vossa tradição.
Hipócritas, bem profetizou de vós outros Isaías, quando diz: Este
povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de
mim. Em vão, pois, me honram, ensinando doutrinas e
mandamentos que vêm dos homens. E chamando a si as turbas,
lhes disse: Ouvi e entendei. Não é o que entra pela boca o que faz
imundo o homem; mas o que sai pela boca, isso é o que faz imundo
o homem (Mateus XV-3 a 11).

Os Apóstolos não compreendem bem o que significam estas


palavras. Nosso Senhor então lhes explica: Não compreendeis que
tudo o que entra pela boca desce ao ventre e se lança depois num
lugar escusos? Mas as coisas que saem da boca vêm do coração e
estas são as que fazem o homem imundo; porque do coração é que
saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as
fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfêmias. Estas
coisas são as que fazem imundo o homem; , ,
, isso não faz imundo o homem (Mateus XV-17 a
20).

O que se vê evidentemente aí é que Nosso Senhor está reprovando


o erro dos judeus que que faziam, achavam
que era um pecado comer .
O comer em si não é pecado, nem havendo purificação de mãos,
nem não havendo; nem é o que entra no homem para depois sair de
maneira abjeta, que torna o homem puro ou impuro. Pecado, sim, é
aquilo que procede do homem que não tem o coração puro, como
são os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as
fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfêmias, coisas
estas a que os fariseus não davam importância que deviam dar.
Pecado é desobedecer também às autoridades que foram por Deus
legitimamente constituídas. Quando o católico come carne nos dias
proibidos pela Igreja não é o simples fato do comer, não é o fato de
ser a comida esta ou aquela, que faz com que aquilo seja pecado. É
o fato de desobedecer à Igreja que tem nos seus chefes o poder de
ligar e desligar (Mateus XVI-19; XVIII-18) e a quem se deve ouvir
sob pena de ser considerado pagão ou publicano (Mateus XVIII-17).

Nosso Senhor não está ensinando aí que nunca se peca pela


comida; pois neste caso estaria ensinando que Adão e Eva não
pecaram comendo o fruto proibido; ou estaria criticando a lei de
Moisés, dada por Deus, segundo a qual havia muitas espécies de
animais que não era lícito comer; ou estaria ensinando que não é
pecado a gente comer a galinha do vizinho ou a criança comer
guloseimas quando seus pais não o permitem.

Comer em si não é pecado; comer sem lavar as mãos também não


o é; comer, porém, aquilo que é proibido (e Cristo deu à Igreja o
poder de proibir) isto, sim, é um pecado, mas um pecado de
desobediência, que sendo desobediência à Igreja, o é também a
Deus: Tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos
Céus (Mateus XVI-19).

Quinto mandamento: pagar dízimos.

199. Finalmente os nossos Catecismos trazem o 5º mandamento


estabelecido nestes termos: Pagar dízimos segundo o costume.
Não há mais na Igreja a oferta dos dízimos, a qual desapareceu há
muitos séculos. Nem se trata de um preceito atingido
individualmente a todos os cristãos, muitos dos quais podem estar
em situação de miséria.

Trata-se apenas disto: a Igreja lembra aos fiéis a obrigação que eles
têm de contribuir para as despesas do culto para a honesta
sustentação de seus ministros. As múltiplas obrigações dos
sacerdotes exigem que eles estejam dedicados de corpo e alma ao
serviço das almas; têm que dispor de alguns recursos, como
humanos que são, para vestir, para alimentar-se, para apresentar-se
convenientemente perante a sociedade e mesmo para fazer as suas
caridades. O modo de prover os fiéis a estas necessidades pode
variar de um país para outro. A praxe, entre nós, é que os católicos,
quando batizam um filho, quando celebram suas festas de
casamento, ou fazem os funerais e ofícios religiosos para os seus
defuntos reservam uma espórtula para a honesta sustentação do
sacerdote. Os protestantes gostam de explorar esta situação, ditada
pelas contingências da vida humana, procurando impressionar as
pessoas rudes, incutindo-lhes no espírito que a Igreja vende os
sacramentos, vende a salvação etc.

Entretanto, este princípio da honesta sustentação dos ministros do


altar, é estabelecida pela própria Bíblia: Porventura
? Acaso não temos nós poder para
levar por toda a parte uma mulher irmã, assim como também os
outros Apóstolos, e os irmãos do Senhor e de Cefas? Ou eu só e
Barnabé não temos o poder de fazer isto? Q
?Q
?Q
? Porventura digo eu isto como homem? Ou não diz
também a lei? Porque escrito está na lei de Moisés: Não atarás a
boca ao boi que debulha... S
,
? (1ª Coríntios IX-4 a
9, 11).
E diz o mesmo S. Paulo a Timóteo: Os presbíteros que governam
bem sejam honrados com estipêndio dobrado, principalmente os
que trabalham em pregar e ensinar. Porque diz a Escritura: Não
ligarás a boca ao boi que debulha e: O que trabalha é digno da sua
paga (1ª Timóteo V-17 e 18).

Por tudo isto fica provado que os 5 mandamentos da Igreja não são
senão sábias determinações baseadas naquilo que foi ensinado,
prescrito, preceituado no Novo Testamento.

Uma organização divina.

200. Temos ouvido discursos inflamados de protestantes, nos quais


eles observam com muita ênfase que para nos salvar devemos
seguir a Cristo e não a organizações humanas. Estamos
perfeitamente de acordo. Organizações humanas são as seitas
protestantes que foram, todas elas, fundadas pelos homens.

Mas havemos de seguir a uma e esta


organização é a Igreja fundada por Cristo (edificarei I
— Mateus XVI-18), esta Igreja que é esposa de Cristo (vós,
maridos, amai a vossas mulheres, como também Cristo amou a
Igreja — Efésios V-25), de modo que dizia S. Cipriano no século 3º:
“Não pode ter Deus como Pai, aquele que não tem a Igreja como
mãe”; esta Igreja que, como diz Cristo, havemos de ouvir, sob pena
de sermos considerados gentios ou publicanos, esta Igreja que em
todos os tempos, desde os primórdios do Cristianismo até os dias
de hoje, sempre foi chamada I ; esta Igreja Una e
Indivisa que continua, através dos séculos, levando de vencida
todas as heresias, mesmo as mais manhosas, ou as mais
agressivas, porque as portas do inferno não prevalecerão contra ela
(Mateus XVI-18); esta Igreja que tem como chefe o sucessor de
Pedro, porque Cristo a construiu sobre (Mateus X-2) dos
Apóstolos: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja
(Mateus XVI-18).
Capítulo Décimo
Cristo enviou os Apóstolos a pregar
Dificuldades para a exata interpretação da Bíblia
Dois pontos de apoio: Escritura e Tradição.

201. Deus ensinou aos homens a verdade religiosa por meio de


Nosso Senhor Jesus Cristo, que veio completar, de maneira
maravilhosa, as revelações divinas feitas por intermédio dos
Profetas no Antigo Testamento: Deus, tendo falado muitas vezes e
de muitos modos noutro tempo a nossos pais pelos Profetas,
ultimamente nestes dias nos falou pelo Filho, ao qual constituiu
herdeiro de tudo, por quem fez também os séculos (Hebreus I-1 e
2).

Essa doutrina verdadeira emanada de Deus, Ele quer que chegue


ao conhecimento de todos: Deus quer que todos os homens se
salvem e que (1ª
Timóteo II-4).

Como é que todos os homens podem ser devidamente instruídos


nas verdades reveladas por Deus? Para isto Cristo instituiu a sua
Igreja encarregada de ensinar a todos os povos e vela sempre para
que ela não se deixe corromper pelo erro, na sua luta contínua
contra as heresias, ficando sempre de pé a divina promessa de que
as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-18);
porque a Igreja tem que ser sempre a coluna e firmamento da
verdade (1ª Timóteo III-15).

Em que se firma a Igreja para sustentar a doutrina que nos


apresenta? Não há dúvida que um de seus pontos de apoio é a
Bíblia Sagrada, escrita sob inspiração do Espírito Santo, de modo
que tudo o que a mesma ensina é a palavra de Deus a nós
revelada.

Mas a Bíblia é um livro de muito difícil interpretação, muito sujeito a


ser torcido e adulterado por aqueles que ensinam doutrinas falsas,
procurando coonestá-las com a palavra de Deus.

Mesmo antes do Protestantismo, tão fértil em extravagâncias em


matéria doutrinária, como adiante veremos, mesmo desde os
princípios do Cristianismo tem aparecido teorias tão esquisitas que
nos deixam boquiabertos e que se baseavam em má interpretação
da Bíblia. S. Agostinho refuta os maniqueus que das palavras de
Cristo: Eu sou a luz do mundo (João VIII-12) deduziram ser Cristo
este sol material que nós vemos no espaço e que nos aquece e dá
vida às plantas (!). O mesmo S. Agostinho nos fala de uns hereges
chamados Hermianos e Seleucianos, os quais afirmavam que se
deve batizar com fogo e não com água, baseados na falsa
interpretação das palavras de S. João Batista, com relação a Cristo:
Eu na verdade vos batizo em água... Ele vos batizará no Espírito
Santo e (Mateus III-11) texto este de que se servem os
protestantes as seita dos Quacres, para, desprezando outras
passagens da Bíblia, afirmarem que o batismo de água não é
necessário nem obrigatório.

Juliano, o Apóstata, abusa da parábola do ecônomo infiel (Lucas


XVI-1 a 9) que, aliás, é de sutil interpretação, para acusar
impiamente a Cristo de estar ensinando a trampolinagem e
desonestidade nos negócios, quando o intuito do Divino Mestre é
exortar aos filhos da luz a que usem de tanto ardor e atividade na
prática da virtude como usam os filhos das trevas em defesa de
seus interesses e na prática do mal.

Em todos os tempos, os hereges se têm procurado apoiar nas


Escrituras (pessimamente interpretadas) para sustentar os seus
erros, e nós sabemos como nos nossos dias os espiritistas se
servem do ensino de Cristo de que o homem precisa renascer e
renascer da água e do Espírito para entrar no reino de Deus (João
III-3 e 5), palavras em que Cristo nos fala de um
pelo Batismo e querem com isto ensinar um
renascimento material, pela reincarnação.

Pode a Bíblia ficar à mercê das mais loucas e grosseiras e absurdas


interpretações? De que serviria Deus deixar a sua palavra
consignada num grande livro, se os homens tivessem plena
liberdade de falseá-la ou estivessem completamente desorientados
para penetrar-lhe o verdadeiro sentido? Ou a Igreja qual é a
verdadeira doutrina de Deus que está contida na Bíblia, de modo
que possa orientar os fiéis neste sentido, mostrando onde está a
interpretação legítima e onde está a interpretação capciosa e
falsificadora, ou então não passa de uma inutilidade esta Igreja que
Cristo fundou e à qual mandou ensinar a todos os povos: Ide, pois, e
ensinai todas as gentes (Mateus XXVIII-19).

Daí não se segue que a Igreja tenha que decidir, uma por uma,
todas as questões que possam surgir a respeito das palavras da
Escritura. A Bíblia é um livro maravilhoso e variadíssimo que contém
ensinamentos de inegável necessidade para a nossa instrução,
como tudo o que se refere à natureza de Deus e da nossa alma, a
doutrina de Jesus sobre a salvação, os meios necessários para
obtê-la, as nossas obrigações, enfim tudo o que nos é
imprescindível saber a respeito da Religião Verdadeira que o Verbo
de Deus desceu do Céu para nos ensinar. Uma vez bem orientado
para colher da Bíblia fielmente interpretada os pontos essenciais da
sua doutrina, ainda resta ao homem neste livro de sabedoria
imensa, que é a Bíblia, uma boa quantidade de pequenas questões
que fica aos eruditos, aos especialistas, aos grandes mestres
discutir e analisar livremente. Maria, irmã de Marta era a mesma
Maria Madalena ou era outra? O batismo administrado pelos
Apóstolos durante a vida de Cristo (João IV-2) era o mesmo batismo
de Cristo, pelo qual se recebe o dom do Espírito Santo (Atos II-38)
ou era um batismo de penitência igual ao do Precursor? O bom
ladrão blasfemou a princípio e depois converteu-se (Mateus XXVII-
44) ou se portou convenientemente desde o começo e o
blasfemador foi só o seu companheiro (Lucas XXIII-39 e 40)
empregando a Bíblia no texto de S. Mateus, por sinédoque, o plural
pelo singular?

Estas e muitas outras pequenas questões a Igreja deixa discutir à


vontade, porque são minúcias que não atingem diretamente a
doutrina de Jesus.

Mas perguntarão os protestantes: Se a Bíblia, como dizem os


católicos, é tão difícil de interpretar, como sabe que a interpretação
dela é verdadeira? Qual o elemento que possui a Igreja, a pedra de
toque para conferir se é legítima ou errônea uma interpretação?

— Vocês, protestantes, perguntam isto precisamente porque estão


visivelmente desorientados neste ponto. Vocês se baseiam só no
seu próprio raciocínio, no seu modo de ver as coisas, quando
querem interpretar a Bíblia e por isto se perdem inteiramente,
porque cada um raciocina à sua maneira e os modos de ver são
diversos de indivíduo para indivíduo. É que Vocês só começaram a
interpretar a Bíblia do século XVI para cá. Mas a Igreja vem do
princípio, vem do tempo dos Apóstolos. Estes eram homens
iluminados especialmente pelo Espírito Santo e escolhidos por Deus
para propagar a sua doutrina. Jesus vela sempre carinhosamente
sobre a sua Igreja, por Ele fundada e um dos sentimentos que
sempre lhe inspirou foi o cuidado extremo em não se afastar, por
consideração alguma, da doutrina recebida da boca dos Apóstolos.
Ela é ferrenhamente apegada à sua e era já o que os
Apóstolos recomendavam no seu tempo: E assim, irmãos, estai
firmes e que aprendestes, ou
ou por carta nossa (2ª Tessalonicenses II-14) Nós vos intimamos,
em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo
irmão que andar desordenadamente e não segundo que
ele e os mais receberam de nós outros (2ª Tessalonicenses III-6)
G na fé e
no amor em Jesus Cristo. G pelo Espírito
Santo que habita em nós outros (2ª Timóteo I-13 e 14). Eu vos
louvo, pois, irmãos, porque em tudo vos lembrais de mim e guardais
- (1ª Coríntios XI-2).

Se os judeus tinham lá as suas tradições errôneas, contrárias à lei


de Deus, isto não é conosco, é lá com eles; não é de admirar,
porque Deus não disse aos judeus como disse à sua Igreja: Eu
estou convosco todos os dias, até a consumação do século (Mateus
XXVIII-20); Deus permitiu mesmo o fracasso da religião judaica,
para que o mundo sentisse a necessidade absoluta de Cristo e da
sua Igreja. O fracasso desta é que, como Ele prometeu, não
permitirá nunca.

Instruída desde o início pelos Apóstolos e sempre solicita em


conservar o que lhe foi confiado, a Igreja tem um
ponto de referência valiosíssimo para julgar do valor ou não de uma
interpretação que lhe é apresentada. A Bíblia é infalível; o ensino
dos Apóstolos também o era. Não pode haver contradição entre
ambos. Se os Apóstolos ensinaram a existência da SSma Trindade,
a divindade de Jesus Cristo, a divindade e personalidade do Espírito
Santo, a presença real de Jesus Cristo na SSma Eucaristia, a
existência do inferno, a necessidade do batismo de água, a
indissolubilidade do matrimônio etc, etc, etc, e aparecem novos
“intérpretes” negando estas doutrinas, a Igreja podia e pode
condenar tais interpretações, baseando-se neste princípio: Não, não
pode ser; Vocês estão errados, porque não foi esta a doutrina que
recebemos dos Apóstolos e que sempre temos ensinado desde o
começo.

A ação da providência na interpretação das escrituras.

202. A assistência toda especial de que Jesus Cristo tem cercado a


Igreja Católica, desde a sua fundação, se estende também à Bíblia,
que é a palavra de Deus. E, no decorrer dos séculos, Deus tem
suscitado homens profundamente sábios e santos que se têm
entregue, com carinho e proficiência, ao trabalho de nos desvendar,
pela sua aguda inteligência, os segredos da Bíblia, mantendo em
torno dela uma interpretação segura, tais como foram S. Irineu,
S. Hipólito, S. Ambrósio, S. Jerônimo, S. Agostinho, S. João
Crisóstomo, S. Cirilo de Jerusalém, S. Gregório Nisseno,
S. Gregório Nazianzeno, S. Basílio, S. Hilário, S. Cirilo de
Alexandria, S. Gregório Magno, S. Beda, S. Isidoro de Sevilha,
S. Tomás de Aquino e muitos outros, para só falarmos em grandes
homens que viveram antes de aparecer a heresia protestante.

Foram mestres autorizados que iluminaram a Igreja com a


sabedoria de seus escritos. E o fato de tantos homens santos e
sábios aceitarem a interpretação católica, defendê-la nos seus
livros, é sinal de que não existe na Igreja adulteração da palavra de
Deus, mas sim um sincero amor à verdade. Esta interpretação
abalizada que vem desde o princípio, sempre firme em rejeitar e
combater as heresias é o que se chama a interpretação tradicional.
Tradicional, sim, porque a verdade é uma só; a Bíblia não muda,
não ensina uma doutrina neste século para ensinar outra alguns
séculos mais tarde. Pode-se, com o decorrer dos tempos, progredir
muito e muito no conhecimento das imensas riquezas que a Bíblia
nos apresenta, mas a mensagem de Deus feita aos homens, tem,
em suas linhas gerais, que ser a mesma, porque é a todos os
homens, de qualquer época e de qualquer raça ou condição, que
Deus endereça a sua palavra.

A aventura de Martinho Lutero.

203. O que aconteceu, porém, com Martinho Lutero é que ele


apareceu no século XVI com uma doutrina que completamente se
afastava da interpretação tradicional, apareceu sustentando uma
tese monstruosa, imoral e absurda. Espírito doentio, completamente
perturbado com o drama que se passava no seu íntimo, o drama do
homem que luta com as suas paixões, Lutero sustenta que o
homem não é livre, está com a natureza totalmente depravada, tudo
o que faz é necessariamente pecado e neste estado de desespero
só tem um remédio: confiar em Cristo, para que o Salvador tome a
si os pecados dele. É o meio de salvar-se ,
porque o arrependimento não adianta: “torna o homem ainda mais
hipócrita e mais pecador.” O homem pode pecar à vontade; não
precisa arrepender-se dos pecados, para salvar-se; nem pode
arrepender-se, pois se arrepende só quem é livre: confie em Cristo e
será salvo.

Tudo isto já expusemos no Cap. 3º.

Esta doutrina, em completo desacordo não só com a moral


puríssima do Cristianismo que move o homem a santificar-se,
vencendo-se a si mesmo, ajudado pela graça divina, mas com as
próprias religiões pagãs, nas quais nunca se perdeu a noção de
liberdade e responsabilidade humana, não podia de modo algum
nem de longe ter apoio nos Santos Padres, na interpretação
tradicional da Igreja.

Para justificar a sua novidade, Martinho Lutero se apresenta como


inspirado por Deus: “Tenho certeza de que os meus dogmas vêm do
céu” (Weimar X, 2 Abt. pág. 184) e estabelece o princípio de que
todo homem, todo cristão tem o pleno direito, não só de ler a Bíblia,
mas de interpretá-la com suas próprias luzes, de acordo com a
inspiração que vem do alto: “A todos os cristãos e a cada um em
particular pertence conhecer e julgar a doutrina. Anátema a quem
lhes tocar um fio deste direito” (Weimar X, 2 Abt. pág. 217). Assim
estaria ele justificando o fato de ter aparecido com uma
interpretação inteiramente diversa daquela que sempre a Igreja
ensinara até então.

Mais tarde ele lamentará, num momento de sinceridade, ter-se


afastado assim do ensino dos Santos Padres: “Ninguém é capaz de
imaginar quanto custa e que suplício é para um homem ensinar e
crer uma doutrina que não admitem os Padres da Igreja. Que
agitações no seu coração ao pensar que tantos homens excelentes,
esclarecidos, doutos e, por assim dizer, a maior e melhor parte do
mundo cristão acreditaram e ensinaram tal e tal artigo e com eles
tantas almas santas, os Ambrósios, os Jerônimos, os Agostinhos!
Parece-nos ouvi-los em gritos de angústias repetir em coro: A Igreja!
A Igreja! E a alma se confrange de dor suprema! Oh! É, na verdade,
uma prova rude... separar-se de tantos personagens santos...
romper com a própria Igreja e
... Não posso negar a angústia e a
perturbação que me causam muitas vezes estes pensamentos”
(Erlangen XLVI-226-229; LX, 82).

Este remorso e esta sensação de insegurança que sentia o próprio


Lutero, tão inteligente e ao mesmo tempo tão presumido, nos dão
bem uma ideia da temeridade em que havia incorrido, rompendo tão
abertamente com aquilo que os grandes mestres durante 1.500
anos haviam ensinado em matéria de interpretação das Sagradas
Letras. Mas um largo caminho para a presunção se abriu com a
revolta luterana. E o que vemos hoje é uma multidão de homens,
mesmo dentre os mais rudes e ignorantes tomarem da Bíblia para
dizerem, sem mais nem menos, que está “evidentemente errada” a
doutrina dos grandes doutores e especialistas do assunto que
sempre constituíram a glória da Igreja. Não querem saber de
orientação da Igreja Católica na exegese do Livro Sagrado; para
eles o meio de chegar até nós a mensagem divina não é indagar o
que a Igreja do Deus Vivo sempre nos ensinou e nos ensina. É
tomar a Bíblia e diretamente interpretá-la cada um, de acordo com a
sua própria capacidade. A ideia pode, à primeira vista, fascinar
alguns espíritos ciosos de liberdade (liberdade mal entendida, pois
não temos liberdade para formular a doutrina religiosa a nosso
modo) alguns espíritos cheios de ódio e de prevenção contra a
Religião Católica e portanto indispostos a aceitar os seus
ensinamentos, mas bem analisada se vê claramente que é ideia de
um louco.

A mensagem de Deus é para todos.

204. Se não é a Igreja quem nos ensina a doutrina de Cristo, mas


vamos dizer a todos, sem exceção: “Aqui está a Bíblia; leia e
interprete Você mesmo; assim Você aprende diretamente a doutrina
revelada”, topamos logo adiante de uma grande dificuldade. Muitos
dirão: “Meu filho, se para aprender a doutrina é preciso saber ler,
neste caso estou perdido, porque sou analfabeto.”

Os protestantes em geral se mostram bastantes zelosos em abrir


escolas aqui e acolá e em espalhar Bíblias muito baratas para que
todos a leiam e assim tenham a palavra de Deus diante de seus
olhos. Suponhamos mesmo que graças a seus esforços não haja
dentro de alguns anos alguns no mundo nenhuma pessoa
analfabeta, pelo menos de certa idade em diante. Está muitíssimo
difícil, mas vamos fazer esta suposição para agradar aos
protestantes. Isto porventura resolve o caso de milhões e milhões de
pessoas que durante estes 2.000 anos já existiram e que se viram
privadas de aprender a doutrina de Cristo pelo sistema protestante?
Quantos analfabetos já houve desde o 1º século da era cristã até os
dias de hoje? Além disto, nós sabemos que a arte tipográfica só veio
a ser aperfeiçoada por Gutenberg e no século XV; e a indústria do
papel, introduzida na Europa no século Xº, só veio a ter pleno
desenvolvimento no século XIV. Durante muitos séculos os livros
eram caríssimos: 1º porque eram feitos de papiro ou pergaminho; 2º
porque eram todos escritos ou . Um livro volumoso
representava o trabalho paciente de um copista durante vários
meses e, às vezes, durante vários anos. No tempo da invenção de
Gutenberg, uma Bíblia manuscrita custava 500 florins, o que era
naquele tempo soma bem considerável; já em 1462, sete anos mais
tarde, uma Bíblia impressa era vendida por 30. Durante muito
tempo, portanto, foi impossível que todos os que soubessem ler
conseguissem a sua Bíblia; não havia Bíblias nem para a décima
parte e custavam uma fortuna.

Hoje está tudo muito mais fácil e mais simples neste sentido, não há
dúvida alguma. Porém os protestantes mostram que souberam
herdar neste ponto o velho egoísmo de Lutero; eles fazem as suas
teorias, estabelecem os seus sistemas de ensino, como se o
Cristianismo só tivesse começado a existir no século XVI, depois
que surgiram os novos “profetas” Lutero e Calvino. Não. O
Cristianismo vem do 1º século da nossa era. E tem que vir também
dessa época o que Jesus deixou para os homens aprenderem
a sua doutrina e para ficar esta ao alcance de todos, porque Deus
quer que todos os homens cheguem ao conhecimento da verdade.
Se este meio por Ele estabelecido fosse apenas espalhar Bíblias e
mandar cada um ler e interpretar como pode, neste caso Ele deveria
ter logo ensinado aos seus Apóstolos e aos propagadores de sua
Religião como se devia fabricar o papel, e qual o meio melhor de
imprimir (o que só veio a ser descoberto por Gutenberg em 1455) e
deveria ter também deixado logo esta ordem: Quem quiser aprender
a minha doutrina, entre primeiro numa escola para aprender o á-bê-
cê!

A Bíblia não foi escrita em português.

205. Mas será o fato de imprimir-se a Bíblia e de se colocar a


mesma na mão de todos que vai resolver a questão? Entre os que
sabem ler há uma enorme graduação: desde os que nós chamamos
semianalfabetos, os quais mal sabem assinar o nome e mal sabem
interpretar fielmente as histórias singelas que traz uma Cartilha
Infantil, até homens cultos e letrados que fizeram seu curso ginasial
e superior e depois disto continuaram a enriquecer com proveitosas
leituras sua própria erudição. Mas, por mais competente que seja
um homem para bem interpretar o sentido de um texto escrito em
português, é preciso notar que a Bíblia não foi escrita nesta língua,
mas em grego e em hebraico e que num ou noutro caso, reflete o
modo de falar usado pelo menos há 2.000 na Palestina, onde se
falava uma língua oriental bem diversa da nossa. Ora, nós sabemos
que nem sempre a palavra de uma língua encontra um perfeito
sinônimo em outra; para bem penetrarmos, por nós mesmos, o
sentido da Bíblia, é indispensável um bom conhecimento do
hebraico e sobretudo, do grego, que é o que mais nos interessa no
Novo Testamento. Vê-se frequentemente que os pastores
protestantes, ao explicar certas passagens da Bíblia, fazem alusão
ao texto grego, porque, dizem, é preciso recorrer a ele, a fim de lhes
penetrar o verdadeiro sentido. Não há aí uma implícita condenação
do livre-exame? Se para entender bem certos trechos das
Escrituras, é preciso recorrer ao grego, e ,
, como é então que se diz, a todas as pessoas a
quem se entrega a Bíblia, que elas tem capacidade para interpretá-
la?

Pode-se cair em erros gravíssimos pelo fato de não se atentar bem


na índole das línguas orientais e sobretudo daquela que usou Jesus
porque era a que se falava na Palestina no seu tempo (língua, por
exemplo, na qual, em lugar de se responder — — se respondia:
Tu o disseste. Eu te conjuro, pelo Deus Vivo, que nos digas se tu és
o Cristo, Filho de Deus. Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste —
Mateus XXVI-63 e 64, e em que Jesus muitas vezes, em lugar de
dizer Eu, dizia: O Filho do Homem; língua em que palavras tão
simples como , , , etc, podem ter
exatamente o mesmo sentido que tem no nosso idioma, ou podem
assumir de uma hora para outra um sentido diferente) [26]; é o que
mostraremos no último capítulo, quando veremos que interpretando
mal uma frase de S. Mateus, precisamente por causa da diversidade
de índole entre as línguas orientais antigas e o português, alguns
protestantes caem no erro de ver ali um argumento contra a
virgindade perpétua de Maria SSma (nº 399).

Notas (pular)

[26] Sobre o sentido de , e vejam-se os nos 166, 382


e 400. na Bíblia tanto pode significar ter relações carnais (Lucas I-
34), como pode incluir a ideia de fidelidade e submissão (1ª João II-3 e 4).
(voltar)

Entendes o que estás lendo? (Atos VIII-30)

206. Mesmo que não houvesse dificuldade quanto à língua e que


todos tivessem grandes conhecimentos do grego e do hebraico para
ler a Bíblia, conhecendo perfeitamente até onde as palavras em
português exprimem exatamente o sentido do texto original, ainda
assim não estaria resolvida a toda a questão. A Bíblia é, por sua
natureza, um livro de interpretação dificílima. Algumas de suas
passagens são tão claras e tão singelas que qualquer criança é
capaz de entendê-las; isto não se pode negar. Outras, porém, tão
árduas e tão intrincadas que os maiores sábios e os mais eruditos
quebram a cabeça para decifrá-las. Não venham os protestantes
querendo negar isto e afirmar que tudo na Bíblia é muito simples e
muito fácil, porque é a própria Bíblia que nos declara que há nela
muitas coisas difíceis de entender.

S. Pedro fala a respeito das epístolas de S. Paulo nas quais


, as quais adulteram os
indoutos e inconstantes (2ª Pedro III-16). Nos Atos dos Apóstolos se
lê que Filipe encontrou o eunuco a ler o Profeta Isaías e lhe
perguntou: Crês porventura que o que estás lendo? (Atos
VIII-30). E o eunuco lhe responde: E como o poderei eu ,
se não houver alguém que mo explique? (Atos VIII-31). Esta mesma
palavra, nós poderemos ouvi-la de inúmeros protestantes, os quais
tantas e tantas vezes nós vemos pelos seus programas de rádio
fazendo as mais banais interrogações sobre textos bem simples e
bem claros da Bíblia, sinal de que muito mais se perturbarão diante
de outros textos muito mais difíceis e complicados. Um protestante
pergunta o sentido da Bíblia ao seu pastor (sinal de que não sabe
por si mesmo interpretá-la; e tem o pastor a certeza de que o
sabe?); o católico também o pede ao sacerdote. Mas a diferença é
muito grande no resultado: o pastor segue o livre exame, interpreta
a Bíblia pela sua própria cabeça, muitas vezes não tem firmeza
naquilo que ensina, pode até mudar de opinião de um dia para outro
e ser desmentido por outro pastor protestante que segue orientação
diversa. O padre católico expõe, ao contrário, a interpretação
tradicional que vem desde o princípio, desde os tempos dos
Apóstolos e que se firma na experiência multissecular que tem a
Igreja do seu trato com as Escrituras.
Mesmo após a ressurreição do Mestre, são os próprios Apóstolos
que, depois de tudo passado, ainda não entendem bem o sentido
das Escrituras e é preciso que Jesus lhes explique. Então lhes abriu
o entendimento para alcançarem o sentido das Escrituras (Lucas
XXIV-45). Para que se mostrassem seguros na sua interpretação, foi
preciso que o Espírito Santo os iluminasse profusamente no dia de
Pentecostes. A Bíblia, portanto, está muito longe de ser este livro
assim tão claro, como querem os protestantes, que se põe na mão
de todos, para que todos o interpretem por si mesmos e de acordo
com as suas próprias luzes.

A diversidade de gêneros.

207. Uma das dificuldades que encontramos na Bíblia reside na sua


imensa variedade. Livro escrito em várias épocas e composto por
muitas pessoas diversas (conservando, apesar da inspiração vinda
de Deus, o estilo e as características de cada uma) a Bíblia abrange
todos os gêneros literários e acrescenta outros gêneros próprios.
Ora é a linguagem clara e prática daquele que legisla ou a
linguagem simples e precisa do historiador. Ora é o estilo epistolar,
umas vezes mais chão, outras vezes mais elevado. Ora a linguagem
imaginosa e ardente do poeta, seja poesia lírica, como na maioria
dos Salmos, seja poesia mística, como no Cântico dos Cânticos,
seja poesia didática, como nos livros de máximas, os Provérbios por
exemplo. E, além dos gêneros em uso na literatura profana, a Bíblia
tem ainda o estilo profético e apocalíptico do qual faz parte
necessariamente a obscuridade, estilo enigmático, simbólico e
alegórico. Um pobre homem que não tenha grande cultura literária,
que está acostumado a tudo quanto lê tomar ao pé da letra, no
sentido material da palavra, se perde completamente na leitura da
Bíblia.

A doutrina no Novo Testamento.


208. Mas dirão os protestantes: Esta grande diversidade de
gêneros se observa sobretudo no Antigo Testamento. No Novo, fora
o Apocalipse que apresenta as dificuldades do estilo profético e
alegórico, vemos o estilo histórico nos Evangelhos e nos Atos, e o
estilo epistolar nos demais livros. Assim, mesmo que se deixe o
Apocalipse para os grandes entendidos no assunto, temos os
Evangelhos, os Atos, as Epístolas para daí extrairmos a doutrina de
Jesus.

— Pois, a dificuldade reside precisamente nisto: é que o Novo


Testamento foi escrito em gênero histórico e gênero epistolar e daí
temos que extrair toda uma doutrina.

Os Evangelhos e os Atos e as Epístolas não foram escritos com a


ideia preconcebida de expor metodicamente a doutrina de Jesus.
Neste caso teriam exposto esta doutrina de uma maneira ordenada,
como quem faz um catecismo ou um compêndio de teologia:
primeiro um assunto, depois outro etc.

A preocupação dos Evangelistas é narrar a vida de Jesus, mais ou


menos de acordo com a ordem cronológica, assim como a
preocupação de S. Lucas nos Atos é narrar os primeiros
acontecimentos da vida da Igreja. As Epístolas são escritas de
acordo com os assuntos especiais que merecem a atenção das
pessoas a quem se dirigem. A doutrina vem toda esparsa aqui e
acolá e para entender bem um texto é preciso compará-lo com
todos os textos paralelos que os completam e explicam. Jesus
Cristo não ensinou toda a sua doutrina de uma vez, mas a foi
revelando aos poucos, de acordo com as circunstâncias; é preciso
muito método, , muito conhecimento das
Escrituras para saber coordenar, sistematizar os seus ensinos,
fazendo um corpo de doutrina de tudo o que Ele afirmou.

E nem tudo o que ensina a Bíblia se aplica a todos os casos; cada


palavra tem a sua aplicação especial; é preciso bastante sabedoria
e iluminação do Espírito Santo para dar a cada texto a aplicação
adequada.

A interpretação tem que ser total e não parcial.

209. Interpretar a Bíblia não é valer-se de uns textos, querer


basear-se neles para formular uma determinada doutrina e sacrificar
muitos outros, como quem abre no seio da floresta um caminho
próprio, derrubando e queimando árvores. Temos que acertar o
caminho, mas deixando intacta a floresta.

Por isto, quando nos firmamos em certos textos e nos apresentam


na Bíblia outros que são, ou pelo menos, parecem ao
nosso ponto de vista, cabe-nos a obrigação de explicá-los ,
de modo que se conciliem e harmonizem, sem falsear, nem torcer,
nem adulterar nenhum deles.

A tarefa é árdua, mesmo para as mais agudas inteligências.

Tanto na interpretação da Bíblia como no estudo de qualquer


ciência, podem aparecer estes casos em que o estudioso precisa de
uma argúcia especial para conciliar duas coisas que parecem
inconciliáveis. Mas enquanto, no estudo das ciências, o homem
pode suspender o seu julgamento, dizer simplesmente: “É uma
questão discutida; a ciência ainda não resolveu este problema, vou
continuar estudando, pode ser que mais tarde eu encontre a solução
exata e se eu morrer e não a descobrir, outros descobrirão depois”,
no estudo da Bíblia não é assim: a Bíblia versa sobre problemas que
nos dizem respeito mui de perto, e que exigem pronta e imediata
solução; trata-se da salvação de nossa alma e nós podemos morrer
a cada instante. A criança, o adolescente, o jovem têm também a
necessidade de possuir uma certeza absoluta a respeito de todos os
pontos do verdadeiro ensino de Jesus, não podem ficar esperando
para chegar a uma conclusão depois de vários anos de vigílias e de
estudos. O mesmo se diga de tantos homens que vivem atarefados
dia e noite para conseguirem o pão de cada dia; precisam de
alguém que lhes ensine a verdade religiosa, mas com absoluta
firmeza e autoridade, não como quem expõe apenas teorias e
opiniões próprias, porque não têm tempo para tomar esta
sobrecarga de estar comparando os textos da Bíblia, uns com os
outros, para daí extrair a legítima doutrina.

Prodígios e carismas.

210. É precisamente pelo fato de vir a doutrina inserta em livros


históricos e epistolares, que se torna difícil na Bíblia separar a
doutrina, que permanece, daquilo que é transitório, sendo próprio
exclusivamente dos inícios da Igreja.

A Igreja esteve, nos primeiros dias, em condições especiais e


extraordinárias, que eram necessárias para o seu desenvolvimento.
Os carismas, os milagres não podiam ser frequentes nos tempos
posteriores como no início da Igreja. Quando esta precisava
propagar-se rapidamente, eles serviam de prova da sua origem
divina. Depois de propagada a Igreja, tais manifestações
extraordinárias teriam que aparecer com mais raridade, do contrário
desapareceria o merecimento da fé. Viciados a ver milagres a toda
hora, a todo instante, os fiéis podiam incorrer na censura de Jesus:
Vós, se não vedes milagres e prodígios, não credes (João IV-48),
quando a perfeição da fé se traduz por estas palavras: Bem-
aventurados os que não viram e creram (João XX-29). A doutrina
revelada tem que ficar intacta; as verdades que Jesus nos ensinou,
ou diretamente ou por intermédio dos seus Apóstolos, têm que
permanecer de pé; mas a Igreja dos nossos dias não pode funcionar
da mesma maneira que a Igreja primitiva, pois as circunstâncias são
diversas.

E é neste ponto que os protestantes têm caído em erros


verdadeiramente infantis e às vezes até lamentavelmente ridículos.
No seu empenho de demonstrar que a Igreja Católica muito se
afastou da Igreja primitiva e na ânsia de se mostrarem perfeitos
imitadores dos primeiros cristãos, não recuam nem diante de
verdadeiras palhaçadas. Que são as ridicularias tantas vezes
praticadas pelos Pentecostais senão uma consequência desses
enganos fatais, a que está sujeito o livre exame? Não há dúvida que
o Espírito Santo desceu visivelmente sobre os Apóstolos e sua
presença se mostrou de maneira extraordinária pelo dom das
línguas. Não há dúvida que naqueles primeiros dias houve até
simples fiéis que receberam o Espírito Santo com estas
manifestações prodigiosas que chamavam a atenção de todos para
a divindade da Igreja, a qual então se começava a propagar. Mas,
porque a Bíblia faz menção desses fatos, segue-se daí que
exatamente o mesmo deva acontecer em todos os tempos?

Ora, o caso é que os Pentecostais querem mostrar serem cristãos


legítimos, cristãos iguais aos dos primeiros tempos da Igreja. Têm,
portanto, que receber o Espírito Santo com o dom das línguas; têm
que falar línguas estranhas e para isto se põem a articular sons sem
sentido e palavras desconexas. E em algumas de suas reuniões, o
“Espírito Santo” se tem manifestado através de risos, choros, gritos
e ataques. As outras seitas muitas vezes se têm rebelado contra
eles, chamando-os de feiticeiros etc. Mas que podem elas fazer?
Estão os Pentecostais apenas “interpretando” a Bíblia pelo livre
exame e querendo voltar exatamente à Igreja primitiva, o que é de
fato o ideal que se propuseram as seitas protestantes

O celibato na Igreja primitiva e na atual.

211. Outro erro infantil e este agora comum a quase todas as seitas
evangélicas é o seu engano a respeito do celibato eclesiástico.
Ninguém que tenha uma noção, embora vaga, do que é a doutrina
do Cristianismo, doutrina de vitória sobre si mesmo, de domínio do
espírito sobre a matéria, de desprendimento do mundo e das
criaturas, ninguém em boa lógica vai negar quão meritório seja aos
olhos de Deus o gesto daquele que, para melhor servir ao mesmo
Deus, se Lhe consagra totalmente de corpo e alma, pelo voto de
virgindade. A Igreja é a primeira a reconhecer que legítimo, honroso
e santo é o estado do matrimônio, estado em que forçosamente se
coloca a maioria. Mas, se no meio dos cristãos há alguns que, por
vocação especial de Deus, se querem dedicar inteiramente a Ele
pelo voto de perfeita castidade, este estado sem dúvida alguma é
mais santo e mais perfeito ainda. Nosso Senhor faz abertamente no
Evangelho uma alusão a este estado especial: Nem todos são
capazes desta resolução, mas somente aqueles a quem isto foi
dado. Porque há uns castrados que nasceram assim do ventre de
sua mãe; e há outros castrados, a quem outros homens fizeram tais;
e há outros castrados que a si mesmos se castraram por amor do
Reino dos Céus. O que é capaz de compreender isto, compreenda-
o (Mateus XIX-11 e 12). É claro que Nosso Senhor não fala, aí no
terceiro caso, de uma mutilação física, como entendeu mal
Orígenes; é uma operação do espírito pela qual alguém com
generosidade e sacrifício se vota ao serviço divino, renunciando os
prazeres da carne. Nem todos são capazes deste sacrifício; é um
dom de Deus, mas um dom que é dado “àqueles que o pedem, que
o desejam e que se esforçam por adquiri-lo”, como observa
S. Jerônimo [27]. O que aos homens é impossível, é possível a
Deus, explicará Nosso Senhor neste mesmo capítulo do Evangelho
(Mateus XIX-26). O que o homem não é capaz de fazer por suas
próprias forças, poderá fazê-lo com o auxílio especial da graça
divina, de modo que disse S. Paulo: Tudo posso naquele que me
conforta (Filipenses IV-13). Deus não nega este dom da castidade
perfeita àqueles que o pedem de todo o coração, que empregam
todos os meios para consegui-lo e depois conservá-lo,
principalmente quando, distinguidos com uma
, precisam deste dom para melhor se dedicarem ao serviço
do Reino dos Céus.

S. Paulo, na 1ª Epístola aos Coríntios, fala também abertamente a


respeito da superioridade do estado de continência perfeita sobre o
de matrimônio. O que está sem mulher está cuidadoso das coisas
que são do Senhor, de como há de agradar a Deus; mas o que está
com mulher está cuidadoso das coisas que são do mundo, de como
há de dar gosto a sua mulher e anda dividido. E a mulher solteira e
a virgem cuida nas coisas que são do Senhor, para ser santa no
corpo e no espírito, mas a que é casada cuida das coisas que são
do mundo, de como agradará ao marido. Na verdade digo-vos isto
para proveito vosso; não para vos ilaquear, mas somente para o que
é honesto e que vos facilite a orar ao Senhor sem embaraço (1ª
Coríntios VII-32 a 35).

Jesus Cristo, modelo da mais elevada perfeição humana, foi


castíssimo. Se o estado de matrimônio fosse mais perfeito que o de
virgindade, como querem muitos protestantes, Ele estaria, com
relação a muitos outros homens, em situação de inferioridade.

Castíssimos foram também sua Mãe, Maria SSma e S. José; alguns


protestantes ousam negá-lo, mas sobre isto falaremos no capítulo
final. Castíssimo foi também o seu precursor S. João Batista e se
dentre os apóstolos a sua predileção era para S. João Evangelista,
a causa disto era a sua virgindade, de modo que diz S. Jerônimo: “O
Apóstolo João, um dos discípulos do Senhor que, segundo nos
refere a tradição, foi o mais moço entre os Apóstolos, aquele que a
fé cristã tinha encontrado virgem e virgem permaneceu, por isto é
mais amado pelo Senhor e descansa sua cabeça sobre o peito de
Jesus; e aquilo que Pedro que tinha tido mulher não ousa interrogar,
pede a ele que interrogue... Quando estavam na barca e pescavam
no lago Genesaré, Jesus estava na praia e os Apóstolos não sabiam
a quem viam; só o virgem reconhece o Virgem e diz a Pedro: É o
Senhor.” (Contra Jovinianum – Livro nº 26).

Quanto aos outros Apóstolos que eram casados quando foram


chamados pelo Mestre, tudo indica que eles deixaram as suas
esposas para seguir a nova vocação. Porque, quando Nosso
Senhor lhes disse: Todo o que deixar por amor do meu nome a
casa, ou os irmãos, ou as irmãs, ou o pai, ou a mãe, ou ,
ou os filhos, ou as fazendas, receberá cento por um e possuirá a
vida eterna (Mateus XIX-29), S. Pedro Lhe havia dito naquela
mesma hora: Eis aqui estamos nós, que deixamos e te
seguimos (Mateus XIX-27).
Não há, em todo o Novo Testamento, o mínimo vestígio de que os
Apóstolos continuassem a viver com suas esposas, depois que
começaram a seguir o Divino Mestre; delas se desligaram, é o que
nos refere a tradição.

O texto em que querem basear-se os protestantes para afirmar o


contrário vem muito desastradamente fora de propósito.
Argumentam eles com o seguinte versículo de S. Paulo: Acaso não
temos nós poder para levar por toda a parte ,
assim como também os outros Apóstolos e os irmãos do Senhor e
Cefas? (1ª Coríntios IX-5). Ora, dizem eles, esta palavra
corresponde no texto grego à palavra , a qual significa mulher
casada. Assim os Apóstolos levavam consigo uma mulher casada.
Mas não se pode conceber que uma mulher casada deixasse em
casa seu marido para acompanhar um Apóstolo por toda a parte;
logo, se trata de uma mulher casada com o próprio Apóstolo.

— Primeiro que tudo, é necessário que se observe o contexto.


S. Paulo aí neste capítulo não está tratando absolutamente do
problema da castidade, mas sim do direito à subsistência, da
capacidade de prover às coisas materiais necessárias à vida, por
isto tinham os Apóstolos o direito de levar consigo
para cuidar desses problemas materiais de alimentação,
hospedagem etc. Assim é que no versículo anterior havia dito:
Porventura não temos nós direito de comer e de beber? (1ª
Coríntios IX-4) e um versículo mais adiante Quem jamais vai à
guerra à sua custa? Quem planta uma vinha e não come do seu
fruto? Quem apascenta um rebanho e não come do leite do
rebanho? (1ª Coríntios IX-7).

S. Paulo aí está falando em seu nome e no de Barnabé. Ora, sabe-


se muito bem que S. Paulo era , praticava e aconselhava o
celibato: Digo também aos e às viúvas que lhes é bom
se permanecerem assim, como também eu. Mas se não têm dom de
continência, casem-se (1ª Coríntios VII-8 e 9).
Pois bem, se S. Paulo que era reconhecidamente solteiro falava no
direito que tinha de levar para toda parte , aí se
trata de uma mulher que honestamente vá ajudá-lo prestando
serviços domésticos, mas não que vá servir-lhe dormindo no mesmo
leito; assim S. Paulo estaria dizendo que lhe cabia o direito de
escolher uma mulher dentre as cristãs, dentre as irmãs na fé e levá-
la como concubina nas suas viagens, o que seria o maior absurdo.
Se S. Paulo quisesse referir-se a este assunto, como afirmam os
protestantes, teria que dizer assim: Não tenho eu o direito de casar-
me e levar para toda parte a minha esposa? porque é claro que
precisava casar-se primeiro para andar com uma esposa por toda
parte. Não seria qualquer; seria a mulher dele e
ninguém mais.

E toda esta argumentação protestante se baseia num ponto


inteiramente falso. A alusão ao grego é, neste caso, descabida,
porque não é verdade que em grego signifique
necessariamente mulher casada. G tem exatamente o mesmo
sentido que tem a palavra português. É claro que quando
se diz em português: a mulher de Francisco; Francisco repudiou sua
mulher — aí a palavra significa esposa. Mas daí não se
segue que só pode ser casada. Se eu digo: Chegou aqui
uma mulher; o homem e a mulher são obras de Deus; procure uma
mulher e se case — é claro que aí não tem o mesmo sentido.

Se a Bíblia diz: José, filho de Davi, não temas receber a Maria,


(Mateus I-20) Herodes... o meteu no cárcere por causa de
Herodias, (Mateus XIV-3), a palavra , tal
qual a palavra em português, significa esposa. Mas,
quando diz: Iam-se batizando homens e em nome de
Jesus Cristo (Atos VIII-12) toda que faça oração ou que
profetiza não tendo coberta a cabeça desonra a sua cabeça (1ª
Coríntios XI-5) é coisa indecente para uma o falar na igreja
(1ª Coríntios XIV-35) orem também as em traje honesto,
ataviando-se com modéstia e sobriedade (1ª Timóteo II-9) tinham os
cabelos como os cabelos das (Apocalipse IX-8), em
todos estes casos se emprega no texto grego da Bíblia a palavra
, mas aí sem nenhuma consideração ao estado civil: casada,
solteira ou viúva.

São exemplos estes do Novo Testamento.

O Antigo Testamento também está cheio deles. Repare o leitor nos


seguintes textos, em que aparece a palavra no sentido
geral, mesmo que não seja casada: O homem ou , em cuja
cabeça ou barba brotar a lepra serão reconhecidos pelo sacerdote
(Levítico XIII-29) a não se vestirá de homem (Deuteronômio
XXII-5) eu vi em Tamnata uma das filhas dos filisteus; rogo-
vos que ma deis por esposa (Juízes XIV-2) se um homem ou uma
entrar sem ser chamado na câmara do rei, no mesmo ponto
sem recurso é morto (Ester IV-11) a de engraçada
compostura alcançará glória (Provérbios XI-16). No texto grego do
Antigo Testamento, ou seja, na versão dos Setenta, o termo
correspondente é sempre .

Não era preciso citarmos tantos textos da Bíblia (fazemo-lo apenas


porque os protestantes são em geral muito teimosos) bastava um
bom dicionário para resolver esta questão. Veja-se o Dicionário de
Bailly: : 1º Mulher, por oposição a homem, sem consideração
de idade, nem de condição, casada ou não; 2º Mulher, esposa; 3º
Mulher mortal, por oposição a deusa.

Portanto, quando diz o Apóstolo não está


fazendo a menor referência ao estado civil. E é mostrar completo
desconhecimento do grego afirmar que a palavra correspondente
nesta língua, significa forçosamente mulher casada [28]. É claro que
S. Paulo aí pode referir-se, primeiro que tudo, a mulheres viúvas e
de idade já avançada, postas a serviço da Igreja, conforme se lê na
Epístola a Timóteo: A viúva seja eleita, não tendo menos de
sessenta anos, a qual não haja tido mais dum marido (1ª Timóteo V-
9).
Os Apóstolos praticaram a continência perfeita depois que
começaram a seguir o Mestre. Mas acontece que para a
propagação do Evangelho, propagação que logo se tornou
prodigiosamente rápida, os Apóstolos precisavam de muitos outros
que participassem com eles dos poderes do sacerdócio: bispos ou
presbíteros e diáconos. Donde haviam de ser tirados estes novos
ministros de Deus? Ou dos judeus, ou dos gentios. Tanto entre os
gentios, como entre os judeus, salvo raríssimas exceções, ninguém
tinha ideia desta nova concepção das vantagens da virgindade, a
qual veio justamente com as palavras acima citadas de Nosso
Senhor Jesus Cristo e de S. Paulo. Se os próprios protestantes,
apesar de cristãos, apesar de falarem tanto em espiritualidade,
fazem tantas caretas quando se lhes fala em virgindade para
homens, que se dirá dos pagãos e dos judeus, quando estes últimos
até a indissolubilidade do matrimônio, pregada por Nosso Senhor,
queriam achar demasiado pesada? Estes bispos ou presbíteros
haviam de ser, na maioria dos casos, tirados dentre os homens já
respeitáveis pela sua idade, que se haviam convertido ao
Cristianismo, muitos deles, na velhice ou na idade madura, quando,
portanto, já eram casados. Impor a lei do celibato, obrigar todos
estes casados a abandonar suas próprias esposas não era
conveniente ; as ideias cristãs não
tinham amadurecido ainda entre os homens, para que se firmasse a
lei do celibato eclesiástico. Tinha que haver, portanto, bispos ou
presbíteros e diáconos casados.

Entretanto a Bíblia, por boca de S. Paulo, mostrando mais uma vez


a importância da castidade para os ministros de Deus, faz uma
restrição muito interessante; entre as qualidades exigidas para ser
bispo, S. Paulo apresenta esta: que se tenha casado uma só vez.
Não é que sejam proibidas pelo Cristianismo as segundas núpcias;
mas elas denotam um decréscimo de perfeição, um certo apego às
coisas carnais, o que não era decente para aqueles que estavam
destinados a tão altas funções. Assim como a viúva escolhida para
o catálogo oficial daquelas que haviam de prestar maiores serviços
à Igreja devia estar entre as que não houvessem tido mais de um
marido (1ª Timóteo V-9), portanto que se tivessem casado uma só
vez, assim também exige S. Paulo o mesmo dos bispos: Importa,
logo, que o bispo seja irrepreensível, ,
sóbrio, prudente, concertado, modesto, amador da hospitalidade,
capaz de ensinar (1ª Timóteo III-2). S. Paulo aí não está dizendo
que o bispo deve ter uma mulher só e não duas; pois isto não é
novidade, uma vez que qualquer cristão está também neste caso: a
nenhum homem é lícito ter duas esposas. Nem se está limitando a
dizer que o bispo deve evitar o adultério; neste caso não teria usado
esta expressão ; teria dito que o bispo
deve ser inteiramente resguardado de fornicação, de adultério ou de
amizades ilícitas etc. S. Paulo está mostrando apenas como as
segundas núpcias não condizem bem com a dignidade de um bispo,
nem mesmo a de diácono, como ele dirá alguns versículos mais
adiante (1ª Timóteo III-12).

Os protestantes se valem desse texto para clamar: Estão vendo? A


Igreja está contra a Bíblia! A Igreja exige que seus padres e bispos
sejam celibatários e S. Paulo manda que os próprios bispos sejam
casados.

— Mas isto é, antes de tudo, torcer o sentido das palavras de


S. Paulo que não só não ordenou que os bispos se casassem, mas
até aconselhou o estado de virgindade ou de continência perfeita às
próprias pessoas do século: Digo também aos solteiros e às viúvas
que lhes é bom se permanecerem assim, como também eu (1ª
Coríntios VII-8); se fosse uma ordem para casar, por que motivo
então S. Paulo permaneceu celibatário? deveria ele ser o primeiro a
dar o exemplo.

E é também, como já explicamos, mostrar um completo


desconhecimento da diversidade de circunstâncias entre a Igreja
primitiva e a Igreja atual. Nesta diversidade, a Igreja atual leva
manifestamente vantagem, porque pode agora, com a difusão das
ideias cristãs, manter uma sábia e santa lei que seria pesada
demais, que dificultaria, pela falta de sacerdotes, a propagação do
Cristianismo, nos tempos primitivos [29].

Notas (pular)

[27] É o que diz também o teólogo protestante Leibnitz: “Estejam certos os


clérigos e religiosos de que, para guardar a continência, quase mais nada é
necessário além de evitar a ociosidade e as ocasiões perigosas e ter uma
vontade firme, graça esta que Deus não nega àquele que a pede com
fervoroso empenho” (Systema Theologicum nº 66). (voltar)

[28] Se o texto grego traz literalmente (uma irmã mulher


ou uma mulher irmã) cabe ao intérprete da Bíblia explicar o que significa
e o que significa aí no caso. O que não nos é lícito de maneira
alguma é alterar o texto sagrado. Por isto se mostra infiel e sectária a seguinte
tradução que vem na edição publicada em 1954 pela Sociedade Bíblica do
Brasil: Porventura não temos o direito de levar conosco
, como também, os outros apóstolos e os irmãos do Senhor e Cefas?
(1ª Coríntios IX-5). Não só infiel e sectária, mas também desastrada. Tal qual
como está redigida, a frase soa mal aos nossos ouvidos; parece dar a
entender que os Apóstolos, ao fazerem as suas viagens, tinham o direito de
lançar mão de uma crente qualquer e levá-la como esposa... (voltar)

[29] E quanto à alusão à passagem de S. Paulo que fala em alguns que


apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos de erro e a doutrinas de
demônios... que - (1ª Timóteo IV-1 e 3) não vem
absolutamente ao caso. A Igreja não proíbe a ninguém casar-se. Apenas só
aceita para sacerdote quem tenha feito o
voto de castidade perfeita, voto que ela só permite que se faça depois dos 21
anos de idade. A Igreja não obriga ninguém a ser padre; ao contrário lança a
pena de excomunhão sobre aquele que de qualquer modo obriga uma pessoa
a abraçar o estado clerical ou a vida religiosa. Aqueles que vão
espontaneamente receber as ordens sacras é porque julgam, depois de
maduro exame, ter recebido esse dom de Deus de que fala Jesus Cristo no
Evangelho (nem todos são capazes desta resolução, mas somente aqueles a
quem isto foi dado — Mateus XIX-11) e S. Paulo na sua Epístola aos Coríntios
(cada um tem de Deus seu próprio dom: uns na verdade duma sorte e outros
doutra — 1ª Coríntios VII-7).
S. Paulo aí na 1ª Epístola a Timóteo se refere a heresias que vão assolar os
primitivos tempos da Igreja, principalmente a partir do século 2º, como a dos
encratistas que condenam o matrimônio e apontam como ações
absolutamente ilícitas o comer carne e o beber vinho, e a dos marcionistas, os
quais tendo a carne como má e fonte do pecado e achando que o casamento
é um mal, porque multiplica neste mundo a existência da carne, proíbem o
casamento e a procriação a seus adeptos. Se S. Paulo diz que estas heresias
aparecerão , daí não se segue que seja coisa para o fim
do mundo. O Apóstolo se reporta a um oráculo revelado pelo Espírito a um
profeta e na linguagem profética os tempos messiânicos são chamados os
(veja-se Atos II-15 a 17). Os primeiros tempos da Igreja já
são chamados na Bíblia a última hora, os últimos tempos (1ª João II-18; Judas
versos 17 e 18). E mesmo seria ridículo que S. Paulo estivesse fazendo
recomendações especiais a Timóteo (propondo isto aos irmãos serás um bom
ministro de Cristo — 1ª Timóteo IV-6) sobre erros que só houvessem de
aparecer lá para o fim do mundo. (voltar)

Os católicos já estão evangelizados.

212. Se se quiser bem apreciar outro caso em que demonstram os


protestantes uma extrema ingenuidade na confusão que fazem
entre a Igreja dos primeiros dias e a de hoje, basta ver o modo como
se faz a pregação de suas seitas.

É claro que nos primeiros dias da Igreja, quando o mundo inteiro, à


exceção dos judeus, se achava mergulhado no paganismo, e os
próprios judeus, na sua grande maioria, tinham rejeitado a Nosso
Senhor Jesus Cristo, a pregação dos Apóstolos e dos primeiros
evangelizadores consistia em levar ao mundo o conhecimento e a fé
em Jesus, que os gentios não conheciam e em quem os judeus não
acreditavam. A insistência mesma com que se fala em crer em
Jesus para salvar-se, está adaptada àqueles tempos. Tinham
aparecido muitos sábios, muitos filósofos pregando várias doutrinas;
mas Jesus não era um sábio como muitos outros que a gente ouve,
aprova e segue, se quiser; Jesus é o Filho de Deus. Quem nEle se
recusa a crer, não pode salvar-se; quem nEle crê com toda a alma,
está salvo, está no caminho da salvação, pois quem nEle crê de
verdade, com fé firme, lógica e coerente, observa fielmente a sua
lei, pratica perfeitamente tudo quanto Ele manda.

Esta pregação sobre Jesus Cristo, sua vida, suas perfeições, seus
diversos atributos, já a Igreja vem fazendo há 20 séculos e já, vinha
fazendo, havia 15 séculos, quando o Protestantismo apareceu sobre
a face da terra. E a Igreja que tem sustentado contra os hereges a
tese de que Jesus Cristo é Deus, Consubstancial ao Pai, tendo as
duas naturezas divina e humana; que tem ensinado que Ele é o
nosso Salvador que morreu por todos os homens e que é o autor da
salvação eterna L (Hebreus V-9);
ela vem ensinando a sua lei, vem batizando como Ele ordenou, para
que os homens se tornem cristãos. E na sua liturgia, com cuidado
especial, vai distribuindo o ano em várias festas religiosas, para que
os fiéis saboreiem, a um por um, nas suas diversas particularidades,
os mistérios da vida de Jesus: seu nascimento (a 25 de dezembro),
sua circuncisão (a 1º de janeiro), a adoração dos Magos (a 6 de
janeiro), seu primeiro milagre em Caná de Galileia (2º domingo
depois da Epifania), sua tentação no deserto (1º domingo da
Quaresma), sua transfiguração (2º idem), sua entrada triunfal em
Jerusalém (domingo de Ramos), sua paixão e morte, sua
ressurreição, sua ascensão aos Céus, sua presença no SSmo
Sacramento do Altar. Jesus ora é apresentado como o Bom Pastor
(2º domingo da Páscoa), ora como um Rei (Festa de Cristo-Rei, no
último domingo de outubro) etc, etc. Cada domingo se toma um
trecho especial de seu Evangelho para explicar ao povo.

Pois bem, pelo simples fato de que no princípio se pregou a um


mundo que não cria em Jesus e não cria, antes de tudo, porque não
o conhecia, hoje a pregação dos protestantes tem que ser
obrigatoriamente assim: vai-se falar em Jesus, como se o mundo
nunca houvesse ouvido falar neste nome e quase todas as
pregações dos protestantes terminam com este apelo que para nós,
católicos, se mostra perfeitamente irrisório: Queres conhecer a
Jesus? Queres crer em Jesus? Aceitas a Jesus, como teu
Salvador?
Esta linguagem dá a entender que só entrando no Protestantismo é
que se conhece a Jesus, é que se crê nEle, é que se aceita Jesus
como Salvador.

No entanto, esta em Jesus consiste em tomar a Bíblia nas


mãos e ficar com a liberdade de crer em Jesus da maneira que bem
se entender. Se nos vier na gana dizer que Jesus não é Deus, é um
simples homem e por isto podia errar, também está valendo,
também isto é protestantismo e é livre interpretação da Bíblia,
porque o essencial para se crer em Jesus é... não se pertencer à
Igreja Católica. Se dissermos que para a salvação basta crer, não é
preciso obedecer à lei de Jesus, se dissermos que o homem não é
livre e nossos pecados é Deus quem os faz, se dissermos que
Cristo não morreu por todos, mas só pelos predestinados para o
Céu, pois há alguns predestinados para o inferno... se dissermos
que não há SSma Trindade, que não há inferno, que os ímpios
desaparecerão completamente pois serão aniquilados, se dissermos
que é mentira que Jesus Cristo nos dê a sua carne para comer etc,
etc, estamos crendo em Jesus Cristo pelo sistema do livre exame, o
qual consiste em ouvirmos as suas palavras, dando-lhes o sentido
que melhor nos aprouver. Só depois de ficarmos com a liberdade de
abusarmos da Bíblia para tentar justificar todas as heresias é que
atingimos a verdadeira fé... porque o que é contra a fé é somente
aceitarmos o que I , fundada por Jesus
Cristo, vem ensinando desde 20 séculos.

Foi em reação contra este verdadeiro despropósito, que os


habitantes de Barbalha (Estado do Ceará) puseram à entrada de
sua cidade um grande letreiro com estes dizeres: A , .
!B S. A !
Assim como quem diz: O Jesus que Vocês nos vêm pregar já é
nosso velho conhecido: já a Igreja nos ensinou a ver nEle nosso
Deus, Rei, Pastor e Mestre; nosso Irmão, Amigo e Salvador.

Nem tudo está na Bíblia.


213. É precisamente porque foi escrito no gênero histórico e no
epistolar, como quem narra a vida de uma pessoa, ou os primeiros
passos de uma instituição ou como quem trata, em carta, de
assuntos de urgência, que o Novo Testamento, sem deixar de ser
uma luminosa mensagem que nos aponta o caminho real da
salvação, focalizando a vida e os ensinamentos de Jesus e a
constituição da Igreja, ainda não é uma exposição minuciosa e
completa de tudo o que nos é necessário saber, no interesse
mesmo da nossa própria alma.

Vamos dar um exemplo.

Sabemos que há uns pecados maiores do que outros; e que há


pecados mortais e veniais. O que me entregou a ti tem
(João XIX-11), disse Jesus a Pilatos. Até de uma palavra
inútil, havemos de prestar contas a Deus: De toda a palavra
que falarem os homens, darão conta dela no dia do juízo (Mateus
XII-36). E é claro que aquele que proferiu uma palavra inútil, porém
não ofensiva, não vai ser condenado ao inferno como está arriscado
a sê-lo quem diz uma palavra de calúnia ou de blasfêmia. Ninguém
nega que nos é muito importante saber quais são os pecados
graves e os pecados leves. Mas a Bíblia dá-nos indicações gerais, é
certo (1ª Coríntios VI-9 e 10; Apocalipse XXII-15), mas não nos faz
uma exposição completa neste sentido.

Escritos os Evangelhos, não com a intenção de expor


minuciosamente a doutrina, ponto por ponto, mas principalmente de
relatar a vida de Jesus (e relatando a sua vida, vão relatando
espaçadamente a sua doutrina), não nos transmitem tudo quanto
ensinou Jesus. S. João escreveu o último Evangelho muitos anos
depois dos três primeiros evangelistas. E no fim de tudo confessa
que está muito longe de ter escrito todos os acontecimentos da vida
do Divino Mestre: Muitas outras coisas, porém, há ainda, que fez
Jesus, as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que nem no
mundo todo poderiam caber os livros que delas se houvessem de
escrever (João XXI-25).
Os Atos nos mostram Jesus dando instruções especiais aos
Apóstolos nos dias que mediaram entre a ressurreição e a subida
para os Céus: aparecendo-lhes -
R D (Atos I-3). Quais foram essas instruções, a
Bíblia não nos revela; mas com elas estavam os Apóstolos
completando os seus conhecimentos para ensinar aos
fiéis: Ide, pois, e ensinai todas as gentes (Mateus XXVIII-19). Com
elas estava Jesus Cristo instruindo os seus Apóstolos sobre o modo
como deviam reger a Igreja e exercer nela o papel de dispenseiros
dos mistérios de Deus (1ª Coríntios IV-1).

O que é fato é que os Atos nos mostram os Apóstolos impondo as


mãos sobre uns que já haviam sido batizados, a fim de que eles
recebessem o Espírito Santo: Pedro e João, os quais, como
chegaram, fizeram orações por eles, a fim de receberem o Espírito
Santo; porque Ele ainda não tinha descido sobre nenhum; mas
somente tinham sido batizados em nome do Senhor Jesus; então
punham as mãos sobre eles e recebiam o Espírito Santo (Atos VIII-
14 a 17). E S. Paulo falando, na Epístola aos Hebreus, dos
rudimentos da fé que se ensinavam aos primeiros cristãos, depois
de referir-se à doutrina dos batismos (batismos no plural, ou porque
se explicava a doutrina sobre o batismo de água, o de sangue e o
de desejo, como querem S. Agostinho e S. Tomás, ou porque se
ensinava a distinção entre o batismo de João e o batismo de Cristo),
se refere imediatamente à imposição das mãos: Deixando os
rudimentos dos que começam a crer em Cristo; passemos a coisas
mais perfeitas, não lançando de novo o fundamento da penitência
das obras mortas, e da fé em Deus, da doutrina sobre os batismos,
também do , e da ressurreição dos mortos e do
juízo eterno (Hebreus VI-1 e 2). S. Tiago fala na unção feita sobre os
enfermos pelos presbíteros, acompanhada de oração, cerimônia
esta que tem eficácia espiritual, pois se o enfermo estiver em alguns
pecados, ser-lhe-ão perdoados (Tiago V-15). Ora, esta imposição
das mãos (Sacramento da Confirmação), esta unção com óleo
(Sacramento da Extrema-Unção) não podiam assim conferir a graça
sem serem instituídas e ordenadas por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Entretanto, os Evangelhos não nos dizem com que palavras nem
em que ocasião; os Atos é que nos vêm dizer de modo geral, os
Atos declarando que Jesus se manifestou aos seus Apóstolos várias
vezes depois da sua paixão, aparecendo-lhes por quarenta dias e
- D (Atos I-3).

Mesmo aquilo que está escrito explicitamente no Evangelho


necessita de um comentário para explicá-lo, porque o evangelista
refere as palavras de Jesus, mas não se encarrega, ele mesmo, de
nos dizer quando Jesus está dando para ser por todos
observado ou apenas dirigido àqueles que querem
seguir na maior perfeição. É que o evangelista se mostra sempre
como um historiador (narra o que aconteceu, o que disse Jesus) e
não como um teólogo que nos vai explicar em que sentido se
entendem aquelas palavras. Da mesma forma que Jesus disse: Não
queirais julgar, para que não sejais julgados (Mateus VII-1), disse
também: não resistais ao que aos fizer mal; mas, se alguém te ferir
na tua face direita, oferece-lhe também a outra; e ao que quer
demandar-te em juízo e tirar-te a tua túnica, larga-lhe também a
capa (Mateus V-39 e 40). A primeira citação pode ser tomada como
um preceito para todos no sentido de que não se deve fazer juízo
temerário, nem andar fazendo cálculos sobre as intenções do
próximo. Mas no segundo caso se tratará também de um preceito
para todos? Sendo um preceito, não vão ficar os cristãos
completamente indefesos e sempre à mercê dos perversos e dos
inimigos? Não é antes um conselho de perfeição? É o que o
Evangelho por si mesmo não nos explica.

Jesus disse: A não jureis nem pelo Céu, que é o


trono de Deus; nem pela terra, que é o assento de seus pés; nem
por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei (Mateus V-34 e 35).
Que quer dizer Nosso Senhor com este ? Que não
devemos jurar nunca, nem mesmo quando somos convidados a
jurar em coisas sérias perante os tribunais — ou que absolutamente
não devemos jurar, salvo o caso de real necessidade? S. Paulo não
invocou mais de uma vez nas suas epístolas o testemunho de
Deus? (Romanos I-9; Filipenses I-8). O Evangelho nos indica as
palavras de Jesus, mas não nos fornece a sua verdadeira
interpretação. E isto é um dos mil assuntos que dão margem aos
protestantes para discutirem acerbamente entre si, pois os Quacres,
por exemplo, não juram por consideração alguma e há outros
protestantes que juram perante os tribunais, quando os juízes a isto
os obrigam.

A Bíblia ensina claramente a existência do pecado original, dizendo


que todos morrem porque (Romanos V-12) e é
claro que não se trata aí de pecado pessoal, pois os que não
pecam, as criancinhas também morrem. O Antigo Testamento já
havia insinuado esta mesma doutrina, pois Davi nasce de um
matrimônio legítimo e entretanto diz: Eu fui concebido em
iniquidades e em pecados me concebeu minha mãe (Salmos L-7)

Mas este pecado original , em que consiste? E inútil procurar


na Bíblia uma solução para este problema; não há nenhum texto
seu que ponha em pratos limpos esta questão. Alguns protestantes
aventuram-se por sua conta própria a imaginar que este pecado
original seja a concupiscência, ou a nossa inclinação para o mal.
Mas estão realmente certos disto? É preciso não esquecer que a
concupiscência ou inclinação para o mal não desaparece, nem
mesmo nas criaturas mais santas e amantes de Cristo. A santidade
não consiste em suprimi-la, mas em resistir-lhe sempre
heroicamente. Se o pecado original é esta concupiscência, que
pecado é este que pode coexistir até com o mais alto grau de
santidade? Se o pecado original é esta concupiscência, então é
ineficaz a ação do Cordeiro de Deus
(João I-29). Pois como poderia conceber-se que Ele não
conseguisse tirar de nós o que trazemos do berço?

Aí finda naturalmente, sobre o assunto, toda a ciência do


protestante que não quer ter outra fonte de informações além da
própria Bíblia.
Mas, dirão os protestantes, quer o Sr. dizer então que não é
completo o ensino da Bíblia a respeito da nossa fé e da nossa
salvação? Afinal ?

— Sim; é completo o ensino da Bíblia, não há dúvida alguma,


porque, desde que a Bíblia nos traz muitos e riquíssimos
ensinamentos sobre o assunto e entre estes ensinamentos está
também a existência da Igreja, a sua infalibilidade (as portas do
inferno não prevalecerão contra ela — Mateus XVI-18)
a Bíblia resolve todos os problemas que dizem
respeito à verdadeira doutrina e à salvação da nossa alma. Se, por
exemplo, ficamos em dúvida se um seguidor de Cristo pode ou não
pertencer à maçonaria, não há necessidade de nos dividirmos em
duas facções, como já aconteceu uma vez com os Presbiterianos no
Brasil. A Bíblia não fala em maçons, mas resolve este problema,
quando diz que se deve ouvir a verdadeira Igreja fundada por Jesus
Cristo: e se não ouvir I , tem-no por um gentio ou um
publicano (Mateus XVIII-18). Se temos dúvida sobre algum ponto
importante na doutrina da salvação e não sabemos como interpretar
a Bíblia, não há motivo para nos dividirmos em seitas diversas,
como acontece com os protestantes; há quem tenha a missão de
nos esclarecer, é a Igreja de Deus Vivo, coluna e firmamento da
verdade (1ª Timóteo III-15).

Por tudo isto que até aqui expusemos, se vê claramente que está
completamente errado o modo de pensar dos protestantes quando
assim dizem: Não precisamos de saber o que a Igreja Católica nos
ensina, nem o que ela sempre nos ensinou desde o princípio. Temos
a Bíblia e B é que cada um deve ir buscar diretamente,
vendo com seus próprios olhos, a verdadeira doutrina.

— Não há dúvida: a verdadeira doutrina está na Bíblia, mas sendo


um livro de interpretação muito difícil, sendo um livro que ainda não
nos diz tudo quanto necessitamos saber, sua leitura exige uma
sadia orientação pois muitos, em vez de extrair dela a verdade pura
e simples, a têm interpretado erradamente e com ela têm ensinado
lamentáveis despropósitos e heresias porque
Com o livre exame,
o intérprete é capaz de todos os absurdos e
extravagâncias
Fraquezas da inteligência e da vaidade humana.

214. Vamos supor que a Bíblia não apresente dificuldade alguma e


seja um livro muito claro e singelo do princípio até o fim. Façamos
de conta mesmo que a Bíblia foi escrita em português, escrita no
século XX e toda ela numa linguagem que qualquer criança
entende.

Mesmo assim, não estaria livre de ser horrivelmente deturpada. É a


experiência que nós temos com os próprios protestantes: não há
texto da Bíblia, por mais claro, por mais simples que seja, que eles
não consigam adulterar.

O homem possui duas faculdades espirituais: a inteligência e a


vontade. O mal em que pode cair a inteligência é o erro. O mal em
que pode cair a vontade é o pecado.

A fraqueza do homem na sua vontade, a facilidade com que ele se


deixa vencer e escravizar pelo pecado é um fenômeno que nos
entra pelos olhos. O estado miserabilíssimo em que estava o
mundo, não só entre os pagãos, como entre os judeus, no que diz
respeito à moral, até que Nosso Senhor trouxe com o Cristianismo a
abundância da graça divina, é uma prova evidente disto. E mesmo
depois do Cristianismo, depois de criado um ambiente mais puro e
mais sadio, ainda recebendo-se auxílios e luzes especialíssimas de
Deus, a nossa experiência própria nos está sempre mostrando
como continua a ser frágil a vontade humana diante da tentação e
como é inclinada ao mal por sua natureza.
Pois bem, talvez os homens se recusem a percebê-lo, porque é
mais fácil indicar onde está o pecado do que mostrar onde está o
erro, mas o que é certo é que esta mesma lamentável fraqueza se
manifesta também na nossa inteligência. Por que Deus demorou
tanto tempo para fazer brilhar no mundo as luzes da Revelação,
trazidas por Nosso Senhor Jesus Cristo? Quis mostrar primeiro até
que ponto é louca a inteligência do homem, quando entregue a si
própria. À exceção dos judeus, todos os povos estavam à mercê de
sua própria razão. E o resultado é que caíram nos erros mais
grosseiros, a começar pela idolatria. “Não há nenhum absurdo, por
maior que seja, que um filósofo não tenha defendido” dizia Cícero; e
os filósofos eram considerados a nata da Humanidade em matéria
de inteligência e sabedoria.

Veio Jesus, trouxe a luz da fé, e a razão humana encontrou o seu


verdadeiro caminho na submissão completa aos ensinos de Jesus,
transmitidos a todos os povos por intermédio da Igreja.

Leia-se a História e se verá I , a única Igreja que


vem dos tempos apostólicos, apresentar-se como a propagadora do
verdadeiro ensino do Cristianismo, sem que a este título pudessem
aspirar os hereges que sempre houve e haverá sempre (porque é
necessário que até haja heresias, para que também os que são
provados fiquem manifestos entre vós — 1ª Coríntios XI-19; assim
como é necessário que sucedam escândalos, mas ai daquele por
quem vem o escândalo — Mateus XVIII-7) e que se apresentavam
aqui e acolá como meras oposições que a Igreja sempre levou e
levará de vencida.

O fato de que nestes 20 séculos os maiores gênios, os mais


autorizados intérpretes da Bíblia se têm submetido humildemente ao
ensino tradicional da Igreja é não somente uma prova de que não há
nada neste ensino que repugne à mais genuína e esclarecida
interpretação do Livro Sagrado, como também uma demonstração
de como reconhecem esses sábios quão facilmente a razão humana
pode errar e cair em desatinos e ilusões, principalmente quando se
trata de assunto tão difícil e delicado como este: os mistérios de
Deus, em si mesmo, e nas suas relações com a alma humana.

É que reconhecem que a verdadeira fé é um cativeiro: (reduzindo a


cativeiro todo o entendimento para que obedeça a Cristo — 2ª
Coríntios X-5). Mas um doce cativeiro que nos liberta de dúvidas
atrozes, que nos traz a segurança, que nos livra do erro, da mentira
e da heresia, porque só na verdade é que se encontra a liberdade
legítima: E a verdade vos livrará (João VIII-32).

Entretanto Lutero, fazendo jus ao título de maior heresiarca de todos


os tempos, arvora a bandeira da independência completa da razão
humana. Cada um é livre em organizar os seus artigos de fé, os
pontos em que há de crer, interpretando, como melhor lhe pareça,
as palavras da Bíblia. Sem o freio que a Igreja lhe impõe para que
não se desmande, está agora a inteligência humana com plena
liberdade para todos os erros, todos os desvarios.

— Mas, dirão os protestantes, não estamos desenfreados; não,


senhor. O nosso freio é a própria Bíblia. Temos liberdade, sim, mas
liberdade para interpretar aquilo que está escrito nos Livros
Sagrados. Somos escravos, portanto, da palavra de Deus.

— Aí é onde está exatamente o engano. Nós sabemos como os


homens, apesar de fracos e confusos na sua inteligência, são
perseguidos pelo demônio da vaidade. Quantos desde o princípio do
mundo têm caído nos erros mais extravagantes, têm defendido as
mais ridículas teorias, somente porque querem conseguir a glória de
ter descoberto alguma coisa, de se terem mostrado mais
perspicazes do que os outros, sustentando uma teoria nova, uma
teoria sua, aparecendo com uma “bela” doutrina, na qual ninguém
antes deles, havia pensado! Não é preciso ser muito versado nas
teorias dos filósofos de todos os tempos para ter a experiência disto.
Todo homem gosta de filosofar; e quantas vezes entre as nossas
relações de amizade, nas palestras com os nossos amigos, se
estabelecem discussões e nós ficamos boquiabertos ao ver homens
que em outros pontos se mostravam até bem inteligentes,
sustentarem obstinadamente as ideias mais absurdas, só pelo gosto
de se mostrarem originais! Se isto acontece com os inteligentes e
com os que são perfeitamente normais, que se dirá com os rudes e
com os desequilibrados? e também estes são autorizados pelo
Protestantismo a fazer por si próprios a interpretação da Bíblia.

O livre exame é um verdadeiro achado para aqueles que dotados de


uma certa dialética (no mau sentido da palavra, ou seja, a facilidade
de impressionar os outros com especiosos sofismas), gostam de se
apresentar como doutrinadores, como líderes religiosos,
envaidecidos de ver muitos homens aderirem às suas ideias e
contentes com a perspectiva de deixarem o nome célebre na
História de qualquer maneira, ao menos, como fundadores de mais
um arremedo de Religião sobre a face da terra.

E aferrados a esta ideia de torcer os textos da Bíblia para os


acomodarem às suas próprias teorias, não recuam diante de
nenhum sofisma, de nenhuma extravagância, por mais absurda que
ela seja. De modo que os desvarios da razão neste ponto são muito
mais sérios e lamentáveis do que aqueles que se verificavam no
tempo do paganismo: os absurdos dos pagãos eram erros da nossa
fraca razão humana entregue à sua própria sorte, sem as luzes da
Revelação; os absurdos que se têm originado do livre exame são
erros do homem que criminosamente abusa da Bíblia, da palavra de
Deus, para tentar justificá-los.

Não é uma acusação no ar que estamos fazendo, vamos provar isto


com fatos concretos. O Protestantismo tem abusado da Bíblia para
sustentar os maiores absurdos. E não se trata apenas de enganos
dos protestantezinhos humildes e semianalfabetos que andam por
aqui e por acolá fazendo exegese bíblica; são exemplos que vêm do
alto, de seus “grandes mestres”, que foram também grandes
sofistas, como Lutero e Calvino.

Má doutrina e pior explicação.


215. Lutero, como vimos, sustentou a teoria de que o homem não é
livre, porque só quem é livre é Deus. Deus é quem faz todas as
ações do homem, boas ou más. E a gente deve considerá-Lo tão
justo quando castiga os inocentes, como quando recompensa os
culpados (!). Deus assim vai encaminhando, por sua vontade
inexorável, uns para o Céu e outros para a condenação eterna. Ora,
esta doutrina completamente ilógica e blasfema vai de encontro
claramente ao ensino da Bíblia: Deus quer que todos os homens se
salvem (1ª Timóteo II-4). Deus não quer a morte do ímpio, mas sim
que o ímpio se converta do seu caminho e viva (Ezequiel XXXIII-11).

Apresentam-se a Lutero estes textos que da maneira mais clara e


insofismável denunciam o erro de sua doutrina, que aliás já é uma
aberração contra toda a lógica. Ou Deus é bom e justo ou então não
é Deus.

Apresentam-se também a Calvino que ensinou abertamente a


predestinação de uns para o Céu e de outros para o inferno.

Vamos esperar agora a interpretação que eles vão dar a estes


textos, curiosos, como estamos, de ver como se saem desta
embrulhada.

A resposta de Lutero (também esposada por Calvino) é esta: São


duas coisas diferentes: a vontade de Deus revelada: e a vontade de
Deus oculta. O que Ele mostra, na sua palavra, na Bíblia, é que quer
a salvação de todos. O que, porém, Ele quer ocultamente, a sua
vontade que não podemos perscrutar, é que uns se salvem e outros
se condenem (nº 49).

Não podia ser mais desastrada a explicação, nem encerrar mais


clamorosa blasfêmia. Estávamos espantados de ver como é que se
considerava a Deus tão cruel, destinando a uns para o inferno de
qualquer maneira. A explicação que nos fornecem é esta: dizer-nos
que Deus, além de cruel, é também mentiroso. Diz-nos uma coisa,
porém faz outra bem diferente.
E chama-se a isto interpretar a Bíblia!

Um professor tinha entre seus alunos um que, quando interrogado,


se saía frequentemente com os maiores disparates. Um dia
perguntou-lhe a razão deste procedimento, por que motivo não se
calava, não era melhor do que dizer uma grande asneira? O menino
então explicou a razão: É que minha mãe me disse que eu nunca
ficasse calado, sempre respondesse alguma coisa. Desta raça eram
Lutero e Calvino e são também todos os protestantes: ou certa, ou
duvidosa, ou completamente absurda, têm sempre uma
interpretação da Bíblia para nos apresentar!

Jesus ludibriando?

216. Calvino, como Lutero, como quase todos os protestantes,


ensinava que o homem se salva só pela fé. Apresenta-se diante de
Calvino o trecho do Evangelho em que um moço pergunta a Jesus:
Bom Mestre, que obras boas devo eu fazer para alcançar a vida
eterna? (Mateus XIX-16). A resposta de Jesus foi esta: Se tu queres
entrar na vida, (Mateus XIX-17).

Vejamos como Calvino se vai sair desta dificuldade.

A explicação que ele dá é a seguinte:

O caminho para o Céu não pode ser a observância dos


mandamentos, porque esta é impossível, mas só a fé. Por isto,
vendo diante de si aquele homem tão iludido com a ideia de
conquistar o Céu por meio das obras, Jesus ensina que o caminho é
este mesmo das obras, para que ele aprenda depois, pelo
conhecimento da sua própria fraqueza, a buscar o verdadeiro
caminho na fé.

Segundo Calvino, Jesus teria feito como nós, se agíssemos da


seguinte maneira:
Estamos numa esquina. Alguém nos vem perguntar o caminho para
ir a tal lugar, ao palácio do governador, por exemplo. Notamos que
esta pessoa está convencida de que o caminho é aquele da direita,
mas é um caminho impraticável. É impossível chegar lá seguindo
aquela direção. Em vez de ensinarmos o caminho certo, que é o da
esquerda, nós lhe ensinamos de acordo com o que ela pensa, para
que aprenda, pelas cabeçadas que der, a acertar com o verdadeiro
caminho.

Eis aqui as palavras de Calvino: “Para que se faça um melhor juízo


da natureza da resposta, é preciso notar a forma da pergunta. O
moço não pergunta simplesmente de que modo ou por que caminho
chegará à vida, mas que boas obras há de fazer para adquiri-la.
Portanto sonha com méritos, aos quais a vida eterna seja dada
como débita compensação, por isto ajustadamente Cristo o desterra
para a observância da lei, já que o moço está certo de ser este o
caminho da vida... A resposta de Cristo foi uma resposta de acordo
com a lei, porque a um jovem que interroga sobre a justiça das
obras, era preciso ensinar que ninguém pode ser considerado justo
se não cumprir com a lei (o que é impossível) para que, convicto de
sua fraqueza, ele procurasse o subsídio da fé” (Calvino. Ópera.
Baum, Cunitz et E. Reuss. Brunswick vol. 45, págs. 537 e 538). E o
mais espantoso é que Calvino declara abertamente que reconhece
que o moço “não veio insidiosamente, como era costume dos
escribas, mas sim com o desejo de aprender e assim atesta, não só
pelas palavras, mas também pela genuflexão, que reverencia a
Cristo, como a um mestre digno de confiança” (Ibidem pág. 537).

Bem considerada, a explicação de Calvino, por mais manhoso que


seja o seu modo de expor, é verdadeiramente ímpia e altamente
ofensiva a Jesus.

Nós mesmos ficaríamos envergonhados de nossa má ação, se


ensinássemos propositadamente um caminho errado ou
impraticável a uma pessoa que nos viesse pedir uma informação.
Como é que Jesus que é o Caminho, a Verdade e a Vida (João XIV-
6), quando uma pessoa vem fazer uma pergunta a
respeito do assunto primordial que Ele veio trazer a este mundo, ou
seja, a salvação da nossa alma, em vez de dar uma resposta certa,
adequada, tranquilizadora, que dissipe as ideias errôneas que
porventura tenha esta pessoa desejosa de esclarecimento, ao
contrário aponta um caminho ? Era preciso que o Divino
Mestre quisesse ludibriar o seu consulente!

Só depois que apareceu o Protestantismo, é que semelhante


absurdo pôde vir à cabeça de um intérprete da Sagrada Bíblia!

Outra proeza de Calvino.

217. Pregando Calvino a salvação só pela fé, põe-se diante dele a


palavra de Jesus a seus Apóstolos: Aos que vós perdoardes os
pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós os retiverdes,
ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23).

Todo o mundo percebe claramente que Jesus, nos últimos dias de


sua peregrinação aqui na terra, estando prestes a subir para o Céu,
começou a transmitir aos Apóstolos poderes especiais para
cumprirem a sua alta missão, quando estivessem privados da
presença do Mestre. Na última ceia, depois de fazer aquela ação
maravilhosa tomando o pão e dizendo: Isto é o meu corpo,
acrescentou: Fazei isto em memória de mim (Lucas XXII-19). Ele
que havia pregado o Evangelho, disse aos Apóstolos: Pregai o
Evangelho a toda a criatura (Marcos XVI-15). Ele que tinha sido o
Mestre da verdade, disse: Ide, pois, e ensinai todas as gentes
(Mateus XXVIII-19). Ele que havia absolvido os pecados do
paralítico (Lucas V-20) e de Maria Madalena (Lucas VII-48) deu
também aos Apóstolos o poder para perdoar os pecados e para
retê-los. Se a fé por si basta para salvar, como é que Cristo dá aos
Apóstolos o poder de perdoar ou reter o perdão? Como se sai desta
Calvino? Com o maior cinismo deste mundo: perdoar pecados quer
dizer (!!!).
Não se espante o nosso caro leitor; nem pense que estamos
brincando; é esta de fato a interpretação que dá Calvino, a qual se
lê claramente nas suas obras (Calvino. Ópera. Baum, Cunitz et E.
Reuss Brunswick. vol. 47. cols. 440 e 441). Isto é simplesmente
incrível, porque não há homem nenhum de bom senso que, diante
destas palavras: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
eles perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles
retidos (João XX-23), possa nem de longe conceber a ideia de que
poderá alegar que aí se trata da missão de realizar a pregação do
Evangelho.

Além disto, todos nós estamos vendo aí que foram dois os poderes
concedidos aos Apóstolos: o de perdoar e o de reter; é o exercício
de uma ação judicial: perdoar a uns e adiar o perdão para outros.
Quando Nosso Senhor manda pregar o Evangelho, trata-se de uma
só função, pois Ele não mandou pregar o Evangelho a uns e ocultá-
lo a outros. Se quer dizer
, então a ordem não é nunca para reter e sim para
perdoar os pecados a todos sem exceção: Pregai o Evangelho
(Marcos XVI-15). E mais: quando Nosso Senhor
mandou pregar o Evangelho, não usou de meios termos, nem de
enigmas, nem de obscuridades; disse abertamente: Pregai o
Evangelho; Ide, ensinai. Que necessidade tinha Ele de falar na
pregação do Evangelho em termos tão enigmáticos que durante
1.500 anos ninguém foi capaz de decifrar essa charada e só Calvino
a veio matar no século XVI?

Uma dos socinianos.

218. Um dos expedientes mais comuns usado pelos hereges para


fazerem cair por terra as mais categóricas afirmações das
Escrituras, é inventar-se um para os lugares em
que a Bíblia nos fala em sentido literal e próprio. Deste processo
usam os protestantes para negar a presença real de Jesus Cristo na
Hóstia Consagrada, tão claramente enunciada nestas palavras: Isto
é o meu corpo. É um assunto que depois veremos (nos 318 a 322);
não é dele que vamos aqui falar.

Queremos chamar aqui a atenção para outra doutrina


importantíssima no Cristianismo: a divindade de Nosso Senhor
Jesus Cristo, negada por muitos protestantes. Os Socinianos, p. ex.,
no seu Catecismo de Rakow, para mostrar que Jesus Cristo é
simplesmente homem, apresentam estes textos da Escritura: Só há
um Mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo
(1ª Timóteo II-5). Como a morte veio por um homem, também por
um deve vir a ressurreição dos mortos (1ª Coríntios XV-21).
E argumentam com o próprio Jesus que sempre se intitulou
. Vê-se claramente nesta argumentação a lábia
protestante, porque se dizemos que Jesus Cristo é
D , a Escritura O pode chamar homem
quantas vezes quiser, pois de fato Ele é homem também. E a
própria Escritura nos diz abertamente que Ele é Deus: No princípio
era o Verbo; e o Verbo estava com Deus; e o Verbo D ... E o
Verbo se fez carne e habitou entre nós (João I-1 e 14). Como é que
os Socinianos se desembaraçam deste texto? De uma maneira
muito fácil: é só torcê-lo para o sentido figurado. Verbo quer dizer
palavra. Jesus Cristo nos veio trazer a palavra de Deus. A palavra
de Deus está, portanto, encarnada em Jesus Cristo. Ele é a palavra
de Deus que se fez carne e habitou entre nós.

Mas é o caso de se perguntar: Não houve também, antes de Cristo,


tantos profetas brilhantes que anunciaram aos homens a palavra de
Deus? Por que motivo nenhum deles foi chamado o Verbo que era
Deus feito carne e habitando entre nós (João I-1 e 14), ou o Autor
da vida (Atos III-15), ou o Rei dos reis e o Senhor dos senhores?
(Apocalipse XIX-16).

A explicação sociniana é evidentemente falha e absurda. Mas há


porventura algum absurdo diante do qual recue um homem
interessado em defender uma doutrina sua, quando tem a seu favor
a carta branca do livre exame?
Um “intérprete” bastante esperto...

219. Agora vamos apreciar uma estúpida e, ao mesmo tempo,


divertida interpretação de um dos textos da Bíblia, feita por João de
Leiden, um dos líderes protestantes da Holanda, no século XVI.

Já falamos há pouco na frase de S. Paulo de que o bispo deve ser


e já expusemos o seu verdadeiro
significado (nº 211). João de Leiden toma a frase noutro sentido: que
o bispo deve ter uma mulher e não duas ou três e daí conclui que os
fiéis neste caso podem ter várias mulheres.

Começou a pôr em prática a poligamia, pretendendo assim basear-


se na própria Bíblia.

Os luteranos não concordaram com semelhante teoria. E daí surgiu


uma conferência realizada entre os luteranos Antônio Corvinus e
João Kymaeus, de um lado e João de Leiden e Krechting do outro, a
respeito destas e de outras doutrinas dos anabatistas.

Nós podemos bem apreciar o diálogo que houve sobre o assunto


entre os luteranos e João de Leiden, porque vem narrado nas
próprias obras de Lutero (Vitemberga II pág. 455).

O diálogo serve para mostrar não só a interpretação bíblica de João


de Leiden, mas também a ideia que faziam os luteranos sobre o
matrimônio.

“João de Leiden — S. Paulo disse que o bispo deve ser marido de


uma mulher. Ora, se o bispo devia ter uma só mulher, no tempo dos
Apóstolos, isto é sinal de que os leigos naquele tempo bem podiam
possuir duas ou três mulheres, conforme desejassem.

Luteranos — Nós consideramos o matrimônio como assunto policial.


Como as leis civis do matrimônio não são as do tempo dos
Apóstolos e proíbem a multiplicidade das esposas, responderás
perante Deus e os homens por esta inovação.

João de Leiden — Tenho a firme confiança de que aquilo que


permitiram os antigos não pode levar à perdição; e antes seguir aos
antigos do que a Vocês, tanto mais que o escutá-los importaria num
erro evidente e numa inovação anticristã.

Luteranos — Mais favorece a Escritura nossa opinião do que a tua,


porquanto diz: O homem deixará pai e mãe e se unirá à esposa.
Não diz a Bíblia: unir-se-á às esposas, mas sim à esposa. E
S. Paulo diz: cada qual viva com sua mulher e não diz: com suas
mulheres.

João de Leiden — S. Paulo não alude a todas as mulheres de um


indivíduo, mas sim a cada uma de suas esposas em particular. A
primeira é minha mulher: ligo-me com ela. A segunda é minha
mulher também: igualmente ligo-me com ela. E assim por diante!
Fica de pé a Escritura que não contraria a nossa doutrina. Para que
afinal tantas palavras? Não será preferível ter diversas mulheres a
ter diversas amásias?”

O leitor não poderá deixar de exclamar: Mas isto é o cúmulo! E por


aí fica vendo que com o livre exame se faz da Santa Bíblia o que
bem se entende. Não há limites para a cegueira e o fanatismo de
um homem que quer torcer o texto sagrado, para defender uma
doutrina sua, por mais horrorosa que ela seja.

O grande crime de todas as religiões...

220. Vamos dar mais um eloquente exemplo, neste vasto campo do


livre exame, aberto às maiores loucuras doutrinárias. Nós sabemos
que a base de todas as religiões é a imortalidade da alma. Não só
Jesus Cristo nos ensina esta grande verdade, mas também ela é,
assim como a existência de um Ser Supremo, um princípio ditado
pela própria razão humana. Todos os povos, mesmo os pagãos e
ainda incluindo-se nestes os mais selvagens, alimentaram sempre
esta ideia de que todo homem, bom ou mau, subsiste depois da
morte, assim como todos tiveram a ideia de que existe um Ser
Superior que fez o Universo. Podiam errar sobre a natureza deste
Ser, podiam materializar demais esta vida futura, mas tais ideias da
existência de Deus e da nossa sobrevivência além-túmulo estavam
arraigadas no espírito de todos, o que era providencial, pois são
elas a base de toda moralidade, de toda virtude.

Pois bem, aparece uma fanática seita protestante, os Testemunhas


de Jeová, chamados também Estudantes da Bíblia e esta seita se
revolta acerbamente, não só contra a Igreja Católica, mas contra
todas as religiões do mundo por este grande crime de ensinar que a
alma é imortal (!!!), porque esta doutrina da imortalidade da alma é
uma doutrina diabólica, foi introduzida no mundo pelo demônio (!!!) e
isto eles pretendem provar com palavras da própria Bíblia (!!!).

Para chegarem a esta conclusão superlativamente fantástica,


precisarão apenas de lançar um equívoco, adulterando o sentido da
palavra . Todos nós, quando falamos em morte, entendemos
com isto que a alma se separa do corpo. O corpo se dissolve na
sepultura, isto é morte, mas a morte não impede que a alma
sobreviva. Os Testemunhas de Jeová entendem por morte não só a
dissolução do corpo, mas também o completo desaparecimento da
alma.

E partindo desta falsa noção, assim argumentam:

Deus disse ao homem que este havia de morrer: Não comas do


fruto da árvore da ciência do bem e do mal, porque em qualquer dia
que comerdes dele (Gênesis II-17). Mas,
enquanto Deus disse que o homem havia de morrer, o demônio
ensinou perfeitamente o o contrário: Bem podeis estar seguros que
(Gênesis III-4). Logo, concluem os
Testemunhas de Jeová, as religiões ensinando a imortalidade da
alma, dizendo, portanto, que o homem é, por sua natureza, imortal,
propagam uma doutrina do diabo, enquanto aqueles que negam
esta imortalidade da alma seguem uma doutrina de Deus.

Isto não é extravagância de um ou outro homem; é doutrina de uma


seita que, fazendo uma furiosa propaganda, tem aumentado
consideravelmente o número de seus adeptos. Afirmam os
Testemunhas de Jeová ter impresso, no período de 30 anos, de
1919 a 1949, mais de 500 milhões de exemplares de livros em 88
línguas diversas. No ano de 1947 havia cerca de 3.000 grupos
locais e mais de 200.000 propagandistas.

E é assim que com o livre exame se vão propagando pelo mundo


inteiro os “ensinos da Bíblia”!

Batismo de defuntos por procuração.

221. A que extravagâncias se pode chegar com a má interpretação


de um texto bíblico, é o que igualmente nos mostra o caso do
batismo dos defuntos feito pelos Mormões [30].

S. Paulo na sua 1ª Epístola aos Coríntios, falando a respeito da


ressurreição dos mortos, usa, entre outros, o seguinte argumento:
Doutra sorte, que farão os que , se
absolutamente os mortos não ressuscitam? pois por que até
? (1ª Coríntios XV-29).

O texto é, na verdade, de interpretação difícil, pois em nenhuma


outra parte da Bíblia se fala mais neste - ,
para que se possa chegar a uma conclusão. Já se têm imaginado
cerca de 40 interpretações diversas. A mais provável parece ser a
seguinte:

O verbo em grego nem sempre na Bíblia se refere só ao


batismo de Cristo ou ao batismo de João. E assim se lê em S. Lucas
que o fariseu em cuja casa Jesus foi jantar começou a discorrer lá
consigo mesmo o motivo por que não tinha Ele antes de
comer (Lucas XI-38). E o verbo aí é expresso, tanto no grego
como no latim da Vulgata, pelo verbo . Sabemos por
S. Mateus que este lavar-se antes da comida consistia apenas em
lavar as mãos: Por que violam os teus discípulos a tradição dos
antigos? pois não quando comem pão (Mateus XV-
2). E assim se destrói, digamos entre parêntesis, o argumento dos
Batistas, os quais dizem que o batismo só pode ser por imersão,
pois o verbo forçosamente quer dizer imergir. A purificação
antes da comida se exprime assim no grego pelo verbo e
seria ridículo pretender que todos os judeus, antes de suas
refeições, se encaminhavam até o rio para dar o seu mergulho...
Mas fechemos este parêntesis e voltemos ao texto de S. Paulo aos
Coríntios. Sabemos pelo livro dos Macabeus (2º Macabeus XII-43 a
46) o qual, se os protestantes não quiserem aceitar como livro
inspirado, têm que admitir ao menos como livro de valor histórico,
que estava em uso entre os judeus a prece pelos mortos. Bem como
sabemos que eram muito usuais entre eles as purificações feitas
com água, de que são exemplo o batismo de João, estas próprias
purificações antes da comida etc, etc. Havia certamente entre os
Coríntios o costume de fazer algumas cerimônias, algumas preces
acompanhadas de purificações com água (e é isto o que S. Paulo
chama batizar-se) e oferecidas na intenção dos mortos. S. Paulo no
texto fazendo alusão a estas cerimônias, não mostra aprová-las
nem desaprová-las. Apenas se serve deste costume para
argumentar: se eles se purificam assim na intenção dos falecidos, é
sinal de que creem na ressurreição dos mortos.

Esta é, entre outras, uma explicação do texto.

Mas (para que se veja até onde pode ir este biblismo descontrolado
do livre exame) os Mormões viram este texto e dele se aproveitaram
para deduzir o seguinte: Vê-se aí pelas palavras de S. Paulo que
uma pessoa se pode batizar em lugar de um morto (!). Ora, todos os
batismos ministrados desde o princípio do Cristianismo até que
chegou José Smith, fundador da “verdadeira religião”, que é a seita
dos Mormões (e José Smith a estabeleceu no ano de 1830), todos
esses batismos estão nulos (!!!). Neste caso quem disser pode
batizar-se em lugar de qualquer parente ou amigo que tenha
falecido, mesmo que seja há muito tempo.

Logo começou a aparecer uma quantidade imensa de pessoas que


têm aceitado gostosamente tão boa oportunidade de salvar os
falecidos que estavam completamente enrascados no outro mundo,
pagando pelo crime de terem vivido em épocas anteriores à do
Sr. José Smith. E assim se provou mais uma vez a tese de que não
tem limites a credulidade humana.

Notas (pular)

[30] Depois de havermos mostrado uma meia dúzia de extravagantes


interpretações feitas por protestantes, o leitor nos vai permitir acrescentar este
comentário sobre uma esquisita doutrina dos Mormões, os quais, conforme
explicaremos mais adiante (em nota ao nº 234) não os consideramos, ou, pelo
menos, não os consideramos todos como sendo protestantes. No entanto,
nem neste assunto de batismo dos defuntos, os protestantes estão de todo
inocentes, porque esta doutrina é também admitida pela seita chamada Igreja
Neo-apostólica, conforme nos informa Crivelli no seu livro El mundo
protestante, Sectas pág. 70. (voltar)

Quando os humildes podem mais que os sabichões.

222. Depois destes exemplos por nós apresentados, parece-nos


ouvir muitos protestantes dizerem: Concordo em que esses
processos não são bons para a interpretação da Bíblia, mas que
tenho eu a ver com esses processos? Não os ponho em prática; não
vivo torcendo os textos bíblicos; minhas interpretações são todas
lógicas e razoáveis.

— Minhas interpretações são todas lógicas e razoáveis — assim


falavam e falam também esses que tão evidentemente abusaram e
abusam de sofismas, na exegese bíblica; assim falam também os
outros protestantes de cujas opiniões Vocês discordam, porque
sustentam doutrinas contrárias às que Vocês ensinam e os quais
Vocês combatem igualmente com textos das mesmas Escrituras.
Quem interpreta a Bíblia, mesmo da pior maneira possível e
concorda em dizer que a sua interpretação está errada? E em regra
geral aqueles que fazem as interpretações mais absurdas são
precisamente os que se mostram mais fanáticos e ferrenhos em
defendê-las, suprindo com furor e obstinação o que lhes falta em
competência e amor à verdade.

O que queremos frisar apenas com estes exemplos, que aos olhos
de qualquer observador sereno e imparcial se apresentam como
aberração de toda lógica e como um desrespeito evidente ao texto
sagrado, é que dentro do sistema do livre exame não há freio algum
para conter os erros mais clamorosos nem os mais ridículos
disparates, porque não há texto algum da Bíblia, por mais simples,
por mais claro, por mais evidente que seja, que um homem não
consiga adulterar, à custa de truques e manhosos artifícios e não há
teoria, por mais ímpia, por mais absurda, por mais escandalosa, que
pelo mesmo processo não se intente justificar com palavras da
Bíblia Sagrada. Porque ter em mãos o livro divino é uma coisa;
interpretá-lo com sabedoria, competência e honestidade, penetrar-
lhe o verdadeiro sentido é outra coisa bem diferente, pois é um dom
de Deus, uma graça do Espírito Santo.

E Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes (1ª


Pedro V-5). Aqueles que modestamente desconfiam de suas
próprias luzes e se submetem ao ensino tradicional da Igreja, à
proporção que progridem no conhecimento das Sagradas Letras,
não só nelas descobrem novas riquezas, mas vão percebendo cada
vez mais como a orientação católica é firme, razoável e segura; ao
passo que aqueles presumidos que, confiados por demais em seu
próprio talento, julgam poder abrir caminhos novos fora daquele
velho caminho que nos vem sendo traçado desde o princípio pela
Igreja Infalível, cada dia mais se perdem nas suas intermináveis
discussões entre si e cada dia mais obscurecem a sua própria
razão, defendendo as ideias mais absurdas, como se foram as mais
belas doutrinas deste mundo.
Divergências no seio do Protestantismo
Nova Babel.

223. Juntem-se todos estes fatores que até agora temos analisado:

1º a Bíblia é um livro de difícil interpretação;

2ª a doutrina cristã está toda esparsa no Novo Testamento, de modo


que é preciso muita cautela e honestidade para não firmar-se
alguém em certos versículos, esquecendo ou desprezando outros
que os completam, que lhes “servem de contrapeso”, segundo a
expressão já citada do protestante Vinet (nº 55);

3º a Bíblia, por si só, não resolve minuciosamente todas as


questões que, no decorrer dos tempos, possam surgir sobre a
Religião;

4º a fraqueza da nossa inteligência é tal que facilmente a ignorância,


a cegueira, a má-fé, o fanatismo, o amor das novidades levam o
homem a errar, a fazer interpretações forçadas, violentas, absurdas,
mesmo diante dos textos mais claros e evidentes.

Juntem-se todos estes fatores, como íamos dizendo, e o resultado


já se pode esperar: múltiplas, profundas e escandalosas
divergências entre os partidários do livre exame. No Protestantismo
se discute a respeito de tudo; não há firmeza em coisa alguma.

Não é sem razão que se tem comparado com a construção da torre


de Babel, a pretensão protestante de querer apresentar ao mundo
uma interpretação da Bíblia que sirva para desmentir, destruir,
desmoralizar a segura interpretação apresentada pela Igreja
Católica, que é a obra de Deus, sempre assistida pelo Divino
Mestre.
Narra o Gênesis que, ao conceberem os homens a ideia de erguer
uma torre que chegasse até o Céu, havia um só povo e uma só
linguagem de todos (Gênesis XI-6). Começada a construção, Deus
lhes confundiu as línguas, de modo que se desentenderam por
completo. O mesmo tem acontecido no Protestantismo, cuja história
logo se inicia com intermináveis discussões entre os seus
propagadores que não se entendiam de forma alguma, continuaram
sempre a não se entender e cada vez se vão entendendo menos.
Enquanto na Igreja continuou sempre existindo um só povo e uma
só linguagem de todos.

Católicos à fina força.

224. A desunião entre os protestantes começa logo pelo fato de uns


se mostrarem orgulhosos deste nome, e outros que são também
protestantes da gema não quererem ser chamados assim de forma
alguma.

Há alguns até que, depois de 4 séculos de separação da Igreja


Católica, depois de procurarem por todos os meios lançar o ridículo
sobre ela, acharam agora que deviam ser chamados ,
como se vê por esta declaração dos Bispos e Arcebispos da Igreja
Anglicana da Irlanda, feita a 10 de abril de 1902:

“Os Arcebispos e Bispos chamam a atenção dos membros da Igreja


sobre o abuso do termo , com o qual se designam como
autonomasticamente aqueles cristãos que reconhecem a
supremacia do Bispo de Roma. Os membros da Igreja Católica
Romana são comumente chamados e os membros da
nossa Igreja e de outras que professam toda a doutrina da Santa
Igreja Católica tal corno foi definida nos antigos Credos, são
chamados . Ora, isto não é uma mera questão de
nomes e palavras. O caráter católico do Evangelho de Jesus Cristo
e da Igreja que Ele fundou é o que distingue o Cristianismo de todos
os outros sistemas religiosos. A Igreja de Cristo é universal, isto é,
Católica em todo o sentido da palavra; sua missão é para todos os
seus membros, que pertencem a todas as nações, raças, povos e
línguas.

Se nós renunciamos a nosso título de membros da Igreja Católica e


o concedemos somente àqueles que aceitam a autoridade de um
Bispo particular, renunciamos a um ponto importante daquela
doutrina que foi entregue aos Santos.

De tanta transcendência foi sempre isto considerado, que já desde a


Primitiva Igreja a denominação S I C foi
incluída entre os artigos de fé por aqueles que redigiram nossos
Credos. Ser acatólico é estar fora do Corpo de Cristo e ser
considerado como não-católico é equivalente a ser tido como não-
cristão. Concedemos que estes termos são empregados muitas
vezes sem lhes prestar atenção, sem lhes dar seu próprio
significado e importância, porém não consentimos que nós sejamos
considerados como estranhos na Igreja de Deus.”

Esta “descoberta” feita por protestantes agora no século XX é


sumamente honrosa para nós. Eles confirmam com isto o que já
afirmamos no capítulo 9º (nº 167), isto é, que a Igreja verdadeira de
Jesus Cristo sempre foi chamada I C . Eles se
separaram desta Igreja; ensinam doutrinas contrárias à que a
mesma sempre ensinou desde o princípio. Não podem, por isto, ser
considerados como membros da Igreja Católica, porque a Igreja
sempre foi e nunca dividida em agremiações diversas. Se
negam a obediência ao Papa, que é o legítimo sucessor de
S. Pedro, não podem pertencer à Igreja de Jesus Cristo, o qual
fundou I , e apresentou como sinal característico da
mesma a união à cátedra de Pedro: T P
I (Mateus XVI-18). Se Ele diz
I é porque é uma só, não são duas: uma Romana e
outra Anglicana.

Se querem ser chamados católicos, aceitem tudo quanto a Igreja


Católica ensina, porque quando os antigos diziam na sua profissão
de fé: S I C , não queriam significar com
isto somente que existia uma Igreja com este nome, mas que esta
Igreja recebia sua total adesão, porque é infalível.

Chamamos aqui P todos aqueles que admitem a


autoridade da Bíblia como livro sagrado (embora discutam sobre o
verdadeiro significado de sua inspiração) e adotam a teoria do livre
exame. Desde que há o livre exame e cada um interpreta a Bíblia
como bem lhe parece, já não se pode distinguir por esta ou por
aquela doutrina quem é protestante e quem o deixa de ser, pois
assim já se estaria negando ao protestante a liberdade na
interpretação da sua Bíblia.

E se alguém, por hipótese, na sua doutrina, no seu modo de ver a


Bíblia, coincidisse em tudo com o que a Igreja ensina, menos em
admitir uma Igreja infalível e em reconhecer a autoridade do Papa,
sucessor de S. Pedro, já seria protestante, porque já estaria pondo
em uso o livre exame. Vemos que sob o regime do livre exame,
salvo a obediência ao Papa, que seria formal adesão ao
Catolicismo, é muito difícil encontrar um ponto da doutrina da Igreja
que não ache um ou outro protestante para defender e dar uma
penada a seu favor, bem como é raro encontrar um dogma do
Cristianismo, mesmo dos mais importantes, que não tenha no seio
da Reforma os seus opositores, porque não há nenhuma segurança
nas interpretações protestantes.

É o que veremos analisando vários pontos doutrinários. Não será,


portanto, pela coincidência de muitos de seus ensinos com a
doutrina da Igreja que uma seita deixe de ser considerada
protestante.

A Santíssima Trindade.

225. A doutrina de um Deus em três pessoas com uma só natureza


é admitida pela maioria das seitas protestantes, as quais neste
ponto seguem a interpretação da Igreja Católica. Mas a simples
leitura da Bíblia infelizmente não é suficiente para convencer a todos
os protestantes de que há um só Deus em três pessoas distintas.
Desde o princípio do Protestantismo, embora a doutrina católica
sobre este ponto fosse defendida pelos maiores chefes da Reforma:
Lutero, Calvino, Zuínglio, Melanchton etc, logo apareceram autores
protestantes negando a SSma Trindade, como Conrado in Gassen,
Hetzer chamado por Harnack o mais notável dos Anabatistas, João
Denk, Kautz, Cláudio de Saboia, Campanus, Noris bispo anabatista,
Jorge Blandrata, Valentino Gentilis e outros. O mais célebre de
todos foi Miguel Servet, que os calvinistas de Genebra condenaram
a ser queimado na fogueira precisamente por sua teoria
antitrinitária. E não tardou o dogma da Trindade a ser negado por
várias seitas protestantes, como os Socinianos, os Unitários, os
Cristadelfos e os Testemunhas de Jeová. E assim desde cedo se
abriu caminho para os Protestantes Liberais, que também o
rejeitam. Estes últimos são protestantes de ideias avançadas que
podem surgir de qualquer seita, por causa do livre exame e que
existem em grande número no seio dos Luteranos, dos Calvinistas e
dos Anglicanos, assim como podem não pertencer a seita alguma.

Negam também a SSma Trindade os Svedenborgianos. Para


Svedenborg: “Não há senão uma só pessoa no Ser Supremo, o
Senhor Deus do Antigo Testamento. Esta pessoa se fez homem em
Jesus Cristo. A virtude emanada deste Deus-Homem é o Espírito
Santo que vivifica, regenera, transforma e consagra o fiel. Assim o
profeta admite bem uma trindade na soberana essência, a saber, o
Pai, o Filho, o Espírito Santo, mas há aí três objetos dum só sujeito,
isto é, três atributos duma só pessoa divina.”

A divindade de Jesus Cristo

226. Como se vê acima, os Svedenborgianos negam a Trindade,


sem negar que Jesus Cristo seja Deus. Mas a negação do dogma
da SSma Trindade vem em geral acompanhada da negação da
divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. É porque lendo a Bíblia lá
a seu modo não veem em Jesus Cristo senão um simples homem,
ou no máximo, uma simples criatura, embora criatura superior, que
esses protestantes negam a existência de 3 pessoas em Deus. São,
portanto, os mesmos: Socinianos, Unitários, Protestantes Liberais
etc.

O fundador da seita dos Unitários, Teófilo Lindsey, chegou a publicar


um livro intitulado “Conversações sobre a idolatria cristã”, em que se
insurge contra o culto de adoração prestado a Jesus Cristo, culto
que ele tacha de idolatria.

É impressionante ver o vulto que a teoria da negação da divindade


de Jesus Cristo começou logo a tomar entre os protestantes. Entre
os Luteranos, passou a ser ensinada na maioria das faculdades
teológicas da Alemanha e é bem expressivo o seguinte fato citado
por Goyau: em 1893, Langen, pastor protestante em Kalsruhe,
negou publicamente a divindade de Jesus Cristo; ele havia tomado
parte no sínodo geral de Baden; e 99 teólogos protestantes
badenses logo lhe manifestaram publicamente sua aprovação.

Entre os Calvinistas, da mesma forma. Já em 1816 a Companhia


dos Pastores em Genebra aconselhava aos pregadores muita
reserva e prudência com relação a esta questão da divindade de
Jesus Cristo e censurava os que se mostravam muito zelosos na
pregação desta doutrina. E é bem significativo o fato de se
imprimirem entre os Calvinistas 3 espécies de catecismo, para que
os fregueses possam escolher a seu gosto: um negando a divindade
de Jesus, outro afirmando a mesma, outro declarando ser “muito
fora de propósito e muito absurdo” ventilar esta questão.

A Igreja Anglicana contém em si uma enorme variedade de crenças,


desde os Ritualistas que procuram aproximar-se o mais possível
dos ritos e ensinos da Igreja Católica, passando pelos Moderados
ou Evangélicos que procuram, uns mais, outros menos, ficar fiéis às
doutrinas da Igreja Oficial da Inglaterra, diferentes em muitos pontos
da doutrina da Igreja Romana, até os da Moderna Igreja ou Liberais,
de ideias bastante avançadas e nesta última classe é que mais se
encontram aqueles que negam a divindade de Jesus Cristo.

Entre os protestantes que negam assim que Jesus Cristo seja Deus,
há duas opiniões diversas: uma que O considera como simples
homem: são estes de que acima falamos; outra dos que O
consideram como um anjo: são os Testemunhas de Jeová, os quais
identificam o Verbo, de que fala S. João no Evangelho, com o Anjo
Miguel, a mais elevada das criaturas, da qual Deus se serviu para
criar todos os outros seres e que se transformou em homem (Jesus
Cristo) e veio morrer por nós, voltando a ser depois da Ressurreição
o mesmo Verbo-Miguel exaltado (Deus também o exaltou —
Filipenses II-9), elevado a uma categoria superior, e por isto depois
de ressuscitado usou um corpo só aparente.

Entre os próprios protestantes que admitem a divindade de Jesus


Cristo, também há uma divergência.

A Igreja ensina, no Símbolo Atanasiano, que Jesus Cristo é “perfeito


Deus e perfeito homem”, como foi definido no Concílio de
Calcedônia: “um só e o mesmo Jesus Cristo, em duas naturezas
sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação, nunca
se suprimindo, por causa da união, a diferença das naturezas.” E o
3º Concílio de Constantinopla fala em Jesus Cristo “perfeito na
divindade e o mesmo perfeito na humanidade... consubstancial ao
Pai segundo a divindade e consubstancial a nós segundo a
humanidade.”

Mas há protestantes modernos que sustentam a teoria chamada


. Este nome se deriva do verbo grego que quer
dizer aniquilar, esvaziar. Baseando-se nos seguintes textos: Jesus
Cristo que, sendo rico, se fez por vosso amor (2ª Coríntios
VIII-9) Ele se , tomando a natureza de servo,
fazendo-se semelhante aos homens (Filipenses II-7), estes
protestantes acham que o Verbo na sua Encarnação se despojou
dos divinos atributos, principalmente de seu infinito poder e de sua
onisciência para melhor assumir as nossas próprias enfermidades e
assim só depois da ressurreição é que veio a ter consciência de sua
divindade. É a escola quenótica de Thomasius e Gess na
Alemanha; Godet e Pressensé na Suíça e na França; Goodwin e
Howard Crosby na América do Norte.

Há outros, como Martensen, Gore, Dorner etc, que seguem um


Quenoticismo mitigado, afirmando que pelo menos habitualmente o
Verbo suspendia o exercício dos atributos divinos, principalmente do
poder e da onisciência, de modo que chegou a perder algumas
vezes a consciência de sua natureza divina.

Isto mostra que até os dogmas admitidos pela Igreja estão sujeitos a
empalidecer e a desfigurar-se nas mãos dos hereges.

Em que consiste a salvação.

227. Todas as doutrinas da Igreja têm íntima relação e nexo lógico


entre si. A divindade de Jesus Cristo tem relação muito íntima com a
doutrina da salvação. O Verbo se fez carne, Jesus era Verdadeiro
Deus e Verdadeiro Homem, para poder sofrer por nós e ao mesmo
tempo oferecer a Deus uma expiação de valor infinito, a qual sendo
Ele um simples homem ou pelo menos sendo um anjo, mas em todo
caso simples criatura, não podia oferecer. E para ser completamente
satisfatória a reparação, tinha que ser de valor infinito, porque o
pecado, sendo ofensa a Deus Infinitamente Bom e Digno de todo o
amor, é ofensa infinita por sua natureza.

Lutero, Calvino, Zuínglio e Melanchton criam na divindade de Cristo,


porque sabiam que negá-la era arrancar a Jesus o título de
Salvador. Mas, se eles pregavam o livre exame, não podiam impor
aos outros a sua mesma crença. E o resultado é que, com o direito
de negar a divindade de Cristo, os protestantes ficaram também
com o direito de destruir toda a noção cristã sobre a salvação.
Para os Socinianos, os Unitários e os Protestantes Liberais, Cristo
nos salvou somente pela sua magnífica pregação, ensinando-nos o
verdadeiro caminho de Deus, e pelo exemplo extraordinário de suas
grandes virtudes. Não reconhecem nenhum valor expiatório na
morte de Cristo.

De modo que os protestantes que tanto falam em Jesus Cristo e na


sua morte redentora, como se isto valesse como arma contra a
Igreja Católica, têm que reconhecer que há no seu seio muitos
adeptos espalhando no mundo doutrinas que consistem em
despojar a Jesus Cristo de sua divindade e de sua missão
salvadora, ao contrário da Igreja Católica que sempre ensinou
contra os hereges que Jesus Cristo é Deus e que Ele ofereceu ao
Eterno Pai um superabundante resgate para a nossa salvação.

A graça.

228. Negando a divindade de Cristo, o valor expiatório do sacrifício


da cruz, caem estes Socinianos, Unitários e Protestantes Liberais
num verdadeiro naturalismo, negando a verdadeira noção da graça,
que para eles deixa de ser um dom sobrenatural, deixa de ser
mesmo uma força interior que ajuda o homem, para ser apenas um
estímulo externo, o estímulo que nos vem quando ouvimos sábias
palavras de exortação ou quando somos edificados por um belo
exemplo de virtude. E foi apenas este estímulo que Jesus veio
trazer ao mundo, segundo eles, de modo que a salvação é operada
pelo homem entregue às suas forças naturais. O contraste é bem
chocante com a maioria dos protestantes que vão ao extremo
oposto, considerando a salvação como efeito exclusivo da ,
não influindo nela de forma alguma as obras de cada um.

A fé e as obras.

229. Lutero e os Primeiros Reformadores ensinavam a salvação


, nela não influindo as boas obras; ensinavam que para a
justificação o arrependimento não era necessário.

Os Luteranos de hoje e muitas outras seitas protestantes continuam


a ensinar a salvação só pela fé, mas, ao contrário de Lutero, exigem
também o arrependimento.

Entretanto, esta teoria da salvação tem tido, entre os


protestantes, muitos opositores.

O primeiro a discordar de Lutero neste ponto foi o seu


contemporâneo e amigo Melanchton que, embora a princípio
sustentasse os princípios luteranos de negação do livre arbítrio e de
justificação só pela fé, depois seguiu doutrina bem diversa. Na
segunda edição de seus “Lugares comuns de Teologia”, feita em
1535, Melanchton afirma bem claramente a liberdade humana e
ensina que as causas que produzem a justificação são 3: “o Verbo,
o Espírito Santo e a vontade do homem, não porém ociosa, mas
lutando contra a própria enfermidade.” E em 1536, no Comentário
sobre o Evangelho de S. João diz que as boas obras são condição
necessária para a justificação. Esta doutrina foi chamada
( = ; = ) doutrina da justificação pela
fé juntamente com as obras, que ele ensinou até o fim de sua vida.

Discordam igualmente os Quacres, pois segundo as palavras de


Barclay, um dos teólogos do quacrismo: “Não podemos excluir da
justificação as boas obras, porque embora não sejamos justificados
delas, contudo somos justificados e assim são
necessárias como causa .” (Theologiae vere
christianae apologia Londres 1729 I pág. 167) [31].

Discordam também os Arminianos, pois o Arminianismo foi um


movimento que surgiu no seio da Reforma como uma séria reação
contra a tese calvinista da predestinação de uns para o Céu e de
outros para o inferno; para argumentarem com lógica contra este
sistema, os arminianos tiveram que admitir o livre arbítrio, a tese de
que a graça não violenta a liberdade e
.

Outros que discordam são os Socinianos, segundo os quais a


justificação é o ato pelo qual Deus na sua misericórdia absolve do
pecado o homem que crê em Jesus Cristo e observa os seus
mandamentos, sendo a fé justificante uma obediência a Deus em
todos os seus preceitos, mas os Socinianos já não admitem, como
os Quacres e os legítimos Arminianos, o influxo sobrenatural da
graça.

Discordam também os Svedenborgianos, que igualmente ensinam a


necessidade das boas obras, pois Svedenborg se mostrou, nos
seus escritos, um ferrenho e pertinaz adversário da justificação só
pela fé.

Outros opositores, embora não o queiram dizer abertamente, são os


Adventistas do 7º Dia, que têm tomado assim uma posição sui
generis. Pregam a justificação pela fé mais ou menos no mesmo
estilo das outras seitas reformadas, mas também apresentam a
observância dos mandamentos como condição indispensável para a
salvação. No final da lição 11ª do Curso por Correspondência da
Voz da Profecia intitulada: O Fim do Conflito — a Paz para todo o
sempre — assim se faz um apelo ao aluno: “Uma vez que só haverá
duas classes de pessoas por ocasião da volta de Cristo: os que Lhe
forem obedientes, que serão redimidos, e os desobedientes que
sofrerão a condenação, está disposto a seguir, cada dia, os
mandamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo para que naquele dia,
esteja figurando entre os redimidos?”

Na Lição 15ª intitulada Os Três Passos para o Céu, ensina a Voz da


Profecia: “Não se poderia pregar uma doutrina que mais desonre a
Deus do que a de que o sacrifício propiciatório de Cristo haja livrado
a humanidade de guardar a lei moral de Deus... O crente não pode
permanecer justificado, se voluntária e persistentemente viola
qualquer um dos Dez Mandamentos.” E na Lição 16ª intitulada
Existe uma Norma Segura de Justiça? — “A suposta fé em Jesus
sem a obediência aos preceitos divinos, não salvará a ninguém.”

Mesmo entre os que admitem a justificação só pela fé, há


divergências. Uma é se aquele que crê em Cristo é logo salvo
definitivamente com certeza absoluta, ou ainda pode perder-se.
Enquanto os Batistas, por exemplo, defendem a tese da salvação
, adquirida pelo crente, entre os dez artigos formulados pelo
bispo metodista J. H. Vincent e que resumem a doutrina comumente
aceita pelos metodistas a respeito da graça, figura este, que é o Art.
10º: “Creio que todos os que perseveram até o fim e só estes serão
salvos no Céu eternamente.” Entre os protestantes que admitem a
possibilidade de perder-se ainda aquele que crê estão, portanto, os
Metodistas. “Podemos extinguir o Espírito e cair da graça, mas o
nosso divino destino é o perfeito amor e a santidade na vida” — diz
o folheto , editado pela Junta Geral
da Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil.

A outra divergência é sobre o próprio conceito da palavra : para


os Glassitas e Sandomianos, a fé é simples adesão às verdades
reveladas; para muitos outros, a fé é a confiança, a firme convicção
de que já se está salvo pelo sangue purificador de Jesus Cristo.

Notas (pular)

[31] Vê-se ai bem claramente a manha do protestante que, mesmo quando


concorda com a Igreja Católica, não quer dar o braço a torcer. O próprio
Jesus, na descrição do juízo final, nos apresenta a salvação concedida
das boas obras (Mateus XXV-34 e 35); e como já explicamos (nº 33), a
doutrina católica é que, se estas boas obras podem merecer a vida eterna,
não é senão porque são sobrenaturalizadas pela graça de Deus: Sem mim
não podeis fazer nada (João XV-5). (voltar)

A imortalidade da alma.
230. Mas não é somente sobre estes dogmas referentes a Deus e a
Jesus Cristo, à graça e à justificação que os protestantes discutem
entre si. E também sobre outro ponto de suma importância, sobre
uma verdade que era admitida, até mesmo, por todos os povos
pagãos: a imortalidade da nossa alma.

Há alguns protestantes que negam ser a nossa alma imortal por sua
natureza; não admitem que ela, depois da morte, continue a viver e
operar separada do seu corpo. Não negam a imortalidade da alma,
é verdade, da mesma forma que a negam os materialistas os quais,
não crendo na existência de Deus, nem na possibilidade da
ressurreição da carne, acham que toda e qualquer pessoa, depois
da morte, desaparece por completo. Para esses protestantes a
coisa é diferente: os maus, os que não se salvam vão afinal um dia
desaparecer por completo, não terão uma duração eterna, porque
serão aniquilados. Mas os que se salvam, estes receberão de Deus
o privilégio da imortalidade, de modo que estas almas humanas, que
por sua natureza não são imortais, vão adquirir a imortalidade,
porque Jesus as vai ressuscitar para viverem eternamente. Esta
doutrina já era ensinada pelos Socinianos, os quais procuram
argumentar dizendo que a vida eterna era desconhecida no Antigo
Testamento e que antes de Cristo havia somente uma vaga
esperança de felicidade eterna, mas sem haver nenhuma promessa
positiva neste sentido. Esta promessa, Cristo a veio trazer para os
que creem nEle e assim O vão imitar na sua ressurreição, enquanto
os que não creem são juntamente com os demônios votados ao
aniquilamento.

Juntam-se aos Socinianos para negar que todo homem tem alma
imortal e para afirmar que a imortalidade da alma é apenas um dom
concedido por Deus somente àqueles a quem Ele quer
recompensar, duas seitas protestantes modernas e muito
propagadas: os Testemunhas de Jeová e os Adventistas do Sétimo
Dia, que assim entram em viva discussão com outras seitas sobre
mais um ponto fundamental e que nos interessa mui de perto.
Tanto os Testemunhas de Jeová como os Adventistas ensinam que
atualmente não há nenhuma criatura humana, nem no Céu, nem no
Inferno, nem no Purgatório, mas todas as almas ficam até o dia de
juízo em estado de completa inatividade e inconsciência. (Tal erro,
aliás, não é novidade no Protestantismo; já havia sido ensinado no
princípio por muitos Anabatistas). A diferença que há entre as duas
doutrinas é que, para os Adventistas do Sétimo Dia os maus serão
despertados do seu estado de inconsciência para serem julgados e
condenados ao fogo que os destruirá, os aniquilará, juntamente com
Satanás que também será destruído; para os Testemunhas de
Jeová os maus que são em geral os religionistas que creem na
SSma Trindade e na imortalidade da alma (!!!) despertando de sua
inconsciência terão facilidade de alcançar a salvação,
principalmente porque Satanás estará preso; os que, porém, se
mostrarem incorrigíveis serão aniquilados na batalha final de
Harmagedon.

Quanto aos salvos, tanto na doutrina dos Testemunhas de Jeová,


como na dos Adventistas do Sétimo Dia, no fim do mundo é que
receberão o dom da imortalidade e vão ser felizes eternamente, sob
os novos céus e na nova terra que Deus há de formar, onde não
haverá mais dor, nem lágrimas, nem morte, nem sofrimento, nem
enfermidade. E assim entramos noutro assunto em que estas duas
seitas diferem bastante das outras seitas reformadas: em vez de
admitirem uma felicidade eterna, lá no C , com a visão beatífica,
em que seremos como os anjos de Deus (Mateus XXII-30), eles
anunciam , numa terra nova, transformada em jardim
de delícias para o homem. Sendo que os Testemunhas de Jeová
abrem exceção neste ponto para 144.000 eleitos que serão
ressuscitados como verdadeiros anjos; os outros salvos serão
felizes eternamente na terra, tal qual como ensinam para todos os
salvos os Adventistas.

A existência do inferno. A predestinação.


231. É claro que esta teoria do aniquilamento acarreta
necessariamente a negação da existência do inferno, tantas vezes
ensinada claramente por Jesus Cristo no Evangelho. Mas há uma
tendência acentuada em muita gente para não querer aceitar esta
doutrina da eternidade das penas; e com o livre exame, com a
facilidade que ele traz de torcer os textos bíblicos, não poderia
deixar de haver seitas protestantes que negassem a existência do
inferno, por maior que seja a clareza da Bíblia neste particular (veja-
se por exemplo: Marcos IX-42 a 47).

Assim não são somente os Socinianos, Testemunhas de Jeová e


Adventistas do 7º Dia, adversários da tese da imortalidade da alma,
que negam a existência do inferno. É negada também pelos
Universalistas, os quais aceitam a imortalidade da alma, mas
afirmam que, no final das contas, todos irão para o Céu, havendo
um castigo no fogo, porém castigo que tem o seu fim, e depois
finalmente todos conseguirão a felicidade eterna.

É a doutrina do Evangelho falseada para assim acomodar-se aos


desejos humanos. O inferno é por eles transformado num
purgatório, mas purgatório mesmo para os maus, ímpios e
perversos. Acompanham aos Universalistas neste ponto, admitindo
a regeneração dos maus depois da morte, muitos
Congregacionalistas, alguns Anglicanos e os Protestantes Liberais
em geral.

Diante desta acesa disputa entre os seus colegas protestantes, os


Valdenses [32] se põem do lado de fora e não querem intrometer-se
na. questão. Deixam aos seus adeptos a liberdade para escolherem
uma das 3 doutrinas a respeito do castigo dos maus: ou o fogo
eterno; ou o aniquilamento; ou um castigo temporário, indo todos
depois para o Céu.

Não se pense, porém, que o grosso dos protestantes, os que


admitem um verdadeiro Céu e um verdadeiro inferno, estejam livres
de discutirem entre si. Há entre eles uma acerba controvérsia a
respeito da predestinação.

É a célebre discussão entre Calvinistas e Arminianos.

Os Calvinistas ensinam que Deus por um decreto irrevogável e


inflexível de sua vontade, destina uns para a felicidade eterna e
outros para a eterna condenação. Esta doutrina vem atingir também
o conceito de salvação, pois afirma que Cristo não morreu por
todos, mas só pelos eleitos, pelos predestinados; em sua eleição
Deus não leva em conta nem a fé, nem a conversão, mas procede
unicamente segundo seu livre arbítrio e prazer.

A esta doutrina se opõe o protestante holandês Armínio, afirmando


que “Deus pelo mesmo decreto quer que sejam felizes em Cristo
todos os que nEle creem, e que perseverem na fé até o fim e só
condenará aos não-convertidos e não-crentes... que Cristo morreu
por todos e que os crentes só são eleitos enquanto gozaram do
perdão dos pecados... que nenhum homem tem a fé salvadora em si
mesmo ou por sua livre vontade se vive em pecado, mas é
necessário nascer de novo para Deus em Cristo por meio do
Espírito Santo e renovar-se no entendimento e na vontade, uma vez
que sem a graça o homem não pode resistir ao pecado, como
também pode resistir à graça.”

Como se vê, a questão se prende a outra também discutida entre os


protestantes, isto é, se o homem é livre ou não é; os primeiros
chefes reformadores Lutero, Calvino, Zuínglio etc, que negavam o
livre arbítrio eram partidários da predestinação de uns para o Céu e
outros para o inferno; ao passo que é nas fileiras dos que admitem a
liberdade humana, que se vão recrutar os Arminianos, o que não
impede que destas fileiras surjam também partidários da teoria
calvinista. A divisão existe em várias seitas protestantes neste
assunto de predestinação, como por exemplo há Metodistas
Calvinistas (que seguem a Whitefield) e há Metodistas Arminianos
(que seguem a Wesley). Entre os Batistas há também esta divisão:
Batistas Calvinistas e Batistas Arminianos. Os Presbiterianos
seguem a doutrina de Calvino, mas alguns deles também discordam
de sua seita neste particular. No meio desta barafunda surgem,
como vimos, os Universalistas para afirmar que todos são
predestinados para o Céu.

Notas (pular)

[32] Temos toda razão em incluir entre as seitas protestantes os Valdenses,


fundados por Pedro Valdo, no século XIII, porque eles solenemente aderiram
ao Protestantismo, no ano de 1532, quando aceitaram as doutrinas
calvinistas, passando a considerar-se como uma seita reformada; depois
rejeitaram o predestinacionismo de Calvino e passaram a adotar a Confissão
de Augsburgo, sempre, portanto, na doutrina protestante. Agora que estão
enquadrados no Protestantismo, os Valdenses já não têm exatamente a
mesma doutrina primitiva; já não admitem 7 sacramentos, como admitiam
outrora, nem consideram mais a prática da pobreza como necessária para a
salvação, etc. (voltar)

O purgatório.

232. A existência do purgatório, que foi a princípio admitida por


Martinho Lutero para ser depois negada pelo mesmo e sobre a qual
Melanchton sempre permaneceu indeciso, embora seja negada hoje
pela grande maioria dos protestantes, encontra defensores em
alguns Metodistas modernos, os quais afirmam haver, depois da
morte, um estado intermediário de purificação, não para os fiéis,
mas para aqueles que nunca ouviram falar de Cristo.

Vão mais adiante alguns Luteranos, admitindo o purgatório mesmo


para os fiéis e estão baseados em que, como diz o protestante
alemão Dr. Karl von Hase: “a maior parte dos moribundos são bons
demais para o inferno, porém ruins demais para o céu” (Handbuch
der protest. Polemik 385). Discordam da doutrina de que o castigo
no purgatório seja verdadeiro fogo, o que, aliás, embora seja a
opinião comum dos teólogos católicos, contudo não é de fé definida;
discordam também da ideia de que possam estas almas que se
estão purificando no outro mundo ser ajudadas pelas nossas
orações e sufrágios. Já pensam de maneira diferente muitos
membros da Igreja Protestante Episcopaliana, os quais não só
admitem a existência do purgatório, mas possuem uma associação
especial destinada a fomentar “a oração de intercessão para os
moribundos e para o descanso das almas dos sócios e de todos os
fiéis defuntos” e assim se mostram inteiramente de acordo com a
doutrina católica.

Sacramentos.

233. A Igreja chama Sacramento “um sinal sensível instituído por


Nosso Senhor Jesus Cristo para significar e conferir a graça”.
Conferir, é claro, no sentido de dar, transmitir. Esta graça pode ser a
graça primeira como no Batismo e na Penitência; ou um aumento de
graça como nos outros: Eucaristia, Confirmação, Extrema-Unção,
Ordem e Matrimônio.

Entre os protestantes reina uma grande confusão sobre este


assunto.

Hoje já há protestantes que admitem os 7 Sacramentos exatamente


como a Igreja ensina e dando-lhes o mesmo significado: são muitos
Ritualistas na Inglaterra.

Fora destes, os protestantes admitem um número menor de


sacramentos, variando as opiniões a respeito deste número, como
veremos.

Mas antes disto já há discussão, no Protestantismo, a respeito da


de sacramento. Os Luteranos, por exemplo, admitem a
doutrina católica de que o Sacramento confere a graça. Vejamos o
que diz nas páginas 48 e 49, o Breve Guia do Cristão, publicado
pelo Sínodo Evangélico Luterano do Brasil, em 1953: “Sacramento
quer dizer função ou ato sagrado, instituído por Deus, no qual,
mediante determinados meios externos, ligados com a Palavra de
Deus (água no Batismo e pão e vinho na Santa Ceia) nos oferece,
dá e sela a sua graça adquirida por Cristo. Os Sacramentos são
portanto meios da graça, mediante os quais Deus nos oferece a sua
graça e a remissão dos pecados, adquiridas por Cristo ao realizar a
nossa redenção e no-las apropria.” Insurgem-se contra esta noção
muitos outros protestantes (entre os quais os Batistas) afirmando
que os chamados comumente sacramentos, como p. ex. o Batismo
e a Ceia, não conferem graça alguma, a graça o crente já tem pela
fé; servem, apenas, como um testemunho desta mesma fé.

Mesmo, porém, que se considerem os Sacramentos como


C , há
grande diversidade entre os protestantes.

Os Anglicanos admitem como , com cerimônias e orações


especiais, a Confirmação, a Ordem, o Matrimônio, a Unção dos
enfermos, além do Batismo e da Ceia que eles chamam
.

Os Svedenborgianos admitem o Rito da Confirmação; pois


administram o batismo às crianças e depois lhes impõem as mãos,
quando chegam ao uso da razão. Isto coincide com a primeira
participação da Ceia do Senhor.

Os Irmãos Primitivos, chamados também Tunkers, de uma palavra


alemã que quer dizer , administram a Confirmação
logo após o Batismo: o batizando se ajoelha dentro d’água, é
mergulhado 3 vezes e imediatamente o ministro lhe impõe as mãos
e faz preces por ele.

Os Luteranos Legítimos [33], além do Batismo e da Ceia, que


consideram como sacramentos, admitem ritos religiosos da
Confirmação, da Ordem e da Confissão. A respeito desta última, os
Luteranos admitem duas espécies de confissões: a geral e a
privada. Na Confissão geral, os fiéis recitam uma fórmula em
conjunto e o ministro, autorizado pela congregação, .
Vejamos o que diz o catecismo luterano Breve Guia do Cristão na
página 56: “Que é absolvição? Declarar o pecador penitente livre do
pecado, dizendo-lhe: Eu te perdoo todos os teus pecados! A
absolvição é pronunciada pelo ministro de Cristo, chamado e
autorizado pela congregação cristã para tal fim. Deus delegou esse
poder à congregação cristã e esta o delega ao seu pastor, a fim de o
exercer publicamente por ela, para que na Igreja de Deus tudo se
faça com ordem e decência.” Além da confissão geral, admitem
também a confissão privada, secreta, auricular, que faz o fiel ao seu
pastor, mas confissão esta facultativa e não obrigatória: “O crente
luterano pode ser confortado, procurando seu pastor particularmente
e expondo-lhe o seu caso de consciência, para que na qualidade de
ministro de Cristo o absolva individualmente, para maior conforto
seu” (Breve Guia do Cristão pág. 57).

Os Pentecostais admitem só o Batismo e a Ceia; mas fazem


distinção entre o batismo de água e o Batismo do Espírito Santo,
sendo este último evidenciado pela glossolalia ou dom de falar
línguas estranhas, como fizeram os Apóstolos no dia da
Pentecostes (embora na realidade chamem a
simples capacidade de emitir sons incompreensíveis); este batismo
costuma vir acompanhado de extravagâncias e crises nervosas e
neste ponto os Pentecostais são justamente condenados e
ridicularizados pelas outras seitas.

Os Menonitas celebram duas vezes por ano a Ceia do Senhor,


fazendo-a preceder do Lavatório dos pés, o qual consideram
obrigatório e admitem, além do Batismo, a unção com óleo aos
enfermos que a peçam com fé. Admite também a unção com óleo
aos enfermos, a Igreja Irmã ou Dunkers Progressivos, fundada na
Convenção de Dayton Ohio, em 1883, a qual afirma que todo cristão
tem como dever e privilégio observar os mandamentos de Nosso
Senhor Jesus Cristo, entre os quais se acham o Batismo dos
crentes, com a imersão trina e una; a Confirmação, a Ceia do
Senhor, a comunhão do pão e do vinho, o Lavatório dos pés dos
santos; a Unção com óleo aos enfermos.
Os Irvingianos admitem o Batismo, a Ceia e a Ordem.

Notas (pular)

[33] Chamamos Luteranos Legítimos os que conservam mais fielmente a


doutrina do seu mestre, porque o luteranismo, como todas as grandes seitas
protestantes, está bastante subdividido e há, portanto, grande divergência
entre as próprias seitas que se denominam Luteranas. (voltar)

O Batismo. A pregação.

234. Enquanto há tantas seitas protestantes que assim admitem


outras cerimônias, outros ritos além do Batismo e da Ceia, há um
grande número de seitas que não admitem, fora destes dois,
nenhum rito religioso.

E há também seitas protestantes que não admitem nenhum rito:


nem Batismo, nem Ceia, nem coisa alguma. São os Quacres e os
Salvacionistas ou Exército de Salvação, por exemplo. Alegam os
Quacres que com aquela palavra de S. João Batista de que ele
batizava em água, mas Jesus Cristo havia de batizar no Espírito
Santo e no fogo, se mostra a abolição do batismo de água; que o
tempo das figuras já passou; e que a profissão de fé em Cristo e a
santidade de vida são melhores sinais de cristianismo do que
qualquer ablução exterior. Aliás, esta seita se distingue
perfeitamente de todas as outras seitas protestantes pela ausência
completa, não só de qualquer rito, mas de qualquer demonstração
exterior nas suas reuniões. Não há nenhuma cerimônia. Não há
pregadores escalados, uma vez que não há, entre eles o ministério
da pregação. Os Quacres acusam a pregação de se ter tornado
uma ciência, uma arte, um ofício como outro qualquer; aprende-se a
pregar como se aprende a advogar, a fazer discursos acadêmicos, a
representar no teatro; isto serve para satisfazer à vaidade, e muitas
vezes tais doutores se encarregam mesmo de desmentir seus
próprios discursos com sua maneira de proceder; o resultado é que
se produz nas almas a frieza, a secura, a esterilidade e a morte,
quando a palavra evangélica deve ser antes de tudo a espontânea
expansão da inspiração divina. Esta é a linguagem dos Quacres
sobre os pregadores, a qual podemos confrontar com o que fazem
as outras seitas protestantes. Como remédio a estes males que
denunciam, o que fazem os Quacres? Dão o direito a qualquer fiel,
velho ou moço, sábio ou ignorante, homem ou mulher, de pregar e
glorificar publicamente a Deus na assembleia cristã, desde que
receba a inspiração divina. Reúnem-se todos, concentram-se no
mais absoluto silêncio e esperam que surja , o toque
do Espírito Santo, a inspiração do Céu; aí então o que a recebeu
toma a palavra para edificação de seus irmãos. Não aparecendo
esta moção, se conservam em silêncio até o fim. E assim, em vez
de todos aqueles inconvenientes que enxergam na pregação, se
sujeitam a outro muito maior do que todos eles reunidos: a liberdade
de cada um dizer os maiores disparates, atribuindo-os ridiculamente
à inspiração do Divino Espírito Santo.

Mas, voltando ao Batismo, mesmo os protestantes que o admitem


discutem em muitos pontos.

É velha a discussão que há entre eles sobre o batismo das crianças,


ou seja, se devem as crianças ser batizadas ou só os adultos; a
discussão já vem dos tempos de Lutero e de Calvino e perdura até o
dia de hoje.

Aparecida a Reforma, surge a seita dos Anabatistas que em vista da


teoria protestante da justificação só pela fé, condena o batismo dos
meninos como ilógico, ilícito e sem valor, porque o menino não
tendo o uso da razão não tem a fé, portanto não tem as disposições
necessárias para o batismo. Além disto, não admitindo a
transmissão do pecado original tal qual como admite a Igreja
Católica, não veem motivo para batizar as crianças. Mas contra os
Anabatistas se insurgem Lutero, dizendo que o Batismo é para
todos; Zuínglio, segundo o qual o Batismo não é necessário para a
salvação, nem para remissão do pecado original, mas é preciso
ministrá-lo a todos, porque é a circuncisão nova, indispensável
como era a antiga, pois é por meio dela que o homem se introduz no
seio do povo de Deus; Calvino, afirmando que o filho dos fiéis já é
santificado desde o nascimento pois Deus prometeu abençoar a
raça dos fiéis, mas é preciso conferir o sacramento ao menino,
porque Deus o quer, o rito exterior introduzirá o menino na Igreja,
confirmará a fé dos pais, tornará o pequeno mais caro à
comunidade cristã, e assegurará sua educação religiosa.

E ainda continua acesa a discussão. Só batizam os adultos, por


exemplo: os Batistas, os Menonitas, os Pentecostais, os Adventistas
do 7º Dia. Batizam também as crianças: os Luteranos Legítimos, os
Metodistas, os Irmãos Unidos em Cristo, os Svedenborgianos, os
Presbiterianos e os Anglicanos em geral.

Outra discussão que há entre os protestantes é no que diz respeito


à validade do Batismo por infusão. Uns dizem que só é válido o
batismo por imersão, como por exemplo: os Batistas, os Adventistas
do Sétimo Dia, os Pentecostais. Dentre os partidários da imersão
alguns até exigem 3 imersões, como a seita dos Irmãos Primitivos.

Outros, porém, discordam, admitindo a validade do batismo por


infusão, como os Menonitas e os Luteranos por exemplo. Os
Metodistas batizam as crianças por infusão, deixando aos adultos
escolher a forma em que querem ser batizados.

Uma terceira discussão que há entre os protestantes é se se devem


rebatizar os que já foram batizados em outras seitas cristãs.

E como nota extravagante nesta matéria de batismo, está o batismo


dos defuntos por procuração de que já falamos (nº 221), o qual é
posto em prática, não só pelos Mormões [34], mas também pela
Igreja Neo-apostólica.

Notas (pular)
[34] Não temos os Mormões na conta de protestantes, uma vez que a sua
primeira confissão de fé, redigida pelo fundador José Smith, reza assim:
“Cremos que a Bíblia é a palavra de Deus em tudo o que se conforma com o
original inspirado e também que é palavra de Deus o Livro de Mórmon.” Ora,
isto é contrário ao espírito do Protestantismo, o qual não admite outra regra
de fé além da Bíblia. Se, porém houver Mormões que recusem reconhecer
esta autoridade absoluta no Livro de Mórmon, já não há motivo mais para
deixarem de ser considerados protestantes. Fazem a interpretação da Bíblia
como o fazem as seitas reformadas. Dizendo que o batismo por procuração é
igualmente praticado pela Igreja Neo-apostólica, mostramos que este erro
existe também dentro do Protestantismo.

Quanto aos Adventistas do 7º Dia, não vemos motivo para que não sejam
considerados como protestantes, uma vez que eles ensinam bem claramente
que “para chegar a conhecer com segurança a verdade devemos provar todo
conceito pelas Escrituras” (lição 6ª do Curso por Correspondência da Voz da
Profecia). Se eles prestam muita atenção ao que escreveu a Sra. Helena G.
White, o mesmo se dá com outras seitas protestantes que têm também os
seus mentores e que prestam muita atenção ao que lhes ensinaram Lutero,
Calvino, Svedenborg, Jorge Fox, Campbell etc. (voltar)

A Eucaristia.

235. Logo nos inícios da Reforma houve, no seio dela, uma acerba
discussão a respeito da presença real de Jesus Cristo na Eucaristia.
Defendia esta presença real Martinho Lutero, embora discordando
também da doutrina católica sobre a transubstanciação. Em vez de
admitir com os católicos que a substância do pão se converte na
substância do corpo de Cristo, ensinava a permanência das 2
substâncias, ou seja, a consubstanciação. Bem como limitava esta
presença só ao momento da comunhão, uma vez que não admitia o
Santo Sacrifício da Missa. Contra ele se insurgiu, entre outros,
Zuínglio afirmando que na Eucaristia não há mais que pão e vinho e
ela vem a ser um memorial da Paixão de Jesus e nada mais.
Calvino procurou colocar-se no meio termo entre um e outro,
afirmando que Cristo está presente na Eucaristia, não realmente,
mas virtualmente, isto é, no momento da comunhão desce do
verdadeiro corpo de Cristo que está no Céu uma certa força
espiritual para aqueles que comungam.

Entre os Anglicanos: uns seguem a teoria calvinista; outros, a teoria


luterana; outros vão mais além, se aproximam muito mais da
doutrina católica, porque admitem a presença real de Jesus Cristo
como os Luteranos, porém não só no momento da comunhão, pois
conservam a Eucaristia para levá-la aos enfermos, para adorá-la e
para dar a bênção do SSmo, só não admitindo a teoria da
transubstanciação, a qual eles rejeitam (ou então não falam neste
assunto); há outros enfim que admitem totalmente a doutrina
católica sobre a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia,
inclusive a teoria da transubstanciação. É que há no seio do
Anglicanismo, um movimento de acentuada aproximação com o
Catolicismo, movimento este iniciado pelos Puseístas e intensificado
pelos Ritualistas. Os Ritualistas são protestantes; são homens que
surgem do seio do Protestantismo, da seita anglicana; praticam o
livre exame, pois não se submetem em alguns pontos ao ensino
tradicional da Igreja, rejeitam alguns dogmas católicos, não
reconhecem a jurisdição do Romano Pontífice e há mesmo
divergência entre eles. Mas, cansados de ver tanta controvérsia,
tanta confusão nas seitas protestantes que proliferam na Inglaterra e
isto devido à impotência dos Bispos anglicanos para reprimirem os
erros, diante disto, espontaneamente, levados por um certo amor à
unidade, vão admitindo não só muitas doutrinas, mas também
muitos ritos da Igreja Católica, de modo que admitem a Missa, tal
qual a concebe o Catolicismo, como verdadeiro e real sacrifício,
continuação do sacrifício da Cruz e até com todas as cerimônias e
paramentos que a Igreja usa. Como se vê, a variedade é muito
grande no seio do Protestantismo.

A grande maioria das seitas não admite a doutrina de Lutero, nem a


de Calvino, mas a de Zuínglio; consideram a Ceia uma mera
distribuição de pão e de vinho, para lembrar a Paixão do Senhor (!)
e nada mais.
Mas, ainda mesmo entre estes que assim opinam, não deixa de
haver uma pequena discordância: discutem os protestantes se esta
“Ceia do Senhor” deve ser administrada só aos adeptos de sua
seita, ou se também se devem admitir os de outra denominação,
tornando-se assim não só uma lembrança da Paixão do Salvador,
mas também um meio de confraternização entre as várias igrejas
cristãs. Os Batistas são da primeira opinião, por exemplo; ao passo
que os Presbiterianos são da segunda. A seita dos Irmãos se divide
em dois ramos: os Irmãos Abertos, que aceitam também os outros
protestantes na sua ceia; e os Irmãos Fechados, que não os
admitem.

O Matrimônio.

236. Há controvérsia entre os protestantes a respeito da


indissolubilidade do matrimônio. Há uns que seguem neste ponto a
doutrina católica, não admitindo o divórcio em hipótese alguma,
como são por exemplo os Quacres e os Irvingianos. Outros admitem
o divórcio, mas só em caso de adultério, como os Menonitas.
Outros, em caso de adultério e em caso de abandono voluntário que
não possa ser remediado nem pela Igreja, nem pelas autoridades
civis, como ensinam muitos Presbiterianos. Outros, mesmo em
alguns casos fora destes, como são, por exemplo, muitos
Anglicanos.

Sábado e Domingo. Adventismo.

237. Divergem os protestantes também sobre o dia de descanso.


Uns descansam no sábado e outros no domingo. Fazem questão
cerrada da observância do sábado, tomando-a como um dos pontos
capitais de sua doutrina os Adventistas do 7º Dia, combatidos neste
particular pela grande maioria das outras seitas protestantes.

Dizemos um dos pontos capitais, porque o outro, que os Adventistas


pregam com muita insistência é vinda do Senhor, ou
seja, o próximo fim do mundo. Nisto são também contestados pelos
outros protestantes que alegam, e com razão, o texto de S. Marcos:
A respeito, porém, deste dia ou desta hora, ninguém sabe quando
há de ser, nem os anjos no céu, nem o Filho, mas só o Pai (Marcos
XIII-32). Aliás, os Adventistas do 7º Dia nasceram de um tremendo
fracasso: o de William Miller que, fazendo os seus cálculos, baseado
numa errônea interpretação do livro de Daniel (capítulos 2º e 8º)
anunciou aos quatro ventos nos Estados Unidos que o mundo se
acabaria infalivelmente no intervalo entre 27 de março de 1843 e 21
de março de 1844. Houve uma ansiosa expectativa, porque a
propaganda tinha sido tremenda; muitos até caíram na imprudência
de abandonar o cultivo dos campos: outros deram todos os seus
bens aos “infiéis” (isto é, aos que não acreditavam), a fim de ficarem
mais livres para seguirem o Esposo. E veio a decepção
acabrunhadora, porque se esgotou o prazo, passou o dia 21 de
março de 1844 e o mundo continuou a marchar da mesma forma.
Então Snow, um dos discípulos de Miller, observa, no meio da geral
consternação, que havia um engano nas contagens de seu mestre:
o fim do mundo seria com toda certeza no dia 22 de outubro do
mesmo ano. Subiram os Adventistas para os montes naquele dia
com suas vestimentas de festa para o encontro com Jesus, mas
desta vez foi mais uma nova e espetacular decepção. Não
desanimaram os adeptos de Miller; passaram a pregar que o fim do
mundo está bem próximo, mas sem se saber precisar quando será;
e como se vê, que o estão anunciando para
muito breve. E enquanto há entre os Adventistas esta ansiosa
expectativa em torno do fim do mundo, os Svedenborgianos pensam
de modo muito diferente: acham que o juízo final já se realizou no
ano de 1757, tendo sido presenciado pelo próprio Svedenborg...

Mas, voltando à questão do sábado, o próprio nome de Adventistas


do 7º Dia mostra que entre os mesmos Adventistas ou seja,
pregadores da proximidade do fim do mundo, há uns que são do 1º
Dia ou que descansam no domingo. Em outras seitas também há
partidários do sábado; entre os Batistas, por exemplo: há Batistas
do 7º Dia que descansam no sábado, ao contrário da maioria dos
Batistas, que têm o domingo como dia de descanso.

Dentre os protestantes que são partidários da observância do


sábado, surgiu uma seita bastante original: a dos Sabatistas da
Reforma Completa, os quais se julgam obrigados a observar muitas
outras coisas que eram preceituadas na lei de Moisés, por isto não
comem a carne de porco, nem a banha que dele procede, nem
aqueles animais que eram considerados impuros para os judeus,
não comem o sangue nem os animais sufocados, não rapam a
barba etc. Os outros protestantes se revoltam contra este regresso à
lei mosaica. Nada podem fazer, porém. Tudo isto faz parte do livre
exame. Estas proibições, eles as mostram na Bíblia... E a Bíblia
cada um interpreta a seu modo...

O culto dos santos.

238. É rejeitado em geral pelas seitas protestantes, menos pelos


Ritualistas que o admitem. Mesmo fora dos Ritualistas têm
aparecido protestantes ilustres como Grotius e Leibnitz (veja-se nº
374) que se têm mostrado favoráveis à intercessão dos santos.

A respeito da devoção a Maria SSma, apesar de encontrar tão


grande oposição em geral, por parte dos protestantes, surgem, entre
eles, preciosas confissões dos que sabem reconhecer as vantagens
deste culto. Assim diz o luterano Karl von Hase: “Nosso Juízo seria
mesquinho se tivéssemos em pouca estima esta devoção que no
tempo dos bárbaros estendeu seus luminosos raios sobre o sexo
feminino, apresentando à mulher um ideal sublime e amável e
recordando às virgens e às mães o honrar e imitar a Maria de
alguma maneira... Não negamos que o Filho Divino é honrado
também em sua Mãe, honra preciosa, tanto em sua singeleza
bíblica, como em sua glorificação na arte” (Handbook to the
Controversy with Rome, tradução de A. V. Streane. Londres 1909).
T. B. Thompson, ministro da seita dos Irmãos Plymutistas, escreve
em um artigo da revista Truth and Light (Verdade e Luz): “O amor e
a veneração à Virgem Maria constituem um capítulo importante no
culto católico. Não tenho dificuldade alguma em aprovar a atitude da
Igreja Católica para com a Mãe de Jesus. Além disto, não se pode
deixar de reconhecer que o culto da Virgem Maria dulcificou o
coração do mundo para com a mulher, contribuiu eficazmente para
dar à mulher o posto de honra que ora ocupa e colocou toda a Igreja
à sombra da santidade do lar. No respeito inculcado a Maria, a
Igreja Católica Romana nos apresenta a mais bela, a mais delicada
homenagem prestada à graça, à doçura e à beleza maternais.”

Entre as associações existentes na Igreja Protestante


Episcopaliana, fundada nos Estados Unidos em separação da Igreja
Anglicana, está uma que tem por título: “O Rosário de Nossa
Senhora e de S. Domingos” e que se destina a propagar a devoção
a Maria SSma e difundir entre os fiéis a recitação do Rosário.

Virgindade de Maria SSma.

239. Já que falamos em Maria SSma, surge também a questão de


sua virgindade. E neste ponto vemos que os protestantes divergem
entre si quanto ao interpretar a palavra de Isaías, citada por S.
Mateus: Eis que uma conceberá e um filho e
será chamado o seu nome Emanuel (Isaías VII-14), bem como a
expressão irmãos do Senhor (1ª Coríntios IX-5).

Que Maria SSma foi virgem antes do parto, quer-nos parecer que
todos estão de acordo.

Que Maria SSma foi virgem na hora do parto, uns afirmam e outros
negam. O nascimento virginal de Jesus Cristo, negado por muitos
protestantes, é considerado questão aberta, questão discutida, por
exemplo, pela Igreja Anglicana.
Mesmo entre os que admitem o nascimento virginal de Jesus há
outra controvérsia: se Maria SSma foi perpetuamente virgem. Os
protestantes se dividem em 3 correntes:

uns negam abertamente, dizendo que aqueles irmãos de Jesus de


que fala a Bíblia são outros tantos filhos que Maria SSma teria tido;

outros dizem que nada se sabe a respeito, que é assunto


controvertido;

outros finalmente abraçam sem nenhuma hesitação a doutrina


católica de que Maria SSma foi perpetuamente virgem.

E valiosa neste sentido a opinião do Dr. João Pearson, bispo


anglicano de Chester (no seu livro: Exposition of the Creed. Londres
1692 art. 3º pág. 172): “A questão não é a de saber se Jesus teve
irmãos, mas sim se a mãe de Jesus Cristo, Maria teve outros filhos
além de Jesus. Na língua hebraica a palavra compreende
não só a relação de verdadeira fraternidade, mas também a de
consanguinidade, ainda a mais remota. Por conseguinte, tendo a
Virgem Bem-aventurada consanguíneos remotos, estes eram
chamados irmãos do Senhor... Que Maria se conservasse sempre
virgem, se infere necessariamente do privilégio eminentíssimo e
sem igual de ser Mãe de Deus; da honra e reverência devida a tal
Filho e que Maria sempre Lhe tributou; do respeito ao Espírito Santo
que descera sobre ela, do poder do Altíssimo que a cobriu com a
sua sombra; e finalmente da piedade singular de seu esposo José.”

Outro testemunho insuspeito é o do Dr. Bull, também bispo


anglicano (On the due praise and honor of the Virgin — Londres.
1851 vol. IIº pág. 588) “Da dignidade da Beatíssima Virgem se
segue necessariamente que ela permaneceu sempre virgem, como
constantemente sustentou e defende a Igreja Católica. Seria
indecoroso imaginar que aquele vaso tão puro, consagrado
especialmente para santuário da Divindade, pudesse depois ser
profanado por um homem.”
As imagens.

240. É bem conhecido o horror que têm em geral os protestantes às


imagens sagradas, por eles consideradas como ídolos abomináveis.
Mas não conservam os Luteranos nas suas igrejas a imagem de
Jesus Crucificado? Não estão cheias de imagens as igrejas
anglicanas?

O pecado original.

241. Lutero afirmava que o pecado original consiste na depravação


total da natureza humana, principalmente na veemente
concupiscência que é invencível, pois na opinião dele não existe o
livre arbítrio; em consequência desta total depravação, todos os atos
do homem são necessariamente pecados e pecados mortais; só
deixando de condenar-nos, só se tornando veniais, quando nos é
imputada a justiça de Cristo.

Já não esposam integralmente estas ideias os Luteranos de hoje, os


quais admitem a transmissão do pecado original: “somos por
nascimento inimigos de Deus” (Breve Guia do Cristão pág. 32),
exageram também a depravação da nossa natureza: “No atual
estado de pecadores nenhum homem é capaz de cumprir os
mandamentos de Deus... Apenas o crente pode fazer boas obras”
(Breve Guia do Cristão págs. 22 e 34) Mas não admitem, como
Lutero, uma depravação total, absoluta, irremediável, de modo que
a justificação fosse apenas uma não-imputação meramente externa:
“O Espírito Santo nos ilumina, tira a nossa cegueira natural, nos
vivifica e nos torna amigos de Deus... É ainda o Espírito Santo quem
nos conserva a fé e nos dá a força para a santificação da nossa
vida” (Breve Guia do Cristão págs. 33 e 34).

Muitas seitas falam igualmente na transmissão do pecado original,


sendo muito comum entre os protestantes a tendência para
identificá-lo com a concupiscência. Há outras seitas, porém, que se
abstêm de falar sobre este assunto, não se dando ao trabalho de
explicar em que sentido todos pecaram em Adão (Romanos V-12 e
19).

E num chocante contraste com a doutrina de Lutero, os protestantes


Liberais chegam ao extremo oposto, afirmando que o pecado
original consistiu apenas no mau exemplo que Adão e Eva deixaram
para os seus descendentes. Mais longe ainda vão os
Svedenborgianos, que negam mais radicalmente o pecado original,
ensinando que a narrativa do Gênesis sobre Adão e Eva não é real,
mas simplesmente alegórica, pois Adão não foi o primeiro homem,
apenas Adão e Eva são tomados como símbolos para representar a
primeira Igreja que existiu no mundo e que foi a Igreja do antigo
Testamento antes do dilúvio.

Natureza e organização da Igreja.

242. Entre os protestantes há muitos que não pertencem a seita


alguma, porque achando, conforme a doutrina da Reforma, que o
homem se salva exclusivamente pela fé em Cristo e pelo
arrependimento, sem precisar para isto de nenhum sacramento nem
rito religioso, não reconhecendo nem mesmo a necessidade do
Batismo e admitindo a liberdade de cada um interpretar a sua Bíblia
dizem, como consequência lógica de tais princípios, que a Igreja
fundada por Cristo é uma I , que consta de fiéis, os
quais Deus é quem os conhece. Outros, ao contrário, admitem uma
I ; e é de ver como em geral, apesar das teorias da
Reforma, as seitas se organizam como verdadeiras sociedades,
admitindo e expulsando membros, recebendo pagamentos de
dízimos etc. Outros, enfim, fazem uma distinção entre a Igreja
visível constituída por aqueles que externamente professam a fé
cristã, e a Igreja invisível que é o conjunto dos santos e dos eleitos.

Entre aqueles mesmos que admitem a Igreja como sociedade


visível, há muita diversidade no que diz respeito ao seu governo e
organização.
Os Anglicanos têm como seu chefe o Rei ou a Rainha da Inglaterra.
Os Luteranos também tomam como chefe o rei ou o príncipe,
quando a Igreja está unida ao Estado; em caso contrário são
governados pelo Sínodo. Os Presbiterianos são governados pela
reunião dos presbíteros. Os Congregacionalistas põem o poder em
cada congregação dos fiéis, a qual é considerada independente. Há
protestantes Episcopalianos que reconhecem a autoridade de
bispos, superiores aos pastores comuns; outros que admitem
bispos, só com o poder de ordenar, como os Irmãos Moravos; outros
que têm somente pastores; outros até, como os Testemunhas de
Jeová, vivem chateando os demais protestantes com certos textos
da Bíblia (este por exemplo: O meu povo veio a ser um rebanho
perdido; os pastores deles os enganaram — Jeremias L-6) ou com o
capítulo 34 de Ezequiel, e tentando provar com isto que o título de
pastores é condenado por Deus. Pelo que dissemos dos Quacres já
se vê que eles não admitem pastores. Algumas seitas, entretanto,
têm não só pastores, mas também pastoras, pois concedem
também às mulheres o direito de pregar nos seus templos, como a
Igreja de Santidade dos Peregrinos e a seita denominada Coluna de
Fogo.

A Bíblia e sua inspiração.

243. Ora por um, ora por outro, vários livros da Bíblia, como
veremos mais adiante (nº 255) têm sido rejeitados por alguns chefes
da Reforma; e entre eles se contam por exemplo: a Epístola aos
Hebreus, a 2ª e a 3ª de João, a 2ª de Pedro, a Epístola de S. Tiago,
a de S. Judas e o Apocalipse. Muitos Protestantes Liberais rejeitam
a autenticidade do Evangelho de S. João.

E enquanto à inspiração da Bíblia, as opiniões também são


diversas.

Muitos protestantes antigos ensinavam que o Espírito Santo ditou a


Bíblia palavra por palavra, (e até quanto à pontuação, diziam
alguns), de modo que os escritores sacros não foram mais que
de que se serviu o Espírito Santo. Muitas seitas protestantes
de hoje continuam com esta teoria, como, por exemplo, os
Luteranos Legítimos: “Deus Espírito Santo inspirou aos escritores da
Bíblia toda e cada uma das palavras que se acham neste livro... O
verdadeiro autor da Bíblia é portanto, o próprio Deus, o qual fez dos
santos escritores seus instrumentos, como o professor que dita as
palavras que o aluno deve escrever no seu ditado” (Breve Guia do
Cristão págs. 4 e 5). E há sociedades missionárias protestantes,
como o Companheirismo Latino-americano de Oração e a Missão
da América Central, que incluem no seu Credo: a inspiração
da Sagrada Escritura.

Outros protestantes, como os Puseístas, seguem nesta matéria de


inspiração a doutrina católica, segundo a qual (para resumi-la em
poucas palavras), os livros inspirados são infalíveis em todas as
suas partes, porque têm a Deus como . Para isto não é
preciso dizer que Deus ditou as palavras, uma por uma, mas sim
que Ele moveu a vontade e iluminou a inteligência do escritor sacro
de tal maneira que este escrevesse tudo aquilo e só aquilo que
Deus quis que ele escrevesse. Nisto Deus se serviu do escritor
como de um instrumento inteligente e livre, de modo que não obsta
à inspiração que o escritor tenha feito investigações sobre o
assunto, já induzido a isto por Deus, como fez S. Lucas, por
exemplo (Lucas I-3); nem também que inspirado por Deus na sua
inteligência, ele conserve, ao passar o preto no branco, as
características de seu próprio estilo e o cunho de seu talento
pessoal.

Há outros protestantes (como p. ex., os teólogos C. Gore e W.


Sanday) que já falam de modo diverso. Dizem eles que a inspiração
foi pessoal e não do texto; isto é, os escritores sacros eram
inspirados, no sentido de que eram homens privilegiados, aptos
para inspirar aos outros a emoção religiosa. Mas os seus livros nem
todos são inspirados do mesmo modo e no mesmo grau. Neles há
coisas divinas e humanas, encontram-se até alguns erros, mas do
conjunto dos ensinamentos expostos na Escritura se pode tirar tudo
o que é necessário para a salvação e seguindo-a nas coisas
não podemos errar.

Outros, como os Protestantes Liberais, vão mais longe ainda:


afirmam que a inspiração da Bíblia é semelhante à inspiração que
atribuímos aos oradores e aos poetas. Os livros sacros devem ser,
dizem eles, sujeitos à crítica, pois contêm coisas verdadeiras e
falsas, fatos históricos e mitos. E como infelizmente não admitem a
divindade de Cristo, afirmam os Protestantes Liberais que Cristo
errou em várias coisas, mas ensinou os grandes princípios da
paternidade de Deus e da fraternidade humana e daí decorrem
todos os nossos deveres para com Deus e os homens e que é
preciso observar para conseguir a salvação.

Completamente desorientados...

244. Como se vê, a Bíblia é uma só, todos os protestantes dela se


consideram fiéis seguidores, mas as suas interpretações são as
mais desencontradas. Na sua ânsia de dar lições à Igreja Católica
em matéria de exegese bíblica, eles se mostram, sim,
completamente desorientados nesta matéria. E as divergências
entre eles são tantas e tão profundas que demandariam um grosso
volume, não o simples capítulo de um livro para descrevê-las.
A grande chaga do Protestantismo
Lágrimas e lamentações dos reformados.

245. Estas profundas divergências que reinam no seio do


Protestantismo, mal irremediável pois as seitas se multiplicam cada
vez mais, são como uma maldição que sobre ele pesa, desde o seu
aparecimento.

Já os primeiros Reformadores não ocultavam a vergonha e a


decepção que lhes causavam suas próprias discordâncias. Lutero
se queixava de que havia “quase tantos sistemas quantas cabeças
de pregadores”. Calvino escrevia numa carta a Melanchton: “É de
grande importância que não passe aos séculos vindouros nenhuma
suspeita sobre as divisões que existem entre nós, porque é ridículo,
acima de quanto se possa imaginar, que depois de ter rompido com
todo o mundo, nós estejamos em tão pouco acordo desde o início
da Reforma.” O mesmo Melanchton dizia: “O rio Elba com todas as
suas águas não nos forneceria lágrimas suficientes para chorar as
desgraças da Reforma dividida.”

Atualmente, depois de 4 séculos de sempre crescente anarquia e


confusão na doutrina reformada, os protestantes modernos
continuam a lamentar profundamente as suas divisões. “A
multiplicidade de igrejas, diz Bertrand, é uma dor e um escândalo.”

O Bispo anglicano de Bombaim (em artigo publicado na International


Review of Missions, de janeiro de 1928) diz: “Nós deveríamos poder
dizer aos pagãos: aqui está a Igreja de Cristo; porém nossas
divisões dão um desmentido. O Protestantismo professa opiniões
contraditórias e as que são falsas deveriam ser rechaçadas, não só
por amor à união, como por respeito à verdade. Em Lausanne os
delegados não ousaram tomar sobre si a responsabilidade de dizer
em nome de suas seitas: Estávamos no erro. De uma conferência
deste gênero não poderá nunca surgir a união das Igrejas.”
O protestante R. Roberts escreve (na Review of the churches, de
abril de 1925): “Pela sua acentuada tendência individualista, o
movimento protestante teve uma tendência cissípara (reprodução
mediante a cisão do próprio organismo); a sua história é uma
história de contínuas divisões e subdivisões, a ponto de o número
das seitas se ter tornado e ser ainda escândalo e objeto de mofa
para todos.”

Uma revista protestante Student Volunter Bulletin, em seu número


de março de 1930, afirma: “A situação fragmentária de nossas
Igrejas é para muitos o argumento final de que o Protestantismo não
pode dar-lhes a paz e unidade que eles buscam para as suas
almas. Não é exagerado afirmar que para o latino acostumado à
unidade de Religião e de governo o escândalo da multidão de seitas
é fatal.”

Browning (no livro New Days in Latin America, pág. 176) diz:
“Quando os católicos nos apontam as 50 e mais seitas que se
esforçam por introduzir o Evangelho na América Latina, o
protestante não pode fazer outra coisa senão calar e admitir a força
do argumento.”

E o Arcebispo anglicano de Cantuária (na revista The Month, de


julho de 1932): “Todos deviam reconhecer sua culpabilidade na
divisão do corpo de Cristo, divisão esta que é contrária à vontade de
Deus.”

Vivem assim os protestantes profundamente desgostados de suas


eternas controvérsias e sonhando com uma unidade impossível,
pois cada protestante espera que todos os outros abandonem suas
próprias opiniões para abraçar a dele; e, enquanto isto, têm que
reconhecer a verdade daquilo que nos disse a Sabedoria Eterna:
Todo o reino dividido contra si mesmo será desolado, e toda a
cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá (Mateus XII-
25).
Desculpas muito frágeis.

246. Mas, como acontece a toda pessoa sobre que vem a cair de
cheio um labéu vergonhoso, a qual procura sempre agarrar-se a
alguma desculpa, mesmo que seja muito frágil, não faltam
protestantes que recorrem a pálidas e, às vezes, ridículas
explicações, quando se fala neste mal incurável da desunião dos
“evangélicos”.

A mais célebre é a distinção entre pontos fundamentais e pontos


não fundamentais da doutrina. Nós, protestantes, dizem eles,
podemos discutir sobre pontos de somenos importância, mas todos
estamos de acordo sobre as doutrinas fundamentais do
Cristianismo.

A simples exposição que fizemos, há pouco, das divisões que


existem no Protestantismo mostra perfeitamente que esta alegação
não é verdadeira: é sobre todos os pontos, mesmo sobre pontos
importantíssimos, que os protestantes entram em discussão. Existe
ou não a Santíssima Trindade? Jesus Cristo era Deus ou um
simples homem? A morte de Cristo foi expiatória ou a salvação
consistiu apenas no seu bom exemplo? O homem é justificado só
pela fé ou também pelas suas obras? A nossa alma é imortal ou
não? Existe inferno ou não existe? Jesus Cristo está realmente
presente na Eucaristia ou não? É ou não necessário o Batismo? Em
que consistem a graça, o pecado original, a predestinação? Há ou
não certeza absoluta da salvação?

Tudo isto é controvertido entre os protestantes; seria inútil, portanto,


querer convencer-nos de que eles divergem somente sobre matéria
de muito pouca relevância.

Outra desculpa que nos apresentam é tão ingênua, que serve


apenas para divertir e provocar o riso. Dizem eles: Também na
Igreja Católica não existe unidade, pois se vê grande variedade
entre os padres católicos: há Padres Seculares, Jesuítas,
Franciscanos, Capuchinhos, Dominicanos, Beneditinos, Carmelitas,
Salesianos, Cartuxos etc.

— Esta é boa! Confundir a variedade das funções exercidas pelos


padres católicos, dos quais uns se dedicam mais ao paroquiato,
outros ao ensino, outros à pregação, outros às missões, outros à
vida contemplativa etc, com as divisões que há entre os
protestantes sobre !

Juntem-se os membros de todas as ordens religiosas existentes no


Brasil, na China, na África, nos Estados Unidos, na Europa, em toda
a parte, com barba ou sem barba, com o hábito preto, branco,
cinzento ou marrom, juntem-se os católicos do mundo inteiro,
façam-se-lhes perguntas sobre a doutrina em que eles creem
firmemente: quantas pessoas há em Deus, se existe inferno, se a
alma é imortal, quantos são os Sacramentos, se Jesus é Deus, se
Ele está realmente presente na Hóstia Consagrada, etc, etc, etc; e
veja-se se a resposta de todos não é !

Outros, enfim, querendo mesmo encarregar-se de mostrar até onde


chega, em matéria de religião, a cegueira partidária, se apresentam
(ou fingem apresentar-se) envaidecidos, embelezados com esta
grande diversidade que se vê no Protestantismo, o qual então
aparece aos seus olhos com um ,
(!!!). Mas se esquecem de
uma coisa muito importante: é que, consideradas atentamente as
diferenças doutrinárias existentes no Protestantismo, todo
protestante é forçado a reconhecer que existem aí muitos erros e
heresias. Duas coisas diametralmente opostas não podem nunca
ser verdadeiras ao mesmo tempo. Se Jesus Cristo é Deus, é uma
heresia dizer que Ele é um simples homem; se não passa de um
homem, é uma heresia dizer que Ele é Deus. Se existe o inferno, é
uma heresia negá-lo; se não existe, é uma heresia proclamar a sua
existência. Se Jesus está realmente presente na Eucaristia, é uma
heresia negar a sua presença; e se não está, é uma heresia afirmá-
la. E assim por diante. Juntar um punhado de heresias e querer
fazer delas umas flores belas e perfumadas que enchem de encanto
o jardim da Igreja, é o que bem se pode chamar uma comparação
muito disparatada e muito cínica.

Vergonha e desmoralização.

247. O que é fato, sim, é que desta enorme desagregação do


Protestantismo nascem 3 conclusões muito claras, que ninguém
poderá negar: a primeira é que daí resulta
.

Topamos frequentemente com homens indiferentes em matéria de


religião, os quais alegam nada saberem de certo sobre este
assunto, porque, dizem eles, há um grande número de religiões no
mundo e todas pretendem ser a religião verdadeira. Pode-se
argumentar mostrando a imensa, a clara, a indiscutível
superioridade da Religião pregada por Cristo sobre todas as
religiões pagãs que já existiram no mundo.

Mas o que não se pode evitar é a pergunta desconcertante que vem


depois. E como posso eu saber qual é a religião de Cristo, se são
inúmeras as religiões cristãs existentes e todas pretendem ser a
verdadeira religião do Rabi da Galileia?

Não há dúvida que Jesus Cristo deixou sinais evidentes para que se
conheça a sua verdadeira Igreja; a quem tenha o sincero amor da
verdade, a demonstração cabal pode ser feita em face da Bíblia e
da história do Cristianismo. Mas agora perguntamos: Quem é
responsável por esta deplorável confusão que lavra no espírito
daqueles que não se decidiram por uma religião, pelo fato de se
assombrarem com o número excessivo de denominações
existentes? É a Igreja Católica que sempre foi e , ou
é o Protestantismo que dando com o seu livre exame a cada um o
direito de formular doutrinas novas, à vontade, interpretando a
Bíblia, como bem entende, encheu o mundo de novos credos que se
dizem cristãos? Se este homem de quem falamos, cita 50 e poucas
religiões cristãs que conhece, podemos estar certos de que 50 são
seitas protestantes. Se mostra conhecer o nome de cento e poucas,
de duzentas e poucas ou de trezentas e poucas; vá-se verificar e se
veja se deste número de denominações citadas, as 100, as 200 ou
as 300 não são divisões existentes no seio do Protestantismo!

Pior ainda é a confusão lançada pelas seitas protestantes nas terras


de infiéis, onde ainda predomina o paganismo, confusão a que
víamos há pouco referir-se o bispo anglicano de Bombaim. A Igreja
Católica sempre se entregou ao trabalho das Missões, procurando
levar aos pagãos o conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Foi ela que, evangelizando os bárbaros, tornou cristãs todas as
nações da Europa. Antes de existir o Protestantismo que só
apareceu no século XVI, a doutrina que os cristãos apresentavam
aos povos pagãos se impunha pela sua unidade, pela sua firmeza,
pela sua estabilidade; era em toda a parte um só Deus Uno e Trino,
um só Batismo, um só Credo, uma só Religião.

O Protestantismo que durante 3 séculos quase nada fez neste


assunto, começou, a partir do século XIX, a interessar-se vivamente
pelas Missões, mandando também inúmeros emissários para
conquistar os pagãos de todas as partes do mundo. Mas
desgraçadamente a religião que eles apresentam é um Cristianismo
dividido, sujeito a discussões sobre todos os pontos. Chega o
missionário de uma seita e batiza as crianças; chega depois um de
outra e afirma que aquele batismo não teve valor, porque é preciso
ministrá-lo só aos adultos; chega um terceiro e diz que o batismo
não é necessário para ninguém. Um ensina a existência do inferno;
outro diz que é mentira: o inferno não existe, é uma mera ilusão. Um
manda descansar no sábado; outro manda descansar no domingo.
Um prega a divindade de Jesus Cristo; outro a nega
peremptoriamente. Um tem como ponto central de suas pregações o
próximo fim do mundo; outro vem depois e assevera que esta
proximidade do último dia é uma mera hipótese sem fundamento. E
assim por diante. E no meio desta baralhada tremenda, cada qual
se esforça por demonstrar que a seita dos outros é falsa e que a
verdadeira é a sua, porque o que vão levar aos pagãos não é o
ensino da Igreja de Jesus Cristo, tal qual veio desde o começo,
desde os tempos do Salvador; o que vão levar-lhes é, por causa do
livre exame, a sua interpretação pessoal a respeito do Evangelho. E
os pagãos ficam a pensar, com bastante razão, se não era muito
melhor que, antes de procurar atrair os outros para a sua doutrina,
os cristãos primeiro chegassem a um acordo entre si e
descobrissem, no meio de tantas opiniões, tão diversas, tão
desencontradas, onde é que se acha a verdadeira doutrina do
Evangelho...

Fracasso do livre exame.

248. A segunda conclusão, a que os protestantes não podem fugir,


é diante de suas intermináveis e variadas discussões, a do fracasso
completo do livre exame.

Todos os protestantes reconhecem muito bem que a Igreja Católica


vem dos tempos de Jesus Cristo. Quando querem fazer um estudo
sereno e imparcial da história da Igreja, pondo de lado qualquer
sentimento de má-fé ou de ódio rancoroso, têm que reconhecer,
como reconheceu sinceramente o historiador protestante Gibbon,
que a doutrina atual da Igreja é a mesma dos 4 primeiros séculos do
Cristianismo: “Foi-me impossível resistir ao peso da evidência
histórica que mostra como em todo o período dos quatro primeiros
séculos da Igreja já eram admitidos, em teoria e em prática, os
pontos principais das doutrinas do Papado” (E. Gibbon. Memoirs of
my life and writings — na Miscellaneous Words of E. Gibbon.
Londres 1837 pág. 28). Ou como outro também insuspeito e
também historiador protestante, o célebre Harnack que diz o
seguinte: “É possível estabelecer com provas impressionantes que a
concepção católica da Igreja nascente é historicamente a
verdadeira; isto é, Cristianismo, Catolicismo e Romanismo foram
uma identidade histórica perfeita” (Theologische Literaturzeitimg,
número de 19 de janeiro de 1909).
Não é nem podia ser muito vasta a literatura cristã dos 3 primeiros
séculos, porque a Igreja então estava perseguida, oculta, refugiada
nas catacumbas; não é vasta, sim, porém, é mais do que suficiente
para se mostrar a identidade da doutrina católica com o ensino da
Igreja nos tempos primitivos. E nos séculos 4º e 5º aí já aparecem
as obras de S. Jerônimo, S. Ambrósio, S. Agostinho, S. João
Crisóstomo, etc, e é tal a documentação que possuímos a este
respeito que os protestantes, mesmo os mais ferrenhos e
obstinados, são obrigados a admitir a igualdade entre a doutrina
ensinada por estes grandes doutores e a doutrina atual da Igreja.
Daí por diante a documentação é sempre crescente, e a doutrina
sempre inalterada.

Mas, admitindo que a Igreja, durante tantos séculos, durante mais


de mil anos conservou fielmente sua doutrina, mesmo assim os
protestantes aparecem no século XVI para mostrar que esta
doutrina está completamente errada.

Mostrar como? Mostrar pela interpretação da Bíblia. É claro que


para fazerem esta demonstração, a sua interpretação devia ser
muito firme, muito segura, não devia deixar margem a nenhuma
dúvida. Mas, quando pedimos que nos apontem a verdadeira
interpretação, o que eles nos apontam é esta balbúrdia infernal. Não
chegam a um acordo em coisa alguma. Cada um tem uma
interpretação diferente. E são muito raros os pontos de doutrina
ensinados pela Igreja que não sejam também apoiados por
protestantes. Se a Igreja ensina a necessidade das boas obras para
a salvação, há protestantes que dizem: Estamos com a Igreja; a
salvação não se realiza só pela fé. Se a Igreja admite 7
sacramentos, há protestantes que dizem: Estamos com a Igreja,
admitimos também 7 sacramentos. Se a Igreja crê na presença real
de Jesus Cristo na Eucaristia, há protestantes que também o creem.
Se a Igreja batiza as crianças, se batiza por infusão, se descansa no
domingo, há protestantes que também dizem: Estamos com a
Igreja; batizamos as crianças, batizamos por infusão, também
descansamos no domingo. Se a Igreja ensina a SSma Trindade, a
divindade de Jesus Cristo, o valor expiatório de sua morte, a
imortalidade da alma, a existência do inferno, a indissolubilidade do
matrimônio, a necessidade do batismo etc; aparecem protestantes
que, com a Bíblia nas mãos, querem negar tudo isto, porque acham
que não viram nada disto na Bíblia, mas há outros muitos
protestantes que também com a Bíblia nas mãos afirmam: Estamos
com a Igreja em todos estes pontos. Se na frase: Tu és Pedro e
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja muitos protestantes
quiseram dizer que a pedra de que fala este texto era Cristo e não
Pedro, logo surgem outros intérpretes protestantes como Weiss,
Keil, Mansel, Bloonfield, Marsh, Thompson, Alford, Kuinoel e outros
que rejeitam esta interpretação como forçada, contorcida,
antigramatical, baseada em preconceitos teológicos.

Se é verdadeira a interpretação que os protestantes nos vêm


ensinar, onde está a sua firmeza? Por que caem eles em tantas
contradições? Como podem convencer-nos a abandonar a
interpretação dos Santos Padres, o ensino tradicional da Igreja, a
qual sempre esteve bem segura do que afirma, se eles, os
partidários do livre exame, vivem numa eterna discussão,
sustentando as teorias mais desencontradas?

A prática do livre exame, portanto, lançando assim tanta anarquia e


confusão sobre a interpretação do texto sagrado, veio a dar apenas
num tremendo fracasso, não servindo senão para demonstrar a
fraqueza da inteligência humana.

Falsidade do Protestantismo.

249. A terceira conclusão a que nos leva fatalmente o espetáculo


das divisões e subdivisões do Protestantismo é que este é
evidentemente falso.

Falso perante a lógica. “Varias, logo não és a verdade, porque a


verdade é uma só” bem lhe podia dizer Bossuet, num argumento
esmagador e ao mesmo tempo muito simples, pois qualquer pessoa
o percebe. Onde há contradição não existe a verdade, porque uma
coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo.

Falso perante a Bíblia, porque Jesus Cristo fundou uma só Igreja: (


M I , disse Ele) não um amontoado de seitas pregando
doutrinas, as mais disparatadas. E se o Protestantismo tem a
pretensão de se apresentar no mundo como a cópia fiel da primitiva
Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, são os próprios fatos que se
encarregam de desmenti-lo, porque é uma das características da
verdadeira Igreja de Jesus Cristo, da legítima Religião Cristã, que
nos é apresentada no Novo Testamento, a sua .

Jesus Cristo mesmo que não veio à terra ensinar a verdadeira


doutrina para deixá-la inteiramente ao sabor das opiniões de cada
um, mas sim para ser seguida por todos, Jesus mesmo predisse
que sua Igreja seria una: Tenho também outras ovelhas que não são
deste aprisco e importa que eu as traga; e elas ouvirão a minha voz
e e (João X-16). Quem realiza esta
profecia do Divino Mestre? São as centenas de seitas protestantes,
ensinando doutrinas tão diversas ou é a Igreja Católica que constitui
no mundo inteiro , professando a mesma fé,
recebendo os mesmos sacramentos, sob a obediência daquele
pastor, que é sucessor de S. Pedro, a quem o Mestre disse:
Apascenta (João XXI-17)?

Na sua oração sacerdotal, proferida antes de ser entregue aos


judeus no Horto das Oliveiras, Jesus disse estas palavras: E eu não
rogo somente por eles, mas rogo também por
em mim por meio da sua palavra; para que eles sejam todos
como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti; para que também eles
sejam em nós e (João
XVII-20 e 21).

Cristo aí ora não só pelos Apóstolos, aos quais já se havia referido


nos versículos anteriores, mas também pela sua Igreja, por aqueles
que haviam de ser seus verdadeiros discípulos, aceitando
integralmente a doutrina cristã, crendo em Jesus
, deles, Apóstolos;

Cristo pede para eles uma perfeitíssima, a qual é compara


da com a D , aquela que existe entre o Pai e o Filho,
os quais nunca entram em discussão, está bem visto;

esta deve servir para melhor mostrar ao mundo a verdade


da doutrina de Jesus:
(João XVII-21), porque é claro que se os discípulos de
Jesus se põem a discutir uns com os outros, a sustentar as teorias
mais diversas, a dizer uns que Ele é Deus, outros que não é, etc,
etc, assim não pode brilhar aos olhos do mundo a verdade da
doutrina de Jesus, porque a verdade é uma só.

Sabemos, por outro lado, que a oração de Cristo é sempre eficaz.


Ele não ora, para não ser atendido. Se no Horto das Oliveiras sua
oração não surtiu efeito, é que Ele não pediu de uma maneira
absoluta, mas sob uma condição: Pai meu, , passe de
mim este cálix, todavia ,
(Mateus XXVI-39) e pediu sabendo que não seria
escutado, mas somente para exprimir nesta frase toda a angústia
que lhe ia na alma naquele momento e para nos dar o exemplo de
total submissão aos desígnios de Deus, mesmo nos momentos mais
críticos e dolorosos da nossa vida. Mas, sempre que Cristo pede de
uma maneira absoluta, se pode garantir de olhos fechados: foi
atendido pela sua reverência (Hebreus V-7), porque, se foi dito aos
simples fiéis: Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-
se-vos-á (Mateus VII-7) (se se pede, é claro, aquilo que é útil e
proveitoso e se pede com as devidas disposições , Cristo não
poderia deixar de ser atendido: 1º porque ninguém sabe melhor do
que Ele aquilo que é útil e proveitoso, para pedir; 2º ninguém pode
ter melhores disposições do que Ele tinha nas suas orações
infinitamente meritórias. E o que Ele pedia era evidentemente da
mais alta conveniência e utilidade: a unidade de sua Igreja, tão útil,
tão necessária que a maior aflição que pesa sobre os protestantes é
a infelicidade de não possuí-la.

Se a Igreja Católica é a Igreja de Jesus Cristo, então a oração de


Cristo pelos seus seguidores teve uma grande eficácia. Porque a
Igreja é no tempo e no espaço; vem conservando em todas as
épocas e em todas as partes do mundo a sua mesma doutrina, os
seus mesmos ensinamentos. É um verdadeiro prodígio, uma prova
de que Deus está com ela (Eu estou convosco todos os dias até à
consumação do século — Mateus XXVIII-20) esta unidade assim
conservada entre homens de raças e costumes tão diversos,
quando sabemos que ela possui muito mais adeptos do que todas
as seitas protestantes reunidas, e vemos este tremendo
esfacelamento, esta enorme desagregação do Protestantismo,
desde os primeiros anos da Reforma.

Se a Igreja de Cristo é o Protestantismo, então a oração do Mestre


fracassou por completo: pediu ao Pai que os seus seguidores
fossem , e o resultado foi esta confusão inqualificável que lavra
entre as seitas protestantes.

Nem venham os protestantes dizer que, quando Cristo pediu que os


seus seguidores fossem , se referia apenas ao amor, à união
fraternal que deve existir entre eles. Cristo naquele versículo não
emprega nenhum termo que venha a significar só o amor recíproco,
tal qual fizera claramente em outras ocasiões. Fala numa unidade
perfeita como a que existe entre o Pai e o Filho. Além disto, como já
vimos (nº 246) todo protestante, se estiver convicto de sua própria
doutrina (e se não estiver convicto, não tem a mínima sombra de fé)
tem que reconhecer, por causa dos grandes contrastes e
contradições, que há, dentro do Protestantismo, indubitavelmente,
muitas heresias. Devemos tratar a todos com caridade, amar até os
inimigos, é verdade; mas fazer união com os hereges, aliar-nos,
andar de cama e mesa com eles, isto nos é proibido pela própria
Bíblia, não podemos ser com eles: ,
depois da primeira e da segunda correção, sabendo que o que é tal,
está pervertido e peca, sendo condenado pelo seu próprio juízo (Tito
III-10 e 11).

Já no tempo dos Apóstolos, a Igreja está em luta contra os hereges


e é bem enérgico e categórico o modo como S. João, o Apóstolo
que pregava tão insistentemente a caridade, previne os fiéis contra
uns sedutores que apareceram dizendo crer em Cristo, mas
negando a sua realidade divina e humana e os exorta à fidelidade à
doutrina recebida dos Apóstolos: Muitos impostores se têm
levantado no mundo que não confessam que Jesus Cristo veio em
carne. Este tal é impostor e Anticristo... Todo o que se aparta e não
permanece na doutrina de Cristo, não tem a Deus; o que permanece
na doutrina, este tem assim ao Padre como ao Filho. Se algum vem
a vós e não traz esta doutrina, não no recebais em vossa casa, nem
lhe digais Deus te salve; porque o que lhe diz Deus te salve
comunica com suas malignas obras (2ª João, versos 7, 9 a 11).

Por conseguinte, a unidade pedida por Cristo não é a aliança entre


várias heresias.

A profecia de Caifás.

250. Tratando os judeus de matar a Cristo, com medo de que os


romanos se apoderassem de seu país, Caifás concorda plenamente
com a ideia: Vós não sabeis nada, nem considerais que vos convém
que morra um homem pelo povo e que não pereça toda a nação
(João XI-49 e 50). O Evangelista S. João nos mostra que Caifás
dizia estas palavras inspirado por Deus, embora não
compreendesse o sentido em que eram exatas. Jesus ia mesmo
morrer para bem de muitos, mas não no sentido em que Caifás
imaginava: uma morte para salvar politicamente a nação dos judeus,
e sim uma morte para reunir os filhos de Deus que
estavam dispersos: Ora, ele não disse isto de si mesmo; mas como
era pontífice daquele ano, profetou que Jesus tinha de morrer pela
nação, e não somente pela nação, mas também para Ele unir
os filhos de Deus, que estavam dispersos (João XI-51 e 52).
Aí se mostra mais uma vez a unidade da Igreja, a qual Jesus Cristo
apresentara como (João X-16) e agora aparece nas
palavras de S. João Evangelista como formando e não
corpos diversos, igrejas diversas.

Será que as Igrejas protestantes, com doutrinas e organizações tão


diversas, formam ?

Uma só fé.

251. S. Paulo, na Epístola aos Efésios, exorta os fiéis a conservar a


maior união (a unidade do espírito no vínculo da paz), do mesmo
modo que eles têm um só Deus, , um só batismo: Assim
vos rogo eu, o prisioneiro do Senhor, que andeis como convém à
vocação com que haveis sido chamados... trabalhando
cuidadosamente por conservar a unidade de espírito pelo vínculo da
paz; sendo e como fostes
chamados em uma esperança da vossa vocação,
S , , (Efésios IV-1, 3 a 5).

Mais adiante mostra que se os Apóstolos, profetas, evangelistas,


pastores e doutores instruem os fiéis é para que todos cheguemos à
e ao conhecimento do Filho de Deus, a estado de
varão perfeito, segundo a medida da idade completa de Cristo, para
que não sejamos já ,
pela malignidade
dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro (Efésios IV-13 e
14).

Ora, se vê por aí que o Apóstolo exorta os cristãos a serem unidos


pela caridade, da mesma forma que são unidos pela fé. Qualquer
pessoa hoje que fosse aconselhar aos protestantes que sejam
unidos uns com os outros
, estaria aconselhando apenas a máxima discórdia e desunião,
porque é justamente em matéria de fé, em matéria de doutrina que
eles são mais desunidos. E agora vinte séculos depois que os
Apóstolos começaram a anunciar o Evangelho, eles estão bem
longe de ter atingido a idade perfeita, vivem
, pois as teorias mais
desencontradas acham acolhimento no meio das seitas
protestantes. A expressão de São Paulo lhes cabe como uma
perfeita carapuça, pois se baseiam na Bíblia para
ensinarem as doutrinas mais extravagantes. E deles nunca se pode
dizer o que a Bíblia dizia dos primeiros cristãos: perseveravam na
doutrina dos Apóstolos (Atos II-42), porque a doutrina dos Apóstolos
nunca foi esta salada, esta barafunda de teorias, as mais
disparatadas, antes era um ensino firme, que não admitia a mínima
divergência: Ainda quando nós mesmo ou um anjo do Céu vos
anuncie um Evangelho diferente do que nós vos temos anunciado,
seja anátema (Gálatas I-8). Os protestantes se mostram assim
inteiramente contrários ao ensino de S. Paulo: Rogo-vos, pelo nome
de Nosso Senhor Jesus Cristo que ,
e que entre vós ; antes sejais perfeitos
(1ª Coríntios I-10),
pois ensinam coisas muito diferentes uns dos outros; cismas entre
eles são tantos quantas são as suas inumeráveis seitas; e um
mesmo parecer é coisa que nunca se viu no Protestantismo, desde
o tempo em que Martinho Lutero era vivo até os dias de hoje.

E se a Bíblia nos mostra S. Paulo tão zangado porque vê os


Coríntios divididos em grupinhos, de acordo com as suas simpatias:
Eu na verdade sou de Paulo e eu de Apolo, pois eu de Cefas (1ª
Coríntios I-12) — note-se bem que Paulo e Apolo e Cefas
ensinavam exatamente a mesma doutrina — e diante disto pergunta
indignado: Está dividido Cristo? (1ª Coríntios I-13) — que diria se ele
chegasse hoje e visse estes cristãos que se julgam perfeitos
imitadores da Igreja Primitiva dizerem: Eu sou Luterano; eu sou
Calvinista; eu sou Batista; eu sou Pentecostal; eu sou Adventista; eu
sou Presbiteriano; etc, pregando todos eles as mais diversas
doutrinas; qual não seria a sua indignação! Sim, Paulo, está-se
abusando demais do nome de Cristo para acobertar as maiores
heresias; e o Cristo do Protestantismo já não está mais dividido,
está pulverizado.

O Protestantismo é, portanto, falso, porque longe de ter a unidade


característica da verdadeira Igreja de Cristo, é cheio de contradições
naquilo que ensinam as suas diversas seitas. E é inútil que no meio
de toda esta confusão uma seita em particular nos queira convencer
de que as outras seitas estão erradas, ela, sim, é que está certa: 1º
porque todas as outras dizem igualmente o mesmo; 2º porque todas
as seitas estão sujeitas a subdivisões, o que é uma consequência
fatal do livre exame; 3º porque todas elas ensinam uma doutrina que
no seu conjunto só começou a ser propagada no mundo depois do
século XVI e não é possível imaginar-se que Cristo tenha deixado
durante mais de mil anos sua Igreja inteiramente inexistente,
desconhecida no mundo, para só aparecer do século XVI em diante
e aparecer assim irreconhecível no meio de centenas de seitas que
ensinam as doutrinas mais diversas e querem todas elas à fina força
ostentar o título de única portadora da verdadeira mensagem do
Evangelho.
A Bíblia não autoriza o livre exame
Examinai as Escrituras.

252. Se Deus quer que todos os homens cheguem a ter o


conhecimento da verdade (1ª Timóteo II-4) e a verdade é uma só,
diante do que já vimos sobre o funesto resultado produzido pela
teoria de Lutero de que cada um deve tomar a Bíblia para interpretá-
la como bem entende, já pode o leitor avaliar que a Bíblia de forma
alguma não autoriza nem pode autorizar este sistema de fazer cada
um a Religião a seu modo, pela sua própria cabeça. Era até
dispensável a análise dos textos que os protestantes ingenuamente
apresentam para querer justificar esta ideia louca do livre exame.

Mas, como nossos irmãos separados não são homens para quem
poucas palavras bastem, será difícil encontrar um protestante que,
mesmo diante dos fatos alegados (e contra fatos não há
argumentos), não tente provar com textos das Escrituras
extraordinariamente (para que a conclusão seja maior
do que as premissas), que o livre exame é mandado por Deus e
aconselhado pela própria Bíblia.

Analisemos este texto, por exemplo: Examinai as Escrituras, pois


julgais ter nelas a vida eterna; e elas são as que dão testemunho de
mim, mas vós não quereis vir a mim para terdes vida (João V-39 e
40). AÍ veem os protestantes uma ordem para todos os cristãos
compulsarem a Bíblia a fim de organizar individualmente a sua
crença.

É preciso ver entretanto a quem, em que ocasião e por que motivo


Jesus disse estas palavras, porque é velho costume dos
protestantes, desde os tempos de Lutero, separar uma frase do seu
contexto, para lhe dar um sentido que absolutamente não lhe
compete.
A simples observação deste final: mas vós não quereis vir a mim
para terdes vida mostra claramente que foi a ,a
homens que não queriam de forma alguma aceitar a doutrina de
Cristo, não a todos os cristãos, como querem os protestantes, que
Jesus dirigiu aquelas palavras. Senão, vejamos.

Observa-se, pela leitura de todo este capítulo 5º de S. João, que se


trata de Jesus em luta contra os judeus obstinados. O capítulo
começa com o milagre feito pelo Mestre na piscina probática (versos
1 a 9). Chega aos judeus a notícia do milagre realizado em dia de
sábado e eles começam por causa disto a perseguição contra
Jesus: Por esta causa perseguiam os judeus a Jesus, por Ele fazer
estas coisas em dia de sábado (João V-16). Jesus lhes mostra que
pode curar em dia de sábado, porque é igual ao Pai e por isto os
judeus procuram matá-Lo: Mas Jesus lhes respondeu: Meu Pai até
agora não cessa de obrar, e eu obro também incessantemente. Por
isso, pois, procuravam os judeus com maior ânsia matá-Lo; porque
não somente quebrantava o sábado, mas também dizia que Deus
era seu Pai, fazendo-se igual a Deus (João V-17 e 18).

O Divino Mestre então reafirma longamente a sua divindade (versos


19 a 30) e apela para 3 testemunhos a seu favor. Um é o
testemunho de João Batista (versos 32 a 35). Depois diz que tem
um testemunho ainda maior do que o do Precursor: são as suas
próprias obras, são os seus grandes milagres. Da mesma forma que
Ele dirá aos judeus mais tarde: Se eu não faço as obras de meu Pai,
não me creiais; porém se eu as faço, e quando não queirais crer em
mim, crede as minhas obras, para que conheçais e creiais que o Pai
está em mim e eu no Pai (João X-37 e 38), assim também Ele diz
agora: As obras que meu Pai me deu que cumprisse, as mesmas
obras que eu faço dão por mim testemunho de que meu Pai é quem
me enviou (João V-36).

Finalmente, como último argumento, já que eles não querem


acreditar no testemunho de João Batista, nem no valor
demonstrativo dos milagres de Jesus, eles que são entendidos nas
Escrituras leiam estas mesmas Escrituras e vejam se as profecias
do Antigo Testamento (sim, é a estas predições do Velho
Testamento que Cristo se refere, porquanto nenhum livro do Novo
estava ainda escrito) leiam as profecias do Antigo Testamento e
vejam se estas predições a respeito do Salvador Prometido não têm
cabal e perfeito cumprimento em Jesus Cristo: Examinai as
Escrituras [35] já, que não credes em João, nem em minhas obras,
mas credes nas Escrituras e julgais ter nelas a vida eterna: elas
mesmas são as que dão testemunho de mim.

É um argumento ad hominem, isto é, bem apropriado para aqueles


que o ouvem, é o mesmo argumento que a Igreja Católica pode
aplicar aos protestantes: Examinai as Escrituras, porque julgais ter
nelas a vida eterna e elas são as que dão testemunho de mim (Tu
és Pedro e sobre esta pedra edificarei M I , e as portas
do inferno não prevalecerão contra ela — Mateus XVI-18. Se não
ouvir I tem-no por um gentio ou publicano — Mateus XVIII-
17. A I de Deus Vivo, coluna e firmamento da verdade — 1ª
Timóteo III-15. Não há senão um Senhor, , um batismo —
Efésios IV-5).

Trata-se, portanto, de um dirigido aos judeus que já


conheciam as Escrituras e nelas se julgavam muito entendidos, mas
se recusavam a aceitar a divindade de Jesus, argumento
empregado, aliás, num tempo em que a Igreja ainda não estava
definitivamente constituída; e não de um preceito ou de uma ordem
para que todos os cristãos, mesmo os que são rudes e incapazes,
saquem de uma Bíblia e procurem interpretá-la pela sua própria
cabeça.

Notas (pular)

[35] A palavra do texto grego é que tanto pode ser traduzida


como . Não se sabe a intenção do Autor Sagrado. No
latim da Vulgata, a palavra correspondente também pode ser
traduzida tanto por como por . Não se sabe, portanto, nem
ao menos, se S. Jerônimo na sua versão tinha em mente o indicativo presente
ou o imperativo.

Mas isto em nada altera o sentido:

E — Examinem Vocês as Escrituras, uma vez que julgam ter nelas a


vida eterna; estas próprias Escrituras dão testemunho de mim nas suas
profecias. E no entanto Vocês não querem vir a mim para ter a vida.

E — Vocês vivem examinando as Escrituras, porque julgam ter nelas


a vida eterna; pois bem, estas Escrituras dão testemunho de mim, nas suas
profecias; e no entanto Vocês não querem vir a mim para ter a vida.

As versões protestantes de Ferreira de Almeida e da Sociedade Bíblica do


Brasil preferem o indicativo: .

Achamos, por isto, muito interessante que o Pe Pereira tivesse traduzido


. Porque, para evitar teima com qualquer protestante que quisesse a
pulso fazer valer a versão do imperativo, nós argumentamos mesmo com o
imperativo. (voltar)

A Escritura é útil.

253. Os protestantes alegam também o texto de S. Paulo a


Timóteo: Toda a Escritura divinamente inspirada para ensinar,
para repreender, para corrigir, para instruir na justiça, a fim de que o
homem de Deus seja perfeito, estando preparado para toda a boa
obra (2ª Timóteo III-16 e 17).

Querer ver aí uma justificativa para o livre exame é falsear


completamente o pensamento de S. Paulo.

Ninguém nega a imensa, a extraordinária utilidade da palavra de


Deus, mas do fato de ser ela útil, digamos mesmo utilíssima, se
segue que todos tenham capacidade para interpretá-la?

Há muitas coisas bastante úteis neste mundo que precisam ser bem
manejadas para cumprirem a sua finalidade, e nas mãos de quem
não sabe lidar com elas podem tornar-se não só inúteis, mas até
perigosas. A espingarda é utilíssima para o caçador, mas se este
não tem pontaria e em vez de alvejar a caça se põe a alvejar os
seus companheiros, de que lhe serve a espingarda? Utilíssimo, não
há dúvida, é um automóvel; mas se um homem não sabe guiá-lo,
sai sem direção e sem freio, derrubando muros, querendo subir
pelas calçadas, atropelando aqui e acolá os transeuntes, pondo em
perigo não só a própria vida, mas também a dos outros, de que lhe
serve o automóvel? De grande utilidade é o jornal numa localidade;
mas, se o seu redator se põe a levantar calúnias, a difundir notícias
sem fundamento e a escrever disparates, de que serve este jornal?

A Bíblia é um tesouro de valor inestimável, é a palavra de Deus


eterna e infalível, mas os protestantes têm mostrado muito bem que
não sabem manuseá-la; pois vivem entre si numa eterna discussão
a respeito da SSma Trindade, da divindade de Jesus Cristo, da
imortalidade da alma, da existência do inferno, do Batismo, da
Eucaristia etc, etc, a Bíblia tem servido na mão deles para encher o
mundo de seitas e religiões diversas. Isto sem falar naqueles que
vão buscar na Bíblia argumentos para defender a poligamia, como
João de Leiden e José Smith, ou veem na frase: Sois deuses
(Salmos LXXXI-6; João X-34) a prova de que existem muitos deuses
e deusas (!!), dos quais os principais são o Padre, o Filho e o
Espírito Santo, como já têm ensinado muitos daqueles que
pertencem à seita dos Mormões.

A quem é que S. Paulo está aconselhando aí o manejar


frequentemente as Escrituras? Não é a um cristão qualquer, mas a
Timóteo, bispo da Santa Igreja em Éfeso, um verdadeiro homem de
Deus: Tu, ó homem de Deus (1ª Timóteo VI-11), um ministro de
Jesus Cristo (1ª Timóteo IV-6) que recebeu a imposição das mãos
do presbitério (1ª Timóteo IV-14), a quem S. Paulo instruiu
verbalmente: Guarda o forma das sãs palavras que me tens ouvido
(2ª Timóteo I-13), a Timóteo que tem autoridade sobre os fiéis não
só para pregar, mas também para repreender, para corrigir: Aos que
pecarem, repreende-os diante de todos (1ª Timóteo V-20); Eu te
esconjuro... que pregues a palavra, que instes a tempo e fora de
tempo, que repreendas, rogues, admoestes com toda a paciência e
doutrina (2ª Timóteo IV-1 e 2) — e é por isto que S. Paulo diz que
toda a Escritura divinamente inspirada para , para
, para , para na justiça.

Não há nenhuma ligação, portanto, entre este texto de S. Paulo a


Timóteo e o desastroso livre exame que ensinou Martinho Lutero
aos seus seguidores.

Os judeus de Beréia.

254. Outro texto que os protestantes costumam apresentar é o que


se refere à pregação de S. Paulo feita aos judeus de Beréia.

Paulo tinha pregado aos judeus de Tessalônica, dos quais alguns se


haviam convertido (Atos XVII-4), porém muitos outros se revoltaram,
amotinando a cidade. Depois foi Paulo pregar aos judeus de Beréia,
os quais, narram os Atos, eram mais generosos do que aqueles que
se acham em Tessalônica, pois receberam a palavra com ansioso
desejo, indagando todos os dias nas Escrituras se estas coisas
eram assim; de sorte que foram muitos deles os que creram, e dos
gentios muitas mulheres nobres e não poucos homens (Atos XVII-11
e 12).

A fértil imaginação dos protestantes vê logo aí nesta cena a prática


do livre exame. S. Paulo pregando e os bereenses examinando nas
Escrituras se é verdade o que ele diz; assim se estará
recomendando o sistema protestante: cada qual com sua Bíblia para
examiná-la e formular, por si próprio, sua doutrina, mesmo que seja
contrária à doutrina da Igreja.

Esquecem-se apenas de uma coisa: quando aqueles ouvintes de


Beréia faziam tal estudo nas Escrituras para conferir se era
verdadeira ou não a doutrina de S. Paulo, eles ainda não eram
cristãos, não eram convertidos, eram judeus. Judeus de boa
vontade que, vendo como S. Paulo aludia frequentemente às
profecias do Velho Testamento a fim de demonstrar o seu perfeito
cumprimento na pessoa de Jesus Cristo, não fizeram como a
maioria dos judeus de Tessalônica, os quais logo se revoltaram
contra a pregação paulina, mas com muito gosto foram estudar nas
Escrituras para chegar a uma conclusão a respeito dos sermões que
o Apóstolo lhes fazia. O resultado de tal investigação é que foram
muitos deles os que creram (Atos XVII-12). Aí não há absolutamente
o livre exame para o crente; trata-se apenas do estudo que está
fazendo o que ainda não crê, para saber se deve abraçar ou não a
Religião Cristã.

Como os judeus de Beréia continuaram a agir depois de sua


conversão é o que a Escritura não nos diz. Suponhamos, porém,
que diante de todas as pregações de S. Paulo, eles, depois de
crentes, se pusessem de Bíblia na mão, cada um de acordo com
seu modo de ver, com sua pouca ou muita inteligência a discutir
com S. Paulo a respeito dos ensinamentos que lhes eram
ministrados. Concordam os protestantes com esta atitude? Não era
esta anarquia uma desobediência a Cristo que mandou crer o que
os Apóstolos ensinavam? Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho
a toda a criatura, o que crer e for batizado será salvo; o que, porém,
não crer será condenado (Marcos XVI-15 e 16)? Pois a licença para
esta desobediência é que seria o livre exame.

E àqueles cristãos judaizantes que podiam mostrar, com a Bíblia na


mão, inúmeros textos em que Deus manda observar a lei de Moisés,
o que é que dizia S. Paulo? Que eles podiam interpretar a Bíblia
como bem entendessem? Não. Não havia nenhum texto da Bíblia
que dissesse que a lei de Moisés tinha sido abolida; nem também o
próprio Cristo o dissera em parte alguma. Mas a Igreja, magistério
vivo e infalível, tinha definido, no Concílio de Jerusalém, certa de
que esta era a mente de Cristo, que a lei de Moisés não obrigava
mais. E o que S. Paulo dizia aos judaizantes era isto: Ainda quando
nós mesmos ou um anjo do Céu vos anuncie um Evangelho
diferente do que nós vos temos anunciado, seja anátema (Gálatas I-
8).
Examinai tudo.

255. Finalmente vamos apreciar até onde se pode chegar com um


versículo separado do seu contexto.

Lê-se isto em S. Paulo: Examinai, porém, tudo; abraçai o que é bom


(1ª Tessalonicenses V-21). Os protestantes se lançam avidamente
sobre este texto para daí tirarem a seguinte conclusão: se S. Paulo
manda , os fiéis têm o direito de examinar os
ensinos da Igreja, para então abraçarem o que é bom. E o meio que
eles têm para examinarem os ensinos da Igreja é a Bíblia, a palavra
de Deus infalível. Logo, aí se prega o livre exame.

— Primeiro que tudo: que eram os ensinos da Igreja Cristã nos seus
primeiros dias, senão a pregação dos Apóstolos e, por
consequência, os ensinos do próprio S. Paulo? Quer dizer que
S. Paulo está dando aos fiéis o direito de submeterem os
ensinamentos dele ao seu próprio julgamento para só depois disto,
depois de os submeterem à crítica, abraçarem o que ele diz? Será
este o mesmo S. Paulo que afirma que ainda aparecendo um anjo
do Céu a pregar um evangelho diferente do que ele prega, este
próprio anjo é anátema (Gálatas I-8)? Será este o mesmo S. Paulo
que considera a fé um cativeiro da nossa inteligência: reduzindo a
cativeiro todo o entendimento para que obedeça a Cristo (2ª
Coríntios X-5)? Será este o mesmo S. Paulo que falando a estes
mesmos Tessalonicenses e exatamente nesta Epístola, afirma que a
sua palavra é a própria palavra de Deus; ouvindo-nos, recebestes
de nós outros a palavra de Deus, vós a recebestes, não como
palavra de homens, mas (segundo é verdade) como palavra de
Deus (1ª Tessalonicenses II-13)? Será este o mesmo S. Paulo que
ordena a estes mesmos Tessalonicenses: Estai firmes e conservai
as tradições que aprendestes, ou de palavra, ou por carta nossa (2ª
Tessalonicenses II-14)?

Se S. Paulo diz: Examinai, porém, ; abraçai o que é bom no


sentido em que o tomam os protestantes, então adeus autoridade
da própria Bíblia, porque se deve ser examinado, entra neste
rol o próprio Livro Sagrado, para só se abraçar nele o que se julgar
para ser aceito. E não é isto exatamente o que têm feito muitos
protestantes? Lutero pregou a doutrina de que o homem se justifica
só pela fé; mas a Epístola de S. Tiago ensina que o homem se
justifica também pelas obras (Tiago II-24). Que fez Lutero? Como
achou lá, pelo seu modo de ver que não era o ensino de
S. Tiago, desprezou, pôs de lado a Epístola, meteu-lhe os pés,
chamando-a com escárnio
(Erlangen LXIII-15). São suas palavras textuais. Rejeitava também a
epístola aos Hebreus, a de S. Judas e o Apocalipse, pois dizia não
achar nestes livros o espírito evangélico e apostólico, punha-os em
último lugar na sua versão, considerando-os como não canônicos.
Alguns de seus partidários aumentaram a lista dos livros rejeitados
com a 2ª Epístola de S. Pedro, a 2ª e a 3ª de S. João. Calvino
rejeitava a 2ª e a 3ª de S. João. Já Zuínglio implicava com o
Apocalipse, que ele negava fosse um livro canônico. Svedenborg,
porém, pensava de modo diferente: para ele o cânon do Novo
Testamento continha apenas os Evangelhos e o Apocalipse. Nos
outros livros, ele não encontrou o sentido místico e angélico que,
afirmava, deve haver em todos os versículos da Bíblia. Entre os que
negam a divindade de Cristo, principalmente entre os Protestantes
Liberais, são muitos os que rejeitam o Evangelho de S. João. E
depois que apareceu o Protestantismo, começaram a aparecer os
críticos que, de vez em quando, diante de um texto qualquer que
eles estranham ou que não lhes agrada, se põem logo a afirmar que
aquele texto não é da Bíblia, mas foi depois acrescentado. Como se
vê, a própria autoridade da Bíblia cai fragorosamente diante da
interpretação protestante sobre este: .

Mas o leitor já deve ter percebido uma coisa neste versículo:


Examinai, , tudo; abraçai o que é bom. O trecho tem um
. E este deve ser levado em conta, ou seja, a frase
deve ser estudada no seu verdadeiro contexto: Não extingais o
Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai, porém, tudo;
abraçai o que é bom (1ª Tessalonicenses V-19 a 21).
S. Paulo aí se refere àqueles dons e carismas que existiam como
manifestações extraordinárias nos primeiros tempos da Igreja e dos
quais nos fala na sua 1ª Epístola aos Coríntios: A cada um é dada a
manifestação do Espírito para proveito; porque a um pelo Espírito é
dada a palavra de sabedoria; a outro, porém, a palavra de ciência
segundo o mesmo Espírito; a outro a fé pelo mesmo Espírito; a
outro a graça de curar as doenças em um mesmo Espírito; a outro a
operação de milagres; a outro ; a outro o discernimento
dos espíritos; a outro a variedade de línguas; a outro a interpretação
das palavras. Mas todas estas coias obra só um e mesmo Espírito,
repartindo a cada um como quer (1ª Coríntios XII-7 a 11).

Não extingais o Espírito. É uma metonímia empregando a causa


pelo efeito, pois é claro que ao Espírito Santo ninguém pode
extinguir: não extingais os dons do Espírito Santo. Se alguém tem
estes dons e carismas, estas luzes e impulsos do Espírito Santo,
deve ter todo o cuidado para não perdê-los pela incredulidade, pelas
obras da carne, pelo amor das coisas mundanas, pelo espírito de
malícia, pois o Espírito Santo é como uma lâmpada que abrasa e
alumia e estas faltas podem apagar a sua luz dentro de nós. Não
desprezeis as profecias. Examinai, porém, tudo; abraçai o que é
bom. Entre estes dons, como vimos há pouco, estava o da profecia.
Mas acontece que ao lado dos profetas verdadeiramente iluminados
pelo Divino Espírito, apareciam também profetas falsos, profetas
loucos e desautorizados, que queriam apenas satisfazer à própria
vaidade, pois nenhum dom tinham recebido de Deus. O fato de
aparecerem tais pseudoprofetas não é motivo para se
completamente as profecias. Apenas os fiéis devem
estar de sobreaviso quando falam os profetas, para examinar se são
coisas boas as que eles ensinam; e um dos critérios mais seguros
para ver se tais discursos são bons e legítimos ê ver se estão de
acordo A .
Também na Epístola aos Coríntios, S. Paulo se mostra preocupado
com esta discriminação entre os bons e os maus profetas e aponta
como um meio prático para distingui-los fazer que um profeta seja
julgado pelos outros profetas que são, segundo é de supor, os mais
entendidos no assunto: Pelo que toca, porém, aos profetas, falem
também só dois ou três, e julguem o que ouvirem (1ª
Coríntios XIV-29).

Trata-se, portanto, aqui no caso, de examinar se são bons ou não


os profetas que aparecem nas reuniões cristãs, os quais podem ser
realmente impulsionados pelo Espírito de Deus e podem ser, ao
contrário, meros impostores. Não se trata absolutamente de
examinar a doutrina ensinada pela Igreja, a doutrina que lhes
ministravam os Apóstolos, pois quanto a esta não havia dúvida
alguma; a palavra deles era palavra de Deus.

No Antigo Testamento já se ensinavam alguns mistérios ou coisas


que excedem a nossa capacidade de compreensão. Na revelação
trazida por Jesus Cristo no Novo Testamento, aumenta
consideravelmente o número destes mistérios; há nela muitas
coisas difíceis e às vezes, mais do que isto, impossíveis de
compreender. Como pode ser um só Deus e ao mesmo tempo três
Pessoas? Como pode uma pessoa ser Deus e homem ao mesmo
tempo? Como pode Jesus Cristo dar-nos a comer a sua carne (João
VI-53)? Quais as profundas relações existentes entre de
Deus e a do homem? entre a justiça de Deus e a sua
misericórdia? Etc, etc. Não podia nunca S. Paulo mandar aos fiéis
que examinassem de acordo com a sua razão, com o seu modo de
ver e o seu entendimento, os ensinos da Igreja que estão, muitos
deles, bem acima da nossa inteligência.

E se já na Antiga Lei, quando a doutrina não versava estas questões


assim tão complicadas, Deus dizia pela Sagrada Escritura: Os lábios
do sacerdote serão os guardas da ciência e da sua boca é que os
mais buscarão a inteligência da lei, porque ele é o anjo do Senhor
dos exércitos (Malaquias II-7) e Jesus ainda dizia aos judeus, antes
de enviar os Apóstolos para exercer o ministério da pregação: Sobre
a cadeira de Moisés se assentaram os escribas e os fariseus:
O , pois, e fazei tudo quanto eles aos disserem, porém, não
obreis segundo a prática de suas ações, porque dizem e não fazem
(Mateus XXIII-2 e 3) — com maioria da razão na Nova Lei tem que
haver pessoas idôneas para ensinar a verdade, com autoridade e
firmeza: O que a vós ouve, a mim ouve; e o que a vós despreza, a
mim despreza; e quem a mim despreza, despreza Aquele que me
enviou (Lucas X-16).

É o que veremos mais minuciosamente no artigo seguinte:


Abraçamos a Fé, não pelo livre exame, mas pela
humilde submissão à Igreja
A posição católica e a protestante.

256. Chegamos assim ao final da controvérsia: livre exame ou


sujeição à autoridade da Igreja?

Para melhor coordenarmos as nossas ideias e apreciarmos como


Jesus Cristo e a Escritura Sagrada resolvem esta questão, será bom
relembrarmos os dois pontos de vista: o católico e o protestante.

Os protestantes são de opinião que a única regra de fé é a Bíblia.


Os fiéis tomam contato com ela, leem-na porque ela é a palavra de
Deus infalível e lendo-a, não precisam mais de ouvir a ninguém para
conhecer a verdadeira doutrina do Evangelho. Desde que têm em
casa a palavra de Deus, não precisam de submeter-se ao ensino da
Igreja, uma vez que eles mesmos podem interpretar o texto
sagrado. Para isto convém pedir as luzes do Espírito Santo.

Segundo os católicos, a Bíblia é, sem dúvida alguma, regra de fé,


porque é a palavra de Deus; mas nem sempre é fácil acertar com o
verdadeiro sentido daquilo que ela nos ensina: há outra regra de fé,
que é o ensino da Igreja. Não há nem pode haver contradição entre
uma e outra; ambas são infalíveis: se a Bíblia é a palavra de Deus
escrita, a Igreja é uma obra de Deus que a deixou neste mundo
especialmente para este fim: para ensinar a verdade, portanto Deus
zela por ela de modo especial para que atravesse todos os séculos
sempre preservada do erro. Passará o Céu e a terra, mas não
passarão as palavras de Cristo (Mateus XXIV-35), o qual garantiu
que as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus XVI-
18). Portanto, no meio da confusão que resulta das diversas e
contraditórias interpretações que há em torno da Bíblia, o católico
tem que seguir a verdadeira interpretação que é aquela que a Igreja
lhe ensina, orientando-o nesta matéria. E, para que uma verdade
seja de fé, não é necessário que esteja explicitamente ensinada na
Bíblia, a qual não se apresenta como uma exposição completa e
sistemática da doutrina, com o fim de resolver, por si só, todas as
questões de teologia, nem também afirma em parte alguma que
[36]. Não estar
explicitamente na Bíblia e ser contrário ao ensino da Bíblia são duas
coisas muito diferentes. Os próprios protestantes têm como verdade
certíssima e fé que tais e tais livros são inspirados e fazem parte da
Escritura; ora, isto não consta do texto sagrado, o qual não faz a
enumeração dos livros canônicos. Entretanto, é este um ponto
fundamental para a Religião Cristã e é nisto que se baseia todo o
Protestantismo. E toda a sua indignação contra a Igreja Católica
porque esta ensina algumas coisas de que a Bíblia não fala
diretamente, eles bem a poderiam guardar para todos os erros,
dentro do Protestantismo, que são aberta e escandalosamente
contrários ao ensino bíblico.

O que não está explicitamente na Bíblia pode ser uma conclusão


lógica daquilo que o livro sagrado nos ensina ou pode estar contido
no , que a Igreja recebeu desde o princípio pela
pregação dos Apóstolos e guarda com muita firmeza e segurança,
apesar de todas as oposições da heresia.

De modo que, segundo os católicos, o meio de propagar-se a


doutrina é a pregação daquilo que ensina o magistério vivo e
infalível da Igreja; segundo os protestantes, é a difusão da Bíblia,
posta nas mãos de todos, para que a possam ler e interpretar.

E assim o protestante, por mais rude e ignorante que seja, é sempre


um intérprete da Bíblia, que sozinho ou ajudado pelo seu pastor e
pelos seus companheiros de denominação, vai tomar a si a grande
tarefa de organizar, no meio de todos aqueles textos esparsos da
Bíblia, o seu Credo, a doutrina que deve professar. Nada aceita
como definitivo em matéria de doutrina, quer ver pelos seus próprios
olhos, e decidir pelo seu próprio julgamento (livre exame) na Bíblia e
só na Bíblia qual é a verdadeira doutrina.
O católico, mesmo que
B , se submete ao ensino da Igreja, certo e confiante de que
esta não pode errar; discute livremente e tem opiniões próprias
naquilo que não é de fé definida, que, portanto, a Igreja deixa à sua
liberdade; acha que é verdade infalível não só aquilo que está na
Bíblia, mas também aquilo que a Igreja ensina instruída desde o
princípio pela pregação dos Apóstolos e não se considera mais do
que um soldado deste imenso e incalculável exército de cristãos
que, desde 2.000 anos, têm passado neste mundo, submissos
disciplinadamente em matéria de fé a esta Igreja que Deus pôs aqui
na terra para ser a coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-
15).

O católico e o protestante creem na Bíblia e querem seguir a


doutrina de Jesus; a diferença que há entre um e outro está em
matéria de confiança. Confiança na Igreja, a qual não tem o
protestante, pois vê na Igreja apenas uma sociedade que, sendo
dirigida por homens (e homens sempre estão sujeitos a erros) não
pode, a seu ver, apresentar-se assim com esta firmeza absoluta.
Confiança na Igreja, a qual possui o católico que desde os primeiros
séculos vem dizendo: Creio na Santa Igreja Católica, na qual ele
não vê só uma sociedade dirigida por homens, mas também sempre
encaminhada por Deus que a fundou, garantida pela perpétua
assistência que Jesus lhe prometeu. Todo homem está sujeito a
erro, até mesmo o Papa; mas Deus não permite que um homem
consiga induzir a Igreja a cair em erro, por meio de uma definição
ex-cátedra, pois as portas do inferno não prevalecerão contra ela
(Mateus XVI-18); e o Papa é, como sucessor de S. Pedro, a pedra
sobre a qual repousa, segundo os desígnios divinos, a solidez da
Igreja.

A desconfiança na Igreja aumenta sempre que se veem homens,


desde os tempos de Judas e de S. Pedro (dos quais um fracassou
definitivamente e o outro se ergueu logo após a sua queda) apesar
de elevados a altos cargos, pagarem o seu tributo à fraqueza e à
miséria humanas, mas aumenta sem motivo, porque uma coisa é a
fragilidade do homem que é livre e inclinado ao pecado por sua
natureza, e outra coisa é a firmeza da Igreja que é obra de Deus
edificada sobre uma rocha inexpugnável. Esta desconfiança para
com a Igreja aumentou, sem razão de ser, em alguns espíritos,
depois que Lutero e Calvino propagaram no mundo, com o livre
exame, um sistema de interpretação da Bíblia faccioso e sem
escrúpulos: separar as palavras do contexto, para dar-lhes outro
sentido, apegar-se a uns textos desprezando outros, inventar um
sentido figurado onde a palavra se toma ao pé da letra, torcer as
palavras da Bíblia por meio de sofismas para dar-lhes um sentido
bem diverso etc. Esperamos que ao terminar o nosso livro, possa o
leitor fazer um confronto mais seguro entre a serena e
desapaixonada interpretação católica (a qual vem desde o princípio)
e os processos comumente usados na inovadora interpretação
protestante.

Como dizíamos, a diferença entre o católico e o protestante está em


matéria de confiança. Confiança em si mesmo, em seu próprio
raciocínio, em sua própria capacidade e inteligência, a qual o
protestante tem , e é por isto que vive metido numa eterna
divergência e discussão. Confiança em si mesmo, que o católico
tem , pois vendo como a razão humana até nos
grandes sábios e filósofos, tem sido tão sujeita a ilusões, absurdos e
desatinos, acha que nesta matéria de fé, nesta perscrutação dos
de Deus e da sua Religião, o que resolve não são
propriamente as discussões em que cada um dos contendores se
julga bem firme, bem seguro na sua própria interpretação, por mais
extravagante que ela seja; o que resolve é a humilde e confiante
aceitação por parte da nossa inteligência, é a nossa submissão a
Deus e àqueles que por Deus são realmente autorizados para nos
exporem a sua doutrina: Em verdade vos digo que todo o que não
receber o reino de Deus não entrará nele (Marcos
X-15).

Notas (pular)
[36] Os argumentos que usam os protestantes tentando prová-lo são
argumentos infantis. Toda a Escritura divinamente inspirada para
ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir na justiça (2ª Timóteo III-
16). A conclusão que querem tirar os protestantes é muito maior do que as
premissas, pois do fato de a Escritura, não se segue que deva ser
usada com exclusividade. Como bem observa Tanquerey, de acordo com tal
sistema de argumentação, assim se poderia raciocinar: O ar puro é útil para
conservação de uma boa saúde; logo, o ar basta, não se precisa de
alimentação.

Apelam também para as palavras de Moisés aos judeus, quando lhes


anunciou a : Vós não ajuntareis, nem tirareis nada às palavras que
eu vos digo: guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos intimo
(Deuteronômio IV-2). É o caso de perguntar: estas palavras são dirigidas
ou também aos cristãos? Se são dirigidas só aos judeus, nada
temos que ver com elas. Se são também para os cristãos, por que é que os
protestantes não observam ?

Alegam o texto de S. Paulo aos Gálatas: Ainda quando nós mesmos ou um


anjo do céu aos anuncie um Evangelho do que nós vos temos
anunciado, seja anátema (Gálatas I-8). Até aqui não há nenhum argumento,
pois S. Paulo condena quem anunciar um Evangelho do seu. Mas
é que as versões protestantes trazem assim: ainda que nós ou um anjo do
Céu vos pregasse um Evangelho que aos pregamos, seja anátema
(Gálatas I-8 — Versão da Sociedade Bíblica do Brasil) Ferreira de Almeida
diz: O evangelho que já aos tenho anunciado. E daí concluem
os protestantes que está proibido ensinar qualquer coisa além do que Paulo
pregou.

Acontece, porém, que o texto do Pe Pereira é que manifesta o verdadeiro


pensamento de S. Paulo. Primeiro que tudo, a partícula grega que aí se
traduziu por — é a preposição com acusativo, a qual também
significa . Vejam-se estes textos em que aparece a mesma preposição
no grego: Este, pois, a lei persuade aos homens que sirvam a Deus
(Atos XVIII-13) mudaram o uso natural em outro uso que é a natureza
(Romanos I-26) ele creu em esperança a esperança (Romanos IV-18)
rogo-vos, porém, irmãos, que não percais de vista aqueles que causam
dissensões e escândalos a doutrina que vós tendes aprendido
(Romanos XVI-17). Confiram-se as versões protestantes. Além disto, que é
que S. Paulo quer dizer? Que, se chegasse um anjo do Céu anunciando uma
coisa que ele, Paulo, não tinha ensinado ainda, este anjo está condenado?
Não, porque assim S. Paulo se estaria apresentando como um legítimo sabe-
tudo, que tem maiores conhecimentos que todos os anjos do Céu. O que
S. Paulo quer dizer é que está tão certo do Evangelho que pregou, que, se
por hipótese absurda, chegasse um anjo do Céu pregando um Evangelho
contrário ao seu, este anjo seria anátema. Depois que S. Paulo escreveu a
Epístola aos Gálatas, apareceram outros livros do Novo Testamento, o
Apocalipse de S. João por exemplo, revelando muitas coisas que ele não
havia ensinado, e não se concebe que S. Paulo estivesse condenando a
própria Bíblia. E vê-se claramente pelo contexto que S. Paulo se revolta
contra os que pregam um Evangelho do que ele pregou, pois diz
imediatamente antes: Eu me espanto de que, deixando aquele que vos
chamou à graça de Cristo, passásseis assim tão depressa a
Evangelho; porque , se não é que há alguns que vos perturbam
e querem, o Evangelho de Cristo (Gálatas I-6 e 7). (voltar)

A última palavra.

257. Assim delineados os dois campos diversos: livre exame ou


humilde sujeição à Igreja Católica, já tivemos ocasião de mostrar no
decorrer de todo este capítulo como o livre exame feito por todos os
cristãos num livro tão difícil como é a Bíblia, não só em teoria já se
apresenta como impraticável, mas também na prática tem produzido
os mais funestos resultados. Cada um se aferra à sua própria
opinião. E o efeito é esta confusão inqualificável que reina na
Religião Protestante: uma escandalosa multiplicidade de seitas,
professando as doutrinas mais diversas, ressuscitando todas as
antigas heresias e lançando lamentavelmente o descrédito sobre o
Cristianismo.

Resta-nos agora a última palavra sobre o assunto e quem no-la vai


dar é o próprio Jesus Cristo ordenando o que se deve fazer na
aquisição da fé; é a própria Escritura Sagrada descrevendo, como
palavra de Deus infalível, de que modo funcionava a Igreja Primitiva.

É claro que os protestantes querem seguir a Religião nos moldes


em que Jesus Cristo a organizou; ou não é verdade? É claro que
todos os protestantes bradam que querem reconduzir o Cristianismo
à pureza de seus primeiros dias.

Agora vamos investigar esta questão: Como Jesus Cristo organizou


a sua Igreja? Fez dela um rebanho de homens todos munidos da
Bíblia, da palavra de Deus escrita e procurando cada um interpretá-
la segundo a sua maior ou menor capacidade; ou fez um rebanho
de homens todos aceitando humildemente, integralmente a doutrina
que lhes apresentavam os pregadores devidamente autorizados que
Ele, Jesus, enviou para a evangelização do mundo? Como recebiam
e conservavam a fé os cristãos primitivos, de que nos falam as
Epístolas e os Atos dos Apóstolos? Era cada um com a Bíblia na
mão a tê-la para interpretá-la; ou cada um ouvindo a pregação dos
Apóstolos e aceitando totalmente o ensino que a Igreja, por meio
dos apóstolos, lhes ministrava? É o que veremos em seguida.

Que escreveu Jesus Cristo?

258. Antes de tudo, se Jesus Cristo quisesse organizar a sua Igreja


de acordo com o sistema protestante: cada fiel com sua Bíblia para
assim receber diretamente a palavra de Deus, qual deveria ter sido
o seu primeiro cuidado?

Escrever o seu Evangelho. Escreveria primeiro (e que belo e sábio


livro não poderia ter redigido!), entregaria o seu livro aos Apóstolos
e mandaria propagá-lo.

Entretanto, Jesus não escreveu livro nenhum; não escreveu


nenhuma carta, nem uma palavra sequer. A única ocasião em que o
Evangelho nos apresenta Jesus escrevendo é no episódio do
julgamento da adúltera: Jesus, abaixando-se, pôs-se a escrever
com o dedo na terra (João VIII-6). Escreveu na terra com o dedo;
aquilo se apagou bem depressa e, por maior que seja a nossa
curiosidade a este respeito, não podemos satisfazê-la.
Nada melhor para os intérpretes da Bíblia que seriam, na hipótese,
todos os cristãos, do que um livro escrito pelo próprio punho da
Sabedoria Infinita.

Nenhuma ordem para escrever.

259. Se fosse a palavra escrita o meio de propagação do


Cristianismo e sua única regra de fé, Jesus, não tendo escrito livro
algum, deveria pelo menos dar uma ordem aos Apóstolos para que
escrevessem. Nenhum mandamento fez Jesus Cristo neste sentido.

Os Apóstolos é que espontaneamente, sem a isto serem obrigados


pelo Divino Mestre, tomaram por um ou por outro motivo, a iniciativa
de escrever, iniciativa que foi tomada também por homens que não
eram Apóstolos, como os 2 evangelistas Marcos e Lucas. Nem
todos os Apóstolos escreveram, mas somente 5 (6 com S. Paulo):
S. Mateus, S. João, S. Paulo, S. Pedro, S. Judas e S. Tiago. E é
digno de nota quão pouco escreveu S. Pedro que, vemos pelos
Atos, teve parte tão saliente na pregação do Evangelho, como o
(Mateus X-2) que era dos Apóstolos.

Nenhum dos livros da Bíblia foi redigido com esta intenção de pôr
nas mãos de todos os fiéis uma exposição completa da doutrina,
para que a lessem e interpretassem; mas todos foram escritos
ocasionalmente, sob o influxo de uma circunstância qualquer.

S. Mateus, antes de partir para longe a fazer a sua evangelização,


quer deixar por escrito aos judeus, seus compatriotas, o Evangelho
escrito na língua deles, a fim de suprir assim a sua ausência; é o
que nos afirma o historiador Eusébio de Cesareia. S. Marcos, que
era companheiro de S. Pedro, resolve consignar em escrito a
catequese do Apóstolo, para que seus ouvintes possam gravá-la
melhor. S. Lucas se dirige no começo do seu Evangelho a um
cristão excelente, Teófilo, a quem quer melhor instruir e confirmar na
fé: Pois que foram na verdade muitos os que empreenderam pôr em
ordem a narração das coisas que entre nós se viram cumpridas...
pareceu-me também a mim, T , depois de
me haver diligentemente informado de como todas elas passaram
desde o princípio, dar-te por escrito a série delas, para que
conheças a verdade daquelas coisas em que tens sido instruído
(Lucas I-1 e 3). S. João já escreve o seu Evangelho muito depois
dos outros, com o fim de mostrar que Jesus é o Cristo, Filho de
Deus (João XX-31), porque as heresias, principalmente a de
Cerinto, já começam a perturbar o povo cristão, como se nota
claramente na sua 1ª Epístola (IV-1 a 6). As Epístolas foram todas
escritas eventualmente, de acordo com as necessidades do
momento.

Pregai o Evangelho.

260. Como mandou Jesus Cristo propagar a sua Religião? Mandou


que os Apóstolos saíssem pelo mundo afora espalhando Bíblias,
para que os fiéis as lessem e interpretassem?

Absolutamente não. Jesus ordenou aos Apóstolos que pregassem,


que ensinassem a doutrina cristã. E para isto é que os havia
escolhido, ministrando-lhes conhecimentos especiais que aos outros
não eram concedidos: A vós outros vos é dado saber os mistérios
do reino dos Céus, mas a eles não lhes é concedido (Mateus XIII-
11). Para isto os tinha feito iluminar com a abundância das luzes do
Espírito Santo: Recebereis a virtude do Espírito Santo, que descerá
sobre vós e me sereis testemunhas em Jerusalém, e em toda a
Judeia e Samaria, e até às extremidades da terra (Atos I-8).

E mandou-os pregar, não como quem vai expor uma doutrina que os
fiéis examinam e aceitam se quiserem, mas pregar com absoluta
firmeza e autoridade. Assim como dissera que quem crê nEle se
salva, quem não crê se condena, o mesmo disse a respeito dos
Apóstolos: Ide por todo o mundo; pregai o Evangelho a toda a
criatura; o que crer e for batizado será salvo; o que, porém, não crer,
será condenado (Marcos XVI-15 e 16).
Duas observações temos a fazer a respeito deste trecho.

Uma é sobre o sentido da palavre . Já estamos bem


acostumados a ver o padre católico ou o pastor protestante tomar
um pequeno trecho dos Evangelhos de S. Mateus, de S. Marcos, de
S. Lucas ou de S. João e depois explicá-lo ao povo. Esta ação nós
costumamos chamar a pregação do Evangelho. Por isto, quando
lemos esta frase de Jesus dita aos seus Apóstolos: Pregai o
Evangelho a toda a criatura podemos talvez cair na ingenuidade de
pensar que cada Apóstolo estava munido de um livro chamado o
Evangelho para lê-lo e explicá-lo aos fiéis. Mas no momento em que
Jesus disse aquelas palavras nenhum livro do Novo Testamento
estava ainda escrito. Chama-se Evangelho, primeiro que tudo, a
doutrina que Jesus nos ensinou, pois Evangelho quer dizer boa
nova e foi uma boa nova de fato a doutrina de salvação que Ele nos
veio revelar. Ora, os 4 primeiros livros do Novo Testamento,
simplesmente porque narrando a vida de Jesus traziam também (e
ainda mais diretamente do que os outros) a sua doutrina, por isto
tomaram o nome de Evangelho. Logo que Jesus começou a sua
pregação, começou a chamar Evangelho a doutrina que ensinava:
Veio Jesus para Galileia, pregando o Evangelho do reino de Deus e
dizendo: Pois que o tempo está cumprido e se apropinquou o reino
de Deus, fazei penitência e crede no (Marcos I-14 e 15).
Pregar o Evangelho é pregar a doutrina de Jesus, mesmo que não
se leia, nem se tenha à mão nenhum livro do Novo Testamento,
como de fato não tinham os Apóstolos naqueles primeiros anos de
sua pregação.

A outra observação será um esclarecimento para muitas pessoas


que naturalmente dirão: Não posso conceber isto. Como Jesus
manda uns homens pregar e obriga os ouvintes a acreditarem na
palavra deles sob pena de irem para o inferno? Se são homens, não
podem errar? E os Apóstolos não tinham errado tanto durante a vida
do Divino Mestre? Mesmo que eles não pudessem errar, como
podiam os ouvintes estar certos desta sua inerrância?
— Os Apóstolos erraram muito, mostraram rudeza e ignorância até
o momento em que receberam a abundância das luzes do Espírito
Santo no dia de Pentecostes. Dessa hora em diante, a coisa mudou
por completo. Eles se tornaram pessoalmente infalíveis, iluminados
como eram pelo Espírito de Deus. Isto era necessário, porque
tinham de sair pelo mundo, cada qual por seu lado, lançando as
bases doutrinárias da verdadeira Igreja, a qual havia de firmar-se
perpetuamente na sua pregação e é por isto que S. Paulo diz que os
fiéis são edificados sobre o A e dos
profetas, sendo o mesmo Jesus Cristo a principal pedra angular
(Efésios II-20); sim, porque de Jesus Cristo é que os Apóstolos
haviam recebido a sua doutrina; e era em Jesus Cristo que as
profecias se tinham realizado.

Como veem os protestantes, embora fossem os Apóstolos,


tinha que haver neles pessoalmente uma , porque do
contrário desapareceria toda a firmeza doutrinária da Igreja.
Entregar ao povo uma palavra escrita infalível e não fazer infalíveis
pessoalmente os Apóstolos não resolveria a questão: surgiria
sempre o problema daqueles que por ignorância não entendem esta
palavra e assim, sem querer, deixam de interpretá-la
convenientemente, ou que por malícia a adulteram com sofismas
para acomodá-la a seus pontos de vista pessoais e assim é mesmo
de propósito que a interpretam mal.

O livro é, como já se disse, um mestre mudo; ele ensina, é mestre;


mas, quando não entendemos bem o que nele nos é ensinado, o
mestre-livro não fala para nos explicar o seu verdadeiro sentido.
Máxime, é claro, tratando-se de um livro de tão difícil interpretação,
como é a Bíblia. Já o filósofo Platão que viveu 5 séculos antes de
Cristo e que, portanto, é insuspeito para nos dar uma opinião a
respeito da controvérsia existente entre os católicos e os
protestantes, dizia a respeito da insuficiência do livro para nos
ministrar um ensino completo: “Interroga cem vezes o livro; ele dará
sempre a mesma resposta, adulterado do mesmo modo pelos
ignorantes e pelos sofistas, não só pela petulância destes como pela
estupidez daqueles, nem se livrará de tais injúrias,

” (Fedro, nº 60). Até parece que Platão conheceu os


protestantes, mas não era preciso; sempre foi assim em todos os
tempos; porque, por exemplo, em todas as nações se fazem leis,
porém, por mais claras e compreensíveis que elas sejam, nunca se
deu a qualquer pessoa o direito de interpretá-las.

De modo que os Apóstolos eram infalíveis e por isto se podia exigir


que os fiéis neles acreditassem. Mas como podiam os fiéis ter a
evidência de que era certa a doutrina pregada pelos Apóstolos?

Muito simples. Como Jesus Cristo provava que era do Céu a sua
doutrina? Pelos milagres que fazia. Assim também os Apóstolos.
Realizavam eles tantos prodígios, a Igreja nos primeiros dias
aparecia com tantos carismas, com tantas manifestações
extraordinárias (lembremos, por exemplo, a palavra de S. Paulo: as
línguas são para sinal, não aos fiéis, mas aos infiéis — 1ª Coríntios
XIV-22) que aqueles que não acreditassem eram da mesma raça
dos judeus obstinados, os quais rejeitaram a Cristo, apesar de seus
grandes milagres, apesar de sua estrondosa Ressurreição:
mostravam assim tanta teimosia, tanta dureza de coração que bem
mereciam a condenação eterna.

O ensino da Igreja nos nossos dias.

261. Dirá o protestante: Concordo com tudo isto. Mas e agora? Os


pregadores da Igreja Católica, como provam que é infalível a sua
doutrina? Acaso também há para eles uma descida extraordinária
do Espírito Santo, como houve outrora no dia de Pentecostes? Que
milagres realizam para provar que é verdadeira a doutrina católica?

— Uma vez propagada I pelos 12 Apóstolos e evidenciado


perante todos que ela era obra de Deus e verdadeira a sua doutrina,
não era mais preciso que cada pregador fosse pessoalmente
infalível ou tivesse recebido o Espírito Santo com a mesma profusão
com que a receberam os Apóstolos no dia de Pentecostes, nem era
mais preciso que a pregação cristã continuasse até o fim do mundo
acompanhando-se de milagres para poder convencer. Milagres que
se dessem continuamente e em todos os tempos já deixariam de ser
milagres (porque milagre é por sua natureza um fato extraordinário)
e assim já deixariam de impressionar e comover. A Ressurreição de
Jesus, todos os milagres por Ele realizados bem como todos os
prodígios efetuados pelos Apóstolos continuam a ser para nós um
motivo que nos impele à fé, porque, se não os vemos com os
nossos próprios olhos, pelo menos são fatos históricos
comprovados, dos quais não podemos duvidar.

O que era necessário depois da época dos Apóstolos era que os


pregadores ensinassem exatamente a doutrina da Igreja Cristã que,
como vimos, logo nos inícios de sua existência se começou a
chamar também I C (nº 167). O que era necessário
era que a Igreja fosse fiel em conservar até o fim a mesma doutrina
apostólica, porque esta doutrina já estava evidentemente
demonstrada como sendo a própria doutrina de Deus.

Para a Igreja conservar fielmente, integralmente a doutrina recebida,


era preciso, isto sim, que Deus velasse sobre ela com uma
especialíssima proteção.

Cristo não prometeu a cada um dos fiéis a assistência do Espírito


Santo para bem entenderem as Sagradas Letras, daí extraindo a
verdadeira doutrina; o Protestantismo quer que seja assim, mas é o
próprio Protestantismo que se encarrega de desmenti-lo, pois todos
os protestantes se julgam iluminados pelo Espírito Santo na leitura
da Bíblia, mas as suas interpretações são as mais diversas e as
mais disparatadas, o que é sinal de que o Espírito Santo não
intervém de forma alguma nessas interpretações privadas, pois o
Espírito Santo não é espírito de contradição.

Quando Jesus Cristo promete o Espírito Santo aos simples fiéis (O


que crê em mim, como diz a Escritura, do seu ventre correrão rios
de água viva: Isto, porém, dizia Ele falando do Espírito que haviam
de receber os que cressem nEle — João VII-38 e 39) refere-se a um
dom especial de que haviam de receber aqueles que
recebessem convenientemente o Batismo (Fazei penitência, e cada
um de vós seja em nome de Jesus Cristo para remissão
dos pecados; e recebereis E S — Atos II-38).
A alma santificada pelo Batismo torna-se um templo do Espírito
Santo (1ª Coríntios VI-19), enquanto não O expulsar pelo pecado
mortal.

Mas esta presença do Espírito Santo na alma pela graça é uma


coisa; e a assistência do Espírito Santo para , no meio de
tantos erros, a verdadeira doutrina, é outra coisa bem diversa. Não
foi aos simples fiéis que Jesus Cristo disse: Ide, ensinai. A sua
função é aprender. E se quer o fiel conservar-se neste estado de
graça, é preciso que se mostre submisso à Igreja, aos legítimos
enviados de Cristo, a quem Este disse: O que a vós ouve, a mim
ouve; e o que a vós despreza, a mim despreza (Lucas X-16) pois se
não ouvir a Igreja, tem-no por um gentio ou um publicano (Mateus
XVIII-17) [37].

Uma assistência especial para verdadeira doutrina é


prometida por Cristo, sim, aos Apóstolos e seus sucessores, pois
Jesus promete velar especialmente pela sua
Igreja, isto é, por aqueles que a dirigem, que nela têm o poder de
instruir e encaminhar e santificar os fiéis: Ide, pois, e todas
as gentes, batizando-as em nome do Padre, do Filho e do Espírito
Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos tenho
mandado. E estai certos de que
, (Mateus XXVIII-19 e 20).

Será inútil querer fazer confusão a respeito destas palavras:


, as quais significam fim do mundo.
Consumação quer dizer fim; e século (no grego ) quer dizer
mundo: Não vos conformeis com este (Romanos XII-2). Os
filhos deste são mais sábios na sua geração que os filhos
da luz (Lucas XVI-8). Os filhos deste casam homens com
mulheres, e mulheres com homens; mas os que forem julgados
dignos daquele e da ressurreição dos mortos, nem os
homens desposarão mulheres; nem as mulheres, homens; porque
não poderão jamais morrer (Lucas XX-34 a 36). Falamos da
sabedoria; não, porém, da sabedoria deste , nem da dos
príncipes deste que são destruídos (1ª Coríntios II-6).

A expressão que corresponde no grego a esta


é , a qual fora desta frase que ora
comentamos, só aparece quatro vezes no Novo Testamento e em
todas elas indica o fim do mundo. Referindo-se à mistura do trigo e
da cizânia que serão separados no juízo final, Jesus Cristo diz: o
inimigo que a semeou é o diabo; o tempo da ceifa é o
; e os segadores são os anjos (Mateus XIII-39). Assim, como
é colhida a cizânia e queimada no fogo, assim acontecerá no
(Mateus XIII-40). Assim será no : sairão os
anjos e separarão os maus dentre os justos (Mateus XIII-49). E em
outra ocasião estando Ele assentado no monte das Oliveiras, se
chegaram a Ele seus discípulos à puridade, perguntando-Lhe: Dize-
vos quando sucederão estas coisas? e que sinal haverá da tua
vinda e da ? (Mateus XXIV-3).

Nestes quatro trechos acima citados, as expressões


e são tradução do grego
— expressão que não aparece mais no Novo Testamento. E
no nosso caso, o contexto mostra muito bem que se trata de uma
assistência prometida até o fim do mundo; pois Jesus manda
. Os Apóstolos haveriam de morrer
dentro de alguns anos e eram apenas doze homens; a missão de
espalhar o Evangelho por toda a terra, para que todos os homens
cheguem a ter o conhecimento da verdade (1ª Timóteo II-4) não
podia ser realizada somente por eles, tanto mais que muitos povos
não tinham sido descobertos ainda, os da América por exemplo;
havia esta obra de ser continuada pelos seus sucessores. E é para
esta obra de que Jesus promete a sua assistência até o fim
do mundo. Ele promete assim velar especialmente pela I
D , para que ela cumpra com proficiência a missão altíssima
que lhe foi confiada.

E a constância, a firmeza com que a Igreja Católica vem


conservando a sua doutrina através de 20 séculos, apesar de lutar
contra heresias tão diversas, a admirável vitalidade que mostra a
Igreja entre homens de raças, de línguas, de condições, de tempos,
de costumes tão diferentes, mantendo sempre todos entrelaçados
pela , tudo isto se nos apresenta como um verdadeiro
milagre, evidenciando nela uma proteção especialíssima de Deus,
num contraste impressionante com a tremenda anarquia doutrinária
que se nota no seio do Protestantismo, com 15 séculos a menos de
existência.

Assim a história da Igreja Católica é, toda ela, um grande milagre,


pois foi um milagre a sua rápida propagação, foi um milagre a
constância extraordinária dos mártires, como o é também o modo
como ela supera todas as oposições, todas as heresias, todas as
crises internas e externas.

E, por falar em milagres, um dos meios pelos quais se tem


manifestado a assistência especial de Cristo à sua Igreja, são os
milagres que em todos os tempos nela se têm verificado. Não há
dúvida que eles não podem ser frequentes como eram nos tempos
primitivos. Não há dúvida que há o milagre verdadeiro e o milagre só
aparente; e a Igreja, com a sua larga experiência, se mostra sempre
muito cautelosa, muito desconfiada nesta matéria. Mas que se dão
no seio da Igreja muitos milagres autênticos e indiscutíveis, não há
dúvida alguma. Nenhum santo pode ser canonizado, sem que se
provem pelo menos 5 milagres autênticos, averiguados, depois de
exame rigorosíssimo, com toda a precisão científica. E para não
falarmos em Fátima, que é mais recente, embora não menos
gloriosa, L na França, onde se têm aboletado os médicos
mais obstinados e mais incrédulos, desejosos mesmo de desmentir
os milagres e que findam sempre confessando não haver explicação
natural para aqueles prodígios, L , onde tantos protestantes
têm encontrado afinal a verdadeira fé, é uma prova de que Deus
continua a prestigiar a sua legítima Igreja, a Igreja Católica com a
prova dos milagres. E neste particular a posição dos protestantes é
realmente muito esquerda: sabem que os milagres são possíveis,
que Jesus Cristo recorreu frequentemente a eles para mostrar a
divindade de sua Religião; sabem muito bem quanto seria útil e
conveniente como uma amostra ao mundo de hoje, tão batido pela
irreligiosidade e pela descrença, a realização de prodígios do Céu,
para prestigiar a verdadeira doutrina de Jesus, porque a Bíblia não
diz em parte alguma que Deus esteja proibido de fazer milagres nos
tempos atuais. No entanto, ao passo que em favor da sua
que começaram a pregar no século XVI, não apresentam
um só milagre sequer, se veem forçados a negar obstinadamente
uma grande quantidade de milagres historicamente comprovados,
patentes aos olhos de todos, que militam em confirmação da Igreja
Católica. Toda a sua segurança repousa apenas na interpretação
pessoal que dão aos textos da Bíblia; interpretação bem diversa
daquela que desde 15 séculos os mais sábios intérpretes vinham
dando, quando eles apareceram; interpretação que nada tem de
segura, porque eles próprios são os primeiros a discuti-la em todos
os pontos.

De maneira que vemos, pelo modo como Jesus organizou a sua


Igreja e mandou propagá-la, que Ele não a fundou como uma
Sociedade Bíblica, encarregada de imprimir e espalhar Bíblias por
toda a parte, para cada um ler e interpretar à sua vontade. Nosso
Senhor fez dela uma sociedade em que há uns que ensinam e são
os Apóstolos e seus sucessores (Ide, pois, e ensinai todas os
gentes) e outros que aprendem. E este ensino é dado pela pregação
oral, pregação feita, aliás, somente por aqueles que estão
legitimamente autorizados para isto, por aqueles que são de fato
para este fim: Como invocarão, pois, Aquele em quem
não creram? Ou como crerão àquele que não ouviram? E como
ouvirão sem pregador? Porém como pregarão eles, se não forem
enviados? ... Logo a fé é pelo ; e o ouvido pela palavra de
Cristo (Romanos X-14 e 15; 17).

E esta pregação, este ensino não são feitos apenas como um


esclarecimento para o fiel melhor se orientar na sua interpretação
privada da Bíblia, ficando este fiel com a liberdade de organizar a
doutrina à sua vontade. São feitos com absoluta autoridade, de
modo que os fiéis são obrigados a crer naquilo que lhes é ensinado
pela verdadeira Igreja: O que crer e for batizado será salvo; o que,
porém, não crer será condenado (Marcos XVI-16).

Notas (pular)

[37] Os protestantes querem também apresentar como promessa da


inspiração do Espírito Santo aos fiéis, as seguintes palavras de Jesus:
Quando vier, porém, aquele Espírito de verdade, Ele vos ensinará
(João XVI-13). Mas estas palavras foram ditas aos Apóstolos numa
longa palestra que Jesus teve com eles, na intimidade e que vai de João XIII-
31 até o final do Capítulo XVII do mesmo Evangelista. Querer cada nova-seita
de hoje ser tão iluminado pelo Espírito Santo como eram os Apóstolos que
tinham por missão lançar as bases para a propagação da Igreja, quando a
promessa foi feita exclusivamente a estes últimos, é realmente uma pretensão
muito grande. (voltar)

A pregação católica e a protestante.

262. Aí se vê a profunda diferença que existe entre a pregação


católica e a pregação protestante.

O pregador católico pode dizer aos seus ouvintes: Eu prego a


palavra de Deus e quem não crer está no caminho da condenação,
porque a doutrina que prego não é minha, não venho aqui expor
uma opinião, uma interpretação pessoal, venho expor a doutrina da
verdadeira Igreja, a qual , vem
, a qual sempre foi a mesma, porque a Igreja nunca
mudou nem mudará, a qual é a mesma aqui e na Europa, e nos
Estados Unidos, e na África, e na China e em toda a parte, porque a
doutrina de Deus é .

Ora, um pastor protestante já não pode falar aos seus fiéis com
igual firmeza. Como pode obrigar os outros a crer o que ele ensina,
se é partidário do livre exame e sobe ao púlpito para expor os seus
sobre a Sagrada Escritura, diante de
fiéis que são autorizados pela sua própria Religião a terem lá os
seus pontos de vista pessoais também? Como pode obrigar os fiéis
a crer no que ele diz, se há também muitos outros pastores
protestantes que ensinam doutrinas bem diversas da sua?

Utilidade da Escritura.

263. A fé vem pelo ouvido. A base de sua pregação é o ensino oral.


Mas daí não se segue que a Escritura seja inútil. Toda a Escritura
divinamente inspirada (2ª Timóteo III-16). Não há dúvida
alguma, é utilíssima. Sem o Novo Testamento, como poderia a
Igreja Católica mostrar aos hereges de todos os tempos, e
especialmente aos protestantes, a sua instituição divina, as bases
em que se firma a sua autoridade? A Bíblia é um imenso tesouro de
sabedoria, onde a Igreja sempre foi buscar, na palavra de Deus
escrita, termos precisos e bem adequados para ilustrar a pregação
das verdades eternas. Ela serve para consolidar o ensino tradicional
da Igreja.

Mas dizer-se que ela é indispensável a todo cristão, no sentido de


que cada um , precisa ter, nas suas
mãos, o Livro Sagrado, para dele se improvisar em
isto já é uma coisa muito diversa. A
própria história da Igreja e da Humanidade desautoriza esta
pretensão.

Os ensinos de Jesus e de seus Apóstolos estão encerrados no


Novo Testamento.
Pois bem, quando a Igreja foi fundada, no dia de Pentecostes,
nenhum livro do Novo Testamento estava ainda escrito. Pelo menos,
8 ou 9 anos se passaram nesta situação: havia Igreja, os fiéis
tinham a verdadeira fé, eram legítimos seguidores de Jesus Cristo,
sem existir ainda nenhum livro da Bíblia que expusesse a doutrina
cristã, porque o Evangelho de S. Mateus, o primeiro a ser escrito, foi
composto entre os anos de 42 a 50, quando o início da Igreja, no dia
de Pentecostes, foi no ano de 33. O Evangelho de S. João que
encerra tantas coisas omitidas pelos outros foi composto numa data
que também não se sabe precisar, mas que está entre os anos de
70 a 100. Mais de um século decorreu para que se organizasse num
livro a coleção de todos os textos sagrados [38]. Quinze séculos se
passaram, conforme já observamos, em que a difusão da Bíblia era
sobremaneira difícil, pelo seu preço muito elevado, porque a
imprensa só foi descoberta no século XV. E ainda hoje são inúmeros
aqueles que aceitam a verdadeira fé e a professam e ganham o
Céu, não pela leitura da Bíblia, mas unicamente ouvindo a
pregação, simplesmente porque não sabem ler.

Por isto não é de admirar que os protestantes, que dizem só admitir


aquilo que está na Bíblia, não apresentem nenhum texto da mesma
que obrigue os cristãos a lê-la ou que lhes dê o direito de interpretá-
la, pois aquela palavra Examinai as Escrituras, conforme já
explicamos, foi dirigida a , como último recurso
porque eles não quiseram acreditar na pregação de Jesus Cristo,
nem nos milagres extraordinários que a acompanhavam.

E estes mesmos protestantes que querem reproduzir exatamente a


Igreja Primitiva, não nos mostram em nenhum texto da Bíblia os
cristãos, os já convertidos (porque os judeus de Beréia que
aparecem nos Atos consultando as Escrituras, não se tinham
convertido ainda) fazendo girar toda a sua Religião em torno da
Bíblia no sentido de estarem todos interessados em como hão de
interpretá-la, como também não mostram os Apóstolos insistindo
com os fiéis para que não deixem de ler a Escritura Sagrada, a fim
de aí apreciarem e compreenderem diretamente a palavra de Deus.
A Bíblia nos mostra, sim, os Apóstolos recomendando sempre,
insistentemente, que os fiéis não se afastem do ensino oral, daquilo
que tinham na pregação e nas explicações da doutrina:
Ponho-vos, pois, presente, irmãos, o Evangelho que vos preguei, o
qual também vós recebestes e nele ainda perseverais, pelo qual é
certo que sois salvos, se todavia o conservais -
, salvo se em vão o crestes (1ª Coríntios XV-1 e 2). Eu vos
louvo, irmãos, porque em tudo vos lembrais de mim e guardais
- (1ª Coríntios XI-2). O
que não só aprendestes, mas recebestes, em
mim, isto também praticai; e o Deus de paz será convosco
(Filipenses IV-9). Já sabeis , por
autoridade do Senhor Jesus (1ª Tessalonicenses IV-2). Guarda a
forma das sãs palavras que me na fé e no amor em
Jesus Cristo (2ª Timóteo I-13). Guardando o que
diante de muitas testemunhas, entrega-o a homens fiéis
(2ª Timóteo II-2).
Estai firmes e conservai as que aprendestes, ou
, ou por carta nossa (2ª Tessalonicenses II-14). Nós vos
intimamos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que vos
aparteis de todo o irmão que andar desordenadamente e não
segundo que ele e os mais receberam de nós outros (2ª
Tessalonicenses III-6). Quem conhece a Deus - ; o que não
é de Deus não nos :
(1ª João IV-6).

E ainda mais: é necessário este apego ao ensino oral dos


Apóstolos, porque já aparece na Bíblia o grito de alarme contra os
que se metem a interpretar as epístolas de S. Paulo, bem como as
outras Escrituras, sem ter a capacidade, nem a firmeza de fé
necessária para isto: E tende por salvação a larga paciência de
nosso Senhor; assim como também nosso irmão caríssimo Paulo
vos escreveu segundo a sabedoria que lhe foi dada, como também
em todas as suas cartas, falando nelas disto, nas quais há algumas
coisas difíceis de entender, as quais adulteram e
, como também ,
. Vós, pois, irmãos, estando já de antemão advertidos,
guardai-vos, para que não caiais da vossa própria firmeza, levados
do erro destes insensatos (2ª Pedro III-15 a 77). Não podia ser mais
clara a condenação do Protestantismo e do seu .

O que os Apóstolos insistentemente recomendam é a fidelidade à


Igreja, representada por aqueles que devidamente autorizados
pregam a sua doutrina, porque a Igreja é, segundo o ensino de
S. Paulo,

Notas (pular)

[38] Quando apresentamos estes argumentos, os protestantes respondem


que, mesmo quando os cristãos não tinham em mãos os livros do Novo
Testamento, tinham os do Antigo, os quais dão testemunho de Jesus. Ora, em
que sentido o Antigo Testamento dá testemunho de Jesus? Apontando, pelas
profecias, o Messias Prometido, profecias estas que se cumpriram no Divino
Mestre. Mas para o cristão basta saber que Jesus é o Messias Prometido?
Não lhe ó necessário conhecer também a doutrina que Jesus ensinou? E
onde, no Antigo Testamento poderão encontrar esta doutrina? Onde poderão
instruir-se sobre a SSma Trindade, o Batismo, a Ceia Eucarística, os novos
mandamentos de Jesus, a organização da Igreja etc, etc? O Antigo
Testamento usado com exclusividade, como meio de instrução, serviria até
para atrapalhar, pois traz um grande número de prescrições da Lei Mosaica
que na Nova Lei já estão abolidas. A doutrina cristã se aprende no Novo
Testamento e não no Antigo; querem os protestantes negar esta verdade tão
evidente? (voltar)

Coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15).

264. Eis aí uma palavra que é e será sempre misteriosa e


incompreensível para os protestantes. Se a verdade é sólida,
inquebrantável, invencível em si mesma, se a verdade em última
análise é o próprio Deus, como precisa ela de uma coluna para
- ?
Mas a verdade pode ser considerada de duas maneiras: enquanto
existe em si mesma e enquanto . Em si
mesma, ela não precisa de nenhum apoio, mas para que chegue ao
nosso conhecimento, ao conhecimento de todos, é preciso haver
quem a defenda, quem a . Por isto é muito comum ouvir-
se alguém dizer no meio de uma discussão: eu a
verdade, enquanto o que Você sustenta é mentira. S. Paulo, vendo
já desde os primeiros tempos a luta dos hereges, daqueles que
começam a perturbar os cristãos, introduzindo, no seio deles, a
peçonha do erro, nos mostra qual é neste ponto o verdadeiro papel
da Igreja, que deve ser a coluna da verdade, sustentando-a com
firmeza, apesar de toda a grita, de toda a oposição dos adversários.
Se é verdade a existência de três Pessoas em Deus, a divindade de
Jesus Cristo, a imortalidade da alma, a existência do inferno, a
indissolubilidade do matrimônio, a presença real de Jesus Cristo na
Eucaristia, a necessidade do Batismo, o valor expiatório da morte de
Cristo, a necessidade da graça para a salvação etc, etc, a missão
da Igreja é a verdade com firmeza, com autoridade, com
absoluta segurança, reclame quem reclamar, doa a quem doer,
discorde quem quiser discordar. Se o Protestantismo concede aos
seus adeptos a liberdade de dar aos textos da Bíblia a interpretação
que julgarem mais conveniente, então renuncia inteiramente a esta
missão de sustentar a verdade; deixa a cada um a incumbência de
o que bem entende. Todos sabemos que a verdade
existe; mas no seio do Protestantismo, eles lá não podem saber o
que é verdade, nem o que não é; pois a confusão aí é muito grande.

E é preciso notar que se os protestantes, no meio de seus erros


(eles próprios têm que confessar que há erros no Protestantismo,
pois onde existe a contradição existe o erro: a verdade é uma só) se
os protestantes, no meio de seus erros, ainda sustentam, numa
dosagem maior ou menor, algumas grandes verdades, têm que
reconhecer que isto devem exclusivamente à Igreja Católica, donde
se separaram, à Igreja Católica que pela sua soube manter
intactos os seus princípios na luta contínua contra os hereges de
todos os tempos. Não fosse o ensino constante da Igreja, e a
confusão entre eles ainda seria muito maior.

No meio de tantos protestantes que, levados pelo seu ódio


rancoroso contra a Igreja Católica vivem a ensinar aos seus irmãos
na fé (!!!) que o Papa é o Anticristo ou a besta do Apocalipse, que a
Igreja não é mais do que a meretriz de Babilônia de que fala a
Escritura Sagrada (Apocalipse XVII-5) e assim se servem, do modo
mais ridículo, da palavra de Deus para tentar impressionar os rudes
e ignorantes, prevenindo-os contra a mais numerosa Igreja Cristã e
a única que vem dos tempos apostólicos, sempre aparece um ou
outro que fala com mais lógica e mais serenidade. E é assim que na
Revista Inter Ocean, de Chicago apareceu um artigo do ministro
metodista Dr. Charles Bayard Mitchell que diz, entre outras coisas, o
seguinte:

“Agrada-me a Igreja Católica, porque permanece inabalável em seu


reconhecimento da divindade de Jesus Cristo. Nem um só dos que
dirigem seus destinos admite discussão sobre este grande dogma.
Agrada-me, porque protege a pureza do lar e proclama a santidade
do matrimônio. Dou graças a Deus pelo fato de protestar esta Igreja
em termos inequívocos contra os divórcios, baldão da nossa cultura
americana. Dou graças a Deus de uma maneira especial pela
atitude que a Igreja tem assumido contra a anarquia brutal e o
utópico socialismo. Deito-me tranquilo, porque temos em nosso
meio a Igreja Católica.” (O artigo foi transcrito no Mensageiro de
Bilbao, número de 72 de dezembro de 1929).

Esta inquebrantável firmeza de princípios, característica da


verdadeira Igreja de Jesus Cristo (a qual foi posta no mundo para
ensinar a verdade e dela se sente segura e certíssima desde o
começo e por isto não pode transigir com o erro) não pode jamais
ser conseguida sob o regime do livre exame. E foi por isto que
Nosso Senhor Jesus Cristo, em vez de mandar espalhar Bíblias
para cada um interpretar à vontade, mandou que os Apóstolos e
seus sucessores saíssem pelo mundo a ensinar (Ide, pois, e ensinai
todas as gentes — Mateus XXVIII-19) e garantiu que a Igreja nunca
seria vencida pelos tiranos, nem maculada pelo erro (E as portas do
inferno não prevalecerão contra ela — Mateus XVI-18), porque ela
deveria ser em todos os tempos a guia segura para todos os
homens, a coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15).
Capítulo Décimo Primeiro
Cristo enviou os Apóstolos a batizar
A lei da solidariedade humana.

265. Quando dizemos que a missão da Igreja, a missão do


sacerdote é as almas, os protestantes põem os dedos nos
ouvidos e bradam, indignados: Ouvistes a blasfêmia? Dizer que a
Igreja salva, que o padre salva, quando quem salva é Jesus Cristo,
!!

Esta indignação nasce apenas de uma confusão de ideias. Primeiro


que tudo, podem eles tachar de blasfemas as palavras da própria
Bíblia? No entanto a Bíblia atribui a a missão de salvar os
outros. Vejamos o que diz S. Paulo a Timóteo: Olha por ti e pela
instrução dos outros; persevera nestas coisas; porque, fazendo isto,
te tanto a ti mesmo, como (1ª Timóteo
IV-16). E na 1ª Epístola aos Coríntios: Fiz-me tudo para todos, por
a todos (1ª Coríntios IX-22).

É claro que quando a Bíblia diz que Cristo nos salvou, porque é o
Único Salvador; e esta mesma Bíblia diz que um homem salva os
outros, a palavra num e noutro caso não tem exatamente o
mesmo sentido. Quando diz que Cristo nos salvou, se refere ao
indispensável para a nossa salvação, oferecido só por
Cristo, porque só Ele é que o podia oferecer; refere-se a Cristo
como a fonte única donde procedem todas as que são
necessárias para a salvação da Humanidade, não só as que nos
são concedidas hoje, após a sua morte, mas também as que foram
recebidas por todos os homens e em todos os tempos. Quando diz
que um homem salva os outros, refere-se ao trabalho deste homem,
ao seu esforço, à sua cooperação para que os outros venham a
aproveitar do sangue regenerador de Jesus Cristo, porque Jesus
Cristo morreu por todos, mas nem todos se salvam: há umas tantas
condições a observar para que a cada um em particular sejam
aplicados os frutos da Redenção.

Para darmos um exemplo: a mesma diferença de sentido que se dá


com esta palavra , se dá também com os termos pelos quais
expressamos a nossa . Somos criaturas de Deus. Mas
tanto dizemos: Devo a Deus a minha existência, como dizemos:
Tenho que respeitar a meus pais, porque
. Mas tem a frase num e noutro caso a mesma
significação? Devo a Deus a minha existência, porque Ele criou a
minha alma, tirou-a do nada, e isto é um ato de poder infinito, que,
portanto, nenhuma criatura é capaz de realizar. Devo a meus pais a
minha existência, porque embora sejam eles simples criaturas como
eu, Deus não quis dispensar pela geração,
para que se realizasse o ato criador.

E assim em tudo na vida, Deus está agindo sempre em mim por


intermédio das , por meio das . Uma
vez nascido, precisei de alimentação, de cuidados especiais com a
minha saúde. A zelou por mim, para que nada
me faltasse, mas zelou por intermédio da ação de meus pais que se
entregaram a cuidados, labutas, suores e sacrifícios para que eu
tivesse à minha disposição tudo quanto me era necessário. A
educação que tanto está influindo no meu comportamento e nas
minhas qualidades morais, me veio igualmente por intermédio de
meus pais que a fizeram a seu modo. Se precisei instruir-me, a
ciência não me veio diretamente de Deus: veio por intermédio dos
mestres que me transmitiram aquilo que sabiam, porque já o tinham
recebido de outros. E ainda hoje quando estou um homem feito,
livre e independente, se preciso de um emprego, se quero curar-me
de uma doenças, se me faltam recursos para empreender uma
viagem etc., etc., nada disto me vem diretamente do Céu; é a
Providência que age na minha vida através de um amigo, de um
médico, de um protetor, de um profissional etc., e pode até às vezes
servir-se de meus próprios inimigos para me fazer benefícios. É a lei
da solidariedade humana: todos precisamos uns dos outros.
Na antiga e na nova lei.

266. Isto acontece na nossa vida material; e Deus quis que também
fossem assim no que diz respeito aos bens da nossa alma. Vemos,
em toda a história do Antigo Testamento, que as graças especiais
concedidas a seu povo escolhido, Deus as mandava, por exemplo,
por intermédio dos Profetas; eram homens fracos e imperfeitos,
como demonstraram muitas vezes, mas era deles que Deus se
servia para guiar, dirigir, advertir, iluminar o seu povo.

Na Nova Lei, a narrativa dos Evangelhos nos mostra muito bem que
Deus, escolhendo os seus Apóstolos, dando-lhes uma missão
especial, concedendo-lhes extraordinários poderes, não quis
absolutamente agir de maneira diversa: são maiores as riquezas
celestiais distribuídas aos cristãos, mas o sistema de distribuição é
sempre o mesmo. Porque se na Nova Lei Deus nos concede
do que na Antiga, Ele confia a homens uma
na distribuição da
superabundante graça divina e na economia da salvação.

Pregar e batizar.

267. Já vimos, no capítulo anterior, que Deus confiou aos Apóstolos


e seus sucessores a missão de , como tinha confiado aos
Profetas. O homem faz o seu discurso, de acordo com a sua
inteligência e capacidade, com o seu talento e jeitão pessoal; Deus
se serve destas palavras do homem para transmitir aos outros os
seus ensinamentos divinos. A palavra do homem, ensinando a
legítima doutrina, se torna neste caso a própria palavra de Deus.

Mas aos Apóstolos e seus sucessores Jesus não deu somente a


incumbência de pregar. Mandou-os também : Ide, pois, e
ensinai todas as gentes, - em nome do Padre e do
Filho e do Espírito Santo (Mateus XXVIII-19).

Qual é o efeito do Batismo?


O Batismo põe a alma na graça santificante. Nascemos todos nós
; nisto é que consiste o pecado original,
que é justamente a privação desta graça, na qual foram criados por
Deus nossos primeiros pais, no Paraíso Terrestre, mas não foram
fiéis a Deus e a perderam para eles e os seus descendentes. É por
isto que se administra o Batismo às crianças. Para entrar no reino
de Deus, onde se goza uma felicidade sobrenatural (isto é, que está
acima da nossa natureza) é preciso levar também o dom
sobrenatural da graça.

O batismo das crianças.

268. Desde o tempo dos Apóstolos, a Igreja vem batizando as


crianças, como nos atesta o grande escritor Orígenes, do século 3º,
que diz o seguinte: “A Igreja recebeu dos Apóstolos a tradição de
dar o Batismo também às crianças. Sabiam eles, a quem foram
confiados os segredos dos mistérios divinos que existe em todos a
genuína mancha do pecado, a qual tem que ser lavada pela água e
pelo Espírito Santo” (In Rom. 15; nº 9). S. Cipriano, em nome do
concílio de Cartago (do ano de 253) escreve ao bispo Fido, o qual
era de opinião que os meninos não deviam ser batizados, com
menos de 8 dias de nascidos: “Neste ponto ninguém está de acordo
com a tua opinião, antes todos ao contrário fomos de parecer que a
nenhum homem se há de negar a misericórdia e a graça
de Deus”. Como veremos mais adiante, Nosso Senhor, na sua
entrevista com Nicodemos, fala da necessidade do Batismo para
todos, de um modo geral, sem abrir nenhum exceção para as
crianças.

Os protestantes que são contrários ao batismo das crianças


apresentam por prova, como se fosse isto um grande argumento,
que B . O argumento é
muito fraco, porque é meramente negativo. Estão assim
protestantes que dizem só B atribuindo
à mesma uma doutrina que ela absolutamente não ensina, pois a
Bíblia não diz em nenhuma parte
[39]. Isto não está escrito na Bíblia. Eles vão apenas
observar, pela narração dos fatos na Escritura, se aparece algum
caso de batismo de crianças; se não aparecer, então vão concluir,
sem mais nem menos, que as crianças não podem nem devem ser
batizadas. Segundo este mesmo critério, alguém poderia dizer:
Aquele pastor não acredita na SSma Trindade, pois já ouvi 50
sermões seus e não o ouvi falar sobre este mistério.

Ora, só no do
Evangelho (de S. Mateus) é que aparece Jesus dando aos
Apóstolos a ordem de batizar. Se o Evangelho fala de batismo
realizado pelos Apóstolos durante a vida de Cristo, não se sabe ao
certo se era simplesmente um batismo de penitência igual ao do
Precursor ou já o batismo cristão, e mesmo o texto não esclarece se
batizavam também as crianças ou somente os adultos: Não era
Jesus o que batizava, mas seus discípulos (João IV-2). Os
Evangelhos falam, sim, no batismo de João, e este era por natureza
reservado aos adultos, porque tinha como finalidade excitar ao
arrependimento; mas isto nada tem que ver com o nosso batismo, o
batismo cristão que, como veremos (nº 275), é perfeitamente
distinto do batismo preparatório de João e muito superior a ele.

Das Epístolas nenhuma é um tratado especial sobre o Batismo. O


Apocalipse, muito menos.

E se nos Atos dos Apóstolos, que foram escritos


, mas com a preocupação apenas
de narrar aquilo que se passou nos primeiros anos da Igreja, se
contam batismos de adultos, não de crianças, é o que há de mais
natural. Quando começou a ser ministrado no mundo o batismo
instituído por Cristo? Justamente quando a Igreja começou a existir.
O mundo inteiro estava necessitando de ser batizado e só se podia
começar pelos adultos. Como podia haver o costume de cada pai e
mãe levar o seu filhinho ao Batismo, logo após o nascimento, se
eles próprios não eram batizados ainda e a Religião Cristã ainda
não estava suficientemente propagada?
Além disto, podem os protestantes garantir que a Bíblia não narra
batismo das crianças? Os Atos narram que o carcereiro convertido
porque viu o terremoto e a abertura das portas da prisão, foi
batizado com toda a sua família. E imediatamente foi batizado ele e
(Atos XVI-33). Antes disto, já tinha sido batizada a
família de Lídia, vendedora de púrpura na cidade de Tiatirenos; E
tendo sido batizada ela e , fez esta deprecação (Atos
XVI-15). S. Paulo afirma que batizou a família de Estéfanas: E
batizei também a de Estéfanas (1ª Coríntios I-16). Como
podem os protestantes que nas famílias do carcereiro, de
Lídia e de Estéfanas, não havia nenhuma criança?

Sendo uma questão sobre a qual a Bíblia não se pronuncia


explicitamente (não sendo de espantar, portanto, que os
“evangélicos” tanto discutam sobre o assunto) qual era a solução
mais natural, senão indagar como é que a Igreja fundada por Nosso
Senhor Jesus Cristo vem fazendo desde o princípio? Será que, não
contentes com afirmar que a Igreja caiu no erro desde vários
séculos e que falhou, por conseguinte, a promessa de Cristo,
querem dizer também que a Igreja está errada desde o começo?

Isto mostra muito bem como é necessário acrescentar aos ensinos


da Bíblia o testemunho da Tradição.

Para receber a pelo Batismo, é claro que não


precisam as crianças ter a fé nem nenhuma disposição, porque de
nada disto são capazes. Recebido o Batismo, tornam-se em virtude
do sacramento, um E S .

— Como pode ser isto? Dirão os protestantes. Uma criança que de


nada tem conhecimento ser já a habilitação do Espírito Santo!

— Como pode ser? Da mesma forma que João Batista foi


santificado, foi livre do pecado original, tornou-se um templo do
Espírito Santo, por especial privilégio, quando ainda estava no
ventre materno. O anjo diz a Zacarias, anunciando o nascimento do
Precursor: Ele será grande diante do Senhor e não beberá vinho
nem outra bebida que possa embriagar, e
E S (Lucas I-15). O que as
outras crianças mais tarde conseguirão pelo Batismo, S. João
Batista já o consegue, em maior abundância e por uma intervenção
extraordinária de Deus, antes mesmo de seu abençoado
nascimento.

Notas (pular)

[39] Não vem ao caso absolutamente a palavra de Nosso Senhor Jesus


Cristo: Deixai os meninos e não embaraceis que eles venham a mim; porque
destes tais é o reino dos Céus (Mateus XIX-14), a qual apresentam alguns
protestantes, querendo alegar, com isto, que os meninos não precisam ser
batizados, uma vez que o Céu já pertence a eles.

Nosso Senhor disse isto da mesma forma que disse: Bem-aventurados os


pobres de espírito, porque R C ... Bem-aventurados os
que padecem perseguição por amor da justiça, porque R
C (Mateus V-3 e 10), ensinando com isto que são felizes os que têm o
verdadeiro espírito de pobreza, os que sendo pobres abraçam de coração,
amam e estimam o seu próprio estado, bem como são felizes aqueles que,
batalhando por uma causa justa, apesar disto recebem perseguições, porque
o Céu os está esperando, como a grande recompensa que lhes está
reservada. Que diria o protestante daquele que ensinasse o seguinte: Quem é
pobre de espírito, assim como também quem é injustamente perseguido, não
precisa J , nem precisa - , para
conquistar o Céu, pois já tem o Céu garantido? O que Nosso Senhor quis
dizer apenas foi que estas virtudes são, entre as outras, as que melhor
conduzem à bem-aventurança celeste.

O mesmo se diga do caso das crianças. Não é o simples fato de ser criança
que a leva para o Céu; pode haver, até, por exceção da regra alguma criança
má, que não mereça de forma alguma. Nosso Senhor, dizendo ,
e
como está no texto grego (e o P Pereira traduziu muito bem: ,
isto é, daqueles que são como meninos, que lhes são semelhantes) está
apenas exaltando o valor da criança que é um modelo para os grandes, um
espelho das virtudes que se devem praticar para ganhar o Céu, pela sua
candura, simplicidade, amor à verdade, castidade, desprendimento e rápido
esquecimento das injúrias; é preciso que os grandes se tornem por virtude
aquilo que as crianças já são por natureza. E por isto mesmo Nosso Senhor
havia dito no capítulo anterior: Na verdade vos digo que, se vos não
converterdes e ,
(Mateus XVIII-3). (voltar)

A regeneração do adulto.

269. Passemos agora a considerar o batismo recebido pelo adulto.


Seu efeito é o mesmo: - . Para isto é
necessário não só apagar nele o pecado original, mas também dar-
lhe a remissão dos pecados , isto é, dos que ele cometeu
pessoalmente, depois que lhe despontou o uso da razão. E assim,
enquanto na criança não se exigia nenhuma preparação para
recepção do Batismo, uma vez que a criança disto não era capaz,
agora no caso do adulto é bem diferente. Para que o Batismo surta
o seu efeito, não só é necessário o do
adulto, mas também que ele tenha a em Cristo, bem como o
de todos os seus pecados.

E assim pondo ou a criança ou o adulto no estado de graça


santificante, o Batismo produz a regeneração espiritual que faz do
homem um membro vivo do corpo místico de Cristo. É o Batismo
quem nos introduz na Igreja.

— Como o Sr. prova, dirá o protestante, que o Batismo regenera


espiritualmente o homem, dá-lhe a remissão dos pecados e lhe
confere a graça santificante?

— É o que veremos daqui a pouco, neste mesmo capítulo


(n$^{\text{os}}$ 274 a 281) pelas próprias palavras de Jesus Cristo e
pelo próprio ensino da Bíblia.

Mas o Batismo se recebe só uma vez, e o homem está sujeito a


perder a graça santificante pelo pecado mortal. Como remediar
agora a esta situação? Para isto Jesus Cristo conferiu claramente
aos Apóstolos o - .Éo
que veremos no capítulo seguinte.

Assim Jesus Cristo associou os Apóstolos e seus sucessores não


só à obra de difusão do seu reino, pela pregação, mas também à
própria pelos sacramentos do Batismo e da
Penitência.

A fé e os sacramentos.

270. Antes, porém, de entrarmos na demonstração desta tese


sobre os efeitos do Batismo, achamos conveniente esclarecer certos
pontos que fazem muita confusão na cabeça dos protestantes.

Dizem eles: A Bíblia está cheia de textos que nos ensinam que
; que
; que
, como se vê, por exemplo, neste trecho dos Atos dos
Apóstolos, em que nos fala S. Pedro: A Este (Jesus) dão
testemunho todos os profetas de que
por meio do seu nome (Atos X-43).

Portanto, não é por meio dos sacramentos, e sim pela fé que se


recebe o perdão dos pecados; logo, não é o Batismo, não é a
Confissão que me justifica e regenera; é minha fé e nada mais.

— Esta confusão que vocês fazem, caríssimos amigos protestantes,


já foi suficientemente esclarecida, quando expusemos o verdadeiro
sentido da salvação pela fé. Todo mal de Vocês é não tomar a
palavra no seu verdadeiro sentido.

Fé não é convencer-me de que já estou salvo pelo sangue de


Jesus; eu posso estar convencido de que já estou salvo pelo sangue
de Jesus e ser um indivíduo mau, desonesto e desagradável aos
olhos de Deus; e o resultado é que, iludido por esta falsa fé, terei
que ouvir a palavra do Justo Juiz: Eu nunca vos conheci; apartai-vos
de mim, os que obrais a iniquidade (Mateus VII-23).

Fé é J , pois Ele nos diz: Se eu


vos digo , por que me não ? (João VIII-46). A fé
que salva é submissão de toda a nossa vida, de todo o nosso ser
J : A fé sem as obras é morta (Tiago II-26);
Cristo é o autor da salvação eterna para
(Hebreus V-9).

Se Jesus me diz que para a salvação é indispensável a observância


dos mandamentos (Mateus XIX-17) e eu vou teimar com Ele,
achando que, para salvar-me esta observância não é necessária,
estou tendo fé em Jesus?

Pois, é o mesmo que se dá com relação aos . Se


Jesus me diz, como veremos, que é no Batismo que se produz a
regeneração espiritual do homem e eu quero teimar com Ele
afirmando que o Batismo não produz este efeito, que este efeito se
produz exclusivamente pela fé, eu estou tendo fé em Jesus? Não;
estou tendo fé apenas em minha teimosia.

Se Jesus me diz que o é concedido por


intermédio de , a quem Ele deu o poder de perdoar e reter,
e eu teimo com Ele, afirmando que este perdão não é dado por
intermédio de homens, mas vem dEle diretamente, estou tendo fé
em Jesus? Não estou absolutamente; estou apenas mostrando a
repugnância em aceitar um ponto que, como mostraremos no
capítulo seguinte, foi claramente estabelecido e afirmado pelo Divino
Mestre.

Portanto, é a mesma fé em Cristo que me obriga a observar os


mandamentos de Deus, a sua lei justa e sábia, é esta mesma fé que
me impele a receber os sacramentos, os quais Cristo apontou como
necessários para a salvação. Se fui batizado em criança, recebendo
a regeneração espiritual logo ao nascer, isto foi um efeito da ; não
minha, porque eu não a podia ter; mas de meus pais que, pela sua
fé em Cristo, logo providenciaram para que os frutos da Redenção
me fossem aplicados, para que eu não ficasse privado do direito de
participar da . Se eu cresci, cheguei ao uso da razão
e não sou batizado ainda, é a minha fé em Cristo que me impele a
procurar o Batismo, para nele receber, contrito e arrependido, a
remissão de meus pecados. Se depois do Batismo tenho a
infelicidade de perder a graça santificante pelo pecado mortal, é a
mesma fé que me impele ao tribunal da Penitência, a buscar aí o
perdão nas mãos daqueles que por Jesus foram autorizados para
isto. A fé é assim, duma e doutra forma, o ponto de partida da
justificação. Não há, portanto, esta incompatibilidade entre
e ,
como querem ver os protestantes. A fé é o ponto de partida, mas
partindo-se da se tem que passar em via de regra
pelos sacramentos para se chegar à justificação. É por isto que
S. Paulo, escrevendo aos Gálatas, lhes faz ver que se a fé os
justificou, é porque a fé os levou ao Batismo: Todos vós sois filhos
de Deus pela fé que é em Jesus Cristo, todos os que fostes
em Cristo - C (Gálatas III-26 e
27).

Os sacramentos e o sacrifício da cruz.

271. Outra confusão semelhante a esta fazem os protestantes com


relação à morte de Cristo no Calvário. Dizem eles: Se é o Batismo
que regenera, se é na Confissão que se me perdoa, então vou
buscar a regeneração num rito religioso, já não é a morte de Cristo
que me está remindo. Ora, está claro na Bíblia que quem me
purifica dos pecados é o sangue de Cristo: O de Jesus
Cristo, seu Filho, nos purifica de (1ª João I-7).

— Muito bem, caros amigos. Agora perguntamos: O sangue de


Cristo nos purifica ou sob certas condições?
Se nos purifica incondicionalmente, então todos os pecados são
invariavelmente perdoados; todos os homens, mesmo os mais
perversos, irão para o Céu, porque a purificação que vem da cruz é
destinada a todos os homens: Ele é a propiciação pelos nossos
pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de
(1ª João II-2), como diz o mesmo S. João cinco versículos
adiante. Se nos purifica incondicionalmente, então não se exige
como condição nem mesmo o arrependimento, e eis aí a licença
antecipada para todos os crimes, todos os erros, todas as
prevaricações. Neste caso, se encontrarmos um homem a praticar
as maiores misérias, as mais revoltantes monstruosidades e lhe
dissermos: Não faça uma coisa destas; isto é um pecado muito
grande, ele poderá responder: Não, não faz mal;
J .

Se, porém, o sangue de Cristo nos purifica ,


quem, senão o próprio Cristo que foi quem nos salvou, quem
derramou o seu sangue por nós e que não só nos remiu, mas nos
ensinou o verdadeiro caminho da salvação, por meio da sua
doutrina; quem, senão Ele é que pode indicar sob que condições a
sua morte redentora nos purifica? Temos nós o direito de alterar
estas condições a nosso gosto, para tornar a salvação mais fácil do
que é na realidade, ou para consegui-la por meios que nos são mais
agradáveis?

Se Cristo condicionou o recebimento da graça santificante que Ele


mereceu para nós na Cruz à recepção do Batismo, isto é sinal de
que esta graça nos vem , mas nos vem
, . É, portanto, da
morte de Cristo que o Batismo tira a sua eficácia: Vós não sabeis
que todos os que em Jesus Cristo, fomos
batizados ? (Romanos VI-3).

Se, depois que recebemos o Batismo, Cristo condicionou a


remissão dos nossos pecados e a consequente recepção da graça
santificante ao poder das chaves, ao poder que tem seus
autorizados ministros de perdoar e reter, isto é sinal de que este
perdão nos vem C , mas vem por
intermédio de seus ministros no sacramento da Penitência, que
também Ele próprio instituiu.

O fato de conceder-nos Jesus Cristo por


meio dos sacramentos, não Lhe rouba de forma alguma o seu título
de .

É o que podemos ilustrar com várias comparações. Uma delas nos


é insinuada pela própria Bíblia. Assim fala S. Paulo a respeito da
sua missão e da de Apolo e de Pedro: Os homens devem-nos
considerar como uns ministros de Cristo e como uns
D (1ª Coríntios IV-1). E diz a Tito, falando a
respeito da missão do Bispo: Convém que o Bispo seja sem crime,
como que é de Deus (Tito I-7) [40]. Ora, esta palavra
é a tradução da palavra grega , donde se
deriva a palavra portuguesa e que é formada de
que quer dizer ; e o verbo que quer dizer ,
, .O quer dizer: “dispenseiro, aquele
a quem toda a casa, e principalmente a parte financeira, é entregue
para ser administrada” (Dicionário Zorell). Esta mesma palavra (no
grego ; em português ) aparece por
exemplo em Lucas XII-42: Quem crês que é o fiel e
prudente que pôs o senhor sobre a sua família, para dar a cada um
a seu tempo a ração de trigo? Com a mesma palavra é
designado o feitor, ou administrador dos bens de seu patrão, de que
nos fala Jesus na parábola que se lê em Lucas XVI-1 a 9.

O fato de S. Paulo comparar os ministros de Cristo com os


dispenseiros, os administradores ou feitores que dirigem e
distribuem, não os seus próprios bens, mas os bens de seu patrão,
pois os chama D — é bem
expressivo para nos indicar que S. Paulo estava longe de admitir
esta teoria protestante do individualismo, isto é, cada um recebendo
a graça de Deus diretamente e sem intermediários.
Mas vamos à comparação. Suponhamos que os súditos de um rei
riquíssimo chegam famintos ao seu palácio e pedem que lhes
distribuam algo das suas riquezas. O rei, porém, lhes diz: Vão aos
meus dispenseiros; eles têm ordem minha para dar a Vocês o que
precisarem. Vão eles lá e recebem. Perguntamos: no final das
contas, de quem receberam? A quem devem agradecer? Devem
agradecer ao rei, porque foi do rei que receberam; embora, no fim
de tudo, os dispenseiros mereçam também do rei algum lucro e
recompensa, se cumpriram exatamente o seu dever.

Assim também, Deus, na sua infinita sabedoria, quis associar alguns


homens à distribuição das riquezas de sua graça, o que não impede
que esta graça venha de Deus. Vem de Deus e pelos modos que o
próprio Deus estabeleceu para distribuí-la, como bem Lhe apraz.

Vamos a outra comparação. O sol está brilhando nas alturas,


espargindo luz e calor para todos. Eu me encontro, porém, numa
casa hermeticamente fechada e por conseguinte em plenas trevas,
sem receber os influxos do astro-rei. Mas eis que alguém abre uma
janela e logo a minha casa se ilumina, começa a encher-se de
beleza, animação e vida. De onde me vem, quem me dá esta
animação e esta luz? A janela? Não. Aquele que a abriu? Também
não. Quem me dá é o sol. A janela foi apenas um meio para que a
luz chegasse a mim. Assim também, nascemos nas trevas do
pecado original, sem a luz, sem o calor sobrenatural da
. O Batismo é a janela que se abre, para que a graça
santificante ilumine e encha de vida a nossa alma. E se nos pomos
outra vez nas trevas do pecado, pode-se abrir outra janelas que é o
sacramento da Penitência. Assim como, já iluminados pela graça
podemos abrir ainda mais a nossa alma aos influxos de Jesus
Salvador por intermédio dos outros sacramentos (que se chamam
sacramentos de vivos, pois se recebem em estado de graça) e por
meio do Santo Sacrifício da Missa.

Uma coisa, portanto, é a Redenção operada por Cristo (isto é o sol);


outra coisa é a aplicação a nós dos efeitos da Redenção (isto é
quando a ação do sol chega até nós). A aplicação dos méritos de
Cristo é realizada nos sacramentos e na Santa Missa; não, a nossa
Redenção, porque esta já foi operada, de uma vez para sempre, no
Sacrifício da Cruz.

Se queremos outra comparação vejamos o músico com o seu


instrumento (um violino, por exemplo), o cirurgião com o seu bisturi,
o escritor com a sua pena, ou, para nos adaptarmos aos tempos
modernos, com a sua máquina de escrever. Se realizam obras
maravilhosas e merecem os nossos aplausos, atribuímos estes
efeitos ao instrumentos de que usam ou a eles que o sabem utilizar
com perfeição? Assim também Deus se serve de sacramentos como
de uma , não que Deus só nos pudesse
conferir a graça santificante por meio deles, mas porque resolveu
conferi-la ordinariamente assim por este modo.

Ou, para usarmos uma comparação mais conhecida, se recebemos


em nossa casa a água canalizada, devemos esta água à fonte
donde ela procede ou aos canais por onde ela nos chega? Está bem
visto que é a fonte e não o encanamento que nos lava o corpo e
mata a nossa sede. Assim Cristo Redentor é a fonte inesgotável de
todas as graças; os sacramentos, que o próprio Cristo instituiu, são
os canais por onde a graça santificante nos é distribuída.

Fica, portanto, esclarecido que não há nenhuma contradição entre a


justificação C ea
justificação por Ele mesmo instituídos.
E é por isto que veremos daqui a pouco S. Pedro dizer-nos que o
Batismo nos salva (1ª Pedro III-21).

Notas (pular)

[40] Já S. Pedro aponta também os fiéis como , mas não diz:


dispenseiros de Deus ou dispenseiros dos mistérios de Deus, e sim
dispenseiros das diferentes graças que Deus dá: Cada um, segundo a graça
que recebeu, comunique-a aos outros, como das
diferentes graças, que Deus dá (1ª Pedro IV-10). O texto grego diz: H
(como) (bons) (dispenseiros) (da multiforme — O
adjetivo significa variegado, de diversas cores, complexo, que se
reveste de muitos aspectos) (graça) (de Deus). A graça
pode ser tomada sob diversos aspectos. Ora se toma como graça habitual ou
santificante, é a habitação do Espírito Santo na alma que está limpa de
pecado mortal. Ora se toma como graça atual, ou seja, qualquer benefício que
se recebe de Deus: um bom conselho, uma boa palavra, um exemplo de
virtude etc. Neste último sentido todos os fiéis têm a missão de ser também
distribuidores das graças divinas, contribuindo, quanto podem, para o bem de
seu próximo. Por isto o Apóstolo logo acrescenta: Se algum fala, seja como
palavra de Deus; se algum ministra, seja conforme a virtude que Deus dá,
para que em todas as coisas seja Deus honrado por Jesus Cristo (1ª Pedro
IV-11). (voltar)

Como se suprem a fé e os sacramentos.

272. Uma terceira dificuldade que perturba a cabeça dos


protestantes é a seguinte: A salvação deve estar ao alcance de
todos. Ora, se o Batismo e a Confissão são necessários, neste caso
a salvação vai depender de outros homens; vai depender de
circunstâncias exteriores que podem muito bem não se verificar. Por
exemplo: posso ter nascido num país pagão onde ninguém conhece
o Batismo; posso estar num lugar onde não encontre de forma
alguma um sacerdote para me absolver. Ao passo que na teoria da
salvação pela C a coisa é diferente: a fé se realiza no
meu íntimo, sem precisar de ninguém que venha ministrar-me um
rito religioso.

— Perdão, prezados amigos; vê-se aí perfeitamente um engano. A


fé em Cristo, necessária para a salvação, também depende de
circunstâncias exteriores que podem não verificar-se. Fé em Cristo é
a aceitação da verdade por Ele revelada. Mas suponhamos que a
sua revelação, o conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo não
chegou até mim. Se eu, por exemplo, nasci e tenho vivido num país
onde ninguém me fala em Batismo, é também porque nesse lugar
ninguém jamais me falou em Jesus Cristo e em sua doutrina. Ainda
não foi possível aos missionários da Religião de Cristo penetrar
tintim por tintim em todos os recantos da terra; ainda há lugares, no
meio das selvas, completamente desligados de qualquer contato
com o resto do mundo. A China e o Japão passaram muitos e
muitos anos tornando praticamente impossível a entrada de
missionários. Já houve no mundo, por muitos séculos, povos
pagãos de cuja existência os homens cristãos não tinham nenhum
conhecimento.

Admitimos também nós, católicos, como Vocês, que a fé em Cristo é


necessária para a salvação.

Mas não tenham receio que não ensinamos, como tantos de Vocês,
protestantes, pertencentes à escola calvinista, que há uns
irremediavelmente perdidos, porque são predestinados por Deus
para o inferno. A fé em Cristo . Um pagão que
nunca ouviu falar sobre Cristo, mas sabe pela sua razão que existe
um Deus, Senhor Supremo de todas as coisas (embora erre talvez
por ignorância sobre a verdadeira natureza deste Deus) e vendo,
pela sua consciência, o que é o bem e o que é o mal, está sempre
disposto, para não desagradar a este Deus, a seguir a voz divina
que lhe fala ao coração por intermédio da sua consciência, está
amando a Deus acima de tudo e por conseguinte recebe a graça
santificante: Se algum me ama, guardará a minha palavra, e meu
Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele morada (João XIV-
23). Deus quer salvação de todos e de ninguém exige o impossível;
o que este pagão tem para oferecer a Deus é apenas a retidão de
sua consciência. Se ele tivesse conhecimento de Cristo e de sua
doutrina, creria de todo o coração, porque tem um coração reto.
Tem, portanto, uma C . Pode salvar-se; ao
passo que muitos que vivem com o nome de Jesus nos lábios
podem perder-se, se morrerem sem esta consciência reta: Nem
todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus; mas
sim o que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus (Mateus VII-
21). O mesmo se dá, exatamente, com relação ao Batismo e à
Penitência. Esse pagão que tenha assim um coração puro, uma
alma reta e leal, se conhecesse o valor do Batismo, o procuraria
receber e se soubesse que era necessário confessar os seus
pecados, para ganhar o Céu, o faria de muito bom grado. Da
mesma forma que é suprida a fé, os também podem
ser supridos.

— Mas insistirá talvez o protestante: Isto acontece com o pagão que


nenhum conhecimento tem da fé. Está certo. Mas suponhamos que
se trata de um cristão. Tendo conhecimento da doutrina católica,
está convicto de que a Confissão é necessária para ele salvar-se.
Mas está às portas da morte; ou mesmo está desejoso de sair do
estado de pecado em que se encontra e não há meios, de forma
alguma, de encontrar um padre católico. Vai ficar dependendo do
aparecimento de um homem para poder regenerar-se? Como pode
colocar-se no caminho da salvação?

— Exatamente da mesma forma que o pagão: pelo D ;


pela Contrição Perfeita, ou seja, o arrependimento sincero de seus
pecados, mas arrependimento não ditado pelo temor do inferno e
sim pelo pesar de ter ofendido a Deus, sumamente digno de todo
amor. Mas como se trata agora de um cristão, de um homem que
conhece a doutrina de Cristo, esse amor, esta contrição só se
concebem havendo no seu íntimo a resolução decidida de
submeter-se a tudo o que Cristo determinou. Ora, Cristo submeteu
os nossos pecados ao poder das chaves; logo, ele tem que incluir
no seu arrependimento o voto de confessar-se logo que seja
possível.

Mesmo isolado numa ilha deserta, o homem pode, portanto,


alcançar a sua salvação. E não há perigo de se acusar a Igreja de
querer lançar a pulso no inferno uma pessoa que esteja
com o coração contrito e com boa vontade de submeter-se a Cristo.

Ex ópere operato.
273. Finalmente costumam dizer os protestantes: Com a sua
doutrina de que os sacramentos produzem efeito
, a Igreja atribui a salvação não à fé ou às disposições do
indivíduo, mas a um rito religioso, como se a salvação nos fosse
concedida .

— Primeiro que tudo, será que Vocês, protestantes, fazem uma


ideia clara do que seja esta expressão ? Ou
estão falando somente de oitiva?

E , quer dizer, em virtude do próprio ato realizado.


Esta expressão se contrapõe à outra: , isto é,
em virtude daquele que realiza o ato.

Quando dizemos que os sacramentos produzem o seu efeito


, queremos significar com isto, que o efeito dos
sacramentos não depende da fé nem da santidade do ministro que
os confere. Ainda mesmo que aquele que tem poder para
administrar o sacramento, no momento em que o faz, não tenha a
verdadeira fé ou esteja em estado de pecado mortal, o sacramento
é válido, porque o seu valor está no próprio ato que se realiza (ex
ópere operato) e não na fé ou na probidade do ministro (como seria
ex ópere operantis). Não deve haver receio por parte dos fiéis, uma
vez que o ministro do sacramento não dá do que é seu, mas o
sacramento tira a sua eficiência do Sacrifício de Jesus Cristo na
Cruz.

É claro, porém, que


que são efeitos dos sacramentos
da fé, da contrição, das boas disposições daquele que os recebe; se
alguém os recebe sem a fé ou sem o arrependimento sincero de
seus pecados, está cometendo um pecado de sacrilégio e não está
recebendo a graça.

Na criança que recebe o Batismo não se exige a fé, é claro, porque


a criança não é capaz de tê-la; não se exige o arrependimento,
porque ela nem pecou, nem ainda está em idade de sentir contrição.
E no entanto -
, porque a criança nasceu em estado de pecado, isto é,
privada da graça santificante, precisa receber o Batismo para ter o
direito à , precisa recebê-lo quanto antes, porque
está sujeita a morrer a qualquer momento. Se morrer sem o
Batismo, não irá sofrer tormento nenhum por causa disto no outro
mundo, uma vez que não pecou; vai ser, talvez mesmo, feliz de uma
felicidade natural sem ver a Deus, como por exemplo, uma pessoa
pode ser feliz aqui na terra, com um conhecimento indireto de Deus,
mas não terá a felicidade tão grande, tão sublime como têm aqueles
que vão ver a Deus face a face. Nisto não há injustiça, porque fica
assim privada de um dom , que está muito acima de
sua natureza, pois não é natural ao homem ver a Deus diretamente.
O que, porém, não está direito é por nossa negligência permitirmos
que um ser humano se prive desta felicidade muito maior e deixe
assim de aumentar o número dos habitantes do Céu.

E quanto à alegação de alguns protestantes de que Cristo disse que


é preciso primeiro a pessoa crer para depois ser batizada, veremos
daqui a pouco (nº 286) que é inteiramente falsa.

Não há, portanto, passes de mágica na administração dos


sacramentos: no que os recebe sempre se exigem a ea
, para que estes sacramentos produzam a graça; e a
graça recebida é maior ou menor de acordo com as disposições de
cada um. Se da criança sem uso da razão nada se exige, é porque
nada ela é capaz de fazer e entretanto já é capaz de receber o dom
de Deus, como se viu no caso de S. João Batista.

Renascer da água e do Espírito Santo.

274. Dadas estas explicações, que tiveram por fim remover alguns
preconceitos que há entre os protestantes a respeito da doutrina
católica sobre os sacramentos e dar-lhes uma ideia mais clara sobre
o assunto, passamos agora à demonstração da nossa tese. Vamos
provar pela própria Bíblia que:

1º — o Batismo é para a salvação;

2º — é necessário, não simplesmente porque Cristo o ordenou, mas


também porque pelo Batismo é que recebemos, pela primeira vez, a
remissão dos pecados, produzindo-se assim a nossa
; desta forma, o Batismo não é um mero sinal exterior da
nossa fé;

3º — esta regeneração espiritual pelo batismo se opera porque nele


recebemos o E S . Este dom do Espírito Santo
que nos regenera é a , que é o próprio Espírito
Santo habitando na nossa alma.

Que o Batismo é necessário para a entrada no reino dos Céus para


ganhar a vida eterna, se vê claramente pelas palavras de Nosso
Senhor Jesus Cristo, na sua entrevista com Nicodemos.

Vindo Nicodemos uma noite visitar a Jesus, Este lhe diz as


seguintes palavras: Na verdade, na verdade te digo que não pode
R D senão aquele que renascer de novo (João III-
3).

A palavra grega que a Vulgata aí traduz pela expressão é


, a qual pode ter dois sentidos:

= de cima, do alto, do Céu.

= de novo, outra vez.

De forma que a frase pode ter pelo texto grego 2 traduções:

Se alguém não nascer , não pode ver o reino de Deus.

Se alguém não nascer , não pode ver o reino de Deus.


Isto não atinge absolutamente a nossa questão. Desde que, como
católicos e protestantes estamos de acordo em afirmar contra os
espiritistas, aí se trata de um em
contraposição com o , que vem por intermédio
de nossos pais, tanto faz Cristo dizer que é preciso que nós
nasçamos , isto é, nasçamos da graça de Deus, para
ganharmos o Céu; como dizer que é necessário nascermos
, isto é, já nascemos materialmente pela geração humana, é
preciso que haja agora outro nascimento: o nascimento espiritual
pela graça.

O fato, porém, é que Nicodemos não estava na altura de perceber o


verdadeiro pensamento do Mestre. Tomou a sua afirmação num
sentido muito material: Como pode um homem nascer sendo velho?
Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer
outra vez? (João III-4).

Jesus lhe mostra então que se trata de um nascimento, não de pai e


mãe humanos, como é o nascimento terreno, mas sim de um
nascimento espiritual pelo Batismo, em que entram também pai e
mãe, mas a mãe é a água, escolhida para significar a purificação
interior que se produzirá no cristão, e o pai é o Espírito Santo que
fecunda esta água com seu poder santificador: Em verdade, em
verdade te digo que quem não renascer da e do Espírito
Santo não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne,
é carne; e o que é nascido do espírito é espírito (João III-5 e 6).

Para o nascimento espiritual de que fala Jesus, não é preciso que


voltemos ao ventre materno; é preciso, sim, que sejamos lavados
pela água do Batismo.

É de notar que o texto grego traz somente a palavra Espírito —


renascer de água e de Espírito — mas não há dúvida alguma de
que aí se trata do Espírito Santo, pois a regeneração, a renovação
do indivíduo, o seu renascimento espiritual é, em outros textos da
Bíblia, atribuído claramente ao Espírito Santo: regeneração e
renovação do E S (Tito III-5) vós, porém, não viveis
segundo a carne, mas segundo o espírito, se é que o E
D habita em vós (Romanos VIII-9) o que despreza isto, não
despreza a um homem, senão a Deus que pôs também o seu
E S em nós outros (1ª Tessalonicenses IV-8) foram
feitos participantes do E S (Hebreus VI-4) os vossos
membros são templo do E S (1ª Coríntios VI-19).

E muitas vezes na Bíblia o Espírito Santo é designado simplesmente


pela palavra Espírito: Todas estas coisas obra só e um mesmo
, repartindo a cada um como quer (1ª Coríntios XII-11) o
qual também nos selou e deu em nossos corações a prenda do
E (2ª Coríntios I-22) o mesmo E dá testemunho ao
nosso espírito de que somos filhos de Deus (Romanos VIII-16)
ainda o E não fora dado, por não ter sido ainda glorificado
Jesus (João VII-39).

Usando esta expressão: E S ,


Jesus fala de modo a não se confundir o seu batismo com o batismo
de João.

O batismo de João e o de Cristo.

275. Antes de iniciar Jesus a sua pregação, aparece S. João


Batista, profeta e mais do que profeta, porque é o Precursor, aquele
que aponta com o dedo o próprio Cordeiro de Deus, e é o maior dos
homens, dentre todos os da Lei Antiga: Mas que saístes a ver? Um
profeta? Certamente vos digo e ainda mais do que profeta; porque
este é de quem está escrito: Eis aí envio eu o meu anjo ante a tua
face, que aparelhará o teu caminho diante de ti. Na verdade vos
digo que entre os nascidos de mulheres não se levantou outro maior
que João Batista (Mateus XI-9 a 11).

Sendo o Precursor do Divino Mestre, S. João Batista, não só pelo


exemplo admirável de suas virtudes e pela enérgica pregação, mas
também pelo seu batismo de água prepara os homens para bem
aproveitarem do exemplo, da pregação e do batismo de Jesus.
Vinha a ele Jerusalém e toda a Judeia e toda a terra da comarca do
Jordão; e confessando os seus pecados, eram por ele batizados no
Jordão (Mateus III-5 e 6).

Qual era o efeito do batismo de João?

O batismo de João não comunicava, em virtude do próprio ato


realizado, a graça santificante, ou seja, a presença inefável do
Espírito Santo na alma; mas era uma cerimônia que excitava à
contrição, à dor dos pecados, ao arrependimento. “Incapaz de
purificar diretamente as almas, preparava os caminhos para a
remissão dos pecados”, como diz S. João Crisóstomo.

S. João Batista mostra mesmo, de uma maneira muito clara, a


profunda diferença que há entre o seu batismo e o de Cristo, pois
diz a (Mateus III-7) que
vinham ao seu batismo: Eu na verdade vos batizo em água para vos
trazer à penitência; porém o que há de vir depois de mim é mais
poderoso do que eu, e eu não sou digno de Lhe ministrar o calçado;
Ele vos batizará no Espírito Santo e em fogo (Mateus III-11). A quem
não conhecesse outras passagens da Escritura em que se nos
mostra claramente que o batismo de Cristo é ministrado também
, como era o de João, poderia parecer à primeira vista
que S. João aí está dizendo que ele batizava com água, mas o
batismo de Jesus seria com fogo. Mas é evidente que S. João
Batista está falando em sentido figurado: fogo aí está tendo o valor
de um símbolo. E S. João está usando de uma figura de retórica
chamada , que consiste em usar a coordenação em vez
da subordinação, ou seja, dizer: batizar no Espírito Santo e em fogo
— em vez de dizer: batizar no Espírito Santo . O Espírito
Santo é comparado com o fogo porque os efeitos que Ele produz
nas almas se assemelham aos efeitos produzidos pelo fogo material
nos corpos: pois o fogo ilumina, abrasa, purifica, transforma em si as
coisas materiais; assim também o Espírito Santo ilumina a alma com
suas divinas luzes, abrasa-se no amor de Deus, purifica-a de seus
pecados e a diviniza de um certo modo, tornando-a cada vez mais
semelhante a si.

Com o contraste estabelecido entre o seu batismo e o de Jesus,


S. João faz ver quanto o batismo de Cristo era superior ao seu. A
diferença já não era mais como a diferença, por exemplo, da água
para o vinho, porém infinitamente maior: era como a da água para o
Divino Espírito Santo. O batismo de Cristo, lavando com água, ia
infundir a graça do Espírito Santo nas almas; o seu lavava com água
e nada mais.

Sentido próprio e sentido figurado.

276. Aqui entram os protestantes com o seu jogo, trazendo uma


interpretação muito fora de propósito. Dizem eles: O Sr. não disse
que S. João Batista usou a palavra em sentido figurado e
empregou uma figura de retórica chamada Hendíadis? Assim
também, quando Jesus disse: Quem não renascer da água e do
Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus (João III-5), tomou
a palavra num sentido figurado e usou a Hendíadis; Ele quer
dizer: Quem não renascer E S não
pode entrar no reino de Deus. Assim como o Espírito Santo é
comparado com o fogo, porque purifica, é também na Bíblia
comparado com a água, à qual compete igualmente a missão de
purificar. Vejamos, por exemplo, este texto: O que crê em mim,
como diz a Escritura, do seu ventre correrão rios d’água viva. Isto,
porém, dizia Ele, falando do E que haviam de receber os que
cressem nEle (João VII-38 e 39). Logo, Jesus não está falando do
Batismo na sua doutrinação a Nicodemos: está falando apenas do
Espírito Santo, que é a água espiritual que nos purifica.

— Esta interpretação é claramente errônea, porque é contrária a


uma regra importantíssima de exegese, não só do texto sagrado,
mas de qualquer livro, mesmo profano: Nunca se deve procurar um
sentido figurado, para eliminar o sentido próprio, numa frase onde
. Com este sistema de
ver um sentido figurado numa frase que comporta claramente o
sentido literal, se pode ir muito longe. Deste modo, quando os
protestantes quiserem provar pelas Escrituras que Jesus é Deus, é
nosso Salvador, que multiplicou os pães, que ressuscitou no terceiro
dia etc., etc., os seus adversários poderão dizer: Sim, é Deus, é
nosso Salvador, multiplicou os pães, ressuscitou ao terceiro dia,
mas tudo isto num sentido figurado. Na frase de S. João Batista não
havia outra alternativa senão tomar a apalavra no sentido
figurado, pois se sabe muito bem que o batismo pelo qual os
homens se tornam cristãos, nunca foi ministrado com fogo. Mas aqui
no nosso caso, ao contrário temos vários textos da Bíblia que nos
a tomar a palavra no seu sentido próprio:

1º — porque o batismo de Cristo se ministra é com , mas água


no sentido próprio: água do rio, água das fontes etc. Quando Filipe
se encontrou com o eunuco no caminho de Jerusalém a Gaza e o
instruiu sobre as verdades de fé — narram os Atos dos Apóstolos: E
continuando eles o seu caminho, chegaram a um lugar onde havia
; e disse o eunuco: Eis aqui está ; que embaraço há para
que eu não seja batizado? E disse Filipe: Se crês de todo o coração,
bem podes. E ele respondendo disse: Creio que Jesus Cristo é o
Filho de Deus. E mandou parar o coche; e desceram os dois à
, Filipe e o eunuco, e o batizou (Atos VIII-36 a 38).

E quando S. Pedro instruiu a Cornélio e aos que com ele estavam e


os viu receber o Espírito Santo, disse: Porventura pode alguém
impedir a , para que não sejam estes que
receberam o Espírito Santo, assim também como nós? (Atos X-47).

Nem é preciso gastar muitas palavras nesta matéria, porque todos


os protestantes estão de acordo com isto: todos os protestantes que
usam o batismo, batizam .

2º — porque é neste batismo de Cristo, ministrado que


se opera o , pois o Batismo
traz eo E S .
Isto se prova claramente nos Atos dos Apóstolos.

S. Pedro acabou de fazer a sua pregação no dia de Pentecostes. Os


ouvintes na sua pregação e o sinal é que ficaram
compungidos no seu coração e disseram a Pedro e aos mais
Apóstolos: Que faremos nós, varões irmãos? (Atos II-37).

Aí se vê bem descrita , segundo a doutrina


de Jesus. Não é a fé daquele que diz assim: Aceitei Jesus como
meu Salvador, portanto já estou salvo. A fé que salva é a daquele
que, uma vez que crê sinceramente, -
J , vai investigar
tudo o que tem a fazer, segundo a doutrina cristã, para cumpri-lo
fielmente: Que faremos nós, varões irmãos? (Atos II-37).

Já que creram e aceitaram a palavra de Deus, que lhes cabe fazer


nesse momento? É o que S. Pedro lhes vai explicar.

São adultos que ainda não foram batizados, porque agora é que se
está começando a pregar a Religião Cristã: é o dia da sua
inauguração solene. Ora, o Batismo não só apaga o pecado original
que já trazemos do berço, mas todos os pecados que porventura
tenhamos cometido até o momento em que nos batizamos. Mas,
para que estes pecados atuais sejam perdoados, é preciso que haja
naquele que recebe o Batismo, não só a fé em Cristo, mas também
o sincero arrependimento, o que tem de incluir, está bem visto, um
firme propósito de emenda. Aqueles homens já têm a fé, pois
receberam a sua palavra (Atos II-41). S. Pedro agora lhes faz ver
que é necessário: 1º — arrependerem-se de seus pecados; 2º —
receber o Batismo, para então obter
; recebendo o Batismo, receberão E
S , pois se trata não de um simples batismo de água como o de
João, que apenas excita ao arrependimento, mas do batismo de
Cristo que batiza no Espírito Santo.
Vejamos as palavras de S. Pedro em resposta aos seus ouvintes:
Pedro então lhes respondeu: Fazei penitência, e
em nome de Jesus Cristo
; e recebereis E S (Atos II-
38).

Não é preciso mais explicar que a palavra em português


também significa , assim como existe o verbo —
penitenciar-se — que quer dizer arrepender-se. A palavra grega que
corresponde aí à expressão é o verbo
que na Bíblia tem o significado de mudar de vida, arrepender-se das
faltas, converter-se inteiramente para Deus, o que não exclui a
penitência corporal como fruto desta conversão, como já vimos (nº
197).

Agora apreciemos a

Lógica protestante.

277. Os protestantes têm na sua Bíblia de Ferreira de Almeida a


seguinte tradução deste texto:

Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus


Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito
Santo (Atos II-38) [41].

Ora, vemos aí 2 condições a cumprir, para atingir uma finalidade:

1º — Arrependei-vos
para perdão dos pecados
2º — cada um de vós seja batizado

Ou esta finalidade é atingida com as 2 condições ao mesmo tempo


(como é de fato no caso) ou com uma só: mas nesta última hipótese
teria que referir-se necessariamente à mais próxima que é a 2ª
(cada um de vós seja batizado). Se eu digo, a alguém, por exemplo:
Sente-se e leia este livro para distrair-se, pode esta finalidade não
exigir a 1ª condição, porque ele pode distrair-se mesmo estando de
pé; mas supõe pelo menos a 2ª condição que é a mais próxima:
precisa ler o livro para poder distrair-se.

Ora o que acontece com os protestantes? Tomam este texto:


Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus
Cristo para perdão dos pecados e ensinam que o
é sine qua non [42] para se obter o perdão
(e tem que dizer isto, do contrário estarão ensinando uma doutrina
ímpia, imoral e escandalosa como ensinou Lutero, dizendo que o
homem pode pecar à vontade, não precisa do arrependimento, mas
lhe basta a para salvar-se), porém quanto ao Batismo não
admitem que seja condição para perdão dos pecados, dizem que o
Batismo não é necessário para regeneração do homem, é um mero
sinal exterior da fé. Se - que é a 1ª condição e que
está mais distanciada é exigida, quanto mais a 2ª que é mais
próxima: !

Eis aí um exemplo das torturas que sofrem os textos bíblicos nas


mãos dos protestantes, os quais não têm nenhum remorso de
rasgá-los assim ao meio para os acomodarem às suas teorias.

E é inútil procurar fazer com o texto grego, para iludir


aqueles que de grego não entendem patavina.

Vejamos dois textos em que vem esta expressão:


.

No que ora comentamos — Arrependei-vos e cada um de vós seja


batizado para perdão dos pecados (Atos II-37),
é expresso no texto grego pelas seguintes palavras:
( ) ( ) ( ) ( )
( ). Vemos apenas que Ferreira de Almeida suprimiu a
palavra vossos que está no texto original.

Comparemos agora com outro texto da Bíblia, usando a mesma


tradução de Ferreira de Almeida. São as palavras de Jesus na
última ceia: Isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento,
que é derramado por muitos (Mateus
XXVI-28). P é aí expresso assim no
texto grego: ( ) ( ) (
).

As mesmas palavras gregas vêm no texto


em que S. Pedro diz que cada um seja batizado para remissão dos
pecados e naquele em que Jesus diz que derrama o seu sangue
para remissão dos pecados. Acaso não ensinam os protestantes
que Cristo nos salvou dos pecados derramando o seu sangue? A
remissão dos pecados não era a finalidade a atingir com a sua
morte? Assim também Cristo nos salva pelo Batismo; a finalidade a
atingir com o Batismo é a nossa remissão.

Há contradição nisto? Absolutamente não.

Cristo nos salvou derramando o seu sangue; e assim foi


, da nossa Redenção, do perdão dos
nossos pecados; é a fonte donde procede a nossa salvação.

O Batismo, sacramento instituído e preceituado por Cristo, o


Batismo, que é conferido em nome de Jesus, isto é, em virtude dos
méritos de sua Paixão e Morte, é a pelo próprio
Cristo, é o ,a , pela qual, conforme Ele
assim o quis e determinou, a sua Redenção nos é aplicada.

Notas (pular)

[41] O texto da Sociedade Bíblica do Brasil é o mesmo, acrescentando


apenas a palavra vosso: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em
nome de Jesus Cristo para remissão de vossos pecados, e recebereis o dom
do Espírito Santo (Atos II-38). (voltar)

[42] N.d.r.: condição “sem a qual não pode ser”, essencial. (voltar)

O dom do Espírito Santo.


278. Finalmente o texto de S. Pedro, além de dizer que recebemos
a remissão dos pecados, diz que no Batismo se recebe o dom do
Espírito Santo.

Que dom é este, se o Espírito Santo tem muitos dons?

Trata-se aí de um genitivo epexegético, ou seja, que vale como um


aposto, isto é, o dom do Espírito Santo é o próprio Espírito Santo;
assim como dizemos: Fulano tem o dom da eloquência, quer dizer,
tem a própria eloquência; ou como dizemos: Vou receber o presente
, quer dizer, vou receber uma casa mesmo. Aquele que
receber convenientemente o Batismo recebe a graça santificante e
com esta se torna um templo do Espírito Santo: Os vossos membros
são templo do Espírito Santo (1ª Coríntios VI-19).

Portanto, está evidentemente demonstrado que quando Nosso


Senhor diz: Quem não renascer da e do E S não
pode entrar no reino de Deus (João III-5) não está usando com a
palavra nenhuma figura de retórica. Está-se referindo ao
batismo
E S , e sem o qual não se pode entrar no Céu, no reino
de Deus, pois no Céu ninguém entra sem ter obtido a remissão dos
pecados; e é pelo Batismo que aqueles que não são batizados
ainda recebem a remissão dos pecados, pelo menos do pecado
original se outro não houver além deste, como acontece, por
exemplo, no caso das crianças.

Conversão e regeneração de Saulo.

279. Outra prova muito clara de que no Batismo se opera


, é o que se deu na conversão de S. Paulo.

Jesus aparece a Saulo que ia respirando ainda ameaças e morte


contra os discípulos do Senhor (Atos IX-1). Saulo crê
imediatamente. E o Senhor lhe ordena: Levanta-te e entra na
cidade, e aí se te dirá o que te convém fazer (Atos IX-7).
Levado para Damasco pelos companheiros, pois a visão o tinha
cegado, Saulo esteve ali três dias sem ver, e não comeu nem bebeu
(Atos IX-9).

Agora é o caso de perguntar: nesses três dias de espera, Saulo que


já crê em Jesus de todo o coração, está, em virtude da sua fé,
purificado de seus pecados ou precisa, , receber o
Batismo? É o que veremos.

Passados os três dias, lhe aparece Ananias, por ordem divina.


Restitui-lhe a vista; mostra-lhe a missão que lhe está reservada e
diz: E agora para que te demoras? Levanta-te e
e , depois de invocar o seu nome (Atos XXII-
16).

É um adulto que vai ser batizado. Precisa, primeiro, preparar-se


pelos sentimentos de fé e contrição, e por isto Ananias lhe diz que
deve invocar o nome do Senhor. Depois é a água purificadora do
Batismo que deve os seus pecados. Não se podiam exprimir
de maneira mais clara a necessidade, os efeitos e o simbolismo
deste sacramento da Nova Lei, que é o Batismo.

Mas haverá sobre a face da terra algum homem tão teimoso, tão
cheio de má vontade, tão falto de compreensão, que ainda se
lembre de objetar que aí são duas ordens diversas: Recebe o
batismo — é uma; e lava os teus pecados — é outra; e que,
portanto, não é o Batismo que lava os pecados? É possível; porque,
quando um homem cisma para torcer os textos da Bíblia, tudo pode
acontecer.

Por isto o leitor nos perdoará que nos detenhamos mais um


pouquinho com este teimoso.

— Amigo, será que Você nunca percebeu que é comum, quando se


usam 2 imperativos, não se tratar de 2 ordens diversas, mas o
primeiro imperativo exprimir o modo de realizar o segundo?
Suponhamos que Você espera em casa uma visita. E vê que o seu
filhinho está enlameado, porque andou brincando o dia todo no
quintal. E Você lhe diz: Menino, vai tomar o teu banho e limpa-te
desta tua imundície. São duas ordens que Você está dando ou uma
só? Não está Você ordenando apenas que ele, ,
se limpe da imundície em que se encontra? Assim também Saulo,
ouvindo estas palavras: Recebe o teu Batismo e lava os teus
pecados — recebeu apenas uma ordem: a de,
, lavar as manchas que os pecados tinham deixado em sua
alma.

Banho de água.

280. A tese já está suficientemente provada. Vamos porém,


acrescentar outros textos bíblicos irrecusáveis, em confirmação da
mesma.

S. Paulo na sua Epístola a Tito, fala do estado sumamente infeliz em


que estavam os cristãos, antes de se converterem: Também nós
algum tempo éramos insensatos, incrédulos, metidos no erro,
escravos de várias paixões e deleites, vivendo em malícia e em
inveja, dignos de ódio, aborrecendo-nos uns aos outros (Tito III-3).

Depois mostra que por pura misericórdia de Deus, foram


regenerados pelo batismo do Espírito Santo para que, justificados
pela graça, se tornassem herdeiros segundo a esperança da vida
eterna: Mas quando apareceu a bondade do Salvador nosso Deus e
o seu amor para com os homens, não por obras de justiça que
tivéssemos feito nós outros, mas segundo a sua misericórdia nos
salvou pelo E
S , o qual Ele difundiu sobre nós abundantemente por Jesus
Cristo, nosso Salvador, para que, justificados, ela sua graça,
sejamos herdeiros segundo a esperança da vida eterna (Tito III-4 a
7).

Aqui dirão os protestantes:


— A palavra grega que Pe Pereira traduz por é
que quer dizer banho, lavamento, lavacro. Como prova o Sr. Que
S. Paulo, falando aí num banho de regeneração e renovação do
Espírito Santo, não está tomando a palavra num sentido
figurado?

— Primeiro que tudo, a palavra também quer dizer banho,


lavamento, lavacro. E se S. Paulo fala aí num que
caracterizou a conversão dos fiéis, a sua passagem do estado
lamentável de outrora para a regeneração cristã, é claro que é ao
Batismo que ele se refere.

Vocês, protestantes, só se convenceriam se S. Paulo aí tivesse dito


(que seria em grego ), não é
verdade?

Pois bem, vamos provar que aí se trata de banho de água.


Provamo-lo com outro texto de S. Paulo, em que ele usa
exatamente estes termos ( )
para significar a purificação, a santificação que se opera nas almas:
Vós, maridos, amai a vossas mulheres, como também Cristo amou
a Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem outro defeito algum
semelhante, mas santa e imaculada (Efésios V-25 a 27).

O que o Pe Pereira traduziu por é aí no grego


exatamente (Banho da água). Como se vê,
S. Paulo se serve da palavra para designar o Batismo,
pois diz que com este Cristo purifica a sua Igreja.

Para mostrar que a purificação espiritual não se opera só pela água,


mas sim pela água unida às palavras ditas em nome de Jesus Cristo
Salvador Nosso, palavras estas que dão à água toda a sua eficácia,
S. Paulo acrescenta , a palavra que vivifica o
Batismo.
Os protestantes gostam de apresentar, com ares de vitória, o
seguinte texto de Jó para provar que o Batismo não purifica a nossa
alma, porque a água não purifica espiritualmente a ninguém: Ainda
que me lavasse como com de neve e brilhasse as minhas
mãos como as mais limpas, contudo me cobrirás de imundícias, e
os meus próprios vestidos me abominarão (Jó IX-30 e 31).

As palavras de Jó foram ditas vários séculos antes que Jesus


instituísse o Batismo. Porém mesmo agora nós as subscreveríamos
perfeitamente, ou melhor, diríamos ainda mais do que Jó: Podemos
ajuntar a água toda dos rios, dos mares e das fontes e derramar
sobre uma pessoa, não é isto que a vai purificar de seus pecados.
Indiscutivelmente certo. Quando dizemos esta frase, estamos
considerando apenas o efeito da água. Mas junte-se a um pouco
d’água , seja esta água ministrada com as
palavras que Cristo ordenou se dissessem, aí a coisa muda
completamente de figura. A regeneração espiritual se realiza em
virtude dos méritos infinitos de Cristo, que foi quem mandou batizar.

O batismo nos salva.

281. Finalmente S. Pedro, na sua 1ª Epístola, falando do Batismo,


mostra que ele nos , assim como foram salvos no dilúvio
aqueles que estavam na arca de Noé; e nos salva, não com a
simples purificação do corpo, mas com o arrependimento, com a
mudança de vida, salva pelo poder de Jesus Ressuscitado que
venceu a morte para que fossemos herdeiros da vida eterna: Nos
dias de Noé esperavam a paciência de Deus, enquanto se fabricava
a arca, na qual poucas pessoas, isto é, somente oito se
; o que era figura do d’agora que também
vos , não a purificação das imundícias da carne, mas a
promessa de boa consciência para com Deus, pela ressurreição de
Jesus Cristo que está à direita de Deus, depois de haver absorvido
a morte para que (1ª Pedro
III-20 a 22) [43].
Se o Batismo salva, é porque não é mero sinal exterior da fé, é
porque por meio dele nos revestimos da graça: Todos os que fostes
batizados em Cristo revestistes-vos de Cristo (Gálatas III-27).

Bem poderíamos terminar aqui este capítulo. Mas os protestantes


são férteis em levantar objeções e temos que nos entreter ainda um
pouquinho com eles. Antes, porém, diremos uma palavrinha sobre

Notas (pular)

[43] A versão da Sociedade Bíblica do Brasil traz assim: arca, na qual poucas
pessoas, isto é, oito almas, se salvaram através das águas. Esta ,
, , não a purificação da imundícia da
carne, mas a questão a respeito de uma boa consciência para com Deus, pela
ressurreição de Jesus Cristo (1ª Pedro III-20 e 21).

Ferreira de Almeida assim traduz: arca, na qual poucas (isto é, oito) almas se
salvaram pela , que também como uma verdadeira figura,
, não do despojamento da imundícia da carne, mas da
indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de
Jesus Cristo (1ª Pedro III-20 e 21).

Mas isto em nada altera o sentido.

Tanto faz dizer que a água do dilúvio, por onde oito se salvaram, era figura do
Batismo, agora nos salva — como dizer que a água do dilúvio, por
onde oito se salvaram, era figura do Batismo, e esta mesma água agora
. Salva-nos, não porque lave as imundícies do corpo, mas porque nos
leva a uma boa consciência para com Deus. (voltar)

O batismo de imersão.

282. Há 3 modos de realizar o rito do Batismo: por aspersão,


sacudindo, ou melhor, salpicando água sobre o que vai ser batizado;
por infusão, derramando-lhe água sobre a cabeça, com uma
concha, por exemplo; por imersão. Fazendo-o mergulhar dentro
d’água.
Jamais a Igreja Católica teve a menor dúvida sobre a do
batismo conferido sob qualquer uma destas três formas, assunto
que é motivo de discussão entre as várias seitas protestantes.

Na prática, o que é que determina a Igreja sobre o modo de


administrar o Batismo? Vejamos o que diz o Ritual Romano:
“Embora o Batismo possa ser feito ou por infusão da água, ou por
imersão, ou por aspersão, contudo o primeiro ou o segundo modo,
que estão mais em uso, sejam conservados de acordo com o
costume das Igrejas”.

Pelo que se vê, a Igreja não quer que se faça o batismo por
aspersão (não que considere inválido, mas pelo perigo da água não
atingir convenientemente o batizando). E quanto aos outros 2:
infusão ou imersão, manda que se siga o costume de cada lugar.

O batismo de João foi por imersão. E era este o modo mais usual de
se administrar o Batismo no tempo dos Apóstolos; dizemos — o
mais usual — porque, como veremos daqui a pouco, não se pode
absolutamente provar que fosse o único.

Referindo-se às cerimônias do Batismo, tal qual eram usadas no


seu tempo, ou melhor, referindo-se ao modo pelo qual ele e os seus
destinatários foram batizados, S. Paulo na Epístola aos Romanos
tira daí um belo simbolismo: com Ele para
morrer ao pecado pelo Batismo, para que, como Cristo ressurgiu
dos mortos pela glória do Padre, assim também nós andemos em
novidade de vida; porque se nós fomos juntamente com
Ele à semelhança da sua morte, sê-lo-emos também igualmente na
conformidade da sua ressurreição (Romanos VI-4 e 5).

Porém agora vem outra questão bem diferente: Era usual no tempo
dos Apóstolos o batismo por imersão. Está certo. Mas, se fosse este
batismo feito por infusão ou por aspersão, seria válido? Do fato de
S. Paulo tirar um simbolismo do batismo por imersão, não se segue
que o batismo ministrado de outra forma não seja válido também.
É uma destas questões que a Bíblia não resolve, porque dela não
trata diretamente, e eis aí o motivo por que os protestantes que tudo
querem resolver só pela Bíblia se dividem nesta matéria: uns dizem
que sim, outros dizem que não. A Igreja está segura neste ponto,
porque a doutrina que recebeu dos Apóstolos, a doutrina nela
ensinada desde o começo, é que o batismo não precisa ser por
imersão para surtir o seu efeito.

Temos neste ponto um documento antiquíssimo, que é do tempo


dos próprios Apóstolos. É o ou Doutrina dos 12 Apóstolos,
de autor desconhecido, o mais antigo livro cristão não-canônico,
pois foi escrito no século 1º, sendo provavelmente anterior ao ano
70.

O diz exatamente o seguinte:

“Batizai no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo em água viva.


Se não tens água viva, batiza com outra água, se não podes fazê-lo
com água fria, faze-o com a cálida. Se não tiveres uma nem outra,
na cabeça três vezes no nome do Pai e do Filho e
do Espírito Santo”.

Que a imersão não seja necessária para a validade do Batismo, isto


é bastante lógico, porque se Jesus quer que se batize a todos os
povos (Ensinai todas as gentes, batizando-as — Mateus XXVIII-19),
se o Batismo é necessário para todos e se para ele Cristo escolheu
a água, não só pelo seu simbolismo, mas porque a água é uma
coisa fácil de se encontrar em qualquer parte, não se pode conceber
que Cristo exigisse obrigatoriamente a imersão, quando nem
sempre é fácil encontrar nas imediações um rio ou piscina onde o
Batismo possa ser administrado por meio de um mergulho. Em
alguns lugares até, os rios ficam congelados durante todo o inverno.
Em vista destas dificuldades, se vê logo que não se pode provar
pela Bíblia que os Apóstolos só usaram a imersão; antes com
grande probabilidade se pode dizer que eles usaram também a
infusão ou aspersão.
No dia de Pentecostes, por exemplo, se converteram e foram
batizados perto de 3.000 pessoas. E os que receberam a sua
palavra foram batizados; e ficaram agregadas naquele dia perto de
três mil pessoas (Atos II-41). Não havia água fluente em Jerusalém,
a não ser o rio Siloé que ficava distante da cidade, a qual era
abastecida por águas das cisternas. E as piscinas públicas estavam
em mãos de autoridades que eram hostis aos Apóstolos e não as
cederiam para isto. Pouco tempo depois se converteram 5.000
pessoas (Atos IV-4). Não era nada provável que ali em Jerusalém
tantas pessoas ao mesmo tempo pudessem ser batizadas por
imersão; foi por aspersão, ou por infusão, no máximo, que os
Apóstolos as batizaram.

S. Paulo batizou o carcereiro e sua família à meia-noite, quando


ainda estava prisioneiro (Atos XVI-33) e não é de crer também que
nessas circunstâncias o batismo tivesse sido por imersão.

Nos primeiros séculos da Igreja, esteve comumente em uso o


batismo por imersão; assim é que a partir do século IV eram
construídos perto das igrejas os batistérios nos quais estavam as
piscinas, onde desciam as pessoas para ser batizadas. Mas sempre
esteve em uso, como atesta o historiador Eusébio, o batismo por
infusão para os doentes que não podiam imergir, e que era
chamado batismo dos clínicos.

Até o século XIII o batismo por imersão era o mais usado, porém do
século XIV em diante começou a tornar-se geral no Ocidente o uso
do batismo por infusão por ser mais simples e mais prático,
enquanto no Oriente a imersão ainda é comumente empregada.

Toda a questão, porém, gira em torno desta pergunta: É válido ou


não é o batismo por infusão? Se é válido, se a pessoa, recebendo o
batismo por infusão, recebe do mesmo modo o Espírito Santo, a
graça santificante, a remissão dos pecados, que isto é que é o
principal, se não há nenhuma palavra da Bíblia
, então já não é a
maior ou menor quantidade de água que importa no caso, o que
importa é o efeito produzido na alma do batizando.

E se no batismo por infusão o sepultamento do neófito é


apresentado de uma maneira mais imperfeita, porque ele fica
debaixo apenas de um pouco d’água, contudo ainda se conserva
um belo simbolismo: a água lava e purifica o corpo, o que é sinal
daquele ato que ali mesmo se realiza: a purificação da nossa alma.

Alegação incrível.

283. Antes de finalizar, vejamos agora quatro objeções


protestantes.

A primeira é esta: Jesus foi batizado. Se o Batismo fosse para


apagar pecado, por que motivo então havia de ser batizado Jesus,
em quem nenhum pecado podia existir?

— Vê-se aí a mentalidade do protestante: quando os textos da


Bíblia são muito claros contra ele, procura armar confusões na sua
própria cabeça.

Já explicamos bem claramente que há uma diferença profunda entre


o batismo de João e o de Cristo; e que o batismo de João não
purificava interiormente, ; tinha
apenas por fim excitar à contrição e ao arrependimento. Ora, Jesus
recebeu o batismo de João. Não foi, portanto, em busca de apagar
pecados. Bem como, não sendo pecador, não tinha de que se
arrepender e é precisamente por isto que S. João não quer batizá-
Lo; Ele não estava no caso de ser batizado.

Bastava esta consideração da recusa de João Batista, para nenhum


protestante alegar como objeção este batismo de Jesus.

Jesus se põe no meio dos pecadores, sem que o seja, porque quer
praticar um ato de humildade; e isto é do agrado de seu Eterno Pai.
E convém cumprir toda a justiça (Mateus III-15): em prêmio deste
ato de humildade, tão agradável aos Céus, Jesus é glorificado: Este
é meu Filho amado, no qual tenho posto toda a minha complacência
(Mateus III-17). E assim se Lhe faz justiça.

Mas que há entre este ato de humildade do Mestre que quis tomar a
si todas as nossas enfermidades, à exceção do pecado, que quis
passar no meio dos outros, como um pecador e por isto recebeu o
batismo de João , com a doutrina de
que o
apaga realmente o pecado?

Exceção não destrói a regra.

284. A outra objeção se refere ao que aconteceu com Cornélio.


Quando ouviam a pregação de Pedro, Cornélio e os que com ele se
encontravam receberam o Espírito Santo visivelmente, pondo-se a
falar diversas línguas e engrandecer a Deus (Atos X-46). Depois
disto então Pedro manda batizá-los. Ora, dizem os protestantes,
está-se vendo por aí que primeiro se recebe o Espírito Santo,
primeiro a alma é regenerada, depois então se recebe o Batismo
como sinal desta regeneração. Logo, esta regeneração não é
produzida pelo Batismo.

— Todo o mundo está vendo logo que aí se trata de um


, que se realizou porque
para isto. Era, portanto, a exceção da regra. Não é honesto
abandonar a regra, para se argumentar com a exceção.

A regra é esta e já tinha sido dada por S. Pedro àquelas 3.000


pessoas que, no início da Igreja, creram com sua pregação: Fazei
penitência e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo
para remissão dos vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito
Santo (Atos II-38).
Esta é a ordem, a doutrina estabelecida por Deus a respeito dos
adultos: 1º — crer e arrepender-se; 2º ser batizado em nome de
Jesus Cristo para obter então , recebendo
o dom do Espírito Santo.

Mas Deus é dono e senhor absoluto de seus dons; não está


escravizado à ordem por Ele próprio estabelecida.

Ali no caso havia uma razão toda especial para alterar esta ordem
de coisas, porque Deus queria dar aos judeus de uma maneira
extraordinária ou, como diríamos na linguagem de hoje,
, uma demonstração de que já não
considerava como obrigatória nem necessária a circuncisão e de
que ao reino de Deus eram chamados também os gentios. Por isto
quis o Divino Espírito Santo baixar sobre gentios, sobre
incircuncisos, visivelmente, com o dom das línguas, de modo que
não deixasse margem a nenhuma dúvida. Para esta demonstração
é escolhido entre outros, Cornélio, homem justo e temente a Deus
(Atos X-22).

Ora, os judeus eram tão aferrados às suas próprias ideias e tinham


tamanha aversão aos gentios que, se o Espírito Santo baixasse
visivelmente sobre Cornélio e os seus, só depois que Pedro os
batizasse, ainda seriam capazes, na sua ignorância e teimosia, de
censurar a Pedro, dizendo que ele não deveria ter feito isto, não
deveria tê-los batizado para receberem o Espírito Santo, porque não
eram circuncidados etc. Por isto, antes mesmo que Pedro os
mandasse batizar, o Espírito Santo desce sobre eles de maneira
miraculosa, com assombro de todos os presentes e agora Pedro se
aproveita do fato para falar de uma maneira que não admite réplica:
Porventura pode alguém impedir a água, para que não sejam
batizados estes, que receberam o Espírito Santo, assim como
também nós? (Atos X-47).

Tão categórica era a ordem de Jesus de batizar a todos, que não se


tratara do caso de dispensar o Batismo. Mesmo assim, era
necessário batizá-los: Cristo o ordenou; e o Batismo não serve só
para regenerar a alma e dar-lhe o Espírito Santo; serve também
para introduzir o batizando na verdadeira Igreja de Nosso Senhor
Jesus Cristo.

Se os protestantes querem argumentar com este caso


, acontecido com Cornélio, e não com o que,
segundo a palavra de Pedro, devia acontecer com toda a Igreja
(pois aquelas três mil pessoas no dia de Pentecostes
representavam a Igreja em peso) por que é então que não se
servem deste caso para argumentar que o Espírito Santo só desce
sobre os fiéis , com manifestações externas, ficando
eles a falar diversas línguas (Atos XI-46)? Se querem argumentar
com a exceção e não com a regra, por que motivo não se servem do
que aconteceu com o Apóstolo das Gentes (Gálatas I-72) para
tentar provar que recebemos o Evangelho diretamente por
revelação de Nosso Senhor Jesus Cristo? porque não se servem do
que aconteceu com S. João Batista (Lucas I-15) para ensinar que
somos santificados pelo Espírito Santo já no ventre de nossa mãe?

O caso de Cornélio era excepcional, tão excepcional que nem para


o próprio S. Paulo, cuja conversão foi também acompanhada de
circunstâncias maravilhosas, para o próprio S. Paulo não se abriu
uma exceção daquelas: -
(Atos XXII-16).

E uma exceção não serve para destruir, serve apenas para


confirmar a regra [44].

Notas (pular)

[44] Outro caso também alegado pelos protestantes é o do bom ladrão, que
alcançou a salvação sem precisar do batismo de água. Mas se querem fazer
valer este exemplo contra a doutrina da Igreja, é sinal apenas de que não
conhecem esta doutrina. Pois, segundo o que a Igreja ensina, o Batismo pode
ser suprido pelo amor a Deus, naqueles que não podem receber o
Sacramento ou não têm conhecimento suficiente para pedi-lo e tal foi
precisamente o caso do bom ladrão. Veja-se o que dissemos sobre o Batismo
de desejo no nº 22. (voltar)

Imperativo com particípio presente.

285. Nosso Senhor disse aos Apóstolos: Ide, pois, e ensinai todas
as gentes, - em nome do Padre e do Filho e do Espírito
Santo (Mateus XXVIII-19).

Ora, no grego que quer dizer


. É como se houvesse em português o verbo —
discipulizar (tornar discípulo) e Nosso Senhor dissesse: Ide e
discipulizai a todos os povos.

Aí entram os protestantes com uma terceira objeção: Se Nosso


Senhor diz: Ide, -
— quer dizer que o Batismo serve só para isto: para um homem se
tornar discípulo de Cristo; não serve para perdoar pecados, nem
para transmitir o Espírito Santo.

— Em primeiro lugar, não repugna que o Batismo sirva para uma


coisa e para outra, assim como também não repugna que o menino,
ao ser matriculado numa escola, receba de graça um belo
fardamento para usá-lo, a fim de honrar a mesma escola: a graça
santificante é este belo uniforme de gala, de que a alma se reveste
ao receber o Batismo, o qual não deixa de ser uma matrícula na
escola divina de Jesus. Depois... por mais lindo, engenhoso e
erudito que pareça este sistema de recorrer ao texto grego a fim de
forçar uma interpretação própria, desprezando outras passagens tão
claras da Bíblia, tudo isto se desmorona facilmente diante de uma
simples regra de gramática.

Tanto no grego, como no latim, como em português, como em


muitas outras línguas do mundo, é muito comum o particípio
presente usado depois do imperativo ter força também de
imperativo: Ide, fazei discípulos a todos os povos, - em
nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo — não é nada mais
do que: Ide, fazei discípulos a todos os povos; - em nome
do Padre e do Filho e do Espírito Santo.

Varnos dar um exemplo para ilustrá-lo.

Vocês, protestantes, chegam a uma localidade e conquistam


prosélitos. Nesse meio encontram algumas senhoras que se
dispõem a ensinar às crianças e dão-lhes esta ordem: Ide, fazei
discípulos estes meninos, fornecendo-lhes o necessário para sua
saúde e vestuário e tratando-os com muito carinho.

Ao cabo de algum tempo, Vocês chamam as professoras e indagam


como vão os meninos, se já sabem ler alguma coisa, se já
conhecem a tabuada etc. Elas, porém, respondem: Não lhes demos
nenhuma aula, por isto eles não sabem nada, porém temos
fornecido o necessário para a sua saúde e vestuário e os temos
tratado com muito carinho. Como os Srs. nos disseram que os
fizéssemos discípulos - , achamos
que fornecendo-lhes o que era necessário já os estávamos
ensinando e fazendo discípulos.

É quando Vocês dizem: Não, senhoras; estão completamente


erradas. Quando dizemos: Ensinai, fazei discípulos os meninos,
fornecendo-lhes o necessário etc., estamos dando 2 ordens:
Ensinai, fazei discípulos — é uma; fornecei o necessário — é outra.

É o caso também da palavra de Cristo aos seus Apóstolos: Ide,


fazei discípulos a todos os povos — é uma ordem; batizai-os em
nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo — já é outra. Não
existe um nexo lógico de subordinação entre a segunda e a
primeira.

O resultado da pregação.
286. Finalmente vem o texto de S. Marcos: O que e
será salvo; o que, porém, não crer será condenado
(Marcos XVI-16).

Estão vendo? dizem os protestantes. Nosso Senhor fala primeiro em


, para depois falar em . Logo, para ser batizado é
preciso crer primeiro, portanto a criança que ainda não é capaz de
crer não pode receber o Batismo. Portanto, o Batismo é um mero
sinal da fé.

— Aí não se prova nem uma coisa, nem outra. É sempre a tal


história da frase separada do seu contexto.

O que é que disse o Divino Mestre? Disse o seguinte:


, . O que crer e for
batizado será salvo; o que, porém, não crer será condenado. E
estes sinais seguirão aos que crerem: expulsarão os demônios em
meu nome; falarão novas línguas; manusearão as serpentes e se
beberem alguma potagem mortífera, não lhes fará mal; porão as
mãos sobre os enfermos e sararão (Marcos XVI-15 a 18). Nosso
Senhor está falando a respeito da pregação do Evangelho que vai
ser feita pelos Apóstolos, está-se referindo especialmente à
pregação feita naqueles primeiros dias da Igreja, pois se sabe muito
bem que hoje não se verifica mais este fenômeno: de todos os que
crerem com a pregação ficarem com o dom de expulsar demônios,
manusear serpentes, imunizar-se contra venenos, curar os
enfermos com a simples imposição das mãos etc. Esta pregação
dos primeiros dias a quem vai ser feita? É evidente que vai ser feita
, como toda e qualquer pregação, pois a crianças sem
uso da razão não se fazem discursos. É claro também que vai ser
feita , porque agora é que vai iniciar-se a
propagação do Cristianismo, agora é que vai começar a se pôr em
prática o batismo cristão. Se alguns foram batizados por João,
tiveram que receber depois o batismo de Cristo: E ele (Paulo) lhes
disse: Em que batismo logo fostes vós batizados? Eles disseram:
No batismo de João. Então disse Paulo: João batizou ao povo com
batismo de penitência, dizendo que cressem nAquele que havia de
vir depois dele, isto é, em Jesus. Ouvido isto,
S J (Atos XIX-3 a 5).

Saindo por toda a parte a fazer a pregação diante de multidões e


multidões de pagãos, qual será o resultado? Uns hão de crer. É
referindo-se a estes que Nosso Senhor diz: O que crer e
será salvo (Marcos XVI-16). O texto, em vez de ser a favor
dos protestantes é positivamente contra eles, pois Jesus ensina que
para a salvação não basta crer, é preciso também receber o
Batismo, o que concorda muito bem com a instrução que deu
S. Pedro no dia de Pentecostes: seus ouvintes creram na pregação,
mas, se queriam obter a remissão dos pecados e receber o dom do
Espírito Santo, tinham que arrepender-se e cada um ser batizado.

Outros não haviam de crer. Para estes Jesus não fala em batismo
por uma razão muito simples: aqueles que não cressem não
pediriam o Batismo.

Se, portanto, Jesus neste texto de S. Marcos fala primeiro em


para depois falar em , daí não se segue que esteja dizendo
que as crianças não podem ser batizadas, nem que o Batismo não
confere a graça santificante. Está falando a respeito de ,e
de adultos pagãos, e é exatamente isto o que a Igreja ensina:
precisam crer primeiro e ter uma noção da doutrina cristã,
arrepender-se de seus pecados para depois receberem o Batismo.
E se Jesus se refere aí no caso exclusivamente a , porque
o assunto de que está falando é nada mais, nada menos do que o
resultado da pregação do Evangelho e esta pregação só aos
pode ser feita.

Mas, quando Jesus conversava com Nicodemos, falava diretamente


sobre o Batismo e seus efeitos, e aí não faz nenhuma distinção
entre adultos e crianças: Quem não renascer da água e do Espírito
Santo (quem não renascer, isto é, qualquer pessoa, seja um adulto,
seja uma criança) não pode entrar no reino de Deus (João III-5).
A que se reduz o Batismo.

287. Já vimos, em todo o decurso da Primeira Parte sobre A


Salvação pela Fé, quantos textos tão claros sobre a necessidade
das para a salvação, são desprezados, são esquecidos, são
sacrificados pelos protestantes para sustentarem a sua tese da
salvação só pela fé. Agora entramos noutro aspecto da questão e
passamos a ver como os protestantes, querendo artificialmente, por
paus e por pedras, sustentar esta tese da salvação só pela fé,
queimam e sacrificam tantos textos bem claros sobre a necessidade
dos instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo para
obtermos a salvação.

E se ali nós vimos como os protestantes adulteram a noção de fé,


aqui passamos a ver como os são desfigurados nas
mãos dos protestantes. O Batismo, por exemplo, a que está
reduzido na teoria de muitos “evangélicos”! Já vimos como S. João
Batista estabelecia o contraste entre o seu batismo e o batismo de
Cristo que lhe era muito superior. O seu apenas excitava à
contrição; o de Cristo santificará no Espírito Santo. Mas, segundo a
doutrina de muitos protestantes, o batismo de Cristo em nada é
superior ao de João. O batismo de João, pelo menos, conduzia ao
arrependimento, e assim se não produzia diretamente a
, contribuía indiretamente para ela. O batismo de
Cristo, apresentado como mero sinal da fé é um banho e nada mais:
não purifica, não transforma a alma, não a santifica, não lhe infunde
a graça interior, porque segundo a hipótese destes “evangélicos”
aquele que o recebe não precisa dele para isto, pois já está
regenerado, já recebeu o Espírito Santo.

— Precisa, sim; dirá o protestante, porque o cristão tem que


obedecer a Cristo que o ordenou.

— Aí é que está justamente o espantoso! Cristo faz questão cerrada


de que todos os povos recebam o Batismo. E no entanto Ele que foi
sempre tão lógico, tão sábio, tão rico em seus ensinamentos,
havendo tantas maneiras tão belas, tão eloquentes de alguém dar
sinal da sua fé, foi escolher para isto um simples ,
que, na hipótese, não produz na alma nenhum efeito! Banhos
corporais, purificações do corpo com água fazem todos os dias,
fazem a qualquer momento todos os homens, bons e perversos,
crentes e descrentes, cristãos e pagãos. A praia está cheia de
criaturas que tomam banhos, sem que isto implique de forma
alguma numa demonstração de fé. Por que haveria um simples
banho corporal, que não realiza nenhuma transformação na alma,
que não lhe confere nenhuma graça, de ser dado P
F E S ? Se os protestantes ensinam em
geral que Jesus Cristo foi inimigo de ritos e cerimônias, como iria o
Divino Mestre fazer tanta questão de um rito que seria perfeitamente
dispensável numa pessoa que pela hipótese já está regenerada e
justificada pelo Espírito Santo?

Tão lógico é isto que há muitos protestantes, como por exemplo, os


Quacres, os Salvacionistas ou Exército da Salvação, os
Protestantes Liberais que desprezam completamente o Batismo,
como desnecessário. Desfigurando o Batismo para tentar salientar
um papel exclusivo da na economia da nossa salvação, os
protestantes levam logicamente à supressão do Batismo; e, o que é
mais interessante, findam também destruindo a própria .

A não nos obriga a aceitar tudo quanto nos diz a Bíblia? Pois
bem, neste caso é preciso por no seu verdadeiro lugar o Santo
Batismo instituído por Cristo, que não é um mero batismo de água
para excitar à penitência, mas batismo no Espírito Santo que é fogo
(Mateus III-11);

Batismo que lava os pecados (Atos XXII-16);

Batismo que nos salva, assim como nos dias de Noé oito pessoas
se salvaram no meio da água (1ª Pedro III-20 a 22);
Batismo que não é um simples banho corporal, mas o banho da
água pela palavra da vida que santifica a Igreja, purificando-a,
tornando-a santa e imaculada (Efésios V-26 e 27), banho de
regeneração e renovação do Espírito Santo, para que, justificados
pela graça, sejamos herdeiros, segundo a esperança da vida eterna
(Tito III-5 e 7);

Batismo que é preciso receber para remissão dos pecados e para


se alcançar o dom do Espírito Santo (Atos II-38);

e é por isto que Jesus Cristo disse: Quem não renascer da ,


E S não pode entrar no reino de Deus (João III-5).
Capítulo Décimo Segundo
Cristo deu aos Apóstolos o poder de perdoar
pecados
O poder das chaves

288. Já vimos que Jesus Cristo entregou a S. Pedro as chaves do


Reino dos Céus (Mateus XVI-19), o que é o mesmo que dizer, deu-
lhe plenos poderes sobre a Igreja. Imediatamente, para dar-lhe uma
explicação de como se entediam estes plenos poderes,
acrescentou: Tudo o que ligares sobre a terra será ligado também
nos Céus e tudo o que desatares sobre a terra será desatado
também nos Céus (Mateus XVI-19). Ficavam assim S. Pedro e os
seus sucessores com a autoridade conferida pelo próprio Cristo
para ligar a todos os membros da Igreja por meio de leis e
obrigações a eles impostas, ou para desligá-los, dispensando-os de
tudo aquilo que não fosse de direito natural e divino; ficavam com o
poder de admitir membros na Igreja ou de excluí-los pela
excomunhão, de governá-la fazendo as nomeações necessárias,
exercendo a missão de julgar as questões, de impor penalidades e
castigos, enfim de obrigar os fiéis à obediência, sendo suas ordens
confirmadas pelo próprio Céu.

Mais adiante (Mateus XVIII-19) Cristo associou também os


Apóstolos aos poderes concedidos a S. Pedro, dando-lhes
igualmente o poder de ligar e desligar, ou seja, de governar os fiéis,
impondo-lhes obrigações, exigindo-lhes obediência, mas sob a
dependência de Pedro, está bem visto, pois Pedro foi declarado, só
ele, e mais nenhum Apóstolo, sobre a qual Cristo edificava
a sua Igreja e pedra onde se firmavam, pela proteção divina, a
unidade e a solidez desta mesma Igreja.

Mas o que ninguém, nem protestante, nem católico, se atreveria a


concluir destas palavras de Cristo dando a Pedro e aos Apóstolos e
consequentemente aos seus sucessores o poder de
no governo da Igreja, era que o Divino Mestre
pretendesse dar-lhes com isto um poder tão sublime e tão profundo:
o poder de perdoar pecados. Dirigir, administrar, impor leis,
estabelecer penas e castigos, expulsar mesmo da Igreja — tudo isto
se prende a um governo, por assim dizer, externo. Perdoar pecados
é um poder exercido diretamente sobre o âmago da consciência de
cada um.

Foi preciso então que Jesus Cristo noutra ocasião declarasse


abertamente que transmitia aos Apóstolos também este poder sobre
o foro íntimo das consciências. E Cristo fala de uma maneira clara e
decisiva que não deixa margem a nenhuma dúvida, pois diz sem
nenhum rodeio que os Apóstolos ficam com a autorização de
perdoar pecados ou retê-los, podendo conceder imediatamente ou
negar, deixar para outra ocasião a desejada absolvição dos
pecados: Recebei o Espírito Santo; aos que vós perdoardes os
pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; aos que os retiverdes, ser-
lhes-ão eles retidos (João XX-22 e 23). Esta palavra de Cristo
mostra a sua confirmação divina à sentença proferida pelos
Apóstolos e equivale a dizer: Se perdoardes, eu também perdoo; se
retiverdes, eu também retenho, tal qual como Ele antes havia dito:
Tudo o que vós ligardes sobre a terra será ligado C ;e
tudo o que vós desatardes sobre a terra será desatado
(Mateus XVIII-18).

Desde esse momento se viu que o poder de que


receberam Pedro e os demais Apóstolos, ia muito mais longe do
que a princípio se poderia imaginar. Era também a respeito dos
próprios pecados, das culpas íntimas de cada um dos cristãos, que
os Apóstolos e seus sucessores recebiam poderes de ligar e
desligar: podendo - destes pecados ou deixá-los ainda
presos, pelos mesmos, até que recebessem a absolvição.
E assim se começou a ver que o poder concedido a Pedro e do qual
os demais Apóstolos também participavam, se estendia até ao mais
íntimo das consciências: era não só o poder de governar, mas
igualmente o de conceder ou não conceder o perdão dos pecados.

Não se trata de questões disciplinares.

289. Para os protestantes que pregam a salvação só pela fé, que


dizem que basta o homem em Jesus, para alcançar o perdão
dos pecados se estiver arrependido, que dizem que a graça vem do
Céu diretamente, sem ser por intermédio de pessoa alguma, eis aí
um texto do Evangelho realmente incompreensível, intrigante,
inexplicável. Se para salvar-me basta e ajuntar à crença o
arrependimento, por que motivo então haveria o Divino Mestre de
conceder a este poder de perdoar ou deixar de perdoar os
meus pecados?

As explicações que eles inventam são evidentemente falhas e


ridículas, diante de palavras tão claras como são as do Divino
Mestre.

Já tivemos ocasião de comentar (nº 217) a explicação dada por


Calvino. Quando Cristo dá aos Apóstolos o poder de perdoar os
pecados ou retê-los, os está mandando (!!!).
Nunca ninguém em tempo algum, antes de aparecer o
Protestantismo, teve coragem de afirmar semelhante despropósito,
porque não pode haver nenhum homem de bom senso que, diante
destas palavras: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
eles perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles
retidos, possa convencer-se de que é à pregação do Evangelho, a
qual deve ser feita a toda criatura, que Jesus aí se está referindo.

Os próprios protestantes hoje se acanham de aparecer em público


trazendo uma interpretação tão ridícula. E por isto se limitam a dizer
que Cristo naquelas palavras se refere a ;
e que aquele poder foi concedido a I . Alegações que
são ambas evidentemente falsas.
Vamos à primeira.

Cristo usou esta expressão: . Será que


e são sinônimos?

Questões disciplinares são divergências que surgem entre os


membros de uma Igreja ou dificuldades na administração da mesma
e que vão ser solucionadas por aquele ou por aqueles que para isto
tenham autoridade. Mas de inveja, de juízo temerário
ou contrários à virtude da castidade, furtos feitos ocultamente de
que ninguém chegou a saber, sentimentos de revoltas
contra Deus, dúvidas contra a fé, afeição desordenada que nasce
no coração para com uma pessoa que já é casada, desejos de
vingança, sentimentos de aversão ou de ódio enraizado contra o
próximo são pecados? Sim, são pecados. São questões
disciplinares? Absolutamente não.

Jesus disse ao paralítico: Os teus pecados te são


(Lucas V-20). Jesus disse igualmente à mulher pecadora:
te são teus (Lucas VII-48). Jesus diz neste
passo do Evangelho: Aos que vós , ser-
lhe-ão eles (João XX-23); em todos os três casos sem
exceção a palavra é expressa no grego pelo verbo
; a palavra é expressa no grego pelo mesmo
substantivo (com o artigo: hamartíai, hamartías).
Tudo é enunciado do mesmo modo com as mesmas palavras. Agora
perguntamos: Quando Jesus perdoou os pecados ao paralítico e à
mulher arrependida, provocando em ambos os casos escândalo da
parte dos judeus (Quem pode , senão só Deus?
— Lucas V-21. Quem é este que até ? — Lucas
VII-49), tratava-se apenas de questões disciplinares ou tratava-se
também do perdão para os pecados de pensamento, ou de
sentimento, ou de ações ocultas que eles tivessem cometido? É
claro que se tratava de toda e qualquer espécie de pecado. Logo, é
o mesmo poder que é concedido nesta passagem do Evangelho.
Jesus tudo pode, e age como bem Lhe apraz; tanto pode perdoar
diretamente (e assim o fez na sua vida pública) como pode, prestes
a subir para o Céu, delegar a alguns homens o poder de perdoar em
seu nome.

O texto de S. João é tão claro, que o leitor fica até com a


curiosidade de saber por que cargas d’água ou por meio de que
ginástica mental chega o protestante a procurar convencer-se a si
mesmo de que quando Jesus
- está falando apenas em questões disciplinares.

O seu sofisma é o seguinte rodeio: Poder de perdoar pecados é o


mesmo poder de ligar e desligar. Ora, quando Jesus fala no poder
de ligar e desligar em Mateus XVII-15 a 18, refere-se a questões
disciplinares. Logo, aqui se trata também de questões disciplinares.

Este raciocínio baseia-se logo num falso fundamento. Não é exato


que o poder de e e o poder de e
sejam sinônimos, de modo que se possa empregar
indiferentemente uma expressão pela outra. A prova é que, como
dissemos, quando Cristo deu aos Apóstolos o poder de ligar e
desligar, ninguém podia imaginar que Ele com estas palavras
tivesse intenção de dar aos Apóstolos um poder tão grande como o
de ; foi preciso que Cristo depois o
dissesse claramente. Com estas simples palavras e
, a Igreja não podia nunca provar que os seus ministros
tinham poder de perdoar pecados, porque alguém poderia logo
dizer: Ligar quer dizer impor uma obrigação; desligar quer dizer
desembaraçar alguém de alguma obrigação que sobre ele pesava.
Mas isto nunca foi sinônimo de perdoar ou deixar de perdoar
pecados. Quando Cristo, portanto, deu claramente, sem nenhum
rodeio, aos Apóstolos, o , aí
então é que se viu com esta que o poder
de ligar e desligar, , significava também o
poder de perdoar ou deixar de perdoar os pecados. Viu-se então a
semelhança entre e a outra alternativa
, mas isto não os torna sinônimos: ver-se-á neste caso que
é um poder ainda mais amplo porque, p. ex., o
confessor pode ter o poder de perdoar ou reter, sem ter o poder de
fazer leis, de impor ao fiel novas obrigações.

À argumentação protestante neste caso falta, não só a lógica, mas


também a sinceridade. Em vez de comentar, de enfrentar
diretamente as palavras de Jesus que foram tão claras, tão simples,
tão categóricas: Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
eles perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles
retidos, procuram eles lançar a confusão, chamando o leitor para
Mateus XVIII-15 a 18 que não vem absolutamente ao caso, pois
. Como o poder de e
envolve o poder de perdoar os pecados e retê-los,
(isto é, governo externo, poder de legislar, de decidir questões
disciplinares etc), nem sempre quando se fala em
se está falando em perdoar ou deixar de perdoar pecados. É
precisamente o que se dá com o texto de Mateus XVIII-15 a 18, que
passamos a transcrever:

contra ti, vai e corrige-o entre ti e ele só: se te


ouvir, ganhado terás a teu irmão; mas se te não ouvir, toma ainda
contigo uma ou duas pessoas, para que por boca de duas ou três
testemunhas fique tudo confirmado. E se os não ouvir, dize-o à
Igreja; e se não ouvir a Igreja, tem-no por um gentio ou um
publicano. Em verdade vos digo que tudo o que vós ligardes sobre a
terra será ligado também no Céu, e tudo o que vós desatardes
sobre a terra será desatado também no Céu (Mateus XVIII-15 a 18).

O texto grego da edição de Nestle não traz a expressão: .


Mas isto não influi no caso. Suprimamos mesmo o .S
— vê-se bem por estas palavras que se trata de
alguém que vem fazer uma queixa que não está
procedendo bem. Ao passo que quando Nosso Senhor diz: Aos que
vós perdoardes os pecados ser-lhe-ão eles perdoados; e aos que
vós os retiverdes, ser-lhe-ão eles retidos, não se trata
absolutamente de alguém que vem fazer queixa contra outro, mas
de alguém que precisa do perdão .O
caso é, portanto, bem diferente. Para que então procurar embrulhar
o leitor, envolvendo conjuntamente dois textos que não tratam
exatamente do mesmo assunto?

Não há meio, portanto, para o protestante escapar à clareza


meridiana do texto: trata-se de e pecado é
tudo aquilo em que se desagrada a Deus, mesmo ações e
sentimentos ocultos; não se trata apenas de questões disciplinares
[45].

Notas (pular)

[45] Dizer que Jesus dá aí aos Apóstolos o poder de perdoar ou reter as


ofensas , Apóstolos, seria torcer as
palavras do Mestre, para dar-lhes uma interpretação completamente contrária
à doutrina do Evangelho. Torcer as palavras do Mestre, porque Jesus não
disse: Àqueles a quem perdoardes os , lhes
serão perdoados — mas pura e simplesmente: Àqueles a quem perdoardes
os . E seria uma interpretação contrária à moral evangélica, porque
nem aos Apóstolos, nem a cristão nenhum, Nosso Senhor dá o direito de
perdoar ou deixar de perdoar as ofensas pessoais cometidas contra eles. Aí a
obrigação é sempre de perdoar. Depois da parábola do devedor insolvente,
que foi castigado porque não perdoou ao seu próximo, diz o Divino Mestre:
Assim também vos há de fazer meu Pai Celestial, do
íntimo dos vossos corações a seu irmão (Mateus XVIII-35). S. Pedro
pergunta se há de perdoar a seu irmão sete vezes, ao que o Salvador
responde: Não te digo que até sete vezes, mas que até setenta vezes sete
(Mateus XVIII-22) o que equivale a dizer que não há limites para este perdão.
Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio e orai pelos que vos
perseguem e caluniam, para serdes filhos de vosso Pai que está nos Céus
(Mateus V-44 e 45). Esta é a doutrina do Evangelho. Não seria Jesus, que a
ensinou, que viria depois dizer: As ofensas que os outros fizeram contra vós,
se as perdoardes, ficam perdoadas; e se as retiverdes, isto é, se não as
perdoardes, não ficam perdoadas. Como se quisesse assim dar um direito de
escolha entre a caridade que perdoa, e o ódio que resolve negar o perdão.
Não seria para , que Jesus haveria de soprar sobre os seus Apóstolos,
dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo (João XX-22). (voltar)
Não é um poder concedido a toda a Igreja.

290. Os protestantes têm todo interesse em negar que este poder


de perdoar os pecados tenha sido concedido aos Apóstolos, a
somente, que o transmitissem aos seus
sucessores. Isto é para eles uma questão de vida ou de morte, por
uma razão muito simples: o Protestantismo vem do século XVI; a
única seita protestante que é anterior a esta época é a seita dos
Valdenses que, tendo aparecido no século XIII, depois aderiu ao
Protestantismo. Se Cristo fundou a sua Igreja à base de poderes
concedidos a homens que por sua vez os passassem a outros,
então, a Igreja Verdadeira de Cristo tem que existir desde o tempo
de Cristo, desde o tempo dos Apóstolos para conservar em si, por
sucessão apostólica, os poderes por Cristo concedidos. Ora, a
Igreja Católica é a única a remontar até esse tempo.

Compreende-se, por isto, muito bem, a tenacidade com que os


protestantes querem negar que Cristo tenha dado só a
, só aos Apóstolos, o poder de perdoar pecados. E, no
entanto é isto o que nos demonstra claramente o texto sagrado.
Vejamo-lo na sua íntegra:

Chegada, porém, que foi a tarde daquele mesmo dia, que era o
primeiro da semana e
por medo que tinham dos
judeus: veio Jesus e pôs-se em pé no meio deles e disse-lhes: Paz
seja convosco. E, dito isto, mostrou-lhes as mão e o lado.
Alegraram-se, pois, os discípulos de terem visto o Senhor. E Ele
lhes disse segunda vez: Paz seja convosco. A P
, . Tendo dito estas
palavras, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito
Santo; aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles
perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos.
P T , , que se chama Dídimo,
J (João XX-19 a 23).
A simples leitura deste trecho mostra com toda clareza que não se
trata aí de um poder concedido a toda a Igreja, mas só a alguns
homens, aos Apóstolos.

É fora de dúvida que Cristo aí não está falando a toda a Igreja, pois
o que Cristo queria dizer a toda a Igreja dizia-o em público, em
campo aberto, diante de todo o povo, com fez, por exemplo, no
sermão da montanha, que ocupa os capítulos 5º, 6º e 7º de
S. Mateus. Cristo está falando a homens que estão
; e como é que dentro
de uma casa trancada, os protestantes acham lugar para colocar a
Igreja inteira?

Àqueles a quem vai dar o poder de perdoar os pecados, Jesus


mostra que lhes vai conferir uma missão especial, semelhante à
missão dEle, Jesus, que não só pregou o Evangelho, mas também
com escândalo injustificado de algumas pessoas, perdoou pecados:
Assim como o Pai me enviou a mim, também eu a vós
(João XX-21). É aos seus que Jesus vai dar o poder de
perdoar os pecados; logo, não é a toda a Igreja, pois Jesus não
todos os fiéis; enviou, sim, os Apóstolos, para a
evangelização do mundo. Se queremos ver quais são os
de Jesus, vejamos o que diz o final do Evangelho de S. Mateus:

Partiram, pois, os para Galileia, para cima de um


monte onde Jesus lhes havia ordenado que se achassem. E vendo-
o, O adoraram, ainda que alguns tiveram sua dúvida. E chegando
Jesus, lhes falou dizendo: Tem-se me dado todo o poder no céu e
na terra; , pois, , - em
nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a
observar todas as coisas que vos tenho mandado. E estai certos de
que estou convosco todos os dias até à consumação do século
(Mateus XXVIII-16 a 20).

A própria palavra tem exatamente este sentido: ,


e designava, na língua grega donde se
origina, ora homens, ora barcos mercantes que para longe eram
enviados.

Os poderes especiais, Cristo sempre os concedeu a


, ou seja, aos Apóstolos e não a toda a Igreja. Foi somente
aos Apóstolos que Jesus mandou assim ensinar a todos os povos.
Foi somente aos Apóstolos que Ele, por ocasião de sua Última Ceia,
deu ordem para celebrar a Eucaristia: Fazei isto em memória de
mim (Lucas XXII-19). Foi a Pedro individualmente que Cristo deu o
poder de (Mateus XVI-19) e como já
demonstramos claramente (nº 188) foi aos Apóstolos e não a toda a
Igreja que Jesus estendeu este poder (Mateus XVIII-18).

São aqueles poucos homens, portanto, que Jesus com


poderes especiais, assim como o Pai O enviou. Seus poderes, eles
tem que transmitir a outros e assim sucessivamente, porque a Igreja
tem que perdurar gozando da presença de Cristo através de seus
representantes até a consumação do século. Mas a base da
organização da Igreja é sempre a mesma. Uns a doutrina,
e outros a ouvem, a aprendem. Uns a Eucaristia; outros
apenas a recebem. Uns ; outros são ligados ou
desligados. Uns ; outros são perdoados: Aos que vós
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados (João XX-23).

Para mostrar ainda mais que se trata de um poder especialíssimo,


concedido a alguns homens, Jesus usa uma cerimônia toda
especial: . E seria sumamente ridículo pretender
que Jesus ali naquela casa fechada ,
soprou sobre os seus inúmeros membros que dali estavam
ausentes.

O poder que Jesus confere é um poder de julgar. Trata-se de


perdoar ou reter os pecados conforme o caso. E o papel de Juízes
nunca foi confiado a qualquer pessoa, nem à multidão. É preciso
receber para isto um dom especial e é por isto que Jesus, tendo
soprado sobre eles, disse: Recebei o Espírito Santo (João XX-22).
Afinal, para mostrar claramente, sem deixar nenhuma dúvida, que é
aos Apóstolos que se refere a sua narrativa, que é a eles que tem
em vista, nesta passagem do Evangelho, S. João tem o cuidado de
logo acrescentar: Porém T , , que se chama
Dídimo, quando veio Jesus (João XX-24).
Portanto, quando o Evangelista diz que ali naquela casa os
(João XX-22) — também no grego
com o artigo ; os discípulos; e não era possível
estarem juntos ali naquela casa fechada todos os que seguiam a
doutrina de Jesus — está focalizando somente os Apóstolos, porque
é muito comum nos Evangelhos dar-se aos Apóstolos a
denominação de : Então convocados os seus
, deu-lhes Jesus poder sobre os espíritos imundos
(Mateus X-1). Chegada, pois, a tarde, pôs-se Jesus à mesa com os
seus (Mateus XXVI-20). Partiram, pois, os
para a Galileia, para cima de um monte (Mateus XXVIII-
16). Ide, dizei a e a Pedro que Ele vai adiante de
vós esperar-vos em Galileia (Marcos XVI-7). Entrou Ele e os
em uma barca (Lucas VIII-22). Onde está o aposento
que tu me dás, para eu nele comer a Páscoa com os
?... E chegada que foi a hora, pôs-se Jesus à mesa e
com Ele os doze Apóstolos (Lucas XXII-11 e 14). E foi também
convidado Jesus com para o noivado (João II-2).
Lançou água numa bacia e começou a lavar os pés
(João XIII-5). Havia um horto, no qual entrou Ele e
(João XVIII-1).

Todo este conjunto de circunstâncias demonstra com evidência que


não se trata absolutamente de um poder concedido a toda a Igreja.
O texto de S. João que é o único Evangelista a narrar o episódio,
não deixa a menor dúvida.

Mas os protestantes, na sua ânsia de demonstrar à fina força que


Jesus aí falou a toda a Igreja, vão procurar um texto de S. Lucas,
para provar que ali havia outras pessoas além dos Apóstolos, como
se o fato de haver ali na casa mais outras pessoas além dos
Apóstolos fosse suficiente para demonstrar que naquela casa
fechada Jesus falou a toda a Igreja. S. Lucas usa esta expressão:
, a respeito dos que estavam
na casa quando Jesus apareceu, o que de modo nenhum indica a
presença de I , antes mostra que aqueles que por
casualidade ou por permanência se encontravam juntamente com
os Apóstolos naquela casa eram em tão reduzido número ou tinham
tão pequena significação no caso, que os Apóstolos é que merecem
a principal menção: e os que com eles estavam.

Vejamos, porém, todo o texto do 3º Evangelho.

S. Lucas narra a aparição de Jesus aos dois homens que se


encaminhavam para Emaús (Lucas XXIV-13 a 32) e diz que, logo
que Jesus desapareceu e eles chegaram à conclusão de que tinham
visto realmente o Divino Mestre, levantando-se na mesma hora,
voltaram para Jerusalém e acharam juntos os
(Lucas XXIV-33). Quando estavam os 2 contando o
que tinham visto, apresentou-se Jesus no meio deles e disse-lhes:
Paz seja convosco; sou eu, não temais (Lucas XXIV-36).

Agora perguntamos: Quando Jesus chegou e encontrou ali os


Apóstolos, os viajantes de Emaús e mais algumas pessoas, foi
imediatamente dando o poder de perdoar pecados? Não. Os
Apóstolos ficaram muito assombrados com a presença do Mestre;
Este mostrou-lhes as mãos e pés; depois mandou que pusessem
alguma coisa para comer; comeu à vista deles e afinal deu-lhes
explicações sobre as Escrituras. É o que S. Lucas nos narra nos
versículos seguintes:

E disse-lhes: Paz seja convosco; sou eu, não temais. Mas eles,
achando-se perturbados e espantados, cuidavam que viam algum
espírito. E Jesus lhes disse: Por que estais vós turbados e que
pensamentos são esses que vos sobem aos corações? Olhai para
as minhas mãos e pés, porque sou eu mesmo: apalpai e vede; que
um espírito não tem carne, nem ossos, como vós vedes que eu
tenho. E em dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e pés. Mas não
crendo eles ainda e estando com admiração transportados de gosto,
lhes disse: Tendes aqui alguma coisa que se coma? E eles Lhe
puseram diante uma posta de peixe assado e um favo de mel. E
tendo comido Jesus à vista deles, tomando os sobejos, lhos deu.
Depois disse-lhes: Isto que vós estais vendo é o que queriam dizer
as palavras que eu vos dizia, quando ainda estava convosco, que
era necessário que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito
na lei de Moisés e nos Profetas e nos Salmos. Então lhes abriu o
entendimento, para alcançarem o sentido das Escrituras (Lucas
XXIV-36 a 45).

Este primeiro contato de Jesus Ressuscitado com seus Apóstolos,


que S. Lucas narrou assim tão circunstanciadamente, S. João narra
apenas com muito poucas palavras: Veio Jesus e pôs-se em pé no
meio deles e disse-lhes: Paz seja convosco. E dito isto, mostrou-
lhes as mãos e o lado. Alegraram-se, pois, os discípulos de terem
visto o Senhor (João XX-19 e 20).

Depois daquele primeiro contato, daquela refeição, daquela aula


sobre as Escrituras, Jesus , da qual
já não fala S. Lucas, passa a conferir aos Apóstolos o poder de
perdoar pecados, mesmo porque antes, naqueles momentos de
assombro e perturbação, a ocasião não era oportuna: E Ele lhes
disse : Paz seja convosco. Assim como o Pai me
enviou a mim, também eu vos envio a vós. Tendo dito estas
palavras assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito
Santo; aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles
perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos
(João XX-21 a 23).

Estavam neste instante ali presentes outros que não eram


Apóstolos? Não o sabemos. Mas, estivessem ou não ali outras
pessoas além dos Apóstolos, não é isto o que faz com que este
poder de perdoar pecados seja a eles concedido. Quando
assistimos a uma colação de grau, só por isto nos tornamos
doutores? Quando o Bispo ordena um ou mais sacerdotes, também
ali na igreja estão presentes muitas pessoas; mas segue-se daí, do
fato de estarem presentes àquele ato, que ficam com os mesmos
poderes que recebe o neo-sacerdote, que todos os homens,
senhoras e crianças que estavam assistindo ao ato, se tornam
padres também? O Bispo se dirige exclusivamente aos ordinandos,
realiza somente sobre eles as suas cerimônias e é claro que são
somente eles que recebem os poderes. Assim Cristo não precisou
mandar saírem da casa, ou, pelo menos, da sala aqueles que não
eram Apóstolos, pois Ele próprio tomou precauções para
demonstrar que não era a todos que o poder de perdoar pecados
era concedido: fala só aos ; sopra sobre aqueles a
quem quer conceder os poderes, restringindo assim os indivíduos a
quem estes poderes são outorgados. S. João que é o único a narrar
o ocorrido, dá a entender claramente que o fato se refere aos
Apóstolos: Porém Tomé, , que se chama Dídimo,
quando veio Jesus (João XX-26).

Mas, ainda mesmo que os protestantes quisessem teimar por paus


e por pedras que, além dos Apóstolos, mais alguns seguidores do
Mestre receberam também o poder de perdoar os pecados e reter, o
que, aliás, eles não poderão provar nunca pelo relato da Bíblia, daí
não se segue que o poder tenha sido dado a toda a Igreja: teria sido
sempre concedido , a quem Deus quis
especialmente conferir tal poder, e entre estes
figurariam sempre em primeira plana os Apóstolos.

Além disso, todo este empenho e força que fazem os protestantes


em querer demonstrar que o poder foi concedido I ,
supõe que eles pudessem provar que se trata aí apenas de
. Assentado, porém, como está, com toda
evidência, que aí se trata realmente do poder de
, tal poder concedido a toda a Igreja se torna
verdadeiramente inconcebível. Poder concedido a toda a Igreja, mas
como? Coletivamente, no sentido de que quem vai decidir se os
pecados de cada um devem ser ou não perdoados é a assembleia
dos fiéis, que vai por os diversos e inúmeros casos em votação? É
impraticável, uma vez que se trata dos pecados de todos; seria uma
interminável tarefa, bem como seria submeter cada fiel a um suplício
inominável: o de ver os seus pecados íntimos discutidos e julgados
tumultuariamente pela multidão. Individualmente, no sentido de que
qualquer membro da Igreja, isto é, qualquer pessoa batizada,
mesmo uma criança de 8 anos ou uma pessoa rude e ignorante que
muito pouco conhecimento tem da doutrina, ficaria pessoalmente
com este poder de perdoar ou reter os pecados de qualquer fiel?
Seria absurdo, porque o poder de julgar supõe sempre competência,
capacidade, critério seguro de julgamento.

Não há para onde correr: ou se aceitam as palavras do Divino


Mestre ou não se aceitam, porque elas são tão claras e elucidativas,
que não podem ser desvirtuadas com artifícios e subterfúgios.

A necessidade da confissão.

291. Dando aos seus Apóstolos, aos seus , o poder de


perdoar pecados e reter, Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu um
tribunal onde estes seus autorizados ministros vão funcionar como
para proferir uma sentença: conceder ou adiar a absolvição.

Ora, como bem observa Billot, em todo tribunal o juiz, antes de


proferir a sentença, precisa de ter conhecimento de duas coisas:
uma é a matéria, o assunto, o fato sobre o qual se vai proferir a
sentença; a outra é a causa, o motivo, pelo qual deve ser proferida a
sentença favorável ou desfavorável.

A matéria de que aqui se trata são os do penitente que


devem ser perdoados ou retidos. E cada pecado mortal constitui em
si um assunto à parte para ser submetido ao tribunal da Penitência,
porque o fiel não pode ser absolvido de um pecado mortal sem ser
ao mesmo tempo perdoado de todos os outros. Ou recebe o perdão
de todos os pecados mortais ou de nenhum; todos, por conseguinte,
têm que ser submetidos a julgamento, pois o fim a atingir é pôr a
alma novamente na graça santificante. E em qualquer tribunal o juiz
não julga de acordo com o que conhece fora do tribunal, mas de
acordo com aquilo que é , ,
. Alegado pelo acusador, pelas testemunhas, mas aqui o
acusador, a testemunha tem que ser o próprio penitente. Não se
trata de um tribunal em que se vão julgar as queixas ou acusações
que se fazem contra outrem, mas sim onde o penitente vem em
busca do perdão para os seus , num assunto
íntimo que só a ele e a Deus interessa diretamente; ele, portanto,
tem que ser o próprio acusador e testemunha.

A , pelo qual se concede ou não o perdão dos


pecados é no caso o do penitente.

Quando vê Jesus Cristo dando a a autorização


para perdoar ou reter os pecados, é bem possível que o protestante
fique horrorizado com a ideia de que Jesus Cristo esteja colocando
nas mãos de homens o perdão de nossos pecados, ficando estes
homens com o direito de perdoar, se quiserem; ou se não quiserem,
negar o perdão. Mas não é disto que se trata. Reter os pecados não
é a absolvição para sempre; a Igreja sabe muito bem que
Deus quer que todos os homens se salvem (1ª Timóteo II-4) e que
Ele não quer a morte do ímpio, mas sim que o ímpio se converta do
seu caminho e viva (Ezequiel XXXIII-11). A ordem que têm todos os
confessores é a de dar a absolvição sempre que o penitente dá
provas cabais de seu arrependimento e firme propósito de emenda.
Reter os pecados é a absolvição para outro momento mais
oportuno, quando o penitente não dá mostras sinceras e claras de
estar bem disposto ou precisa tomar uma séria providência ou
submeter-se ainda a alguma prova, para se mostrar
verdadeiramente digno da absolvição.

Facilmente o cristão se ilude a si mesmo, julgando-se no caso de


receber o perdão de Deus, mas não estando ainda em condições de
receber esta graça. Vem alguém confessar-se, mas conserva ainda
no coração o ódio, o rancor, o desejo de vingança contra o seu
próximo. Ou está apegado aos seus vícios e não quer tomar uma
séria resolução de deixá-los, custe o que custar; como por exemplo,
afastar-se de uma criatura que lhe serve de ocasião para o pecado;
ou abandonar de vez os processos pecaminosos de limitação da
natalidade. Ou roubou e é preciso restituir; e o confessor acha
necessário, como uma amostra sincera de arrependimento, que faça
a restituição primeiro, para depois ser absolvido. Ou persiste em
dúvidas ou negações contra as verdades da fé; e é preciso primeiro
que seja convencido, esclarecido sobre estes pontos ou chegue,
pelo menos, à boa vontade de crer, para se por no caminho do
verdadeiro penitente. Etc, etc.

São casos inúmeros que podem aparecer, em que o penitente


necessita ser advertido das providências que deve tomar, do
caminho que deve seguir, a fim de bem se dispor para receber o
perdão divino. E para tudo isto é necessário que o penitente não só
confesse as suas faltas, mas também revele sinceramente os
sentimentos de que está imbuído.

Daí a necessidade da .

Não há dúvida nenhuma que o perdão é dado por Deus. O


sacerdote é apenas um instrumento nas suas mãos divinas. A
absolvição que ele dá está condicionada ao sincero arrependimento
do penitente; não existindo este arrependimento, a absolvição é
inválida, não surte o seu efeito.

Mas aqui, como sempre, Deus quis agir por intermédio das causas
segundas. O penitente precisa ter em si as disposições necessárias
para o perdão divino. E este perdão divino, Deus manda buscá-lo
através de ministros e dispenseiros dos mistérios de Deus (1ª
Coríntios IV-1): Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
eles perdoados; e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles
retidos (João XX-23). Tudo o que vós ligardes sobre a terra será
ligado também no Céu; e tudo o que vós desatardes sobre a terra,
será desatado também no Céu (Mateus XVIII-18).
Vantagens da confissão.

292. Os protestantes, pretendendo, na sistemática oposição que


fazem à Igreja, apresentar como mais , mais , mais
receber-se a graça santificante diretamente de Deus, sem
intermediários, não só vão de encontro ao estabelecido pelo próprio
Jesus, mas também apresentam um método de santificação muito
menos eficaz e menos consentâneo com a natureza humana, do
que a Igreja Católica.

O pastor protestante prega para todos, exorta todos ao


arrependimento e cada um que se arranje a resolver o seu caso
pessoal por si mesmo, sujeito facilmente a ilusões nesta matéria,
pois ninguém é bom juiz em causa própria.

Estas ilusões, o próprio Protestantismo se encarrega quase sempre


de fomentar: incentivando em todos a autossugestão de que já
estão salvos porque creem em Cristo, de que já não podem mais
perder-se, de que o problema da salvação já está facilmente
resolvido.

Na Igreja Católica o fiel encontra o tribunal instituído pelo próprio


Cristo, onde há sempre um ministro de Deus para lhe fazer, além da
pregação geral que fez para todos, a exortação adequada para o
; para adverti-lo, quando quer iludir-se a si
mesmo, julgando-se com o sincero arrependimento, com o firme
propósito, com a fé legítima, e no entanto não os possui na
realidade; para indicar-lhe, como verdadeiro médico das almas, os
métodos mais apropriados de ir corrigindo seus próprios vícios,
defeitos e fraquezas, assim como os médicos do corpo servem para
nos orientar, prevenir, indicar o verdadeiro caminho a seguir nas
nossas enfermidades.

Bem consentâneo com a natureza humana é o emprego da


confissão, pois basta fazê-la humilde, sincera e bem feita para sentir
o bálsamo de paz e consolação que se derrama suavemente sobre
a nossa alma pecadora. E é de notar como a confissão está em uso
na Igreja desde os seus primeiros dias e hoje a ciência moderna, a
ciência do século XX, vem exaltar o seu efeito altamente benéfico
sobre as enfermidades da alma, mesmo consideradas sob o ponto
de vista puramente humano, como não se cansam de proclamar
aqueles que são entendidos em psicanálise.

É natural, portanto, que até os próprios autores protestantes


reconheçam, uma vez por outra, as vantagens da confissão.

Era protestante Madame de Stael e no entanto escreveu: “Oh! que


não daria eu para ajoelhar-me num confessionário católico!”

Era protestante Naville e no entanto disse numa tese defendida


perante a Academia de Genebra em 1839: “Quem não lançou
olhares de inveja ao tribunal da Penitência? Quem não desejou, nas
amarguras do remorso, nas incertezas do perdão divino, ouvir uns
lábios que, com o poder de Cristo, lhe dissessem: Vai em paz; teus
pecados estão perdoados?”

Era protestante Leibnitz e entretanto no seu Sistema Teológico


(Paris 1819 pág. 270) assim se refere à confissão: “Que toda esta
instituição é digna da sabedoria Divina, não se pode negar; mais
ainda, isto é de certo louvável e maravilhoso na Religião Cristã,
merecendo admiração dos próprios chineses e japoneses; pois a
necessidade de confessar-se afasta do pecado a muitos,
principalmente aos que ainda não estão endurecidos; e oferece
grande consolação aos que caíram, de tal modo que eu julgo ser um
confessor piedoso, grave e prudente um grande instrumento de
Deus para a salvação das almas; o seu conselho é proveitoso para
moderar os afetos, repreender nossos vícios, evitar as ocasiões de
pecado, restituir o furtado, reparar o dano, dissipar as dúvidas,
reanimar a alma aflita, finalmente extirpar ou, pelo menos, mitigar
todos os males da alma.”
Não nos poderemos demorar neste assunto, porque a finalidade
desta obra é principalmente a interpretação dos textos da Escritura.
Isto é dito aqui de passagem; mas estas declarações feitas por
protestantes falam eloquentemente sobre as vantagens da
confissão, que eles não podem sentir em toda a sua extensão, mas
podem muito bem calcular.

E voltando à Bíblia, veremos que a ideia de confessar os pecados


não é de modo algum estranha ao próprio texto sagrado.

A Confissão na lei antiga.

293. O Sacramento da Penitência foi instituído por Cristo após a


sua ressurreição, naquelas palavras, aqui já comentadas, em que
deu aos Apóstolos o poder de perdoar pecados. Porém muito antes
disto, \texttt{a confissão dos pecados} já nos era apresentada na
Bíblia como uma manifestação de penitência e de conversão do
pecador:

Quando um homem ou uma mulher tiverem cometido algum dos


pecados em que de ordinário caem os homens, e tiverem violado
por negligência o mandamento do Senhor, e tiverem delinquido,
e restituirão o mesmo capital e darão
de mais uma quinta parte àquele contra quem tiverem pecado
(Números V-6 e 7).

E no dia vinte quatro deste mês se ajuntaram os filhos de Israel em


jejum e vestidos de sacos e cobertos de terra. E os da linhagem dos
filhos de Israel foram separados de todos os estrangeiros; e eles se
presentaram e e as iniquidades de
seus pais (2º Esdras IX-1 e 2).

Aquele que esconde as suas maldades não será bem sucedido;


aquele, porém, que as e se retirar delas alcançará
misericórdia (Provérbios XXVIII-13).
E daqueles que vinham ao batismo de João diz o Evangelho de
S. Mateus: Vinha a ele Jerusalém e toda a Judeia e toda a terra da
comarca do Jordão; e , eram por ele
batizados no Jordão (Mateus III-5 e 6).

Apresentamos estes textos, não como uma prova da Confissão


Sacramental, a qual só foi instituída depois; mas para mostrar, pelo
ensino mesmo da Bíblia, que a confissão dos próprios atos é um ato
natural de humildade, de penitência que nasce espontaneamente do
coração do pecador verdadeiramente contristado por suas faltas e
sinceramente compungido.

Na 1ª Epístola de S. João.

294. S. João, na sua 1ª Epístola, diz o seguinte: Se nós


os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos
perdoar esses nossos pecados e para nos purificar de toda a
iniquidade (1ª João I-9).

O texto de S. João condiciona o perdão dos pecados à confissão


dos mesmos; logo, não bastam a fé e o arrependimento, como
dizem os protestantes; é preciso também .

— Sim, seja, dizem os protestantes. Mas S. João aí não diz que a


confissão deva ser feita ao sacerdote. Logo, pode tratar-se da
confissão feita diretamente a Deus, como nós, protestantes,
fazemos.

— S. João não diz explicitamente que a confissão deva ser feita ao


ministro de Deus, como também não diz que a confissão deva ser
feita , o que, entretanto, também
é indispensável, como reconhecem os próprios protestantes. Não se
pode exigir de S. João que exponha num simples versículo toda a
doutrina sobre o Sacramento da Penitência, todas as condições
para se obter a remissão dos pecados. A Bíblia fala sempre assim
num . O que, porém, não pode deixar de chamar
a nossa atenção é que o texto grego traz as mesmas palavras
(verbo = perdoar; = os pecados) ou se trate
do poder de perdoar pecados concedido aos Apóstolos (João XX-
23) ou neste versículo em que se trata do perdão dos pecados dado
por Jesus, se confessarmos estes mesmos pecados; o que é sinal
de que os Apóstolos receberam a delegação para transmitir o
perdão de Cristo.

E aí no texto há uma palavrinha que nos mostra muito bem que é à


que S. João se refere. Ele diz que, se
confessarmos os nossos pecados, Deus será para nos perdoar.

Ora, a palavra pode ser atribuída às criaturas e pode ser


atribuída a Deus, mas não exatamente com o mesmo sentido.

Chamamos um servo que merece confiança, porque sabe


cumprir exatamente as suas obrigações: Muito bem, servo bom e
; já que foste nas coisas pequenas, dar-te-ei a intendência
das grandes (Mateus XXV-21); um amigo que é incapaz de trair: O
amigo é uma proteção, e quem o achou, achou um tesouro
(Eclesiástico VI-14), como também chamamos fiel aquele que crê:
Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua
mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas (João
XX-27).

Quando, porém, chamamos a Deus de , queremos indicar com


isto que Ele cumpre com a sua palavra, cumpre com aquilo que
prometeu: é o Senhor em todas as suas palavras (Salmos
CXLIV-13). E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo, para
que todo o vosso espírito e a alma e o corpo se conservem sem
repreensão para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. F éo
que vos chamou, o qual também o cumprirá (1ª Tessalonicenses V-
23 e 24). Conservemos firme a profissão da nossa esperança,
porque é o que fez a promessa (Hebreus X-23) .
Ora, a Bíblia consigna a promessa do perdão feita pela palavra de
Deus no Antigo Testamento, àquele que não oculta, mas confessa
os seus pecados: Aquele que esconde as suas maldades não será
bem sucedido; aquele, porém, que as e se retirar delas,
alcançará misericórdia (Provérbios XXVIII-13).

Na Nova Lei, está de pé esta promessa divina feita na Lei Antiga?


Sim, está de pé, mas sob um .

Nós sabemos que caiu a Lei Antiga; e Cristo veio trazer aos homens
uma nova economia da salvação diversa em muitos pontos daquela
que nos é apresentada no Velho Testamento. Muitos preceitos que
vigoravam antes de Cristo, a respeito da alimentação, do culto, do
regime do povo eleito não vigoram mais; em compensação Cristo
trouxe preceitos novos. Hoje um dos pontos essenciais para se
receber o perdão dos pecados e obter a salvação é a na doutrina
de Jesus; antigamente isto não era exigido por uma razão muito
simples: Cristo ainda não fora revelado, nem havia aparecido como
Homem-Deus, 2ª Pessoa da Santíssima Trindade, nem tinha sido
ainda revelada a sua doutrina. A circuncisão que era obrigatória, foi
abolida; passou a ser obrigatório o Batismo. As cerimônias do
Antigo Testamento dão lugar a outros ritos, entre os quais, por
exemplo, a Ceia Eucarística. E assim por diante.

Cristo aparece, então, como um Legislador, com plenos poderes


(Tem-se-me dado todo o poder no Céu e na terra — Mateus XXVIII-
18) para estabelecer novos caminhos a fim de se alcançar a
salvação.

E assim, nesta renovação que Ele trouxe à terra para as relações


entre Deus e os homens, estabeleceu que o perdão dos pecados
estivesse subordinado ao poder de ligar e desligar que têm os
Apóstolos e os que deles recebessem esta missão: Aos que vós
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós
os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23). O exercício
deste poder judiciário-sacramental acarreta forçosamente, como
demonstramos, a necessidade da confissão dos pecados feita a
estes legítimos ministros e representantes de Deus.

E assim está de pé a promessa divina de perdão para aquele que


não ocultar, mas os seus pecados, mas a confissão
deve ser feita àqueles a quem Jesus Cristo delegou poderes para
perdoar os pecados ou retê-los. Esta é a nova ordem por Cristo
estabelecida. E é claro que é
que S. João faz alusão à promessa divina: Se nós
os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos
perdoar esses nossos pecados (1ª João I-9).

Na sua ânsia de destruir o efeito daquelas palavras de Cristo


conferindo aos Apóstolos o poder de perdoar e reter os pecados, os
protestantes costumam recorrer a inúmeros textos do Antigo
Testamento, para provar com eles que o perdão vem de Deus sem
intermediários ou que a confissão deve ser feita diretamente a Ele,
como se o Antigo Testamento em peso pudesse uma
palavra de Jesus que tinha em si todo o poder para firmar, na era do
Cristianismo, um novo plano de salvação bem diverso daquele que
vigorava para os judeus ou para os homens anteriores a Cristo no
Velho Testamento.

Na Epístola de S. Tiago.

295. S. Tiago, na sua Epístola, diz o seguinte: Confessai, pois, os


vossos pecados e orai uns pelos outros,
(Tiago V-16) [46] é empregado na Bíblia também
neste sentido, de cura espiritual, pode-se atestar pela seguinte
passagem: O coração deste povo se fez pesado e os seus ouvidos
se fizeram tardos, e eles fecharam os seus olhos; para não suceder
que vejam com os olhos e ouçam com os ouvidos e entendam no
coração e se convertam e eu os (Mateus XIII-15). As mesmas
expressões aparecem em João XII-40; Atos XXVIII-27. E na 1ª
Epístola de S. Pedro, falando-se a respeito de Cristo: O qual foi o
mesmo que levou os nossos pecados em seu corpo sobre o
madeiro para que, mortos aos pecados, vivamos à justiça; por cujas
chagas fostes vós (1ª Pedro II-24). Nestes exemplos
acima citados o verbo corresponde ao verbo , e aí se
trata evidentemente de cura da alma. Enquanto S. Jerônimo na
Vulgata traduziu assim: P ; Ferreira de Almeida
traduz: P ; a versão da Sociedade Bíblica do Brasil:
P . Daí nasce naturalmente a questão:
S. Tiago fala da cura espiritual ou da corporal? Nada melhor do que
o contexto para esclarecer este caso. No versículo anterior, S. Tiago
aponta como efeito da unção do óleo: E
, - - (Tiago V-15). E logo em
seguida, após ilustrar com o exemplo de Elias o quanto pode a
oração do justo, o Apóstolo acrescenta: Meus irmãos, se algum
dentre vós se extraviar da verdade, e algum outro o meter a
caminho, deve saber que aquele que fizer a um pecador
do erro do seu descaminho, salvará a sua alma da morte e cobrirá a
multidão dos pecados (Tiago V-19 e 20). É, portanto, a cura da
alma, sobretudo, que o Apóstolo tem em vista.}. Os protestantes se
lançam avidamente sobre este texto, tentando provar com ele que a
confissão não deve ser feita ao ministro de Deus, ao sacerdote, mas
deve ser uma confissão pública feita reciprocamente.

Mas esta objeção serve muito bem para mostrar como está sujeito a
erros e enganos quem não tenha um profundo conhecimento das
em que os livros da Bíblia foram escritos. Vemos a
tradução portuguesa, mas a expressão em português nem sempre
tem exatamente o mesmo sentido que apresenta no texto original.
Daí as ratas tremendas em que de vez em quando caem esses
homens, que sem a preparação adequada (a qual haveria de ser
muito longa e profunda) se arvoram da noite para o dia em
entusiasmados intérpretes da Bíblia.

Em português quando dizemos se entende logo


que há uma ação recíproca: Eles se descompuseram \texttt{uns aos
outros} — quer dizer: houve descomposturas de parte a parte.
Mas no grego a palavra que aí é traduzida por uns outros
não implica necessariamente este sentido de reciprocidade. Assim é
que esta mesma palavra aparece sem este sentido na Epístola aos
Efésios: Enchei-vos do Espirito Santo... dando sempre graças ao
Deus e Pai por tudo, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo,
no temor de Cristo. As mulheres
sejam sujeitas a seus maridos como ao Senhor... Filhos, obedecei a
vossos pais no Senhor, porque isto é justo... Servos, obedecei a
vossos senhores temporais com temor e tremor, na sinceridade de
nosso coração como a Cristo (Efésios V-18, 20 a 22; VI-1 e 5).

S. Paulo aí fala da submissão que deve haver de \texttt{uns para


com outros} e ele mesmo vai especificando qual seja: das mulheres
para com os maridos, dos filhos para com os pais, dos servos para
com seus senhores temporais. E no entanto empregou a expressão
: (V-21). Seria
ridículo e absurdo dizer que esta , isto é, os
filhos devem ser submissos aos pais, e os pais aos filhos; as
mulheres devem ser sujeitas aos maridos, e os maridos às
mulheres; os criados, obedientes aos patrões e vice-versa.

Logo, a expressão (no grego: ) usada por


S. Tiago na frase: Confessai-vos , não indica
necessariamente que a confissão deve ser recíproca: pode indicar
que uns se devem confessar a outros, ou seja, os fiéis aos
sacerdotes.

E pelo contexto se vê claramente que se pode muito bem tomar a


frase no sentido de uma confissão sacramental, de uma confissão
feita ao sacerdote, pois S. Tiago está falando a respeito do doente
em estado grave que manda chamar o \texttt{presbítero} para
ministrar-lhe a Extrema-Unção: Está entre vós algum enfermo?
chame os presbíteros da Igreja e estes façam oração sobre ele,
ungindo-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o
enfermo e o Senhor o aliviará; e se estiver em alguns pecados, ser-
lhe-ão perdoados. Confessai, pois, os vossos pecados uns aos
outros e orai uns pelos outros, para serdes salvos (Tiago V-14 a 16).

Notas (pular)

[46] P — é expresso no grego pelo verbo que


significa , , tanto no sentido de curar o corpo, como no sentido de
curar a alma, isto é, salvá-la, livrá-la do pecado. Que o verbo \texttt{iáomai
(voltar)

Um trecho dos Atos e a Confissão auricular.

296. Os Atos nos narram um fato que causou profunda impressão


entre os cristãos: Alguns dos exorcistas judeus que andavam de
terra em terra, tentaram invocar o nome do Senhor Jesus sobre os
que se achavam possessos dos malignos espíritos dizendo: Eu vos
esconjuro por Jesus, a quem Paulo prega. E os que faziam isto
eram uns sete filhos de certo judeu, príncipe dos sacerdotes,
chamado Ceva. Mas o espírito maligno, respondendo, lhes disse: Eu
conheço a Jesus e sei quem é Paulo, mas vós quem sois? E o
homem, no qual estava um espírito maligníssimo, saltando sobre
eles e apoderando-se de ambos, prevaleceu contra eles, de tal
maneira que nus e feridos fugiram daquela casa (Atos XIX-13 a 16).

Com o grande temor causado por este fato, muitos dos cristãos
vinham confessar e declarar seus próprios pecados. E muitos dos
que vinham as suas
obras (Atos XIX-18).

Este trecho nos mostra a confissão em uso entre os primeiros


cristãos. M equivale a dizer:
, porque é comum na Bíblia designar os convertidos à
Igreja de Cristo com esta expressão: ,
, : E querendo ele ir a Acaia, havendo-o
animado a isso os irmãos, escreveram aos discípulos que o
recebessem. Ele, tendo ali chegado, foi de muito proveito para
(Atos XVIII-27). H E ,
fostes selados com o Espírito Santo que fora prometido (Efésios I-
13). Nós que havemos de entrar naquele descanso
(Hebreus IV-3). Bem vês, irmão, quantos milhares de judeus são os
que (Atos XXI-20). Foram muitos dentre eles
(Atos XVII-12). Acerca
, nós temos escrito ordenando que se abstenham do que for
sacrificado aos ídolos (Atos XXI-25). Vós sois testemunhas, e Deus,
de quão santa e justa e sem querela foi a nossa mansão com vós
outros (1ª Tessalonicenses II-10) palavra de Deus, o
qual obra em vós, (1ª Tessalonicenses II-13).
Alguns deles e se agregaram a Paulo e a Silas (Atos XVII-
4). Da multidão dos o coração era um e a alma uma
(Atos IV-32). Todos os estavam unidos (Atos II-44).

Mas os protestantes se põem a dizer: Está-se vendo aí pela Bíblia


que a confissão deve ser pública e não como faz a Igreja, isto é, a
confissão auricular, feita secretamente ao sacerdote. Não há
nenhum vestígio de confissão auricular na Bíblia.

— Querem os protestantes simplesmente armar confusão.

Não está escrito na Bíblia, e com palavras tão claras, que Jesus
Cristo deu aos seus Apóstolos, aos seus , o poder de
perdoar os pecados e reter? É a estes ministros de Cristo, por Ele
devidamente autorizados, que outros homens têm que confessar os
pecados para obter o perdão. Se confessam estes pecados
publicamente, manifestando-os diante de todos e publicamente
pedem perdão ao legítimo ministro do Senhor ou confessam estes
pecados secretamente e secretamente pedem o perdão ao mesmo
autorizado ministro, isto não influi no caso, não é esta ou aquela
maneira de fazer a confissão que aos ministros de Cristo um
poder que pelo próprio Cristo lhes foi concedido.

Instituindo o sacramento da Penitência em forma de julgamento, no


qual se profere uma sentença de absolvição ou não-absolvição dos
pecados, o que supõe, conforme demonstramos, a confissão do
penitente, Cristo
.

A confissão pública é louvável, pois revela um ato mais profundo de


humildade do pecador, o qual quer mesmo humilhar-se
heroicamente diante da multidão. Mas para ser usada com
exclusividade, em todos os casos, seria impraticável. Daí se
originariam muitos escândalos para o povo, com a revelação de
coisas ocultas que serviriam apenas para estarrecer os ouvintes. E
nem sempre se encontraria no seio de toda a assembleia a
serenidade, a compaixão e a misericórdia com que o confessor deve
tratar o penitente e com que o trataria o próprio Jesus Cristo. Se
com a confissão secreta e auricular muitos penitentes se
apresentam um pouco nervosos e emocionados diante do
confessionário (embora sejam estes em via de regra os que saem
de lá com maior consolação e alívio), se há alguns ainda que
ocultam às vezes pecados com acanhamento, qual não seria o
pavor de confessar-se diante da multidão e quantos não ocultariam
os seus pecados! Como imaginar que a mulher fosse confessar um
pecado de adultério diante de todos e de seu próprio marido e vice-
versa; um criado fosse revelar perante todos, inclusive o seu patrão,
que cometeu um roubo no exercício de seu emprego? E assim por
diante. O sacramento da reconciliação se tornaria neste caso uma
fonte de contínuas discussões, complicações e desavenças.

Do fato de narrarem os Atos um caso em que os penitentes


espontaneamente confessaram suas faltas perante todos, não se
segue que este sistema fosse o único empregado na Igreja primitiva.
O mal dos protestantes é querer ver à fina força naqueles 28
capítulos dos Atos dos Apóstolos, dos quais os últimos 16 são
dedicados exclusivamente às viagens de S. Paulo, não só todo um
tratado teológico sobre a constituição da Igreja e a administração
dos sacramentos, como também a narração de tudo quanto
aconteceu com os 13 Apóstolos (os onze e mais S. Matias e
S. Paulo), de tudo quanto eles disseram ou fizeram em toda a sua
vida. S. Lucas é um que narra aí nos Atos os fatos de
maior importância e que mais chamaram a atenção nos inícios da
Igreja. Se, por exemplo, esta ou aquela pessoa procurou
particularmente qualquer um dos Apóstolos para obter o perdão de
suas próprias culpas, isto é um assunto que só interessaria a estas
próprias pessoas e que não teria a repercussão necessária para
merecer uma menção especial feita pelo historiador. E naqueles
tempos de admirável fervor, de carismas e graças extraordinárias,
foi grande decerto o número de cristãos que não chegaram mais a
cometer nenhum pecado grave após o Batismo e por isto não
tiveram necessidade da confissão.

Seja como for, a notícia desta confissão que nos trazem os Atos dos
Apóstolos, nos mostra, pelo menos, que, ou pública ou privada, a
confissão estava em uso entre os primeiros cristãos; e isto já está
em contraste com o sistema dos protestantes em geral que não a
fazem nem pública, nem privada, nem de forma alguma, pois acham
que basta crer em Cristo e arrepender-se para o homem estar
prontinho para voar para os Céus; mas, se basta crer em Cristo e
arrepender-se para obter o perdão dos pecados, então Cristo fez um
ato inútil, ridículo e disparatado, quando colocou nas mãos dos
Apóstolos o poder de perdoar pecados - , porque tudo
quanto ligassem ou desatassem aqui na terra, seria também ligado
ou desatado nos Céus. Poder exercido sobre quem, se pessoa
alguma teria necessidade de recorrer a eles?

A Confissão e o Padre Nosso.

297. Finalmente dizem os protestantes: Nosso Senhor nos ensinou


a rezar assim no Padre-Nosso: Perdoa-nos as nossas dívidas,
assim como nós também perdoamos aos nossos devedores
(Mateus VI-12) ou como diz o Evangelho de S. Lucas: Perdoa-nos
os nossos pecados, pois que também perdoamos a todo o que nos
deve (Lucas XI-4). Logo, não é do sacerdote que nos vem o perdão;
ele nos vem diretamente de Deus.
— Não há dúvida que o perdão é dado por Deus, nas mãos de
quem o sacerdote não passa de um instrumento, como já dissemos.
Deus é a fonte donde nos vem este perdão; o Sacramento da
Penitência é o pelo qual este perdão chega até nós. É natural,
portanto, que eu vá suplicar o perdão na sua fonte que é o próprio
Deus.

Mas do fato de pedi-lo a Deus, não se segue que ele me venha


diretamente do Céu. Porque também no mesmo Padre-Nosso,
Jesus me ensina a pedir a Deus: O pão nosso de cada dia nos dá
hoje (Lucas XI-3). E daí não se segue que este pão, este sustento
material me venha diretamente do Céu; tenho que empregar os
meios necessários para consegui-lo, o que não impede que este
pão venha de Deus através das causas segundas. O mesmo
acontece com o perdão dos pecados; Deus é quem me concede
este perdão, mas tenho de empregar para isto os
D .

Além disto, se Nosso Senhor me ensina a pedir a Deus o perdão


dos pecados, é porque este perdão não depende só de mim e do
sacerdote, depende também de Deus. Não poderei ser perdoado
. Este arrependimento não é possível, se o
próprio Deus não me dá a graça necessária para arrepender-me:
Sem mim não podeis fazer nada (João XV-5). Não que sejamos
capazes de nós mesmos de ter algum pensamento como de nós
mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus (2ª Coríntios III-5).
Às vezes vem o toque da graça suficiente para o arrependimento;
mas o pecador, no seu egoísmo, no seu apego ao pecado, na sua
falta de generosidade, rejeita esta graça e aí se torna preciso, para
a sua salvação, que Deus o toque com uma graça, uma inspiração
ainda maior. Esta graça é a Deus e não ao sacerdote que ele há de
pedir.

Pedindo a Deus que me perdoe os pecados, estou também pedindo


a Ele que não me falte com o sacerdote, com o seu ministro
autorizado durante a minha vida e principalmente na hora da minha
morte (quantas vezes chega o sacerdote num momento tão
oportuno que todos exclamam: foi mandado por Deus!); e se por
acaso me faltar o sacerdote, não me falte Deus com o tempo
necessário (pois a morte colhe às vezes de surpresa o pecador) e
com a graça, suficiente e eficaz para fazer um Ato de Contrição
Perfeita que poderá então suprir, com o voto ou desejo da confissão,
a ação sacramental do ministro do Senhor. Tudo isto é efeito da
Providência, da misericórdia e da bondade de Deus.

É inútil caros amigos protestantes: por maior que seja a má vontade


de Vocês em interpretar este texto do Evangelho que tão
profundamente lhes desagrada, por mais que recorram a pretextos e
subterfúgios, não se podem apagar da Bíblia nem desviar do seu
verdadeiro sentido estas palavras insofismáveis, estas palavras tão
claras e decisivas de Jesus Cristo, ditas aos seus Apóstolos: Aos
que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos
que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23).
Capítulo Décimo Terceiro
Cristo deu aos Apóstolos o poder de
consagrar
A promessa da Eucaristia
O capítulo 6º de S. João.

298. Se foi sublime e extraordinário o poder de perdoar pecados e


retê-los, que aos Apóstolos foi concedido, mais assombroso ainda
foi o poder que Cristo lhes deu com estas simples palavras: Fazei
isto em memória de mim (Lucas XXII-19), porque nesse momento
receberam os Apóstolos ordem, autorização e capacidade para
fazer aquilo mesmo que se acabara de realizar na Última Ceia, isto
é, a conversão do pão e do vinho no e no de Nosso
Senhor Jesus Cristo.

Mas, para mostrar este poder dos Apóstolos em toda a sua


grandeza e realidade, temos que provar, pelas palavras da Bíblia,
J C E , ou seja, sob as
aparências do pão e do vinho. A tarefa não é difícil, pois a Bíblia
mais uma vez é muito clara nesta matéria.

Este dogma tão belo da nossa Santa Religião se prova:

1º — pelo capítulo 6º de S. João, em que Jesus prometeu que daria


seu próprio Corpo e Sangue para ser nosso alimento e bebida;

2º — pela narração da Última Ceia, a qual vem nos 3 primeiros


Evangelistas e na 1ª Epístola de S. Paulo aos Coríntios, narração
esta em que vem afirmada em termos bem claros a presença real
de Jesus Cristo no mistério eucarístico, confirmada ainda por outras
palavras também muito claras de S. Paulo na mesma Epístola.
O Capítulo 6º de S. João, de que agora nos vamos ocupar, é
dividido em quatro partes, todas elas relacionadas entre si:

A 1ª (versículos 1º a 25) nos mostra Jesus dando à multidão, e de


uma forma prodigiosa, o : é o milagre da
multiplicação dos pães. Depois deste milagre, a multidão,
interesseira, quer fazê-Lo rei, porque vê nEle uma fonte de
prosperidade material, um homem ideal para governar o seu povo,
uma vez que tem poderes para multiplicar o alimento. Mas Jesus se
retira. E o povo passa a procurá-Lo ansiosamente.

Na 2ª parte (versículos 26 a 47) Jesus procura elevar a mentalidade


daqueles homens que vão atrás dEle em busca do alimento
corporal, mas que devem buscar, acima de tudo, o
, o pão que nutre a alma, e este pão é Ele próprio, Jesus
Cristo. Para Ele nos alimentar, é imprescindível a na sua palavra;
e a fé é um dom de Deus.

Na 3ª parte (versículos 48 a 59) passa então abertamente a falar


sobre a Eucaristia, explicando de que modo Ele é o nosso pão, o
nosso alimento. Ele é o nosso alimento, porque
e . E isto é
necessário para conservarmos a vida da graça, assim como o
alimento material é necessário para a conservação da vida do
corpo.

Na 4ª parte (versículos 60 a 72) se mostra a reação produzida entre


os judeus por aquelas palavras tão estranhas e inesperadas de
Jesus; terminando tudo isto com a bela profissão de fé feita por
S. Pedro, em seu nome e no dos outros Apóstolos.

A multiplicação dos pães.

299. É muito comum nos Evangelhos Jesus Cristo recorrer a


símbolos, a coisas materiais, para dar uma ideia, uma noção mais
concreta das coisas espirituais que Ele veio instituir ou ensinar. É
assim que comparou a pregação da palavra de Deus com a ação do
semeador que lança a sua semente aqui e acolá, podendo ou não
produzir fruto, de acordo com a natureza do terreno em que se
planta (Lucas VIII-5 a 15), bem como o desenvolvimento prodigioso
da Igreja com o notável crescimento do grão de mostarda (Mateus
XIII-31 e 32). E assim por diante. E acontecia muitas vezes que Ele
se aproveitava de um fato, para fazer dali a figura de um
acontecimento de ordem espiritual. Como por exemplo: depois da
pesca miraculosa, disse a S. Pedro que daquela hora em diante
faria dele um pescador de homens (Lucas V-3 a 10). E do fato de vir
a Samaritana abastecer-se de água no poço de Jacó, Jesus se
aproveitou para lhe falar de uma água espiritual, a água da graça,
que Ele lhe podia dar, água que jorra para a vida eterna e que mata
a sede para sempre (João IV-7 a 74).

Assim também, Jesus se serviu do milagre da multiplicação dos


pães para fazer aos judeus a revelação de uma multiplicação muito
mais importante: a multiplicação do que é o seu
próprio Corpo e Sangue, alimento este que não é destinado a
manter a vida do corpo (vida que se acaba), mas que dá a graça,
penhor da vida eterna e assim confere uma vida que não tem mais
fim. A multiplicação dos pães é assim uma da distribuição
eucarística do corpo de Cristo. A fim de melhor preparar o ânimo de
seus discípulos para a revelação deste grande mistério, que supõe
um poder infinito da parte de Jesus, a multiplicação dos pães se faz
de maneira bem prodigiosa, alimentando com 5 pães e 2 peixes
uma grande multidão de perto de 5.000 pessoas. Da palavra de
Jesus, por mais espantosa que seja, não há motivo agora para
duvidar: Ele tudo pode.

Até mesmo o tempo em que se realiza o prodígio, é escolhido a


dedo para simbolizar o mistério eucarístico. S. João se encarrega de
chamar a atenção para a época em que Jesus multiplicou os pães.
Estava perto , dia da festa dos judeus (João VI-3). Seria
por ocasião de uma mais tarde que Jesus iria instituir a
Eucaristia na Última Ceia; e daí por diante ,
onde se recebe realmente o próprio Cordeiro Imaculado, iria
substituir a Páscoa dos judeus, em que se matava um cordeiro para
prefigurar e simbolizar a Grande Vítima do Calvário, Nosso Senhor
Jesus Cristo.

À procura do Mestre.

300. Uma vez realizado o milagre, os judeus aumentam


extraordinariamente o seu entusiasmo pelo Divino Mestre.

Muitos prodígios assombrosos de outro gênero fizera Jesus em


presença da multidão; trouxera-lhe também belíssimos
ensinamentos com a sua maravilhosa doutrina; mas aqui era
alguma coisa que falava mais eloquentemente ao coração do povo:
matara-lhe a fome no deserto. E aqueles homens, com as ideias
que alimentavam a respeito do Messias, o qual, pensavam eles,
viria trazer aos judeus, ao povo eleito, uma era de grande opulência,
veem naquela abundância de alimento o sinal de que a época da
grandeza messiânica já é chegada, uma vez que se encontram
diante de um Jesus tão poderoso. Na sua ambição dos bens da
terra, querem logo proclamá-Lo rei: E entendendo Jesus que O
viriam arrebatar para O fazerem rei, tornou-se a retirar para o
monte, Ele só (João VI-15).

Não querendo mais largar a Jesus, vão muitos encontrá-Lo no dia


seguinte em Cafarnaum, mas o Mestre sabe muito bem que as
intenções daqueles homens estão muito longe de ser puras e
desinteressadas: Em verdade, em verdade vos digo que vós me
buscais, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos
pães e ficastes fartos (João VI-26). Se ao menos os judeus O
buscassem pelo fato de estarem encantados com os milagres que
Ele fazia, era muito bom, porque estes milagres constituíam uma
prova da missão divina de Jesus e Ele mesmo dirá mais tarde:
Quando não queirais crer em mim, crede as minhas obras (João X-
38) — o pior, porém, é que todo aquele afã e fervor em procurar o
Divino Mestre vinha precisamente disto: da ganância e da ambição.
Comeram e ficaram fartos, por isto não querem mais largar o Divino
Salvador.

Jesus, porém, não pode aceitar como seus discípulos homens que
O busquem assim guiados, acima de tudo, pela ambição: Jesus
quer, para segui-Lo, almas fiéis, dispostas a crer de todo o coração
na sua palavra, a aceitar a sua doutrina, a sua moral, por mais
espantosa ou por mais árdua que ela seja.

A natural depuração.

301. Que vai fazer então o Divino Mestre? Vai mandar embora,
expulsar de seu rebanho aqueles que O seguem sem a verdadeira
fé, sem a sinceridade do coração, com intuitos tão carnais e
interesseiros? Não será preciso o Mestre cometer um ato tão
inamistoso. Bastará anunciar, dentro da própria doutrina que Ele
veio trazer à terra, uma coisa bastante , para se proceder
naturalmente, automaticamente, a depuração entre aqueles que O
seguem: os que não têm o verdadeiro dom da fé não dão crédito a
Jesus, quando Ele lhes ensina qualquer coisa de inaudito.

E aproveitando a lembrança ainda tão viva daquela multiplicação


dos pães que se realizara no dia anterior, Jesus procura levantar o
ânimo daqueles homens para uma grande revelação, para uma
multiplicação do pão muito mais assombrosa, que Ele lhes vai
anunciar: Trabalhai, não pela que perece, mas pela que
dura até à vida eterna, F ,
porque Ele é o em que Deus Padre imprimiu o seu selo (João VI-
27).

Os judeus estão aqui por demais interessados em conseguir o


alimento corporal, mas Jesus lhes mostra que tem uma para
lhes dar, porém uma comida que não perece, um alimento que
fortifica para a . Esta comida que Ele promete é, como
dirá mais adiante neste mesmo capítulo (versos 51 a 59), o seu
próprio Corpo na Santíssima Eucaristia. Deus Pai imprimiu em
Jesus o seu selo; este selo quer dizer os milagres estupendos que
fez Jesus e que são , de sua divina missão.

Falando nessa comida que dura eternamente, que dá a vida eterna,


Jesus manda que seus ouvintes para consegui-la. Os
judeus, sempre materializando o que ouvem, entendem que é uma
comida para prolongar a nossa vida material aqui na terra; e
ansiosos por adquirir esse alimento mágico que assim a seu
entender os livraria da morte corporal, perguntam qual é o trabalho,
o que é que têm a fazer . Uma vez
que é uma comida dada por Deus com um privilégio especial de
imortalidade, certamente para isto terão que fazer também as obras
de Deus, as obras que Deus mandar e que são do seu agrado. Que
obras são estas? É o que indagam de Jesus, porque estão prontos
a fazê-las para conseguir um pão tão precioso: Que faremos para
obrarmos as obras de Deus? (João VI-28).

Trata-se aqui de Judeus que conheciam a lei de Moisés, que sabiam


quais eram as obras da Lei, o que é que Deus exigia nos seus
mandamentos e nas suas prescrições; vê-se claramente pelo
contexto, pelo assunto de que aqui se trata, que não é a estas obras
ordenadas ao homem pela Lei que eles se referem, mas sim às
obras necessárias para adquirir, como prêmio ou como salário,
aquela comida de imortalidade, de que falou Jesus.

Ora, este alimento da imortalidade é a Sagrada Eucaristia. Não é


preciso muito trabalho para consegui-lo; o trabalho que se precisa
ter é em Jesus que nos revelou um mistério tão assombroso:
D que creiais nAquele que Ele enviou (João
VI-29).

O trabalho a fazer é , humildemente, de todo o coração, a


palavra de Jesus. Parece muito simples; mas quando Jesus revelar
em que consiste esta comida, muitos não crerão na sua palavra e se
afastarão dEle para sempre, porque os seus corações não
mereceram receber o .
Jesus e o maná do deserto.

302. Uma vez dito pelo Divino Mestre que vai dar o sobrenatural
alimento e que a condição para consegui-lo é nEle, os judeus
pedem um sinal para que nEle se creia e recordam o caso de
Moisés, que deu aos israelitas um pão maravilhoso, um pão do céu,
o maná no deserto, mas isto era um prodígio visível. Jesus então
passa a explicar-lhes que este pão da vida é Ele mesmo: E
: o que vem a mim não terá jamais fome, e o que crê em
mim não terá jamais sede (João VI-35).

Uma ponta do véu já está levantada: o alimento é o próprio Jesus.


Ele o diz em termos gerais, sem especificar ainda vai
ser este alimento. Mas os judeus, que não eram firmes na fé, que
não tinham nenhuma ideia da divindade de Jesus e que tinham
pensado num alimento fonte de imortalidade para o corpo, já
começam a não perceber coisa alguma: Murmuravam, pois, dEle os
judeus, porque dissera: Eu sou o pão que desci do Céu. E diziam:
porventura não é este Jesus o filho de José, cujo pai e mãe nós
conhecemos? Como, logo, diz Ele: Desci do Céu? (João VI-41 e
42).

O dom da fé.

303. A crise da fé começa a esboçar-se. Eles que pareciam tão


dispostos a fazer todas as obras de Deus necessárias para
conseguir o alimento da vida eterna, começam agora a ficar
embaraçados com a única obra exigida e que é nas palavras
de Jesus. Pois isto é o que é mais necessário: isto é o que hão de
trabalhar para adquirir e que hão de pedir com todo ardor, com todo
empenho, porque a fé é um dom do Pai Eterno: Ninguém pode vir a
mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no
último dia (João VI-44). E a esta ideia de que a fé é um dom de
Deus, Jesus ajunta a promessa de recompensa eterna para aqueles
que nEle creem, promessa que, como já temos dito mais de uma
vez, supõe que se trata de uma fé viva,
, como disse S. Paulo (Gálatas V-6),
- , C ,
: Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que
vem a mim, não no lançarei fora; porque eu desci do Céu, não para
fazer a minha vontade, mas a vontade dAquele que me enviou. E
esta é a vontade daquele Pai que me enviou: que nenhum perca eu
de todos aqueles que Ele me deu, mas que o ressuscite no último
dia. E a vontade de meu Pai que me enviou é esta: que todo o que
vê o Filho e crê nEle tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no
último dia (João VI-37 a 40). Em verdade, em verdade vos digo: o
que crê em mim tem a vida eterna (João VI-47).

Versículos 48 a 50.

304. Preparados os ânimos de seus ouvintes, dito de modo geral


que Ele é o alimento do mundo, mandado pelo Pai Eterno e descido
do Céu, enaltecida a fé como virtude básica e fundamental,
prometida a divina recompensa para os que creem, Jesus passa a
fazer a grande revelação da Eucaristia, a qual é sobretudo um
grande .

Até aqui Ele se dissera . Agora começa a usar de


termos mais concretos, afirmando que este pão é para ser comido:
Eu sou o pão da vida. Vossos pais o maná no deserto e
morreram. Aqui está o pão que desceu do Céu, para que todo o que
dEle não morra (João VI-48 a 50).

Jesus aí não só usou abertamente a palavra , mas também


fez a comparação com o maná do deserto que foi
, não em sentido figurado. O maná foi comido pelos
antepassados; o pão que Ele vai dar há de ser pelos
vindouros, mas este tem um efeito muito superior, porque dá a vida
eterna.

Versículos 51 e 52.
305. Eu sou o pão vivo que desci do Céu. Se qualquer
deste pão viverá eternamente; e o pão que eu é
, para ser a vida do mundo (João VI-51 e 52).

Jesus Cristo continua a apresentar-se como o pão vivo que se deve


. E falando mais abertamente ainda, de modo que exclui
qualquer metáfora, Ele diz que o pão, isto é, o alimento que vai dar
é a sua carne para ser a vida do mundo e emprega o futuro: O
, logo não têm razão os protestantes em dizer que Ele
aí se refere à , que se há de comer a Cristo pela fé. A fé, muitos já
a tinham naquele momento, como demonstrou S. Pedro fazendo em
seu nome e no nome dos demais Apóstolos sua bela profissão de fé
(João VI-69 e 70). Este , Cristo ainda vai dar na última
Ceia.

E aqui, do mesmo modo que na Última Ceia, Ele salienta


perfeitamente a íntima relação que há entre o Calvário e a
Eucaristia. O pão que Ele promete é para dar aos homens,
pois, como dirá dois versículos mais adiante: Se não comerdes a
carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis
em vós (João VI-54). Ou, como dirá um pouco mais além: O que
come deste pão (João VI-59). Esta carne que
Ele nos dá individualmente na Eucaristia para sustentar a nossa
vida espiritual, Ele a entregou por todos nós no Augusto Sacrifício
da Cruz, para dar ao mundo a vida sobrenatural da graça.

Esta mesma relação entre a Eucaristia e o Sacrifício da Cruz, de


que a Eucaristia é um prolongamento e um memorial, Ele o
salientará na Última Ceia, quando instituir o Santíssimo Sacramento:
Este é o meu corpo que . Este cálix é o novo
Testamento em meu sangue (Lucas
XXII-19 e 20).

Versículo 53.
306. Disputavam, pois, entre si os judeus dizendo: Como pode Este
dar-nos a comer a sua carne? (João VI-53).

A revelação feita por Jesus não pode deixar de causar espanto aos
judeus ali presentes. Era realmente assombroso e inaudito um
homem afirmar que daria a sua própria carne para comer,
alimentando e vivificando assim a quem o quisesse.

Ninguém toma aí as palavras de Jesus em sentido figurado; Ele fala


muito claro. E se por acaso o Mestre falou em sentido figurado e
seus ouvintes entenderam mal, estaria Ele agora na obrigação de
explicar que se tratava apenas de uma metáfora. Pois o Mestre veio
à terra para e não para lançar a confusão nos
espíritos com palavras misteriosas. Quando seus ouvintes
entendiam mal ou tomavam ao pé da letra uma palavra que era dita
somente em sentido metafórico, Ele se encarregava de explicar e
esclarecer. Assim aconteceu com Nicodemos. Quando o Mestre lhe
diz: Na verdade, na verdade te digo que não pode ver o reino de
Deus senão aquele que renascer de novo (João III-3), Nicodemos
toma a frase de Jesus ao pé da letra: Como pode um homem
nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de
sua mãe e nascer outra vez? (João III-4). Mas Jesus logo lhe explica
que se trata de um , e não de um
nascimento material, como Nicodemos o tinha entendido: Em
verdade, em verdade te digo que quem não renascer da água e do
Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido
da carne é carne; e o que é nascido do espírito é espírito. Não te
maravilhes de eu te dizer: Importa-vos nascer outra vez. O espírito
assopra onde quer e tu ouves a sua voz; mas não sabes donde ele
vem nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do
espírito (João III-5 a 8).

Quando Jesus disse aos seus Apóstolos: Vede e guardai-vos do


dos fariseus e dos saduceus (Mateus XVI-6), os
Apóstolos, ouvindo falar em fermento, pensaram que era de pão que
o Mestre estava falando: É que não trouxemos pão (Mateus XVI-7).
Jesus se encarrega logo de esclarecer que falava em sentido
figurado, não era ao fermento material que se estava referindo: E,
entendendo-o, Jesus disse-lhes: Homens de pouca fé, porque estais
considerando lá convosco que não tendes pão?... Por que não
compreendeis que não é pelo pão que eu vos disse: Guardai-vos do
fermento dos fariseus e dos saduceus? Então entenderam que não
havia dito que se guardassem do fermento dos pães, senão da
dos fariseus e saduceus (Mateus XVI-8, 11 e 12).

Quando Jesus quis transmitir aos seus Apóstolos a notícia da morte


de Lázaro, usou de uma metáfora: Nosso amigo Lázaro ;
mas eu vou despertá-lo do (João XI-11). Os apóstolos tomam
o dito ao pé da letra: Senhor, se ele dorme, estará são (João XI-12).
Mas Jesus logo desfaz o engano dos seus discípulos: Mas Jesus
tinha falado de sua morte, e eles entenderam que falava do dormir
do sono. Disse-lhes, pois, Jesus então abertamente: Lázaro é morto
(João XI-13 e 14).

Assim fazia Jesus e assim faz qualquer bom mestre que está
interessado em ensinar a verdade; se por ignorância os ouvintes
interpretam mal, ele tem que entrar em explicações para desfazer o
equívoco.

Quando acontecia, porém, que em vez de tratar-se de um equívoco


da parte de seus ouvintes, tratava-se apenas de em
não quererem aceitar o que Ele dizia, Jesus insistia na sua
afirmativa, para mostrar que não havia dúvida alguma, era assim
mesmo como Ele estava dizendo e não de outra maneira.

Por exemplo: Como Jesus disse: Se alguém guardar a minha


palavra, não verá a morte eternamente (João VIII-51), os judeus que
não queriam admitir a divindade do Mestre, Lhe objetaram: Abraão
morreu e os profetas morreram e tu dizes: Se alguém guardar a
minha palavra, não provará o morte eternamente. Acaso és tu maior
do que nosso pai Abraão que morreu? e do que os profetas que
também morreram? (João VIII-52 e 53). Jesus responde: Vosso pai
Abraão desejou ansiosamente ver o meu dia; viu-o e ficou cheio de
gozo (João VIII-56). Os judeus não se conformam com isto: Tu ainda
não tens cinquenta anos e viste a Abraão? (João VIII-57). Mas
Jesus continua a reafirmar a sua divindade, a sua superioridade
sobre Abraão: Em verdade, em verdade vos digo que antes que
Abraão fosse feito, sou eu (João VIII-58). Era assim que o Divino
Mestre insistia diante da incredulidade.

Agora no nosso caso, Jesus afirmou que daria a sua carne para
comer. Os judeus acharam aquilo por demais estranho e fabuloso;
não quiseram acreditar. Se se tratar de um equívoco, o Mestre o
esclarecerá. Se, porém, se tratar apenas de má vontade em aceitar
o que Jesus disse , Ele o continuará afirmando. Pois foi
exatamente isto o que fez o Divino Mestre. Não disse: Meus amigos,
há aqui um engano, falei de modo figurado. Mas insistiu 5 vezes,
nos 5 versículos seguintes, dizendo que
, .

Senão, vejamos.

Versículo 54.

307. E Jesus lhes disse: Em verdade, em verdade vos digo: Se não


do Filho do Homem e
, não tereis vida em vós (João VI-54).

Os judeus perguntaram Jesus dar a sua carne


para comer. Jesus não responde à sua pergunta: como é possível?
— mas continua frisando e reafirmando a realidade. Trata-se de um
mistério que Ele está revelando. No mistério, no que é
incompreensível, nunca se saberá o , sabe-se apenas se a
coisa . E Ele, pelos seus milagres, inclusive o
da multiplicação dos pães que tinha feito tão recentemente, já havia
dado provas suficientes de que era um enviado de Deus e de que,
portanto, mereciam todo crédito as suas inspiradas palavras. Tinha,
por conseguinte, o direito de exigir da parte de seus ouvintes,
mesmo quando revelava aquilo que a nossa fraca e limitada
inteligência não é capaz de entender.

Os judeus perguntaram Jesus dar a sua carne


para comer. Jesus responde com uma lei, um preceito: não só é
possível, mas também será comer esta carne.

Os cristãos têm o dever de receber a Cristo na Eucaristia, porque só


assim é que se fortalecem espiritualmente e mantêm
. Ora, quem impõe uma lei usa sempre de termos claros e
decisivos, não recorre a metáforas difíceis, nem impossíveis de
compreender. Os protestantes dizem que aí se trata da fé em Jesus.
Se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu
sangue — aí quer dizer: se não crerdes em Jesus. Mas, se é assim
como dizem os protestantes, eis aí uma lei enunciada no verdadeiro
estilo e sistema da . Onde é que os
protestantes viram, seja na Bíblia, seja em qualquer livro mesmo
profano, seja na linguagem corrente de qualquer país do mundo,
usar-se esta metáfora: para se dizer que alguém em outro,
dizer-se que este alguém deste
outro?

Na ânsia de o texto bíblico para o seu lado, os protestantes


não só remexeram toda a Bíblia, mas andaram catando numa
quantidade enorme de livros profanos, para ver se encontravam
esta estranha figura de retórica: dizer-se — comer a carne de
alguém — em vez de dizer-se — crer em alguém. Encontraram, sim,
expressões como estas: nutrir o espírito de tais ideias, beber tais
ideias em Fulano etc. Mas e ,
nunca. É o que confessa o protestante Tittman, referindo-se aos que
não querem ver aí uma referência à Eucaristia: “Apelam para o
modo de falar de escritores profanos que tenham usado as palavras
e a respeito de alguém que se imbuiu da doutrina de
outrem, para admiti-la e prová-la. Ora, é certíssimo que escritores
gregos e latinos tenham usado as palavras e neste
sentido; mas que eles deste modo tenham usado as fórmulas
e de alguém, isto não se pode
mostrar nem com um só exemplo que seja” (Meletemata sacra.
Leipzig 1816 pág. 247).

Existe, sim, na Bíblia, a expressão de alguém, mas


no sentido de caluniar, perseguir, injuriar, maltratar, metáfora esta
usual entre os orientais: Por que me perseguis como Deus e
? (Jó XIX-22). Enquanto se chegam a
mim os daninhos para , estes meus
inimigos que me angustiam, eles mesmos se debilitaram e caíram
(Salmos XXVI-2). Eles do meu povo e lhes
arrancaram de cima a pele, e lhes quebraram os ossos, e os
partiram como para os fazer cozer num caldeirão e como carne que
se quer fazer ferver dentro duma panela (Miqueias III-3). Se vós,
porém, vos mordeis e uns aos outros, vede não vos
consumais uns aos outros (Gálatas V-15).

Os caluniadores, os maldizentes, os perseguidores são equiparados


assim aos cães que mordem, ou às feras que devoram a carne de
outros animais. No nosso caso em que Jesus diz: Se não
do Filho do Homem... não tereis vida em vós —
a metáfora teria uma aplicação evidentemente absurda: Se não
perseguirdes, se não maltratardes, se não caluniardes o Filho do
Homem, não tereis a vida em vós.

Além disto, se se trata, como dizem os protestantes, de comer a


Jesus pela fé (isto é: comer a Jesus quer dizer crer nEle) por que
motivo então o Divino Mestre haveria de fazer uma distinção entre
duas ações diversas: comer a carne e beber o sangue? Não se está
vendo aí uma alusão muito clara à Última Ceia, em que Ele fez duas
ações diversas: Isto é o meu corpo; Este é o cálice do meu sangue?

É impossível fugir à evidência do texto. Aí se mostra


clarissimamente a presença de Jesus na Santíssima Eucaristia, bem
como a obrigação de recebê-Lo neste augusto mistério do altar.
Mas a respeito deste assunto: comer a carne e beber o sangue —
surge agora uma questão. Jesus dizendo: Se não comerdes a carne
do Filho do Homem , não tereis a vida
em vós — não estará exigindo a comunhão sob as duas espécies?
Ele diz: E .

— Aqui entramos na questão da diferença entre o modo de


expressar-se usual outrora entre os hebreus e o nosso modo de nos
expressarmos, hoje, de acordo com a índole da nossa língua.

O texto original grego diz realmente assim: Se não comerdes a


carne do Filho do Homem ; a Vulgata de
S. Jerônimo (texto latino) o traduz ao pé da letra, e o Pe Pereira
traduz ao pé da letra o texto da Vulgata.

Mas tanto o Pe Matos Soares, como o Mons. José Basílio Pereira,


tanto Ferreira de Almeida, como a Sociedade Bíblica do Brasil
traduzem: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e
beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós. Porque é uso do
hebraico nestas construções (e o grego do Novo Testamento está
cheio de hebraísmos, pois reflete o modo de falar dos hebreus)
colocar a negativa só uma vez. Assim é que o texto grego traz:
Aquele que não toma a sua cruz e após mim, não é digno de
mim (Mateus X-38). É como se lê também no latim da Vulgata. Mas
nenhum tradutor dos acima mencionados, inclusive o Pe Pereira, o
traduz ao pé da letra. Eles acrescentam um : Aquele que não
toma a sua cruz após mim, não é digno de mim
(Mateus X-38), à exceção do Mons. José Basílio que faz outra
construção: Quem não toma a sua cruz - , não é digno
de mim (Mateus X-38). Traduzirem ao pé da letra poderia dar
margem a uma má interpretação.

O mesmo aconteceu com o nosso texto de S. João. Os outros


tradutores não quiseram, como o Pe Pereira, traduzir ao pé da letra,
porque, se escrevessem: Se não comerdes a carne do Filho do
Homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós —
poderiam dar margem à seguinte interpretação: Se não comerdes a
carne do Filho do homem seu sangue, não tereis
vida em vós — o que seria uma interpretação completamente
arbitrária e sem sentido diante do contexto.

Sentimos necessidade de dar esta explicação, para que o leitor não


fique porventura atrapalhado, vendo numa edição da Bíblia
, e noutra e se ponha a pensar que se
trata de uma divergência muito séria. Não há divergência nenhuma.
A primeira expressão mostra apenas o modo de falar próprio dos
hebreus; a segunda, o modo de falar da nossa própria língua.

Mas há outro ponto ainda em que se mostram duas maneiras


diversas de expressão entre os hebreus e os ocidentais: há um
hebraísmo bem conhecido na Bíblia; é o emprego de em vez de
.

Vejamos, por exemplo, o livro dos Provérbios, no versículo em que


fala do castigo a ser recebido pelo filho rebelde: Aquele que
amaldiçoa a seu pai a sua mãe, apagar-se-lhe-á a sua candeia no
meio das trevas (Provérbios XX-20). É claro que o Autor Sagrado
quer dizer: Aquele que amaldiçoa a seu pai a sua mãe — pois
para merecer o castigo não é preciso que o filho amaldiçoe a
ambos; amaldiçoar só o pai ou a mãe, já é um crime bastante grave
para ser duramente castigado. Entretanto, o texto original hebraico,
o latim da Vulgata, as traduções do Pe Pereira e do Pe Matos
Soares trazem a partícula . Ferreira de Almeida e a versão da
Sociedade Bíblica do Brasil trazem a partícula , o que serve
apenas para confirmar o que dissemos: que aquele do original
vale por um .

Uma frase semelhante se encontra em Êxodo XXI-15, pois no


se lê assim: Quem ferir seu pai mãe, morra de
morte. Todos os tradutores trazem: pai mãe, para evitar que a
frase seja interpretada absurdamente.
Tanto no como no latim da Vulgata está
escrito: Se alguém confiar a seu próximo um jumento, ou um boi, ou
uma ovelha outro qualquer animal etc. (Êxodo XXII-10). Os
tradutores de língua portuguesa põem unanimemente em vez de
, pois é um caso evidente do hebraísmo = . Igualmente tanto
no como no latim da Vulgata, se lê a
respeito dos sacerdotes de Israel: Não desposarão viúva
repudiada (Ezequiel XLIV-22), quando o que se quer exprimir é: não
desposarão viúva repudiada — e assim escrevem todos os
tradutores em língua portuguesa para evitar confusão. Também se
poderia dizer: não desposarão viúva repudiada.

Nem se diga que é só no hebraico que isto se verifica. Também o


grego bíblico reflete este modo de falar dos orientais. A palavra que
disse S. Pedro ao paralítico: Não tenho prata ouro (Atos III-6)
vem tanto no original grego, como no latim da Vulgata com a
partícula (no grego ; no latim ) e traduzida ao pé da letra,
como está no original, seria: Não tenho prata ouro, quando
S. Pedro quer dizer: Não tenho prata ou ouro.

Ora, o que é decisivo nas questões de exegese não é a tradução


que temos nas nossas mãos; é o texto original.

Podemos muito bem afirmar que aquele da frase: Se não


comerdes beberdes — equivale a um .

Ou digamos: Se não comerdes a carne do Filho do Homem


beberdes o seu sangue;

ou digamos: Se não comerdes a carne do Filho do Homem


beberdes o seu sangue;

ou digamos: Se não comerdes a carne do Filho do Homem


beberdes o seu sangue;

cabe perfeitamente na frase este sentido: Se não fizerdes uma coisa


nem outra, isto é, se não comerdes a minha carne nem beberdes o
meu sangue, se acontecer que não comais a minha carne
acontecer também que não bebais o meu sangue, não tereis vida
em vós.

Aqui muito naturalmente hão de perguntar:

— E em que é que o Sr. se baseia para afirmar que este equivale


a um ?

— O leitor já deverá ter percebido que não costumamos afirmar


coisa alguma sem uma base, sem um argumento sólido. E nada
melhor para esclarecer uma frase da Escritura do que outra frase da
mesma Escritura.

A prova do que afirmamos, nós a temos em S. Paulo que diz: Todo


aquele que comer este pão beber o cálix do Senhor
indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor (1ª
Coríntios XI-27). Este está no original grego. Dizendo comer este
pão o cálix do Senhor indignamente, S. Paulo está dando
a entender que se possa comungar duma forma ou de outra, e o
crime será igual, no caso em que se comungue indignamente. Mais
ainda, a palavra de S. Paulo vem confirmar o que ensina a doutrina
católica: que tanto no pão eucarístico, como no cálice consagrado
estão o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Jesus Cristo,
pois basta alguém comungar indignamente sob qualquer uma das
duas espécies para ser réu ao mesmo tempo
S (1ª Coríntios XI-27).

Outra prova do que afirmamos, nós a temos aí mesmo no contexto,


ou seja, nas próprias palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo,
exatamente neste capítulo 6º de S. João, pois o Divino Mestre faz
promessas de , mesmo para aquele que comungar sob
uma só espécie, o que é sinal de que Ele não exige dos fiéis a
comunhão sob as duas espécies. Pois, como bem observa o
Concílio de Trento, o mesmo Jesus que disse: Se não comerdes o
carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida
em vós (João VI-54) é o mesmo que disse: S
, (João VI-52). O mesmo Jesus que
disse: O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida
eterna (João VI-55) é o mesmo que disse: O pão que eu darei é a
minha , para ser a vida do mundo (João VI-52). O mesmo
Jesus que disse: O que come a minha carne e bebe o meu sangue,
esse fica em mim, e eu nele (João VI-57) é o mesmo que disse:
Assim como o Pai que é vivo, me enviou e eu vivo pelo Pai, assim o
que , esse mesmo também viverá por mim... O
(João VI-58 e 59) [47].

Estas palavras, que são do capítulo 6º de S. João, foram ditas a


todos, no discurso de Cafarnaum, portanto são preceitos e ensinos
que se dirigem a todos os fiéis. O mesmo já não acontece com as
palavras: Bebei dele todos (Mateus XXVI-27) as quais disse Jesus
na Última Ceia, quando se achava com os seus
Apóstolos que seriam, eles e aqueles a quem fossem transmitidos
os mesmos poderes, encarregados de celebrar o grandioso mistério
dos altares, no Santo Sacrifício da Missa.

É imprescindível conservar as 2 espécies na celebração da Santa


Missa, porque é o memorial da Sagrada Paixão e Morte e aí se
mostram o Corpo e o Sangue misticamente separados, sob as
espécies do pão e do vinho, para melhor representar o sofrimento e
a morte do Redentor, em que o sangue derramado se separou do
seu corpo. Mas, quando se trata simplesmente da comunhão de um
fiel, este já recebe a Cristo inteiro com a sua graça, ao receber o
corpo deste mesmo Cristo, o qual é corpo vivo e não corpo
cadavérico e, portanto, inclui também o sangue.

Não há dúvida que, quando se trata de comida material, é melhor


comer carne e beber vinho do que somente comer carne. E os
protestantes que opinam que ali na ceia estão somente pão e vinho,
podem achar muito mais interessante, além de comer o pão, beber
também o vinho.
Para o católico é diferente. Ele crê que Jesus Cristo está realmente
presente na Hóstia Consagrada. Trata-se de um alimento espiritual
que vem fortificar a sua alma. O efeito é o mesmo, ou receba a
Eucaristia sob as 2 espécies ou sob uma só, porque a graça ele a
receberá da mesma forma, de acordo com as suas próprias
disposições.

No princípio se usou a comunhão sob as duas espécies para todos


os fiéis. Mas depois, quando a Igreja cresceu extraordinariamente e
começou a propagar-se por toda a parte, foi obrigada a limitar à
espécie do pão a comunhão dos fiéis, por gravíssimas razões de
ordem prática:

havia frequentemente o perigo de se derramarem no chão


algumas gotas do Preciosíssimo Sangue;
havia dificuldade de conservar-se o Santíssimo sob a espécie
do vinho que azeda facilmente e de levá-lo aos enfermos;
ou se teria de conseguir uma grande quantidade de cálices
sagrados, um para cada pessoa (e quando a comunhão fosse
às centenas ou aos milhares, como muitas vezes tem sido?) ou
beberiam todos no mesmo cálice, com perigo de contágio e
com visível repugnância de muitos;
em algumas regiões, onde não se planta a vinha, nem sempre
seria fácil obter-se o vinho suficiente para consagrar e
satisfazer à imensa multidão de fiéis que procurassem
comungar.

Desde que sob a espécie do pão se recebe C e sem


nenhuma quebra , a alma se une intimamente com Ele
e faz jus a suas divinas promessas, diante de tais circunstâncias
não havia necessidade de ministrar-se a comunhão a todos sob as
duas espécies.

Notas (pular)
[47] É possível que aqui o protestante se lembre de dizer: O Sr. não disse que
as leis devem ser feitas em linguagem clara? No entanto, vemos o Sr. debater
uma questão a respeito dos termos em que está redigida a lei e falar em
hebraísmos etc.

— É natural que, se a lei foi enunciada em aramaico, tenha que ser expressa
segundo a índole própria desta língua. O legislador não ó obrigado a tomar
em conta pequenas dificuldades que possam surgir de sua tradução em
várias outras línguas. E esta dificuldade no nosso caso praticamente não é
nenhuma: compreende-se muito bem aí no texto que Jesus exige que se
receba a Santíssima Eucaristia, e se houvesse dúvida sobre se deve ser
recebida sob as duas espécies, bastariam, como vimos, as palavras do
contexto para resolver esta dúvida: é bastante comer o Pão Celeste, que é a
carne de Jesus, para fazer jus às promessas de vida eterna. Quanto à
interpretação protestante (comer a carne de Cristo, e beber o sangue de
Cristo = crer em Cristo), isto sim, é que em hebraico, em aramaico, em grego,
em latim, em português e em qualquer língua do mundo é um enigma que
ninguém seria capaz de decifrar; pois jamais em lugar algum do mundo comer
carne, beber sangue foram sinônimos de . E uma lei não se enuncia
por enigmas, muito menos por enigmas indecifráveis. (voltar)

Versículo 55.

308. O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida
eterna; e eu o ressuscitarei no último dia (João VI-55).

Continua Jesus insistindo na ideia de alguém e


, o que, como vimos, não pode nunca ser
sinônimo de C , como querem os protestantes. E o
texto grego nos mostra que a insistência de Jesus é feita agora com
um termo muito mais enérgico. Até agora (versículos 52 e 54),
Jesus falou em e o verbo correspondente no grego é
. Agora neste versículo 55 e nos seguintes (57, 58 e 59) o
texto grego passa a usar um verbo mais forte: T — que não só
quer dizer mas também mastigar, quebrar com os dentes os
alimentos mais duros, tragar, devorar.

Versículo 56.
309. Porque a minha carne é comida, e o meu
sangue é bebida (João VI-56).

Prossegue a insistência de Jesus na ideia de se comer a sua carne


e se beber o seu sangue; e para mostrar mais uma vez que não se
trata de uma metáfora, de uma comparação ou figura de retórica,
Ele faz ver que sua carne é uma comida , realmente,
propriamente, literalmente comida. O seu sangue é de fato uma
bebida.

Aqui os protestantes procuram, como sempre, lançar a confusão,


tentando fugir ao peso desta palavra , que é o
que há de mais decisivo para firmar o sentido literal.

Dizem eles: Também afirmou Jesus: Eu sou a


P (João XV-1) e no entanto não deixa de
ser isto uma metáfora.

— É comum nas metáforas, quando se quer fazer a comparação


com alguma coisa, especificar também a desta mesma
coisa. Assim por exemplo: um homem ou uma criança para exprimir
que é forte e resistente costuma dizer: Eu sou , mas como
às vezes há também madeiras fracas, que apodrecem bem
depressa, então se julga no direito de acrescentar: Eu sou madeira
. Uma coisa é dizer-nos alguém: Você é um
rei; e outra, dizer: Você é um rei .

Jesus quer-se comparar com a , mas acontece que há


falsas que parecem apresentar frutos belos e valiosos e no
entanto só produzem uvas amargas e de nenhum valor para a
fabricação do vinho. O historiador Flávio Josefo (livro II Da guerra
cap. V) atesta isto das videiras de Sodoma, muito belas na
aparência, mas que não valiam coisa alguma. Uma referência a esta
vinha de Sodoma se vê, por exemplo, no Deuteronômio, em que se
comparam com ela os judeus rebeldes e endurecidos: A sua vinha é
da vinha de Sodoma e dos subúrbios de Gomorra; as suas uvas são
uvas de fel e os seus cachos amargosíssimos. O seu vinho é fel de
dragões e veneno de áspides incurável (Deuteronômio XXXII-32 e
33).

A ingratidão dos filhos de Israel é comparada com a vinha que não


produz frutos: O meu amado teve uma vinha plantada num alto
fertilíssimo... esperava que desse uvas e veio a produzir labruscas
(Isaías V-1 e 2). Eu te plantei como vinha escolhida, toda semente
da verdade. Como, pois, te me hás tornado em mal, vinha
estrangeira? (Jeremias II-21).

Há, portanto, a falsa videira que não produz o verdadeiro fruto e sim
um fruto belo na aparência, porém enganoso, ou então é estéril, não
produzindo fruto algum, mas dando somente folhas. E há também a
videira verdadeira que produz uva em abundância, para daí se
extrair um saboroso vinho. Jesus, querendo comparar-se com a
videira, faz salientar que se trata da verdadeira videira, daquela que
produz bons frutos e que, portanto, é a única digna deste nome.

O caso, por conseguinte, é bem diferente desta passagem do


Evangelho, em que os judeus estão espantados com a revelação de
que o Mestre dará a sua carne para comer, e o Mestre está frisando
que sua carne é comida.

Quando um homem diz: “Eu sou uma videira”, todo o mundo está
vendo logo que se trata de uma metáfora, pois um homem não pode
ser árvore, nem produzir uvas. Quando, porém, se diz que uma
vai servir de comida, nada mais natural do que o sentido
literal e próprio, pois desde o princípio do mundo se come carne. O
espanto dos judeus estava em como podia Jesus dar a sua própria
carne para servir de alimento, e alimento que dá a vida eterna.
Dizendo: minha carne é comida, Jesus está
observando aos judeus que não se espantem com isto, nem tomem
noutro sentido as suas palavras, porque Ele vai dar a sua carne
para ser comida por nós.
Versículo 57.

310. O que come a minha carne e bebe o meu sangue, esse fica
em mim e eu nele (João VI-57).

Continuando ainda a repisar a mesma ideia —


— Jesus passa a exprimir o efeito da comunhão
dignamente recebida: efeito espiritual de uma perfeita união com
Ele, Cristo. No Batismo, o Divino Mestre escolheu a água para
melhor significar a purificação espiritual realizada por aquele
sacramento, porque a água é para o corpo um elemento purificador.
Agora mostra que vai ocultar-se sob a forma de alimento, para
melhor exprimir como a sua união com o comungante.
Assim como o alimento do corpo, a bebida material se unem
intimamente conosco e se transformam em nós, em nosso próprio
sangue, assim também Cristo se une de maneira perfeitíssima com
aquele que recebe este alimento espiritual que é a Santíssima
Eucaristia. Cristo permanece na alma e a alma permanece em
Cristo pela graça santificante. Esta mesma promessa, Deus faz
àquele que verdadeiramente O ama, porque aquele que O ama de
verdade guarda a sua palavra, obedece fielmente a Ele que, como
vimos no anterior versículo 54, fez da comunhão um preceito: Se
algum me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará; e nós
viremos a ele e faremos nele morada (João XIV-23). O que guarda
os meus mandamentos está em Deus e Deus nele; e nisto sabemos
que Ele permanece em nós, pelo Espírito que nos deu (1ª João III-
24). Deus é caridade; e assim aquele que permanece na caridade
permanece em Deus e Deus nele (1ª João IV-16).

Destas palavras já se deduz o seguinte: Cristo por si não nos


abandona nunca. Porém, como somos livres, precisamos guardar os
mandamentos, permanecer na caridade, para conservarmos nossa
união com Cristo e assim não expulsá-Lo pelo pecado mortal:
Permanecei em mim e eu permanecerei em vós... O que permanece
em mim e o em que permaneço, esse dá muito fruto; porque vós
sem mim não podeis fazer nada. Se alguém não permanecer em
mim será lançado fora como a vara e secará e enfeixá-lo-ão e lançá-
lo-ão no fogo e ai arderá (João XV-4, 5 e 6).

Mas, se dEle nos afastarmos por nossa culpa, ainda podemos


conseguir, com o verdadeiro arrependimento e a confissão, o perdão
dos nossos pecados e assim nos habilitaremos a fazer pela
comunhão uma nova união com Éle: Se nos confessarmos os
nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar esses nossos
pecados (1ª João I-9), pois ser enfeixado e lançado no fogo é o
castigo daquele que chega ao fim da vida sem a sua união íntima
com Cristo; aquele, porém, que perseverar até o fim, esse é que
será salvo (Mateus X-22).

Versículo 58.

311. Assim como o Pai que é vivo me enviou e eu vivo pelo Pai,
assim o que me come a mim esse mesmo também viverá por mim
(João VI-58).

Jesus diz que vive pelo Pai e quem O receber no Sacramento viverá
também por Ele, Jesus. A preposição é aí tradução do grego
que pode ter neste caso 2 sentidos:

D = para, em função de, com o pensamento em.

D = por meio de, por virtude de.

A frase de Jesus pode ser perfeitamente tomada nos 2 sentidos:

Eu vivo para o Pai, em função dEle, com o pensamento nEle, para


servir a Ele, assim a alma verdadeiramente eucarística viverá
também , totalmente a mim consagrada.

Ou então: o Pai me gerou desde toda a eternidade, dEle vem a


minha vida; assim a alma que comunga sinceramente tem a vida
sobrenatural da graça e de mim é que ela a recebe.
Versículo 59.

312. Aqui está o pão que desceu do Céu. Não como vossos pais
que comeram o maná e morreram. O que come deste pão viverá
eternamente (João VI-59).

Aqui encerra Jesus a sua explicação. Tinha dito que era o pão vivo
descido do Céu. E acabou de mostrar de que modo se tornaria este
pão, este alimento do mundo. Tanto no grego, como em latim como
em português e em muitas línguas do mundo, a palavra tem 2
sentidos: o de uma certa espécie de alimento feito com o trigo, p. ex.
o pão que tomamos com o café e o de alimento em geral, como
quando se diz: Trabalhar para ganhar o pão.

Jesus na Eucaristia é pão, porque é nosso alimento com sua carne


e sangue que nos vivificam e fortalecem, e é pão, porque se
apresenta sob as aparências do pão comum feito de trigo, sendo na
realidade o .

Versículos 60 e 61.

313. O versículo 60 serve apenas para situar o sermão de Jesus:


Estas coisas disse Jesus, quando em Cafarnaum ensinava na
sinagoga (João VI-60).

O versículo 61, porém, vem mais uma vez acentuar o verdadeiro


sentido das palavras do Divino Mestre: Muitos, pois, de seus
discípulos, ouvindo isto, disseram: Duro é este discurso, e quem no
pode ouvir? (João VI-61).

Aquelas palavras de Jesus que falou tão abertamente e tão


repetidas vezes em que se havia de comer a sua carne e beber o
seu sangue, foram tomadas pelos judeus no sentido literal. Viram
que Jesus não estava usando nenhuma figura de retórica. E se, no
princípio do sermão, se tinham espantado quando Jesus afirmou
que descera do Céu: Porventura não é este Jesus o filho de José,
cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, logo, diz Ele: Desci do
Céu? (João VI-42) — é ainda maior o seu espanto, quando Jesus
lhes diz tão claramente que vai dar a comer da sua própria carne e a
beber do seu próprio sangue. Já tinham eles horror à simples ação
de ingerir o sangue dos animais, o que aliás era proibido pela lei
mosaica. E agora se põem a imaginar um modo brutal e grosseiro
de Jesus dar a sua própria carne para comer: ou tirar-se-Lhe em
vida alguns pedaços do corpo e pô-los nos açougues para vender
ou para distribuir, a fim de que aquele que comesse de tal carne não
morresse jamais; ou então, depois de morto Jesus, retalhar-se o seu
cadáver, para que dali se comesse. Tudo isto lhes causava a mais
viva repugnância e se lhes apresentava como evidentemente
impraticável. E por isto se recusam a crer.

Não admira que os judeus, na sua ignorância, no seu


desconhecimento dos mistérios grandiosos do Cristianismo,
tivessem dito aquelas palavras, recusando-se a acreditar no ensino
do Divino Mestre.

O que causa mais admiração é que os protestantes, pelo menos os


que admitem que Jesus Cristo D e sendo Deus
(e o que é infinito tem que exceder, é claro, tudo quanto
nós, finitos e limitados, somos capazes de imaginar), os
protestantes que veem depois claramente pelo relato do que se
passou na Última Ceia, J
, esses
mesmos protestantes que tanto afirmam J , façam
justamente o contrário de milhões e milhões de católicos que têm
existido em todas as épocas, desde os primeiros tempos da Igreja
até os dias de hoje, dos mais rudes até os mais geniais e que
dizem: Sim, Jesus; que vos recebo na Hóstia
Consagrada — e se ponham a dizer como os judeus de outrora,
diante do dogma da Eucaristia: Duro é este discurso, quem no pode
ouvir? (João VI-61).
Isto vem confirmar precisamente o que disse Jesus neste capítulo e
como preparação à grande revelação que estava prestes a fazer,
isto é, que a fé é um dom de Deus; temos, portanto, que nos
esforçar para consegui-lo: Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me
enviou o não trouxer (João VI-44). É claro que estamos aqui diante
de um grande mistério. Mas todo mistério, ,é
sempre uma nos lábios de Jesus.

Os protestantes querem compreender primeiro para depois


acreditar, mas isto é impossível, desde que se trata de um .
Nesta ânsia de compreender, são assaltados pelos maiores
pensamentos de dúvida, por exemplo: como pode um corpo, sendo
corpo, multiplicar-se para tantas pessoas e estar naquela Hóstia
pequenina?

— Prezado amigo: sem milagre algum, dentro das próprias leis da


natureza, sabemos hoje de muitas coisas assombrosíssimas que, se
tivessem sido ditas aos antigos, teriam provocado exclamações
como estas: Isto é absurdo; não posso admitir isto; não, nesta não
acredito! — e que no entanto são pura realidade. Quer ver?

A ciência de hoje nos diz que o , isto é, uma parte mínima de


um corpo qualquer, tão minúscula que não pode ser vista a olho nu,
contém em si uma quantidade imensa de partículas chamadas
elétrons, todas em contínuo movimento em torno de um núcleo.
Dentro de um pequenino corpo do tamanho de uma cabeça de
alfinete giram e se agitam trilhões de eléctrons. Fosse Você dizer
isto aos antigos!

Vemos hoje, pelo rádio, não só o som das palavras proferidas pelos
artistas e locutores, mas também a sua , a sua imagem se
multiplicar para milhões de ouvintes e de espectadores, na própria
casa destes e todos receberem isto da mesma forma, com a mesma
perfeição. Fosse Você dizer aos antigos!
Se isto se produz tão naturalmente pelas simples forças da
natureza, por que então se julga impossível o
J (para a qual não há impossível) tornar presente a substância
de seu corpo numa Hóstia pequenina e multiplicá-lo para que todos
recebam a Sua graça? É claro que não estamos dizendo que uma
coisa é igual à outra; queremos apenas frisar o seguinte: como é
que diante do podemos saber onde chega ou não
chega o absurdo? Para sabermos que não existe ali o absurdo,
basta um atestado apenas: D .

Na ânsia de compreender, os protestantes se põem a dizer: E a


hóstia não se corrompe quando a recebemos? E se se envenenar o
vinho, o sangue de Cristo vai envenenar o sacerdote? E mil outras
considerações desta natureza.

— A substância que está ali é Cristo. Mas ficam os acidentes do pão


e do vinho como a cor, o gosto, o tamanho etc, fazendo
materialmente os mesmos efeitos que faria a substância do pão ou
do vinho, se ali estivesse. Quando estes acidentes se corrompem,
ali não estão mais as do pão ou do vinho, cessa,
portanto, a presença real de Jesus Cristo; fica na alma
. Se o vinho consagrado envenenasse o sacerdote, isto seria
produzido por estes acidentes. E é claro que se Cristo suspendesse
a ação destes acidentes (dando, por exemplo, à Hóstia ou ao vinho
consagrado outro sabor) estaria fazendo milagres visíveis a cada
instante e isto tiraria o valor da nossa fé.

Agora falamos aos protestantes que admitem a divindade de Cristo


e que são unanimidade em muitas seitas reformadas.

Suponham Vocês que, ao apresentarem as passagens bíblicas, tão


claras, em que se prova que Jesus Cristo era Deus e era homem,
uma pessoa se ponha a embaraçar-se com mil pensamentos
audaciosos e indiscretos: Como é que Deus vai passar nove meses
no ventre de uma mulher? Jesus comeu, foi sujeito, portanto, a
naturais necessidades do nosso organismo, não será indecente
imaginar-se isto de Deus? Jesus dormiu; como um Deus podia
dormir? Jesus foi surrado na sua Paixão, como é que Deus vai ser
surrado pelas suas criaturas? E assim por diante. Agora
perguntamos: a pessoa que assim se pega com estas
dúvidas por não querer admitir a divindade de Cristo? Cristo é Deus
e homem, isto é um mistério; a nossa razão não pode jamais
penetrar este abismo insondável. Mas a Bíblia o ensina e ela é
infalível; cumpre-nos e nada mais; e aí é que está o
merecimento da nossa fé.

Pois bem, o mesmo exatamente se dá com o protestante que,


diante de palavras tão claras da Bíblia que nos provam a
de Jesus Cristo sob as espécies do pão e do vinho, se põe a
alimentar a dúvida no seu espírito com mil pensamentos
perturbadores. É justamente por isto, porque o protestante se
recusa a sujeitar humildemente a sua razão à exegese da Igreja,
coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15), que há tantos
protestantes que negam a divindade de Cristo; que há no
Protestantismo, ora nesta ou naquela seita, a negação de tantos
dogmas importantes da Revelação Cristã, como a Santíssima
Trindade, o inferno, a sobrenaturalidade da graça, a vontade que
Deus tem de salvar a todos etc.

A razão humana é falaz, irrequieta e imperfeita; levando o homem


pelo livre exame a sujeitar os ensinos da Bíblia às impressões de
seu próprio entendimento, o Protestantismo torna-se fatalmente o
caminho para a negação e para a descrença. E é por isto que o
racionalismo, a indiferença religiosa e a incredulidade tanto
aumentaram no mundo, depois que apareceu a Reforma.

Mas voltemos ao comentário sobre o Capítulo 6º de S. João.

Diante daquelas duas dúvidas que assaltam os seus ouvintes: 1º —


Como é que Ele desceu do Céu, se é o filho de José, cujo pai e mãe
nós conhecemos? (João VI-42); 2º — Como pode Este dar-nos a
comer a sua carne? (João VI-53), Jesus vai dar duas explicações.
Mas não vai deter-se em esclarecimentos muito longos. Como nos
dirá S. João quatro versículos mais adiante, Jesus conhecia bem o
coração dos seus ouvintes, sabia que muitos deles tinham má
vontade, não queriam crer; e com essa gente de má vontade é inútil
perder tempo com longas explicações. Ainda que o Mestre lhes
falasse anos inteiros, não os convenceria, pois, se os seus grandes
milagres não os convenceram, que dirá suas palavras?

Versículos 62 e 63.

314. Porém Jesus, conhecendo em si mesmo que seus discípulos


murmuravam por isso, disse-lhes: Isto escandaliza-vos? Pois que
será, se vós virdes subir o Filho do Homem, onde Ele primeiro
estava? (João VI-62 e 63). Esta explicação responde a ambas as
dúvidas.

Jesus era Deus, e sendo Deus sempre esteve nos Céus; com o
prodígio da Ascensão em que O verão subir ao reino de seu Eterno
Pai, poderão os homens mais facilmente saber que foi dos Céus
que Ele desceu à terra. É a resposta à primeira dúvida.

Subindo aos Céus, o que a nossa carne mortal não consegue fazer,
Jesus mostrará as maravilhas do seu corpo glorioso, o qual tem
dotes especiais surpreendentes que não tem o nosso corpo aqui na
terra, e assim poderá também multiplicar-se para nos servir de
alimento. É a resposta à segunda dúvida, a qual vai ter ainda outra
explicação no versículo seguinte.

Versículo 64.

315. O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as


palavras que eu vos disse são espírito e vida (João VI-64).

Diante destas palavras, os protestantes que não querem acreditar


que Jesus na Eucaristia nos dá realmente a sua carne para comer,
se põem a observar: Estão vendo? Jesus mostra que não ia dar
realmente sua carne, mas que estava falando num sentido figurado,
pois diz que a , e acrescenta que suas
palavras são espírito e vida, isto é, que devem ser tomadas num
sentido espiritual e simbólico.

— Mas é o caso de dizer: Meçam bem as palavras, vejam bem o


que estão dizendo, caros amigos protestantes. Então porque Jesus
diz que , Vocês concluem daí que
que Ele está falando? Quer dizer então que
J ?

Mas isto é um absurdo e uma blasfêmia. A carne de Jesus serviu


para muita coisa, porque para a Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade operar a nossa Redenção: E o Verbo se fez
e habitou entre nós (João I-14).

Como se vê pelo contexto, igualmente como no versículo anterior,


Jesus está esclarecendo as dúvidas que assaltaram o espírito de
seus ouvintes, dúvidas que Ele conheceu em si mesmo, como vimos
há pouco S. João dizer (João VI-62), mas esclarecendo noutro
sentido bem diverso daquele que imaginam os protestantes. Os
ouvintes, como é muito natural, como nós todos, se lá estivéssemos
também imaginaríamos diante daquelas palavras tão realistas do
Mestre, se puseram a imaginar Jesus retalhando a sua carne em
pedaços para ser fornecida a todos, como é fornecida a carne de boi
nos açougues ou então retalhando-se, após a sua morte, o seu
cadáver para ser por todos comido.

Ora, Jesus faz ver que isto nada adiantaria: esta carne assim
retalhada de seu corpo em vida ou retirada de seu cadáver seria
uma carne J , uma carne morta e isto não
traria nenhuma vantagem, desde que se considerem os ensinos do
Mestre: seus ensinamentos são para
E , sua doutrina é para nossa e
, suas palavras são , e vida eterna, vida
sobrenatural, vida da graça; e um pedaço de carne do seu corpo
que se comesse assim como se come um pedaço de carne de boi
ou de carneiro, serviria somente para um momentâneo proveito do
corpo e não para o ; não serviria nunca para ser a comida
que Ele havia prometido: a comida que
(João VI-27).

Ele está falando, ainda esta vez, da Santíssima Eucaristia, onde nos
dá a sua juntamente com sua e sua . Isto,
sim, é que vivifica a nossa alma; é isto o que o Mestre quer:
e , ou seja, o homem cada vez mais espiritualizado e
vivendo, quanto é possível, da própria vida de Deus: Assim como o
Pai, que é vivo, me enviou e eu vivo pelo Pai, assim o que me come
a mim, esse mesmo também por mim (João VI-58).

Versículos 65 a 68.

316. Mas há alguns de vós outros que não creem. Porque bem
sabia Jesus desde o princípio quem eram os que não criam e quem
O havia de entregar. E dizia: Por isso eu vos tenho dito que ninguém
pode vir a mim, se por meu Pai lhe não for concedido. Desde então
se tornaram atrás muitos de seus discípulos e já não andavam com
Ele. Por isso disse Jesus aos doze: Quereis vós outros também
retirar-vos? (João VI-65 a 68).

Tudo isto vem confirmar o que dissemos no nº 301: Quando os


judeus vieram em busca de Jesus, exclusivamente à procura de
vantagens materiais, o Redentor que lia perfeitamente nos
corações, sabia muito bem que a grande maioria daqueles que O
buscavam, aparentemente com tanto fervor, não tinham, entretanto,
.

Advertiu-os claramente de que era preciso crer nEle, mas esta fé é


um dom de Deus, uma dádiva do nosso Pai Celeste (se alguém a
não possui, peça a Deus ardentemente) e para mostrar realmente
que eles não tinham a crença verdadeira, aproveitou a oportunidade
para revelar um dos grandes mistérios da fé, ou seja, a Eucaristia:
Jesus dando sua própria carne para comer. E o resultado foi o que
se viu: acharam aquilo por demais assombroso; recusaram-se a
acreditar. Mais ainda: abandonaram o Divino Mestre, não quiseram
mais andar com Ele. E Jesus, sem se deter em longas explicações
assim como quem diz: quem quiser ser meu discípulo, tem que
acreditar de qualquer maneira na minha palavra, por mais
espantoso que seja o que eu revelo, pois eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida, e meus milagres aí estão para demonstrá-lo,
Jesus volta-se para seus Apóstolos e pergunta: Quereis vós outros
também retirar-vos? (João VI-68).

O que ninguém pode negar, o que salta aos olhos na leitura deste
capítulo é que aqueles muitos discípulos que Jesus perdeu para
sempre, se retiraram por causa de uma , de uma
coisa que eles não quiseram acreditar. Acaso
poderão os protestantes negar isto?

Ora, segundo dizem os protestantes, Jesus falou em sentido


figurado: comer a carne de Jesus, beber o seu sangue quer dizer
crer em Jesus (?!). E, segundo os protestantes, crer em Jesus vem
a ser isto: ter confiança de que Jesus nos salva, convencer-nos de
que, sendo Jesus nosso Salvador, a nossa salvação está garantida.

Mas isto é o que há de mais suave e mais fácil! Para acreditar que
existe um inferno eterno para os maus, ainda há quem faça muita
dificuldade; mas ter confiança de que se vai para o Céu, isto é uma
coisa que se tem muito facilmente. É tão fácil, que há muita gente
que tem esta confiança sem estar absolutamente no caso de
possuí-la, como são muitos pecadores que não se arrependem
sinceramente, não querem seriamente abandonar os seus pecados
e no entanto alimentam no seu espírito uma presunção de se salvar
sem merecimento, querendo à fina força apoiar-se na misericórdia
de Deus, quando Deus nunca prometeu salvar o pecador que não
esteja sinceramente contrito e arrependido. Ter confiança de que se
vai para o Céu porque Cristo é nosso Salvador e sofreu por nós é o
que há de mais agradável e consolador.
De modo que, segundo a interpretação protestante, Cristo disse
apenas isto: que era preciso crer, isto é, confiar nEle como em
nosso Salvador, para se ganhar a vida eterna. Mas apresentou esta
ideia de fé oculta misteriosamente numa metáfora: em lugar de falar
em , falou em C ,
C . Então os judeus ali presentes fizeram um bicho de sete
cabeças, pensando que Cristo estava falando realmente em comer-
se sua própria carne, beber-se o seu próprio sangue. Acharam que
isto era demais, era muito duro de se acreditar: Duro é este
discurso, e quem no pode ouvir? (João VI-61). Resolveram então
afastar-se completamente de Jesus, não segui-Lo mais. E Jesus
e, voltando-se para os
Apóstolos, perguntou se eles não queriam ir também.

Mas isto é simplesmente inconcebível. Cristo é o Mestre que veio


ensinar a todos. E neste mesmo capítulo disse claramente ter
chegado o tempo em que serão todos ensinados de Deus (João VI-
45). É claro que o interesse de todo profeta, de todo pregador da
verdade é atrair a si os homens, e nunca afastá-los de si, máxime
tratando-se de Jesus que era Deus, e, sendo assim, era
, e portanto queria salvar a todos. Como se
concebe então, que Jesus, que tantas vezes no Evangelho
(inclusive neste 6º capítulo de S. João) falou tão claramente em
nEle para alcançar a vida eterna, substituísse de uma hora
para outra esta palavra por uma metáfora incompreensível,
isto é, , afastando de si
desta maneira tão numerosos discípulos?

É mais do que evidente que, se fosse como dizem os protestantes,


o Mestre não permitiria que eles se apartassem: Não, meus amigos,
não estou falando em dar minha carne realmente para comer; estou
apenas fazendo uma comparação; estou dizendo somente que
em mim, e crer em mim é o que há de mais simples: é
confiar na salvação. A não ser que Cristo fosse um homem tão mau,
tão perverso que resolvesse de propósito apresentar a ideia de
que seria no caso uma ideia muito simples, sob a metáfora
indecifrável de ,
somente para fazer uma confusão tremenda na cabeça daqueles
discípulos e assim afastá-los definitivamente do seu rebanho. Mas
esta hipótese é uma verdadeira aberração contra tudo o que
sabemos a respeito da Sabedoria, da Bondade, da Misericórdia, do
Espírito de Justiça de Jesus. Nenhum homem em perfeito juízo faria
isto; muito menos o Salvador do mundo.

Vê-se claramente que as coisas se passaram de modo bem diverso.


Cristo falou abertamente em que se havia de
. Não era exatamente da mesma forma como
eles pensavam no seu modo grosseiro de interpretar o que ouviam.
Mas Cristo viu que, ainda mesmo que explicasse o como
havia de dar a sua carne e o seu sangue (isto é, multiplicando a sua
presença na Hóstia e no Cálice Consagrado), eles haveriam de
continuar da mesma forma recusando-se a acreditar, tal qual como
acontece com os protestantes de hoje que, após 2.000 anos de
pregação do mistério eucarístico, após ver o exemplo desse número
incalculável de membros da Igreja Católica que em todas as épocas
da História, têm humildemente curvado a sua razão diante deste
grande , apesar de terem nas mãos a Bíblia, que,
como vimos e ainda veremos, fala sobre este assunto em linguagem
tão clara, apesar de tudo isto, ainda se recusam a acreditar na
presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Cristo viu que era inútil
dar-lhes mais explicações porque na sua ciência infinita sabia desde
o princípio quem eram os que não criam (João VI-65).

Por isso limitou-se a dar uma explicação ligeira, fazendo-lhes ver


que a carne de que ali lhes falava era uma carne vivificada pelo seu
espírito, unida à sua Divindade.

Não se tratava, com efeito, de uma coisa, como o


aluno na aula pergunta ao professor o que não entendeu, e o
professor tem obrigação de explicar tintim por tintim. Tratava-se de
(incompreensível, isto é,
para nós, diante da nossa limitada e fraca inteligência, pois a
verdade do mistério é em si luminosa e inteligível e Deus a
compreende perfeitamente, na sua ciência infinita) e aí é que está
precisamente o grande mérito da nossa fé. E Cristo tinha o direito de
exigir que se cresse no que Ele dizia, uma vez que com inúmeros
milagres Ele provara realmente que era Deus, como dizia de si
mesmo. Se aqueles judeus não queriam acreditar, era porque o Seu
coração estava cheio de má vontade e assim não podiam receber
do Pai Celestial o dom da fé. Por isto Jesus os deixou ir embora.

Versículos 69 e 70.

317. Finalmente termina o capítulo com a belíssima profissão de fé,


proferida pelo Apóstolo S. Pedro.

E respondeu-Lhe Simão Pedro: Senhor, para quem havemos nós de


ir? Tu tens palavras de vida eterna; e nós temos crido e conhecido
que tu és o Cristo, Filho de Deus (João VI-69 e 70).

O texto grego traz assim: tu és o Santo de Deus.

Diante da pergunta do Mestre sobre se querem também retirar-se,


estão os Apóstolos num desses momentos que decidem para toda a
vida. E S. Pedro, seu chefe, fala em nome de todos eles: ficarão
todos com Jesus, porque Jesus é quem tem palavras de vida
eterna, isto é, palavras que vivificam e vivificam eternamente, se a
isto não pusermos obstáculos, palavras que nos prometem e
realmente nos dão a vida eterna, se a elas nos conservarmos fiéis.

E falando em nome dos Apóstolos, S. Pedro dá também um grande


exemplo a toda a Igreja, da qual seria o primeiro chefe. Diante das
palavras do Mestre, ainda mesmo que elas nos ensinem o que há
de mais incompreensível e impenetrável, a nossa atitude de
verdadeiros cristãos há de ser esta: aceitar reverentemente o que
Ele nos diz. Não vemos, não compreendemos, não somos capazes
de imaginar; mas Jesus afirmou a sua presença real na Santíssima
Eucaristia e é quanto nos basta.
A Instituição
Ceia legal e Ceia Eucarística.

318. Os judeus, gemendo sob a escravidão do Egito, não achavam


meio de libertar-se, porque o rei Faraó se obstinava em não querer
autorizar a sua partida. Muitas pragas tremendas já haviam caído
sobre os egípcios, porém debalde. O remédio decisivo foi, então, a
matança dos primogênitos, na do anjo exterminador.

Para que os judeus, porém, não fossem envolvidos com os egípcios


nesta terrível punição divina, deveriam imolar um cordeiro e tingir
com o sangue as portas de suas casas. Tudo isto era figura da
Redenção operada por Jesus Cristo, Cordeiro Imaculado, que havia
de libertar o mundo da escravidão do demônio, remindo com o seu
sangue a Humanidade inteira.

Mas o cordeiro, cujo sangue havia de salvar os judeus, devia


também por eles, numa ceia que obedecia a um rito
estabelecido por Deus. Era assim mais uma vez a figura do Cordeiro
Imaculado, Jesus, que não só nos havia de remir, mas também nos
devia servir de alimento espiritual na Santíssima Eucaristia.

Eis aqui as determinações dadas por Deus no Egito, falando a


Moisés e a Arão: Falai a todo o ajuntamento dos filhos de Israel e
dizei-lhes: Ao décimo dia deste mês cada um tome um cordeiro para
a sua família e casa... Este cordeiro será sem defeito, será macho e
será dum ano. Podereis também tomar um cabrito que tenha as
mesmas qualidades. E o guardareis até o dia quatorze deste mês, e
todo a multidão dos filhos de Israel o imolará à tarde; e tomarão do
seu sangue e pô-lo-ão sobre as duas umbreiras e sobre a verga das
portas das casas onde eles o hão de comer; e esta mesma noite
comerão eles a carne do cordeiro assada no fogo e pães asmos
com alfaces bravas... Eis aqui, porém, como o haveis de comer:
cingireis os vossos rins, e tereis sapatos nos pés e bordões nas
mãos, e comereis à pressa, porque é a Páscoa, isto é, a Passagem
do Senhor (Êxodo XII-3, 5 a 8, 11).

Fazendo esta determinação, Deus mandou também que todos os


anos festejassem os judeus aquele acontecimento, e assim na
grande festa da P celebravam a sua ceia, comendo o cordeiro
no mesmo estilo em que o haviam comido os judeus de outrora:
Este dia será para vós um dia memorável e vós o celebrareis de
geração em geração com um culto perpétuo, como uma festa solene
em honra do Senhor (Êxodo XII-14).

A festa durava sete dias, em que não se comia pão fermentado,


porém pão ázimo: Comereis pães asmos sete dias; desde o primeiro
dia não se achará fermento em vossas casas (Êxodo XII-15).

A estas prescrições do Êxodo, a tradição judaica ajuntou um certo


ritual pelo qual se celebrava a Ceia da Páscoa.

Como podemos nós saber o rito que se empregava no tempo em


que Nosso Senhor celebrou a Páscoa com seus discípulos?

Sabemos, porque este rito é descrito no livro dos judeus chamado


Mischna. Mischna é a parte principal do Talmud. Uma vez destruído
o templo de Jerusalém, vendo os judeus que haviam desaparecido
como nação, sentiram a necessidade de recolher num livro as suas
tradições. E assim aparece o Mischna em meados do século
segundo, consignando por escrito aquelas velhas sentenças e usos
judaicos que se transmitiam de pais a filhos.

O Mischna, entre os seus 63 capítulos, traz um (que é precisamente


o 14º) intitulado Pesachim, que descreve o modo de celebrar-se a
Ceia Legal, a Ceia da Páscoa. Segundo a descrição do Mischna,
reuniam-se ao cair da noite, todos os membros da família, cujo
número variava entre 10 a 20 pessoas, e a cerimônia era presidida
pelo chefe da casa, observando-se o seguinte ritual:
1º — O chefe da família tomava um copo de vinho misturado com
pouco d’água, rendia graças com estas palavras:
S . E distribuía o vinho com os
presentes.

2º — Vinha então a bacia com água e a toalha para se fazer a


purificação das mãos, como costumavam fazer os judeus nas suas
refeições.

3º — Punha-se a mesa, onde estavam os diversos alimentos:

a carne assada do cordeiro para rememorar o cordeiro imolado que


no Egito livrara os judeus da exterminação dos primogênitos;

ervas amargas, para relembrar as amarguras que no Egito haviam


passado;

o pão sem fermento ou pão ázimo, sem fermento para indicar


simbolicamente a pressa com que tinham saído do Egito, sem ter
nem ao menos o tempo de fermentar o pão;

o charoseth, que era uma salada de diversas frutas, como maçãs,


figos, limões cozinhados no vinagre.

4º — Distribuía-se um segundo copo de vinho; e o mais moço dos


convivas pedia ao chefe da família a explicação destes ritos. Este
levantava, aos olhos de todos, os alimentos e explicava em tom
solene a sua significação, terminando com estas palavras: “É por
estes prodígios que havemos de louvar e exaltar Aquele que mudou
nossas lágrimas em alegria, nossas trevas em luz; é a Ele só que
havemos de cantar: Aleluia!” Cantavam então todos o salmo 112 e a
primeira parte do salmo 113. O salmo 112 começa assim: Aleluia.
Louvai, ó meninos, ao Senhor; louvai o nome do Senhor. Seja
bendito o nome do Senhor desde agora para sempre. Desde o
nascimento do sol até o seu ocaso é digno de louvor o nome do
Senhor (Salmos CXII-1 a 3). E assim por diante. No meio destes
cânticos bebiam o vinho que havia sido distribuído.
5º — O chefe da família tomava o pão ázimo, o partia, benzia e
distribuía. Para que todos se lembrassem que era um pão de
penúria, comia-se apenas um pedaço misturado com as ervas
amargas e ensopado no charoseth. E aqui se explica, digamos entre
parêntesis, aquela palavra de Jesus, a respeito de Judas: É aquele
a quem eu der o (João XIII-26).

6º — Comia-se depois o cordeiro, que era repartido para todos,


devendo desaparecer por inteiro.

7º — O chefe da família distribuía então um terceiro copo, o


, depois do qual, cantavam novamente, continuando com
a 2ª parte do salmo 113: Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu
nome dá a glória, para fazeres resplendecer a tua misericórdia e a
tua verdade, para que nunca digam as nações: Onde está o seu
Deus? (Salmos CXIII — 2ª parte — vers. 1 e 2) etc, continuando
com os salmos 114 e 115 e terminando com o Salmo 116: Aleluia.
Louvai, todas as gentes, ao Senhor; louvai-O todos os povos;
porque sobre nós foi confirmada a sua misericórdia, e a verdade do
Senhor permanece eternamente (Salmos CXVI).

É uma alusão a este hino final que fazem S. Mateus e S. Marcos,


quando dizem que Jesus e seus Apóstolos saíram
para o monte das Oliveiras (Mateus XXVI-30; Marcos XIV-26).

Estava traçado pela Providência que Cristo fosse imolado para


nossa Redenção, precisamente no tempo em que os judeus
celebravam a sua Páscoa. Assim se ajuntavam o símbolo e a
realidade. Naquela festa em que os judeus, como todos os anos,
o cordeiro, que era uma figura da imolação de Cristo para
salvação da nossa alma, naquela mesma festa se daria a morte do
Salvador.

E como a ceia anual do cordeiro era também uma figura da ceia


eucarística, Jesus reúne numa só ocasião as 2 coisas: faz ali no
Cenáculo a , cumprindo a Lei Antiga juntamente
com seus discípulos (era a Velha Aliança que chegava ao seu fim) e
celebra também , dando início ao Novo
Testamento, o qual é selado não com sangue de novilhos, como fora
o Antigo (Êxodo XXIV-8), mas com o próprio sangue do Redentor.

Enquanto S. Mateus e S. Marcos se põem logo diretamente a


descrever a consagração do pão e do vinho, S. Lucas é o único
Evangelista que se detém um pouco mais a descrever algumas
passagens da ceia judaica. Assim é ele o único a falar na primeira
distribuição do vinho que o chefe da família benzia (dizendo, como
vimos, aquelas palavras: Bendito seja o Senhor que criou o fruto da
vinha):

E chegada que foi a hora, pôs-se Jesus à mesa e com ele os doze
Apóstolos e disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer
convosco esta Páscoa antes da minha Paixão, porque vos declaro
que a não tornarei mais a comer até que ela se cumpra no reino de
Deus. E depois de , e disse: T -
- ; porque vos declaro que não tornarei a
beber do fruto da vide, enquanto não chegar o reino de Deus (Lucas
XXII-14 a 18).

Em seguida é que passa a descrever a consagração do pão:

Também depois de tomar o pão deu graças e partiu-o e deu-lho,


dizendo: Este é o meu corpo que se dá por vós: fazei isto em
memória de mim (Lucas XXII-19).

E finalmente descreve a consagração do vinho, mas com o cuidado


de acrescentar que Jesus distribuiu o vinho consagrado
, isto é, depois que comeu do cordeiro pascoal:

Tomou também da mesma sorte o cálix, , dizendo:


Este cálix é o novo testamento em meu sangue, que será
derramado por vós (Lucas XXII-20).
Este ou Isto?

319. Uma vez que tanto no grego como no latim é neutro o termo
correspondente à palavra portuguesa (grego ; latim
), a frase pode ser traduzida em português de duas formas:

Este é o meu corpo;


Isto é o meu corpo.

Pe Antônio Pereira de Figueiredo, como acabamos de ver, e a


versão da Sociedade Bíblica do Brasil trazem a primeira forma.
Ferreira de Almeida, Pe Matos Soares e Mons. José Basílio Pereira
trazem a segunda.

Mas isto em nada altera o sentido. Tanto faz alguém tomar um livro
e apresentar aos outros dizendo: Esta é a Bíblia, como fazê-lo
dizendo: Isto é a Bíblia. Todos entendem perfeitamente que se trata
aí do livro sagrado.

A clareza e simplicidade das narrativas.

320. A mesma narrativa que faz S. Lucas da ceia eucarística, fazem


também S. Mateus, S. Marcos e S. Paulo. O único Evangelista que
não a refere é S. João, o qual em compensação traz, no seu
capítulo 6º por nós há pouco estudado as palavras de Jesus em que
prometeu a Eucaristia. Tudo isto demonstra a importância máxima
que dão os autores sagrados ao mistério eucarístico; e embora haja
pequena diferença de palavras, todos são firmes e categóricos em
apresentá-lo como realmente e de Jesus
Cristo.

S. MATEUS . XXVI
26 Estando eles, porém, ceando, tomou Jesus o pão e o

benzeu, e partiu-o e deu-o a seus discípulos e disse: Tomai e


comei; E .
27 E tomando o cálix, deu graças e deu-lho dizendo: Bebei dele
todos;
28 Porque do novo testamento,
, para remissão dos pecados.

S. MARCOS . XIV
22 E quando eles estavam comendo, tomou Jesus o pão; e,

depois de o benzer, partiu-o e deu-lho, e disse: Tomai, E


.
23 E tendo tomado o cálix, depois que deu graças, lho deu; e

todos beberam dele.


24 E Jesus lhes disse: do novo
testamento, .
S. LUCAS . XXII
19 Também depois de tomar o pão deu graças e partiu-o e deu-

lho, dizendo: E ; fazei


isto em memória de mim.
20 Tomou também da mesma sorte o cálix, depois de cear,

dizendo: é o novo testamento ,


.
1ª CORÍNTIOS . XI
23 ... O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o

pão.
24 E dando graças, o partiu e disse: Recebei e comei: E

; fazei isto
em memória de mim.
25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou

também o cálix, dizendo: é o novo testamento


; fazei isto em memória de mim, todas as vezes
que o beberdes.

Se Cristo quis fazer realmente a transubstanciação como a Igreja


ensina, isto é, mudar a substância do pão na substância do próprio
corpo, e a do vinho no seu próprio sangue, Ele não podia ter usado
de palavras mais simples, nem mais claras, nem mais categóricas
para exprimi-lo, do que, ao tomar o pão, dizer: Isto é o meu corpo —
ou — Este é o meu corpo, o que vem a dar na mesma coisa; e
depois, ao apanhar o cálice com o vinho, dizer: Este é o meu
sangue do Novo Testamento, que será derramado por muitos
(Mateus XXVI-28; Marcos XIV-24). S. Lucas e S. Paulo trazem uma
variante que em nada modifica o sentido: Este cálix é o novo
testamento (Lucas XXII-20; 1ª Coríntios XI-25).

Ao contrário, se Jesus quis dizer apenas, como ensinam a maioria


dos protestantes, que aquele pão simbolizava o seu corpo, aquele
vinho representava o seu sangue, não podia ter usado de palavras
mais infelizes, nem mais impróprias. Sim, porque neste caso estaria
na obrigação de dizer:

Isto representa o meu corpo; isto representa o meu sangue;

ou Isto simboliza o meu corpo; isto simboliza o meu sangue;

ou, pelo menos, Este pão é o meu corpo; este vinho é o meu
sangue.

Mas não foi assim que Ele falou. O Cardeal Wiseman, protestante
convertido ao Catolicismo, provou que na língua que Nosso Senhor
falou, o aramaico, da mesma família da siríaca, Ele dispunha de
maneiras diversas para dizer que aquilo era apenas um
sinal ou figura ou representação ou símbolo do seu corpo. (Horae
syriacae. Roma 1828. 3 segs).

E por que estaria Ele na obrigação de dizer claramente: Isto


representa o meu corpo — ou coisa semelhante, se fosse esta a sua
intenção?

— Primeiro que tudo, estava diante de homens rudes e ignorantes,


cuja tendência era por si para tomar as palavras sempre
, mesmo quando o Mestre falava em sentido
metafórico. Já tivemos ocasião de ver (nº 306) o caso do fermento
dos fariseus e dos saduceus (Mateus XVI-6); a expressão: Nosso
amigo Lázaro ; mas vou despertá-lo do sono (João XI-11).

Além disto, os Apóstolos não estavam diante de um homem


qualquer mas do próprio Filho de Deus, o qual eles tinham visto
fazer os maiores milagres, como por exemplo, a multiplicação dos
pães no deserto, o andar sobre as águas do mar, a ressurreição da
filha de Jairo, do filho da viúva e a de Lázaro etc, etc. A estes
homens, que eram os que mais criam no poder do Mestre, ou pelo
menos, os que mais de perto viviam acompanhando e vendo seus
grandes prodígios, Nosso Senhor sempre reclamava que a fé que
eles tinham ainda era pouca: Por que temeis, homens de ?
(Mateus VIII-26); Homem de , por que duvidaste? (Mateus
XIV-31); Homens de , por que estais considerando lá
convosco que não tendes pão? (Mateus XVI-8).

Se fosse um simples homem que tomasse um pedaço de pão e


dissesse: Isto é o meu corpo — todo o mundo tomaria isto como
uma pilhéria, como uma mentira dita apenas para fazer graça,
porque todos estão vendo que um pedaço de pão não poderia
nunca ser a figura ou a representação de seu corpo.

Com Jesus o caso era diferente, não só porque Jesus nunca disse
pilhérias, mas também porque Ele era Deus, a Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade, cujo poder é infinito e que, segundo a feliz
expressão de S. Agostinho, “pode fazer muito mais coisas do que as
que o homem pode compreender”.

Os Apóstolos não sentiram nenhum espanto, não esboçaram


nenhum gesto de incredulidade diante do que estavam vendo e que
era, na realidade, assombroso, porque já andavam esperando esta
grande maravilha. Como acabamos de ver no Capítulo 6º de
S. João, o Mestre já lhes dissera abertamente, claramente (tão
claramente que muitos discípulos se aborreceram com isto e não
quiseram mais segui-Lo) que
(João VI-54 a 58). Em
vez de ficarem estupefactos e sem ação diante do que o Divino
Mestre acabara de realizar, estão os Apóstolos, ao contrário, com a
solução do enigma que os poderia vir preocupando; agora, sim, já
sabem poderão comer a carne e beber o sangue
de Jesus; é em virtude do poder infinito do Salvador que chega ao
ponto de mudar o pão comum no seu próprio corpo, e o vinho no
seu próprio sangue.

E as palavras de Jesus são de um realismo que não deixa margem


a nenhuma dúvida: E
(1ª Coríntios XI-24). E
,
(Mateus XXVI-28).

Falando desta maneira, Ele não só mostrou a relação íntima que há


entre a Eucaristia e o sacrifício do Calvário, mas também quis
impedir toda e qualquer possibilidade de sofisma, de cavilação a
respeito de que sentido Ele estaria dando a estas palavras
, . Quando Cristo diz , refere-se
a seu corpo : aquele mesmo que será entregue por nós.
Quando diz , refere-se realmente ao seu próprio
sangue, que será derramado para remissão de nossas culpas.

E é preciso notar que Ele nos deixou a Eucaristia em testamento, às


vésperas de sua morte: Este cálix é o em meu
sangue, que será derramado por vós (Lucas XXII-20). S. Paulo na
Epístola aos Hebreus, depois de chamar a Cristo mediador dum
novo testamento (Hebreus IX-15) diz: onde há um testamento, é
necessário que intervenha a morte do testador (Hebreus IX-16).

Ora, num testamento devem-se empregar palavras claras e simples,


não há lugar para metáforas insólitas e incompreensíveis; sua
linguagem deve ser límpida, singela e insofismável.

E daí se vê o grande contraste entre a fé católica e a cavilação


protestante, como tantas vezes já tem sido apontado.
Cristo disse: I . Os católicos dizem: Creio que
C . Os protestantes dizem: Creio que
C .

Cristo disse: I . Os católicos dizem: Creio que


C . Os protestantes dizem: Creio que
C .

Quem é que está com a razão?

Cristo falou medindo toda a sua responsabilidade.

321. Tão claras, tão decisivas, tão categóricas são as palavras de


Jesus, que não somente a Igreja Católica jamais teve dúvidas sobre
a presença real dEle mesmo na Eucaristia, mas também se
passaram mil anos sem que entre os , incluídos neste
número os próprios hereges, surgisse pessoa alguma que ousasse
negar diretamente este dogma. Não há dúvida que, desde o seu
começo a Igreja foi perseguida pelas heresias, que procuravam dar
interpretações errôneas às passagens das Escrituras. Isto é velho, é
constante e sempre será assim na história da Igreja. Pois bem, até o
século XI, apareciam hereges que negavam a Eucaristia só
indiretamente, como por exemplo os docetas que não admitiam que
Cristo tivesse tido em vida um e diziam que Ele tivera
somente uma aparência de corpo. Como consequência desta
doutrina, não podiam também admitir que na Hóstia Consagrada
estivesse realmente o corpo de Jesus; a razão era muito simples:
eles eram de opinião que este corpo nunca existira. Por isto diz
S. Inácio Mártir (escritor e S. Padre, note-se bem,
), falando a respeito dos docetas: “Eles se abstêm
da Eucaristia e da oração, porque não reconhecem que a Eucaristia
É de nosso Salvador Jesus Cristo,
e P na sua benignidade”
(Epístola aos Esmirnenses 7, 1).
Os Arianos, negando a divindade de Cristo, era natural que não
vissem na Hóstia o seu Deus, como viam os católicos.

Mas hereges que diretamente se negassem a crer na presença de


Jesus na Eucaristia, isto só veio a aparecer depois de muitos
séculos.

No século IX aparece um escritor Escoto Erígena, amigo de


novidades, que fala sobre a Eucaristia de uma maneira
verdadeiramente confusa, de modo que nunca se veio a saber o seu
verdadeiro pensamento e por isto mesmo não faz escola.

Só no século XI aparece Berengário negando a doutrina católica


sobre a Eucaristia, mas este mesmo findou retratando-se.

No século XII é que aparecem os Petrobrussianos ensinando que


Cristo realmente deu o seu corpo e o seu sangue na Última Ceia,
mas negando que os sacerdotes tivessem o poder de consagrar; e
no século XIII aparecem os Valdenses e Albigenses negando a
presença real. Na esteira destes Valdenses e Albigenses seguiram
os protestantes no século XVI, sendo que o seu fundador Martinho
Lutero admitia a presença real, porque achava o texto do Evangelho
muito majestoso, como ele diz na sua Epístola aos cristãos de
Estrasburgo [48], embora queira Lutero explicar esta presença de
modo diverso da Igreja Católica, não por transubstanciação, mas
por consubstanciação. E entre os protestantes, como já vimos (nº
325), é grande a diversidade de opiniões sobre esta matéria,
havendo até quem aceite totalmente a doutrina católica sobre este
ponto, como se dá entre os Ritualistas.

Ora, estamos diante de 4 fatos que não se podem contestar:

1º — Jesus, sendo Deus, tinha completo e perfeito conhecimento de


tudo o que ia acontecer para o futuro;

2º — Ele prometeu claramente que as portas do inferno


S I ;
3º — a Igreja Católica inteira em peso, desde o tempo dos
Apóstolos sempre creu e crê ainda hoje, e também creram, durante
muitos séculos, até os próprios hereges na presença real de Jesus
Cristo na Eucaristia, , a Santa Igreja e os próprios
cristãos dela separados, nas palavras do Mestre que disse: Isto o
meu corpo, Isto o meu sangue;

4º — se não é verdade esta presença real, então durante muitos


séculos todos os cristãos caíram na idolatria, adorando a Hóstia
Consagrada.

Que se conclui daí?

Que, se Cristo queria dizer somente: Isto representa o meu corpo;


Ele que previa o futuro estava na obrigação de dizer: Isto representa
o meu corpo, ou qualquer outra expressão que significasse ser
aquilo apenas um símbolo, para evitar que S I , para evitar
que os em peso caíssem na idolatria, pois é claro que, se
Jesus veio fundar uma Religião, não foi para que ela continuasse a
fazer exatamente o que fazia o paganismo, sendo a idolatria tão
abominável aos olhos de Deus.

Mas o que Ele disse foi da maneira mais categórica: Isto o meu
corpo; Isto o meu sangue.

E Cristo não era homem que falasse sem medir toda a


responsabilidade de suas palavras.

Notas (pular)

[48] Diz aí Lutero: “Confesso que o Dr. Karlstadt ou qualquer outro me teria
prestado um grande serviço, se, há cinco anos, tivesse provado que no
Sacramento só havia pão e vinho. Naquela ocasião tive grandes vexames e
eu lutei e torci por encontrar uma saída, pois vi que com isso podia dar o
maior golpe contra o Papado. Também havia dois que eram mais hábeis do
que o Dr. Karlstadt e que não martirizavam tanto as palavras segundo seu
próprio parecer. Mas estou preso, não encontro saída. O texto é tão
majestoso que com palavras não se deixa tirar da mente” (De Wette II-576 e
segs.). (voltar)

Sentido literal e sentido metafórico.

322. Vamos ver agora como é que os protestantes negadores da


presença real se portam diante das palavras tão claras do Divino
Mestre.

Dizem eles:

Muitas e muitas vezes na Bíblia se emprega o verbo em frases


que são tomadas em sentido figurado: Eu a videira: vós outros,
as varas (João XV-5). Eu o caminho (João XIV-6). Eu a luz
do mundo (João VIII-12). Eu a porta das ovelhas (João X-7).
Vós o sal da terra (Mateus V-13). Eis ali o cordeiro de Deus
(João I-36). Jesus chamou a Herodes de raposa (Lucas XIII-32).
S. Paulo disse que Cristo é a cabeça de toda a Igreja (Efésios V-23)
e disse aos Coríntios: Os vossos membros templo do Espírito
Santo (1ª Coríntios VI-19). No Apocalipse se põem nos lábios de
Cristo estas palavras: Eu o alfa e o omega (Apocalipse XXII-13)
e também se diz dEle: Eis aqui o leão da tribo de Judá (Apocalipse
V-5). E assim por diante.

Quer isto dizer que Jesus é fisicamente uma videira, um caminho,


uma luz, uma porta, um cordeiro, uma cabeça, duas letras do
alfabeto ou um leão? Quer dizer que sejamos materialmente luz, sal,
templo? ou que Herodes tenha sido no sentido próprio uma raposa?
Não. Pois é o que se dá com as palavras da Ceia; elas devem ser
tomadas em sentido figurado.

— Há nesta argumentação um verdadeiro . Todas estas


frases e uma infinidade de outras que igualmente se pudessem
alegar (pois é comum chamar-se aos homens de rato, lesma,
gavião, tigre, burro, timbu etc.) nada têm que ver com o caso. Pois o
que é que querem provar os protestantes? Simplesmente isto: que
nas frases: Isto o meu corpo, isto o meu sangue — o verbo
tem o significado de , ; e portanto as
palavras do Mestre querem dizer: Isto (ou )o
meu corpo; isto (ou ) o meu sangue.

Ora, em todas as frases acima citadas, o verbo ser conserva o seu


verdadeiro significado, exprimindo uma afirmação segura, uma
realidade. Jesus não diz que Ele representa ou simboliza o caminho,
mas que realmente o caminho. Afirma que na realidade para nós
o que é a videira para os seus ramos. Ele realmente a luz que
espanca as trevas, o cordeiro imolado por nós, a cabeça donde
parte a vida para a Igreja, o princípio e o fim de todas as coisas, o
leão pela sua fortaleza. Os seus discípulos não irão simbolizar ou
representar, serão realmente para o mundo o que o sal é para a
comida que está sujeita a apodrecer. E Herodes não simbolizava ou
representava apenas uma raposa, realmente uma raposa pela
sua astúcia. O que acontece nestas frases é que o sentido figurado
não está no verbo (isto é, = , ); o
sentido figurado está na palavra que se segue ao verbo . Jesus
é o caminho, a porta, porque só se pode ir por Ele. É a luz pela sua
doutrina, é o cordeiro pela sua mansidão etc, etc.

Para se argumentar com estas frases, o que é preciso provar agora


é que nas afirmações de Jesus: Isto o meu ; isto o meu
; estas palavras , são tomadas
em sentido figurado; aí, sim, haverá a semelhança com as frases
citadas na argumentação.

Mas acontece que Jesus o caminho para


este sentido figurado. As palavras , só
podem ser tomadas em sentido próprio, pois Ele mesmo se
encarregou de dizer claramente: Este é que
(1ª Coríntios XI-24). Este é
do novo testamento
(Mateus XXVI-28). Ora, não foi pão,
foi o seu próprio corpo no sentido exato, material da palavra, que
Jesus entregou por nosso amor na sua Paixão; e não foi o vinho,
mas o seu próprio sangue, que Ele derramou por nós, para nos dar
a salvação. Não há margem, portanto, para o sentido figurado.

Um argumento completamente louco e sem sentido é o que


empregam os protestantes, quando dizem: S. Lucas e S. Paulo
trazem assim as palavras da consagração vinho: Este cálix o novo
testamento em meu sangue (Lucas XXII-20; 1ª Coríntios XI-25).
Ora, Jesus emprega aí uma metáfora com a palavra ; logo, a
frase tem um sentido metafórico.

— É muito usual empregar-se esta figura (o continente pelo


conteúdo) dizendo-se: beber um d’água, tomar um às
refeições etc. Mas do fato de se empregar esta figura,
completamente compreensível, não se segue que a frase toda tome
um sentido metafórico. Por exemplo, se alguém diz à mesa: Este
copo aqui guaraná; este outro copo vinho; este outro copo
champanha, não se segue daí que as palavras guaraná, vinho,
champanha se tomem também neste sentido figurado.

Jesus disse: Este cálix é o novo testamento (Lucas


XXII-20; 1ª Coríntios XI-25). Como provam agora os protestantes
que a palavra sangue está tomada em sentido figurado? Como
provam que na frase: Este é o meu , a palavra corpo está em
sentido metafórico?

Mas dirão os protestantes:

— O Sr. quer frases em que o verbo tem o sentido de


simbolizar, representar. Pois bem, nós podemos dar exemplos,
tirados não só da nossa linguagem comum, mas também da própria
Bíblia:

1º — É muito comum dizer-se, diante de um retrato ou de uma


estátua: Este Napoleão, este César, este Hitler. Ora, aí
evidentemente o verbo tem o sentido de , as
frases equivalem a: Isto representa Napoleão, isto representa César,
isto representa Hitler.

2º — Na própria Bíblia se encontram também exemplos: As sete


vacas formosas e as sete espigas gradas sete anos de
abundância (Gênesis XLI-26). Os dez cornos deste mesmo reino
dez reis (Daniel VII-24). A semente a palavra de Deus
(Lucas VIII-11). Esta pedra Cristo (1ª Coríntios X-4). Ora, nestas
frases se vê claramente o verbo com o sentido de simbolizar e
representar: As vacas formosas sete anos de
abundância. Os dez cornos dez reis. A semente
a palavra de Deus. Esta pedra ou
Cristo.

É isto justamente o que Jesus quis dizer: Isto representa ou


simboliza o meu corpo. Isto representa ou simboliza o meu sangue.

— Não há verbo que mais exprima a realidade de uma coisa do que


o verbo ser: uma coisa ou ou . É deste verbo que nos
servimos quando queremos asseverar com a maior firmeza. Se em
alguns casos especiais o verbo aparece com o sentido de
representar ou simbolizar, isto não me dá o direito de em qualquer
momento interpretar o verbo neste sentido. Assim cairiam por
terra as mais seguras afirmações.

A seguir este método, qualquer herege poderia diante de afirmações


como estas: Jesus o Cristo, Filho de Deus (João XX-31), Ele a
propiciação pelos nossos pecados (1ª João II-2) dizer: “Não; Jesus
representa, simboliza o Filho de Deus; simboliza, representa a
propiciação pelos nossos pecados. E provo-o com frases em que o
verbo significa representar”.

Tem que haver, portanto, regras, sinais para se conhecer quando é


que o verbo significa simbolizar e quando é o que o verbo
significa mesmo de verdade.

Vejamos estas regras.


Emprega-se o verbo no sentido de representar, quando o objeto
é feito especialmente, é por sua natureza destinado a este fim:
simbolizar ou representar alguma pessoa ou alguma coisa. É claro
que uma estátua, um retrato são feitos exclusivamente para esta
finalidade: representar a pessoa. É muito natural, portanto, que
diante da estátua ou do retrato de Napoleão, de César ou de Hitler,
estátua ou retrato que reproduz fielmente as suas feições, alguém
diga: Este é Napoleão ou — Este é César ou — Este é Hitler. Todos
entendem perfeitamente esta linguagem. Basta, porém, que a
estátua esteja mal feita, reproduza algumas, porém não todas as
feições da pessoa em apreço para logo se protestar, dizendo: Não,
este não é Napoleão. Não; este não é César. Este não é Hitler.

Ora, um pão ou um pedaço de pão não foi feito para isto: foi feito
para se comer, não para representar ou simbolizar alguém. Não
reproduz as feições de quem quer que seja. Se alguém tomasse um
pedaço de pão e dissesse: Este é César ou este é Hitler, se tomaria
esta palavra apenas como uma troça e nada mais. E Jesus nunca
troçou. Se Ele toma um pedaço de pão e podendo dizer: Isto
representa, isto simboliza o meu corpo, isto é uma figura de meu
corpo, diz abertamente: Isto o meu corpo, Ele que, sabiam os
Apóstolos, tinha e tem um poder infinito; é porque queria dizer que
na realidade aquilo o seu corpo.

Emprega-se o verbo no sentido de representar, simbolizar,


quando se está explicando a significação de cada uma das
personagens ou coisas que fazem parte de uma parábola, de uma
história simbólica, de uma alegoria ou de um sonho. Porque estas
personagens ou coisas foram imaginadas, inventadas ou escolhidas
precisamente para isto: para que cada uma delas
ou outra pessoa ou outra coisa.

É o caso, portanto, do sonho do Faraó. Deus lhe mandou aquele


sonho para que tudo aquilo que ali se via tivesse uma significação
especial, fosse um símbolo adequado. Por isto José, ao explicá-lo,
diz: As sete vacas formosas e as sete espigas gradas são sete anos
de abundância (Gênesis XLI-26) — isto é, representam, simbolizam.

É o caso do sonho de Daniel, relatado em todo o capítulo VII do livro


do mesmo nome; aquele que lhe explica o sonho dá a significação
dos dez cornos.

É o caso da parábola do semeador, uma história que Nosso Senhor


imaginou para daí tirar um ensino moral. Tudo ali tem a função de
um símbolo. E explicando a parábola, Ele diz: A semente a
palavra de Deus (Lucas VIII-11). Todos percebem claramente que
Ele não quer dizer que é a semente que se planta no chão que é a
palavra de Deus, mas que , ,a
semente a palavra de Deus, isto é, simboliza-a, representa-a,
porque foi imaginada toda a história precisamente para isto: para
concretizar o mecanismo da pregação.

É o caso, finalmente, da alegoria empregada por S. Paulo, como já


tivemos ocasião de explicar (nº 160). Daquilo que aconteceu com os
judeus no deserto, S. Paulo tira uma alegoria, na qual cada
elemento da história passada com os judeus é figura ou
representação de alguma coisa. Assim a passagem do Mar
Vermelho, Moisés, a nuvem, o maná, cada qual é um símbolo. E
nesta distribuição a pedra Cristo, isto é, simbolizava ou
representava Cristo.

Ora, Jesus na Última Ceia não contou nenhuma parábola, nenhuma


história, não fez nenhuma alegoria cuja significação estivesse
explicando. Simplesmente tomou o pão e disse: Isto o meu corpo,
Ele que tinha meios no seu poder infinito para mudar o pão no seu
próprio corpo. Tomou o cálice e disse: Isto o meu sangue, Ele que,
sendo Deus, tinha o poder de realizar os maiores prodígios, e
portanto podia converter o vinho em seu próprio sangue.

Além disto, há uma grande diferença entre as frases: As sete vacas


formosas são sete anos de abundância, os dez cornos serão dez
reis, a semente é a palavra de Deus, esta pedra era Cristo — e
estas outras: Isto é o meu corpo ou Este é o meu corpo.

É que aquelas frases têm um sujeito de sentido claro e determinado.


Uma vez que o verbo aí identifica noções tão disparatadas
como e , e , e , e
C , a gente logo percebe que se trata de um símbolo, de uma
representação.

Mas na frase: Isto é o meu corpo ou Este é o meu corpo, o sujeito


da oração ou não tem nenhum sentido determinado. Pode
significar qualquer coisa. Quem vai determinar o seu sentido é
justamente a palavra que se segue ao verbo : Isto é
— ou — Este é .

E para tomar aí o verbo no sentido de representar, não


encontram nenhuma brecha os protestantes, porque o próprio
Divino Mestre tinha dito clarissimamente diante dos judeus
estupefactos: A minha carne é comida; e o meu
sangue é bebida (João VI-56).

O memorial da Paixão.

323. Mas insistem os protestantes:

— Jesus disse, referindo-se à sua Ceia e ordenando aos seus


discípulos que também a fizessem: Fazei isto em de mim
(Lucas XXII-19). Ora, celebra-se a de uma pessoa que
está ausente, não de uma pessoa que está presente. Logo, Cristo
não está presente na Hóstia, e a Eucaristia não passa de um
memorial.

— Que a Eucaristia é um memorial, que é realizada em memória de


Cristo, não temos nenhuma dúvida. Que seja um
memorial, é falso; neste ponto estão enganados redondamente os
protestantes.
O que é que comemoramos na Eucaristia? A paixão e a morte de
Jesus Cristo: Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes
este cálix, S , até que Ele venha (1ª
Coríntios XI-26). É, portanto, o grande acontecimento da morte
redentora de Cristo, que rememoramos na Eucaristia. Isto não obsta
a que esta recordação seja feita com o próprio Cristo invisivelmente
presente em nossos altares. Ao contrário, esta comemoração se faz
muito mais naturalmente, de maneira mais viva e com muito menos
esforço do que se faz entre os protestantes. Vemos no altar
realmente presente o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou
melhor, o discernimos pelos olhos da nossa fé. Vemos igualmente
no altar, pelos olhos da nossa fé, o seu Preciosíssimo Sangue. E
logo nos lembramos do Sacrifício do Calvário, onde este mesmo
sangue se separou deste mesmo corpo, porque foi derramado por
nós. Ao passo que é preciso muito esforço para que eu, pelo
simples fato de comer um pedaço de pão (que é pão e nada mais) e
beber um pouco de vinho (que é vinho e nada mais), me lembre da
Paixão de Jesus Cristo. Os judeus, imolando o cordeiro na sua festa
de Páscoa, faziam uma representação mais viva da Paixão do
Redentor do que fazem os protestantes comendo pão e bebendo
vinho.

E quem foi que disse que só se pode um fato, estando


ausente o seu personagem principal, o autor deste feito? D. Pedro Iº
proclamou a 7 de setembro de 1822 a independência do Brasil, que
foi a nossa libertação. Não podiam muitos brasileiros nos anos
seguintes fazer grandes festas em comemoração do acontecimento,
D. P Iº, louvando-o,
enaltecendo-o e dando-lhe graças pelo que fez outrora? Não se
podia fazer isto indefinidamente, porque D. Pedro Iº havia de morrer,
ou havia, antes disto, de retirar-se do Brasil. Mas com Jesus é
diferente: Ele foi para os Céus, mas tem poder sem limites para se
tomar realmente presente nos nossos altares, quantas vezes quiser,
na Santa Missa, em que comemoramos a sua Paixão e Morte
Redentora.
A Eucaristia é, portanto, símbolo e ao mesmo tempo realidade. A
memória da paixão do Mestre nos vem através da realidade
sacramental.

Disposições para bem comungar.

324. E a prova de que a Eucaristia não é apenas uma simples


recordação, mas contém o próprio corpo e sangue de Jesus Cristo,
está nas palavras de S. Paulo, ao indicar as disposições com que o
cristão há de recebê-la. Tem que ser com a alma contrita, com a
consciência limpa, porque, se assim não fizer, será culpado de crime
contra o corpo e o sangue do Salvador, como tendo maltratado este
corpo, conculcado, profanado este sangue: Todo aquele que comer
este pão ou beber o cálix do Senhor indignamente
S .E , ,
, e assim coma deste pão e beba deste cálix. Porque todo
aquele que o come e bebe indignamente, come e bebe para si a
condenação, S (1ª Coríntios
XI-27 a 29).

Não se podia pintar com cores mais vivas o sacrilégio daquele que,
com o pecado mortal na sua alma, ousa aproximar-se da mesa
eucarística para receber o próprio Jesus. Mas, se na Eucaristia está
somente pão e vinho, que crime haveria para o pecador que não
está contrito, em comer pão e beber vinho? Se a Eucaristia é uma
recordação da paixão de Cristo e nada mais, que crime haverá para
aquele que se acha em estado de pecado, em lembrar-se daquela
morte redentora? Ao contrário, em vez de ser um crime, seria uma
lembrança salutar para melhor convertê-lo, excitá-lo à confiança e
aproximá-lo de Deus. Nisto não haveria nunca uma ofensa ao
próprio corpo e sangue de Jesus.

A imagem de Jesus Crucificado, que possuímos nas nossas igrejas,


em que se representa o Divino Salvador em sua agonia, todo
coberto de chagas e ensanguentado, traz imediatamente àquele que
a contempla uma lembrança viva da Paixão do Redentor, excitando
a contrição em muitas almas; e no entanto, segundo a mentalidade
dos protestantes, não merece nenhuma veneração da nossa parte.
Como é, então, que um simples pedaço de pão e um pouco de
vinho, servindo apenas de da Paixão do Senhor (porque
nem imagens poderiam ser), hão de ser considerados tão sagrados,
tão sublimes, que quem os recebe com respeito e acatamento, mas
com a alma ainda manchada pelo pecado, se toma ipso facto um
réu do corpo e do sangue do Salvador?

A palavra , que vem neste trecho de S. Paulo,


corresponde no texto grego ao verbo que quer dizer
distinguir, separar, discriminar. Aquele que recebe indignamente a
Eucaristia não distingue o S do pão vulgar. O pão
vulgar, qualquer pessoa o pode receber em estado de pecado. Não,
porém, o S .

É, portanto, mais um a ajuntar-se àqueles outros


versículos que já vimos no Capítulo VI de S. João (João VI-52 a 58)
e às palavras tão formais, tão decisivas do Divino Mestre na sua
última Ceia.

A segunda vinda de Cristo.

325. Diante deste texto tão evidente, se percebe como é fraca e


insustentável a objeção tirada pelos protestantes desta mesma 1ª
Epístola aos Coríntios: Todas as vezes que comerdes este pão e
beberdes este cálix, anunciareis a morte do Senhor, até que E
(1ª Coríntios XI-25). Logo, dizem os protestantes, Jesus não
vem aos altares católicos; virá, sim, ao mundo no último dia.

— Sabemos pelas Escrituras que Jesus virá no último dia


aos olhos de todos, os que creram e os que não
creram e com grande poder e majestade (Lucas XXI-27), para julgar
a todos os homens. Quando fala nesta segunda vinda de Cristo, a
Bíblia não precisa usar de todas as minúcias, diz simplesmente
S ,J e todos entendem de que vinda ela
está falando, é a vinda visível aos olhos de todo o mundo, a vinda à
Humanidade toda reunida no final que tempos: Nós outros que
vivemos, que temos ficado aqui para a S , não
preveniremos aqueles que dormiram (1ª Tessalonicenses IV-14)
está reservada a coroa de justiça que o Senhor, justo juiz, me dará
naquele dia; e não só a mim, senão também àqueles que amam a
sua (2ª Timóteo IV-8). Permanecei nEle para que, quando Ele
aparecer, tenhamos confiança e não sejamos confundidos por Ele
na sua (1ª João II-28). Este Jesus que, separando-se de vós,
foi assunto aos Céus, assim , do mesmo modo que O haveis
visto ir ao Céu (Atos I-11).

Jesus Cristo — é uma frase muito simples e curta que exprime,


de modo que todos entendem, a sua segunda vinda a esta terra, no
dia do juízo final. Mas que se segue daí? Segue-se que Jesus não
está presente aqui na terra? Ele está presente, porque é Deus, é a
Segunda Pessoa da SSma Trindade, e Deus está em toda a parte.
Segue-se daí que Ele não misticamente à alma do justo?
Não; porque disse Jesus: Se algum me ama, guardará a minha
palavra, e meu Pai o amará; e a ele e faremos nele
morada (João XIV-23). Segue-se daí que Ele esteja proibido de
aparecer a alguma pessoa? Não; porque Ele apareceu a Saulo,
depois da Ceia Larga, depois de sua subida aos Céus: Eu sou
Jesus, a quem tu persegues (Atos XXVI-15). Logo, esta segunda
não impede absolutamente a sua presença eucarística.

As palavras — anunciareis a morte do Senhor até que E —


exprimem, apenas, que a Eucaristia perdurará até o fim dos séculos,
quando se dará a vinda do Senhor com todo seu esplendor e
majestade e daí por diante os verdadeiros seguidores de Cristo não
precisarão mais da Eucaristia, porque terão outra maneira celestial e
mais perfeita de se unirem perpetuamente com Ele.

Teria Cristo comungado?


326. Para armar efeito, os protestantes aparecem ainda com a
seguinte objeção: Jesus Cristo participou da última Ceia. Ora, seria
absurdo que Jesus Cristo tivesse comido seu próprio corpo e bebido
o seu próprio sangue. Não se concebe que uma pessoa coma a si
mesma. Logo, ali não estava o corpo nem o sangue de Jesus, mas
apenas um símbolo.

— Primeiro que tudo,


J ,
.

E uma coisa é dizer que Jesus participou da Última Ceia; outra coisa
muito diferente é dizer que Jesus na Última Ceia.
Porque, como já dissemos, houve ali 2 ceias: a legal e a eucarística;
como provam os protestantes que Jesus participou da ceia
eucarística? Apresentam esta palavra do Mestre: Não beberei
jamais deste fruto da vide, até chegar aquele dia em que o beba
novo no reino de Deus (Marcos XIV-25). Logo, dizem eles, Jesus
participou do cálice da Eucaristia.

Mas, como já dissemos (nº 318), faziam-se na Ceia Legal, pelo


menos 3 distribuições de vinho, a primeira no começo de tudo e
acompanhada destas palavras: Bendito seja o Senhor que criou o
.

S. Lucas apresenta estas palavras: Não tornarei a beber do fruto da


vide, enquanto não chegar o reino de Deus (Lucas XXII-18) como
ditas por Jesus , que
ele descreve nos dois versículos seguintes (19 e 20). E estas
palavras são uma alusão muito clara à fórmula com que se benzia o
primeiro cálice distribuído na ceia judaica: Bendito seja o Senhor
que criou o . Portanto aí se prova que Jesus bebeu
o vinho com seus discípulos, naquela ceia pascoal, mas não que
tenha bebido do vinho consagrado.
É verdade que os outros dois evangelistas S. Mateus e S. Marcos
põem estas palavras: Não beberei mais deste fruto da vide etc,
depois da consagração do pão e do vinho.

Mas é preciso notar o seguinte:

1º — Os Evangelistas nem sempre costumam seguir exatamente a


ordem cronológica. E não é preciso ir muito longe para provar isto.
Aí mesmo na descrição da Última Ceia, S. Lucas põe depois da
consagração do pão e do vinho estas palavras de Cristo: Eis aí a
mão de quem me há de entregar, está à mesa comigo (Lucas XXII-
21) ao passo que S. Mateus e S. Marcos as colocam antes (Mateus
XXVI-23; Marcos XIV-18). Há contradição nisto? Não. Apenas a
ordem cronológica não é seguida. E agora perguntamos: Quem está
mais autorizado a nos dizer em que ocasião Jesus disse: Não
beberei mais do fruto da vide, ou seja, se foi antes ou depois da ceia
eucarística — S. Lucas, que é o único a relatar de uma certa
maneira as 2 ceias, ou S. Mateus e S. Marcos que falam
exclusivamente da ceia eucarística?

2º — Ainda mesmo supondo que Jesus tenha dito estas palavras


depois de tudo, quando terminou a Ceia, imaginemos agora que
também Ele só participou da ceia legal, só bebeu o vinho antes da
consagração. Não podia Ele no fim de tudo ter dito: Não beberei
mais do fruto da vide referindo-se à ceia pascoal, que de fato Ele
não celebraria mais com os seus discípulos? As palavras de Jesus
são uma simples palavra de despedida, às vésperas de sua morte.

O outro argumento apresentado é também muito fraco, ou melhor, é


um argumento nulo. S. Lucas, ao descrever a consagração do
cálice, diz que Jesus tomou também da mesma sorte o cálix
, dizendo: Este cálix é o novo testamento em meu sangue
(Lucas XXII-20). O mesmo diz S. Paulo: Por semelhante modo,
, tomou também o cálix dizendo: Este cálix
é o novo testamento no meu sangue (1ª Coríntios XI-25). Ora, dizem
os protestantes, se na consagração do vinho se diz que Jesus a fez
é sinal que Ele participou do pão
consagrado. Logo, Jesus tomou a Eucaristia.

— Mas as palavras indicam apenas que Jesus


participou da ceia legal, comendo o cordeiro, pois também
descrevendo a consagração do pão, o Evangelho nos diz que nesta
hora .E eles, porém, , tomou
Jesus o pão e o benzeu e partiu-o e deu-o a seus discípulos e disse:
Tomai, e comei; este é o meu corpo (Mateus XXVI-26) E
, tomou Jesus e pão e depois de o benzer
partiu-o e deu-lho e disse: Tomai, este é o meu corpo (Marcos XIV-
22). S. Lucas mostra primeiro uma distribuição do cálice entre os
discípulos (XXII-17) para depois mostrar a consagração do vinho
(XXII-19), sinal, portanto de que já estavam (ceia legal),
quando se deu a consagração.

S. Lucas e S. Paulo, frisando que a consagração do vinho foi feita


por Jesus , quererão, quando muito,
significar que, enquanto a consagração do pão foi feita no decorrer
da ceia legal ou comum, a consagração do vinho foi feita depois de
tudo. Jesus , sim, com seus discípulos, mas o que se sabe ao
certo é que Ele participou da ceia legal; de que Ele tenha participado
da ceia eucarística, não há nenhum indício na Bíblia.

Quanto ao outro argumento que apresentam é também fraquíssimo.


Diz S. Marcos: E tendo tomado o cálix, depois que deu graças, lho
deu e (Marcos XIV-23). Ora, dizem os
protestantes, beberam; logo também Jesus bebeu.

— Mas daí se segue apenas que beberam,


não que Jesus bebeu, pois S. Marcos acabara de dizer que Jesus
dera o cálice a seus discípulos - (no grego:
= deu a eles).

S. Mateus nos mostra Jesus dizendo aos seus discípulos, a respeito


do cálice: B (Mateus XXVI-27), assim como
também dissera a respeito do pão consagrado: T
(Mateus XXVI-26). Jesus nunca disse: Bebamos dele todos; nem:
tomemos e comamos. É sempre uma ordem para que seus
discípulos comam e bebam o alimento e bebida eucarística.

T (Marcos XIV-23) refere-se evidentemente aos


discípulos, a quem Jesus ofereceu o cálice, dizendo: B
(Mateus XXVI-27), estes mesmos discípulos que tinham
recebido ordem: T (Mateus XXVI-26).

Um inexperiente leitor da Bíblia que só conheça o texto em


português ainda pode atrapalhar-se, pois se diz em vários textos
sobre a Ceia que Jesus o pão, o cálice, antes de dar
a seus discípulos.

E o verbo tem dois sentidos em português:

T = agarrar, segurar, suspender: tomou o livro e leu.

T = engolir, beber, absorver: tomar água, tomar a refeição.

Mas pelo texto grego se vê claramente que se trata do primeiro


sentido, pois invariavelmente em todos estes versículos sobre a ceia
o verbo T corresponde ao verbo grego que nunca
significa comer ou beber, mas sempre tomar entre as mãos, segurar,
recolher, apoderar-se de alguma coisa etc.

Nada há de certo, de positivo, portanto, quanto a Jesus ter


participado da comunhão na Última Ceia.

Mas suponhamos mesmo que Jesus tenha recebido a Eucaristia e


sob as duas espécies. Não há motivo para tamanho espanto e
escarcéu a respeito disto. A Eucaristia é um mistério; é o efeito de
um poder infinito que assombra a nossa razão. E não é o fato de
Jesus ter participado ou não da ceia eucarística que vai aumentar
ou diminuir o mistério.
Todo o mal dos protestantes no caso é querer materializar por
demais as coisas, exatamente como faziam os judeus de outrora,
quando o Mestre lhes disse que daria a sua carne para comer e o
seu sangue para beber. Querem argumentar como se se tratasse de
nutrir-se do corpo de Cristo , assim como se devora
a carne de porco ou de cabrito ou como se engole a carne que é
comprada nos açougues. De fato, se se tratasse de uma nutrição
assim material, Jesus não poderia comer , mas
(mesmo dentro desta hipótese grosseira) já não seria impossível
que comesse uma boa parte. Não é impossível que um homem
esteja com fome e chegue a comer uma boa parte de seu braço ou
de sua perna, ou chegue a beber uma boa parte de seu próprio
sangue. Isto se se tratasse de uma refeição carnal. Mas aqui se
trata de alimentar-se do corpo de Cristo, não , como
quem come pedaços de carne ou bebe um bocado de sangue, mas
de uma maneira .

Não há absurdo, portanto, em que assim como milhões e milhões de


pessoas podem abrir a boca e receber aquele pão celeste ou beber
aquele Sangue Preciosíssimo, o próprio Cristo também o fizesse.

A única objeção que se poderia fazer era que Cristo não


necessitava deste alimento. Mas onde é que se prova que Cristo só
fez aquilo que para si era necessário? Tinha, por acaso,
necessidade de receber o batismo de penitência ministrado por
João? Mas não quis ser batizado por ele, para dar o exemplo aos
seus contemporâneos? Tinha Ele, porventura, necessidade de jejuar
quarenta dias e quarenta noites? Entretanto Jesus jejuou, para nos
dar o exemplo: Jesus começou a e a ensinar (Atos I-1).

Recebendo sacramentalmente o seu próprio corpo e o seu próprio


sangue, Jesus não teria com isto um aumento de graça santificante,
mas uma certa consolação por sentir naquela comunhão os efeitos
de união íntima com as almas que este grande sacramento iria
produzir, e assim se alegraria com o bem imenso que na Eucaristia
iria produzir em muitos corações, pois coisa mais bem-aventurada é
dar que receber (Atos XX-35).

Assim pensa, entre outros, S. Tomás que, apesar de não ver no


Evangelho nenhuma prova de que Jesus tivesse comungado, tão
longe estava de ver nisto um absurdo, que achava (apenas como
uma opinião pessoal) que Cristo haveria de ter comungado. É esta a
opinião também de S. Jerônimo, de S. Agostinho e de S. João
Crisóstomo, contrária à opinião de S. Hilário e de outros exegetas.
Não se vê nenhuma prova; mas uns acham que sim, porque opinam
que o Mestre se adiantaria a dar o exemplo; outros acham que não,
porque não veem nenhuma necessidade disto.

Não é de admirar que os protestantes queiram ver aí um absurdo;


para os protestantes tudo, na presença real, é um ; para
nós, católicos, tudo na Eucaristia é .

O Pão Celestial.

327. Finalmente alegam os protestantes que a Eucaristia é


chamada .O que partimos não é a participação do corpo do
Senhor? (1ª Coríntios X-16). Todo aquele que comer este ou
beber o cálix do Senhor indignamente será réu do corpo e do
sangue do Senhor (1ª Coríntios XI-27). Todas os vezes que
comerdes este e beberdes este cálix, anunciareis a morte do
Senhor até que Ele venha (1ª Coríntios XI-26).

— Primeiro que tudo, a palavra , conforme já tivemos ocasião de


explicar (nº 312), não só designa um alimento especial feito com
trigo ou centeio etc, mas é também um termo genérico para
designar qualquer alimento. Pedimos a Deus: O nosso de cada
dia nos dá hoje (Lucas XI-3) e é claro que não nos queremos
alimentar de pão somente. Nosso Senhor vai fazer refeição em casa
de um dos principais fariseus (Lucas XIV-1) e o texto original diz que
Ele foi lá comer ( ). Nesta mesma refeição, um
dos convivas diz a Jesus: Bem-aventurado o que comer o no
reino de Deus (Lucas XIV-15). S. Paulo diz: Nem comemos de graça
o de algum (2ª Tessalonicenses III-8). Jesus diz à cananeia:
Não é bom tomar o dos filhos e lançá-lo aos cães (Mateus XV-
26). Diz a Escritura: O que come o comigo levantará contra mim
o calcanhar (João XIII-18). Vê-se claramente nestes textos a palavra
no sentido geral de alimento.

Também nós, católicos, dizemos na liturgia


, , sem duvidarmos absolutamente que ali
esteja Jesus Cristo realmente presente. E é bem significativo o
cuidado que tem S. Paulo na sua epístola em dizer: comer o pão e
beber o cálice. Ele não diz: comer o pão e beber o vinho. Porque
todos entendem que é um alimento qualquer. O pão eucarístico
deixou de ser pão no sentido específico, (pão de trigo), mas
continuou a ser pão no sentido genérico, porque é o nosso
espiritual.

Mas, ainda que se dissesse: comer o pão e beber o vinho, mesmo


assim não ficava provado que Jesus não estivesse ali realmente
presente. Porque é costume na linguagem das Escrituras, quando
uma coisa se muda em outra, conservar, ainda mesmo depois de
mudada, o nome antigo. Por exemplo: Quando Arão diante de Faraó
converteu em cobra a sua vara e depois compareceram os sábios e
mágicos que transformaram suas varas em dragões, mesmo depois
de transformadas, a Bíblia continua a chamá-las : E lançaram
cada um deles a sua vara, as quais se converteram em dragões,
mas a de Arão devorou deles (Êxodo VII-12). E o
cego de nascença, mesmo depois de curado, ainda é chamado
: Perguntaram, pois, ainda ao : Tu que dizes daquele que
te abriu os olhos? (João IX-17).

O fruto da vinha.

328. Por aí se vê ainda que as palavras de Jesus: Não beberei


mais deste fruto da vinha, as quais, já vimos, podem perfeitamente
referir-se apenas à ceia pascoal, ainda mesmo que se referissem à
ceia eucarística, não indicariam com isto que o sangue de Jesus
não estava ali no cálice. Dar-se-ia, neste caso, a designação daquilo
que era dantes. E mesmo, assim como Jesus que é Deus, que é a
2ª Pessoa da Santíssima Trindade é chamado fruto do ventre de
Maria SSma simplesmente porque esta contribuiu, como mãe, para
formação de seu corpo (bento é o do teu ventre — Lucas I-
42), assim também Jesus Eucarístico bem pode ser chamado o fruto
da vinha, porque é da vinha que se produz a Eucaristia; a vinha
contribui com os acidentes — a cor, o gosto, o sabor, a aparência
etc, sob os quais se oculta Jesus, em uma das espécies, no
Santíssimo Sacramento.

Bagatelas.

329. Por isto tinha razão Lutero, quando classificava da seguinte


maneira os argumentos dos outros protestantes contra a presença
real de Jesus Cristo na Eucaristia: “São bagatelas, zombarias,
argumentos frívolos e que não valem nada, razões tolas e pueris.”

Realmente, se não se quer acreditar no mistério, isto é outra coisa.


Mas que este mistério eucarístico, diante do qual se têm curvado
todas as gerações católicas, incluindo homens de todos os graus de
intelectualidade, desde os mais rudes até os geniais como S. Tomás
de Aquino, que este mistério está ensinado na Bíblia, de maneira
bem clara, bem decisiva e insofismável, não há dúvida alguma.
A Missa e a Cruz
A Ordem dada aos Apóstolos.

330. Realizando aquela ceia eucarística, Jesus ordenou aos seus


Apóstolos que a repetissem e realizassem no decorrer de sua vida:
F em memória de mim (Lucas XXII-19). Não quis somente
que houvesse este rito durante a vida dos Apóstolos, mas que se
celebrasse perpetuamente até o fim do mundo: Todas as vezes que
comerdes este pão e beberdes este cálix anunciareis a morte do
Senhor, E (1ª Coríntios XI-26). E mesmo, como
provaremos no capítulo seguinte, os Apóstolos haviam de ter e de
fato providenciaram para continuar a sua missão.

Ora, como já provamos, o que Jesus realizou naquela ceia


eucarística não foi uma cerimônia banal de comer pão e beber
vinho. Mudou o pão no seu próprio corpo e o vinho no seu próprio
sangue. Daí se vê o poder extraordinário que foi concedido aos
Apóstolos e seus sucessores, ou seja, aos Apóstolos e àqueles a
quem eles transmitissem os seus poderes.

Mas ainda há outro ponto muito interessante a considerar na ceia


eucarística. É que ela foi também um verdadeiro e real sacrifício. E
assim a ordem: Fazei isto em memória de mim inclui a determinação
de renovar este sacrifício perpetuamente.

Por que motivo seja necessária esta renovação, o que tanto intriga
os protestantes, nós explicaremos claramente daqui a pouco (nos
336 a 338).

Antes, porém, para bem esclarecer o assunto, temos que dar uma
noção geral do que seja .

Noção de sacrifício.
331. Tratamos aqui do . Porque é claro que
qualquer pessoa pode oferecer a Deus um sacrifício, no sentido de
um ato interno, pelo qual se priva de alguma coisa ou faz uma
mortificação de seus desejos, de suas paixões, de suas inclinações;
e ninguém pode desconhecer quanto isto é agradável aos olhos de
Deus, mas não é desses sacrifícios que vamos falar.

Trata-se aqui de um ato externo da Religião, de um ato do culto


público. E este é privativo dos sacerdotes que para isto foram
constituídos: Faze também chegar a ti Arão, teu irmão, com seus
filhos, I , para que eles
exerçam diante de mim as funções do : Arão, Nadab,
Abiu, Eleazar e Itamar (Êxodo XXVIII-1). A ti, Osias, não é que
pertence o queimar incenso ao Senhor, mas aos sacerdotes, isto é,
aos filhos de Arão que foram consagrados para este ministério (2º
Paralipômenos XXVI-18). Todo o pontífice assunto dentre os
homens é constituído a favor dos homens naquelas coisas que
tocam a Deus, para que ofereça dons e pelos
pecados... E nenhum usurpa para si esta honra, senão o que é
chamado por Deus, como Arão (Hebreus V-1 e 5).

Em que consiste este ?

É um ato de culto externo e público, em que o sacerdote em nome


do povo oferece a Deus (e isto se chama ) uma coisa
sensível. Oferecida a Deus, ela se torna assim uma coisa sagrada,
porque é consagrada ao Senhor. O fim deste oferecimento é
manifestar o homem a sua dependência com relação a Deus, os
sentimentos de seu coração para com Ele, unir-se mais
estreitamente à Divindade, aplacar a sua ira, granjear os divinos
favores. É um que se faz a Deus, renunciando à
propriedade de alguma coisa numa homenagem em que se procura
conquistar para nós a benevolência divina.

O que é que se oferecia a Deus? Às vezes se ofereciam os produtos


agrícolas. E aí temos os sacrifícios incruentos, ou seja, sem haver
morte nem ferimentos.

Lemos no Gênesis que Caim ofereceu ao Senhor os seus dons dos


frutos da terra (Gênesis IV-3). Vemos determinações sobre estes
sacrifícios incruentos, por exemplo, no livro do Levítico: Quando
qualquer pessoa fizer ao Senhor alguma oferta de sacrifício, a sua
oblação será da e derramará sobre ela azeite e
porá incenso e a levará aos sacerdotes, filhos de Arão e um deles
tomará um punhado da flor de farinha com azeite e todo o incenso e
fa-la-á queimar sobre o altar por memória, em suavíssimo cheiro
para o Senhor. E o que ficar do sacrifício será para Arão e para seus
filhos e será uma coisa santíssima das ofertas do Senhor. Mas,
quando tu ofereceres um sacrifício de coisa cozida no forno, serão
pães asmos de flor de farinha amassados com azeite e filhoses
asmas untadas com azeite... Se, porém, fizerdes ao Senhor oferta
dos teus próprios frutos, que seja de espigas ainda verdes, torrá-las-
ás ao fogo e quebrá-las-ás à maneira de farro (Levítico II-1 a 4, 14).

Outras vezes se ofereciam sacrifícios ou de gado graúdo como bois,


ou de gado miúdo como bodes e carneiros. Matava-se a vítima.
Faziam-se com o sangue do animal aspersões sobre o altar. E se
queimava o animal, ou totalmente (e neste caso o sacrifício se
chamava ), ou parcialmente, reservando-se outra parte
para ser comida. O animal a ser sacrificado chamava-se H .

É importante observar que o comer a vítima sacrificada a Deus, que


era, portanto, uma coisa sagrada, trazia também consigo a ideia de
uma maior união, de uma certa comunhão com a Divindade.

Quatro finalidades dos sacrifícios.

332. Os sacrifícios eram oferecidos para quatro fins.

Um deles era a e aí temos o sacrifício . Era o


holocausto o que melhor exprimia esta adoração, pois a vítima se
consumia inteiramente, havendo para isto um fogo de muitas horas;
Esta é a lei do holocausto: O holocausto queimar-se-á no altar toda
a noite até pela manhã; o fogo tomar-se-á do mesmo altar; o
sacerdote se vestirá de túnica e da roupa interior de linho e tomará
as cinzas que o fogo voraz fez e pondo-as junto ao altar, se
despojará dos seus primeiros vestidos e, vestido doutros, as levará
para fora do campo e fará que num lugar bem limpo se consuma
inteiramente tudo (Levítico VI-9 a 11). Esta total destruição era um
sinal de reconhecimento do domínio absoluto de Deus sobre tudo e
também sobre a vida e a morte.

Às vezes era a : Se a oferta for por ação de graças,


oferecer-se-ão pães sem fermento amassados em azeite e tortas
asmas untadas de azeite e flor de farinha cozida e filhoses
amassadas com mistura de azeite (Levítico VII-12).

Outras vezes era a . E o Levítico traz várias


determinações, por exemplo, nos capítulos 4º, 5º e 6º sobre as
diversas maneiras de oferecer estes sacrifícios de acordo com os
pecados e com as pessoas que os tivessem cometido.

Finalmente o sacrifício podia também revestir-se do aspecto de uma


: Se alguém oferecer uma hóstia por voto ou
, também esta será comida no mesmo dia
(Levítico VII-16).

O valor dos sacrifícios antigos.

333. Mas que valor tinham diante de Deus um animal que se


matava ou os frutos da terra que se Lhe ofereciam?

Tinham valor, enquanto eram a manifestação externa do sentimento


íntimo de cada um. Para que os sacrifícios fossem agradáveis aos
Céus na Lei Antiga, era preciso que na realidade correspondessem
à sinceridade das disposições do povo que os oferecia a Deus. Daí
vemos a crítica que faziam os profetas sobre estes sacrifícios,
quando eles não eram a expressão verdadeira de um sentimento
sincero. Não que eles fossem adversários do sacrifício, o qual era
prescrito, determinado, regulamentado pelo próprio Deus, mas
reclamavam, quando os viam serem oferecidos sem o
com que se deviam oferecer, e assim perderem todo o seu
valor. É por isto que diz Samuel: Porventura quer o Senhor os
holocaustos e as vítimas e não quer que antes se obedeça à voz do
Senhor? A obediência é, pois, melhor do que as vítimas, e mais vale
obedecer do que oferecer a gordura dos carneiros (1º Reis XV-22).
Assim falam também os outros profetas: De que me serve a mim a
multidão das vossas vítimas? diz o Senhor. Já estou farto delas; não
quero mais holocaustos de carneiros, nem gordura de animais
médios, nem sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de
bodes... Lavai-vos, purificai-vos, tirai de diante de meus olhos a
malignidade de vossos pensamentos, cessai de obrar
perversamente, aprendei a fazer bem, procurai o que é justo,
socorrei ao oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a viúva (Isaías
I-11, 16 e 17). Eis aí farei eu vir calamidades sobre este povo, fruto
dos seus pensamentos; porque não ouviram as minhas palavras e
rejeitaram a minha lei... Os vossos holocaustos não me são aceitos,
nem as vossas vítimas me agradaram (Jeremias VI-19 e 20). Eu
conheço as vossas muitas maldades e os vossos fortes pecados:
inimigos do justo, que aceitais dádivas e oprimis os pobres na
porta... Se vós me oferecerdes os vossos holocaustos e os vossos
presentes, eu os não aceitarei; e não porei os olhos nos sacrifícios
das hóstias pingues que me oferecerdes em cumprimento dos
vossos votos (Amós V-12 e 22). Que oferecerei eu ao Senhor que
seja digno dEle? encurvarei eu o joelho diante do Deus excelso?
oferecer-Lhe-ei porventura holocaustos e novilhos dum ano? Pode-
se acaso aplacar o Senhor sacrificando-se-Lhe mil carneiros ou
muitos milhares de bodes gordos?... Eu te mostrarei, ó homem, o
que te é bom e o que o Senhor requer de ti: é sem dúvida que obres
segundo a justiça e que ames a misericórdia, e que andes solícito
com o teu Deus (Miqueias VI-6 a 8). A mesma ideia se encontra nos
Salmos: Não receberei de tua casa bezerros, nem cabritos dos teus
rebanhos, porque minhas são todas as feras das selvas e os
animais nos montes e os bois. Conheço todas as aves do céu e a
formosura do campo comigo está. Se tiver fome, não to direi a ti,
porque minha é a redondeza da terra e a sua plenidão. Porventura
comerei carne de touros? ou beberei sangue de cabritos? Oferece a
Deus sacrifício de louvor e paga ao Altíssimo os teus votos. E
invoca-me no dia da tribulação: livrar-te-ei e honrar-me-ás (Salmos
XLIX-9 a 15).

Vê-se claramente aí que havia no sacrifício a ideia de um


oferecido a Deus. Aquele presente simbolizava a alma do homem
oferecendo-se ao Seu Criador; por isto se exigia, por exemplo, um
animal (Levítico I-10; XIV-10; XXII-20), a fim de que
melhor representasse a pureza de sentimentos de quem o oferecia.
É o que se dá também com os presentes que nos oferecem, no
nosso aniversário ou nas nossas grandes datas; embora a oferta
seja pequena, procura-se providenciar para que seja limpa e sem
defeito, com o cuidado de frisar bem que aquele presente, embora
insignificante em si, vale pelo que ele representa, isto é, o afeto
sincero, a estima, a gratidão etc. Mas suponhamos que nós
tivéssemos o dom de conhecer perfeitamente aquilo que se passa
no coração dos outros; e víssemos que, embora nos oferecessem
aqueles presentes, o coração daquelas pessoas estava cheio de
maldade e má vontade contra nós. Aborreceríamos estes presentes,
não é assim? É o que acontecia com Deus. Conhecendo
perfeitissimamente o coração dos homens, enchia-se de indignação
perante sacrifícios externos que eram, não a manifestação de um
coração sincero, de uma alma que realmente se entregava a Deus,
através de suas ofertas, mas sim a prova bem patente de uma
detestável hipocrisia.

Os sacrifícios expiatórios.

334. A esta ideia de um oferecido a Deus, seja para


manifestar um sentimento profundo de ou completa
submissão a Ele, ou de pelos benefícios
recebidos, ou o desejo de agradar-Lhe, de atrair a sua benevolência
a fim de Lhe , se acrescentava também outra
finalidade: nós vemos que havia sacrifícios na Lei Antiga que tinham
como fim .

E uma pergunta logo nos ocorre: Será que aqueles sacrifícios


produziam realmente ?

É claro que . O pecado é uma ofensa feita a Deus, mas uma


ofensa infinita, em vista da infinita distância que medeia entre Deus
e a criatura. Porque nós sabemos que a ofensa aumenta na
proporção desta distância entre o ofendido e o ofensor. Por maior
que fosse o número de bois ou de bodes ou de cordeiros imolados,
por maior que fosse a contrição, a dor, o arrependimento daqueles
que os ofereciam, Deus não recebia uma
por um só pecado de um só homem que fosse, quanto mais pelos
muitos pecados de todos os homens: É impossível que com sangue
de touros e de bodes se tirem os pecados (Hebreus X-4).

Quer dizer então que antes de Cristo ninguém era perdoado de seus
pecados? Não; não quer dizer isto. Deus perdoava, em atenção ao
que ia realizar-se no futuro; Deus aceitava aqueles sacrifícios, não
que tivessem em si um valor suficiente, mas porque eram figura e
representação de
que um dia havia de ser oferecido por Jesus Cristo na cruz;
sacrifício de um , pela morte de um Homem-Deus
cujos atos eram de infinito valor; sacrifício em que se derramaria o
sangue, não de um bode ou de um touro, mas o sangue
infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aí então se
ofereceu um por todos os pecados de todos
os homens de todos os tempos. O que não quer dizer que estes
pecados ficassem ipso facto perdoados, mas sim que a
Humanidade, coletivamente falando, ficou reconciliada com Deus.
Satisfeita a justiça divina que exigiu uma satisfação condigna, abriu-
se o caminho para a imensa misericórdia do Criador. Desde que o
pecador faça o que é necessário da sua parte, encontra Deus
disposto a perdoar-lhe os pecados, por maiores e por mais
numerosos que eles sejam, e isto em atenção ao sangue purificador
de Jesus Cristo.

Neste Augusto Sacrifício da Cruz, Jesus Cristo foi ao mesmo tempo


.

S. Paulo faz então o confronto entre os sacrifícios da Lei Antiga e o


sacrifício de Cristo na Cruz.

Na Antiga Lei se oferecia o sangue de bodes, de bezerros etc, na


Cruz Jesus oferece ao seu próprio sangue; na Antiga Lei se
ofereciam muitos sacrifícios e sacrifícios insuficientes que não
podiam purificar a consciência do que sacrificava (Hebreus IX-9),
Jesus com um alcançou uma Redenção eterna;
na Antiga Lei o sumo sacerdote entrava cada ano em um
tabernáculo construído por mãos de homens, Jesus Cristo, depois
de operar a nossa Redenção, entrou no Céu para ser lá o nosso
Sumo e Eterno Sacerdote: Estando Cristo já presente, pontífice dos
bens vindouros, por outro mais excelente e perfeito tabernáculo, não
feito por mão de homem, isto é, não desta criação, nem por sangue
de bodes ou de bezerros, mas pelo seu próprio sangue entrou uma
só vez no santuário, havendo achado uma redenção eterna. Porque,
se o sangue dos bodes e dos touros e a cinza espalhada duma
novilha, santifica aos imundos para purificação da carne, quanto
mais o sangue de Cristo que pelo Espírito Santo se ofereceu a si
mesmo sem mácula a Deus, limpará a nossa consciência das obras
da morte, para servir ao Deus vivo? (Hebreus IX-11 a 14).

Na Antiga Lei, o sacrifício era oferecido por sacerdotes que, sendo


também pecadores, tinham que oferecer sacrifícios primeiro pelos
seus pecados próprios, depois pelos do povo; Cristo é o sacerdote
santo, inocente, impoluto que se ofereceu uma vez a si mesmo:
, por que os sacerdotes da Antiga Lei eram em grande número e
a morte não permitia que durassem para sempre; Cristo, porém,
permanece eternamente e tem um eterno sacerdócio: E na verdade
os outros foram feitos sacerdotes em maior número, porquanto a
morte não permitia que durassem; mas Este, porque permanece
para sempre, possui um sacerdócio eterno. E por isto pode salvar
perpetuamente aos que por Ele mesmo se chegam a Deus, vivendo
sempre para interceder por nós. Porque tal pontífice convinha que
nós tivéssemos, santo, inocente, imaculado, segregado dos
pecadores e mais elevado que os Céus; que não tem necessidade,
como os outros sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios,
primeiramente pelos seus pecados, depois pelos do povo; porque
isto o fez uma vez por todas oferecendo-se a si mesmo. Porque a lei
constituiu sacerdotes a homens que têm enfermidade; mas a
palavra do juramento que é depois da lei, constitui ao Filho perfeito
eternamente (Hebreus VII-23 a 28).

Finalmente, como acabamos de ver, os sacrifícios antigos, sendo


imolação de animais (bois, cabritos, cordeiros etc.), os quais eram
irracionais e não podiam ter nenhum sentimento para com Deus,
muitas e muitas vezes Lhe eram desagradáveis, porquanto valiam
apenas enquanto eram a expressão dos sentimentos do povo que
os oferecia. Na Cruz se oferece uma vítima que, sendo
perfeitíssima, Deus e Homem, vítima consciente, livre, inteligente,
capaz de atos de virtude e de amor de valor infinito, ela mesma
oferecia a Deus a homenagem que Lhe era mais agradável. Assim
este sacrifício não podia de forma alguma desmerecer aos olhos
divinos: O Filho de Deus, entrando no mundo diz: Tu não quiseste
hóstia nem oblação; mas tu me formaste um corpo; os holocaustos
pelo pecado não te agradaram. Então disse eu: Eis aqui venho; no
princípio do livro está escrito de mim: Para fazer, ó Deus, a tua
vontade (Hebreus X-5 a 7).

Os protestantes se servem desta exposição do Apóstolo das gentes,


em que ele estabelece o contraste entre o sacrifício de Cristo e os
, para se lançarem contra o Santo
Sacrifício da Missa, que, segundo nos ensina a Igreja Católica e
mais adiante iremos provar, é o Sacrifício da Nova Lei e não é outro
substancialmente senão o próprio sacrifício de Cristo feito outrora no
Calvário.
Dizem eles: Vê-se assim pelas palavras da Bíblia:

1º — que o sacrifício de Cristo foi , portanto não há


2 sacrifícios: o Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa;

2º — que o sacrifício de Cristo alcançou Redenção Eterna; logo, não


tem necessidade de ser renovado; querer renová-lo é fazer-lhe uma
injúria, como se ele não fosse suficientíssimo e perfeitíssimo;

3º — que nós temos na Nova Lei um que é


Cristo, e não muitos sacerdotes que são fracos e pecadores, porque
são homens, como vemos na Igreja Católica:

4º — Cristo se ofereceu só uma vez, pois diz S. Paulo que Cristo


no santuário para se oferecer muitas vezes a si mesmo
(Hebreus IX-25) e que nós somos santificados pela oferenda do
corpo de Jesus Cristo, feita (Hebreus X-10). Logo, não é
exato que Ele se ofereça milhares de vezes no Sacrifício da Missa.

Vejamos uma por uma estas alegações protestantes.

Sacrifício único.

335. 1ª objeção: O sacrifício de Cristo foi ,


portanto não há 2 sacrifícios: o Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da
Missa.

S. Paulo faz o confronto entre o sacrifício da Cruz e os sacrifícios da


Antiga Lei, em que eram oferecidas muitas e muitas vítimas. Um dia
era um touro ou um novilho; outro dia um bode; outro dia um
cordeiro; outro dia mais outro touro ou novilho etc. E assim por
diante.

E assim muitas e muitas vítimas eram sacrificadas sem que se


alcançasse pelos pecados dos
homens.
Além disto, eram oferecidas por muitos sacerdotes,
,
.

Ora, o Sacrifício da Missa e o Sacrifício da Cruz são um


, porque a vítima é uma só: N S
J C . O Corpo e o Sangue de Jesus que estão no altar são
o mesmo Corpo e Sangue de Jesus que estavam lá no Calvário.
Não se trata de uma vítima diferente.

O Sacerdote que oferece também é o mesmo, isto é, Nosso Senhor


Jesus Cristo que é o .

O homem que celebra a Santa Missa, o sacerdote católico é um


representante, um ministro de Cristo, que age apenas em nome de
Cristo: Os homens devem-nos considerar como uns
C e como uns dos mistérios de Deus (1ª
Coríntios IV-1). Nós fazemos o ofício de em nome de
Cristo (2ª Coríntios V-20).

Quando alguém escreve um discurso e manda outro ler, quem é o


do discurso, é quem o escreveu ou quem o lê? De certo que
é quem o escreveu. Quando o rei manda um embaixador assinar um
tratado de paz, quem o está assinando: é o embaixador em seu
nome particular ou é o próprio rei? É claro que é o rei. Quando o
patrão manda o servo levar um presente a alguém, quem é que está
dando o presente? É o patrão.

Os ministros de Cristo receberam esta ordem: F em


memória de mim (Lucas XXII-19).

Quando o sacerdote batiza, diz: E te batizo em nome do Pai e do


Filho e do Espírito Santo. Mas quem está batizando é Cristo, pois o
batismo é realizado em nome de Jesus Cristo (Atos II-38) que foi
quem mandou batizar.
Quando o sacerdote absolve os pecados, diz E te absolvo dos teus
pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Mas quem
está perdoando é Cristo, porque só Deus pode perdoar pecados; é
Cristo, que foi quem lhe delegou este poder: Aos que vós
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados; e aos que vós
os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos (João XX-23).

Assim também, quando o sacerdote celebra a Santa Missa, não diz:


Isto é o corpo de Cristo ou Isto é o cálix do sangue de Cristo — mas
Isto , isto é o cálix , porque ele está
agindo apenas em nome de Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote. “O
sacerdote no altar faz as vezes de Cristo e oferece a Deus Pai um
verdadeiro e pleno sacrifício” dizia S. Cipriano no século 3º (Epístola
63). “Quando virdes o sacerdote oferecendo, não o consideres
fazendo isto, mas considera a mão de Cristo invisivelmente
estendida” dizia S. João Crisóstomo no século 4º (Homil. L-3 in
Math). “O próprio Cristo que é o oferente, Ele mesmo é a oblação e
quis que este mistério fosse o quotidiano sacrifício da Igreja” dizia
S. Agostinho no século 5º (De Civitate Dei IX c. 20). E esta
dependência absoluta entre o sacerdote e Nosso Senhor Jesus
Cristo, do qual o sacerdote é um mero instrumento é que não havia
entre os sacerdotes da Lei Antiga: eram independentes uns dos
outros.

A diferença que há entre o Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa


é esta: o Sacrifício da Cruz foi cruento, com a morte física da vítima;
o Sacrifício da Missa é incruento e aí Cristo se mostra sob a forma
de alimento. E se há esta diferença é precisamente por isto: porque
aquela imolação real e sangrenta de Cristo só se deu :
Cristo foi imolado para esgotar os pecados de muitos
(Hebreus IX-28). Enquanto a Ele morrer pelo pecado, Ele morreu
(Romanos VI-10).

É claro que C , O
outra vez, quando se celebra o Santo Sacrifício da Missa.
Se a imaginação do leitor não se aquietou ainda, procurando
descobrir como o Sacrifício da Missa, tantas vezes celebrado, pode
ser um com aquele que foi realizado na
cruz, ao contrário dos sacrifícios antigos que eram muitos, vamos
fazer uma comparação. Suponhamos que houve, durante muito
tempo em certo reino, um problema verdadeiramente angustiante:
como é que haviam de debelar uma doença muito propagada e
considerada incurável?

Vários sábios procuraram resolvê-lo: publicaram muitas obras sobre


o assunto, porém inutilmente. Eram paliativos, não davam a chave
da solução do problema.

Apareceu, afinal, um que resolveu a questão para


sempre: fez uma exposição diante do rei, demonstrando as causas
da doença, estudando profundamente o assunto e mostrando o
meio certo e seguro de combatê-la e evitá-la.

Suas palavras foram apanhadas pelos taquígrafos, depois


publicadas em livro e se foram tirando muitas e muitas edições.
Cada vez que sai uma nova edição, ou outra
diferente? Claro que é a mesma, porque é o mesmo autor e são as
mesmas ideias. Pouco importa que as edições não sejam impressas
com os mesmos tipos, nem tenham a mesma capa.

Já, o mesmo não se dá com aquelas outras obras publicadas antes


de se resolver o problema: eram obras diversas, de diversos autores
e nenhuma encontrou . É o que se deu com os
sacrifícios da Lei Antiga: vítimas diversas, sacerdotes diversos. Ao
passo que a Santa Missa é apenas a renovação do Sacrifício do
Calvário, sendo a mesma vítima e o mesmo sacerdote. De modo
que o padre que celebra não passa, no caso, de um humilde
tipógrafo que vai reeditar a grande C ; não vai
resolver um problema que por Cristo já foi resolvido.

O Sacrifício da Missa e a redenção eterna.


336. E agora ocorre naturalmente a segunda objeção protestante:
Por que motivo, então, se renova o Sacrifício da Cruz? Este
alcançou Redenção Eterna. Querer renová-lo seria proclamar a sua
insuficiência, quando o Sacrifício da Cruz foi perfeitíssimo.

— Não há nenhuma dúvida que o Sacrifício da Cruz alcançou


Eterna Redenção. Mas não é para nos dar a Redenção, que o
Sacrifício da Missa é celebrado.

Vejamos os efeitos da Redenção operada por Cristo.

Jesus Cristo, morrendo na cruz:

1º — Reconciliou-nos com Deus, oferecendo uma reparação


suficiente pelo ultraje feito a Deus por todos os pecados da
Humanidade; quando se celebra a Santa Missa, a Humanidade já
está reconciliada com Deus; o nosso resgate já está pago; não é
para isto que se celebra a Santa Missa.

2º — Reconciliando-nos com Deus, restaurou a Humanidade no


plano sobrenatural, ficando os homens novamente com o poder de
se fazerem filhos de Deus (João I-12) pela graça santificante que
nos faz participantes da natureza divina (2ª Pedro I-4); mas não é
para isto que a Missa é celebrada, pois já nos encontramos neste
plano sobrenatural.

3º — Abriu o Céu, que para os homens estava fechado; mas não é


para abrir o Céu que o Sacrifício da Missa é oferecido, pois o Céu já
está aberto, desde a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que foi o
primeiro homem a entrar nele, na sua Ascensão gloriosa.

E no entanto a instituição do Sacrifício da Missa tem a sua


finalidade.

Como explicamos há pouco, havia 2 espécies de sacrifícios: uns em


que se destruía completamente a vítima reduzindo a cinzas o animal
sacrificado, como eram os holocaustos; e outros em que se destruía
uma parte da vítima e se reservava para ser comida pelos
sacerdotes e às vezes também pelo povo.

Não só entre os judeus, como entre os pagãos, o comer aquilo que


tinha sido sacrificado, oferecido a Deus, que se havia tornado assim
uma coisa sagrada, era considerado como uma participação, uma
comunhão, um contato mais íntimo com a divindade.

Daí é que vem a questão da carne sacrificada aos ídolos, a qual os


Apóstolos proibiram aos primeiros cristãos (Atos XV-29). Em si era
uma carne como outra qualquer, pois, como diz S. Paulo, sabemos
que os ídolos não são nada no mundo e que não há outro Deus
senão um só (1ª Coríntios VIII-4). Mas, desde que o comer estas
carnes era considerado um meio de unir-se ao deus a quem eram
oferecidas, os cristãos deviam abster-se disto, para não parecer que
queriam entrar em comunhão também com as divindades pagãs.

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo quis, não somente que o seu divino
Sacrifício, oferecido na cruz, tivesse o valor de perfeita expiação e
servisse ao mesmo tempo como o melhor dos holocaustos que
porventura se pudesse oferecer, mas ainda que todos pudessem
participar de sua carne e de seu sangue, oferecidos a Deus,
entrando assim numa íntima comunhão não só com uma coisa
sagrada, a Deus oferecida, mas com o próprio Deus.

Por isto, quando Ele disse: A minha carne é


comida; e o meu sangue é bebida... Assim como
o Pai, que é vivo, me enviou e eu vivo pelo Pai, assim o que me
, esse mesmo também viverá por mim (João VI-56 e
58), ninguém podia no momento perceber todo o alcance de suas
divinas palavras, embora que todos tinham de aceitá-las, porque Ele
já havia provado a sua divindade.

Ele sabia que tinha no seu divino poder para


realizar, na Eucaristia, aquilo que nenhum homem no mundo seria
capaz de imaginar: aquela carne que foi oferecida na cruz, aquele
sangue que ali foi derramado para a nossa salvação, podiam ser
ingeridos realmente pelos homens, iam tomar-se o alimento da
nossa alma, para robustecer em nós a vida da graça.

Mas, para receber com fruto este divino alimento, já uma condição é
exigida, antes de qualquer outra: A . Não esta fé protestante que
se arroga o direito, pelo livre exame, de interpretar as palavras de
Cristo como bem entende e de ler , onde o
Mestre diz categoricamente: É. Mas a fé viva, que não vacila, fé com
que se aceita de coração aberto e de olhos fechados tudo o que
Jesus nos ensinou, por mais impenetrável que seja o mistério. E aí
veem os protestantes como é importantíssima para podermos
participar do Sacrifício Regenerador do Divino Mestre. S. Paulo
dizia, na Epístola aos Hebreus, falando a respeito dos judeus com
relação à Eucaristia, como adiante veremos: Nós temos um ,
do qual os ministros do tabernáculo não têm faculdade de
(Hebreus XIII-10). O mesmo podemos nós dizer com referência aos
protestantes: Nós temos um , do qual não podem
aqueles que não têm fé no mistério eucarístico tão claramente
ensinado pelo Divino Mestre nas páginas do Evangelho. E é neste
altar que se renova o Sacrifício de Jesus, para que nos possamos
alimentar espiritualmente da mesma vítima sacrificada no Calvário.

A Missa, oração oficial da Igreja.

337. Há outro aspecto ainda em que o Sacrifício da Cruz precisa


prolongar-se no sacrifício da Missa.

Morrendo na cruz por nós, dando por nós o seu próprio sangue,
Jesus mereceu para nós , em qualquer sentido em que se
considere: ou Graça Habitual, isto é, o estado de graça santificante,
em que o homem fica na amizade de Deus e com o direito de herdar
o Céu; ou Graça Atual, isto é, tudo o que vem a ser um favor, um
auxílio ou proteção, uma boa inspiração ou bom pensamento, um
conforto que procede de Deus na ordem sobrenatural.
De modo que , recebidas por ,
desde o princípio do mundo, após o pecado de Adão, foram, são e
serão concedidas em virtude dos merecimentos infinitos de Jesus
Cristo, na sua Morte Redentora. Há no Sacrifício da Cruz, portanto,
um para a humanidade. Mas para nos
banharmos no mar, não é o mar que vem à nossa casa, somos nós
que para ele nos encaminhamos.

Já, vimos que, quando não possuímos a graça santificante, o meio


estabelecido por Cristo para adquiri-la, para recebê-la, são os
Sacramentos do Batismo e da Penitência; é aí que recebemos o
banho purificador no mar imenso de graças que Jesus Cristo deixou
à nossa disposição no Calvário.

Os outros sacramentos servem para aumentarmos em nós esta


graça santificante, porque ela é susceptível de aumento: Crescei na
graça (2ª Pedro III-18), dizia o Apóstolo S. Pedro. E acontece que,
enquanto a Confirmação só se recebe uma vez, a Extrema-Unção
fica para o fim da nossa vida, a Ordem é privativa dos ministros do
altar, não é para todos os fiéis e o Matrimônio só se pode repetir na
hipótese de morrer o consorte; a Eucaristia é um sacramento que
pode ser recebido até todos os dias, pela comunhão do corpo de
Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja presença a Santa Missa está
continuamente renovando no altar.

Mas ainda não é aí que queremos chegar; pois este aspecto da


renovação da presença aqui na terra do corpo de Jesus, para
participarmos do Sacrifício da Cruz, comendo da própria vítima ali
oferecida, foi o que acabamos de apresentar no número anterior.

O que queremos frisar agora é que o Sacrifício do Calvário não só é


a fonte da graça santificante, mas também de . Os
próprios protestantes reconhecem que não é pelo simples fato de
Jesus Cristo ter morrido na Cruz, que nós recebemos infalivelmente
todas as graças. Nem é possível um homem receber todas as
graças ao mesmo tempo. Portanto os próprios protestantes se
sentem na necessidade de fazer alguma coisa: , por exemplo,
para alcançar as graças de Deus. Muitas graças que o homem não
alcançaria nunca se não orasse, as alcança pela . Esta
oração não é forçosamente limitada a um simples , ela pode
ser também ato de a Deus, ou de pelos
benefícios recebidos. E com esta adoração e ação de graças melhor
se conquista a benevolência de Deus para conosco; compreende-se
como é justo que Deus abra ainda mais os tesouros de sua riqueza
infinita para aquele que sabe -L de todo o coração,
reconhecendo o seu supremo domínio, que sabe sinceramente
-L os benefícios que já recebeu.

Ora, o que acontecia na Antiga Lei? Bem podia alguém orar a Deus,
adorá-Lo, mostrar-se-Lhe agradecido, ou fazer-Lhe súplicas, sem
que fosse preciso oferecer-Lhe um : sacrifícios de bois,
de cabritos, de flor da farinha, de frutos da terra etc.

Mas, quando se oferecia o sacrifício na Antiga Lei, era


D , que aos seus sentimentos de
adoração, ação de graças, contrição ou aos seus pedidos
acrescentava um , uma , uma feita a
Deus para melhor granjear a divina benevolência. E aí então se
fazia o sacrifício do boi, do bode ou dos frutos da terra etc.

Jesus, instituindo o Santo Sacrifício da Missa, quis dar também ao


povo cristão esta oportunidade de fazer uma oferta, uma oblação a
Deus, juntando esta oferta a suas próprias orações e sentimentos,
de modo que a missa passou a ser
D na Nova Lei, assim como os sacrifícios antigos o
eram para os judeus, antes da vinda do Redentor.

O que agora acontece, porém, é que não precisamos sair à cata de


bodes ou carneiros ou novilhos para oferecer a Deus um sacrifício, e
este sumamente agradável aos seus divinos olhos. Basta-nos um
pouco de pão e de vinho. E graças ao maravilhoso poder de Jesus
Cristo, temos sobre os nossos altares
S .
Este que ofertamos a Deus é infinitamente mais valioso
do que aqueles que os judeus ofereciam. Esta que Lhe
oferecemos é, ela mesma, inteligente, consciente, livre, de
merecimento infinito; faz, ela mesma, no altar
, ,
e aí nós ajuntamos, dentro da nossa insuficiência, os
nossos próprios sentimentos. Falaremos daqui a pouco sobre a
necessidade de acompanharmos o Sacrifício da Missa com o nosso
próprio sacrifício íntimo, com a nossa própria oferta de todo o nosso
ser. Se não o fizermos, pior será para nós. Mas não há perigo de ser
o nosso sacrifício (o sacrifício da Missa) desagradável aos olhos de
Deus, como às vezes acontecia com os sacrifícios antigos; não há
perigo, porque a vítima que oferecemos é o próprio Filho de Deus.

Jesus é a cabeça do corpo da Igreja (Colossenses I-18). Formamos


com Ele um todo inseparável. Na Missa Ele não só se oferece a si
mesmo, mas dá também à Igreja o gosto, a satisfação, o privilégio
de oferecê-Lo ao Eterno Pai, bem como de oferecer-se a si mesma
juntamente com Ele. A nossa adoração sobe aos Céus unida com a
adoração infinitamente perfeita de Jesus; o nosso reconhecimento,
com a sua perfeitíssima ação de graças; a nossa contrição
juntamente com o poder expiador do seu sangue; a nossa súplica,
com a súplica sumamente eficaz do nosso Divino Redentor.

A propiciação na Santa Missa.

338. E aqui ocorre naturalmente uma pergunta: Compreendemos


muito bem que Jesus no Sacrifício da Missa a seu Eterno
Pai, L pelos benefícios que nós recebemos, pelo
próprio benefício da Redenção e por nós. Mas em
que sentido o Sacrifício da Missa pode ser chamado propiciatório,
se a propiciação, a expiação pelos nossos pecados já foi oferecida
suficientemente no Sacrifício da Cruz?
— Há na nossa salvação, na expiação dos nossos pecados
C e . Cristo na cruz ofereceu o resgate que
nos reconciliou com o seu Eterno Pai, abriu para nós o caminho da
salvação, tornou Deus propício a nos perdoar. Mas a remissão dos
pecados exige também que façamos alguma coisa por nossa vez.
Não se trata de Cristo pagar por nós e ficarmos mergulhados no
pecado, sem fazer coisa alguma e mesmo assim alcançarmos a
salvação. A remissão dos pecados não é possível, por exemplo,
sem o . Este arrependimento exige muitas
vezes de nós um sacrifício heroico, porque é preciso uma resolução
de deixar o pecado, custe o que custar, para que o arrependimento
seja verdadeiro. “Deus nos criou sem nós, mas não nos salva sem
nós”, como diz S. Agostinho. Por isto, cada um de nós tem que fazer
de sua parte o seu sacrifício íntimo, para tornar eficaz a nosso
respeito o sacrifício de Jesus. Por outro lado, este arrependimento
só é possível com o auxílio da graça de Deus: Sem mim não podeis
fazer nada (João XV-5). Todos recebem de Deus a graça suficiente
para a salvação. Mas quantos e quantos pecadores desperdiçam
horrivelmente as graças divinas, se afundam cada vez mais no
lodaçal do pecado, tornam cada vez mais difícil a sua conversão,
precisam, portanto, de uma graça cada vez maior e mais abundante!
A conversão de um pecador empedernido já se pode considerar um
grande milagre da graça.

Estará Deus obrigado a conceder estas graças tão grandes, tão


extraordinárias a um pecador que não fez outra coisa, se assim se
pode dizer, senão malbaratar as graças celestes, recusando-se
sempre a converter-se? É o caso parecido, por exemplo, com o do
homem rico que prometeu fornecer dinheiro a outro para equilibrar-
se na vida. Este vai sempre complicando-se, adquirindo dívidas e
são necessários novos fornecimentos, sempre maiores. Depois de
um certo tempo, está obrigado o fornecedor que jamais viu boa
vontade nem esforço da parte de seu protegido, a continuar fazendo
os seus empréstimos ou as suas dádivas em proporção cada vez
maior? O mesmo acontece com Deus. E quanto mais o homem se
afunda no pecado, maior graça necessita para libertar-se.
Aí então entra a súplica infinitamente valiosa de Jesus no Sacrifício
do altar. Pedindo a Deus mesmo pelos pecadores mais endurecidos,
suplicando ao Eterno Pai que abra cada vez mais os tesouros da
sua misericórdia para conversão daqueles que se acham
engolfados, na podridão do vício, a Igreja Lhe apresenta, para
aplacar a Sua justa cólera contra aqueles que tão loucamente
desprezam os benefícios da Redenção, o corpo e o sangue de
Jesus que se levantam aos Céus numa , para que se
distribuam sempre mais e mais entre os homens as graças divinas
que tiveram sua nascente no Calvário.

Jesus na cruz fez a sua parte; no altar vem ajudar-nos a fazer a


nossa, porque a nossa também só pode ser feita com a graça de
Deus; e esta graça, cuja fonte inesgotável é a sua própria Morte
Redentora, Ele está sempre pedindo para nós, mesmo quando a
desprezamos e nos tomamos indignos de recebê-la [49].

Notas (pular)

[49] Muitos protestantes gostam de apresentar o seguinte versículo da


Epístola aos Hebreus: Se nós pecamos voluntariamente depois de ter
recebido o conhecimento da verdade,
(Hebreus X-26), querendo provar com isto que a Missa não pode ser
sacrifício propiciatório. Na sua ânsia de destruir a Santa Missa e combater o
Catolicismo, eles não medem bem as suas palavras, porque com esta errada
interpretação estão afirmando simplesmente isto: que Jesus não pode ser
uma hóstia de propiciação na Santa Missa, porque Ele não é mais hóstia de
propiciação para aqueles que pecam voluntariamente, depois de ter recebido
o conhecimento da verdade. Como se o sacrifício da Cruz servisse para nos
dar o perdão . Dado o primeiro perdão, se
esgotaria a eficácia do sacrifício expiatório de Cristo. Quem pecasse depois
da conversão, depois de ter abraçado a verdade, estaria para sempre
irremediavelmente perdido... Junte-se esta afirmativa, que já é de si bem
terrível, com aquela outra, também deles, protestantes, de que não há
distinção alguma entre pecado mortal e pecado venial, e veja-se bem que
, .
É preciso considerar a frase no seu respectivo contexto. S. Paulo que é um
hebreu, falando na sua Epístola também , se refere àqueles que
abraçam o Cristianismo e depois caem na apostasia voltando ao judaísmo.
Ele exorta os cristãos a permanecerem fiéis à sua fé
(Hebreus X-25), porque se
assim procedem de caso pensado, de propósito, deliberadamente, só poderão
esperar a condenação, uma vez que no judaísmo não encontrarão mais a
remissão dos pecados. Antigamente, isto é, antes de Jesus Cristo morrer na
cruz, havia na Religião Judaica os sacrifícios que se ofereciam pelos pecados
e estes vêm descritos no Livro do Levítico, capítulos IV a VII. Tais sacrifícios
ordenados por Deus serviam de fato para remissão dos pecados, não pelo
seu valor em si, mas porque prefiguravam o sacrifício redentor de Cristo e
dele tiravam a sua eficácia. Agora, porém, após a morte de Jesus, tudo isto
passou, porque já não é mais o tempo das figuras e sim o da realidade; esses
sacrifícios judaicos não vigoram mais; não resta mais hóstia pelos pecados.
Para os que rejeitam a Cristo, , ,
I , não existe propiciação, mas sim, conforme
continua o Apóstolo, uma esperança terrível do juízo e o ardor dum fogo
zeloso que há de devorar aos adversários. Se algum quebranta a lei de
Moisés, sendo-lhe provado com duas ou três testemunhas, morre sem dele se
ter comiseração alguma; pois, quanto maiores tormentos merece o que pisar
aos pés o Filho de Deus e tiver em conta de profano o sangue do Testamento
em que foi santificado e que ultrajar o espírito da graça? (Hebreus X-27 a 29).

Isto acontece com os que se afastam do Salvador, afastando-se por culpa


própria (não de boa fé ou por ignorância) de sua Verdadeira Igreja. Mas para
os que estão unidos a Cristo pela fé legítima, ainda existe a Vítima, a Hóstia
de Propiciação pelos nossos pecados; é Jesus Cristo, o qual não morre
porque é eterno, vivendo sempre para interceder por nós (Hebreus VII-25). E
o Sacrifício da Missa Sacrifício da Cruz. (voltar)

Confusões protestantes sobre os sufrágios.

339. Entre as graças que a Igreja pede a Deus, apresentando-Lhe o


Cordeiro Imaculado sobre os nossos altares, entre as graças que
Jesus na Santa Missa pede ao seu Eterno Pai em nosso favor,
inclui-se esta também: um alívio, um refrigério para as almas que se
encontram no purgatório, para aqueles que morreram, mas não
estão ainda totalmente purificados para entrar no Céu.
E aqui vêm os protestantes com uma série de confusões.

Uma delas é a seguinte: mostram-se escandalizados porque, dizem,


assim a Missa vai pecadores no outro mundo; ora, isto é
fazer injúria ao Sacrifício da Cruz que não precisa ser renovado para
nos dar suficiente salvação. Jesus já nos na sua cruz.

— O engano dos protestantes reside precisamente nisto: o sufrágio


da Missa o pecador. Só aproveita o Sacrifício da
Missa àqueles que . Para aqueles que morreram
em estado de pecado mortal, que foram condenados à perdição
eterna, a Missa não aproveita coisa alguma; podem-se celebrar
milhões de missas e eles serão sempre réprobos no inferno, porque
a sentença de Deus é irrevogável e definitiva.

A Missa vai levar o refrigério somente àqueles que morreram na


graça de Deus e, portanto, se salvaram.

Mesmo quando se explica isto, os protestantes caem noutro


engano: imaginam que nós ensinamos que a alma só sai do
purgatório, se alguma missa for celebrada por ela.

— Também não é exato isto. Todas as almas do purgatório têm a


certeza de que sairão de lá um dia e irão gozar de Deus
eternamente. Têm, sim, que pagar à Justiça Divina, até a completa
purificação. E quando se celebra a Santa Missa, esta vem trazer-
lhes um alívio nas suas penas ou uma abreviação destes seus
padecimentos, juntando-se assim ao efeito da justiça divina o favor
da divina misericórdia, em atenção à súplica infinitamente valiosa de
Jesus.

O purgatório.

340. Finalmente os protestantes se mostram admirados em pensar


como é que uma alma que já foi , que já foi , por
quem Cristo já , tem ainda alguma coisa que pagar perante
Deus, após a sua morte. Se já está salva, tem que ir diretamente
para o Céu.

— E aqui entra a questão da existência do purgatório, claramente


afirmada na Bíblia, no 2º Livro dos Macabeus: É, logo, um santo e
saudável pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres dos
seus pecados (2º Macabeus XII-46). Acontece, porém, que os livros
dos Macabeus estão no rol daqueles que os protestantes excluem
da sua Bíblia. Entretanto isto não impede que demonstremos com
algumas considerações, dentro dos textos bíblicos, como é ilógica a
negação feita pelos “evangélicos”, da existência de um lugar de
purificação no outro mundo.

Antes de tudo, o que a Bíblia nos ensina é que há em Deus, entre


outros, dois grandes atributos: A
. Não se pode enaltecer a primeira sacrificando a segunda.
Deus que é rico em misericórdia (Efésios II-4) é o mesmo
(2ª Timóteo IV-8), a cujo tribunal havemos todos de
comparecer, para que cada um receba o galardão segundo o que
tem feito, ou bom ou mau, estando no próprio corpo (2ª Coríntios V-
10).

O pecador, por maiores que sejam os seus delitos e por mais anos
que tenha vivido no pecado, se se arrepende sinceramente,
encontra Deus pronto para lhe perdoar, para fazê-lo um filho seu
pela graça santificante e um dia também herdeiro do seu reino,
, apesar de muitas e muitas vezes
ter feito atos que mereciam a condenação eterna. Este perdão, ele
recebe graças ao C na cruz, pois Cristo
ofereceu aí uma satisfação condigna pela ofensa infinita feita a
Deus. Se esta condigna satisfação foi oferecida, é porque
D a exigiu, não estando nós em condições de apresentá-la.

E assim se conciliaram .
Mas o Sacrifício de Cristo não foi realizado para anular a
, e sim a fim de abrir um caminho para o perdão, caminho
este que estava fechado pela impossibilidade, em que se
encontrava o homem, de oferecer a Deus uma reparação suficiente
pelos seus pecados.

Por isto continua de pé. Até este próprio


que Deus dá ao homem, é concedido, de certo modo, segundo um
critério de : só são perdoados aqueles que, cooperando com
a graça, se arrependem sinceramente e fazem um firme propósito
de emenda. Os que não se arrependem são condenados.

Ora, tivemos ocasião de apresentar muitos textos da Bíblia (5 do


Antigo e 5 do Novo Testamento; veja-se nº 35) em que se diz
claramente que Deus
. Isto o protestante não pode negar, porque é um ensino
insistente das Escrituras.

Daí já se segue que aqueles que entrarem no Céu terão uma glória
maior ou menor, de acordo com as suas obras, com sua vida, com
seu grau de virtude, com seu procedimento. É claro que aquele que
viveu muitos e muitos anos no pecado e se converteu pouco tempo
antes de sua morte, não pode ter o mesmo grau de felicidade como
aquele que durante toda sua vida, entre sacrifícios, mortificações e
renúncias e vitórias sobre as tentações, serviu a Deus com toda a
fidelidade. É possível que os protestantes, contra toda lógica, contra
toda noção da justiça de Deus, achem que isto está muito certo, que
o quinhão é o mesmo para todos, baseando-se na sua estranha
doutrina de que as nossas boas obras não influem nem direta nem
indiretamente na salvação, mas já refutamos suficientemente esta
teoria e basta esta afirmação tão insistente de que Deus retribuirá a
cada um segundo as suas obras para mostrar que esta teoria, além
de ilógica, é antibíblica.

Por outro lado, é claro que aqueles que recusando o perdão divino,
não querendo converter-se, entrarem no inferno, receberão o
castigo maior ou menor na proporção das más obras que fizeram,
das iniquidades que cometeram.

Mas acontece também que muitos e muitos morrem, comparecem


diante do D e estão em tais condições
que nem poderão ser condenados ao inferno, uma vez que não se
trata de almas em estado de pecado mortal, impiamente afastadas
de Deus; nem também estão suficientemente puros para entrarem
imediatamente na glória do Céu. A alegação protestante de que o
sangue de Cristo nos purifica de todo pecado, não vem ao caso,
porque, segundo confessam os próprios protestantes, para haver
perdão é preciso haver . Os que negam isto
ensinam uma doutrina imoral e absurda que afundaria a
Humanidade na mais grosseira corrupção. E há muitos pecados,
dos quais a alma, por exemplo, não se arrepende, não faz propósito
de emenda, mas que não são pecados graves, pelos quais Deus
condene ao inferno, à perdição eterna.

Os protestantes, rejeitando a distinção entre pecado mortal e


pecado venial, aberram contra toda a lógica e mais ainda supõem
para eles mesmos dificílima a salvação.

A própria Bíblia nos fala de uns pecados do que outros.


Jesus diz a Pilatos: O que me entregou a ti tem pecado (João
XIX-11). Ora, se entre duas faltas tão graves, como eram a covardia
de Pilatos e a traição de Judas, se estabelece uma diferença,
quanto mais entre aqueles pecados que são faltas graves por sua
natureza e aqueles que todo o mundo está vendo serem faltas
leves.

Nosso Senhor mesmo no Evangelho repreende os judeus que na


sua cegueira, no seu egoísmo, enxergam faltas leves nos outros, ao
mesmo tempo que não enxergam faltas muito graves em si próprios,
dizendo que estes judeus veem um argueiro no olho do próximo e
não veem uma no seu: Por que vês tu, pois, a no olho
de teu irmão, e não vês a no teu olho? (Mateus VII-3). Em
outra ocasião, depois de censurar os hipócritas escribas e fariseus,
porque se esforçam por observar preceitos pequeninos, e não
cuidam de cumprir com os grandes preceitos da lei de Deus, depois
de dizer que eles deviam observar estes últimos aqueles
outros, Nosso Senhor acrescenta: Condutores cegos, que coais um
e engolis um (Mateus XXIII-24).

Portanto, segundo o ensino do Divino Mestre, pode haver diferença


muito grande de pecado para pecado, diferença tão grande como a
que há de um para um , de um para
uma .

A própria razão nos está indicando a diferença entre pecados


mortais e pecados veniais.

Toda mentira é pecado, porque faltar à verdade é ofender a Deus.


Mas uma coisa é a mentira inocente, de mera desculpa, para ocultar
algum fato desagradável, e outra coisa é a mentira que encera em si
uma calúnia que vai manchar miseravelmente a reputação do
próximo. A censura feita aos outros é sempre um pecado, porque é
faltar com a caridade. Mas não se pode comparar a censura bem
fundamentada sobre falta leve, feita com moderação, e a censura
maliciosa sobre faltas graves de que não se tem certeza. Uma coisa
é a raiva ligeira, a leve impaciência, e outra coisa é o ódio que
fervilha no coração, com desejos de vingança. Não se pode
comparar uma simples palavra dita por imprudência com uma
blasfêmia premeditada, nem o roubo de um cavalo com o furto de
uma caixa de fósforos. A mesma ação e o mesmo pecado podem
variar no grau de culpabilidade, conforme se tenham cometido com
maior ou menor advertência ou consentimento da vontade, que
também admitem graus.

Não querer fazer distinção alguma entre pecados mortais e veniais é


mostrar-nos um Deus excessivamente rigoroso que condena o
homem ao fogo eterno mesmo por faltas muito leves, porque estas
faltas, é certo que Deus não faz vista grossa sobre elas, temos que
prestar contas sobre as mesmas diante do tribunal justíssimo de
Deus, onde havemos de ser chamados à responsabilidade até por
uma palavra inútil: E digo-vos que de que
falarem os homens, darão conta dela no dia do juízo; porque pelas
tuas palavras serás justificado e pelas tuas palavras serás
condenado (Mateus XII-36 e 37). Sede vós, logo, perfeitos, como
também vosso Pai celestial é perfeito (Mateus VI-48). Não ver
nenhuma diferença entre pecados graves e pecados leves,
considerar qualquer pecado como merecedor da condenação
eterna, e ao mesmo tempo exigir o arrependimento para se obter o
perdão, arrependimento este que implica necessariamente um sério
propósito de emenda (do contrário não é arrependimento sincero) é
o mesmo que colocar-nos numa situação sumamente angustiante,
em que são raríssimos os que escapam aos tormentos do inferno.

Se é certíssimo, portanto, porque o diz a Escritura, que D


, é certíssima
também a existência do purgatório.

Além disto, não são somente os pecados veniais que não foram
perdoados que exigem um castigo da parte de Deus, castigo
temporário, é claro, porque estes pecados não implicam na
condenação eterna. São os próprios pecados mortais perdoados,
porque vemos pela Sagrada Bíblia que Deus, mesmo depois de
absolver o pecado, exige ainda do pecador perdoado uma pena,
uma expiação de seu erro. Da pena eterna, ele se livra, está apto
para gozar ainda da eterna herança do Céu; antes, porém, tem que
submeter-se a uma penitência. E assim mais uma vez se conciliam
.

O protestante naturalmente pede exemplos disto. E os podemos dar.

No capítulo XIV do livro dos Números vemos Deus dizendo a


Moisés: Até quando murmurará de mim este povo? Até quando não
me acreditará depois de todos os prodígios que tenho feito diante
deles? Eu, pois, os ferirei com peste e os consumirei, e a ti far-te-ei
príncipe duma gente grande e mais forte do que esta é (Números
XIV-11 e 12). Moisés intercede pelo povo: Perdoa, te suplico, o
pecado deste povo, segundo a grandeza da tua misericórdia, assim
como tu lhe foste propício desde a saída do Egito até este lugar
(Números XIV-19). Deus perdoa, de acordo com a súplica de
Moisés, mas exige sempre um castigo, embora menor: E
, conforme tu me pediste. Por minha vida, que toda a
terra será cheia da glória do Senhor. Mas entretanto
que viram o resplendor da minha majestade e as
maravilhas que fiz no Egito e no deserto e que me tentaram dez
vezes e que não obedeceram à minha voz que
eu prometi a seus pais com juramento; nenhum dos que detraíram
de mim a verá (Números XIV-20 a 23).

O próprio Moisés que num gesto de impaciência bateu duas vezes


na pedra, duvidando não do poder mas da bondade de Deus,
achando que Deus falara ironicamente e não iria atender àquele
povo rebelde, recebe o castigo divino, embora, é claro, seja
perdoado de sua falta: E o Senhor disse a Moisés e a Arão: Porque
vós me não crestes para me santificardes diante dos filhos de Israel,
não introduzireis estes povos na terra que tenho para lhes dar
(Números XX-12). E assim morreu Moisés avistando a Terra
Prometida, mas sem ter o gosto de nela entrar (Deuteronômio
XXXIV-1 a 5).

Davi, depois de cometido o seu grave pecado (2º Reis XI-2 a 17)
recebe a advertência de Natã. E reconhece o seu erro: Pequei
contra o Senhor (2º Reis XII-13). Natã lhe faz ver que Deus lhe
perdoou, mas que nem por isto deixará de lhe ser imposta uma
pena: Também S : não
morrerás. Todavia, como tu pelo que fizeste deste lugar a que os
inimigos do Senhor blasfemem, que
te nasceu (2º Reis XII-13 e 14). E apesar da oração e do jejum
rigoroso e do retiro de Davi, a sentença se cumpriu.
Vemos nos profetas a exortação não só para o arrependimento, mas
também para as obras de penitência: Agora, pois, diz o Senhor:
Convertei-vos a mim de todo o vosso coração, e em
lágrimas e em gemidos (Joel II-12).

Por tudo isto se vê que o perdão dado por Deus não exclui
necessariamente o castigo infligido ao pecador. Este recebe uma
pena sem comparação menor do que merecia, pois, se mereceu um
castigo eterno, receberá uma pena passageira; aí se mostra ao
mesmo tempo a bondade de Deus , e a sua justiça
.

Nem se venha dizer que estes são exemplos do Antigo Testamento


e que na Nova Lei é diferente. O perdão dado por Deus aos antigos
é perdão que nos é concedido hoje, pois também antigamente ele
era dado em virtude dos merecimentos de Jesus Cristo que
antecipadamente se levavam em conta em benefício do pecador. A
nossa responsabilidade perante Deus é ainda maior depois da vinda
de Cristo, pois muito maiores são as graças por nós recebidas: a
todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido (Lucas
XII-48). S. Paulo escreve sua epístola aos Colossenses que vai
dirigida aos santos e fiéis irmãos em Jesus Cristo que habitam em
Colossos (Colossenses I-2) escolhidos de Deus, santos e amados
(Colossenses III-12), mas não deixa de adverti-los: Servi a Cristo o
Senhor; porque o que faz injustiça receberá o pago do que fez
injustamente, porque não há acepção de pessoas em Deus
(Colossenses III-24 e 25).

Não se fala em purgatório sem que o protestante se lembre


imediatamente do trecho de Isaías que ele tanto vive a citar: Se os
vossos pecados forem como a escarlata, eles se tomarão brancos
como a neve; e se forem roxos como o carmesim, ficarão alvos
como a branca lã (Isaías I-18) para tentar provar com isto que os
convertidos não precisam mais de purificação alguma. Mas é
sempre a mesma história da frase separada de seu contexto. Leia-
se este primeiro capítulo de Isaías desde o seu começo. Nos 15
versículos iniciais, Deus faz, por intermédio do profeta, as mais
amargas queixas sobre as ingratidões do seu povo. Depois, exorta
os ingratos israelitas
, . Eis o que diz Isaías:
L - , - , de diante de meus olhos a
malignidade de vossos pensamentos, de obrar
perversamente, a fazer o bem, o que é justo,
ao oprimido, ao órfão, a viúva
(Isaías I-16 e 17). Não é irremediável o caso de Israel; se os iníquos
judeus deixam o mau caminho e se esforçam pela sua reparação,
podem chegar até a mais completa purificação, podem passar da
mais negra situação de pecado até à mais límpida pureza d’alma: E
vinde e argui-me, diz o Senhor: se os vossos pecados forem como a
escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; e se forem roxos
como o carmesim, ficarão alvos como a branca lã (Isaías I-18).

O mal dos protestantes é que, todas as vezes que se fala em


justificação, eles, tomando uma posição muito cômoda, pensam
unicamente na ação misericordiosa de Deus (como se Deus fizesse
e a ação do homem fosse apenas a de ) quando esta
ação purificadora é obra de Deus e do homem ao mesmo tempo:
Deus entra com a sua graça, mas é preciso que o homem entre
também com o seu esforço, a sua colaboração, o seu sacrifício. O
que o profeta Isaías nos mostra aí no trecho é o homem cooperando
na purificação com as suas , e não apenas com a sua
confiança. O mal dos protestantes é também imaginar que o
homem, uma vez tomado puro como a branca neve, não possa mais
chamuscar-se de escarlata outra vez, caindo em várias imperfeições
porque todos nós tropeçamos em muitas coisas (Tiago III-2).

Se Cristo expiou por nós na cruz, não foi para dispensar o homem
de fazer também a sua por si mesmo, foi para melhor
ajudar o homem a realizá-la e para torná-la eficaz e meritória,
porque é levada a efeito com a graça de Cristo: R
e as tuas iniquidades com obras de
misericórdia para com os pobres (Daniel IV-24) (Nas Bíblias
protestantes procure-se o versículo 27; assim o traz Ferreira de
Almeida: D ; e as
para com os pobres —
Daniel IV-27). Perdoados lhe são seus muitos pecados,
(Lucas VII-47). A caridade
(1ª Pedro IV-8).

Quando o homem, mesmo convertido, não realiza completamente


esta reparação, de molde a satisfazer à D (a qual
não desapareceu com a morte de Cristo) tem que haver
necessariamente a purificação no outro mundo.

O caso do bom ladrão, a quem Jesus disse: Hoje serás comigo no


paraíso (Lucas XXIII-43) não encerra em si nenhuma prova de que
não exista purgatório. Porque não dizemos que toda pessoa
infalivelmente tenha que passar por ele. Admitimos que haja muitas
pessoas que dele se livram por morrerem totalmente quites com a
justiça divina, pelo fato de terem pago já neste mundo a sua dívida
pelos pecados. Este foi de certo, de acordo com os desígnios
divinos, o caso do bom ladrão. Os horrorosos suplícios da crucifixão
eram um castigo de suas culpas. E ele os aceitou com tanta boa
vontade, com tão profundo e sincero arrependimento, com uma dor
tão viva em sua alma, que o Divino Mestre achou que o purgatório
para ele já havia sido cumprido aqui na terra. Cada um pode livrar-
se, ou em parte ou totalmente, dessas penas futuras com os
sofrimentos desta vida, principalmente quando os aceita com o
ânimo heroico e penitente com que soube padecer o bom ladrão.

E quanto à parábola do rico e do pobre Lázaro que, morrendo foi


levado, sem mais demora, ao seio de Abraão, desde que, como
dissemos, há pessoas que não passam pelo purgatório por terem
sofrido suficientemente neste mundo as penas pelos seus pecados,
Jesus que queria frisar na sua parábola a diferença de sorte que vão
ter eternamente o bom e o mau, especialmente o mau que viveu
entre delícias e o bom que viveu no maior sofrimento, Jesus
escolheu precisamente um caso destes, de pessoa que já sai daqui
inteiramente quites por muito ter sofrido, para melhor realçar o
contraste. Escolher o caso de um que ainda tivesse que sofrer no
purgatório, por pouco tempo que fosse, seria estragar o efeito da
parábola. Nem também quis o Divino Mestre descrever nesta
história como é que se faz o julgamento de todos os homens; este
julgamento varia muito de acordo com as circunstâncias especiais
de vida e com o grau de virtude de cada pessoa. Quis apenas
mostrar que tanto o gozo dos maus como o sofrimento dos bons são
passageiros e transitórios, não sendo nada em comparação com a
eternidade.

Encerramos, portanto, estas considerações com a conclusão de que


o Sacrifício da Missa, em lugar de diminuir o valor do Sacrifício da
Cruz, é ao contrário o próprio Sacrifício da Cruz, como uma Árvore
da Vida, estendendo os seus ramos ainda mais ao nosso alcance,
para que melhor possamos aproveitar-nos dos seus frutos. A
remissão dos pecados não é possível sem a nossa cooperação,
sem o nosso arrependimento, e este arrependimento não é possível
sem a graça de Deus. Cristo que na cruz fez suficientissimamente o
que era de sua parte, oferecendo o preço do nosso resgate que nós
mesmos nunca podíamos oferecer, Cristo na Missa vem ajudar-nos
a fazer a nossa, interpondo-se mais uma vez entre Deus e os
homens para nos conseguir a graça do arrependimento, mesmo
quando dela já nos tornamos indignos por nossas reiteradas
ingratidões. E como, uma vez perdoados, ainda nos resta uma
dívida para com Deus, ainda estamos sujeitos a uma pena temporal,
na qual foi comutada a pena eterna; como nem sempre recebemos
o perdão de aqui na terra, pois há pecados
leves de que nem sempre temos o necessário arrependimento, a
súplica de Cristo na Santa Missa vem alcançar também um alívio e
refrigério ou mesmo uma abreviação para aqueles que no outro
mundo se estão purificando perante a Justiça Divina, a fim de se
tomarem aptos para alcançarem o prêmio eterno, a eterna felicidade
lá no Céu, onde não entra nada contaminado.

Cristo, único sacerdote.


341. Passamos à terceira objeção:
Nós temos na Nova Lei um que é Cristo, e não
muitos sacerdotes que são fracos e pecadores, porque são homens,
como vemos na Igreja Católica.

— A Bíblia compara Cristo com o Sumo Sacerdote da Antiga Lei


(Hebreus IX-6 e 7; 11 e 12) e diz que o seu sacerdócio permanece
para sempre (Hebreus VII-24). Mas, embora a Bíblia não use esta
expressão , vamos aceitá-la sem discutir e assim
encurtaremos o caminho para a resposta.

Temos que observar o mesmo que já dissemos a respeito da


questão: Cristo = pedra, Pedro = pedra (nº 161). A mesma palavra
atribuída a Deus e atribuída aos homens tem um sentido diverso.
Atribuída a Deus, tem um sentido absoluto, perfeitíssimo; atribuída
aos homens, tem um sentido relativo, pois tudo quanto o homem
tem, tudo quanto o homem faz, é na dependência de Deus.

Cristo é o S , sacerdote com letra maiúscula, isto


não impede que haja sacerdotes com letra minúscula.

Deus é o único P (A chameis P vosso sobre a terra;


porque um só é o vosso P que está nos Céus — Mateus XXIII-9) e
no entanto a mesma Bíblia nos manda honrar pai e mãe. Deus é
quem tem a si a paternidade; os pais da terra a recebem de Deus.
Jesus é (Nem vos intituleis mestres; porque
é o vosso , C — Mateus XXIII-10). E no entanto os
Apóstolos e seus sucessores são mandados, como mestres, a
a todos os povos. São mestres também, mas não no
sentido absoluto em que o é Cristo; ensinam aos outros o que o
próprio Cristo lhes ensinou. Só Deus é (N senão
D — Marcos X-18). E no entanto há pessoas boas, a própria
Bíblia dá o nome de a homens como vimos (nº 161), mas a
bondade destes vem de Deus, por isto só Deus é bom no sentido
absoluto. Ensina-nos S. Paulo que só D possui a imortalidade
(1ª Timóteo VI-16) e no entanto a nossa alma também é imortal,
porque de Deus a imortalidade, a qual só Deus possui por
uma de exigência de sua própria natureza, o homem a possui por
participação, como um dom que lhe veio do Autor de todas as
coisas. E assim por diante.

Deste modo Cristo é o , o que não impede que


haja outros sacerdotes, que são ministros de Cristo, que agem em
nome de Cristo, que de Cristo receberam os poderes de que estão
revestidos.

A oblação constante de Cristo.

342. Finalmente chegamos à última objeção protestante. S. Paulo


diz que Cristo no santuário do Céu para se oferecer
a si mesmo (Hebreus IX-25) e que nós somos
santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo feita
(Hebreus X-10). Logo, Cristo não se oferece milhares de vezes no
Sacrifício da Missa, como querem os católicos.

— A oblação ou o oferecimento de si próprio a Deus sempre existiu


na alma de Jesus Cristo e era bastante por si só para remir o mundo
inteiro. Bastava uma oração, um ato de amor, um suspiro de Cristo
para realizar a nossa Redenção, pois qualquer ato de Cristo, que
era Homem-Deus, tinha um valor infinito. E que este oferecimento
havia sempre na alma do Salvador, nós o sabemos não só pela
perfeição desta mesma alma, senão também pela própria Bíblia,
que nos apresenta o Filho de Deus, dizendo logo desde a sua
entrada neste mundo: Não quiseste hóstia nem oblação, mas tu me
formaste um corpo; os holocaustos pelo pecado não te agradam.
Então disse eu: Eis aqui venho; no princípio deste livro está escrito
de mim; para fazer, ó Deus, a tua vontade (Hebreus X-5 a 7).

Este oferecimento total de si mesmo ao Eterno Pai não só existiu


em toda a vida de Cristo, antes e depois da sua Paixão, como existe
eternamente no Céu, onde a alma de Cristo continua a gozar, como
sempre gozou, da .A é uma só, porém
eterna, sem interrupção na alma de Cristo, oblação total de si
mesmo ao seu Pai Eterno.

Mas acontece que, embora bastasse esta oblação, num só instante


que fosse, para remir toda a Humanidade, Deus Pai, nos decretos
insondáveis de sua , exigiu que a redenção da Humanidade
não fosse realizada sem o derramamento de sangue, sem a morte
de Jesus. Sem efusão de sangue não há remissão (Hebreus IX-22).
De modo que o preço do resgate da Humanidade só seria oferecido
a Deus, quando à oblação, que era permanente na alma de Cristo,
se juntasse um fato que era passageiro, que se daria ,
isto é, quando Cristo derramasse o seu sangue e morresse por
amor de nós. No Calvário se juntaram as duas coisas: a oblação de
Cristo e a sua . Nesta hora se operou a nossa Eterna
Redenção, ficamos livres da escravidão do demônio, ficamos com o
direito à , o Céu se abriu etc.

Mas daí não se segue que a oblação cessasse na alma de Cristo.

Os protestantes se atrapalham com os textos da Epístola aos


Hebreus, principalmente nos capítulos VII, VIII, IX e X, porque o fito
que tem o Apóstolo S. Paulo é o seguinte: demonstrar aos judeus
convertidos a quem escreve, a imensa superioridade do sacrifício de
Cristo feito na cruz, sobre os da Lei Antiga, na qual se faziam muitos
e muitos sacrifícios, se imolavam muitos touros e novilhos e bodes e
carneiros, entravam em ação muitos sacerdotes e não se conseguia
resolver o problema da remissão dos pecados, porque é impossível
que com sangue de touros e de bodes se tirem os pecados
(Hebreus X-4). Deus aceitava aqueles sacrifícios, porque
prefiguravam o único Sacrifício completamente satisfatório, aquele
que Jesus Cristo haveria de oferecer na cruz; aí é que somos
santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez
(Hebreus X-10).
S. Paulo refere-se então ao costume de entrar o Sumo Sacerdote,
uma vez cada ano, no Santo dos Santos, que estava fechado para
simbolizar o Céu que também estava fechado para nós, e entrava
não sem sangue que oferecesse pelas suas próprias ignorâncias e
pelas do povo (Hebreus IX-7), mas com sangue alheio (Hebreus IX-
25), sangue de bodes ou de bezerros (Hebreus IX-12), ao passo
que Cristo entrou em santuário que era mais excelente e perfeito
tabernáculo, não feito por mão de homem, isto é, não desta criação
(Hebreus IX-11), entrou no Céu, do qual o Santo dos Santos era
apenas um símbolo, com o seu próprio sangue (Hebreus IX-12) e
entrou uma só vez havendo achado uma redenção eterna (Hebreus
IX-12).

Mas, como a comparação que S. Paulo está fazendo é entre a


chegada de Cristo no Céu e a entrada do Sumo Sacerdote no Santo
dos Santos, entrada esta que se realizava todos os anos e que era
feita para oferecimento de um sacrifício que anualmente se repetia,
S. Paulo, com receio de que os hebreus não entendessem bem a
comparação e ficassem pensando que o nosso Sumo Sacerdote
Cristo necessitasse estar sempre repetindo o seu Sacrifício no Céu,
S. Paulo, não contente com dizer que Cristo entrou no santuário
celeste (Hebreus IX-12), acrescenta que Cristo não
entrou naquele santuário para realizar aí muitas vezes o seu
Sacrifício Redentor, o qual aliás já tinha sido realizado na cruz: E
não entrou para oferecer muitas vezes a si mesmo, como o pontífice
cada ano entra no santuário com sangue alheio, doutra maneira Lhe
seria necessário padecer muitas vezes desde o princípio do mundo
(Hebreus IX-25 e 26). O sacrifício redentor de Cristo foi , o da
Cruz, e com este Ele ofereceu condigna satisfação por todos os
pecados passados, presentes e futuros.

Há alguns protestantes que aí fazem confusão, entendendo mal as


palavras de Cristo e tiram a conclusão de que o sacrifício de Cristo
foi oferecido no Céu e não na cruz. Não é isto o que S. Paulo quis
dizer, quis apenas fazer uma comparação da de Cristo no
Céu feita e definitivamente, com a entrada que todos os
anos precisava fazer o Sumo Sacerdote judaico no segundo
tabernáculo.

Que se conclui de tudo isto? Que a só foi feita


uma vez. Cristo não oferece mais o seu corpo e o seu sangue
, porque a Humanidade já foi no
Sacrifício da Cruz. Mas segue-se daí que Cristo não possa mais
para alcançar certas e
determinadas graças para nós? Segue-se daí que Cristo não possa
mais oferecer-se a Deus Pai para adorá-Lo e render-Lhe graças?

Ora, a que faz Cristo no Santo Sacrifício da Missa não é


uma , neste sentido de que a Missa seja
celebrada para remir a Humanidade, como se esta não tivesse
alcançado ainda a Redenção; a Humanidade já está remida, o preço
do resgate já foi pago, o Céu já está aberto, a Humanidade já foi
restaurada no plano sobrenatural.

Os protestantes nos advertem que a Eucaristia é realizada em


comemoração do Senhor, em memória de sua Paixão e Morte. Ora,
quando se comemora um fato, argumentam eles, este fato não se
repete: quando comemoramos a Independência do Brasil, não quer
dizer que o Brasil se torne independente outra vez.

Estamos perfeitamente de acordo. Nós comemoramos no Sacrifício


da Missa de Cristo; e não matamos a Cristo outra vez,
quando a Missa é celebrada.

Mas o Sacrifício da Missa é


C , em que temos no altar o próprio Corpo e o próprio
Sangue que Cristo ofereceu na Cruz. Cristo na Missa faz o seu
, a sua , não já para nos remir, mas para
suplicar a Deus muitas graças para nós, que Deus absolutamente
não está obrigado a nos conceder e para adorá-Lo e render-Lhe
graças em nosso lugar. Assim temos a felicidade de assistir
pessoalmente ao Sacrifício da Cruz, pois o Sacrifício da Missa é o
mesmo Sacrifício do Calvário, embora levado a efeito de maneira
diversa, pois a Vítima é a mesma, e mesmo é o Sacerdote Cristo
que é o . E nós que assistimos à
do Sacrifício da Cruz, levamos uma vantagem
sobre aqueles que assistiram no Calvário à sua
: é que a Missa é o próprio Sacrifício do Gólgota
desdobrado num banquete, em que nós podemos participar da
própria Vítima oferecida, alimentando-nos do seu próprio Corpo, que
nos é dado como nutrição especial para mantermos em nós a vida
da graça.

Não há dúvida que Cristo podia ter providenciado de outro modo o


aumento da e a nossa permanência nela, mas
o modo como Ele quis fazer e o fez, demonstra o seu imenso amor
para conosco, eternizando a sua presença na terra, unindo-se
intimamente, na comunhão, com aqueles que creem na sua palavra,
no seu mistério eucarístico e dando-nos o privilégio de juntar a
nossa oblação, o oferecimento a Deus de todo o nosso ser, com
aquela oblação, aquele oferecimento que são eternos na sua Alma
Puríssima de Redentor.

A nossa oblação.

343. E assim entramos noutro aspecto da doutrina do sacrifício.


Deus se aborrecia com os sacrifícios antigos, porque eles eram
feitos como um dos sentimentos que o povo tinha para com
Deus, e muitas e muitas vezes este sinal era falho e inexpressivo,
não correspondia à realidade.

Na Nova Aliança, a Vítima oferecida é em si mesma agradabilíssima


aos olhos de Deus, porque é o seu próprio Divino Filho. Mas disto
não se segue que estejamos dispensados de juntar à oblação desta
Vítima infinitamente preciosa, a nossa própria oblação; ao sacrifício
de Jesus, os nossos próprios sacrifícios pessoais. Sem esta
submissão íntima do nosso coração a Deus não nos salvamos.
E daí vêm as exortações da Bíblia a acompanharmos o sacrifício de
Cristo com a nossa própria consagração a Deus: Tendo um grande
sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos a Ele com
, revestidos duma , tendo os
de consciência má, e lavados os corpos
com água limpa, conservemos firme a profissão da
(porque fiel é o que fez a promessa) e consideremo-nos
uns aos outros, para nos estimularmos à e às
(Hebreus X-21 a 24).

O sacerdócio dos fiéis.

344. Desde que o papel do sacerdote é oferecer a Deus


e em nome do povo, o cristão que faz suas ofertas a
Deus, que a Deus oferece seus , está também de um
certo modo exercendo um . Por isto nos diz S. Pedro,
falando sobre Cristo: Chegai-vos para Ele, como para a pedra viva
que os homens tinham sim rejeitado, mas que Deus escolheu e
honrou; também sobre ela vós mesmos, como pedras vivas, sede
edificados em casa espiritual, em , para oferecer
, que sejam aceitos a Deus por Jesus
Cristo... Vós sois , ,
, o povo de aquisição, para que publiquei as grandezas
dAquele que das trevas vos chamou à sua maravilhosa luz (1ª
Pedro II-4 e 5, 9).

Os mesmos protestantes que usam o argumento de que, sendo


Cristo o , não há sacerdotes na Nova Lei, se
servem agora deste texto para querer com isto demonstrar que
todos os fiéis (!).

Entretanto S. Pedro fala aí de um sacerdócio, não no sentido


próprio, em toda a extensão da palavra, mas num sentido lato,
assim como Cristo disse que a Escritura chama àqueles a
quem a palavra de Deus não foi dirigida, e a não pode
falhar (João X-35). Também se diz do bom médico, do bom
professor, que exercem um sacerdócio.

Uma coisa logo atrapalha aquele que só tem em mãos o texto em


português (e é um exemplo, entre muitos, que mostra como para
entender bem a Bíblia é preciso saber o grego e o hebraico, línguas
originais em que foi escrita), é que S. Pedro diz: Vós sois... o
, mas a palavra tem 2 sentidos em
português:

R = que existe de fato; que não é ideal, mas é efetivo,


verdadeiro.

R = relativo ao rei; digno ou próprio de rei; magnificente, régio.

Ora, a palavra grega que aí corresponde a ( ) tem


unicamente este segundo sentido.

Quem lê o latim da Vulgata não tem perigo de fazer confusão, pois o


texto não é , mas .

Que vem a ser um sacerdócio real, na expressão de S. Pedro?


Equivale a ; equivale a
. Pois S. Pedro, neste versículo 9º de sua 1ª Epístola,
faz apenas reproduzir, aplicando aos cristãos, aquilo que já havia
sido dito aos judeus no livro do Êxodo, no qual lemos o seguinte:
Se, portanto, ouvirdes a minha voz e observardes o pacto que eu fiz
convosco, sereis para mim a dentre todos os
povos, porque minha é toda a terra; e vós sereis o meu
e uma (Êxodo XIX-5 e 6).

Vê-se bem claramente o paralelismo entre as expressões usadas no


Êxodo e as palavras de S. Pedro:

Êxodo XIX-5 e 6 1ª Pedro II-9


porção escolhida geração escolhida
reino sacerdotal real sacerdócio
nação santa gente santa

Deus chamou aos judeus um . Que se segue


daí? Que entre os judeus todos eram sacerdotes? Não. Porque este
sacerdócio efetivo da lei judaica era privativo dos descendentes
Arão: Faze também chegar a ti Arão, teu irmão, com seus filhos,
do meio dos filhos de Israel, para que eles exercitem
diante de mim as funções do : Arão, Nadab, Abiu,
Eleazar e Itamar (Êxodo XXVIII-1). O livro dos Números nos mostra
Moisés dizendo a Coré: Foi acaso para isso que ele chamou para
junto de si a ti e a todos teus irmãos, filhos de Levi,
para vós também o e para toda a tua
tropa se sublevar contra o Senhor? (Números XVI-10 e 11). E,
depois de realizado o grande castigo, se diz que o sacerdote
Eleazar tirou os turíbulos de metal, nos quais tinham oferecido os
que foram consumidos pelo incêndio e os converteu em lâminas,
pregando-os no altar, para que os filhos de Israel tivessem ao
depois em que escarmentar, a fim de que nenhum estrangeiro
A se chegue para
oferecer incenso ao Senhor e padeça a mesma pena que padeceu
Coré e toda a sua tropa, conforme o Senhor tinha dito a Moisés
(Números XVI-39 e 40). O 2º livro dos Paralipômenos nos narra o
castigo sofrido pelo rei Osias, que queria oferecer incenso sobre o
altar dos perfumes. E entrou logo após ele o pontífice Azarias, e
com ele oitenta sacerdotes do Senhor, homens da maior firmeza e
se opuseram ao rei e disseram: A ti, Osias, não é que pertence o
queimar incenso ao Senhor, , isto é, aos filhos
de Arão, ; sai do
santuário, não queiras fazer este desprezo, porque esta ação não te
será reputada em glória pelo Senhor Deus. E Osias, irado, tendo na
mão o turíbulo para oferecer incenso, ameaçou os sacerdotes. E no
mesmo ponto lhe nasceu lepra na testa... e ele mesmo, passado de
medo, deu pressa a sair, porque logo sentiu a praga com que o
Senhor o tinha ferido (2º Paralipômenos XXVI-17 a 20).
Uma , portanto, não quer dizer uma nação em
que todos são sacerdotes, no sentido rigoroso da palavra, mas uma
nação que é toda consagrada a Deus, assim como os sacerdotes
são a Ele consagrados, e é neste sentido que S. Pedro chama um
o povo cristão.

Esta perfeita igualdade entre todos os cristãos, a qual pretendem


pregar os protestantes, vai de encontro ao ensino bíblico que nos
mostra Cristo separando do meio do povo os seus Apóstolos,
educando-os carinhosamente, revelando só a eles os mistérios do
reino de Deus (Mateus XIII-11), dando-lhes só a eles na intimidade
da Ceia Larga o poder de realizar o mistério eucarístico (Lucas XXII-
19), o qual provaremos daqui a pouco (nos 345 a 348) ser um real e
verdadeiro sacrifício, dando a eles em uma casa, de portas
fechadas, o poder de perdoar pecados (João XX-23), enviando-os
só a eles a e a batizar (Mateus XXVIII-19), fazendo deles
uns ministros de Cristo e dispenseiros dos mistérios de Deus (1ª
Coríntios IV-1).

Vai de encontro a toda a história do Cristianismo, como bem


observa D. Charue, e ao próprio ensino desta mesma 1ª Epístola de
S. Pedro que faz a distinção entre pastores e ovelhas: Apascentai o
rebanho de Deus que está entre vós... e quando aparecer o Príncipe
dos pastores, recebereis a coroa de glória que nunca se poderá
murchar (1ª Pedro V- 2 e 4).

Querer provar que os Apóstolos não eram os de Nova


Lei, não formavam uma distinta do povo, pelo
simples fato de que a Bíblia não lhes atribui a palavra ,
é querer fazer uma interpretação da Bíblia muito pouco inteligente,
baseada apenas num , é querer ver na Bíblia
somente palavras escritas materialmente e não o que elas
exprimem e significam. Se a Escritura os chama ou
enviados de Cristo, esta palavra é bastante ampla para encerrar em
si um grande número de prerrogativas, pois designa aqueles a quem
Cristo transmitiu os seus poderes: se são Apóstolos são mestres,
pastores, bispos, dirigentes da Igreja, e são também sacerdotes.

A massa protestante, que, apesar de rude e ignorante, se põe a ler


e interpretar, por sua própria cabeça, as Sagradas Escrituras, se
aferra de unhas e dentes a este sistema absurdo de escravidão às
palavras. E os pastores protestantes, aqueles que têm ou, pelo
menos, deveriam ter um pouco mais de cultura, em vez de orientar
os ignorantes nesta matéria, muitas vezes fomentam esta
interpretação puramente verbal, para se servirem disto como de
uma arma contra a Igreja.

É inútil provar a certos protestantes que S. Pedro foi o chefe da


Igreja e que o Papa é o sucessor de S. Pedro; eles dirão que não
obedecem ao Papa, porque esta palavra não se encontra na
Bíblia.

É inútil explicar a certos protestantes o que é que nós chamamos


hoje um , isto é, um sinal sensível, como é, por
exemplo, a água, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, como foi
por exemplo o Batismo (Ide, pois, e ensinai todas as gentes,
- em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo —
Mateus XXVIII-19), para conferir a graça: Cada um de vós seja
em nome de Jesus Cristo
; e recebereis E S (Atos II-38). Se o
protestante tiver em mãos a Bíblia na tradução do Pe Antônio
Pereira de Figueiredo, fica convencido de que
na Nova Lei; pois aí se lê a respeito do Matrimônio: Este
é grande; mas eu digo em Cristo e na Igreja (Efésios
V-32).

Mas se tiver em mãos a Bíblia de Ferreira de Almeida, que não traz


esta palavra , fica convencido de que sacramento não
existe.
Cristo mudou o pão no seu próprio corpo, o vinho no seu próprio
sangue, como já provamos. Ao cabo de vários séculos, alguém
formou uma palavra que, dentro da teoria filosófica sobre substância
e acidentes [50], exprime exatamente o que se passa, tanto na
consagração do pão, como na do vinho. E passou-se a chamar com
o nome de , a conversão realizada na Santa
Missa, exprimindo-se economicamente , uma
que já era muito antiga, pois vinha dos tempos de Cristo,
mas que antes precisava de muitas palavras para ser expressa.
Pois bem, os protestantes se insurgem contra o dogma da
Transubstanciação, porque B [51].
Como se do fato de alguém ter formado a palavra
para exprimir a ideia de navio grande que faz regularmente a
travessia do Atlântico, se seguisse que antes disto não havia estes
navios. Ou como se do fato de alguém ter inventado uma palavra só
— — para exprimir a dor de cabeça, se seguisse que a
dor de cabeça só começou a existir desta data em diante.

Segundo estes métodos “importantíssimos” e “inteligentíssimos” de


interpretar as Santas Escrituras, ao perguntarmos aos protestantes
se eles acreditam na Santíssima T , na do
Verbo, na de Cristo, eles são capazes de dizer que não
acreditam em nada disto, porque estas não estão na
Bíblia. E não sabemos como se arranjam eles, dentro deste sistema
tão “bonito” de interpretação, para provar a sua doutrina básica de
que para a salvação é preciso aceitar a Cristo como nosso Salvador
, se esta palavra , também não se encontra na
Bíblia. Ou como conseguem convencer-se de que existe no
Cristianismo o , de que a seita ou
ou etc, etc, é a Igreja Verdadeira de Jesus
Cristo, se estes termos não se encontram nas Sagradas Escrituras.

Os Apóstolos eram , sem ser necessário para isto que


a Bíblia lhes aplique este nome, assim como é certíssimo que a
nossa alma é , segundo reconhece a grande maioria dos
protestantes, os quais entretanto leem a Bíblia do princípio ao fim,
sem que nem uma só vez encontrem esta palavra aplicada
à alma humana.

Este sacerdócio da Nova Lei, transmitido por Cristo, Sumo e Eterno


Sacerdote, aos seus Apóstolos e por estes a outros a quem eles,
para perpetuidade da Igreja, acharam necessário transmiti-lo, é um
sacerdócio verdadeiro e efetivo.

Mas os simples fiéis precisam convencer-se de que podem


, por uma certa analogia, exercer também esta função
de sacerdotes. Podem e devem. Não é ofício do sacerdote oferecer
em nome do povo Deus? Pois bem, o fiel
deve fazer doação de si mesmo, oferecer ,
como disse S. Pedro (1ª Pedro II-5). O sacrifício de Cristo foi
infinitamente precioso, mas não nos aproveitaremos dele, se não
soubermos fazer por nossa parte o das nossas paixões,
das desordenadas inclinações da nossa carne; é preciso trazer o
corpo limpo, sem mancha de pecado, para podermos, por nossa
vez, como se fôssemos sacerdotes, oferecê-lo a Deus como uma
hóstia agradável aos seus olhos: Pela misericórdia de Deus vos
rogo, irmãos, que , como uma
, , D (Romanos XII-1). Alguns são
chamados até a imolar esta hóstia, numa semelhança ainda maior
com Cristo, porque têm que sofrer o martírio em defesa de sua fé.

Além da santidade de vida (Cria em mim, ó Deus, um coração puro


e renova nas minhas entranhas um espírito reto — Salmos L-72),
outro sacrifício que os fiéis podem oferecer é a prece. Por isto já o
Salmista nos apresentava Deus a dizer: Porventura comerei carnes
de touros? ou beberei sangue de cabritos? Oferece a Deus
e paga ao Altíssimo os teus votos (Salmos
XLIX-13 e 14). Senhor, abrirás os meus lábios e a minha boca
anunciará o teu louvor (Salmos L-77). E é nesta mesma linha de
considerações que S. Paulo nos diz: Ofereçamos, pois, por Ele, a
Deus sem cessar L , isto é, o fruto dos lábios
que confessam o seu nome (Hebreus XIII-15). E, como a oração
não basta sem a caridade, ele acrescenta: E não vos esqueçais de
fazer bem e de repartir dos vossos bens com os outros; porque com
tais é que Deus se dá por obrigado (Hebreus XIII-16). E
nem é preciso relembrar aqui a palavra de Cristo: Quantas vezes
vós fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim
é que o fizestes (Mateus XXV-40).

Assim, enquanto Cristo, o Sumo e Eterno Sacerdote, se oferece a si


mesmo, por intermédio do padre católico que participa do
sacerdócio de Cristo, como ministro dEle e dispenseiro dos
mistérios de Deus, também os fiéis, embora em grau menos
elevado, participam do sacerdócio, suas lutas, suas
mortificações, seus sacrifícios, suas orações, suas caridades e
sobretudo a sinceridade do seu coração, para subir ao Céu, como a
nossa contribuição humana, juntamente com a contribuição divina,
ou seja, aquela Hóstia pura, santa e imaculada, que se oferece
quotidianamente sobre o altar do sacrifício.

Notas (pular)

[50] Substância, no seu conceito filosófico, não é o mesmo que substância


considerada na química ou apresentada na nossa linguagem vulgar.
Substância em filosofia é aquilo que faz com que uma coisa seja o que é, e
não outra coisa. Tomemos, por exemplo, um pedaço de pão. O que é que faz
com que isto seja pão, e não outra coisa? Não é a cor, porque ou mais
torrado, tomando uma cor mais escura, ou menos torrado tomando uma cor
mais clara, é pão da mesma forma. Não é o cheiro: quando saiu logo do forno
e estava quente, tinha um cheirinho especial que perdeu depois, mas não
deixou de ser pão por causa disto. Não é o gosto: saboroso ou insípido, é pão
sempre. Não é também a quantidade: a substância de pão está tão
perfeitamente num pedacinho, como num pão que os padeiros entendessem
de fabricar com dois metros de comprimento. O mesmo se diga da substância
do vinho: pode ser tinto ou branco, pode ter sabores os mais variados, pode
ser uma gotinha só ou um barril inteiro, é vinho sempre da mesma forma. É o
que se dá com todas as substâncias. Portanto a cor, o cheiro, o gosto, a
quantidade não são a substância: são o que se chama em filosofia os
acidentes. A substância é algo que não é perceptível aos nossos olhos, aos
nossos sentidos, ao passo que os acidentes o são.
O domínio de Deus sobre as substâncias é absoluto, porque não tem limites o
seu poder. Nas bodas de Caná, Jesus mudou a substância da água na do
vinho, com um simples ato de sua vontade, mas aí mudou também os
acidentes. Na última Ceia fez muito mais: mudou a substância do pão na de
sua carne Sacratíssima, mudou a substância do vinho na de seu Sangue
Precioso, permanecendo, porém, os acidentes do pão e do vinho. Mistério de
fé, que está acima de nossa razão, mas que, pela noção diversa de
substância e de acidentes, não encerra em si nenhum absurdo ou
contradição. (voltar)

[51] Ou se admite a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, ou não se


admite. Se se admite (e já a provamos bem claramente pela Bíblia), não há
outro meio, diante das palavras de Jesus, senão admitir a transubstanciação,
isto é, a substância do pão já não está mais ali, e sim o corpo do Salvador.
Lutero se orgulhava de defender a presença real ainda melhor do que os
católicos tinham feito até então. Entretanto, como bem observou Bossuet,
Lutero se via por vezes embaraçado diante de seus adversários precisamente
porque não admitia a transubstanciação, e sim a consubstanciação, pois
afirmava que ali na Eucaristia permanecia a substância do pão e ali também
estava a substância do corpo de Cristo. Seus opositores observavam, então,
que Jesus não disse: Neste pão está o meu corpo — mas sim — o meu
corpo.

Por aí se vê que não há meio termo. Se Jesus está presente na Hóstia


Consagrada, está por transubstanciação. Nosso Senhor, ao dizer: Lázaro, sai
para fora (João XI-43), não precisou acrescentar: “Acabei de fazer uma
ressurreição”, para que nós proclamássemos que foi uma ressurreição que
Ele realizou. Assim também, na Última Ceia não foi preciso que Ele dissesse:
“O que acabei de fazer foi uma transubstanciação.” Dizendo É o meu
corpo, exprimiu claramente que ali não estava mais a substância do pão, mas
sim a de seu Corpo Sacratíssimo, embora sob as aparências de pão. E isto é
o que nós chamamos . (voltar)
A Missa é verdadeiro e real sacrifício
A profecia de Malaquias.

345. Resolvidas as objeções protestantes, provado que a Missa em


nada vem ofuscar a eficácia do Sacrifício da Cruz, passamos agora
à demonstração da nossa tese: A Missa é um verdadeiro e real
Sacrifício.

Para haver Sacrifício, não é preciso haver , pois havia os


sacrifícios incruentos, em que se ofereciam a Deus os produtos
agrícolas. Sem precisar morrer mais que uma vez, Cristo toma as
aparências dos produtos agrícolas, ou no caso, do pão e do vinho,
para então ser oferecido constantemente a Deus, novamente como
no Calvário, numa . É a expressão do Profeta
Malaquias.

Várias coisas a respeito do reino messiânico foram preditas pelos


Profetas. E uma delas é o Sacrifício da Missa que se havia de
oferecer em toda a terra.

O Profeta Malaquias nos mostra Deus irritado com as negligências e


as provas de má vontade postas em prática pelos sacerdotes da
Antiga Lei, ao oferecer os seus sacrifícios: O filho honra a seu pai, e
o servo reverencia a seu senhor; se eu, pois, sou vosso pai, onde
está a minha honra? e se eu sou vosso senhor, onde está o temor
que se me deve? diz o Senhor dos exércitos. Convosco falo, ó
sacerdotes que desprezais o meu nome e dissestes: Em que
desprezamos nós o teu nome? Vós ofereceis sobre o meu altar um
pão imundo e dizeis: Em que te profanamos nós? Nisso que dizeis:
A mesa do Senhor está desprezada. Se vós ofereceis uma hóstia
cega para ser imolada, não é isto mau? e se ofereceis uma que é
coxa e doente, não é isto mau? Oferece estes animais ao teu
governador, a ver se eles lhe agradarão ou se ele te receberá com
agrado, diz o Senhor dos exércitos (Malaquias I-6 a 8).
Diante disto, Deus se mostra resolvido a rejeitar e abolir os
sacrifícios antigos: O meu afeto não está em vós, diz o Senhor dos
;
(Malaquias I-10).

E passa a anunciar um Sacrifício Novo, oferecido em toda a terra:


Porque desde o nascente do sol até o poente é o meu nome grande
ao entre as gentes, e
(Malaquias I-11).

Desde o nascimento do sol até o poente é o meu nome grande entre


as gentes.

A expressão — do nascente do sol até o poente — é usada nas


Escrituras para significar : O Deus dos deuses, o
Senhor falou e convocou , desde o oriente do sol até o seu
ocaso (Salmos XLIX-1). Para que saibam os que há desde o
nascimento do sol e os que habitam desde o seu ocaso, que o não
há fora de mim: eu sou o Senhor e não há outro (Isaías XLV-6). E os
que demoram da parte do ocidente temerão o nome do Senhor, e os
que ficam da banda donde nasce o sol respeitarão a sua glória
(Isaías LIX-19).

A palavra (no hebraico ) é sempre empregada na


Bíblia para significar os gentios, os outros povos que não são o povo
Israelita.

E os profetas costumam apresentar como um sinal do reino do


Messias, o ser Deus cultuado por todos os povos: E sairá uma vara
do tronco de Jessé, e uma flor brotará da sua raiz. E descansará
sobre ele o espírito do Senhor... A
S , assim como as águas do mar que a cobrem (Isaías XI-1, 2
e 9). As ilhas me estão esperando, e as naus do mar desde o
princípio para eu trazer de longe os teus filhos, com eles a sua prata
e o seu ouro, para ser consagrado ao nome do Senhor teu Deus, e
ao Santo de Israel que te glorificou (Isaías LX-9). E acontecerá isto:
no último dos dias o monte da casa do Senhor será preparado no
alto dos montes e se elevará sobre os outeiros; e
a ele. E se darão pressa por
lá chegar e dirão: Vinde, subamos ao monte do Senhor e à casa do
Deus de Jacó; e Ele nos ensinará os seus caminhos e nós
andaremos pelas suas veredas; porque S ,e
S , J (Miqueias IV-1 e 2). Lembrar-
se-ão e converter-se-ão ao Senhor todos os limites da terra, e
adorarão na sua presença todas as famílias das gentes (Salmos
XXI-8), diz Davi num salmo evidentemente messiânico, o Salmo XXI
(2. Deus, Deus meu, olha para mim. Por que me desamparaste? 17
e 18 Eles transpassaram as minhas mãos e meus pés, contaram
todos os meus ossos).

É, portanto, ao tempo messiânico que se está referindo Malaquias e


assim acrescenta: Em todo o lugar se sacrifica e se oferece ao meu
nome uma oblação pura (Malaquias I-11).

Esta , a que ele se refere, não é tomada no sentido


metafórico de oração ou sacrifício espiritual ou esmola; ela vem
os sacrifícios dos sacerdotes da Antiga Lei; e na Antiga
Lei também já se ofereciam orações e esmolas e sacrifícios
espirituais. E além disto é expressa no hebraico pela palavra
, que mais de cento e cinquenta vezes é empregada na
Bíblia para indicar verdadeiro sacrifício no sentido litúrgico da
palavra. Às vezes exprime a ideia de sacrifício litúrgico,
independentemente da consideração se é incruento ou não; mais
frequentemente, porém, indica o sacrifício incruento.

Por aí se vê claramente que Malaquias não fala do tempo para ele


presente, mas dos tempos da Nova Lei, pois no seu tempo, portanto
antes de Cristo, havia sacrifícios entre os gentios, mas sacrifícios
completamente desagradáveis a Deus, oferecidos aos ídolos: os
coisas que sacrificam os gentios, as sacrificam aos demônios, e não
a Deus (1ª Coríntios X-20). Nem se trata de sacrifícios oferecidos
pelos judeus dispersos entre as outras nações. Estes judeus eram
poucos, não estavam espalhados em toda a terra, nem tinham
prestígio nem número suficiente para tornar o nome de Deus grande
entre os gentios, quando ao contrário se sabe que o mundo inteiro
estava mergulhado na idolatria, antes da vinda de Cristo. E além
disto este sacrifício judaico era oferecido apenas no templo de
Jerusalém.

Malaquias refere-se, portanto, a um sacrifício novo, oferecido nos


tempos messiânicos. E não se refere diretamente ao Sacrifício da
Cruz, pois este foi oferecido , uma só vez, no
monte Calvário, ao passo que aqui se trata de um sacrifício
oferecido , de modo que torne o nome do Senhor
engrandecido entre as gentes.

É fraquíssima a objeção protestante de que Malaquias fala no tempo


presente: , ; portanto não se trataria de
coisa futura. Pois é sabido como os profetas perdem completamente
nas suas predições a noção de tempo; eles veem como presentes,
ou como passadas, as coisas futuras. Assim diz Isaías a respeito do
nascimento do Messias: Porquanto já um pequenino
para nós, e um filho a nós e o
principado sobre o seu ombro (Isaías IX-6). E a respeito da Paixão
do Senhor: Ele não beleza nem formosura e - e não
parecença do que era; e por isso nós o , feito
um objeto de desprezo e o último dos homens, um varão de dores e
experimentado nos trabalhos; e o seu rosto como
encoberto e parecia desprezível; por onde nenhum caso
dEle. Verdadeiramente Ele foi o que sobre si as nossas
fraquezas, e Ele mesmo com as nossas dores; e nós O
como um leproso, e ferido por Deus e humilhado. Mas
Ele pelas nossas iniquidades, pelos
nossos crimes; e o castigo que nos devia trazer a paz sobre
Ele e nós pelas suas pisaduras (Isaías LIII-2 a 5).
Escreve Davi num salmo profético sobre o Messias: D o Senhor
ao meu Senhor: Senta-te à minha mão direita (Salmos CIX-1).
Tanto mais que, como provamos, mostrando Deus o seu desagrado
diante dos próprios sacrifícios judaicos, oferecidos no seio do único
povo que cultuava o Deus verdadeiro, em nenhuma parte da terra,
muito menos se estava oferecendo a Deus naquele
tempo um sacrifício puro e aceitável.

Portanto, ou a Bíblia falhou completamente nesta profecia (e a Bíblia


não pode falhar) ou então há oferecido a Deus em
todo lugar e este sacrifício não é outro senão o Sacrifício da Missa,
em que novamente se levanta aos Céus, realmente presente sob as
espécies de pão e de vinho, aquela mesma Vítima Adorável que se
ofereceu no Calvário.

E a doutrina que recebeu a Igreja é


que a Santa Missa é um verdadeiro sacrifício e que a profecia de
Malaquias a ela se refere, pois é assim que fala sobre a Eucaristia o
ou Doutrina dos 12 Apóstolos, livro antiquíssimo que
pertence ao 1º século, sendo provavelmente anterior ao ano 70:

“Reunidos cada dia do Senhor, parti o pão e dai graças, depois de


haver confessado vossos pecados, a fim de que o
seja puro. Todo aquele, porém, que tiver contenda com seu
companheiro, não se junte convosco enquanto não se reconciliarem,
para que não se profane o . Porque este é o
sacrifício do qual disse o Senhor: Em todo lugar e em todo tempo se
me oferece um puro; porque eu sou rei grande e meu
nome é admirável entre as nações.” (Didaqué XIV-1 a 3).

O texto se refere evidentemente à Eucaristia, chamada o partir do


pão, celebrada no dia do Senhor, sem lhe faltar como preparação a
confissão dos pecados; chama-o repetidamente (
, no original grego) e aplica-lhe com toda clareza a profecia
de Malaquias.

Se os protestantes creem na Bíblia e dizem querer professar o


Cristianismo primitivo, eles não podem recusar nem o texto de
Malaquias, nem este documento tão valioso que nos vem da mais
remota antiguidade cristã.

A primeira Missa na Última Ceia.

346. As palavras de Cristo na instituição da Eucaristia nos mostram


muito bem que aquela Ceia teve o caráter de um verdadeiro
sacrifício.

Já provamos que ali sob a espécie de estava realmente o corpo


de Jesus; e sob a espécie de , o seu preciosíssimo Sangue.

Agora é preciso notar também que Jesus, ao entregar o pão e o


vinho consagrados, frisa que este seu corpo , que este seu
sangue por nós. Mas em que sentido? No sentido de
que o sangue que está no cálice é derramado ali na ceia? ou no
sentido de que será derramado na sua Paixão? No sentido de que o
corpo é entregue ali na ceia, ou no sentido de que na sua Paixão
sevá entregue?

Se examinarmos o texto original grego, veremos que o que ele


exprime é o seguinte: o sangue de Cristo é derramado também ali
na Ceia.

Assim diz literalmente o texto grego do Evangelho de S. Lucas


(XXII-20): T (Este o cálice) (o
Novo Testamento) (no meu sangue)
(o por vós) (derramado).

Qualquer pessoa que tenha algum conhecimento de grego vê no


texto que a palavra que está em nominativo, não se
refere absolutamente a que está em dativo, mas a
que está no nominativo ( ... ).

Aí existe uma figura muito conhecida: metonímia, empregando o


continente pelo conteúdo. Derramar o cálice é derramar aquilo que
nele se contém.

O sangue é chamado cálice, porque está dentro dele. E o sangue


que Cristo derramou na cruz não foi derramado em cálice.

Ao ver Cristo falar aí na Ceia em sangue derramado ninguém pode


pensar, é claro, que Cristo tenha derramado o seu sangue no chão.
Mas é derramado numa efusão mística e sacramental; pois aparece
aos nossos olhos separado do seu corpo como vai ser separado na
cruz; aparece como tendo sido derramado e como que recolhido no
cálice.

Os outros Evangelistas S. Mateus e S. Marcos no texto grego


trazem literalmente assim:

Marcos XIV-24: Este é o meu sangue do Testamento, o


por muitos.

Mateus XXVI-28: Este com efeito é o meu sangue do Testamento, o


por muitos para remissão de pecados.

É preciso notar que tanto em S. Lucas, como em S. Mateus e


S. Marcos, o termo expresso pelo particípio presente
passivo ( ) e no grego o particípio presente não se
refere a coisas futuras, mas só a presentes. Além disto, o texto de
S. Mateus e de S. Marcos são as palavras de Jesus ditas na
consagração do cálice e têm exatamente, portanto, o mesmo
sentido que em S. Lucas, o qual, falando do cálice derramado, fala
de uma efusão de sangue , naquela hora, e não futura.

Já no texto da Vulgata, as palavras de Jesus vêm se referindo a um


derramamento de sangue que ainda se vai realizar:

Este cálix é o Novo Testamento em meu sangue, que


por vós (Lucas XXII-20)
Este é o meu sangue do Novo Testamento, que
por muitos (Marcos XIV-24).

Este é o meu sangue do Novo Testamento, que


por muitos para remissão de pecados (Mateus XXVI-28).

Quanto à consagração do pão, enquanto S. Mateus e S. Marcos


dizem apenas: Este é o meu corpo (Mateus XXVI-26; Marcos XIV-
22), S. Lucas traz mais algumas palavras.

No texto grego vem:

Lucas XXII-19: Este é o meu corpo o por vós dado ( ).

Na Vulgata:

Lucas XXII-19: Este é o meu corpo que por vós.

Aí estão perfeitamente iguais os dois textos (grego e Vulgata), pois


no grego está o particípio presente passivo ( ) que traz
sempre a ideia de uma ação presente; e na Vulgata se diz no
presente que o corpo de Cristo por nós (naquele momento).

E a mesma Vulgata traz assim a consagração do pão narrada por


S. Paulo:

1ª Coríntios XI-24: Este é o meu corpo que por


amor de vós [52].

Como se vê, no texto grego, em todos os versículos que referem a


consagração do pão e do vinho, vem sempre a ideia de um ato que
se realiza no presente: o sangue é agora ; o corpo de
Cristo presentemente. Ao passo que na Vulgata, na
consagração do vinho se traz a ideia de apresentação de uma coisa
que se vai realizar: o sangue irá ser derramado; na consagração do
pão se trazem as 2 ideias: em S. Mateus, o corpo de Cristo
agora na Ceia; no texto de S. Paulo o corpo ainda
.

Dada a relação muito íntima que há entre o Sacrifício eucarístico e o


Sacrifício do Calvário que são um só e o mesmo sacrifício, sendo o
primeiro uma viva representação do segundo, não há contradição
absolutamente entre as 2 maneiras de ver: o corpo de Cristo que
na Ceia, é o mesmo que na Cruz; o sangue que
ali no Cálice já se por apresenta como é o mesmo que
nós na Paixão do Salvador.

Mas dirá alguém: Se o Sr. toma o texto da Vulgata que fala assim no
futuro: , , pode provar que Cristo
está anunciando um sacrifício futuro, o da Cruz; como pode provar,
então, que o que se passou na Ceia foi um verdadeiro e real
sacrifício?

— Pode-se provar muito bem, ou as palavras de Cristo se tomem no


sentido presente ou no sentido futuro.

Tomemos, por exemplo, o senti futuro.

Primeiro que tudo, como já vimos, para haver não é


necessário que haja , nem derramamento e de
sangue, pois havia também sacrifícios incruentos, de produtos
agrícolas, dos frutos da terra, que não deixavam de ser reais e
verdadeiros sacrifícios.

Sabemos, por outro lado, que o só podia ser realizado


pelos sacerdotes. Porém, mesmo nos sacrifícios cruentos, não era
necessário que o sacerdote, ele próprio, matasse a vítima; a vítima
podia ser abatida ou morta por outros; o papel do sacerdote, ao
realizar a ação do sacrifício, era fazer o oferecimento, a oblação da
vítima sacrificada. Se para haver fosse necessário que o
sacerdote matasse a vítima, então no sacrifício da Cruz, em que
Jesus é ao mesmo tempo Vítima e Sacerdote, seria preciso que
Cristo se suicidasse, se matasse a si mesmo. Ele foi morto pelos
judeus, mas como sacerdote, tinha feito a oblação de si mesmo.

Mas esta oblação de si mesmo a Deus, que Cristo fez no seu íntimo,
ou melhor que, como vimos, Cristo nunca deixou de fazer um só
instante, desde que foi concebido e continua a fazer eternamente
nos Céus, Cristo quis fazê-la de uma maneira , expressando-
a por palavras na sua Última Ceia. É aí que Ele declara
solenemente, já bem próximo à sua Paixão que seu sangue será
derramado (Lucas XXII-20), (Marcos XIV-24),
(Mateus XXVI-26); que
seu corpo (Lucas XXII-19) — Ele não diz
, mas , a Deus, é claro — que seu corpo
será entregue (1ª Coríntios XI-24).

Estas palavras mostram evidentemente uma .

Mas a oblação que se fazia nos sacrifícios não era de uma vítima
distante ou de uma vítima futura, mas sim daquela que estava
presente ali no altar.

Aí é que entra em ação o poder infinito de Jesus. Para que a vítima


estivesse ali presente no altar, que era da Última Ceia, e
presente , é que Ele fez a consagração
do pão e do vinho. Ali está, graças às palavras da consagração,
realmente presente o seu corpo, o mesmo corpo que se oferecerá
na Cruz. Ali está, graças às palavras da consagração, realmente
presente o seu sangue, o mesmo sangue que será derramado para
nos remir. E se mostram separados um do outro, para significar o
, em que estará Jesus na Cruz; no mesmo estado
se encontram ali realmente presentes, na mesa da Última Ceia. De
modo que a Ceia é a representação viva do Sacrifício do Calvário, é
a oblação deste mesmo sacrifício; e é ao mesmo tempo um
verdadeiro sacrifício, sacrifício incruento, em que o seu corpo e o
seu sangue se apresentam sob as aparências de produtos vegetais,
sob as espécies de pão e de vinho.
— Mas dirá alguém: se Cristo ofereceu um sacrifício de seu corpo e
de seu sangue, por nós, na Última Ceia, quer dizer então que foi ali
na Ceia que Ele nos remiu.

— Não. Porque, conforme já temos explicado, embora bastasse um


simples suspiro de Jesus para nos remir, estava decretado por Deus
que o preço do resgate seria a Paixão de Nosso Senhor Jesus
Cristo, a sua morte na cruz. Somente com esta Paixão e Morte é
que a Humanidade se reconciliou com Deus, o Céu se abriu para
nós; e uma satisfação condigna e superabundante foi apresentada a
Deus pelos ultrajes presentes, passados e futuros.

Se tomamos as palavras , , no
sentido presente, sangue derramado no cálice, corpo dado na
Eucaristia por nós, continua sempre de pé, e com maioria de razão,
a noção de sacrifício, pois não só se mostra a , suficiente
para haver sacrifício, mas também misticamente a ação do
sacerdote de derramar o sangue da vítima (Veja-se Levítico XVII-6).

De modo que Cristo realizou ali na Ceia um real e verdadeiro


sacrifício. E não é só isto; dizendo aos Apóstolos: F em
memória de mim (Lucas XXII-19) o que é o mesmo que dizer, em
memória de minha Paixão e Morte (anunciareis a morte do Senhor,
até que Ele venha — 1ª Coríntios XI-26), Ele mandou que se
repetisse até o fim do mundo aquela oblação de seu corpo e de seu
sangue, aquela representação viva de sua Paixão e Morte, que ali
se realizaram na Última Ceia.

Notas (pular)

[52] Ferreira Almeida traz aqui: Isto é o meu corpo que por vós (1ª
Coríntios XI-24). Mas não é esta a variante mais provável. O texto grego
(edição de Nestle) assim traz: T (isto) (de mim) (é)
(o corpo) (o) (por) (vós). E aí têm os protestantes a versão
da Sociedade Bíblica do Brasil: Este é o meu corpo que é por vós (1ª
Coríntios XI-24). A ser verdadeira a versão apresentada por Ferreira de
Almeida, quereria significar apenas isto, conforme a explicação do Cardeal
Franzelin: “Isto é o meu corpo que, em estado de alimento, sob as espécies
de pão, é partido.”

Os protestantes querem censurar a Igreja, dizendo que ela não realiza a


cerimônia de partir o pão eucarístico, à semelhança do que fez Cristo na
Última Ceia. Mas isto não é exato: não se celebra a Santa Missa sem que o
celebrante parta ao meio a Sagrada Hóstia, o que faz pouco depois do Pater
Noster, entre a consagração e a comunhão.

E, se a Eucaristia era chamada no primeiro século o , é preciso


notar que esta era uma expressão empregada para designar qualquer
refeição que se distribuía entre várias pessoas, e assim passou a significar
também a distribuição eucarística: P ao que tem fome, e
introduze em tua casa os pobres e os peregrinos (Isaías LVIII-7). E não
entre eles para consolar ao que chora sobre um morto
(Jeremias XVI-7). Os pequeninos pediram e não havia quem lho
(Trenos IV-4) [N.d.r.: Trenos = Lamentações de Jeremias].

É por isto que às vezes quando o Novo Testamento fala em partir do pão
(Atos II-42 e 46) ficam os exegetas a discutir se se trata da distribuição
eucarística ou de uma refeição qualquer feita em comum. (voltar)

Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.

347. É na última Ceia, portanto, que se compreende ainda mais


claramente o fato de ser o Cristo sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque, o que está dito no Salmo 109, evidentemente
messiânico, pois Jesus Cristo o aplica a si próprio (Mateus XXII-42 a
45) e vem confirmado na Epístola aos Hebreus.

De Melquisedeque se sabe apenas o que está escrito no livro do


Gênesis: Melquisedeque, rei de Salém,
(porque era sacerdote do Deus Altíssimo) abençoou a Abrão,
dizendo: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que criou o Céu e
a terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, por cuja proteção os
inimigos estão nas tuas mãos. E Abrão lhe deu o dízimo de tudo
(Gênesis XIV-18 a 20).
Já não queremos entrar em discussão sobre se Melquisedeque,
, ofereceu ou não um real e verdadeiro
sacrifício.

Nem também influi no caso o fato de falar a Epístola aos Hebreus


sobre o sacerdócio de Cristo segundo a ordem de Melquisedeque e
não fazer menção da Eucaristia a este respeito. Porque a própria
Epístola declara que há outros aspectos interessantes do
sacerdócio de Cristo segundo a ordem de Melquisedeque, sobre os
quais ela não vai falar, porque os destinatários não têm ainda a
capacidade necessária para entender: Chamado por Deus pontífice
segundo a ordem de Melquisedeque. Do qual
que dizer e , porque sois .
Porque devendo vós ser já mestres pelo tempo, tendes ainda
necessidade de que vos ensinem quais são os elementos do
princípio das palavras de Deus, ,
(Hebreus V-10 a
12). Querendo mostrar a superioridade do sacerdócio de
Melquisedeque sobre o sacerdócio de Arão, S. Paulo se baseia no
argumento de que Abrão pagou dízimos a Melquisedeque e por ele
foi abençoado (Hebreus VII-4 a 10), não quer fazer alusão a um
sacrifício incruento que entre os hebreus era considerado como de
menor importância do que os sacrifícios cruentos, oferecidos
também estes pelos sacerdotes da linhagem de Arão.

O que é inegável é que Melquisedeque é figura de Cristo e do seu


, não foi sem razão que o Espírito Santo o mostrou
.

Oferecendo na última Ceia o seu corpo e o seu sangue sob as


espécies de e de e mais ainda ordenando aos Apóstolos
e seus sucessores que fizessem o mesmo que Ele fez, Cristo se
mostra em toda a sua plenitude
M (Salmos CIX-4),
eternamente no Céu onde está assentado à direita de Deus Padre
(Disse o senhor ao meu senhor: Senta-te à minha direita — Salmos
CIX-1) e perpetuamente aqui na terra, onde por intermédio dos
sacerdotes da Nova Lei, Ele continua a apresentar a sua oblação
sob as espécies do e do .

Nós temos um altar.

348. A noção do sacrifício eucarístico se vê ainda claramente na


Epístola aos Hebreus.

S. Paulo aproveita o capítulo XIII, que é o último desta Epístola,


para fazer muitas exortações, das mais variadas: Não vos esqueçais
da hospitalidade (vers. 2º); lembrai-vos dos presos (vers. 3º); seja
por todos tratado com honra o matrimônio e o leito sem mácula
(vers. 4º); sejam os vossos costumes sem avareza (vers. 5º);
lembrai-vos dos vossos prelados (vers. 7º); ofereçamos, pois, por
Ele a Deus sem cessar sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios
que confessam o seu nome (vers. 15); não vos esqueçais de fazer
bem e de repartir dos vossos bens com os outros (vers. 16);
obedecei a vossos superiores (vers. 17); orai por nós (vers. 18).

Entre estas exortações está também a de se premunirem os


hebreus convertidos contra as doutrinas judaizantes; de não
voltarem a práticas do judaísmo, não comerem das carnes
oferecidas nos sacrifícios judaicos: Não vos deixeis tirar do caminho
por doutrinas várias e estranhas. Porque é muito bom fortificar o
coração com a graça, não com
(Hebreus XIII-9).

Não devem os judeus que abraçaram o Cristianismo voltar a tomar


parte nos banquetes do cordeiro pascoal ou das vítimas legais
oferecidas nos sacrifícios judaicos, porque o judaísmo já passou. E
aqueles sacrifícios, como já provara S. Paulo, não podiam purificar a
consciência do que sacrificava, por meio somente de manjares e de
bebidas e de diversas abluções (Hebreus IX-9 e 10).
Nem devem os judeus convertidos ter inveja dos que participam de
tais banquetes, porque, acrescenta S. Paulo: nós temos um ,
do qual os ministros do tabernáculo não têm faculdade de
(Hebreus XIII-10).

A palavra vem, no grego, expressa pelo termo


— ou seja , lugar destinado para o . Os
cristãos têm um , quê é o altar da Eucaristia, isto se vê
claramente também pelas palavras de S. Inácio Mártir, que foi
contemporâneo dos Apóstolos: “Procurai, portanto, usar da
Eucaristia : uma, com efeito, é a carne de Nosso Senhor Jesus
Cristo e um o cálix na unidade do seu sangue, um o , assim
como um é o Bispo com os presbíteros e diáconos, meus
conservos: a fim de que tudo o que fazeis, o façais segundo Deus”
(Filadelfos, 4). Aí no texto original de S. Inácio Mártir é a mesma
palavra grega que se vê no texto da Epístola aos Hebreus:
.

Agora perguntamos: Onde está o , sacrificatório ou lugar de


sacrifício das igrejas protestantes? Se querem seguir o Cristianismo
primitivo, é preciso que digam também com S. Paulo: Nós temos um
(Hebreus XIII-10).

Mas dirão os protestantes: O altar a que se refere aí a Bíblia é a


cruz, onde Jesus morreu; e comer é ter fé em Jesus, comer é
participar dos frutos da Redenção.

— A interpretação é forçada e descabida.

Em primeiro lugar, esta mesma palavra ( no


grego) aparece frequentemente na Bíblia Sagrada e jamais designa
à cruz de Cristo, sempre tem a significação de altar litúrgico, altar
em que os sacerdotes humanos oferecem seus sacrifícios ou diante
do qual fazem os fiéis as suas ofertas. Nesta Epístola aos Hebreus
é empregada duas vezes: uma neste texto que ora comentamos e a
outra no capítulo 7º: Mudado que seja o sacerdócio, é necessário
que se faça também mudança da lei, porque Aquele de quem isto se
diz é doutra tribo, da qual, nenhum serviu ao (Hebreus VII-12
e 13).

O mesmo se pode verificar através de todo o Novo Testamento, em


todas as passagens em que aparece esta palavra (no grego
): Se tu estás fazendo a tua oferta diante do ,e
te lembrar aí que teu irmãos tem contra ti alguma coisa... (Mateus V-
23). Aquele, pois, que jura pelo jura por ele e por tudo quanto
sobre ele está (Mateus XXIII-20) ... Zacarias, filho de Baraquias, a
quem vós destes a morte entre o templo e o (Mateus XXIII-35;
cfr. Lucas XI-51). Apareceu a Zacarias um anjo do Senhor, posto em
pé da parte direita do do incenso (Lucas I-11). Senhor,
mataram os teus profetas, derribaram os teus (Romanos
XI-3). Não sabeis... que os que servem ao participam
justamente do ? (1ª Coríntios IX-13). Os que comem as
vítimas porventura não têm parte com o ? (1ª Coríntios X-18).
Não é assim que nosso pai Abraão foi justificado pelas obras,
oferecendo a seu filho Isaque sobre o ? (Tiago II-21). Vi
debaixo do os almas dos que tinham sido mortos por causa
da palavra de Deus (Apocalipse VI-9). Veio outro anjo e parou
diante do , tendo um turíbulo de ouro (Apocalipse VIII-3). Ouvi
uma voz que saia dos quatro cantos do de ouro (Apocalipse
IX-13). Mede o templo de Deus e o , e os que nele fazem as
suas adorações (Apocalipse XI-1). Saiu mais do outro anjo
(Apocalipse XIV-18). Ouvi a outro que dizia do : Certamente,
Senhor Deus Todo-Poderoso, verdadeiros e justos são os teus
juízos (Apocalipse XVI-7).

Desde que na Bíblia esta palavra , designa a cruz de


Cristo e sim um altar litúrgico, era preciso que houvesse no contexto
um indício muito forte para nos convencer de que a referência era
feita agora à cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo no Calvário. Muito
pelo contrário... pois a frase é esta: Nós temos um , do qual os
ministros do tabernáculo não têm faculdade de (Hebreus
XIII-10). Se S. Paulo acabou de advertir aos judeus cristãos que não
devem participar das que são próprias do judaísmo e, para
afastá-los, para consolá-los, relembra que nós temos um altar, do
qual os ministros do tabernáculo, isto é, aqueles que servem nas
funções litúrgicas do judaísmo, não podem , é claro que se
trata aí de na realidade, e não de uma metáfora. Para os
judeus acostumados a ver que se realmente das vítimas
sacrificadas nos altares judaicos, a metáfora seria não só estranha,
insólita, desusada, mas também incompreensível. A referência é
evidentemente feita à Santíssima Eucaristia, sobre a qual nós lemos
na Escritura: Tomai e ; este é o meu corpo (Mateus XXVI-26).
Minha carne verdadeiramente é comida (João VI-56). Todo aquele
que este pão ou beber o cálix do Senhor indignamente, será
réu do corpo e do sangue do Senhor (1ª Coríntios XI-27).

Dirão os protestantes: Mas aí se está advertindo que havemos de


fortificar o coração com a graça (Hebreus XIII-9).

— Sim; mas quem foi que disse que a Eucaristia não foi instituída
para nos fortificar com a graça? Se não a carne do Filho
do Homem e beberdes o seu sangue, em vós
(João VI-54).

Na Eucaristia se recebe a graça, e com especialidade, porque nela


se recebe Aquele que é o próprio Autor da Graça.

S. Paulo, portanto, está advertindo os judeus convertidos que ainda


andavam comendo da carne das vítimas dos sacrifícios legais, de
que eles têm também um , donde podem , para se
fortificarem com a graça, e donde os ministros do tabernáculo não
podem; não há nenhum motivo para irem atrás daquelas viandas
que não aproveitaram aos que andaram nelas (Hebreus XIII-9).
Onde existe , existe também . E o sacrifício cristão,
do qual , é a Eucaristia, o Santo Sacrifício da Missa.

O sacrifício dos cristãos e os sacrifícios pagãos.


349. Mas, se havia esta tendência entre os judeus convertidos para
voltarem a comungar das carnes sacrificadas no judaísmo, mais
grave ainda era o perigo, entre os cristãos que tinham vindo do
paganismo, de voltarem a comer das carnes sacrificadas aos ídolos.
Se, por acaso, iam comprar a carne no mercado, ou eram
convidados a alguma refeição em casa particular de alguém, não
era preciso andar indagando se a carne era ou não sacrificada aos
ídolos: De tudo o que se vende no praça comei, sem perguntar nada
por causa da consciência; porque do Senhor é a terra e tudo quanto
há nela. Se algum dos infiéis vos convida e quereis ir, comei de tudo
o que se vos põe diante, não perguntando nada por causa da
consciência (1ª Coríntios X-25 a 27).

Mas participar daqueles banquetes que os pagãos consideravam


sagrados, porque aí se comia das carnes sacrificadas nos seus
altares e onde os pagãos comiam com a intenção de entrar em
comunhão com as divindades a quem sacrificavam, isto não era
lícito, porque era querer entrar em comunhão com os próprios
demônios: As coisas que sacrificam os gentios, os sacrificam aos
demônios, e não a Deus. E não quero que vós tenhais sociedade
com os demônios (1ª Coríntios X-20).

Ora, os cristãos deviam se lembrar de que na Eucaristia eles


entravam em comunhão com o próprio corpo e o próprio sangue de
Cristo: O cálix de bênção que bebemos não é a comunhão do
sangue de Cristo? e o pão que partimos não é a participação do
corpo do Senhor? (1ª Coríntios X-16).

São palavras estas que nós podemos acrescentar àqueles outros


argumentos que já demos (nos 298 a 324) de que Jesus Cristo está
realmente presente na SSma Eucaristia. S. Paulo não diz que a
Eucaristia simboliza, representa ou significa uma participação com o
corpo de Cristo, mas que realmente esta participação; nós
do corpo de Cristo; não diz que ela representa,
simboliza ou significa uma comunhão com o sangue de Cristo, mas
que realmente esta comunhão.
Portanto, não podem os cristãos comer das vítimas sacrificadas nos
altares pagãos e, ao mesmo tempo, comer da Eucaristia: Não
podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos
demônios (1ª Coríntios X-21).

Ora, nós vemos na Sagrada Escritura a palavra ter o


significado de e ser aplicada, tanto ao altar dos pagãos, como
ao altar do Deus verdadeiro.

M = altar dos pagãos: Quanto a vós que deixastes o Senhor, que


vos esquecestes do meu santo nome, que pondes uma à
Fortuna, e derramais libações sobre ela, eu vos farei passar por
conta ao fio da espada (Isaías LXV-11 e 12).

M = altar do Deus verdadeiro: Vós ofereceis sobre o meu altar


um pão imundo e dizeis: Em que te profanamos vós? Nisso que
dizeis: A do Senhor está desprezada (Malaquias I-7). Mas os
sacerdotes e levitas... estarão na minha presença para me
oferecerem a gordura e o sangue, diz o Senhor Deus. Eles mesmos
entrarão no meu santuário e eles se chegarão à minha , para
me servirem e guardarem as minhas cerimônias (Ezequiel XLIV-15 e
16).

E aí se vê perfeitamente o raciocínio de S. Paulo.

Existe um altar dos cristãos e um altar dos pagãos; um é a mesa do


Senhor e o outro, a mesa dos demônios; numa o fiel participa do
corpo de Cristo, comunga do sangue de Cristo, noutra participa dos
demônios, a quem são oferecidos os sacrifícios do paganismo.
Como é que se pode participar das duas coisas ao mesmo tempo?
O paralelismo em que o Apóstolo põe as 2 coisas tão diversas,
mostra evidentemente que ele considera e de
Cristo como também oferecidos a Deus em sacrifício sobre o altar
ou, como ele o diz, sobre a mesa do Senhor.

Profunda significação eucarística.


350. Ao finalizarmos o capítulo sobre o Batismo, fizemos ver o
esvaziamento de sentido que a maioria dos protestantes realizaram
com relação a este Sacramento.

Fizeram dele um simples banho de água e nada mais e acham que


Cristo fez de um simples banho um testemunho de fé. O mesmo se
dá com respeito à Eucaristia. Fizeram dela um simples lanche.
Come-se pão e bebe-se vinho. E assim se comemora a Paixão do
Salvador!

No entanto, as palavras da Bíblia são claríssimas para dar à


Eucaristia uma significação muito mais profunda.

É aí que Cristo põe em prática o seu poder infinito, para nos mostrar
as finezas de um amor sem limites. E é aí também que Ele mostra a
sua imensa sabedoria, conciliando coisas que à primeira vista
podiam parecer inconciliáveis.

Realizou na Cruz, dando a sua vida por nós, um Sacrifício Único


que não se repete, porque a sua morte, a sua imolação real e
sangrenta, só se deu ; e no entanto este Sacrifício se
renova todos os dias, a cada instante, numa representação viva de
sua Paixão, numa imolação mística, de modo que todos nós
podemos assistir ao seu Sacrifício da Cruz, como se estivéssemos
presentes no Calvário.

Não era praxe entre os judeus que o povo comesse as carnes das
vítimas oferecidas em . Cristo, porém, renova
representativamente o seu sacrifício expiatório da Cruz, para que
ele se desdobre num imenso banquete, em que podemos comungar,
participar realmente, para nosso alimento espiritual, da própria
Vítima que se ofereceu na Cruz, Vítima que o seu poder infinito nos
traz outra vez realmente presente sobre os nossos altares.

A nossa Redenção foi completa no Calvário; mas com esta


Redenção adquirimos riquezas que na Missa Ele vem distribuir.
Na Cruz fez na obra redentora; não contente com isto,
na Missa nos vem ajudar a fazermos , implorando para os
vivos a graça do arrependimento, mesmo quando depois de tanto
abuso dos divinos favores, dela nos tornamos indignos, e para os
mortos um alívio e refrigério nas penas que ainda têm que sofrer
perante a Justiça Divina.

Subiu aos Céus para voltar no fim do mundo; e entretanto ficou


entre nós oculto sob os véus sacramentais, visível apenas aos olhos
da nossa fé, esta fé que é a base de todo o Cristianismo e que
atinge o seu ponto culminante na humildade e cega submissão com
que aceitamos o mistério eucarístico.

Só Ele é quem podia - para remir a Humanidade; e no


entanto dá-nos, depois da Redenção, o privilégio de nos
oferecermos a Deus juntamente com Ele, apresentando-Lhe as
nossas lágrimas, as nossas dores, os nossos sacrifícios, a nossa
vida, em união com aquele Corpo e Sangue Preciosíssimo que
foram oferecidos na Cruz. E assim desde o nascente do sol até o
poente... em todo o lugar sobe aos Céus uma oblação pura,
tornando o nome de Deus grande entre as gentes (Malaquias I-11).
Capítulo Décimo Quarto
Os Apóstolos tiveram sucessores
A Missão dos Apóstolos exigia sucessores.

351. Basta considerar a missão de que Jesus encarregou os seus


Apóstolos, os poderes de que o Divino Mestre os revestiu, ao
constituir a sua Igreja, para logo se chegar à evidência de que os
Apóstolos haveriam de ter sucessores.

Já vimos que Cristo fez de Pedro a pedra sobre a qual a sua Igreja
ia ser construída. Um homem que em si não é nada, mas que
sustentado por Deus, pela Providência com que Cristo vela pela sua
instituição deixada neste mundo, pode muito, pode arrostar
vitoriosamente todas as tempestades, havia de ser a garantia de
unidade para a Igreja de Deus. Mas, se esta Igreja havia de durar
até o fim dos séculos, a pedra em que ele se sustenta havia de
durar também. Pedro tem que continuar atuando sobre a Igreja na
pessoa de seus sucessores, e os tem havido sem interrupção desde
Lino, que foi o seu sucessor imediato, até os dias de hoje. Ninguém
pode negar que sem o Papa, sem a proteção especialíssima com
que Cristo tem sustentado o Papado, por Ele mesmo instituído, não
se teria mantido a unidade da Igreja.

Cristo mandou aos Apóstolos que a verdadeira


doutrina. Constituiu mestra desta doutrina legítima a Igreja, coluna e
firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15). Mortos os apóstolos,
haveriam de ser substituídos na sua missão de ensinar, por homens
fiéis, que fossem capazes de instruir também a outros (2ª Timóteo II-
12); fiéis à doutrina da Igreja e nela verdadeiramente preparados,
para que esta doutrina não sofresse alteração. Dar a qualquer
homem o direito de sacar de uma Bíblia e sair ensinando aos outros
a sua interpretação pessoal, quando há tantas interpretações
diferentes, quando tantos são os falsificadores da palavra de Deus
(2ª Coríntios II-7), quando são tantos os indoutos e inconstantes que
adulteram as Escrituras para ruína de si mesmos (2ª Pedro III-16),
seria introduzir na Igreja de Cristo a mesma anarquia doutrinária que
se observa no Protestantismo. Por isso dizia São Paulo, na sua
Epístola aos Romanos: como pregarão eles, se não forem enviados
(Romanos X -15).

Foi aos Apóstolos que Cristo deu a ordem de batizar. Mas o batismo
é necessário para os homens de todos os tempos, pois quem não
nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus
(João III-5); é no Batismo que pela vez primeira se recebe a graça
santificante com a remissão dos pecados (pelo menos do pecado
original, com que todos nascemos) e o dom do Espírito Santo (Atos
II-38). É o Batismo que nos introduz, como membros, na Igreja de
Jesus Cristo. Portanto, os Apóstolos haveriam de transmitir a outrem
o poder de batizar.

Foi aos Apóstolos que Cristo deu o poder de perdoar pecados e


retê-los (João XX-23). Mas não seriam somente os contemporâneos
dos Apóstolos que haveriam de ter este direito de receber a
remissão dos pecados cometidos após o Batismo. Nesta base do
poder das chaves, Cristo instituiu na Igreja o meio ordinário para
obtermos o perdão de nossos pecados. E, se os primeiros cristãos
precisavam recorrer ao poder das chaves, é claro que, depois de
mortos os Apóstolos, outros necessitariam de recorrer também.

Aos apóstolos é que foi dado, no recesso do Cenáculo, o poder de


realizar o mistério eucarístico, mudando o pão e o vinho no corpo e
no sangue de Jesus e oferecendo a oblação da Nova Lei, predita
por Malaquias. Mas a Eucaristia havia de perdurar até o fim do
mundo: anunciareis a morte do Senhor, até que ele venha (1ª
Coríntios XI-26). E nenhum cristão podia, por si mesmo, julgar-se
com o poder de fazer aquilo que fora ordenado exclusivamente aos
Apóstolos na Última Ceia: Fazei isto em memória de mim (Lucas
XXII-19).
Cristo fala aos Apóstolos e seus sucessores.

352. Na hora solene em que Jesus Cristo envia os seus Apóstolos,


dirige-se somente aos onze (Partiram, pois, os onze discípulos para
Galileia, para cima de um monte, onde Jesus lhes havia ordenado
que se achassem — Mateus XXVIII-16), mas falando a eles, está
falando também aos seus sucessores, porque os encarrega de uma
missão que onze pessoas apenas não estão absolutamente em
condições de realizar (tanto mais que os Apóstolos já são, quase
todos, homens maduros e morrerão dentro de alguns anos), a
missão de ensinar a todos os povos: Ide, pois, e ensinai todas as
gentes, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos tenho
mandado (Mateus XXVIII-19 e 20). Por mais que andassem os
Apóstolos naquela época de tão escassos meios de transporte, não
poderiam sozinhos e . S. Lucas
nos Atos igualmente nos mostra Jesus falando exclusivamente aos
Apóstolos, dando preceitos pelo Espírito Santo aos que
elegeu (Atos I-2), anunciando-lhes que dentro de poucos dias
receberiam a abundância do Espírito Santo: vós sereis batizados no
Espírito Santo não muito depois destes dias (Atos I-5) e
acrescentando: recebereis a virtude do Espírito Santo que descerá
sobre vós e me sereis testemunhas em Jerusalém e em toda a
Judeia e Samaria e (Atos I-8). Ir até
os confins da terra era impossível àqueles homens. E mesmo a
difusão do Evangelho por todo o mundo haveria de durar muitos
séculos, sendo a sua consumação um prenúncio do fim: E será
pregado este Evangelho do Reino por todo o mundo, em
testemunho a todas as gentes; e (Mateus
XXIV-14). Só ao cabo de muitos séculos se descobriria a América
para começar então a evangelização desta parte do mundo.

É por isto que, enviando os seus Apóstolos, a ensinar e batizar


todos os povos, a ensinar a estes tudo aquilo que lhes fora
transmitido, Jesus declara que estará com eles, Apóstolos,
: E estai certos de que estou convosco todos os dias
até a consumação do século (Mateus XXVIII-20). Com eles como,
se não estariam vivos até o fim do mundo? Com eles, sim, porque
os Apóstolos teriam outros que continuassem a sua missão e assim
permaneceriam atuando na pessoa de seus sucessores.

O argumento dos fatos.

353. Vejamos agora o que nos diz a Bíblia sobre a questão de fato:
os Apóstolos deixarem realmente sucessores? É claro que sim.

É verdade que a Bíblia não nos conta coisa alguma da atuação de


muitos dos Apóstolos, depois que se separaram para a conquista do
mundo. Que nos diz o Livro Sagrado sobre o apostolado exercido
por S. Filipe, S. Bartolomeu, S. Tomé, S. Mateus, S. Simão Cananeu
ou S. Matias? Nada. De S. Judas Tadeu conhecemos apenas pela
Bíblia uma pequenina Epístola, com capítulo único.

Os Atos nos mostram até o fim do capítulo 12 a atuação dos


apóstolos e, de modo especial, de Pedro, Tiago e João nos dias
iniciais da Igreja, para do capítulo 13 em diante dedicar-se
exclusivamente às viagens e ao apostolado de S. Paulo. Pescamos
mais alguma coisa sobre a organização da Igreja e as atividades
dos Apóstolos, nas 21 Epístolas, das quais 14 e as mais extensas
são de S. Paulo.

Mas pelo que aí vemos, nos Atos e nas Epístolas, já sabemos o


suficiente para chegarmos à evidência de que os Apóstolos foram
logo tratando de arregimentar homens escolhidos que os ajudassem
no apostolado e que lhes sucedessem na sua obra, quando
morressem. E é claro que só podia ser assim, desde que se
considere o modo como Jesus, revestindo os Apóstolos de poderes
especiais, organizou a sua Igreja, a qual havia de durar até a
consumação do século.

A eleição de S. Matias.
354. Depois da ascensão de Jesus, o primeiro cuidado de S. Pedro,
o chefe da Igreja, é providenciar para que Judas seja substituído
(Atos I-15 a 22). Podia muito bem escolher este substituto, como
observa S. João Crisóstomo; mas não quis fazê-lo, para dar um
exemplo de modéstia no governar a Igreja, para mais ainda honrar o
novo Apóstolo, que haveria de ser escolhido assim com o sufrágio e
a simpatia do povo e para melhor conhecer a vontade de Deus, que
se manifestaria pela eleição e pela sorte. Não é o fato de consultar o
Superior a opinião de seus subalternos, sobre qual seja o mais
digno, quando quer fazer uma nomeação, não é este fato que
mostra estar o Superior privado de fazer a nomeação por si mesmo.

A escolha recai sobre Matias.

E assim já vai um que não foi escolhido, que não foi designado por
Jesus Cristo, tomar, de igual para igual, a sua cadeira com os
demais Apóstolos e receber com eles o Divino Espírito Santo.

Agiu mal S. Pedro em promover esta substituição? Desagradou a


Cristo neste particular? Absolutamente não, uma vez que do próprio
Cristo, havia ele recebido plenos poderes para governar a Igreja: Eu
te darei as chaves do reino dos Céus; e tudo o que ligares sobre a
terra será ligado também nos Céus, e tudo o que desatardes sobre
a terra será desatado também nos Céus (Mateus XVI-19). Estes
mesmos plenos poderes, esta mesma autorização de atar e desatar
como bem entendessem, possuíam os demais Apóstolos (Mateus
XVIII-18), mas sob a dependência de Pedro, pedra fundamental da
Igreja (Mateus XVI-18) e Pastor de todo o rebanho de Cristo (João
XXI-15, 16 e 17).

Com estas amplas faculdades no governo e na organização da


Igreja, bem podiam os Apóstolos transmitir aos outros, ou no todo
ou em parte, como bem lhes aprouvesse, os seus poderes
sacerdotais e o seu poder de governar, assim como não só podiam,
mas deviam providenciar para que tais poderes não faltassem em
sucessores seus, após sua morte.
No exercício de sua missão, necessitavam, logo desde o princípio,
de que os ajudasse. E, como é bem lógico e compreensível,
acharam que não era conveniente chamar uns homens e transmitir-
lhes os seus próprios poderes integralmente, torná-los iguais a eles
em tudo no governo da Igreja. Daí nasceriam muitas confusões. E
precisavam para usarmos a linguagem de hoje,
, eles próprios, pelo menos no princípio, a
organização da Igreja nascente.

Por isto os seus próprios poderes, eles os transmitiam ,


mais a uns, menos a outros. Sim, não se espante o leitor; mais a
uns, menos a outros; porque estabeleceram os Apóstolos uma certa
hierarquia, na qual o lugar mais modesto é ocupado pelos

Diáconos.

355. Os Atos nos narram que, crescendo o número dos discípulos


(Atos VI-1), resolveram os Apóstolos escolher a homens que os
ajudassem e para isto pediram ao povo que lhes indicasse sete
varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria
(Atos VI-3). E assim são escolhidos os primeiros diáconos, entre os
quais estão Estevão e Filipe. Não se trata apenas de homens
destinados a servir às mesas, mas de ministros sagrados, com
alguns poderes espirituais, pois nós vemos os Apóstolos ordená-los,
impor as mãos sobre eles: A estes apresentaram diante dos
Apóstolos, e orando puseram as mãos sobre eles (Atos VI-6). Houve
no texto uma certa negligência gramatical, mudando-se de repente o
sujeito da oração. Os fiéis apresentaram sete varões aos Apóstolos
e os Apóstolos orando puseram as mãos sobre eles. Pois se vê por
um versículo anterior (o 3º) que os Apóstolos apenas pediram que
os fiéis os indicassem; eles, os Apóstolos, então se encarregaram
de conferir-lhes a missão: Irmãos, escolhei dentre vós a sete varões,
de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos
quais desta obra (Atos VI-3).
A imposição das mãos já era usada no Antigo Testamento como
sinal de consagração ao ministério ou de transmissão de poderes.
Assim é que vemos Moisés transmitir, a mandado de Deus, uma
parte de seus poderes a Josué, por meio da imposição das mãos: E
o senhor lhe disse: Lança mão de Josué, filho de Nun, varão no qual
reside o Espírito e - , o qual se apresentará diante
do sacerdote Eleazar e de toda a multidão, e tu lhe darás os
preceitos à vista de todos e , para que
toda a congregação dos filhos de Israel o ouça (Números XXVII-18 a
20). E o Deuteronômio afirma que Josué ficou cheio de espírito de
sabedoria em virtude da imposição das mãos feita por Moisés: E
Josué, pois, filho de Nun, foi cheio do espírito de sabedoria, porque
Moisés lhe tinha imposto as suas mãos (Deuteronômio XXXIV-9)

Embora os Atos não chamem diretamente de diáconos àqueles


varões se vê claramente, pelo texto grego, que é de diáconos que
se trata. Os gregos murmuram (Atos VI-1) porque suas viúvas são
desprezadas no serviço de cada dia (serviço, no texto grego =
). Os sete terão a seu cargo (Atos VI-2) servir às mesas
(servir, no texto grego = ).

Nós vemos logo em seguida (cap. VII dos Atos) Estevão pregar a
palavra de Deus, diante dos juízes, cheio do Espírito Santo e como
faria qualquer Apóstolo. Vemos mais adiante Filipe batizar o eunuco:
E desceram os dois à água, Filipe e o eunuco, e o batizou (Atos VIII-
38). E vemos o mesmo Filipe pregar o Evangelho em uma cidade de
Samaria (Atos VIII-5).

Presbíteros ou bispos.

356. Numa ordem mais elevada da hierarquia estão os presbíteros.


No início da Igreja eram chamados indiferentemente presbíteros ou
bispos. De acordo com a etimologia destas palavras, presbítero é
uma alusão à idade e quer dizer mais velho, maior na idade; bispo é
uma alusão ao cargo, à função e quer dizer: vigilante, que
inspeciona, que dirige.
São homens que os Apóstolos já começam a associar a si no
governo da Igreja e, desde que são escolhidos pelos Apóstolos, são
considerados escolhidos pelo Espírito Santo. É assim que São
Paulo, falando aos presbíteros em Éfeso diz: Atendei por vós e por
todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu
para a Igreja de Deus, que Ele adquiriu pelo preço de
seu próprio sangue (Atos XX-28). G aí no texto grego é
expresso pelo verbo = apascentar.

E continua São Paulo: Eu sei que, depois da minha despedida, hão


de entrar a vós certos lobos arrebatadores, que não hão de perdoar
ao rebanho; e que dentre vós mesmos hão de sair homens que hão
de publicar doutrinas perversas, com o intento de levarem após si
muitos discípulos. Por cuja causa (Atos XX-29 a 31).

Estes presbíteros eram designados para cada Igreja ou cidade onde


havia cristãos, eram escolhidos pelos Apóstolos ou por seus
delegados, não eram forçosamente apontados por eleição do povo,
o que mostra que a escolha de Matias e dos diáconos foi feita por
eleição dos irmãos porque os Apóstolos espontaneamente quiseram
fazer deste modo. Assim é que lemos nos Atos que Paulo e
Barnabé, tendo-lhes em cada Igreja
e feito orações com jejuns os deixaram encomendados ao Senhor,
em quem tinham crido (Atos XIV-22) [53].

Uma vez que tenham sua Igreja, sua cidade para cuidar, devem
apascentar desveladamente o seu rebanho: Esta é, pois, a rogativa
que eu faço aos presbíteros... Apascentai o rebanho de Deus que
está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas
espontaneamente segundo Deus, nem por amor de lucro
vergonhoso, mas de boa vontade; não como que quereis ter
domínio sobre a clerezia, mas feitos exemplares do rebanho com
uma virtude sincera (1ª Pedro V-1 a 4).

Sua missão é entre outras, presidir e ensinar: Os presbíteros que


governam bem sejam honrados com estipêndio dobrado,
principalmente os que trabalham em pregar e ensinar (1ª Timóteo V-
17).

Cabe-lhes também a administração dos sacramentos. E assim é


que vemos S. Tiago dizer que os enfermos mandem chamar os
presbíteros, a fim de ministrar-lhes a Extrema Unção: Está dentre
vós algum enfermo? Chame os da Igreja, e estes
façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor
(Tiago V-14). Trata-se aí evidentemente de um sacramento; a unção
é feita em nome do Senhor, isto é, porque Jesus assim ordenou,
assim como o batismo é ministrado em nome de Jesus Cristo (Atos
II-38). Não vem ao caso que o óleo tenha por si uma virtude
terapêutica; precisamente por isto é que é escolhido o óleo como
sinal sensível para indicar o efeito deste sacramento, assim como a
água já tem materialmente o dom de lavar, de purificar e por isso
mesmo foi escolhida para significar e representar a purificação
espiritual operada pelo Batismo. E o fato é que, como o Batismo é
ministrado para remissão dos pecados (Atos II-38), também o é,
embora noutro gênero, a Extrema Unção: e se estiver em alguns
pecados, ser-lhe-ão perdoados (Tiago V-15), pois se dá aí mais um
retoque na purificação espiritual do indivíduo, curando as
indisposições deixadas na alma pelo pecado e se supre a confissão,
no caso em que não é possível realizá-la, desde que haja no
paciente as necessárias disposições.

É claro que ninguém vai concluir que o único sacramento ministrado


pelos presbíteros era a Extrema Unção; a Bíblia em nenhuma parte
se propõe diretamente a nos ensinar como era a organização da
Igreja primitiva, nem quais eram, uma por uma, as atribuições dos
presbíteros; apenas colhemos parceladamente aqui e acolá o que
nos dizem os Atos, na sua narração dos primeiros dias da Igreja e
das viagens de S, Paulo e o que dizem as Epístolas ocasionalmente
nas suas exortações. Assim é que vemos pela 1ª Epístola de
S. Paulo a Timóteo os presbíteros associados também à cerimônia
da ordenação, como faz ainda hoje a Igreja Católica na ordenação
de seus sacerdotes em que todos os presbíteros presentes impõem
também as mãos sobre o ordinando: Não desprezes a graça que há
em ti, que te foi dada por profecia pela
(1ª Timóteo IV-14). Esta imposição feita por S. Paulo:
Admoesto que tornes a acender o fogo da graça de Deus, que
recebeste pela (2ª Timóteo I-6).

Que estes presbíteros ou bispos formam uma classe distinta da dos


diáconos, não há dúvida alguma. S. Paulo, ao começar a Epístola
aos Filipenses, os distingue perfeitamente: Paulo e Timóteo, servos
de Jesus Cristo a todos os santos em Jesus Cristo que se acham
em Filipos, com os e (Filipenses I-1). E na 1ª
Epístola a Timóteo fala separadamente nas qualidades que devem
ter os bispos (1ª Timóteo III-2 a 7) e os diáconos (1ª Timóteo III-8 a
10).

Notas (pular)

[53] Ferreira de Almeida traz: E havendo-lhes, por comum consentimento,


eleito anciãos em cada igreja (Atos XIV-22). Mas esta expressão
não está absolutamente no texto grego. A versão da
Sociedade Bíblica do Brasil diz assim: Tendo feito eleger para eles presbíteros
em cada igreja (Atos XIV-22). A tradução também não é exata. O verbo
empregado no texto grego é que significa escolher com a mão
estendida ou simplesmente escolher (Vejam-se Dicionários Bailly e Zorell)
Zorell mostra que facilmente se esqueceu a ideia de mão estendida para ficar
somente na ideia de escolher, de modo que o escritor Filon, por exemplo, (Do
prêmio e pena c.9) usa esta expressão: (rei) (por Deus)
(escolhido).

Se houve mão estendida no caso foi só a de Paulo e Barnabé:


(tendo escolhido) (para eles) ’ (para
cada Igreja) e
(presbíteros). Se o P Pereira também não traz a
tradução exata, é que por sua vez se afastou um pouco da Vulgata, que nos
apresenta o verdadeiro sentido do texto grego: Cum constituíssent (tendo
constituído) illis (para eles) per singulas ecclesias (em cada uma das igrejas)
presbyteros (presbíteros). (voltar)

Os apóstolos.
357. Não há dúvida também que num plano ainda mais elevado do
que os presbíteros, igualmente chamados bispos, estão os
Apóstolos. É claro que a direção suprema da Igreja estava nas
mãos dos Apóstolos, e os presbíteros a eles estão sujeitos. Se,
como veremos daqui a pouco, já o próprio Timóteo tinha autoridade
e mando sobre os presbíteros, com maioria de razão tinham os
Apóstolos. E embora sejam os Apóstolos também pastores da
Igreja, eles formam uma classe superior à dos outros pastores
comuns: E ele mesmo fez a uns certamente A , e a outros
profetas, e a outros evangelizadores e a outros e
doutores (Efésios IV-11).

Do fato de S. Pedro dizer: Esta é, pois, a rogativa que eu faço aos


presbíteros que há entre vós, eu (1ª Pedro
V-1), não se segue que os presbíteros estivessem no mesmo plano
de S. Pedro. S. Pedro podia muito bem chamar-se presbítero e por
uma dupla razão: presbítero no sentido etimológico da palavra,
porque já era um ancião, um homem provecto na idade; e
presbítero, porque era também sacerdote e pastor de almas. Da
mesma forma ele poderia ter dito: Esta é a rogativa que faço aos
cristãos eu, cristão como eles — sem que daí se concluísse que os
cristãos tinham uma autoridade igual à de S. Pedro.

E, como estamos falando sobre S. Pedro, é preciso relembrar que já


provamos sobejamente no capítulo 9º que ele exercia a primazia
sobre os outros Apóstolos, a qual lhe foi dada diretamente por Jesus
Cristo que o fez pedra fundamental da Igreja, Pastor de todo o seu
rebanho, confiando-lhe as chaves do reino dos Céus, com o poder
de ligar e desligar que a ele foi dado primeiro pessoalmente, para
depois ser dado aos demais Apóstolos em conjunto.

Assim vemos claramente estabelecida a hierarquia nos primeiros


dias da Igreja e assim constituída:

1º — Pedro, o dos Apóstolos e chefe da Igreja;


2º — Os Apóstolos

3º — Os presbíteros, também chamados bispos;

4º — Os diáconos

Ora, temos que distinguir nos Apóstolos duas espécies de


prerrogativas. Umas eram os carismas especiais que receberam,
carismas estes que foram necessários para aqueles tempos de
fundação e consolidação da Igreja. Receberam em abundância o
Espírito Santo com o dom das línguas e se tornaram pessoalmente
infalíveis, pois haveriam de lançar as bases da propagação da
doutrina cristã. Os cristãos haveriam de ser edificados sobre o
fundamento dos Apóstolos e dos profetas (Efésios II-20).
Receberam, outrossim, o dom dos milagres, os quais eram
necessários para prestigiar a sua pregação e acelerar inicialmente a
difusão do Cristianismo. De S. Pedro se conta nos Atos que fazia
tantos milagres que traziam os doentes para as ruas e os punham
em leitos e enxergões a fim de que, ao passar Pedro, cobrisse
sequer a sua sombra alguns deles e ficassem livres das suas
enfermidades. Assim mesmo concorriam enxames deles das
cidades vizinhas a Jerusalém, trazendo os seus enfermos e os
vexados dos espíritos imundos; os quais eram curados (Atos V-15 e
16). De S. Paulo, por sua vez, se narra nos Atos: Deus fazia
milagres não quaisquer por mão de Paulo; chegando estes a tal
extremo que até sendo aplicados aos enfermos os lençóis e
aventais que tinham tocado no corpo de Paulo, não só fugiam deles
as doenças, mas também os espíritos malignos se retiravam (Atos
XIX-11 e 12).

Vê-se, desde logo, que esses dons extraordinários, necessários a


princípio, não continuariam a existir em toda a história da Igreja.
Inúmeros pregadores espalhados por toda a parte com o dom da
infalibilidade seria um carisma desnecessário, porque bastaria que
se seguisse fielmente a doutrina da Igreja recebida dos Apóstolos,
pois a Igreja é a coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15).
Frequência de milagres eternamente para confirmar a pregação
seria contraproducente, pois seria tirar todo o merecimento da nossa
fé.

Mas há outro elemento a considerar nos Apóstolos: é o seu poder


exercido sobre a Igreja, o seu direito e dever de governá-la.
Espalhavam-se presbíteros para apascentar o rebanho de Cristo em
todas as cidades. E estes presbíteros necessitavam também de que
houvesse uma categoria superior que os escolhesse, que os
ordenasse, que vigiasse sobre eles, sobre seu comportamento e
especialmente sobre a doutrina que estavam propagando. Tal
necessidade haveria de existir sempre na Igreja, do contrário se
esfacelaria a sua unidade. E era precisamente neste ponto que os
Apóstolos necessitavam de quem ficasse no seu lugar, e
exatamente no mesmo plano em que eles se haviam colocado no
governo da Igreja.

Homens destinados a um plano superior ao dos


presbíteros.

358. Por isto os Apóstolos foram logo escolhendo alguns homens,


de especiais qualidades, que haveriam de ficar em seu lugar, com
autoridade também sobre os demais presbíteros. E já em vida dos
próprios Apóstolos.

Como já dissemos, a Bíblia só nos conta mais detidamente a vida e


as atividades de S. Paulo. Mas é o bastante para vermos como já
começam a trabalhar com S. Paulo homens que são mais do que
simples presbíteros e que já se vão adestrando para ocupar a
posição dos próprios Apóstolos, após a morte destes.

Um deles é Barnabé, aliás escolhido para a sua missão especial


pelo Espírito Santo: separai-me a Saulo e Barnabé para a obra a
que eu os hei destinado (Atos XIII-2). Os Atos dão a ambos o nome
de apóstolos: Os Apóstolos Barnabé e Paulo (Atos XVI -13) e
mostram a ambos escolhendo os presbíteros para cada Igreja:
Tendo-lhes ordenado em cada igreja seus presbíteros, e feito
orações com jejuns, os deixaram encomendados ao Senhor em
quem tinham crido (Atos XIV-22).

Outro é Tito, a quem S. Paulo já deixa em Creta encarregado de


uma supervisão sobre algumas igrejas e também de escolher os
presbíteros: Eu pelo motivo que vou a dizer é que te deixei em
Creta, para que regulasses o que falta e
nas cidades, como também, eu to mandei (Tito I-5).

Vê-se aí já uma certa autoridade de Tito sobre os presbíteros. E, se


S. Paulo o encarrega de escolhê-los, isto é sinal de que está errada
a doutrina de muitos protestantes de que todos são iguais na igreja,
de que a igreja é regida democraticamente e os fiéis é que
escolhem e nomeiam os seus pastores. Se para a eleição de
S. Matias, S. Pedro consultou a multidão (Atos I-16), se para a
escolha dos diáconos os Apóstolos houveram por bem pedir a
opinião dos fiéis (Atos VI-3), o fizeram espontaneamente, mas daí
não se segue que o direito de escolha era do povo e não deles. Aqui
já se mostra Tito encarregado de estabelecer presbíteros e logo em
seguida (Tito I-6 a 9) instruído a respeito das qualidades que devem
ter estes presbíteros ou bispos, o que prova que ele é que tinha a
responsabilidade da escolha.

Outro, afinal, que, como se vê bem claramente, S. Paulo está


preparando para assumir o apostolado no mesmo plano do Apóstolo
quando ele morrer, é Timóteo. S. Paulo o diz abertamente: Tu,
porém, vigia; trabalha em todas as coisas; faze a obra dum
evangelista; cumpre com o teu ministério; sê sóbrio, porque, quanto
a mim, estou a ponto de ser sacrificado e o tempo da minha morte
se avizinha (2ª Timóteo IV-5 e 6). Não havia já tantos presbíteros
espalhados pelas igrejas? Por que tantas recomendações especiais
a Timóteo, baseadas no fato de que a morte dele, Paulo, já se
apresenta iminente?
O fato de 3 das 14 Epístolas de S. Paulo serem assim escritas
cheias de conselhos, avisos e instruções a estes dois ilustres
auxiliares (2ª Timóteo e 1 a Tito) é já por si bastante expressivo,
assim como diz bem alto da importância do papel exercido por
Timóteo no seio da Igreja, o fato de serem as Epístolas aos
Filipenses, aos Colossenses e aos Tessalonicenses enviadas em
nome de Paulo e de Timóteo. Veja-se o 1º versículo de cada uma
das Epístolas.

Do mesmo modo que Tito foi colocado por S. Paulo na ilha de Creta,
Timóteo foi colocado em Éfeso e também com o encargo da
supervisão, pois é encarregado de vigiar para que não se preguem,
não se ensinem coisas inúteis aos fiéis: Roguei que ficasses em
Éfeso quando me parti para Macedônia, para que admoestasses
alguns, que não ensinassem de outra maneira nem se ocupassem
em fábulas e genealogias intermináveis, as quais antes ocasionam
questões que edificação de Deus, que se funda na fé. (1ª Timóteo I-
3 e 4).

E Timóteo já tem evidentemente


, autoridade, portanto, maior do que a deles: Não
recebas acusação contra o presbítero senão com duas ou três
testemunhas. Aos que pecarem, repreende-os diante de todos, para
que também s outros tenham medo (1ª Timóteo V-19 e 20). E é
admoestado a não fazer ordenações sem refletir primeiro, de modo
que ele é encarregado de ordenar: A ninguém imponhas
ligeiramente as mãos e não te faças participante dos pecados
doutrem (1ª Timóteo V- 22). É encarregado de escolher, preparar e
distribuir outros pregadores do Evangelho e mestres da doutrina:
Guardando o que ouvistes diante de muitas
testemunhas, entrega-o a homens fiéis, que sejam
(2ª Timóteo II-2). Não basta, portanto,
entregar-lhes as Epístolas ou o Evangelho; é preciso instruí-los
oralmente sobre aquilo que o próprio Timóteo
P .
É claro, por conseguinte, que se já em vida dos Apóstolos havia
assim quem tivesse autoridade sobre os presbíteros, com maioria
de razão depois da morte deles teria de haver necessariamente os
homens escolhidos que tomassem o seu posto, exercendo vigilância
e autoridade não só sobre os fiéis, mas também sobre os
presbíteros que os apascentavam. Isto era indispensável para o
bom regime da Igreja, que havia de perpetuar-se até o fim dos
séculos.

O termo bispos.

359. O que aconteceu é que com a morte dos Apóstolos era preciso
distinguir com designações diversas as 2 classes de presbíteros, ou
seja, uma, dos presbíteros comuns e outra, dos presbíteros de
ordem superior, que tinham poder e autoridade sobre os demais.
Estes últimos, para melhor diferenciá-los, passaram a ser
designados com o nome de bispos. E assim se vê a perfeita
igualdade que há entre a hierarquia no tempo dos Apóstolos e a
hierarquia como tem havido em toda a história do Cristianismo e
como existe ainda hoje na Igreja Católica, havendo apenas uma
pequena diferença de nomes:

No tempo dos
Na Igreja através dos séculos
Apóstolos
1º — S. Pedro, chefe da
1º — O Papa, sucessor de S. Pedro;
Igreja;
2º — Os Bispos que passaram a ocupar o lugar
2º — Os Apóstolos;
dos Apóstolos na hierarquia;
3º — Presbíteros, também
3º — Os Presbíteros;
chamados Bispos;
4º — Diáconos. 4º — Os Diáconos.

Esta distinção entre bispos e presbíteros não é nova, vigora na


Igreja desde tempos antiquíssimos, pois nós a vemos
frequentemente nas obras de S. Inácio Mártir, bispo de Antioquia,
que pertence ao 1º século da era cristã, à era apostólica.
Já vimos na tese sobre a Eucaristia a palavra de S. Inácio Mártir:
“Procurai usar da Eucaristia una... assim como um é o com os
e , meus conservos” (Filadelfos, IV). Logo
no início desta Epístola aos Filadelfos diz que a Igreja de Filadélfia
“é regozijo eterno e permanente, mormente quando está unida com
seu , com os que o rodeiam e com os
que foram constituídos segundo o sentir de Jesus Cristo”. Na
Epístola aos Tralianos, advertindo contra os hereges diz: “Alerta,
pois, contra os tais! E assim será para que não vos deixeis envolver
e vos mantenhais inseparáveis de Jesus Cristo, de vosso bispo e
das instruções dos Apóstolos. O que está dentro do altar é puro,
mas o que está fora do altar não é puro. Quero dizer, o que faz
algumas coisa fora do , do e dos , esse
não está puro na sua consciência” (Tralianos, VII). E na mesma
Epístola aos Tralianos: “Todos haveis de respeitar os ,
como a Jesus Cristo. O mesmo digo do que é a figura do Pai,
e dos que representam o senado de Deus e o Colégio
Apostólico” (Tralianos III-1).

Querer dizer que a Igreja Católica está errada ou que não é mais a
Igreja primitiva, porque hoje, como tem acontecido já desde o 1º
século, se faz distinção entre as palavras e e
no tempo dos Apóstolos não se fazia, é querer brigar unicamente
por causa de uma questão de nomes. A seguir este critério tão
“inteligente” no modo de interpretar a Bíblia, estes nossos grandes
exegetas deverão neste caso (se a questão é apenas de nomes)
colocar Nosso Senhor Jesus Cristo em segundo plano na hierarquia
da Igreja e abaixo dos Apóstolos, porque Jesus Cristo é chamado
por São Pedro: O qual foi o mesmo que levou os nossos
pecados em seu corpo sobre o madeiro, para que, mortos aos
pecados, vivamos à justiça; por cujas chagas fostes vós sarados;
porque vós éreis como ovelhas desgarradas; mas agora vos haveis
convertido ao pastor e das vossas almas (1ª Pedro II-24 e
25).

Diante do que fica exposto nós já podemos conhecer qual é a


Verdadeira Igreja de Cristo.

360. Jesus Cristo fundou uma Igreja e prometeu que ela jamais
seria dominada pelo erro: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei
a I e
(Mateus XVI-8). Esta Igreja não pode errar, porque é a
(1ª Timóteo III-15). Tem a
ampará-la sempre a assistência divina: Estai certos de que eu estou
convosco todos os dias, até a consumação do século (Mateus
XXVIII-20).

Esta Igreja de Jesus Cristo foi fundada à base de poderes especiais


concedidos aos Apóstolos, os únicos que Nosso Senhor enviou para
governá-la, propagá-la pelo mundo, pregando e administrando os
sacramentos. Estes Apóstolos escolheram homens a quem pela
imposição das mãos transmitiram seus poderes e logo se
estabeleceu a hierarquia: A , e e,
depois da morte dos Apóstolos: B , e .

Portanto, a Igreja Verdadeira de Jesus Cristo tem necessariamente


que vir do tempo dos Apóstolos, porque só assim é que pode ser
detentora dos poderes conferidos por Cristo [54]. Organizando a
Igreja, desta maneira, o Divino Mestre, fechou inteiramente o
caminho para os hereges que haviam de aparecer, inúmeros, em
toda a história da Igreja, os quais haviam de apoderar-se da Bíblia,
dando-lhes a interpretação que bem lhes parecesse e gritando aos
quatro ventos: Eis aqui a Igreja Verdadeira de Jesus Cristo! —
lançando no seio do povo cristão uma confusão tremenda, porque
os outros hereges, seus adversários, também não deixariam de
dizer o mesmo.

Ora, a única Igreja que vem do tempo dos Apóstolos é a Igreja


Católica, porque como já provamos (nº 167), desde o tempo dos
Apóstolos a Igreja de Jesus Cristo, tem sido denominada a Igreja
Católica e a sua doutrina tem sido conservada invariável através dos
séculos. Logo, a única Igreja Verdadeira de Jesus Cristo é a Igreja
Católica.

Notas (pular)

[54] Interessados, como é natural, em destruir esta ideia de transmissão de


poderes por sucessão apostólica, os protestantes começam a imaginar
perigos de interromper-se esta sucessão e querem com isto impressionar os
católicos. Mas se esquecem de uma coisa muito importante. Até o século XV,
em que foi descoberta a imprensa, a Bíblia era copiada . Desde o tempo
em que o Pentateuco foi escrito até os dias de hoje, a Sagrada Escritura nos
tem sido transmitida por uma sucessão de... copistas, até o século XV, de...
tipógrafos daí para cá. O que nós chamamos, por exemplo, o texto original
grego do Novo Testamento é fruto de uma exaustiva e paciente comparação
de vários códices que têm pequenas diferenças, escolhendo-se ali a versão
mais provável. Mas vai-se desprezar a Bíblia por causa disto? Não. Deus vela
especialmente pela Sagrada Escritura, fazendo com que nela não se
introduza erro substancial. Com a mesma solicitude vela também Jesus Cristo
sobre a Igreja, que é igualmente obra de Deus e o Divino Mestre
especialmente prometeu a ela a sua assistência. Essas dúvidas importunas
revelam apenas falta de fé na ação contínua da Divina Providência. E uma
grave injúria fazem os protestantes a Nosso Senhor Jesus Cristo, imaginando-
O capaz de faltar com a sua palavra. (voltar)

Duas correntes.

361. Este argumento de que a Igreja de Cristo deve ser Apostólica,


isto é, deve provir do tempo dos Apóstolos é como aquele outro
argumento de que a Igreja deve ser , porque a verdade é uma
só: pesa como uma terrível mão de ferro sobre o Protestantismo.

Há sobre esta matéria duas correntes no seio da Reforma. Uma é a


daqueles que reconhecem esta necessidade da sucessão apostólica
para que a Igreja tenha os seus poderes e seja a Igreja verdadeira
de Jesus Cristo. São por exemplo, muitos Anglicanos, que
reconhecem que a Igreja Católica é a verdadeira, pois vem dos
tempos de Cristo; pretendem, porém, que a Igreja Anglicana e a
Igreja Greco-Cismática também o sejam, formando assim 3 ramos
do Cristianismo. Esquecem-se, portanto, de que a Igreja também
deve ser e de que Cristo construiu a sua Igreja sobre a rocha
de Pedro.

A grande maioria dos protestantes, porém, não se conformam com


este reconhecimento de que seja legítima a Igreja Católica. E como
sabem muito bem que as suas Igrejas não vêm absolutamente do
tempo dos Apóstolos, afirmam que basta que a Igreja tenha a
mesma doutrina de Cristo e dos Apóstolos para ser a Igreja
Verdadeira, não precisa remontar aos tempos apostólicos. Para isto
então precisam provar que Cristo
,
C , E , , ,
I .

Os protestantes em apuros.

362. Começa então a devastação. Pedro não foi a pedra da Igreja...


O Batismo é apenas um banho em testemunho de fé... Os Apóstolos
não tinham o poder de perdoar pecados e retê-los... A Ceia do
Senhor consiste apenas em comer pão e beber vinho, recordando a
morte de Cristo e nada mais. Em toda a extensão dos 5 capítulos
anteriores nós tivemos ocasião de ver como precisam os
protestantes torcer ou desprezar os mais claros textos da Bíblia para
chegar a estas conclusões. Aí já mostram que não estão mais de
acordo com a doutrina de Cristo e dos Apóstolos, mas suas teses
têm que ser mantidas a todo custo... porque o Protestantismo
começou no século XVI.

A esta devastação não escapa a própria Igreja. O Protestantismo


aparece no século XVI divergindo inteiramente da doutrina da Igreja
que vem do tempo dos Apóstolos, a Igreja Católica: esta, portanto,
tem que ser destituída, aos olhos dos protestantes, da sua missão
de coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-15), não tem o
direito de ensinar a doutrina. A doutrina, cada cristão vai encontrá-la
na Bíblia. Mas quem lhes abre o entendimento para bem entendê-
la? O Divino Espírito Santo. Este inspira a cada um o sentido das
Escrituras... E, digamos entre parênteses, já tivemos ocasião de ver
(nos 225 a 243) como Ele inspira a cada um de maneira diferente...

Para salvar-se, o cristão não precisa pertencer à Igreja, basta a


C .

Mas esta doutrina exposta aqui não chega a convencer um católico


de que é preciso aderir ao Protestantismo. Poderá dizer: Sou
católico; se para salvar-me basta crer em Cristo, então eu me salvo
também na Igreja Católica. E, se na Bíblia, posso interpretá-la como
quiser, por que não poderei seguir também a interpretação que me
dá a Igreja Católica, a qual já vem do tempo dos Apóstolos,
interpretação esta que tem em seu abono um longo estudo de
homens eminentes, como foram os Santos Padres, durante muitos
séculos?

Para excluir da salvação os católicos, é preciso fazer uma nova


devastação. É a própria noção de fé que vai ser arrasada. Por isto
continuam os protestantes: Para salvar-me, basta a fé em Cristo.
Mas em que consiste esta fé? Consiste simplesmente nisto: em
C ,
.

Dizendo que é preciso aceitar a Cristo como Único Salvador,


querem os protestantes lançar uma velada acusação aos católicos,
como se estes, pelo fato de terem devoção à Maria SSma e aos
santos, os estivessem considerando como seus salvadores, mas
todo católico sabe muito bem que isto não é exato. Não é pelo fato
de pedirem para mim a Deus, pelos méritos de Jesus Cristo, um
favor qualquer, como, segundo os protestantes, os próprios cristãos
aqui na terra podem pedir uns para os outros, que Maria SSma e os
santos se tornam meus salvadores.

Mas o católico tem que ser excluído necessariamente da salvação,


porque, segundo a doutrina de muitos protestantes, é preciso crer
em Cristo , ou seja, é preciso crer que
J
, ; e o católico não
tem esta certeza; logo, não tem fé em Cristo.

Absoluta falta de lógica.

363. Esta doutrina protestante foi assim


, e por isto, em muitos pontos, aberra contra toda lógica.

Vejamos as inconsequências deste sistema:

1ª — Se Nosso Senhor organizou a sua Igreja na base deste


individualismo, isto é, baseando-se a si mesmo cada cristão, não
havendo homens com poderes espirituais sobre seus semelhantes,
nem mesmo o poder de ensinar, porque cada um já tem a sua Bíblia
e daí aprende doutrina iluminado pelo Espírito Santo, que motivo
haveria então para os Apóstolos organizarem na Igreja esta
hierarquia de A , e , transmitindo
poderes com a imposição das mãos? Por que motivo deixaram os
que já creram e, portanto, já estão “salvos” como ovelhas dirigidas
por um pastor humano?

Nós vemos que em grande número de seitas protestantes os fiéis


contribuem com uma boa percentagem de
para prover a despesas da Igreja e sustentar o seu
pastor. Mas os que já creem precisam de pastores para quê? Não é
para administrar sacramentos, porque eles mesmos confessam que
não tem poderes para isto. Se o Batismo não passa de um simples
banho que se toma , um banho qualquer
pessoa pode dar; e para se dar um testemunho de fé perante os
fiéis, não é preciso que um pastor esteja presente. Se a Ceia do
Senhor consiste apenas em comer pão e beber vinho em memória
da Paixão de Cristo, em casa cada um pode fazer isto com a sua
família. Se o Matrimônio não é sacramento, e o casamento que vale
é o casamento civil, para este ser realizado, não é necessária a
presença do pastor. Sustenta-se o pastor para quê? Para fazer
discursos e conferências sobre a Bíblia? Não há necessidade disto:
cada qual tem em sua casa a sua Bíblia e tem igualmente a
assistência do Divino Espírito Santo, para ajudá-lo em sua
interpretação... Que adianta expor o pastor
sobre os textos da Bíblia, se os fiéis têm todo o direito de ter
também a sua opinião pessoal e podem julgar-se mais entendidos e
mais iluminados pelo Espírito Santo do que o próprio pastor?
Discursos e conferências sobre a Bíblia tem o direito de fazer então
qualquer fiel, desde que se julgue inteirado do assunto. De modo
que os fiéis sustentam o pastor exclusivamente para isto: para lhes
estar repetindo aquilo que já sabem de cor e salteado, ou de que já
estão plenamente convencidos, isto é, que todos estão salvos, que
todos irão diretamente para o Céu, uma vez que já aceitaram a
Cristo, como seu Único Salvador Pessoal e para o homem salvar-se
basta apenas isto em matéria de fé e nada mais. Se o pastor é para
converter os infiéis, isto pode ser feito também pelos simples
membros da Igreja, os quais, aliás, desde que entram no
Protestantismo, ficam todos cheios de zelo para adquirir adeptos e
espalhando a Bíblia, perguntando à pessoa que a aceitou, se aceita
também a Cristo como Salvador, já puseram aquela alma no
caminho da salvação, e com a certeza de não perder-se jamais...

Os protestantes usam , porque viram pela Bíblia que os


primeiros cristãos também os tinham. Mas, segundo a ideologia
protestante do , tais pastores são completamente
desnecessários, o que é sinal de que a ideologia protestante não é a
mesma dos primeiros cristãos.

Entre os católicos é diferente. Eles têm que prover, desta ou


daquela forma, a honesta sustentação de seus sacerdotes, porque o
sacerdote tem que se dedicar de corpo e alma ao seu ministério. Ele
tem a missão de a grandes e pequenos a doutrina da Igreja
Infalível, porque não basta aceitar a Cristo como Salvador, para
alcançar a salvação, é preciso J .
Ele tem a missão de perdoar os pecados, em nome de Cristo, e é
preciso que esteja sempre à disposição dos fiéis que queiram vir
fazer a sua confissão e receber a absolvição dos pecados, podendo
a qualquer hora do dia ou da noite ser chamado a atender, mesmo
com léguas de distância, os moribundos que queiram confessar-se e
receber a Extrema Unção. É ele quem tem o poder de realizar o
mistério eucarístico, de ministrar os sacramentos, cabe-lhe preparar
o processado para a celebração do Matrimônio, etc., etc.

Esta organização de e que as apascentam é


inteiramente alheia ao espírito do Protestantismo, em geral, em que
cada um basta a si mesmo para salvar-se, e salvar-se
definitivamente desde este mundo.

2ª — Preocupados, com a sua definição de fé salvadora, em


apontar os católicos como afastados do caminho da salvação, os
protestantes findam concedendo aos seus adeptos a liberdade de
rejeitarem (caso assim o queiram) todos os dogmas do Cristianismo,
excetuando-se apenas este: “Jesus é o meu Salvador”. Admitir-se
isto é o quanto basta para se salvarem.

Se queremos ver os protestantes interpretarem as Escrituras com


lógica e critério e honestidade, basta apreciá-los a comentar aquelas
passagens que constituem assunto específico entre católicos e
protestantes, em que não há nenhuma controvérsia entre o
Protestantismo e a Igreja Romana. Verá o leitor que maravilha,
quando eles discorrem sobre o nascimento, os milagres, as
parábolas, os fatos da Paixão e Morte do nosso Divino Salvador.
Chame-os, porém, a examinar aquelas passagens em que o Divino
Mestre concedeu poderes e atribuições especiais aos seus
Apóstolos: o primado de Pedro (Mateus XVI-18), o Batismo e seus
efeitos (Atos II-38), poder de perdoar pecados (João XX-23), a
presença real de Jesus na Eucaristia (Lucas XXII-19 e 20) etc. Os
homens se transformam por completo. Não há texto, por mais claro,
que os convença. Não recuam diante de nenhum sofisma, nem se
acanham dos mais ridículos argumentos. Um emperro sem fim,
porque se trata aí de uma questão de vida e de morte para o
Protestantismo.

E o pior é que depois de ter torcido e retorcido textos claríssimos da


Bíblia em que se mostra a transmissão destes poderes, fica o
protestante .
Porque se põe a pensar consigo mesmo: Creio em Jesus Cristo e
quem crê em Jesus já está salvo. Ora, crer em Jesus não é, como
pensam os católicos, acreditar em tudo o que Jesus disse, e
exatamente no sentido em que Ele o disse. Crer em Jesus é aceitá-
Lo, com toda a confiança, como ao meu Salvador Pessoal, como
Aquele que me salva com toda certeza a mim, Fulano de tal. Tenho
esta fé em Cristo, portanto irei direitinho para o Céu, quando morrer.
Quanto a interpretar as palavras da Bíblia desta ou daquela
maneira, pouco importa; é um direito que me assiste, o direito de
livre exame.

E é assim, graças à falsificação da noção de fé, que um herege se


ilude a si mesmo, julgando poder conciliar as duas coisas: adulterar
manhosamente as Escrituras e, ainda por cima, ser premiado,
eternamente lá no Reino dos Céus.

3ª — A teoria dos protestantes sobre a fé salvadora torna a sua


pregação completamente ineficaz e irrisória para o mundo mau e
perverso de hoje. Não falamos sem conhecimento de causa,
podemos dar uma informação segura sobre o assunto, pois temos
ouvido um sem-número de pregações de protestantes, feitas nas
estações de rádio, e de seitas diversas. São pregações
endereçadas, portanto, exclusivamente a seus adeptos iniciados,
mas a todos os homens, aos “infiéis” também, àqueles que não
aceitam a sua doutrina. Podem modificar de agora por diante seu
sistema de pregação, mas até agora se têm limitado a apresentar a
salvação como dada “de graça” e de maneira definitiva, para aquele
que crê.
Sobre a observância dos mandamentos, como condição
indispensável para se obter a vida eterna, o que foi ensinado tão
claramente por Jesus (Se tu queres entrar na vida,
— Mateus XIX-17) não se fala absolutamente, seria
dar razão à Igreja Católica que ensina a necessidade das obras
para a salvação.

Diz-se apenas que é preciso, além de crer, arrepender-se dos


pecados, mas em geral nada se explica sobre as qualidades
essenciais deste arrependimento, não se informa que este
arrependimento só é possível com uma emenda sincera de vida e
que esta emenda exige renúncia, mortificação e sacrifício. Acentuar
isto seria também estar falando na necessidade das obras, do
sacrifício pessoal para a salvação, como ensina a Igreja Romana.

O que se prega, sim, com a maior insistência é a fórmula:


A - J
S Ú P .S
, - , conforme
ensinam quase todas as seitas. E como, segundo a mentalidade
protestante, aceitar a Cristo como Salvador é convencer-se alguém
de que está salvo por Jesus, segue-se que a salvação pregada pelo
Protestantismo é uma salvação adquirida por autossugestão.

Os grandes santos, de que se orgulha a Igreja Católica, os católicos


sinceros de todos os tempos que por toda sua vida lutaram,
vigiaram, despenderam esforços continuamente para praticar a
virtude e vencer as tentações, ,
buscando não só a graça santificante nos sacramentos, mas
também
D , porque estavam convencidos de que só tinham de sim
mesmos matéria e fragilidade, e
, mesmo assim se condenaram, foram para o inferno,
não alcançaram a salvação. Por quê? Que é que lhes faltou? Faltou,
segundo a doutrina protestante, terem tido já aqui na terra a
de que estavam salvos, definitivamente salvos,
infalivelmente salvos desde este mundo; certeza absoluta, aliás, que
eles não tinham, não porque duvidassem do poder de Deus ou da
sua vontade de os salvar, mas porque humildemente temiam por
sua própria fraqueza e receavam estragar, eles próprios, o plano
divino, uma vez que Deus respeita sempre a nossa liberdade.

Para os protestantes, o que bota para a frente em matéria de


salvação, o que resolve todos os males morais do mundo, é o
indivíduo sugestionar-se de que já está salvo por Jesus... Graças a
esta convicção, se torna uma nova criatura completamente
regenerada e liberta do pecado...

Ora, é interessante observar como pode ser desmoralizada


facilmente esta teoria sobre a fé salvadora, a qual, como tivemos
ocasião de provar (nos 60 a 69; nº 139), não tem nenhum
fundamento bíblico. É extremamente perigoso apresentarem-se
assim os protestantes como homens que foram automaticamente
salvos, santificados e regenerados por Jesus para sempre, sem
perigo jamais de perder-se, porque basta que se apontem, dentro do
próprio Protestantismo, elementos maus que não só pecam, mas
vivem ainda habitualmente no pecado, sem nenhuma amostra de
arrependimento, para que se desmorone completamente toda esta
doutrina. Expulsá-los da seita, como tantas vezes se faz entre os
protestantes, não é o suficiente, para se esconder o fracasso; pois
como se expulsam da religião aqueles que já estão “salvos”?...

— Entre os católicos também há maus elementos, dirão os


protestantes.

— Não há dúvida alguma, porque o reino dos Céus é semelhante a


um homem que semeou boa semente no seu campo; e enquanto
dormiam os homens, veio o seu inimigo e semeou depois cizânia no
meio do trigo e foi-se (Mateus XIII-24 e 25). Só no tempo da ceifa,
isto é, na consumação do século, é que se fará a depuração, a
completa separação entre a cizânia e o trigo. Mas, quando o católico
broma e se torna mau, isto não desmente a doutrina da Igreja,
porque esta nunca se apresentou como uma congregação
constituída só de puros e perfeitos, nem jamais garantiu a quem
quer que seja que lhe era impossível a entrada no inferno. Tudo
depende do uso da liberdade de cada um; aquele, porém, que
perseverar até o fim, esse é que será salvo (Mateus X-22).

Já tivemos ocasião de assistir a um fato muito instrutivo nesta


matéria. Um protestante, desses líderes sabichões que estão
prontos a responder a todas as consultas de seus “irmãos na fé”
pregava esta doutrina de que aquele que aceitou a Cristo como seu
Salvador Pessoal está salvo, não se pode perder jamais, quando
alguém lhe fez esta pergunta: Diga-me uma coisa. Um homem que
crê em Jesus, já o aceitou como seu Salvador Único e Pessoal; mas
depois disto, vencido pelo demônio, vive se entregando a toda sorte
de trapaças, traições, mentiras e falsidades. Este homem se salva?

Por mais incrível que pareça o líder protestante respondeu: Veja lá o


que está escrito no Evangelho de S. João, capítulo 3º, versículo 36:
O que crê no Filho tem a vida eterna. Como vivia pregando que
aquele que crê em Jesus está salvo , não podia dizer,
como era lógico e natural, que o tal homem, se não se arrepender-
se, se não se emendasse, não poderia salvar-se de forma alguma.
Por outro lado, não podia afirmar que era impossível que surgisse
tal caso: aí está a experiência de cada dia para nos mostrar como
pode qualquer homem mudar de sentimentos e perverter-se de uma
hora para outra e por fim perseverar no mal. Preferiu colocar no Céu
o homem falso, trapaceiro, traidor e mentiroso, contanto que ficasse
de pé a sua doutrina. É assim que se sustentam de oitiva certas
teorias, sem nenhuma consideração a fatos inegáveis, como são a
inconstância do coração humano e a nossa natural inclinação para o
mal, que a graça não destrói, porque para resistir a ela o homem
conserva sempre a sua liberdade.

Além disto, onde é que está o poder mágico regenerador que tem
esta convicção de que já se está salvo, de que não se pode ir para o
inferno, se esta convicção de que já se está salvo, de que não se
pode ir para o inferno, se esta convicção pode existir até mesmo
num homem mau e perverso e que não tem nenhum
arrependimento de seus crimes? Pode muito bem existir um homem
que não dê crédito a muitos dos mistérios da nossa Santa Religião,
que Jesus nos ensinou e que viva cometendo continuamente
pecados e misérias de toda sorte, sem nenhuma contrição, nem
nenhum propósito de emenda e que, no entanto, conserve firme
esta convicção: “Sei que sou pecador, vivo pecando e não deixarei
de pecar; mas estou certo de que irei para o Céu, pois Cristo é o
meu Salvador; Ele pagou por mim, o seu sangue me purifica de todo
pecado”. Segundo a ideologia protestante, este homem já possui a
fé; só lhe falta ter agora o arrependimento. A essência do
Cristianismo consiste, para eles, nesta convicção de que se vai para
o Céu, estribada no sacrifício de Jesus e não na
doutrina que Ele nos ensinou, a qual nos indica uma das tantas
condições para conquistar a bem-aventurança. Segundo a doutrina
católica, o caso deste homem não passa de um pecado gravíssimo:
a presunção de se salvar sem merecimento, sendo a sua convicção
de que já está salvo, mais um perigoso incentivo par o crime.

Jesus morreu por nós, pagou por nós, não há dúvida alguma, neste
sentido de que reconciliou a Humanidade com Deus, e nos mereceu
a sua graça, a qual não alcançaríamos se Ele não tivesse imolado, a
qual nos é indispensável para conquistar o Céu; mas a salvação não
pode ser conseguida senão por aquele que por sua vez procura
cooperar com a graça.

Os protestantes não creem em Jesus Cristo.

364. Mas deixemos os protestantes com a sua extravagante


concepção a respeito da fé salvadora.

E em nome do bom senso, que nos ensina claramente que não se


pode ter numa pessoa sem acreditar naquilo que ela diz, em
nome da própria doutrina de Cristo, o qual exige que se acredite nas
suas palavras (Se eu vos digo a verdade, por que me não credes?
— João VIII-46), temos que estabelecer este princípio indiscutível:
N J C
.

Ora, segundo o que nestes 6 capítulos últimos temos sobejamente


demonstrado:

1º — Cristo disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei


I , E
(Mateus XVI-18). E os protestantes negam que Pedro seja a pedra
fundamental da Igreja e aparecem no século XVI, apresentando
uma doutrina nova contrária à que a Igreja fundada por Cristo, a
Igreja Católica ensinava até então e ensina ainda hoje, sob o
pretexto de que nesta Igreja se tinham introduzido erros durante
muitos séculos, portanto afirmam claramente que as portas do
inferno prevaleceram contra ela. E quando são convidados a
apresentar a doutrina verdadeira, eles próprios se desmoralizam,
apresentando seitas inúmeras que ensinam as teorias mais
diversas.

2º — Cristo nos fala em um renascer da e do Espírito Santo


(João III-5) indispensável para se entrar no reino de Deus;

a grande maioria dos protestantes veem no Batismo, água somente


e não um renascimento espiritual.

3º — Cristo deu claramente aos Apóstolos o poder de perdoar os


pecados e retê-los (João XX-23); os protestantes o negam
abertamente.

4º — Cristo afirmou da maneira mais clara e insofismável a sua


presença real na Eucaristia, tanto no Capítulo 6º de S. João (João
VI-52 a 58), como na Última Ceia. Os protestantes se recusam a
, exatamente como os judeus de outrora: Duro é este
discurso, e quem no pode ouvir? (João VI-61).

Logo, os protestantes não têm fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.


Reduzem a salvação à fé, só à fé, à fé sem as obras. E nem mesmo
esta fé eles sabem ter.

A minha Igreja.

365. Caro leitor, Cristo fundou uma I . Ela tem que ser ,
porque a verdade é uma só. Tem que vir dos tempos de Cristo,
porque as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus
XVI-18). Sem querer falar na sua santidade, no caráter santificador
de sua doutrina, que tem elevado tantas almas aos mais altos
cumes da perfeição, sem querer falar na sua catolicidade, no seu
caráter universal, pelo qual em todas as épocas vem cumprindo a
sua missão de ensinar a todos os povos, só a Igreja Católica reúne
estas 2 condições: só ela é ao mesmo tempo e .
Que ela é una, está patente aos olhos de todos, pois é de todos
conhecida a firmeza de sua doutrina no Universo inteiro. Que vem
dos tempos de Cristo, ninguém duvida, os próprios protestantes
unanimemente o reconhecem, pois todas as outras Igrejas
apareceram muito depois e foram fundadas pelos homens.

Foi, portanto, esta Igreja Católica que Cristo chamou M


I (Mateus XVI-18).

Se você quer ser um verdadeiro seguidor de Nosso Senhor Jesus


Cristo; é esta mesma Igreja Católica que igualmente deverá chamar
assim: A M I .
Terceira Parte
Jesus, único mediador
Capítulo Décimo Quinto
O culto dos santos
Por que só a Bíblia?

366. Assegurando à S I que as portas do inferno não


prevaleceriam contra ela, Jesus estava garantindo que ela jamais
seria invadida pelo erro, porque seria de fato uma grande vitória do
poder das trevas, se conseguisse transformar a Igreja de Deus Vivo
de mestra infalível da verdade em propagadora do erro, ainda que
fosse num só ponto de sua doutrina. As heresias de todos os
tempos foram sempre fomentadas pelas potestades infernais, para
ver se conseguiam realizar este ideal satânico. E entre as heresias
que têm lutado contra a Igreja ocupa um lugar muito importante o
Protestantismo.

Na ânsia de justificar a sua atitude, aparecendo no século XVI, a


ensinar uma doutrina muitíssimo diversa daquela que a Igreja vinha
ensinando desde muitos séculos, esforçam-se os protestantes por
demonstrar que essa Igreja errou, ou melhor, encheu-se de erros, o
que é o mesmo que dizer, esforçam-se por demonstrar que falhou
miseravelmente J .

Nesta pretensa demonstração, eles recorrem a argumentos que não


poderiam deixar de ser falhos e improcedentes.

Um deles é o seguinte: A Igreja está errada em tais e tais pontos


que ela ensina, porque B .

Este argumento é falso, porquanto se baseia numa falsa suposição:


a de que a Bíblia tenha sido escrita para ser a nossa única regra de
fé.

Cristo disse aos Apóstolos:


(Marcos XVI-15), não disse que o meio para conhecerem os
homens a verdade religiosa era só e exclusivamente a leitura da
Bíblia. Mandou-lhes , prometeu-lhes a
sua assistência neste ensino. E a ideia que fazem os protestantes é
esta: Os Apóstolos pensaram assim: Cristo nos mandou ensinar,
quer dizer que nós pregamos enquanto estamos nesta terra. E
também escrevemos o Novo Testamento e o deixamos, para que
cada um aprenda a doutrina cristã, após a nossa morte.

Mas esta ideia é errônea. O Novo Testamento não foi escrito


segundo este plano. Começa logo por não ter sido escrito só pelos
Apóstolos: Marcos que escreveu o 2º Evangelho e Lucas que
escreveu o 3º e os Atos dos Apóstolos, não haviam recebido a
missão de ensinar a todos os povos. E vários Apóstolos, como S.
Tomé, S. Filipe, S. Bartolomeu, S. André, S. Simão Cananeu, que
foram para bem longe, pregar a povos de línguas diversas, aos
quais não seria fácil manusear o grego do Novo Testamento, no
entanto B . Não foi
composto o Novo Testamento com a preocupação de ensinar a
doutrina e toda a doutrina; neste caso deveria ter seguido o método
adequado, apresentando ordenadamente a matéria ponto por ponto
e em linguagem clara e acessível a todos, a fim de que não se
deixasse margem alguma para a dúvida; não teria tantos trechos de
interpretação bem difícil. Conforme já explicamos (nº 259), foram
escritos os seus livros ocasionalmente, de acordo com as
necessidades do momento. Deus os inspirou e de certo são eles a
palavra escrita infalível que o ensino da Igreja e que lhe
serve de orientação proveitosíssima neste ensino; são também os
documentos, pelos quais a Igreja prova contra os hereges a sua
legitimidade, a sua origem divina. Mas não há nenhuma palavra de
Jesus, o qual deixou a Igreja com a missão de e num
tempo em que não havia sido escrito nenhum livro do Novo
Testamento, não há nenhum texto sagrado que nos indique que só
devemos aceitar o ensino da Igreja, se ele estiver contido
na Bíblia. Antes, o que ela ensina, está também
implicitamente recomendado pela Escritura Sagrada que a
apresenta como (1ª Timóteo III-
15) e como detentora das divinas promessas. E muitas discussões,
hesitações e controvérsias que há entre os próprios protestantes,
por exemplo, a respeito do Batismo, do pecado original, do número
dos sacramentos etc., nascem precisamente disto: a Bíblia não
oferece elementos suficientes para se resolverem definitivamente
estas questões; e os protestantes, surgindo no século XVI e
rejeitando toda a tradição, querem resolvê-las exclusivamente pelos
dados da Bíblia, ao passo que a Igreja Católica, vindo dos tempos
apostólicos, está firme e segura na sua doutrina, porque sabe, pela
tradição, qual foi o verdadeiro ensino que os Apóstolos legaram à
Cristandade.

As decisões dos concílios.

367. Queremos chamar a atenção também para um muito


usual entre os protestantes, com o qual aqueles que conhecem mais
um pouquinho de história da Igreja procuram enganar os incautos e
inexperientes.

Quando vê serem negadas pelos hereges ou


serem mal interpretadas, ou aparecem questões sobre os
verdadeiros termos em que devem ser propostas e defendidas, a
Igreja Católica nos seus concílios ecumênicos, isto é, universais, faz
as solenes definições para esclarecer, eliminando qualquer dúvida,
a fim de que Se preserve . Aproveitam-se disto os
protestantes para dizerem que nesta ocasião foi a doutrina
na Igreja, o que é inteiramente falso. Foi o que se deu,
para dar um exemplo, com o dogma da presença real de Cristo na
Eucaristia. Está clarissimamente ensinado na Bíblia, sempre foi
admitido pelos católicos, era um dogma que fazia parte da vida dos
cristãos, que comungavam, ouviam A Santa Missa, etc. Até o século
XI nunca foi negado diretamente, nem mesmo pelos hereges.
Quando aparecem seitas heréticas combatendo este dogma, a
Igreja solenemente o define, como o fez no 4º Concílio de Latrão,
em 1215. Dizer que só aí é que a doutrina foi introduzida na Igreja é
uma enorme falsidade histórica; como é também inexato pensar que
só é de fé para nós, católicos, o que é definido nos Concílios, pois é
de fé para nós tudo quanto ensina a Bíblia, e a Igreja não vai definir
os ensinos da Bíblia versículo por versículo.

Usos e questões disciplinares.

368. Outra observação que temos a fazer é a seguinte: Uma coisa


éa ; e outra são as questões disciplinares, os usos e
costumes e devoções que podem variar de um século para outro,
conservando-se inalterada a parte doutrinária. A Igreja é autônoma,
tem o direito de impor leis que não sejam contrárias às leis divinas,
tem o direito de governar-se a si mesma: Tudo o que ligares sobre a
terra será ligado também nos Céus, e tudo o que desatares sobre a
terra será desatado também nos Céus (Mateus XVI-19), foi dito por
Jesus Cristo a Pedro, o chefe da Igreja. E o mesmo poder de ligar e
desligar foi também concedido ao colégio apostólico (Mateus XVIII-
18). Estes poderes persistem no sucessor de Pedro e naqueles que
ocupam o lugar dos Apóstolos aqui na terra, como legítimos
continuadores de sua missão.

A Igreja vai durar até o fim do mundo, em circunstâncias as mais


diversas, no meio das mais diversas raças. Tem que conservar
intacto, inalterado o depósito da fé, da sua . Mas as leis
disciplinares, pelas quais internamente se governa têm que variar de
acordo com as circunstâncias. Os métodos de ensino, as devoções
especiais, os meios de apostolado vão sendo pouco a pouco
inspirados pelo Divino Espírito Santo que vela sempre sobre ela.

Querer, portanto, que por todos os séculos a Igreja tenha que


restringir- se a fazer exclusivamente o que fizeram os Apóstolos,
naqueles primeiros dias de sua história, dias, aliás, extraordinários,
em que havia certos dons e carismas que seriam limitados àqueles
primórdios, seria evidentemente um absurdo.

Põem-se então muitos protestantes a “demonstrar” que a Igreja


Católica não é mais a Igreja de Cristo, porque em tal época impôs a
obrigação do jejum na Quaresma, ou em tal época os padres
começaram a usar vestuário diferente dos seculares, ou começaram
a usar tonsura na cabeça, porque em tal época se começou a recitar
o Rosário, a fazer procissão com o Santíssimo Sacramento ou a
usar campainhas na celebração da Missa ou a acender velas nas
igrejas, ou a canonizar os santos ou a usar o latim como língua
litúrgica — e nada disto havia no tempo dos apóstolos... os
Pentecostais acham que a Igreja Católica não é a mesma Igreja de
Cristo, porque nela os fiéis não recebem mais o Espírito Santo com
o , como acontecia algumas vezes nos tempos
primitivos... E uma das provas mais evidentes que os protestantes
veem de que a Igreja não é mais a Igreja de Cristo é o celibato
eclesiástico. Já tivemos oportunidade de falar sobre este assunto (nº
211). Permitia-se no tempo dos apóstolos que os presbíteros,
também chamados bispos, fossem casados e já explicamos por
quê. Nestas circunstâncias, S. Paulo recomenda que só seja
escolhido para bispo um homem que tenha sido esposo duma só
mulher (1ª Timóteo III-2), não servindo para o cargo aqueles que já
andaram às voltas com muitas mulheres. E S. Paulo, note-se bem,
afirma claramente que pratica o celibato e além disto o aconselha
(1ª Coríntios VII-7 e 8), bem como ensina das
vantagens da continência perfeita sobre o estado de matrimônio (1ª
Coríntios VII-25 a 35). Isto era doutrina do próprio Jesus, que alude
àqueles que sacrificam seus instintos carnais R
C (Mateus XIX-12). Pois bem, quando a Igreja resolveu só
aceitar para sacerdotes aqueles que espontaneamente queiram
fazer o voto de castidade perfeita, deixou por isto de ser a Igreja
Verdadeira de Jesus Cristo?... Agora repare bem o leitor
. Os Apóstolos proibiram aos cristãos comer do
sangue e das carnes sufocadas (Atos XV-29). Tinham os cristãos
que fazer como faziam os judeus: matar o animal, fazer escorrer
todo o sengue para depois comer. N B
. Mais tarde a Igreja, com o seu poder
de ligar e desligar, uma vez que não havia mais as razões pelas
quais esta proibição tinha sido feita, resolveu revogar tal
imposta pelos Apóstolos. E no entanto os protestantes
que acham que a Igreja tem que se limitar a fazer exclusivamente o
que está na Bíblia, que só admitem aquilo que se vê em letra de
forma no Livro Sagrado, comem a carne dos animais com o sangue,
comem as carnes sufocadas, sem nenhum remorso, autorizados
exclusivamente pela Igreja!

E durma-se com um barulho destes!

O desafio.

369. Caros amigos protestantes:


Vocês querem provar que a Igreja Católica se deixou contaminar
pelo erro e que é falsa a promessa de Jesus Cristo de que as portas
do inferno não prevaleceriam contra ela. Sentem absoluta
necessidade disto, porque precisam justificar a sua inegável posição
de , surgidos no século XVI, afastados da Igreja fundada
por Cristo, a Igreja Católica, e combatendo doutrinas que a mesma
vinha e vem ensinando desde muitos séculos, em toda a história do
Cristianismo. Não é assim? Pois bem, argumentem com a
. Provem que a Igreja ensina
S E .

Dirão os protestantes:

Pois bem, está aceito o desafio. Vamos argumentar com a


da Igreja e mostrar que ela é contrária à doutrina do
Evangelho. A Igreja presta culto aos anjos e aos santos, os
considera como entre Deus e os homens, pois faz
orações aos anjos e aos santos, para que intercedam por nós. Ora,
isto é doutrina condenada pela Bíblia que diz assim:
D , J C
(1ª Timóteo II-5). Além disto, S. Paulo na sua Epístola aos
Colossenses previne os fiéis contra o culto dos anjos (Colossenses
II-18). E o Apocalipse nos narra duas vezes que S. João quis adorar
o anjo, mas o anjo expressamente se recusou dizendo: Vê não
faças tal: eu sou servo contigo e com teus irmãos que têm o
testemunho de Jesus. A D (Apocalipse XIX-10; cf. XXII-
9). Logo, só Deus deve ser cultuado; só Jesus é Mediador e,
portanto, é contrário às Escrituras o culto dos anjos e dos santos. E,
não contente com isto, a Igreja presta culto às imagens, adora-as,
praticando uma idolatria que é tão insistentemente condenada pela
Bíblia, a qual também proíbe fazer imagens e prestar-lhes culto,
mesmo que não seja de adoração: Não farás para ti imagem de
escultura... Não as adorarás, (Êxodo XX-4 e
5). Logo, a Igreja está em completo desacordo com a Bíblia.

— Primeiro responderemos às objeções sobre o culto dos anjos;


depois falaremos sobre Jesus Mediador, o que requer uma
exposição um pouco mais extensa. E no capítulo seguinte falaremos
então sobre o culto das imagens.

E verão Vocês, protestantes, como estão completamente


enganados em todos estes pontos.

Na Epístola aos Colossenses.

370. Na Epístola aos Colossenses, S. Paulo está prevenindo os


destinatários da sua carta contra certos que ensinam
doutrinas errôneas, alegando tê-las aprendido anjos, a quem
cultuam. Vejamos o texto: Ninguém vos desencaminhe, afetando
parecer humilde e dar culto aos anjos no estado de
viador, inchado vãmente no sentido de sua carne, e sem estar unido
com a cabeça, da qual todo o corpo, fornido e organizado pelas
suas ligaduras e juntas, cresce em aumento de Deus (Colossenses
II-18 e 19).

O texto grego que usamos (edição de Nestle) diz assim: Ninguém


vos seduza, querendo, com a mortificação e o culto dos anjos,
perscrutando o que ; sendo que há certos códices que trazem:
perscrutando o que ; o que, por mais estranho que pareça,
não altera o sentido:
Perscrutando o que — quer dizer que estes homens de fato
não receberam visão alguma;

Perscrutando o que — quer dizer que estes homens alegam ter


visto alguma coisa (quando de fato não viram nada).

Trata-se apenas de hereges que sustentam teorias condenáveis e,


para justificá-las, alegam que fazem mortificações e com isto
conseguem ter visões de anjos, que os favorecem com revelações,
quando na realidade não viram coisa alguma. S. Paulo mostra que
estes estão inchados na sua soberba, na sua presunção e estão
separados do corpo místico da Igreja, cuja cabeça é Cristo.

Concluir destas advertências feitas pelos Apóstolos contra certos e


determinados hereges, visionários e enganadores, que não nos seja
lícito fazer uma súplica aos anjos, é querer identificar duas coisas
que nada têm que ver, uma com a outra.

Adora a Deus!

371. Vejamos agora o episódio que se passou entre S. João


Evangelista e o anjo que lhe fez as revelações. S. João quis
o anjo, e o anjo se recusou dizendo: Não faças tal... adora
a Deus!

Primeiramente, temos que prevenir o leitor de que, como


explicaremos mais adiante (nº 382) a palavra é
frequentemente empregada nas Escrituras para significar, não a
adoração que se deve exclusivamente a Deus, mas um ato de
saudação, em que uma pessoa se prostra em terra para reverenciar
a outra, como era costume entre os orientais. S. João não iria
cometer um ato de idolatria ou de adoração indébita, porque era um
Apóstolo, iluminado pelo Espírito Santo. Quis apenas expressar ao
anjo a sua profunda reverência.
— Pois é; diz o protestante. Quis expressar ao anjo a sua profunda
reverência, quis - e o anjo não permitiu.

— Quer dizer que os anjos não permitem aos homens que lhes
expressem a sua reverência para com eles? Como se explica então
que, como narram as mesmas Sagradas Escrituras, Lot viu dois
anjos, fez-lhes a reverência, prostrou-se diante deles e os anjos não
fizeram nenhum sinal de protesto (Gênesis XIX-1 e 2)? Josué viu
um anjo em figura de homem, prostrou-se diante dele e o anjo não
reclamou coisa alguma. Lê-se, com efeito, no livro de Josué:
Estando Josué no campo da cidade de Jericó, levantou os olhos e
viu um homem posto em pé diante dele, que tinha uma espada nua
e foi ter com ele e disse-lhe: Tu és dos nossos ou dos inimigos? O
qual lhe respondeu: Não, mas sou o
S , e agora venho. Josué se lançou com o rosto em terra e
- , disse: Que diz meu Senhor ao seu servo? Tira, lhe
disse ele, o calçado de teus pés, porque o lugar em que estás é
santo. E Josué fez como se lhe havia, mandado (Josué V-13 a 16).
O mesmo aconteceu com Balaão: viu o anjo, prostrou-se diante dele
e fez a saudação que se chamava naquele tempo adoração e o anjo
aceitou esta homenagem, não protestou coisa alguma: No mesmo
ponto abriu o Senhor os olhos de Balaão, e ele viu o anjo parado no
caminho com a espada desembainhada e, prostrado por terra,
. Ao qual disse o anjo: Por que castigas tu terceira vez a tua
jumenta? (Números XXII-31 e 32). O anjo repreende a Balaão por
ter castigado em demasia a jumenta, mas não reclama por se ter
prostrado diante dele.

Há, portanto, uma razão especial, pela qual o anjo que fez as
revelações a S. João Evangelista se recusa a receber as suas
homenagens. E esta razão, o anjo a declara abertamente. Quer
mostrar com isto o apreço em que tem a S. João, a quem está
tratando de igual para igual, porque S. João é também um profeta,
pertence a uma classe privilegiada por Deus: Vê não faças tal: eu
sou servo contigo e
J . Adora a Deus; porque J
(Apocalipse XIX-10).

E a prova de que o anjo, recusando aquela homenagem, não está


absolutamente censurando a S. João Evangelista de querer fazer
uma coisa ilícita ou pecaminosa, é que, no fim do Apocalipse,
S. João nos narra que quis novamente prostrar-se diante dele, e o
anjo mais outra vez não quis consentir. Não se trata, portanto, de
uma teimosia em fazer o que não era direito, isto seria inconcebível
num Apóstolo; trata-se de uma insistência em prestar ao anjo uma
homenagem que ele merece, e insistência outra vez da parte do
anjo em declinar desta homenagem. E a razão que o anjo dá nesta
segunda tentativa é igualmente a mesma: S. João é um profeta. E
eu, João, sou o que ouvi e o que vi estas coisas; e depois de as ter
ouvido e visto, me lancei aos pés do anjo que mas mostrava, para
; e ele me disse: Vê não faças tal, porque eu sou servo
contigo e com , e com aqueles que
guardam as palavras da profecia deste livro. Adora a Deus
(Apocalipse XXII-8 e 9).

O anjo está falando com um Apóstolo e Evangelista, com um


Profeta, um Santo, um homem de Deus, um Pregador do
Evangelho, o Discípulo Virgem, predileto de Jesus, não quer receber
homenagem deste homem, a quem quer tratar como a seu
semelhante.

Só falta agora a caturrice do protestante alegar: Mas Balaão


também era profeta. A alegação vem fora de propósito: 1º — porque
o anjo, assim como recusou a homenagem do Apóstolo, bem
poderia tê-la aceitado. Jacó é irmão de Esaú, em nada lhe é inferior
e no entanto se prostra 7 vezes diante dele, ao receber a sua visita
(Gênesis XXXIII-3); 2º — porque Balaão tinha sido colhido em falta
naquele mesmo momento, e nada mais natural do que fazer um ato
de submissão ao anjo e submeter-se a uma penitenciazinha; 3º —
porque foi claramente anunciada no Evangelho a maior dignidade, a
superioridade dos personagens do Novo Testamento, com relação
aos do Antigo: Na verdade vos digo que entre os nascidos de
mulheres não se levantou outro maior que João Batista; mas o que
é menor no reino dos Céus é maior do que ele (Mateus XI-11).

Bons e maus trocadilhos.

372. Finalmente chegamos à expressão: Ú .

Os protestantes dizem enfaticamente: É um crime pedir aos santos


que sejam mediadores, que intercedam por nós, porque S. Paulo
nos diz claramente que Jesus é o entre Deus e os
homens (1ª Timóteo II-5).

— Eis aí um grandíssimo e notabilíssimo


.

A coisa mais conhecida deste mundo é que muitas e muitas vezes


uma palavra pode ter mais de um sentido. Isto acontece com quase
todas as palavras. Já tivemos ocasião de mostrar ao leitor que
S. Paulo, nesta 1ª Epístola a Timóteo, diz a este seu amigo e
companheiro que ele tem por missão a si mesmo e
aos outros (fazendo isto, te tanto a ti mesmo, como
— IV-16), quando todos sabem que Único Salvador é
Jesus. É porque, como já explicamos (nº 265), isto depende do
sentido em que se tome a palavra: S .

Às vezes até se observa na Escritura que numa pequenina frase a


mesma palavra toma 2 sentidos diversos, dando lugar a um
trocadilho: Segue-me e deixa que os sepultem os seus
(Mateus VIII-22). Ora, um defunto não pode ir ao enterro de
outro defunto. A frase significa: Deixa que aqueles que estão
sepultem os que estão
. Outra frase em que se mostra um trocadilho assim, é
aquela de S. Paulo, que diz a respeito de Deus com relação a Jesus
Cristo: Àquele que não havia conhecido , o fez por
nós (2ª Coríntios V-21). Chamava-se pecado o ato mau cometido
pelo homem; e chamava-se também pecado a vítima que se
oferecia a Deus pelos pecados nos sacrifícios antigos: Eles comerão
dos do meu povo (Oseias IV-8) e assim, segundo a frase
de S. Paulo: Jesus não conhecia pecado, era santo e inocente e por
isto Deus o tornou pecado, isto é, vítima pelo pecado para nos
salvar.

A objeção dos protestantes é também um trocadilho, mas não como


o de Jesus ou o de Paulo que só diziam a verdade, que não eram
capazes de enganar, mas um trocadilho da pior espécie, feito
manhosamente para iludir o povo rude e inexperiente.

Não, caros amigos protestantes. Deixemo-nos de brigas e


cavilações por uma mera questão de nomes.

Os anjos e os santos . E Jesus Cristo é o


. Não existe aí nenhuma contradição;
J C

Mediação e suas finalidades.

373. A palavra (no grego ) significa


simplesmente isto: .

Esta função de intermediário varia de acordo com a finalidade com


que é exercida.

Um homem pode ser mediador ou intermediário —


;
pode ser mediador ou intermediário —
, servindo, por
exemplo, de intérprete;
pode ser mediador ou intermediário —
,
servindo de árbitro;
pode ser mediador ou intermediário —
.

Precisamos saber em que sentido Jesus é apresentado na Escritura


como , porque a própria Escritura dá este nome
também a Moisés. Desde que no Antigo Testamento a lei divina foi
entregue ao povo, servindo Moisés de para
transmitir a mensagem celeste (portanto no segundo sentido que
apontamos acima), Moisés neste sentido foi um . E é por
isto que S. Paulo chama a Jesus
(Hebreus IX-15; XII-24), dando a entender claramente que Moisés o
era do Antigo. E realmente faz o contraste entre Moisés e Jesus,
chegando à conclusão de que Jesus é
: ... Os quais servissem de modelo e sombra das coisas
celestiais, como foi respondido a Moisés, quando estava para
acabar o tabernáculo: Olha (disse), faze todas as coisas conforme o
modelo que te foi mostrado no monte. Mas agora alcançou
tanto melhor ministério, quanto é ainda de
, o qual está estabelecido em melhores promessas
(Hebreus VIII-5 e 6). Aí já a palavra é tomada noutro
sentido, pois Jesus, sendo o entre Deus e os
homens, o é para todos os homens, desde o princípio do mundo,
homens do Antigo e do Novo Testamento: não entrou para se
oferecer muitas vezes a si mesmo... doutra maneira, lhe seria
necessário padecer muitas vezes desde o princípio do mundo
(Hebreus IX-25 e 26).

Moisés podia muito bem no seu tempo qualificar-se de mediador


entre Deus e os homens, mas mediador em um certo sentido, no de
transmitir aos homens as palavras de Deus: Então eu fui o que
intervim como S
(Deuteronômio V-5) [55]. Ora, se
tomamos a palavra neste sentido, já todos os profetas
são , porque servem de intermediários para transmitir
aos homens os avisos e ensinamentos divinos. E o próprio S. Paulo
era também , porque era intermediário entre Deus e os
homens. Que é um embaixador senão um intermediário? Nós
fazemos o ofício de embaixadores em nome de Cristo, como que
Deus vos admoesta por nós outros. Por Cristo vos rogamos que vos
reconcilieis com Deus (2ª Coríntios V-20).

A questão está, portanto, em saber J


, D
. E para isto é indispensável examinar o contexto da célebre
frase de S. Paulo, porque o forte dos protestantes, nesta matéria de
sofismas, consiste em separar as palavras do seu verdadeiro
contexto.

Notas (pular)

[55] O texto hebraico diz: Eu estava então entre Javé e vós para vos fazer
conhecer a sua palavra (Deuteronômio V-5), mas isto em nada diminui o papel
de mediador ou intermediário entre Deus e o seu povo que exercia Moisés,
transmitindo dAquele para este os divinos mandamentos. (voltar)

O contexto.

374. S. Paulo começa recomendando a Timóteo que se façam


orações por todos os homens: Eu te rogo, pois, antes de tudo, que
, , , ações de graças
, pelos reis e por todos os que estão elevados em
dignidade, para que vivamos uma vida sossegada e tranquila em
toda a sorte de piedade e de honestidade, porque isto é bom e
agradável diante de Deus, nosso Salvador (1ª Timóteo II-1 a 3).
Repare bem o leitor: S. Paulo quer que os cristãos
D , ,
e recomenda de modo especial que se reze por aqueles
que governam.

Aconselhando que se reze e apresentando


isto como agradável aos olhos de Deus, S. Paulo dá o motivo:
Isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, que quer
que que cheguem a ter o
conhecimento da verdade (1ª Timóteo II-3 e 4).

Digamos, entre parênteses, que à primeira vista parece haver aí um


contrassenso. Devemos rezar por todos, porque Deus quer que
todos se salvem. Mas se Deus quer que todos se salvem, Ele que
pode tudo e que tem todas as graças nas suas mãos, que
necessidade há de que rezemos?

Não há nenhum contrassenso, desde que se considerem os


desígnios sapientíssimos de Deus. Deus dá a todos a graça
suficiente para a salvação. Se o homem rejeita esta graça, está
necessitando de graças maiores e mais abundantes. Estas graças,
Deus não está obrigado a conceder, mas quis, na sua imensa
sabedoria e benevolência, subordiná-las aos nossos pedidos e
orações. Rezemos, e graças maiores e mais abundantes cairão do
Céu, tanto para nós, como também para os outros. E será maior o
número dos que se salvam.

Continuando a ilustrar a sua tese de que devemos rezar por todos


os homens, S. Paulo acrescenta uma nova razão: Porque
D D , que é
Jesus Cristo homem,
(1ª Timóteo II-5 e 6).

Eis aí por que havemos de rezar por todos: somos todos irmãos,
uma vez que há um só Deus, Deus é o Pai de todos; somos todos
irmãos, porque fomos todos remidos pelo sangue de Jesus Cristo.
Jesus não morreu só pelos cristãos ou só pelos eleitos, como têm
ensinado muitos protestantes, mas morreu por todos. Se muitos não
se salvam, a culpa é deles; pois a morte de Cristo alcançou a graça
suficiente para dar a salvação a todos, mesmo àqueles que, sem
culpa sua, nunca ouviram falar no Divino Salvador. De modo que
S. Paulo mesmo se encarrega de dizer em que sentido Ele chama
Jesus ; é neste sentido de que
(1ª Timóteo II-6).

Ora, isto é claramente o que ensina a Igreja Católica. Jesus é o


único Salvador, porque só Ele podia oferecer a Deus uma reparação
suficiente pelos nossos pecados e assim se pôs como
, como entre Deus e os homens, a fim
de operar a nossa reconciliação com Deus. Para efetuar esta
reconciliação, era preciso que Ele fosse homem e ao mesmo tempo
Deus, pois como diz S. Anselmo: “Os homens eram mortais e
pecadores e Deus, com quem haviam de reconciliar-se para serem
salvos, era imortal e sem pecado. Era preciso que
D tivesse algo de igual a Deus e de igual
aos homens, porque sendo só igual a Deus estaria longe dos
homens e sendo igual aos homens estaria longe de Deus, e assim
não seria . De modo que entre os mortais pecadores e o
Justo Imortal, apareceu Aquele que era mortal como os homens e
justo como Deus.”

Se chamamos os santos no sentido de que eles oram


a Deus por nós, então já é outro assunto, porque não dizemos
absolutamente que Maria SSma, nem que nenhum santo
. E a prova de que S. Paulo chamando
Cristo , estava tomando esta palavra no sentido de
e não no de , é que exatamente neste
mesmo momento, neste mesmo trecho, ele estava aconselhando
Timóteo a rezar por todos os homens, portanto a por
eles; estava aconselhando que os cristãos rezassem por todos os
homens, portanto fossem perante Deus em favor
de todos eles. E se aqui na terra, podemos rezar pelos homens,
sem que isto seja uma injúria a Nosso Senhor Jesus Cristo, Único
Salvador, Único Mediador, por que motivo então os santos não
podem rezar também por eles lá na glória celeste? Se Jesus Cristo,
como entendem os protestantes, quer ser o Único Intercessor, não
quer que ninguém reze pelos outros, então S. Paulo estaria errado,
pedindo aos fiéis que rezassem por todos os homens, S. Paulo
estaria errado recomendando-se tantas vezes às orações dos fiéis.

Com efeito pede aos Efésios que rezem por todos os fiéis e
: Tomai outrossim o capacete da salvação e a espada do espírito
(que é a palavra de Deus) orando em todo o tempo... E
, para que me seja dada no abrir
da minha boca palavra com confiança, para fazer conhecer o
mistério do Evangelho (Efésios VI-17 a 19). Aos Romanos pede
também o auxílio das orações: Rogo-vos, pois, ó irmãos, por nosso
Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espírito Santo, que
D , para que eu seja livre
dos infiéis que há na Judeia, e seja grata aos santos de Jerusalém a
oferenda do meu serviço (Romanos XV-30 e 31). Em ambas as
epístolas aos Tessalonicenses pede orações: Irmãos,
(1ª Tessalonicenses V-25). Irmãos, , para que a
palavra de Deus se propague e seja glorificada como também no é
entre vós, e para que sejamos livres de homens importunos e maus,
porque a fé não é de todos (2ª Tessalonicenses III-1 e 2). Aos
Hebreus diz: O , porque temos a confiança de dizer que
em nenhuma coisa nos acusa a consciência, desejando em tudo
portar-nos bem. E com mais instância vos rogo que façais isto para
que eu vos seja mais depressa restituído (Hebreus XIII-18 e 19).
Aos Colossenses, diz em seu nome e no de Timóteo, que oram
sempre por eles: Graças damos ao Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, (Colossenses I-3).

Quando Pedro é encarcerado, a Igreja em peso se põe a orar por


ele: E Pedro estava guardado na prisão a bom recado. Entretanto
I se fazia sem cessar D (Atos XII-
5).

Se Cristo é o único Mediador, neste sentido de que só Ele é que


pode interceder a Deus pelos homens, não se explicam
absolutamente estas orações que devem ser feitas de uns pelos
outros.
Vendo estes exemplos das Escrituras, todos os protestantes
costumam pedir reciprocamente, dentro da sua seita, o auxílio das
orações. E aí é que se mostra toda a sua falta de lógica. Se eles
pedem as orações dos outros, se S. Paulo dizia aos fiéis que ainda
estavam aqui na terra: (1ª Tessalonicenses V-25; 2ª
Tessalonicenses III-1; Hebreus XIII-18), por que é, então, que não
podemos dizer: , àqueles que já se encontram na
glória, na presença de Deus? Era já o argumento que o grande
Doutor da Igreja, S. Jerônimo empregava contra o herege Vigilâncio:
“Dizes no teu libelo que, enquanto vivemos, podemos orar por nós
reciprocamente; depois que morrermos, não há de ser ouvida a
oração de ninguém por outro, apesar de que os mártires não
cessam de pedir a vingança do seu sangue (Apocalipse VI-10). Se
os Apóstolos e os mártires, ainda quando estão em seu corpo, ainda
quando devem estar solícitos a respeito de si próprios, podem rezar
pelos outros, quanto mais depois das coroas, das vitórias e dos
triunfos!... Depois que começaram a estar com Cristo, valerão
menos? Será que Paulo Apóstolo... não poderá nem tugir e mugir
em favor daqueles que em todo o mundo creram no Evangelho que
ele pregou?... Tu vigilando dormes e dormindo escreves” (Contra
Vigilâncio nº 6).

A ciência dos santos na Visão Beatífica.

375. Diante deste argumento, os protestantes respondem: Depois


de mortos é diferente: eles não podem saber o que se passa na
terra.

— Quer dizer então que a coisa mudou completamente de figura.


Os santos não podem rezar por nós e isto já não é pelo fato de ser
Cristo o Único Mediador, é pelo fato de não podermos ter
comunicação com eles; a ligação está interrompida. Mas esta
afirmação é por sua vez completamente gratuita e quem vai
responder aos protestantes é outro protestante, o célebre escritor
holandês Grotius. Quando Calvino e Vossius alegam que não
podem admitir o culto dos santos, porque estes não podem ter
conhecimento das nossas preces, Grotius discorda inteiramente
deles, dizendo: “Os profetas, enquanto estavam na terra, tiveram
conhecimento daquilo que se passava em lugares onde eles não
estavam presentes... Os anjos assistem a nossas assembleias e se
empenham por tornar agradáveis a Deus as nossas orações; é
assim que não somente os cristãos, mas também os judeus creram
em todos os tempos. Depois destes exemplos, um leitor sem
preconceito deve crer que é mais razoável admitir nos mártires um
conhecimento das preces que nós lhes dirigimos, do que negá-lo.”
(Grotius. Votum pro pace).

É o caso de dizermos aos protestantes: Expliquem-se, por favor... A


Escritura não diz em parte alguma que aqueles que se encontram
no Céu estão completamente alheios ao que se passa na terra. Qual
o argumento, a prova que vocês apresentam, para afirmar com tanta
segurança que os santos não podem ter conhecimento das nossas
súplicas?

— É porque, dizem eles, os santos gozam diante de Deus de uma


felicidade imperturbável; ora, se soubessem o que se passa aqui na
terra, já não seria mais felicidade e sim uma série de preocupações.
Além disto, era preciso que fossem oniscientes, onipresentes,
onipotentes (Maria SSma, sobretudo, que tem milhões e milhões de
devotos em toda a terra) para poderem estar atendendo a todas as
orações que se fazem a eles nos mais variados lugares da terra e a
cada instante.

— Toda esta objeção se baseia, desde logo, numa frustrada


tentativa para fazer uma ideia exata daquilo que se passa com os
bem-aventurados lá no Céu, quando isto
. A felicidade do Céu é uma felicidade
, é a visão beatífica de Deus, da qual a nossa
natureza por si não é capaz, mas vai recebê-la por um dom especial
do Criador. É inútil fazer cálculos tirando conclusões daquilo que se
passa aqui na terra, dentro do nosso conhecimento natural. Uma
pessoa aqui na terra não pode ter conhecimento de tudo o que se
passa no mundo; mas suponhamos que o tivesse; não se seguiria
daí que fosse onisciente, nem onipresente nem onipotente, porque o
próprio mundo é por sua natureza limitado; e este limitado
conhecimento não seria coisa alguma em comparação com
que só existe em Deus.

Ninguém pode tornar-se igual a Deus, mas uma criatura pode


tornar-se mais ou menos semelhante a Ele, participar mais ou
menos das suas perfeições de ciência, santidade, felicidade etc., e
aí existe uma graduação infinita. Desde que no céu esta penetração
nas grandezas de Deus tem graus, porque nem todos têm os
mesmos merecimentos e na casa de meu Pai há muitas moradas
(João XIV-2), não há nenhum absurdo em dizer-se que Maria SSma,
mesmo continuando criatura e permanecendo limitada, tem maior
semelhança com Deus, recebeu no Céu maiores perfeições do que
qualquer outra criatura humana.

E se no Céu a felicidade consiste em nos tornarmos em grau muito


mais elevado do que aqui na terra participantes da natureza divina
(2ª Pedro I-4), a alegação de que o conhecimento das coisas da
terra acabaria com a felicidade não tem nenhum fundamento. Deus
não vê tudo o que se passa neste mundo e em todos os mundos?
Não vê praticar-se aqui na terra tanta coisa que não é do seu
agrado? Nem por isto sofre a mínima alteração a sua eterna,
imensa, infinita, imperturbável felicidade.

Os anjos também são imperturbavelmente felizes. Mas a Escritura


no-los apresenta interessados pelas coisas humanas. Jacó abençoa
os filhos de José dizendo:
abençoe estes meninos (Gênesis XLVIII-16). Nos Salmos se
lê: S dos que O temem e os
(Salmos XXXIII-8). Mandou aos seus anjos acerca de ti,
que (Salmos XC-11). No
livro de Zacarias se mostra a súplica do anjo pelo povo hebreu: E
respondeu o do Senhor e disse: Senhor dos exércitos, até
quando diferirás tu o compadecer-te de Jerusalém e das cidades de
Judá, contra as quais te iraste? Este é já o ano septuagésimo. Então
o Senhor, dirigindo-se ao anjo que falava em mim, lhe disse boas
palavras, palavras de consolação (Zacarias I-12 e 13). No Novo
Testamento, Jesus diz claramente que as criancinhas têm os seus
anjos: Vede não desprezeis algum destes pequeninos; porque eu
vos declaro que nos Céus incessantemente estão
vendo a face de meu Pai que está no Céus (Mateus XVIII-10). E
S. Paulo, falando a Timóteo, invoca a presença dos anjos: Eu te
esconjuro diante de Deus e de Jesus Cristo e dos seus
escolhidos que guardes estas coisas sem preocupação (1ª Timóteo
V-21).

Está mais do que provado que os anjos sabem o que se passa na


terra, eles veem a Deus e em Deus veem todas as coisas e não é
isto que os impede de serem felizes. Assim também os santos. Por
isto disse com razão o protestante Leibnitz: “Como os espíritos bem-
aventurados estão presentes a nossas vicissitudes muito mais agora
do que quando viviam na terra... e sua caridade e desejo de nos
socorrer são muito mais vivos, como, enfim, as suas preces são
muito mais eficazes de agora por diante; como vemos por outro lado
tudo o que Deus concedia às intercessões dos santos vivos, bem
como a utilidade de ajuntar às nossas preces as de nossos irmãos,
não vejo por que motivo se haveria de considerar um crime o
invocar uma alma bem-aventurada ou um santo anjo” (Leibnitz.
Systema Theologicum).

Velha experiência.

376. E a quem é que os protestantes vêm dizer que os santos não


sabem do que se passa na terra e não têm conhecimento dos
nossos pedidos? Logo a nós, católicos, que conhecemos a fundo
esta questão! Temos vinte séculos de existência; desde o princípio,
como veremos daqui a pouco, começamos a invocar os santos. Não
existe, nunca existiu nenhum dogma, nenhum ensino, nenhuma
determinação da Igreja no sentido de que as nossas orações só
pudessem ser feitas a Deus por intermédio dos santos. O próprio
Concílio de Trento, que teve que definir contra os protestantes a
legitimidade da invocação dos santos, apresenta-a, não como
necessária ou imprescindível, mas como boa e útil: “É
invocá-los humildemente, para pedirmos benefícios a Deus por meio
de seu Filho Jesus Cristo Senhor Nosso, que é o nosso único
Redentor e Salvador, bem como recorrer a suas orações, auxílio e
proteção” (Concílio de Trento. Sessão XXV). É claro que, se os
santos não nos ouvissem, não tivessem nenhuma comunicação
conosco, já o teríamos percebido, já teríamos desistido de nos
comunicar com eles há muito tempo. Mas a nossa experiência de
2.000 anos, a nossa experiência de cada dia nos mostra
precisamente o contrário. É muito raro o católico que não tenha a
relatar na sua vida graças extraordinárias, algumas das quais, se
não são autênticos milagres, pelo menos deles muito se aproximam,
favores chegados exatamente no tempo oportuno, tudo isto
alcançado não porque se tenha feito o pedido diretamente a Deus,
mas porque se encarregou Maria SSma ou outro santo qualquer de
fazer a Deus este pedido em nosso lugar. Os exemplos são
incontáveis em todos os lugares e em todas as épocas. É o caso de
fazermos aos protestantes a mesma observação que Hamlet fazia a
Horácio, na tragédia de Shakespeare: “Há muito mais coisas no céu
e na terra do que pode calcular a tua vã filosofia!”

E dizer-se que há católicos que depois de receberem tais prodígios


do Céu por intermédio dos santos, ainda vão iludir-se com os
sofismas arquitetados pelos protestantes que pretendem substituir
as realidades da vida cristã pelas invencionices da sua própria
cabeça!

A promessa sobre a eficácia da oração.

377. Finalmente os protestantes alegam estes textos:


Tudo o que pedirdes ao Pai , - , para
que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em
meu nome, essa vos farei (João XIV-13 e 14).
Se vós permanecerdes em mim, e as minhas palavras
permanecerem em vós, e -
- (João XV-7).

E Pedro estava guardado na prisão a bom recado. Entretanto pela


Igreja se fazia sem cessar oração D por ele (Atos XII-5).

E tudo quanto nós Lhe pedirmos, receberemos dEle, porque


guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é do seu agrado
(1ª João III-22).

E daí concluem:

1º — Logo, toda oração deve ser feita J e não em


nome dos santos, portanto estão errados os católicos;

2º — Toda oração deve ser feita diretamente a Deus ou a Jesus,


porque é tudo quanto basta para ser, com toda certeza, atendida.

— Veiamos a primeira parte. Que quer dizer a oração feita


J ? Quer dizer apresentando a Deus os merecimentos
infinitos de Jesus Cristo. Quando pedimos aos santos que por sua
vez peçam a Deus por nós, é claro que eles sabem, melhor do que
nós, que a sua súplica deve ser feita em nome de Jesus, isto é,
baseada nos merecimentos do Redentor, que se tornou na Cruz a
fonte de onde dimanam todas as graças. A súplica
J tanto pode ser feita por nós como por eles. Dizer que nós,
católicos, oramos a Deus em nome dos santos e não em nome de
Jesus, como se dissessem que rezamos a Deus alegando os
merecimentos dos santos, com exclusão dos merecimentos de
Jesus, é criar um fantasma para combatê-lo, porque nós não
fazemos isto.

Vejamos a segunda parte: toda oração deve ser feita diretamente a


Deus ou a Jesus, porque é quanto basta para ser infalivelmente
atendida.
Antes de tudo, queremos observar que aquelas 2 primeiras citações
(Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, eu vo-lo farei — João
XIV-13. Pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á feito — João XV-
7), são palavras de Jesus ditas aos seus Apóstolos, na intimidade
com eles, pois fazem parte de uma longa palestra que com seus
Apóstolos teve Jesus após a última Ceia, depois da saída de Judas,
e que se estende desde João XIII-31 até o fim do capítulo XVII do
mesmo Evangelho.

E no versículo anterior à primeira citação, Jesus tinha anunciado os


grandes prodígios que haviam de realizar os Apóstolos, prodígios de
uma certa maneira maiores do que os feitos pelo próprio Jesus. É
verdade que nenhum deles faria um milagre que se pudesse
comparar com o da Ressurreição; mas já a propagação do
Evangelho pelos Apóstolos se faria de maneira mais prodigiosa do
que foi feita em vida de Cristo, não porque o Divino Mestre tivesse
menos poder ou menos habilidade, mas porque Ele iria para o Pai e
de lá enviaria o Espírito Santo, que seria encarregado mais
especialmente da propagação da Igreja, como Cristo foi
encarregado de sofrer e morrer por nós e alcançar-nos a Redenção;
Cristo iria para o Pai e de lá auxiliaria os seus discípulos: Em
verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, esse
fará também as obras que eu faço e fará outras ainda maiores;
porque eu vou para o Pai (João XIV-12).

Mas vamos mesmo aceitar as palavras de Cristo: Tudo o que


pedirdes ao Pai em meu nome, eu vo-lo farei (João XIV-13), como
sendo ditas igualmente a todos os fiéis, porque em outra ocasião
Cristo nos fez promessas, embora não tão enfaticamente, de que as
nossas orações seriam atendidas: Pedi e dar-se-vos-á; buscai e
achareis; batei e abrir-se-vos-á; porque todo o que pede recebe e o
que busca acha e a quem bate abrir-se-á... Pois, se vós outros,
sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quando mais
vosso Pai que está nos Céus, dará bens aos que lhos pedirem!
(Mateus VII-7 e 8; 11).
Ora, acontece, conforme já explicamos (nº 82), que numas partes
da Bíblia estão as promessas e noutras partes estão as condições
para que a promessa tenha o seu efeito. A oração, para ser
atendida, precisa revestir-se de umas tantas condições: humildade,
confiança, perseverança etc. Há orações bem feitas e orações mal
feitas. O católico, quando pede a Maria SSma ou a algum santo que
reze em seu lugar (e pede-o não porque só possa ser assim, ele
poderia também pedir diretamente a Deus) pede-o com este
humilde pensamento de que Maria SSma ou os santos sabem orar
muito melhor do que ele. Deus não vai ficar ofendido com este gesto
de humildade. Nem Maria SSma e os santos se vão aborrecer ou
ficar incomodados, uma vez que estão no seio de Deus e sabem
assim, da melhor maneira, praticar a caridade para conosco.

Além disto, a própria frase da 1ª Epístola de S. João acima citada na


objeção protestante: Tudo quanto Lhe pedirmos, receberemos dEle,

(1ª João III-22), nos mostra muito bem a


importância da santidade, do cumprimento exato da vontade divina,
para melhor se obterem as graças de Deus. Jesus podia dizer de si
mesmo, referindo-se ao seu Eterno Pai: Eu sempre faço o que é do
seu agrado (João VIII-29). S. João Evangelista, que escreveu
aquela frase, ainda podia dizer o mesmo, mas já não no mesmo
grau como Jesus. E nós, pecadores, podemos dizê-lo com a mesma
exatidão e segurança? Não fazemos tantas coisas, grandes e
pequenas, que não são do agrado do Pai Celeste? É justo, portanto,
que peçamos aos santos que estão no Céu, os quais absolutamente
não fazem mais coisa alguma que possa cair no desagrado divino,
que também nos ajudem, fazendo a Deus os nossos pedidos, como
se fossem para eles.

Prometendo atender às nossas orações, Deus não prometeu fazer


milagres e prodígios a torto e a direito para todo aquele que os
pedisse. Seria transtornar completamente as leis da natureza, e a
natureza tem que seguir o seu curso. É verdade que seria erro
pensar, como o cego de nascença, que Deus não ouve a pecadores
(João IX-31), mas seria outro erro pensar que Deus em todos os
casos ouve exatamente da mesma forma, coroa com os mesmos
prodígios a oração do justo e a do pecador. Se os milagres e favores
extraordinários não se dão a toda hora, Deus os reserva quase
sempre para os seus servos fiéis. A Escritura está cheia de
exemplos disto. Deus diz a Abimeleque: Entrega, pois, já desde
agora esta mulher a seu marido, porque ele é profeta e
e ; se, porém, tu lha não quiseres restituir, sabe que
morrerás de morte, tu e tudo o que é teu (Gênesis XX-7), bem como
diz aos amigos de Jó: Tomai, pois, sete touros e sete carneiros; ide
ao meu servo Jó e oferecei holocausto por vós; o J ,
porém, ; ,
, porque vós não falastes de
mim o que era reto, como o meu servo Jó (Jó XLII-8). Deus resolve
exterminar o povo hebreu por causa da sua rebeldia (Números XIV-
12), mas Moisés intercede e o Senhor lhe diz: Eu lhe perdoei,
(Números XIV-20). É claro que Deus
podia favorecer a Abimeleque, aos amigos de Jó, ao povo de Israel,
sem que Abraão, nem Jó, nem Moisés o pedissem; mas quis ser
invocado pelos seus eleitos primeiro, para depois conceder a graça.
É por isto que os filhos de Israel pedem a Samuel que rogue por
eles: Não cesses de clamar por nós ao Senhor nosso Deus, para
que nos salve da mão dos filisteus (1º Reis VII-8).

Nem se venha dizer que se trata aí apenas de exemplos do Antigo


Testamento e que no Novo a coisa é muito diversa, que não há
diferença de eficácia na oração do justo e na do pecador, pois é
exatamente no Novo Testamento que S. Tiago nos vem dizer que
e o ilustra com o exemplo de Elias:
, , . Elias era um
homem semelhante a nós outros, sujeito a padecer; e fez oração
para que não chovesse sobre a terra e por três anos e seis meses
não choveu. E orou de novo e o céu deu chuva e a terra deu o seu
fruto (Tiago V-16 a 18).
É muito natural, portanto, que nós, católicos, que não nos temos na
conta de justos, mas sim de pecadores, peçamos aos justos que
estão no Céu, na mansão de Deus, que orem a Deus por nós e em
nosso lugar, porque a oração deles é muito mais valiosa do que a
nossa. E se nisto fazemos injúria a Deus que prometeu de modo
geral atender a nossas orações, então fazia injúria também o
Apóstolo S. Paulo, ao pedir aos outros que rezassem por ele,
quando, na hipótese protestante, ele sozinho pedindo era o
suficiente para alcançar de Deus todas as graças e na exata
proporção em que as quisesse; e por conseguinte, dentro da mesma
mentalidade protestante, não tinha nada que andar pedindo aos
outros um reforço para as suas próprias orações.

Vem de longe a invocação dos santos.

378. A devoção aos santos é tão lógica e natural, que ela não
surgiu por um decreto ou ensino da Igreja, a qual nunca disse que a
devoção a este ou àquele santo, mesmo a Maria SSma, fosse
condição sine qua non para a salvação, como é o caso da fé, da
observância dos mandamentos, da recepção dos sacramentos, pelo
menos em voto. Surgiu espontaneamente, como um expediente que
os fiéis, na sua intuição guiada pelo Espírito Santo, que está sempre
orientando a Igreja, logo consideraram vantajoso e utilíssimo; e
surgiu desde os primeiros tempos da Igreja, porque vem do tempo
dos mártires. Naqueles três primeiros séculos de tremendas
perseguições, era natural a honra, o carinho, a admiração com que
os cristãos cercavam aqueles heróis que derramavam o seu
sangue, davam a sua vida pela fé. Chamavam o dia de sua morte
, dia do nascimento, porque era naquele dia que eles
tinham começado em Cristo a verdadeira vida, que não se perde
jamais. Celebravam anualmente a data aniversária do martírio,
ficando a vida e os feitos admiráveis do mártir como um exemplo,
um estímulo que não havia de ser esquecido pelos cristãos. E logo
espontaneamente estes se encomendavam às suas orações.
É muito interessante notar nas inscrições feitas nas catacumbas
daqueles primeiros tempos da Igreja que, enquanto umas se
referiam a mortos comuns, por quem os fiéis faziam súplicas, numa
confirmação de que existia entre eles a crença no purgatório, como,
por exemplo, há inscrições como estas:

ÓC , M J !
Q D (cemitério de S. Pedro);
D A , , , D !
(em S. Hermes);
F P A ,F A S .OS
, (cemitério de
S. Pânfilo);

outras inscrições eram, ao contrário, pedidos de orações feitos aos


mortos, aos mártires, aos heróis da fé:

Á , ,
(Museu capitulino);
V , C F
(cemitério de S. Calixto);
S , ,
(cemitério de Gordiano);
G , , , 21 ,8 , 16 .
Q ,
C (Via Salária).

E às vezes se reuniam as 2 coisas: súplica aos mártires em favor de


um falecido:

M , , , C (mosaico
no cemitério de S. Pânfilo);
S , M (Corp. inscr. lat. V
nº 1636).

Outras vezes o pedido de orações não era dirigido a um mártir, mas


uma criancinha inocente falecida:
P ,M M .
, (museu de Latrão);
L , .T
, (cemitério de Viale Margarita);
A ,
.T
D .P (cemitério de Priscila)

As mais autênticas relações dos martírios nos mostram no 3º


século, os fiéis, já no momento do suplício, rogando ao mártir que
não os esqueça, quando estiver no reino da glória. S. Potamiana,
em Alexandria, promete ao soldado Basílides interceder em seu
favor, quando estiver junto de Deus (Eusébio Hist. Eccl. L. VI c. 2).
Em Tiro, S. Teodósia suplica aos mártires que se lembrem dela,
quando tiverem recebido a recompensa. Em Tarragona, o bispo
mártir S. Frutuoso é cercado de toda a comunidade cristã e quando
um cristão, na hora do suplício, se aproxima dele para pedir que não
o esqueça, o santo diz em voz alta, de modo que todos ouçam: “Eu
devo ter em mente toda a Igreja Católica espalhada do Oriente ao
Ocidente” (Acta Fructuosi c. 1, VII).

Transcorrido o tempo das perseguições, se passou naturalmente a


cultuar a memória daqueles que, embora não tivessem mais ocasião
de mostrar o heroísmo do martírio, contudo praticaram o heroísmo
da santidade e da virtude, num martírio por vezes mais lento e
prolongado, se bem que menos vistoso.

Não é nosso propósito aqui fazer um histórico deste assunto do


culto dos santos, mas o que dissemos já é bastante para que se
veja que ele provém dos primeiros tempos da Igreja, sendo
constante a sua prática, o seu uso desde os primeiros séculos até
os dias de hoje.

O Corpo Místico de Cristo.


379. E desde que este culto assuma as suas devidas proporções,
nisto não há nenhum crime da nossa parte, nem diminuição de
glória para o Criador. Ao contrário, ele nos excita à piedade e nos
une mais intimamente com Deus. A Igreja tem o cuidado de fazer a
distinção entre o culto de , ou de adoração propriamente dita,
que é devido unicamente a Deus, Nosso Senhor Supremo, a quem
devemos a homenagem de todo o nosso ser; e o culto de , ou
de veneração e de respeito que devemos aos santos, o qual, em
lugar de roubar alguma coisa a Deus, ao contrário reverte em maior
glória para Ele.

Somos, todos, membros de um só corpo, cuja cabeça é Cristo: Vós


outros, pois, sois C e membros uns dos outros (1ª
Coríntios XII-27). Cristo é a cabeça do corpo da Igreja (Colossenses
I-18). Todo ato de virtude sobrenatural que o homem pratica é sob
um certo aspecto, ato de Cristo, porque nada se pode fazer sem a
graça de Deus, a qual nos foi merecida por Cristo na cruz e é,
portanto, graça de Cristo; e por outro lado ato do homem, porque
para haver virtude, é preciso que haja a livre cooperação e esforço
da criatura humana. Membros de um só corpo, cuja cabeça é Cristo,
corre de um certo modo nos que estão em graça santificante, a
mesma seiva, o mesmo sangue, a mesma graça que havia em
Cristo, e assim todo santo pode dizer, como dizia o Apóstolo
S. Paulo: Para mim o viver é Cristo (Filipenses I-21). Não sou eu já
o que vivo; mas Cristo é que vive em mim (Gálatas II-20). Rogo-vos,
pois, que sejais meus imitadores, como também eu o sou de Cristo
(1ª Coríntios IV-16).

Além disto, se Cristo é a cabeça da Igreja, porque o cristão em


estado de graça está em íntima união com Ele, não se podem
excluir deste número aqueles que estão gozando da visão beatífica
no Céu; estes são os que mais intimamente do que nós aqui na
terra, estão unidos a Cristo e para sempre, estes fazem parte da
Igreja de Cristo ainda melhor do que nós, porque são a própria
Igreja que já atingiu a sua meta final, a sua glorificação.
Ora, se a Bíblia nos diz que Cristo é a cabeça e nós somos os
membros, aí se salienta muito bem a solidariedade que há entre nós
e Cristo, o qual se sente perseguido, se nós o somos (Saulo, Saulo,
por que persegues? — Atos IX-4), se sente objeto de carinho,
quando o recebemos (quantas vezes vós fizestes isto a um destes
irmãos mais pequeninos, é que o fizestes — Mateus XXV-40).

Logo, Cristo se sente honrado e venerado, quando são honrados e


venerados os seus santos. Nem se venha dizer que não podemos
honrar e venerar os santos, pois se podemos honrar e venerar as
pessoas aqui na terra, se a própria Bíblia nos diz que devemos
pai e mãe (Mateus XV-4) e que , e a paz
seja dada a todo obrador do bem (Romanos II-10), por que motivo
então não podemos honrar e venerar os santos, que por Deus
mesmo já estão sendo honrados e glorificados nos Céus?

Cristo não pode de maneira alguma sentir-se ofendido, quando


relembramos a vida dos santos e a propomos para a nossa
imitação. Imitar a Paulo, imitar aos santos, é imitar a Cristo. E aí
então o exemplo do Divino Mestre aparece sob um novo aspecto,
ainda mais interessante. Muitos costumam dizer: Sim, Cristo sofreu
pacientemente, e foi tão bom! mas Ele era Deus e eu sou um
pecador de carne e osso, não posso fazer tudo aquilo que Ele fez.
Apresentando os santos que foram uma cópia, quanto possível, fiel,
das virtudes de Cristo, que cooperando com C ,
puderam dar a esta graça a oportunidade de realizar neles
verdadeiros prodígios de virtude, nós provamos não só que se deve
imitar a Cristo, mas que também um pecador de carne e osso pode
fazê-lo. Sob este aspecto a cópia se mostra de certo modo mais
convincente do que o original; porque o original poderia parecer-nos
inatingível.

Pedimos aos santos que por sua vez peçam a Deus por nós. E a
Igreja tem todo cuidado em separar as 2 fórmulas de oração. A
Deus, à SSma Trindade, a Jesus Cristo dizemos: Tende piedade de
nós. A Maria SSma, aos anjos e aos santos, dizemos simplesmente:
orai por nós. Se Cristo não se sente ofendido, como reconhecem os
próprios protestantes, quando pedimos aqui na terra uns as orações
dos outros, não se sentirá também ofendido, se por um ato de
humildade, convictos de que não sabemos orar com a perfeição
como convém, pedirmos aos santos que orem em nosso lugar e
supliquem a Deus por nós.

Amamos aos Santos, sim, e quem nos proíbe amá-los? Não temos
obrigação de amar aqui na terra o próximo como a nós mesmos?
(Mateus XIX-19) Os pais amam muito aos seus filhos, e os bons
filhos, a seus pais; os noivos e esposos sinceros se amam muito,
reciprocamente; há, entre os verdadeiros amigos, fortes e doces
laços de afeição e de estima; isto em si não impede nem prejudica o
amor de Deus, que deve estar acima de todos os amores. Por que
motivo então não podemos amar os santos? Será um amor ilícito e
pecaminoso?

Entre os santos, amamos de maneira especial a Maria SSma. E se


nos perguntarem o motivo, a resposta de todos os católicos do
mundo inteiro é uma só: É porque é à mãe de Jesus e para ser a
mãe de Jesus tinha que ser espiritualmente a mais bela das
criaturas. Por que motivo, então, os protestantes imaginam um
Jesus tão mesquinho de caráter, tão ciumento, tão ignorante, que
vai ficar ofendido, porque amamos muito a Maria SSma e a amamos
precisamente porque foi a sua mãe? Os protestantes agem com
tanta lógica como aqueles que julgassem que o melhor expediente
para agradar ao rei fosse não prestar nenhuma homenagem, não
dar a mínima atenção, antes olhar com uma certa antipatia e
desprezo àquela que é nada mais nada menos que a própria mãe
do soberano.

Quando Jesus veio ao mundo, donde é que a Humanidade O


recebeu, senão dos braços da SSma Virgem? São inseparáveis,
portanto, a glória da mãe e a do Filho, a primeira é uma
consequência inevitável da segunda.
Por isto, o próprio Lutero reconhecia que a Bíblia não precisava
gastar muitas palavras para exaltar a grandeza de Maria, para isto
bastava simplesmente dizer, como disse, que Maria era a mãe de
Jesus (João II-1; Atos I-14) [56]. Tão natural, tão espontânea é esta
homenagem prestada à mãe de tão grande Filho, que a Bíblia, em
vez de condená-la, a profetiza como prestada por todas as
gerações. Assim profetizou Maria, na sua visita a S. Isabel: Eis aí de
hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas os gerações
(Lucas I-48). Quem é que tem prestado a Maria esta homenagem de
, senão a Igreja Católica? Por certo que não
são os protestantes: 1º — porque são do século XVI, não
representam todas as gerações; 2º — porque podem de hoje em
diante mudar de atitude, mas até agora a sua grande maioria não
tem feito outra coisa, neste sentido, senão protestar veementemente
contra o carinho e a veneração com que cercamos a excelsa mãe
de Deus. E como é que os protestantes ousam apontar a devoção a
Maria, como uma das provas de que a Igreja se afastou da Bíblia, se
com ela a Igreja está cumprindo uma das profecias consignadas no
Livro Sagrado?

A devoção aos santos significa simplesmente que a mesma


convivência que temos com as pessoas daqui da terra, a quem
amamos, honramos, pedimos orações e enaltecemos, a mesma
convivência queremos ter com Maria SSma e os santos, que são
membros da nossa Igreja e membros ainda mais poderosos e mais
elevados do que aqueles que nos cercam, porque estão mais
perfeitamente identificados com Cristo lá no Céu. Há algum crime
nisto? Não nos diz S. Paulo que a nossa conversação está nos
Céus (Filipenses III-20)?

De modo que os protestantes estão completamente enganados.


Querem provar que falhou a promessa de Cristo, quando disse: Tu
és Pedro e sobre esta pedra edificarei ;
(Mateus XVI-18).
Querem provar que a Igreja não é a
(1ª Timóteo III-15). Alegam para isto que a Igreja
mergulhou no erro; e para demonstrá-lo apresentam a nossa
devoção a Maria SSma e aos santos. Procuram iludir os incautos
com uma interpretação das palavras , interpretação
esta que já demonstramos ser completamente errônea. E se põem a
balbuciar alguns argumentos infantis e extrabíblicos, para dizer que
os santos não têm nenhum conhecimento do que se passa neste
mundo. Mas os fatos contra os quais não há argumentos, mostram
precisamente o contrário.

Logo, nem a Igreja caiu no erro; nem falhou a promessa de Cristo, o


que aliás nunca poderia acontecer, porque Cristo é infalível.

Notas

[56] Diz Lutero, falando a respeito da dignidade da Mãe de Deus: “Por isso lhe
foram outorgados bens tão grandes e preclaros, que excedem o maior
alcance, pois daí lhe advém toda honra e beatitude de tal sorte que, em todo o
gênero humano, é a única pessoa superior a todas, que não tem outra igual,
porque com o Pai Celestial tem o mesmo Filho comum... Pelo que, em uma só
palavra se encerra toda sua honra — ser mãe de Deus — não podendo
ninguém a seu respeito dizer mais, ainda que tivesse tantas línguas quantas
flores e ervas tem a terra, quantas estrelas tem o céu e quantos grãos de
areia tem o mar” (Vitemberga IV-9 pág. 85). (voltar)
Capítulo Décimo Sexto
O culto das imagens
Observações preliminares
Utilidade das imagens.

380. Antes de tratarmos sobre a questão do culto das imagens,


temos que desfazer algumas confusões que há sobre o assunto na
cabeça dos protestantes.

Notaremos, logo de início, que o culto das imagens


neste sentido de que alguém, para salvar-se, tenha
que possuir imagens ou prestar-lhes culto, nem também no sentido
de que sem elas nós não nos pudéssemos dirigir aos seus
protótipos. A Igreja poderia, até, proibir o uso das imagens em
alguma região onde este culto estivesse sendo mal interpretado e
não houvesse possibilidade de ser bem compreendido.

O que é obrigatório, sim, é reconhecerem os católicos a legitimidade


do culto das sagradas imagens e que elas são dignas de todo o
nosso respeito e veneração.

A Igreja mantém o culto das imagens, porque resulta grande


utilidade deste culto, que é legítimo, pois “a honra que se lhes tributa
se refere aos protótipo por elas representados, de modo que, por
meio das imagens que beijamos e diante das quais descobrimos a
cabeça e nos curvamos, nós adoramos a Cristo e veneramos os
santos, dos quais elas nos apresentam uma semelhança” (Concílio
de Trento: sessão XXV). Não se entende absolutamente “que nelas
haja alguma divindade ou alguma virtude, pela qual devam ser
cultuadas, nem que é a elas que se deva pedir alguma coisa, nem
que se deva por a confiança nas imagens, como acontecia outrora
com os gentios que colocavam a sua esperança em ídolos”
(Concílio de Trento: sessão XXV). O poder está em Deus que nos
concede muitas graças pela intercessão dos santos, graças estas
que são todas pedidas em nome de Jesus Cristo e alcançadas em
virtude dos méritos de sua Paixão Redentora.

Qual é então a grande utilidade das imagens?

Fala-se muito hoje em , ou seja, fazer a criança, a


pessoa em lugar de obrigá-la só a pensar e raciocinar. E um
dos elementos mais eficazes para o ensino intuitivo é o desenho, a
gravura, a representação do objeto. Pois, este ,a
Igreja o vem empregando desde os primeiros séculos.

A imagem é o livro do analfabeto.

O Protestantismo pode dispensar a imagem, porque é uma religião


inventada só para grandes sábios, para homens de grande cultura.
Cada protestante pretende ser, pelas suas próprias luzes,
, da Bíblia; para isto se requer conhecimento do grego e
do hebraico, bem como uma inteligência muito acima do comum;
porque há textos na Bíblia que qualquer criança entende, mas há
outros intrincadíssimos que desafiam os maiores gênios; interpretar
um ou outro texto aqui e acolá pode ser fácil e contradição não há
na Bíblia, porque ela é infalível, mas entender perfeitamente todos
os textos e harmonizá-los, tendo em mãos edições sem comentários
que tanto estão difundidas no seio da Reforma, isto é uma tarefa
dificílima.

Todos os protestantes são, portanto, ou pelo menos, deveriam ser


grandes cabeças pensantes...

Mas a Igreja Católica, como o seu próprio nome indica, é uma


Religião para todos, pois Católica quer dizer Universal; não só para
os sábios, mas também para os rudes e os ignorantes. E um
homem rude pode ouvir um sermão maravilhoso sobre a Paixão de
Jesus Cristo e não ficar tão comovido como ao ver a Imagem de
Cristo Crucificado, em que se pintam ao vivo os sofrimentos que
Cristo aceitou por nosso amor. Sua cabeça pode ser fraca ao
guardar todas as ideias belíssimas do orador, mas o seu coração é
grande e bastante sensível para se impressionar com a obra de arte
que ele VÊ, que tem diante de seus olhos.

Padre Henrique van der Horst era vigário de Porto Calvo, em


Alagoas, quando um dia, ao entrar na sua matriz, encontrou uma
camponesa debulhada em lágrimas diante da imagem do Bom
Jesus. Perguntando-lhe ele a razão de tantas lágrimas, a matutinha
exclamou: “Não está vendo o Sr. o que fizeram com Ele? Quanta
malvadeza! Como é que O fizeram ficar assim nesse estado?”

O vigário procurou aproveitar a ocasião para fazer-lhe uma


exortação: “Fomos nós que fizemos isto com os nossos pecados.
Foi a Sra. também, fui eu, foram todos os pecadores, porque Ele
ficou assim para salvar a nossa alma.”

Mas o sermão não foi bem entendido: “Eu não! Eu não fiz nada com
Ele! Foram os malvados que fizeram isto!”

A sua inteligência não pôde perceber todo o alcance das palavras


do sacerdote; mas o seu coração sabia expandir-se diante da
imagem, na meditação dos sofrimentos de Jesus.

E para não nos limitarmos a contar o que se passou com os outros,


quem está escrevendo estas linhas já teve ocasião de assistir a uma
cena bem expressiva nesta matéria. Era um lugarejo do interior de
Pernambuco. Às quatro da tarde, estávamos na igreja matriz,
quando vimos três matutos (era um dia de feira) deixarem à porta os
seus sacos, cheios de mantimentos, porque regressavam para casa,
e começarem a percorrer o templo sagrado. Logo lhes chamaram a
atenção os quadros da Via Sacra, em que estão gravadas as cenas
passadas com Jesus no caminho do Gólgota.

Um dos visitantes, mais desembaraçado, ia procurando interpretar


para os outros as cenas que iam vendo. E entremeava as suas
explicações com exclamações como esta: “Está vendo? Ele era
Deus e sofreu tanto! E nós? Nós não queremos sofrer nada!”

Percebia-se claramente ali quanto a pintura é intuitiva para o


analfabeto. Na sua muda linguagem estava a Via Sacra fazendo o
mais eloquente dos sermões.

Já S. Gregório Nazianzeno (do século IV) falava de uma mulher


pecadora que se converteu ao contemplar a imagem do mártir
S. Polemon (Carmen de vita sua L I. secção II. V. 800 segs.) e
S. Gregório de Nissa (também do século IV) declarava que jamais
viu o quadro do sacrifício de Isaque, sem que as lágrimas lhe
viessem aos olhos, de modo que Basílio, bispo de Ancira, presente
ao 2º Concílio de Niceia, comentava: “Muitas vezes este Padre tinha
lido a história e não tinha chorado, mas, quando viu a pintura,
chorou.” E outro Padre presente ao mesmo Concílio acrescentava:
“Se a pintura produz um tal efeito em um mestre, como não será útil
aos ignorantes e aos simples!”

Compreende-se, portanto, muito bem, que quando Sereno, bispo de


Marselha, temendo que se interpretasse mal o culto das imagens,
quis proibi-las, o Papa S. Gregório Magno (do século VI) que foi
notável também pela sua grande cultura, o tenha repreendido,
dizendo: “Aquilo que para os letrados é a escrita, é a pintura a ser
vista pelos rudes, porque nela, mesmo os ignorantes veem o que
devem imitar; nela leem os que não conhecem as letras” (Epístolas
LIX, 105).

E diz também o Cardeal Gibbons: “As imagens religiosas podem ser


consideradas como um catecismo para os rudes... Quando
Agostinho, apóstolo da Inglaterra, apareceu a primeira vez diante do
rei Etelberto para pregar o Evangelho, foram postas diante do
pregador imagens de Cristo pendente da cruz e outras imagens de
Cristo Salvador e elas foram mais eloquentes para os olhos dos
ouvintes do que as palavras para os ouvidos.”
Para que é que se fazem as estátuas dos grandes homens e se
põem aos olhos de todos na praça pública? É para avivar sempre a
sua memória e para que o exemplo de sua vida fique sempre
patente diante de todos.

É o que acontece com as imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo,


de Maria SSma e dos santos nas nossas igrejas. Sem que ninguém
precise fazer um sermão, elas estão continuamente
seus protótipos, daqueles que não
devemos jamais esquecer, para copiarmos a santidade de suas
vidas.

E aqui entra o protestante com o seu espírito pirrônico: E quem


pode garantir que aquilo é o retrato fiel de Jesus, de Maria ou dos
santos?

Para que a imagem produza o bom resultado de nos despertar a


lembrança do santo, não é necessário que seja
do protótipo.

Estabeleceu-se na arte cristã de todos os tempos um sistema


tradicional de representar o Divino Redentor, sua Santa Mãe e os
santos, de tal modo que sem ser preciso colocar-se o nome no
pedestal, o homem, mesmo rude, mesmo o camponês, sabe que
aquela imagem é de Jesus, aquela de Maria SSma., aquela de
S. José, ou de S. Pedro ou de S. Antônio, etc. Isto é o bastante para
que evoque imediatamente estas augustas pessoas, desperte a sua
lembrança, excite demonstrações de respeito, amor e veneração por
elas.

A bandeira do país suscita imediatamente no indivíduo a lembrança


de sua Pátria querida. E para isto não é necessário que o brasileiro
ou o alemão ou o japonês veja naquela bandeira de
sua Pátria. É um símbolo convencional que a representa, e é quanto
basta para acender-lhe o entusiasmo patriótico.
O mesmo se dá com as imagens. Elas têm por fim excitar a
devoção, alimentar a piedade dos fiéis, fazendo-os imediatamente
transportar o seu pensamento para os protótipos que elas
representam e provocando o desejo de imitá-los sinceramente na
sua vida.

Noção de ídolo e de imagem.

381. Quem vai entrar em discussão sobre uma questão qualquer (e


principalmente quem vai lançar contra outrem uma
) precisa ter uma ideia bem clara sobre o significado dos
termos que emprega nesta controvérsia ou nesta acusação. Discutir
sem a exata noção dos termos seria obrigar os adversários a uma
lamentável perda de tempo; acusar sem medir bem o alcance das
palavras, seria mais do que uma leviandade, uma falta de
consciência indigna de um verdadeiro cristão.

Ora, há protestantes (dizemos há protestantes, porque felizmente


não são todos) que levam o seu ódio à Igreja Católica ao ponto de
acusá-la de que, como a própria palavra está dizendo,
consiste no culto de (ou seja, adoração no sentido rigoroso
da palavra) prestada aos . É muito fácil verificar se é exata
ou não esta acusação.

Afinal, que vem a ser ídolo?

Ídolo é a figura representativa de um deus falso, à qual se presta


culto. O Senhor é grande e digno de louvores infinitos e terrível mais
que todos os deuses, porque todos os deuses das gentes são
; mas o Senhor fez os Céus (1º Paralipômenos XVI-25 e 26).
Eles reputaram por deuses a todos os das nações
(Sabedoria XV-15).

Nós sabemos que, antes de Cristo, o mundo inteiro em peso caiu na


idolatria, ou seja, adoração de estátuas de Falsas divindades, as
quais os homens consideravam
, mudando, como diz S. Paulo, a glória de Deus incorrutível
em semelhança de figura de homem corrutível e de aves e
quadrúpedes e de serpentes (Romanos I-23). A única exceção a
essa geral degenerescência da razão humana era o pequenino povo
hebreu, o qual, entretanto, de vez em quando, pelo menos em parte,
caía também neste grave pecado pela influência dos povos vizinhos,
com os quais era obrigado a entrar em contato.

Conhecemos pela História a quantidade enorme desses falsos


deuses e deusas, aos quais prestavam culto mesmo os povos mais
civilizados, no desconhecimento em que se encontravam da
existência do Deus Único, Espiritual e Eterno. Como eram entre os
romanos, ou com outros nomes entre os gregos: Júpiter, Apolo,
Mercúrio, Marte, Netuno, Saturno entre os deuses; e Juno, Vênus,
Diana, Minerva, Vesta e Ceres entre as deusas. Como eram entre
os egípcios: Amon, Osíris, Hórus, Anúbis, Isis, etc. Como eram na
Mesopotâmia: Marduque, Assur, Samash, Sin, Istar, etc.

A Bíblia nos fala no nome de alguns desses ídolos adorados por


povos vizinhos dos hebreus: Baal, Astaroth, Astarte, Moloque,
Camos. Os filhos de Israel, ajuntando novos aos antigos pecados,
fizeram o mal na presença do Senhor e adoraram os ídolos, a
ea , e os deuses da Síria e de Sidônia e de Moab (Juízes
X-6). Salomão dava culto a , deusa dos sidônios, e a
, ídolo dos amonitas (3º Reis XI-5). Edificou Salomão um
templo a , ídolo dos moabitas (3º Reis XI-7).

Ora, 3 coisas verdadeiramente absurdas se notavam nesta


ou adoração dos ídolos.

A primeira é que se apresentavam como , em contraposição


com o D .

A segunda é que esses deuses não correspondiam a nenhuma


realidade. Nunca existiu Júpiter, nem Baal, nem Vênus, etc, etc.
Eram pura imaginação. É por isto que diz S. Paulo: mudaram a
verdade de Deus em (Romanos I-25).

Sendo o culto desses deuses inteiramente mentiroso, prestado a


seres completamente inexistentes e destinando-se assim a substituir
a adoração do verdadeiro Deus, a Bíblia o apresenta como sendo
prestado ao próprio demônio, , que fomentava no
mundo esse culto ilusório para afastar os homens da verdadeira
noção do Criador; os sacrifícios a eles oferecidos eram endereçados
aos demônios: Eles O irritavam adorando deuses estranhos e com
as suas abominações O provocaram à ira. Ofereceram sacrifícios,
não a Deus, mas aos , aos deuses que eles
desconheciam (Deuteronômio XXXII-16 e 17). Todos os deuses das
gentes são ; mas o Senhor fez os Céus (Salmos XCV-5).
E serviram aos seus ídolos e lhes foi causa de tropeço. E imolaram
aos os seus filhos e as suas filhas (Salmos CV-36 e 37).
As coisas que sacrificam os gentios, as sacrificam aos ,e
não a Deus (1ª Coríntios X-20).

A terceira é que, não correspondendo esses ídolos a nenhuma


realidade, os gentios que os adoravam, era daquelas estátuas em si
mesmas que esperavam todo poder, toda proteção, de modo que
estavam convencidos de que se desprendia daquele objeto material
uma virtude, um poder mágico. E é assim que Deus pelo profeta
Isaías comenta com ironia o absurdo de um homem que fabrica uma
imagem e a considera : O escultor
estendeu a sua régua sobre o pau, ele o formou com o cepilho, pô-
lo em esquadria, e com o compasso lhe deu as devidas proporções
e fez dele uma imagem de varão, como um homem bem apessoado
que habita numa casa. Cortou cedros, tomou uma azinheira e um
carvalho que estivera entre as árvores dum bosque, plantou um
pinheiro, que criou a chuva. E esta árvore serviu aos homens para o
fogão; ele mesmo tomou parte das mencionadas árvores e com ela
se aquentou e a acendeu e cozeu um par de pães; e do mais que
ficou e o adorou, fez uma estátua e prostrou-se
diante dela. A metade deste pau queimou ele no fogo e com a outra
metade cozinhou as carnes que comeu; acabou de cozer as suas
viandas e fartou-se delas e aquentou-se e disse: Bom, aquentei-me,
já vi acesso o fogão. E do que ficou do mesmo pau
e um ídolo, diante do qual se prostra, e o adora e lhe roga,
dizendo: - , (Isaías XLIV-13 a
17).

Até aqui a noção de ídolo. Passemos agora à de imagem.

Imagem é um termo de significação muito ampla. Quer dizer a


representação ou semelhança expressa de um ser qualquer. Não é
só qualquer estátua ou desenho ou gravura; o sentido é tão vasto
que quando nos lembramos de uma pessoa, dizemos trazer a sua
em nossa mente; ou quando o orador usa de belas
comparações, nós dizemos que ele emprega belas , ou
seja, umas ideias representando outras.

Mas, quando falamos, como agora é o caso, da questão do culto


das imagens, entendemos por esta palavra as imagens sagradas,
ou de pintura ou de escultura, que estão em uso na Igreja Católica.

São figuras representativas, , mas de Nosso


Senhor Jesus Cristo, de sua Mãe Maria Santíssima, dos anjos e dos
santos.

A Igreja Católica, espalhando no mundo as ideias cristãs desde os


primeiros séculos, espalhou consequentemente a doutrina
fundamental de que há um D , ,
, , .

Mas é claro que todos os grandes personagens da História e todos


os fatos relevantes para a Humanidade, têm fornecido assunto para
as , como o desenho, a pintura e a escultura; nada
mais natural, portanto, do que procurarem
expressar os grandes personagens da História do Cristianismo,
entre os quais avulta, é claro, Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-
Deus, figura central de toda a História da Humanidade. Com ele,
têm que ser lembrados os episódios sacrossantos da sua vida.
Entre estes aparece, como um dos mais belos assuntos para a arte
cristã, o seu nascimento em Belém e aí já é inseparável a sua Mãe
Santíssima. Como também merecem a atenção dos artistas os
santos que ficam como um exemplo admirável para os homens pelo
modo como souberam realizar em si as virtudes cristãs e espelhar
na sua vida os ensinamentos de Jesus, bem como, segundo a
nossa maneira de expressá-los, os anjos que são os mensageiros
de Deus.

Ora, sabe-se muito bem que a imagem, a representação, o símbolo


valem, não pelo que são materialmente em si, como seja um pedaço
de pau ou de pano ou um aglomerado de gesso, mas valem muito
aos nossos olhos em virtude daquilo que representam.

Portanto, querer confundir duas coisas tão diversas, como sejam:

o ídolo, isto é, a representação de uma falsa divindade, inventada


pelos demônios;

e a imagem, isto é, a representação de Nosso Senhor Jesus Cristo,


de Maria SSma e dos anjos e santos;

sob o pretexto de que tudo não passa de pedaços de pau, ou de


pano ou de gesso, isto é o mesmo que dizer que:

o retrato de meu pai, ou de minha mãe ou de meu irmãos — e o


retrato de um cachorro vêm a ser a mesma coisa, porque tudo isto
não passa de um pedaço de papel, onde pousou o material
fotográfico;

ou que a bandeira que simboliza a nossa querida Pátria — e o pano


que serve para a cozinheira enxugar os pratos vêm a ser a mesma
coisa, porque tudo isto vem a ser apenas um simples pedaço de
pano.
As imagens valem por aquilo que representam. Por isto os
eram , pois representavam os falsos deuses, que não
passavam de invenções diabólicas para a perdição dos homens. As
nossas sagradas são , porque representam
que são dignas de todo o nosso respeito e
consideração.

E os protestantes que querem tachar de (ídolos, o que é o


mesmo que abominação aos olhos do Senhor) as nossas imagens
sagradas são refutados por outros seus companheiros de Reforma:
porque há seitas, como os luteranos e anglicanos que têm nas suas
igrejas imagens iguais às que estão em uso na Igreja Católica; se
são abomináveis, por que os conservam nos seus templos?

Noção de adoração e latria.

382. Nem as nossas imagens são ídolos, como acabamos de ver,


nem também o culto que a elas prestamos é de latria ou de
verdadeira adoração. É o que iremos provar.

Sabemos todos, católicos e protestantes, que só


D .

Mas o que não deixa de lançar uma certa confusão sobre o assunto
é que a palavra pode ter vários sentidos: existe a
adoração impropriamente dita e a adoração propriamente dita.

A , por exemplo, pode significar: querer bem, ter muita estima.


Um pai pode dizer: Adoro os meus filhinhos. Um filho extremoso
pode dizer: Adoro minha santa mãe. E no entanto não estão
cometendo nenhum ato de ofensa a Deus, pois se adorar aí no caso
quer dizer querer muito bem, então este pai tem obrigação mesmo
de os seus filhinhos, isto é, querer muito bem a eles; este
filho tem obrigação de a sua mãe, isto é, amá-la de todo o
coração. Deus mesmo quer que seja assim; o erro só haverá se
estas pessoas puserem o amor de seus filhinhos ou o amor de sua
mãe acima do amor de Deus, que deve ser superior a todos os
outros amores.

É comum ouvir-se esta expressão: uma , que ao


pé da letra deveria indicar uma criatura digna de ser adorada, mas
que, sem nenhuma blasfêmia, exprime simplesmente isto: uma
criatura que nos merece toda simpatia, benevolência e estima.

Na linguagem bíblica, no latim e também no português antigo, a


palavra tem igualmente o sentido de - , isto
é, ajoelhar-se com os dois joelhos e fazer uma inclinação de cabeça
que pode ser mais ou menos profunda e que pode ser profunda até
o ponto de se fazer chegar a cabeça até o chão. Existem vários
sistemas de saudação entre os diversos povos, como seja entre
nós, por exemplo: tirar o chapéu, fazer uma inclinação de cabeça,
dar um aperto de mão, etc. Os orientais, muito mais pródigos e
exagerados do que nós neste assunto de cumprimentos,
costumavam diante de personagens muito ilustres, que mereciam
grande respeito, levar a saudação até este ponto: a prosternação
completa, isto é, não só de joelhos, mas também com muito
profunda inclinação de cabeça. Daí não se segue que
considerassem a pessoa que recebia tais saudações como se fosse
. Apenas o gesto significa isto: um profundo respeito.

Quando dizemos que só D , não é tomando


a palavra no sentido de prosternar-se, pois esta
aparece muito frequentemente na Bíblia, feita
por pessoas dignas e servos de Deus a outras criaturas e nunca foi
intenção da Bíblia fazer propaganda de idolatria: Levantando,
porém, Jacó os seus olhos viu vir Esaú... E ele mesmo, adiantando-
se sete vezes prostrado por terra até chegar a seu
irmão... Chegou também Lia com seus meninos; e como que
do mesmo modo, em último lugar José e
Raquel (Gênesis XXXIII-1, 3 e 7). No mesmo ponto abriu o Senhor
os olhos de Balaão, e ele viu o anjo parado no caminho com a
espada desembainhada e prostrado por terra, (Números
XXII-31). Josué viu um anjo, em figura de homem e se lançou com o
rosto em terra e - , disse: Que diz meu Senhor ao seu
servo? (Josué V-15). Tendo-se, pois, presentado ao rei esta mulher
de Técua, deitou-se por terra diante dele, e e disse:
Salva-me, ó rei (2º Reis XIV-4). Joab, prostrando-se por terra sobre
o seu rosto, e felicitou ao rei (2º Reis XIV-22). Inclinou-se
Betsabée profundamente e o rei (3º Reis I-16). Eliseu lhe
disse: Toma o teu filho. Chegou-se ela e lançou-se a seus pés e
prostrada em terra; e tomou seu filho e saiu (4º Reis IV-36
e 37). E todo o povo bendisse o Senhor Deus de seus pais; e se
prostraram e a Deus e depois (1º Paralipômenos
XXIX-20).

Quando Cornélio, ao receber S. Pedro, prostrando-se aos seus pés


(Atos X-25) não praticou um ato pecaminoso de idolatria
ou de culto divino prestado à criatura, pois Cornélio era homem justo
e temente a Deus (Atos X-22). Pedro, porém, lhe disse: Levanta-te,
que eu também sou homem (Atos X-26). A extraordinária modéstia
de S. Pedro (mais realçada ainda pelo cargo que ocupava), a sua
humildade profunda que conservou durante toda a vida, máxime
depois do pecado da negação, faziam com que o Apóstolo se
sentisse incomodado ao ver alguém diante dele desmanchar-se em
saudações tão rasgadas, quando ele, Pedro, era homem e também
havia pecado.

Qual é, então, o conceito da verdadeira adoração, da adoração no


sentido próprio (que se expressa pelo termo técnico ) e que
só a Deus é devida?

Latria ou é o ato pelo qual se tributa


homenagem a um ser, como ao Supremo Senhor de todas as
coisas, ou em outras palavras, como tendo o supremo domínio
sobre nós.

É um erro, por exemplo, dizer: ajoelhar-se diante de alguém ou


diante de alguma coisa é adorar, é fazer ato de idolatria. Eu posso
ajoelhar-me diante de meu pai, de minha mãe ou de uma pessoa
qualquer, para lhes pedir perdão de uma falta que cometi; daí não
se segue que eu lhes esteja prestando a adoração que só a Deus é
devida. Pois posso ajoelhar-me diante dessas pessoas,
exclusivamente por um ato de humildade, sem considerar a
nenhuma delas, como sendo o S
. Nem mesmo, como vimos há pouco, o ato de ajoelhar-se e
curvar a cabeça até o chão indica o culto de latria, pois os orientais
faziam este gesto tão espetacular, simplesmente com a intenção de
manifestar o profundo respeito que lhes inspirava aquela criatura.

O católico, no grande dia da Sexta-feira Santa, dia em que se


comemora a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, pode ajoelhar-se
com os 2 joelhos diante da cruz e inclinar a cabeça; isto apenas
significa o grande respeito, a especial veneração que lhe merece a
cruz do Divino Salvador, onde Ele remiu a humanidade; o seu
pensamento se volta para o Calvário, onde se deu outrora a
expiação infinitamente meritória de Cristo e quer com este ato
homenagear a Cristo, que nos salvou. Não é o fato de chamar-se
esta cerimônia que torna isto um ato de
idolatria; a palavra é aí empregada no sentido de
, assim como o verbo adorar é empregado muitas e
muitas vezes na Bíblia, como vimos, no sentido de dobrar os joelhos
com profunda inclinação de corpo: Jacó adorou a Esaú, Balaão
adorou o anjo, Betsabée adorou o rei, o povo adorou a Deus e
depois ao rei, etc. Pode ser muito bronco e muito estúpido este
católico; porém mesmo assim sabe muito bem que não são aqueles
dois pedaços de madeira atravessados um no outro que constituem
o seu D , porque, como diz na sua linguagem simples e ingênua
o nosso povo: “Deus está no céu e na terra e em todo lugar onde se
chamar por Ele.”

Por aí se vê que a adoração propriamente dita, ou seja, o culto de


latria é um que se processa no nosso espírito, no
nosso coração e ato pelo qual se reconhece aquele Ser, como
nosso Supremo Senhor, como nosso Deus, a quem devemos a
existência, a quem devemos tudo e de quem tudo esperamos.

Como somos criaturas compostas de alma e corpo, costumamos


manifestar por atos exteriores os nossos sentimentos internos. Esta
adoração a Deus, podemos manifestá-la de diversas formas, mas
entre estes atos externos só há UM que por si mesmo, indica
diretamente, necessariamente o culto de latria: é o .
Imolava-se a vítima precisamente para isto: pra indicar com aquela
vítima sacrificada, a qual morria ou desaparecia, que o Ser cultuado
é o Supremo Senhor . Por isto se explica muito
bem que Paulo e Barnabé, confundidos em Listra, respectivamente,
com os deuses Mercúrio e Júpiter, rasgassem as suas vestiduras e
protestassem veementemente quando o sacerdote de Júpiter, que
estava à entrada da cidade, trazendo para ante as portas touros e
grinaldas, queria com o povo (Atos XIV-12).

Diante dos , ou seja, dos deuses falsos, qualquer ato externo


de homenagem que se fizesse, como seja, queimar incenso,
ajoelhar-se, ou simplesmente curvar a cabeça era um
, porque aqueles ídolos eram apresentados como
sendo , como se tivesse qualquer um deles, ou sozinho ou
de parceria com outros, .
Quem lhes prestava culto o prestava diretamente àquela estátua,
que não correspondia a nenhuma realidade e assim dava gosto ao
demônio que se servia de tão abomináveis invenções para afastar
os homens do culto ao verdadeiro Deus, trazendo todos os povos
pagãos na mais grosseira idolatria.

Quando, porém, nós católicos que sabemos só existir um Deus, que


é Espiritual e Eterno, Supremo Senhor de todas as coisas e só a Ele
prestamos o culto de latria, cercamos de carinho e veneração as
sagradas imagens de Jesus Cristo, sabemos muito bem que não é
aquela imagem, mas sim o seu protótipo, Jesus, que é o Supremo
Senhor do Universo, Autor da Vida e da morte. Diante da imagem
de Maria SSma. E dos santos, sabemos muito bem que nem aquela
imagem, nem o seu protótipo é o Supremo Senhor do Universo. Isto,
porém, não nos impede de mostrar-lhes o nosso amor, de fazer-lhes
as nossas súplicas, diante destas venerandas representações e
imagens que tanto nos excitam ao fervor e à devoção.

E quando afirmamos categoricamente que não estamos prestando a


estas imagens um culto de latria, é inútil que venham os
protestantes teimar conosco, querendo convencer-nos de que o
nosso culto é de verdadeira adoração. Pois a adoração é um
sentimento interno, e os protestantes não podem saber melhor do
que nós mesmos (e Deus) aquilo que realmente se passa no nosso
íntimo, no interior do nosso coração.

A adoração em espírito e verdade.

383. E é precisamente porque a verdadeira adoração se processa


, que Nosso Senhor disse estas palavras: A hora
vem, e agora é, quando os verdadeiros adoradores hão de adorar o
Pai : porque tais quer também o Pai que
sejam os que O adorem. Deus é espírito, e em espírito e verdade é
que O devem adorar os que O adoram (João IV-23 e 24).

Nosso Senhor se refere aí à transformação que vem trazer o


Cristianismo, substituindo-se àquela religião de meras
exterioridades em que tinha caído o judaísmo: Este povo honra-me
com os lábios; mas seu coração está longe de mim (Mateus XV-8).
Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que dizimais a hortelã e o
endro e o cominho e haveis deixado as coisas que são mais
importantes da lei, ,e e : estas coisas
eram as que vós devíeis praticar sem que, entretanto, omitísseis
aquelas outras (Mateus XXIII-23). Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas, porque alimpais o que está por fora do copo e do prato, e
por dentro estais cheios de rapinas e de imundícias (Mateus XXIII-
25).
Apesar de praticarem muitos atos exteriores de religiosidade, não
praticavam os judeus ; esta consiste em
que a nossa alma esteja totalmente a Deus: a nossa
inteligência, pela fé na sua palavra infalível; o nosso coração, pelo
amor a Ele acima de todas as coisas; o nosso espírito, pela
resignação à sua vontade; toda a nossa vida, pela exata
observância dos seus mandamentos. Isto é que é realmente
reconhecer a Deus como Supremo Senhor nosso e Supremo
Senhor de todas as coisas.

Verdadeiro adorador , em qualquer época, em qualquer país, é


aquele que se acha no estado de , isto é, em
situação de amizade com Deus, com os seus pecado perdoados e
com o firme propósito de jamais voltar a cometê-los. Porque aquele
que está no estado de pecado mortal não pode dizer, em toda a
extensão da palavra, que D
sobre a sua alma; se reconhece em teoria, não quer reconhecê-lo
na prática, nas suas ações, no seu modo de agir, antes se coloca
sob a servidão do demônio, pois, como disse a Sabedoria Eterna:
Todo o que comete pecado é escravo do pecado (João VIII-34). E é
por isto que diz S. Paulo, a respeito daqueles que têm contaminadas
tanto a sua mente quanto a sua consciência: eles confessam que
conhecem a Deus, mas - com as obras (Tito I-15 e 16).

A Igreja tem as belas cerimônias de sua liturgia, para a qual


contribuem todas as artes: arquitetura, pintura, escultura, música,
eloquência, etc, todas a serviço do sentimento religioso que ela
procura infundir nos seus filhos fiéis. Aliás, o centro de toda a liturgia
é Jesus Cristo realmente presente na Hóstia Consagrada, que é
objeto da nossa adoração, do culto de latria, porque é a Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade.

Mas ao mesmo tempo que nos emociona com as suas cerimônias,


ela nos lembra sempre que isto é um meio e não um fim; ela quer
sobretudo chegar à e à sua
D . Esta purificação da alma se opera com a confissão bem
feita, a qual só quando o cristão não só está
sinceramente arrependido de seus pecados, mas está sinceramente
resolvido, custe o que custar, a jamais voltar a cometê-los.
Recuperando assim a que havia recebido no
Batismo, o católico se habilita a ser um
numa total submissão a Deus, e quanto mais santo for
interiormente, tanto mais prefeita será a sua adoração. Por isto a
Igreja os fiéis a se confessarem ao menos uma vez cada
ano; e insiste sempre pela prática da confissão frequente e da
comunhão, até mesmo quotidiana.

E nos meios eclesiásticos é considerado o povo , não


aquele em que maior número de pessoas comparecem à igreja, mas
aquele em que maior número de pessoas, devidamente preparadas
pela confissão bem feita, se aproximam da mesa eucarística. Se
nesse meio vai alguém que não o faz com a devida sinceridade, não
temos o poder de adivinhar o que se passa no coração dos outros,
mas já é um sinal de que os verdadeiros adoradores, Deus é que
bem os conhece e a adoração é uma coisa toda interna.

Os protestantes, no seu velho sistema de interpretar as passagens


da Bíblia tendo, antes de tudo, o pensamento de ver em cada uma
delas um meio de censurar e combater a Igreja Católica, tomam a
palavra de Jesus no sentido de que está condenado todo e qualquer
culto externo (o que, aliás, eles próprios protestantes na prática não
o fazem, pois também se reúnem, oram em público e cantam hinos,
etc) e ficam muito anchos e satisfeitos com a ideia de que, tendo as
paredes de suas igrejas completamente nuas e não tendo
cerimônias impressionantes como o Catolicismo, são eles os únicos
a que se refere Jesus.

Mas é o caso de perguntar: será isto que resolve a questão? Se


é reconhecer o supremo domínio de Deus, é reconhecer a
Deus como Supremo Senhor da nossa inteligência, do nosso
coração, da nossa vida, suponhamos que um protestante, com esta
ampla autorização que tem, pelo , de interpretar a
Bíblia como bem entende, se põe a a palavra de Deus,
diante de uma doutrina de Jesus, em que não quer acreditar. Será
um verdadeiro adorador? Não; porque não quer reconhecer a Deus,
como Supremo Senhor de sua inteligência; em vez de adorar a
Deus, Verdade Infalível, adora o ídolo de sua opinião própria. Nem
venham os protestantes afirmar que ninguém no Protestantismo
as palavras da Bíblia. Eles próprios têm que reconhecer que
existe no seu seio quem o faça. Pois se há seitas que creem na
Santíssima Trindade e outras que a negam; se há seitas que
admitem a divindade de Jesus e outras que a rejeitam; se há seitas
que admitem a existência do inferno, a presença real de Jesus
Cristo na Eucaristia, a necessidade das boas obras para a salvação,
a indissolubilidade do matrimônio, a imortalidade da alma, a
sobrenaturalidade da graça, etc, e há outras que negar estes
pontos, é sinal de que aí neste meio há gente o sentido
da Bíblia, a não ser que Cristo tenha falado de maneira duvidosa
exclusivamente para isto: para a sua doutrina andar sempre assim
numa eterna discussão. Ora, isto é claramente inadmissível.

Suponhamos que mesmo com suas igrejas de paredes


branqueadas e com a ausência de cerimônias litúrgicas, haja um
protestante que vive enganando os outros em matéria de dinheiro,
ou que vive escravizado a uma paixão carnal e desonesta. Será um
verdadeiro adorador? Não; porque S. Paulo é o primeiro a nos dizer
que há pecados que equivalem ao culto dos ídolos: Nenhum
fornicário ou imundo, ou avaro, , não tem
herança no reino de Cristo e de Deus (Efésios V-5).

Não é nosso intuito com estas hipóteses humilhar nem ofender aos
protestantes. Absolutamente não! Há católicos errados e há
protestantes errados; é a consequência inevitável da fragilidade
humana. Mas quererem alguns insinuar que todo homem,
abraçando uma seita chamada “evangélica” se torna ipso facto uma
criatura angélica e impecável, que no seio do Protestantismo só há
puros e perfeitos, que o cristão logo que se convence que já está
salvo por Jesus, se torna uma nova criatura, modelo de virtudes, isto
é conversa para boi dormir. Nesta canoa ninguém embarca. E
quanto à Igreja Católica, ela mesma é que ensina os seus filhos a
rezar assim: pequei, Senhor, muitas vezes por pensamentos,
palavras e obras, por minha culpa, por minha culpa, por minha tão
grande culpa!

O que queremos frisar aqui é simplesmente isto: que não é o fato de


frequentar igrejas lisas ou de não assistir a cerimônias litúrgicas,
que faz de um homem . E que a
adoração é uma , é um sentimento da alma e do
coração, é o reconhecimento, no nosso íntimo, do supremo domínio
do Ser a quem nós adoramos. Não é o fato de nos ajoelharmos, de
nos curvarmos, de trazermos ofertas ou acendermos velas que
constitui a adoração.

E o católico, por mais rude e ignorante que seja, sabe muito bem
que não é aquela imagem que está no altar, a qual não vê, não
sente, não ouve, não fala, não tem inteligência, nem sensibilidade,
não é aquela imagem que tem o supremo domínio sobre a sua
alma, sobre a sua vida. Se os pagãos caíram neste erro tão
grosseiro, a respeito de seus , isto mostra apenas a
degenerescência em que tinha caído a razão humana antes da
doutrinação de Jesus Cristo, o que serviu para mostrar quanto era
necessária a vinda do Salvador.

Sabe muito bem o católico que não é aquela imagem que o ouve,
bem que o socorre; mas ela serve para ele erguer melhor o seu
pensamento ao protótipo que ela representa. E assim como
ficaríamos alegres, se soubéssemos que alguém cercou de flores o
nosso retrato ou quis diante dele render-nos carinhosa homenagem,
Jesus Cristo, a Virgem Maria e os santos só podem receber com
agrado as homenagens que lhes prestamos diante de suas
sagradas e venerandas imagens, que tão insistentemente estão
avivando aos nossos olhos a sua memória e a sua recordação.

Lei de Deus a que estamos sujeitos.


384. Finalmente, antes de examinarmos o texto da Bíblia que os
protestantes apresentam pretendendo demonstrar com ele que
D o culto que os católicos prestam às
imagens, precisamos relembrar o que já dissemos nos nos 111 a
113, isto é, que a lei de Deus ou se entende que todo
homem traz na sua consciência, no seu coração, ou
dada aos judeus, ou que nos é imposta por Nosso
Senhor Jesus Cristo no Novo Testamento.

A lei natural proíbe a . Mesmo independentemente da fé, a


razão nos diz que só existe D , o qual fez todas as coisas e
só a Ele é que podemos adorar, isto é, -L
S S . Mas não nos proíbe
homenagear um homem ilustre através de sua estátua, desde que
esta veneração à estátua não consista em adorá-lo, como se fosse
um deus. Logo, a lei natural não proíbe o culto das imagens, como é
praticado na Igreja Católica.

Quanto à lei mosaica, já sabemos (nº 117) que foi abolida (veja-se
Atos XV-5 a 29).

Não se pode, por conseguinte, apresentar o uso do culto das


imagens como condenados por Deus, só pelo fato de que tenham
sido proibidos no Antigo Testamento, M . Como se
prova que tudo o que era proibido aos judeus no Antigo Testamento
é proibido também a nós? A usar deste argumento, deveriam os
protestantes ensinar que nos é proibido comer carne de lebre, de
camelo ou de porco, bem como todos os peixes que não tenham
barbatanas nem escamas (Deuteronômio XIV-7, 8 a 10), que é
proibido lavrar com boi e burro ao mesmo tempo, ou vestir qualquer
tecido de lã com linho (Deuteronômio XXII-10 e 11), que é proibido
ao filho bastardo entrar na congregação do Senhor até a décima
geração (Deuteronômio XXIII-2), que não é lícito semear o campo
com sementes diversas (Levítico XIX-19) ou rapar a barba (Levítico
XIX-27), etc, etc. Tudo isto está proibido pela Bíblia no Antigo
Testamento, mas estas leis não nos atingem.
A Lei Antiga está cheia também de preceitos que não vigoram mais,
como a circuncisão, bem como cerimônias especiais para a mulher
que dá à luz (Levítico XII-1 a 8), etc.

E é conhecida a luta de S. Paulo contra os judaizantes, que queriam


à fina força obrigar os cristãos a obedecer à lei de Moisés, que havia
sido abolida.

Para provar, portanto, que a nós, cristãos, é proibido o culto das


imagens, é preciso provar que ele é proibido pela C .

— Pois é precisamente o que vamos fazer, dirão os protestantes.

O culto das imagens é proibido nos 10 mandamentos. Ora, os dez


mandamentos fazem parte da lei de Cristo, porque Nosso Senhor
disse ao moço do Evangelho: Se tu queres entrar na vida,
(Mateus XIX-17). Logo, o culto das imagens é
proibido pela lei de Cristo.

— É o caso de dizer: Deste versículo da Bíblia, que encerra a


palavra infalível de Jesus, vocês se lembram agora, porque querem
acusar os católicos de transgredir um mandamento; por que não se
lembram dele, quando vivem a pregar que só a fé, e não a
observância dos mandamentos, é necessária para a salvação?

Sim, os 10 mandamentos estão de pé na lei cristã, não há dúvida


alguma; não, porém, na mesma forma ou com os mesmos termos
em que vigoraram para os judeus outrora, pois o Divino Mestre
refundiu e aperfeiçoou os preceitos do Decálogo. É o que
demonstraremos daqui a pouco (nº 389). Antes, porém, queremos
ver como é que vocês, protestantes, nos provam que o uso e o culto
das imagens, tal qual se observam na Igreja Católica, são
condenados pelo texto dos 10 mandamentos.

Examinemos
O texto do Êxodo
que, para o nosso caso, não tem nenhuma diferença do texto do
Deuteronômio (V-7 a 9):

$^3$ Não terás diante de mim. $^4$ Não


farás para ti ,
,
. $^5$
, porque eu sou o Senhor teu
Deus, o Deus forte e zeloso que vinga a iniquidade dos pais nos
filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem
(Êxodo XX-3 a 5).

Versículos 3º e 4º.

385. Vê-se claramente que estas imagens de que Deus fala no


versículo 4º são as imagens dos , de que
falou no versículo 3º. Se no versículo 4º Deus diz que não façam
imagem de escultura,
, , entende-se que Deus não fala
aí de qualquer espécie de desenho ou de pintura ou de escultura
(assim estaria proibindo até os termos em casa o retrato de nossos
pais, ou qualquer pintura decorativa representando flores ou peixes
ou frutos, etc), mas sim de ídolos, de figuras de deuses falsos. Estes
ídolos tomavam aqui e acolá inúmeras formas de pessoas, ou de
animais, ou de astros do céu, ou de outras coisas. Tudo era deus,
exceto o próprio Deus, como disse Bossuet. Por isto Deus proíbe os
deuses estrangeiros,
.

E a prova de que Deus aí não se refere a qualquer imagem, a


qualquer pintura, a qualquer semelhança, está no fato de que Deus
mesmo mandou Moisés uma serpente de metal (se há
proibição de fazer qualquer figura ou semelhança de tudo que há
em cima no céu, e , a serpente é um
animal que há em baixo na terra): E o Senhor lhe disse:
e põe-na por sinal: todo o que sendo ferido
olhar para ela, viverá. Fez, pois, Moisés e
pô-la por sinal e os que, estando feridos, olhavam para ela, saravam
(Números XXI-8 e 9).

Esta imagem de serpente em escultura era prefigurativa de Jesus


pregado na cruz: Como Moisés no deserto levantou a serpente,
assim importa que seja levantado o Filho do Homem, para todo o
que crê nEle não pereça, mas tenha a vida eterna (João III-14 e 15).

Deus mandou Moisés fazer também dois querubins de ouro


(portanto de anjos ) para cobrirem o
propiciatório: Farás também
, nas duas extremidades do oráculo. Um
querubim estará a um lado, outro ao outro. Cubram ambos os lados
do propiciatório com asas estendidas, e cobrindo o oráculo estarão
olhando um para o outro com os rostos virados para o propiciatório,
com o qual se cobrirá a arca (Êxodo XXV-18 a 20).

Salomão, quando construiu o templo, mandou também fazer, por


sua própria conta e risco, alguns querubins, bem como diversas
figuras na parede: E pôs no oráculo de pau de
oliveira, de dez côvados de altura... Cobriu também de ouro os
querubins; e fez esculpir todas as paredes do templo em roda de
entalhes e molduras, e nelas fez e
, como sobrepujando e saindo da parede (3º Reis VI-23, 28
e 29). Entre estas figuras que havia no templo, estavam leões e bois
que são animais que existem aqui em baixo na terra: E entre as
coroas e laçadas havia e e querubins (3º Reis VII-29).

Ora, isto não foi do desagrado de Deus, pois quando Salomão


terminou o templo e fez para lá a solene trasladação da arca,
aconteceu que, logo que os sacerdotes saíram do santuário, uma
névoa encheu a casa do Senhor; e os sacerdotes não podiam ter-se
em pé nem fazer as funções do seu ministério por causa da névoa,
porque S S .
Então disse Salomão: O Senhor disse que Ele habitaria numa névoa
(3º Reis VIII-10 a 12).

Portanto, quando os protestantes dizem, procurando impressionar a


gente simples: Os católicos estão contra a Bíblia, porque a Bíblia
proíbe e eles fazem imagens de Jesus Cristo, de
ma
Maria SS ., dos anjos e dos santos, trata-se de uma acusação
muito fora de propósito. Deus proibiu aí no texto do Êxodo fazer
imagens dos , pois é dos deuses
estrangeiros que Ele está falando. E a prova é que Ele mesmo
mandou fazer outras imagens e Deus não cai em contradição
consigo mesmo. Nem se concebe que Deus, tendo horror a
quaisquer imagens, como querem os protestantes, fosse o primeiro
a mandar fabricá-las.

E basta ler com atenção o Pentateuco, se não quisermos falar em


todo o Antigo Testamento, para ver como a grande preocupação, se
assim se pode dizer, de Deus, era fazer com que aquele povo
pequenino, como era o seu povo escolhido, cercado, como estava,
de tantos povos idólatras, pois o eram todas as nações do mundo,
não se deixasse contaminar pelo exemplo dos outros, adorando os
deuses estranhos: Lançai fora os que estão no
meio de nós (Gênesis XXXV-2). Não fareis para vós
(Êxodo XX-23). O meu anjo caminhará
adiante de ti e ele te introduzirá na terra dos amorreus, dos heteus
dos ferezeus, dos cananeus, dos heveus, dos jebuseus, os quais eu
destruirei. N ,
não imitarás as suas obras, mas destruí-los-ás e quebrarás as suas
estátuas (Êxodo XXIII-23 e 24). Eu entregarei nas vossas mãos os
habitantes da terra e os expulsarei da vossa vista... Não habitem na
tua terra, para que te não façam pecar contra mim, servindo
(Êxodo XXIII-31 e 33). Não adores a .O
Senhor tem por nome Zelador, Deus é zeloso (Êxodo XXXIV-14).
Não vos volteis para os ídolos, nem façais para vós
. Eu sou o Senhor vosso Deus (Levítico XIX-4) até nos
tinha exercitado a sua vingança (Números XXXIII-4).
Não seguireis os de alguma das nações que
estão à roda de vós (Deuteronômio VIII-19). E lá servirás a
, ao pau e à pedra; e ver-te-ás na última miséria, como o
ludíbrio e a fábula de todos os povos, onde o Senhor te houver
levado (Deuteronômio XXVIII-36 e37). Eles O irritaram adorando
e com a suas abominações O provocaram à ira
(Deuteronômio XXXII-16).

Versículo 5º.

386. Vejamos agora o versículo 5º: Não adorarás, nem


prestarás culto, porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus forte e
zeloso que vinga a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e
quarta geração daqueles que me aborrecem (Êxodo XX-5).

Já que o versículo 3º se refere aos deuses estrangeiros: N


diante de mim (Êxodo XX-3);

já que o versículo 4º: Não farás para ti imagem de escultura,

,
(Êxodo XX-4), como já provamos, se refere a imagens de
escultura ou figuras destes mesmos deuses estrangeiros;

está claro que a proibição de prestar culto, que lemos no versículo


5º: Não as adorarás, nem darás culto (Êxodo XX-5) se refere a
imagens ou figuras destes mesmo deuses pagãos. Bastam os
pronomes , para nos mostrar que é àquelas imagens de que
fala o versículo anterior que é proibido prestar culto. No versículo
anterior, Deus proibiu tais ídolos. Mas podia a acontecer que
os judeus, nas suas viagens ou recebendo visitas de gente de
outros povos, se deparassem com tais ídolos que eles, judeus, não
tinham fabricado, mas que foram feitos pelos outros. Ou podia
acontecer que alguém, mesmo no seio do povo israelita, teimasse
em fazer tais ídolos. Neste caso era preciso que soubessem os
judeus que também lhes estava proibido, tanto o adorá-los, como o
prestar-lhes qualquer culto.

E a prova de que Deus se refere a estes ídolos, a estas


representações de deuses estranhos, está na razão que Deus lhes
apresenta: Não as adorarás, nem lhes darás culto,
S D (Êxodo XX-5). O que mostra muito bem que,
sendo Ele o único Deus dos israelitas, não quer entrar em pé de
igualdade com , nem quer ser substituído por
eles.

Os protestantes provariam que aí Deus está proibindo aos católicos


fazer imagens de Jesus Cristo, de Maria SSma e dos anjos e santos
e reverenciá-las, se conseguissem provar que estas imagens,
venerandas e sagradas pelas pessoas que representam, são
imagens daqueles , que eram pura invenção
do demônio, para afastar os homens do culto do Deus verdadeiro,
culto este que nós, católicos, Lhe prestamos, reconhecendo o Seu
supremo domínio sobre todas as coisas e reservando a Ele, só a
Ele, o culto de , ou seja, de verdadeira adoração. Nós não
substituímos o culto de Deus pelo de outros deuses, nem pelo de
nenhuma criatura.

Diante, portanto, da legítima interpretação do texto, não há aí


nenhuma proibição do culto das imagens, tal como é compreendido
e praticado pela Igreja que Cristo fundou, ou seja, a Igreja Católica.

A interpretação protestante.

387. Analisemos agora a interpretação que os protestantes dão ao


texto.

Não é a interpretação verdadeira; mas ainda mesmo que o fosse, a


proibição contida neste texto do não nos
atingiria, assim como eles também não se sentem atingidos por ela.
É o que iremos provar.

Os protestantes separam completamente os dois versículos:

Não terás deuses estrangeiros diante de mim (Êxodo XX-3) é uma


ordem;

Não farás para ti ,


,
debaixo da terra (Êxodo XX-4) é
outra ordem que nada tem que ver com o versículo anterior.

Aqui o homem rude logo se atrapalha com o sentido da palavra


; e desta confusão se aproveita o protestante.

Hoje, quando falamos em , logo nos lembramos das


imagens sagradas, que vemos nas igrejas católicas. Era justamente
o que não existia naquele tempo. Não havia imagem de Jesus
Cristo, nem da Virgem Maria, nem de S. Pedro ou de S. Antônio ou
de S. Francisco, etc, etc, por uma razão muito simples: nem Jesus
Cristo como homem, nem Maria SSma., nem nenhum desses santos
existia ainda. Havia, sim, os anjos, , como vimos, D
.

Imagem aí no texto se toma no sentido geral: representação de um


ser, mostrando-lhe a semelhança. Uma imagem de escultura é, por
exemplo, a estátua de um homem; é um animal qualquer: um
cachorro, um elefante, um carneiro feito de gesso ou de madeira ou
de prata ou de ouro, etc.

Desde que acha o protestante que também para nós está proibido
fazer qualquer imagem de escultura, então estão proibidas todas as
estátuas. São condenadas pela lei de Deus... É preciso acabar com
elas... São proibidos todos os animais feitos por escultura. Entrando
numa casa, onde encontra na sala um gato ou um leão ou um boi
fabricado em gesso ou em madeira ou em metal, o “evangélico”
deve protestar indignado, porque toda imagem de escultura é
proibida por Deus. Tem que acabar, portanto, a profissão de
, como sendo uma profissão de homens rebeldes e
pecadores, que vivem fazendo justamente aquilo que Deus proíbe
no seu mandamento.

Mas não são somente os escultores que entram na dança; entram


também todos , , e
, porque o texto não proíbe somente qualquer imagem
de escultura, mas proíbe qualquer , seja de criaturas
humanas, seja de astros, seja de animais ou de plantas, seja lá do
que for, pois continua assim
,
(Êxodo XX-4).

Entrando no ateliê de um pintor e encontrando-o a pintar uma figura


humana, o protestante terá que dizer: é proibido; não podes fazer
isto.

E se ele disser: ao menos, deixe-me pintar um peixe ou outro animal


qualquer, uma planta; ao menos, uma flor.

— Não; nada disto é permitido. Não se pode fazer a figura de coisa


alguma: nada do que há em baixo na terra, nada do que há nas
águas.

Os livros ilustrados, bem como as fotografias, as gravuras, os


desenhos que aparecem nas revistas ou jornais, bons ou maus são
proibidos.

Ora, esta interpretação é evidentemente absurda.

Não foi assim; Deus só proibiu fazer figuras de


, fosse qual fosse a forma sob a qual se
apresentassem.
E mesmo que se quisesse dizer que Deus falava sobre qualquer
imagem ou figura em geral, ainda se podia conceber que houvesse
esta proibição num tempo em que não havia ainda
imprensa nem fotógrafos. Podia-se ainda imaginar que Deus, diante
do grande perigo em que estavam os judeus de cair na idolatria pelo
exemplo dos povos vizinhos, proibisse a este pequenino povo a arte
dos pintores e dos escultores, a fim de se evitar a ocasião de
pecado. Seria então
. Mas querer fazer daí um
preceito geral para todos os tempos, mesmo para os povos cristãos
e civilizados que não estão mais, pelo simples fato de ver uma
pintura ou uma estátua, em perigo de cair na idolatria, seria
evidentemente cair no ridículo.

O protestante, portanto, se não quer admitir que este versículo 4º se


refere aos , mencionados no versículo
precedente, fazendo parte, portanto, da , como é em
geral todo o decálogo, tem que admitir que se trata de um preceito
positivo só para os judeus. A não ser que queira apresentar como
abomináveis e condenadas por Deus todas as estátuas, todos os
objetos de adorno em forma de figuras humanas ou de animais,
todos os brinquedos de criança feitos no mesmo sistema, todas as
pinturas, todas as gravuras de livros, todas as fotografias...

Ainda o versículo 5º.

388. Mas dirá o protestante: Deus não proíbe somente fazer


imagens. Proíbe - no versículo 5º: Não as
adorarás, (Êxodo XX-5). E os católicos
prestam culto às imagens.

— É o caso de perguntar: Se você é obrigado a admitir (para não


cair no ridículo) que o versículo 4º é endereçado ,
como pode provar agora que o versículo 5º, ou seja, a proibição de
prestar culto às imagens, não é também um preceito só para eles?
Este versículo 5º está não só logicamente, mas também
ligado ao versículo 4º. Um preceito que era
não nos atinge a nós, cristãos.

Os dez mandamentos.

389. Os dez mandamentos sempre estiveram, estão e estarão de


pé para todos os homens, ou se achem estes sob a lei natural, ou
sob a lei mosaica, ou sob a lei de Cristo.

Mas assim como não vigoram da mesma forma sob a lei natural
como à luz da revelação (neste último caso são conhecidos com
mais nitidez), assim também não vigoram para nós, cristãos,
exatamente da mesma forma em que vigoravam para os judeus.
Estão em vigor na forma em que nos são propostos no Evangelho
por Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o nosso Legislador e nosso
Mestre.

Há, então, diferença entre os mandamentos de Deus, tais quais


foram impostos aos judeus e tais quais nos são ensinados por Jesus
Cristo?

É claro que sim; pois o Divino Mestre refundiu e aperfeiçoou os


preceitos do Decálogo.

Consideremos, por exemplo, a questão do descanso semanal. Era


preceituado com muito rigor na Lei Antiga. E os protestantes devem
reconhecer, pela leitura do Evangelho, como Jesus Cristo dá uma
nova interpretação à lei do repouso no dia do Senhor, lei que
permanece, porém de maneira mais benigna, pois o Mestre nos
ensina que o preceito da caridade é superior a ela: Logo, é lícito
nos dias de sábado (Mateus XII-12). O sábado foi feito
em contemplação do homem, e não o homem em contemplação do
sábado (Marcos II-27).

Já o contrário se dá com o 5º mandamento [57] que dizia


simplesmente: Não matarás (Êxodo XX-13) e agora se tornou muito
mais rigoroso. Na Lei Antiga se permitia que se tivesse ódio aos
inimigos, ódio aos gentios, pois Nosso Senhor, como se vê pela
parábola do Samaritano (Lucas X-29 a 37) é que veio alargar a
noção da palavra: . Na Lei Nova de Nosso Senhor Jesus
Cristo não se proíbe só , proíbe-se qualquer sentimento de
ódio contra o próximo, sendo o próximo qualquer pessoa: Ouvistes
que : e quem matar será réu no
juízo. Pois eu digo-vos que todo o que contra seu irmão será
réu no juízo (Mateus V-21 e 22). Tendes ouvido que foi dito: Amai a
vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio e orai pelos que
vos perseguem e caluniam para serdes filhos de vosso Pai que está
nos Céus (Mateus V-43 a 45).

O mesmo se dá com o preceito da castidade que se torna muito


mais rígido. O texto do Êxodo que citam os protestantes e que traz
os mandamentos diz simplesmente: não fornicarás (Êxodo XX-14).
Fala somente sobre os pecados de . Jesus nos mostra no
Evangelho que são condenados até os pecados por pensamento:
ouvistes que : . Eu, porém,
digo-vos que todo o que olhar para uma mulher cobiçando-a, já no
seu coração adulterou com ela (Mateus V-27 e 28).

O 4º mandamento é proposto no Êxodo com uma promessa que só


vale para os judeus, promessa de vida longa na terra que lhes era
reservada, promessa esta que não está vigorando, é claro, para
nós, pois as promessas do Novo Testamento são de vida eterna:
Honrarás a teu pai e a tua mãe,
que o Senhor teu Deus te há de dar (Êxodo XX-12).

Agora perguntamos: Já que o assunto de que falamos é o 1º


mandamento, quando indagavam a Nosso Senhor Jesus Cristo,
Legislador e Salvador nosso, que nos veio trazer a sua lei, que veio
aperfeiçoar a lei de Moisés, qual era o primeiro e o mais importante
mandamento da lei, Nosso Senhor respondia assim: não terás
deuses estrangeiros diante de mim. Não fará para ti imagem de
escultura, nem figura alguma de tudo o que há em cima no céu e do
que há em baixo na terra, nem de coisa que haja nas águas debaixo
da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto (Êxodo XX-3 a 5)?
Não. Havia um preceito muito mais importante do que esse. Não ter
outros deuses, não cometer idolatria ainda é muito pouco.

O moço a quem Jesus disse: Se tu queres entrar na vida, guarda os


mandamentos (Mateus XIX-17). Pergunta-lhe quais são estes
mandamentos. O Mestre, para identificá-los, diz: Não cometerás
homicídio; não adulterarás; não cometerás furto; não dirás falso
testemunho; honra a teu pai e a tua mãe, e amarás a teu próximo
como a ti mesmo (Mateus XIX-18 e 19).

Às prescrições do capítulo XX do Êxodo, Jesus ajunta um precioso


versículo do Levítico (XIX-18): Amarás a teu próximo como a ti
mesmo — que vai ter um papel de relevância na Nova Lei, mas
nenhuma alusão faz aos primeiros mandamentos (e os mais
importantes) referentes a Deus, não que estes mandamentos
fossem abolidos, mas porque na Nova Lei tomam redação melhor e
mais perfeita, não já do capítulo 20º do Êxodo, mas de outra parte
do Antigo Testamento (Deuteronômio VI-5).

Quando perguntavam a Nosso Senhor qual era o primeiro e o


máximo mandamento, ele respondia, como respondeu ao doutor da
lei: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a
tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o máximo e o
primeiro mandamento. E o segundo semelhante a este é: Amará a
teu próximo como a ti mesmo (Mateus XXII-37 a 39).

Em outra ocasião, o Divino Mestre louva a outro doutor da lei que


aponta como a
observância destes grandes mandamentos: E eis que se levantou
um doutor da lei e Lhe disse para O tentar: Mestre, que hei de eu
fazer ? Disse-lhe então
Jesus: Que é o que está escrito na lei? Como lês tu? Ele,
respondendo, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração e de toda a tua alma e de todas as tuas forças e de todo o
teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo. E Jesus lhe
disse: ; (Lucas X-25 a 28).

Ninguém pode deixar de ver a superioridade deste mandamento:


amar a Deus de todo o coração, de toda a alma, com todo o
entendimento — sobre o outro: não ter deuses estrangeiros, não
fazer imagens de escultura, etc. Está-se vendo que este último foi
inculcado aos judeus a fim de chamar-lhes bem a atenção para não
caírem na idolatria, à maneira dos povos vizinhos, mas o
mandamento do amor a Deus sobre todas as coisas não só inclui a
repulsa à idolatria, senão também a submissão de todo o nosso ser,
de toda a nossa alma, aos ensinamentos de Deus.

Devo amar a Deus de todo o coração e ao próximo como a mim


mesmo. Se cometo idolatria, se adoro deuses falsos, se adoro outro
ser que não seja Deus, estou pecando contra este mandamento,
não O estou amando sobre todas as coisas.

Mas, se eu amo a Jesus Cristo, a Maria SSma que foi sua Mãe, a
qual eu considero grande justamente por isto, porque foi a mãe de
Jesus, se eu amo os santos que foram em vida o bom cheiro de
Cristo (2ª Coríntios II-15), que de tal modo imitaram o Mestre que
bem podiam dizer como S. Paulo: Não sou eu já o que vivo; mas
Cristo é que vive em mim (Gálatas II-20), se pelo amor que tenho a
Jesus Cristo, a Maria SSma e aos santos, trato com carinho,
veneração e respeito as imagens que os representam e simbolizam
(imagens estas que valem muito para mim, assim como o retrato de
um pai, de uma mãe ou de um irmão muito valem aos nossos olhos
ou assim como a bandeira da nossa Pátria, mesmo sendo um
simples pedaço de pano, também tem grande valor para nós pelo
que ela simboliza), com esta veneração, respeito e acatamento que
tenho às imagens não estou de maneira alguma faltando ao
D ; ao contrário louvo a Deus e O engrandeço pelas maravilhas
que operou em seus servos e em seu Divino Filho.
Se aos judeus na Lei Antiga num tempo em que, quando se falava
em imagens de escultura ninguém pensava em Jesus Cristo, nem
em Maria SSma., nem nos santos, mas só nos ídolos, nos deuses
falsos que eram adorados como se fossem o Supremo Senhor, se
aos judeus no Antigo Testamento foi ou não proibido cultuar
imagens por causa da excessiva inclinação que tinham para a
idolatria, isto é lá com eles, não me interessa: Não sou judeu; não
sou do Antigo Testamento; nem sou tão estúpido que dê o mínimo
valor à idolatria. Tenho que seguir a lei de Cristo que está exposta
no Novo Testamento, em substituição à Lei Antiga que já foi abolida;
e o Novo Testamento fala nos mandamentos de Deus, mostra-nos
quais são, mas
-
.

Infelizmente os protestantes, em vez de lerem a Bíblia, como


deveria ser, com o pensamento exclusivo de conhecer a verdadeira
doutrina de Jesus, a leem, primeiro que tudo, com a preocupação de
ver em cada versículo um meio de fazer
I C , . Já existe
aí uma péssima preparação para chegar à verdade, porque o
.

E assim, em vez de ir buscar os mandamentos de Deus


J C , os vão buscar na Lei Antiga que foi dada
aos judeus. E a imensa maioria deles caem logo numa grande
contradição: se vão buscar os mandamentos na letra do Antigo
Testamento para recriminar os católicos que têm imagens, por que
motivo então não observam , como era preceituado na Lei
Antiga? E todos caem nesta consequência: se o mandamento divino
proibia, como eles querem, qualquer , por que
não saem pelo mundo a fora bradando contra todas as estátuas,
todos os quadros de pintura, todos os desenhos, todas as
fotografias?

Portanto, das duas uma:


Ou a proibição de fazer imagens e prestar-lhes culto, quem vem nos
versículo 4º e 5º do capítulo 20º do Êxodo, se refere só aos
e, por conseguinte não nos atinge, a nós católicos,
uma vez que as nossas imagens não são imagens de
;

ou então é uma lei rigorosíssima, proibindo fazer qualquer imagem,


qualquer figura ou semelhança, seja lá do que for, qualquer estátua,
pintura ou gravura, e neste caso não pertence à , é uma
lei positiva que faz parte apenas da e, portanto,
também não nos atinge, porque não somos judeus anteriores a
Cristo, nem estamos sujeitos à ; e no Novo Testamento
não há nenhuma proibição do culto das imagens tal qual nós o
fazemos.

Estamos, sim, obrigados a


. Esta é uma lei natural, escrita nos nossos corações; e
uma lei cristã, constantemente pregada pelos Apóstolos, como por
exemplo: Nem os idólatras... hão de possuir o reino de Deus (1ª
Coríntios VI-9 e 10); Meus caríssimos, fugi da idolatria (1ª Coríntios
X-14).

Mas o nosso culto às imagens está muito longe de ser uma idolatria,
porque 1º, como já explicamos, as nossas imagens não são ídolos
(ídolo é a representação de um deus falso); 2º, não prestamos a
elas o culto de adoração ou latria (pois isto seria reconhecer-lhes o
supremo domínio sobre todas as coisas), culto este que só
prestamos a Deus.

E, como já esclarecemos no princípio, este culto não é obrigatório


no sentido de que só se salva quem rezar diante das imagens, ou
que só se possa fazer oração diante delas. Mas a Igreja o conserva
como um utilíssimo para instruir os fiéis, para avivar
sempre no espírito de todos, até mesmo dos mais rudes, a
lembrança das coisas celestiais e para melhor fomentar nos seus
filhos o fervor, a piedade e a devoção.
Notas (pular)

[57] O modo de dividir os mandamentos não é igual entre os católicos e a


maioria dos protestantes. O que chamamos 5º mandamento: Não matarás,
eles chamam 6º, porque do primeiro mandamento eles fizeram 2. Mas nisto,
como em tudo o mais, não há uniformidade entre os protestantes, porque já
os luteranos, por exemplo, dividem os mandamentos, exatamente da maneira
católica. Veja-se o Breve Guia do Cristão págs. 8 a 21. (voltar)
Liceidade e conveniência
A força das circunstâncias.

390. Finalmente dirão os protestantes: O culto das imagens não


consta absolutamente da Bíblia, por isto não o aceitamos. No Antigo
Testamento não há nenhum vestígio deste culto. Os querubins, de
que fala a Bíblia, eram para do templo, não para ser
cultuados. A serpente de bronze serviu para curar os que estavam
feridos pelas serpentes (Números XXI-8 e 9). Mas, quando os filhos
de Israel começaram a queimar incenso diante dela, o rei Ezequias
a fez em pedaços. E a Bíblia o louva por causa disto: Ele fez o que
era bom na presença do Senhor (4º Reis XVIII-3).

E no Novo Testamento não consta absolutamente, nem que Jesus,


nem que os Apóstolos, nem que nenhum cristão mandasse fazer
imagens ou a elas prestassem culto. Logo, o culto das imagens
desagrada a Deus.

— Caros amigos: uma coisa é não se fazer um ato porque é


pecado, porque desagrada a Deus. E outra coisa muito diferente é
não se fazer um ato porque
, e pode tornar-se uma ocasião de
pecado.

É preciso ver a situação em que estava o mundo


C . Todas as nações estavam mergulhadas
na idolatria, adorando estátuas de deuses falsos, como se fossem o
verdadeiro Deus, e apenas um pequenino povo adorava o Deus
Único, Invisível e Eterno.

Este pequeno povo, que era o povo hebreu, estava completamente


cercado de nações idólatras e além disto tinham uma inclinação
tremenda para a idolatria. Basta dizer que, depois de ter Deus
manifestado tão estrondosamente a sua glória no monte Sinai, o
povo vendo que Moisés tardava de descer do monte, se ajuntou
contra Arão e disse: levanta-te, faze-nos que vão adiante de
nós porque não sabemos o que aconteceu a Moisés (Êxodo XXXII-
1). E feito o bezerro de ouro exclamava: Estes são, ó Israel,
que te tiraram da terra do Egito (Êxodo XXXII-4).

Basta ler qualquer parte do Antigo Testamento, para ver a facilidade


com que o povo caía na idolatria, à qual não escapou apesar de sua
imensa sabedoria o próprio rei Salomão.

Nestas circunstâncias, nesta situação tão delicada, Deus tinha um


cuidado todo especial em evitar qualquer coisa que, mesmo de
longe, pudesse dar ocasião a que os judeus se entregassem àquele
culto dos ídolos, a que eram tão fortemente inclinados. Por isto tinha
que privar a este povo e, se assim se pode dizer, privar-se a si
mesmo de coisas que eram , que eram , que
eram , para evitar o perigo da idolatria.

Por exemplo: Nada mais justo, nada mais lícito, nada mais santo do
que Deus instruir os homens a respeito de sua própria natureza,
revelar as suas grandezas e perfeições. Era proibido Deus revelar
aos judeus que havia nEle três pessoas distintas: O Pai, o Filho e o
Espírito Santo constituindo um só Deus Verdadeiro? Absolutamente
não. Mas não quis revelar o mistério da SSma. Trindade, que durante
tantos séculos ficou oculto à humanidade, simplesmente por isto: os
judeus não tinham capacidade para receber esta revelação e,
ouvindo falar na Trindade, iriam logo fazer confusão com o
politeísmo das outras nações. Os gentios adoravam a muitos
deuses e eles ficariam também com a ideia de que havia três
deuses. Com a era do cristianismo, este viria renovar
completamente a face da terra, e o mundo já estaria em condições
de ter notícia da Santíssima Trindade, a qual foi revelada por Nosso
Senhor Jesus Cristo.

Outro exemplo: Deus, quando se revelou no monte Horeb, podia ter-


se manifestado sob uma forma sensível, sob a aparência de alguma
coisa material? Sim, podia. Tanto podia, que se encarnou em Jesus
Cristo homem e viveu aqui na terra trinta e três anos. Tanto podia,
que o Espírito Santo apareceu em forma sensível: E desceu sobre
Ele o Espírito Santo , como uma
(Lucas III-22). E lhes apareceram repartidas como
, que repousou sobre cada um deles e foram todos cheios do
Espírito Santo (Atos II-3 e 4).

Entretanto Deus, ao revelar-se no monte Horeb não tomou nenhuma


forma sensível para se manifestar e, se assim procedeu, não foi
porque isto fosse ilícito, mas para evitar aos judeus o perigo da
idolatria: Vós não vistes figura alguma no dia em que o Senhor vos
falou em Horeb do meio do fogo, por não suceder que enganados
façais para vós alguma imagem de escultura ou alguma figura de
homem ou de mulher, nem semelhança de qualquer animal que há
sobre a terra ou das aves que voam debaixo do céu, ou dos répteis
que se movem na terra ou dos peixes que debaixo da terra moram
nas águas; não seja que levantando os olhos ao céu, vejas o sol e a
lua e todos os astros do céu e, caindo no erro, adores e dês culto a
essas coisas, que o Senhor teu Deus criou para serviço de todas as
gentes que vivem debaixo do céu (Deuteronômio IV-15 a 19).

Hoje é muito comum colocar-se na rua as estátuas dos grandes


homens, dos grandes heróis da nossa Pátria e, em certos e
determinados dias, prestar-se uma homenagem à memória destes
homens, cobrir de flores as suas estátuas, fazer-se discursos, etc.
Isto é muito lícito e muito natural, e nestas manifestações públicas
feitas a um homem perante a sua estátua, o que é o mesmo que
dizer perante a sua imagem tomam parte também os próprios
protestantes, como cidadãos e patriotas que são, porque sabem
muito bem que nisto não há nada de mais, que aí não há nenhuma
idolatria.

Pois bem, esta mesma cena realizada outrora no seio do povo


judaico, seria completamente inconcebível. Terem os judeus, nas
praças públicas, estátuas de Abraão, de Isaque, de Jacó, de Moisés
e prestar-lhes homenagens, cobri-las de flores — não se consentiria
de forma alguma. Por quê? Por que era ilícito? Se é lícito hoje,
também o podia ser naquele tempo. Isto não se consentiria, porque
seria uma grandíssima imprudência; o povo não estaria em
condições de bem compreender o sentido de tais homenagens e
aquilo fatalmente iria dar numa indébita adoração à criatura, pecado
este de que o mundo estava cheio naquela época.

Por isto se explica muito bem o fato de não ter havido entre judeus
nem o culto dos santos, nem o culto das imagens. O povo não tinha
capacidade para distinguir entre uma simples veneração e adoração
propriamente dita.

Foi natural, portanto, o gesto de Ezequias. Se os judeus soubessem


que aquela serpente de metal era figura do Messias, Jesus Cristo
Salvador Nosso, pendente da sua cruz e queimassem incenso
diante dela exclusivamente com o pensamento de homenagear,
através de seu símbolo, Aquele que havia de morrer por nós para
nos salvar do pecado, assim como a serpente de bronze curara a
muitos de seus ferimentos, Deus não se incomodaria com isto,
porque Ele só podia achar justa, santa e razoável uma homenagem
prestada a seu Divino Filho.

Mas não era, nem podia ser com este pensamento que os judeus
queimavam o seu incenso; aquilo, se já não era idolatria, estava
arriscado a sê-lo. Por isto foi preciso fazer desaparecer a serpente
de metal, que aliás o próprio Deus tinha mandado fazer.

Ora, não foi num dia que o paganismo idólatra deixou de dominar o
mundo. A substituição do paganismo pelo Cristianismo foi-se
processando progressivamente no decorrer de alguns séculos. E no
tempo em que viviam os Apóstolos a situação era praticamente a
mesma que tinha existido antes de Cristo: O mundo ainda estava
mergulhado na idolatria. Aparecerem os Apóstolos mandando fazer
imagem de Jesus Cristo e reverenciá-las, seria a maior das
imprudências: Uma vez que, como explicamos, este culto não é
necessário para a salvação, mas apenas um método, um meio para
instruir, para excitar à devoção, a imagem naqueles tempos seria
totalmente contraproducente. Não só causaria repugnância aos
judeus, mas iria fazer uma confusão tremenda na cabeça dos
pagãos, os quais não lhe saberiam compreender o verdadeiro
sentido e pensariam que, à semelhança deles, os cristãos também
tinham seus ídolos.

As imagens através dos séculos da era cristã.

391. O uso das imagens tinha que vir aparecendo, portanto, pouco
a pouco, de acordo com as circunstâncias. Daí se explica, por
exemplo, que os primeiros cristãos não tivessem imagens nas suas
igrejas abertas ao público, que aliás não eram numerosas naqueles
tempos de tremenda perseguição, como foram os 3 primeiros
séculos de nossa era. Não só as imagens e símbolos serviriam para
denunciá-los, como também podiam ser mal interpretados pelos
pagãos que os vissem, os quais poderiam pensar que os cristãos
apenas tinham mudado de ídolos. Daí também ser no princípio
restrito o uso às imagens pintadas para depois se passar às
imagens de escultura.

Mas que as imagens, pelo menos de pintura, tenham sido usadas


pelos cristãos dos primeiros séculos, não há dúvida alguma.

Temos o testemunho valioso das catacumbas de Roma. Ali


naqueles subterrâneos, que eram lugares também de culto coletivo,
longe das vistas dos pagãos podiam os artistas cristãos entregar-se
mais livremente à sua tarefa de reproduzir os personagens e os
mistérios do Cristianismo. E assim é comum nas catacumbas
encontrarem-se imagens em pintura do Bom Pastor, de Maria SSma
e de alguns santos (entre os quais predomina S. Pedro, que era
muito conhecido em Roma, onde se estabeleceu e sofreu o
martírio). Algumas destas imagens dão indícios de pertencerem ao
1º e ao 2º século; e outras em grande número são pertencentes com
toda certeza aos séculos 3º e 4º.
A Virgem Maria é quase sempre representada com seu Divino Filho
nos braços, e a sua imagem mais antiga conhecida remonta no
máximo à metade do século 2º; encontra-se na Capela Grega das
Catacumbas de Priscila. A Virgem aparece juntamente com os três
Magos. Há outra imagem muito célebre, que tudo indica remontar a
fins do século 2º, em que aparece a Virgem sentada com o Menino
nos braços, vendo-se ao seu lado o profeta Balaão apontando para
uma estrela. Outra figura de Maria, de cerca da metade do século
4º, apresenta-a como orante, de braços estendidos diante de seu
Divino Filho e se encontra no fundo de um arcossólio no Cemitério
Maior. Isso mostra não só o uso das imagens, mas também o
apreço que os cristãos sempre tiveram à mãe do Salvador.

As estátuas ou esculturas já são frequentes em sarcófagos do


século 4º e do 5º; e há nas catacumbas, pelo menos, 2 estátuas do
Bom Pastor que parecem ser anteriores à época de Constantino
(portanto, no máximo, do século 3º).

Passando o testemunho das catacumbas para o dos livros, como


autores que testemunham a existência de imagens, temos no século
3º Tertuliano que fala no Bom Pastor representado nos cálices (De
pudicitia VII, 10) e o historiador Eusébio de Cesareia, que diz ter
visto imagens pintadas de Jesus Cristo, de S. Pedro e de S. Paulo
(História Eclesiástica VII, 18).

Uma vez conseguida a paz no tempo de Constantino (313),


passando o Cristianismo a usar da liberdade de culto no Império
Romano, vai-se espalhando por toda a parte o culto à cruz,
principalmente depois que a rainha Helena, mãe de Constantino,
encontrou N S J C ,a
qual, no meio das outras, demonstrou a sua autenticidade por meio
de um milagre; e à proporção que se vai extinguindo o paganismo e,
portanto, desaparecendo o perigo da confusão que poderia surgir
entre os ídolos pagãos e as venerandas imagens de Jesus Cristo,
da Santíssima Virgem e dos santos, vão aumentando em toda a
parte, pública e privadamente, o uso e o culto das imagens.
Que do século 5º em diante já se começam a usar profusamente
não só nas casas particulares, mas também nas igrejas públicas, e
não só imagens pintadas, mas também esculturas, isto é um fato
incontestável.

Quando aparece no século 8º a heresia dos iconoclastas ou


quebradores de imagens, fomentada pelos imperadores bizantinos,
é logo condenada pelo 2º Concílio de Niceia (que é Concílio
Ecumênico, isto é, Universal) reunido em 787. E é de notar que este
Concílio apela, em favor do culto das imagens, para
S I C , ao mesmo tempo que acusa os
iconoclastas de quererem introduzir uma novidade, indo de encontro
às tradições eclesiásticas. Isto mostra como era antigo na Igreja
este culto.

Se o Imperador Carlos Magno entendeu, por razões políticas, de


fazer coro com os imperadores bizantinos e isto produziu uma certa
agitação no seio dos francos, a Igreja fez cessar esta perturbação
com outro Concílio Ecumênico, o 4º Concílio de Constantinopla (869
e 870) em que reafirmou e redefiniu o que já havia sido determinado
no 2º Concílio de Niceia.

Do 2º Concílio de Niceia até os nossos dias, continuou cada vez


mais propagado na Igreja Católica o culto das imagens. Aí estão os
documentos históricos, os museus, as igrejas antiquíssimas da
Europa para atestá-lo. E a prova é esta: Por que os protestantes,
aparecendo no século XVI, faziam tanta grita contra o culto das
imagens, provocando assim um novo pronunciamento no Concílio
de Trento, senão porque este culto continuava a existir na Igreja
Católica?

O feitiço contra o feiticeiro.

392. De modo que os protestantes, quando dizem que o culto das


imagens é uma idolatria, quando dizem que, se há este culto é
simplesmente porque o paganismo invadiu a Igreja, mostram
apenas que N S J C .

Jesus Cristo fundou a sua Igreja e prometeu que as portas do


inferno não prevaleceriam contra ela: Tu és Pedro e sobre esta
pedra edificarei ,
(Mateus XVI-18). Bem como, mandou
seus Apóstolos propagar uma : Ide, pois, ensinai
(Mateus XXVIII-19) e prometeu sua proteção, sua
assistência até o fim do mundo: E de que
convosco todos os dias, até a consumação do século (Mateus
XXVIII-20).

Como é que deixou esta Igreja Universal ficar durante mais de 1000
anos praticando , invadida por um grosseiro paganismo
e só no século XVI fez aparecer Calvino para remediar esta
situação? Neste caso, então N S J
C .

A Igreja é a amada esposa de Cristo (Efésios V-25). Não se pode


lançar sobre ela a gravíssima acusação de haver-se prostituído pela
idolatria, sem ultrajar ao mesmo tempo o seu Divino Esposo que,
tendo poder infinito, tão explicitamente prometeu velar sobre ela até
a consumação do mundo.
Quarta Parte
Os irmãos de Jesus
Capítulo Décimo Sétimo
A Virgindade Perpétua de Maria Santíssima
O que pensavam os Santos Padres.

393. Maria SSma, a mãe de Jesus, foi perpetuamente virgem ou não


foi? Maria terá tido outros filhos além de Jesus? Teremos
naturalmente que examinar todos os textos da Bíblia que giram em
torno desta questão. Antes disto, porém, temos uma pergunta a
fazer: Quem está mais autorizado a nos dar uma segura informação
a este respeito, a nos dizer o que se deve pensar sobre a virgindade
de Maria: a Igreja Católica, que vem dos tempos de Cristo, que
recebeu, portanto, na sua fonte, o ensino dos Apóstolos, ou os
protestantes que só vieram a aparecer no século XVI? a Igreja
Católica, que jamais teve a mínima dúvida sobre este assunto ou o
Protestantismo em cujo seio, como vimos (nº 238), tem aparecido
sobre esta própria matéria, como sobre tantas outras, opiniões
bastante desencontradas?

O único fundamento em que se baseiam os adversários para


duvidar da virgindade de Maria SSma, é a interpretação que dão a
certas passagens do Evangelho. Mas este mesmo Evangelho que
os protestantes hoje leem e comentam, não era também lido,
manuseado, estudado cuidadosamente pelos Santos Padres? Se os
protestantes veem tão claro nos Evangelhos que Maria perdeu um
dia a sua virgindade, seriam os Santos Padres tão cegos, tão loucos
e ignorantes que não o tivessem visto?

Quando aparece no século 5º um tal Helvídio “homem rústico e mal


conhecedor das primeiras letras”, como diz S. Jerônimo, querendo
negar que Maria SSma tivesse sido virgem depois do parto,
S. Jerônimo, além do exame que faz dos textos alegados, apresenta
como argumento a unanimidade dos Santos Padres a respeito da
virgindade perpétua de Maria. E quando lhe alegam Tertuliano que
teria escrito alguma coisa neste sentido, admitindo que Maria não foi
virgem depois do parto, S. Jerônimo observa muito bem que, contra
o testemunho dos Santos Padres, o de Tertuliano nada vale, porque
ele não foi um “homem da Igreja”. De fato Tertuliano era cristão, era
um grande escritor, mas afastou-se da Igreja, abraçando a doutrina
do montanismo.

Mais ainda: hoje, quando um pastor protestante tem a ousadia de


falar de público atacando a virgindade de Maria SSma, o povo
católico se toma de indignação e o obriga a calar-se. Os
protestantes veem nisto apenas um sinal de ignorância, de pieguice
e de sentimentalismo.

Pois bem, esta mesma indignação aparece igualmente bem clara


nos escritos dos Santos Padres e de grandes escritores dos
primeiros tempos da Igreja, o que é sinal de que não se trata de
ignorância, mas de bom senso.

S. Ambrósio diz assim: “Houve quem negasse que ela (Maria)


tivesse permanecido virgem. Desde muito tempo temos preferido
não falar sobre . Maria não broma;
não broma aquela que é mestra da virgindade; nem podia acontecer
que aquela que em si tinha trazido Deus resolvesse andar às voltas
com um homem. Nem José, varão justo, cairia nesta loucura de
querer misturar-se com a mãe do Senhor em relação carnal” (De
inst. virgin. c 5, 6).

S. Hilário não só afirma que Maria permaneceu sempre virgem, mas


também observa que os que pensam de maneira diversa são
“ ” (Commentaria in
Math. I, 3).

S. Epifânio exclama: “Donde é que surgiu esta ?


Donde é que irrompeu tamanha ? Porventura o próprio
nome não é suficiente atestado? Quem houve jamais em tempo
algum que ousasse proferir o nome de Maria e espontaneamente
não acrescentasse a palavra ?... O nome de virgem foi dado
a Santa Maria, nem se mudará nunca, ela sempre permaneceu
ilibada” (Adversus haereses Panarium).

Genádio diz o seguinte: “Com fé íntegra se deve crer que a bem-


aventurada Maria, mãe de Cristo Deus, não só gerou como virgem,
mas permaneceu virgem depois do parto e não se há de concordar
com a de Helvídio que disse: Virgem antes do parto, mas
não virgem depois do parto” (Liber ecclesiasticorum dogmatum 35).

E é com veemência que S. Jerônimo se lança contra este Helvídio


que, embora admitindo a virgindade de Maria antes do parto e no
parto, afirmava que ela tivera outros filhos depois. Apos citar os
vários textos em que se baseia a sua argumentação para provar que
aqueles “irmãos” de Jesus não são filhos de Maria, S. Jerônimo
acrescenta: “Ó o mais imperito dos homens, não tinhas lido estas
coisas; e lançaste no pélago das Escrituras a tua raiva para injúria
da Virgem, a exemplo daquele que, segundo contam, sendo
desconhecido do povo e nada de bom podendo fazer, imaginou um
crime para se tornar famoso: incendiou o templo de Diana. E não
tendo dado resultado o sacrilégio, ele próprio saiu a público,
afirmando aos gritos que fora ele o autor do incêndio. E perguntando
os magistrados de Éfeso por que motivo teria querido fazer isto,
respondeu: para que, se não por bem, ao menos por mal me
tornasse de todos conhecido. É, pelo menos, o que nos narra a
história grega. Tu incendiaste o templo do corpo do Senhor;
contaminaste o santuário do Espírito Santo, do qual pretendes ter
saído uma quadra de irmãos e um montão de irmãs. Argumentas
com o que dizem os judeus: Porventura não é este o filho do oficial?
Não se chamava sua mãe Maria e seus irmãos Tiago, e José, e
Simão, e Judas? E suas irmãs, não vivem elas entre nós?
(Mateus XIII-55 e 56). T só se diz de uma multidão. Pergunto:
quem te ensinou semelhante ? Quem é que te levava em
conta? Mas agora conseguiste o que querias; tu te tornaste famoso
no crime” (Adversus Helvidium).
Por aí se vê que o fato de indignar-se o povo cristão e católico,
quando alguém nega ou põe em dúvida a virgindade da mãe de
Deus, não é sinal de ignorância das Sagradas Letras, pois gente
muito bem entendida nelas também mostrou a mesma indignação e
revolta contra tão ousada blasfêmia. E a virgindade perpétua de
Maria é doutrina comum e unânime dos Santos Padres.

Para não falarmos mais nos já citados:

Assim diz S. Efrém: “Ó Virgem Senhora, imaculada deípara,


senhora minha gloriosíssima, mais sublime que os Céus, muito mais
pura que os esplendores, raios e fulgores solares... vara de Arão
que germina, apareceste como verdadeira vara e a flor foi o teu filho
verdadeiro, nosso Cristo Deus e Criador meu; tu segundo a carne
geraste Aquele que é Deus e Verbo,
, , e fomos reconciliados
com Deus, teu Filho (Opera graeca. Apud Journel 745).

Referindo-se a Maria, diz S. Agostinho: “Virgem que concebe,


virgem que dá à luz, virgem grávida, virgem que traz o feto, virgem
perpétua” (Sermones 186, 1, 1).

“Virgem concebeu, virgem deu à luz, virgem permaneceu” — é uma


fórmula usual referente a Maria SSma, empregada, não só nos
escritos de S. Agostinho (Sermones LI, 8; CXC, 2; CXCVI, 1) mas
também nos de outros Santos Padres, como S. Pedro Crisólogo
(Sermones 117), S. Leão Magno (Sermones 2,2) por exemplo.

Esta sempre foi desde o começo a doutrina firme e universal da


Igreja. Nem se venha dizer que esta opinião dos Santos Padres é
motivada pelo fato de ser a virgindade perpétua de Maria definida
pela Igreja como dogma de fé, pois esta definição só veio a dar-se
no século 7º, no Concílio de Latrão, e todas estas citações aqui
apresentadas não ultrapassam o século 5º [58].
Portanto, está o leitor diante de 2 fatos: 1º Há muitos protestantes
que leem a Bíblia e querem apresentar como certo, certíssimo, que
Maria SSma não conservou a sua virgindade. 2º Os Santos Padres
tinham também à mão a mesma Bíblia e a seguiam fielmente e
achavam que ela era infalível e já desde o princípio vem afirmando
como certo, certíssimo, muito antes que isto fosse definido pela
Igreja, que Maria SSma concebeu como virgem, deu à luz como
virgem e como virgem permaneceu até o fim de sua vida.

É o caso de dizer o leitor: Deve haver qualquer engano nesta


afirmativa dos protestantes, tanto mais que eles próprios já não
estão de acordo entre si. Seria interessante examinar atentamente
se têm valor ou não as alegações protestantes, comentando os
textos bíblicos que eles nos apresentam.

— É o que vamos fazer, leitor amigo. E veremos se esses


protestantes que se mostram tão anchos com seu conhecimento
superficial da Bíblia e que por isto mesmo tacham de ignorantes os
que afirmam a virgindade perpétua de Maria SSma, veremos se eles
conseguem realmente passar aos Santos Padres da Igreja este
atestado de burrice e ignorância.

Notas (pular)

[58] Isto vem confirmar o que dissemos há pouco (nº 367). Quando a Igreja
define um dogma, não está, como pensam os protestantes, inventando uma
doutrina nova e impondo-a aos fiéis, mas tornando oficialmente obrigatória
uma doutrina que dentro da Igreja já está firme e consolidada pelo modo de
sentir comum dos pastores e dos fiéis, o que já é sinal de que aquilo é
verdade, pois a Igreja em peso não pode cair em erro. Se a Igreja se vê na
necessidade de torná-la oficialmente obrigatória, é porque os hereges a estão
negando e combatendo, e é preciso delimitar bem os dois campos diversos: o
da fé legítima e o da heresia. Ou porque estão surgindo entre os próprios
teólogos católicos alguns que, por sua opinião pessoal, não estão exprimindo
a doutrina católica no seu verdadeiro sentido e é preciso então que bem se
esclareça o que é doutrina da Igreja e o que é mera opinião pessoal
condenável e sem fundamento. (voltar)
Noiva ou casada?

394. A Bíblia não nos diz com estas mesmas palavras que Maria
SSma foi virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Mas nos
dá ,
M S . É na cena da anunciação do Anjo, narrada
por S. Lucas.

Mas, antes de comentarmos esta cena e as palavras da Virgem nela


proferidas, temos que fazer o leitor ficar ao par de uma pequena
controvérsia que existe entre os intérpretes da Bíblia.

Narra-nos S. Lucas, descrevendo a anunciação, que foi enviado por


Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a
uma virgem com um varão que se chamava José, da
casa de Davi; e o nome da virgem era Maria (Lucas I-26 e 27).

Que significa esta palavra ?

O termo correspondente no texto grego é o particípio passado


passivo do verbo que tem 2 sentidos:

M = casar, adquirir para si uma esposa.

M = dar em casamento, prometer em casamento.

Assim o particípio , aí empregado em referência a


Maria, pode ter 2 sentidos.

E = que já se casou, que já está casada;

E = que já noivou, que já foi dada ou prometida em


casamento.

Não se sabe pelo texto se Maria, ao receber a anunciação do Anjo


estava já casada com S. José, habitando com ele na mesma casa
ou se era apenas uma noiva, prometida em casamento e
aguardando o dia em que iria com ele habitar em conjunto. Mais
adiante, ao relatar o nascimento, S. Lucas, dizendo que José foi à
cidade de Davi, para se alistar com sua Maria (Lucas II-5)
emprega a mesma palavra e aí evidentemente já
estão casados, morando na mesma casa. Mas disto não se conclui
que na hora da anunciação, esta palavra tenha o mesmo sentido,
uma vez que servia para designar uma coisa ou outra: ou noiva ou
casada.

Os melhores intérpretes se dividem nesta questão: S. Hilário,


S. Basílio, Orígenes são de opinião que Maria era, então,
simplesmente noiva; S. Ambrósio, S. João Crisóstomo, S. Pedro
Crisólogo, S. Bernardo, Suarez são de opinião que ela já era
casada, quando recebeu a visita do Anjo.

Os modernos também se dividem neste particular.

Não nos compete emitir parecer numa questão em que os grandes


mestres discutem. Apenas queremos fazer menção de uma dúvida
que logo ocorre ao espírito do leitor: Como podia Maria ser apenas
uma simples noiva no momento da anunciação, se desde esse
momento ela vai conceber e depois vai mostrar sinais de gravidez?
Os partidários da opinião de que se tratava apenas de simples
noivado, apelam para a diferença entre os nossos costumes, os dos
tempos de hoje e os costumes dos judeus de outrora, em que o
noivado era já um contrato firmado dando aos noivos plenos direitos
matrimoniais, tendo menor importância a cerimônia da realização do
casamento, em que a noiva era introduzida na casa do noivo.
Demos a palavra ao Pe Denis Buzy: “Todo o mundo reconhece hoje
que os noivos judeus gozavam dos mesmos direitos matrimoniais
que os esposos propriamente ditos. As provas se tornaram
clássicas: a noiva infiel era punida com o apedrejamento, do mesmo
modo que a esposa culpada; a noiva que perdia seu noivo era
assemelhada a uma viúva; a noiva, como a esposa, não podia ser
desprezada, senão por uma carta de divórcio; o filho concebido no
tempo do noivado era olhado como legítimo. Segundo a palavra de
Calmet, o noivado, quase igualmente como o casamento, era uma
suficiente para a reputação da mãe e do filho. Além
disto, não precisamos que nos venham persuadir que Deus não
podia prejudicar a honra daquela que Ele dava por mãe a seu Filho.”

Mencionamos esta questão, porque ela vai influir na compreensão


de certos textos.

Vejamos agora

A cena da anunciação.

395. Aparecendo a esta com um varão que se


chamava José (Lucas I-27), a esta virgem chamada Maria, o anjo a
saúda: Deus te salve, cheia de graça: o Senhor é contigo (Lucas I-
28) [59].

Diante da saudação do anjo, a virgem se perturba; na sua


humildade profunda não pode compreender tão alto elogio, tão
honrosa saudação feita por um Anjo, admira-se como o Senhor
podia assim pôr os olhos na baixeza de sua escrava (Lucas I-48);
em vez de envaidecer-se, confunde-se ante a mensagem que vem
do Céu, tão longe está de se julgar em tão privilegiada situação
perante Deus: Ela, como o ouviu, turbou-se do seu falar e discorria
pensativa que saudação seria esta (Lucas I-29).

O anjo então a tranquiliza e aproveita a ocasião para lhe dar a


grande notícia: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de
Deus. Eis conceberás no teu ventre e um filho e por-
Lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do
Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi; e
reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim
(Lucas I-30 a 33).

O grande ideal das filhas de Israel era ser mãe; que se dirá então
deste ideal mil vezes mais elevado de ser mãe do Messias
Prometido, daquele que iria reinar eternamente na casa de Jacó?
Qual a moça judia que pensaria em opor dificuldades a esta
perspectiva de se tornar mãe de uma maneira tão gloriosa?

Maria SSma, entretanto, vê uma grande dificuldade diante de si:


Como se fará isso, pois ? (Lucas I-34).

Ora, estas palavras revelam claramente uma resolução decidida de


.

Maria SSma que já está casada ou, no mínimo, que já é noiva de


S. José, fica sem compreender como pode ter um filho, se não
conhece varão. É evidente que ela não se refere ao fato de não ter
conhecido varão até a data presente, pois isto de maneira alguma
representaria um empecilho ou uma impossibilidade. Pois não
estava ela já, casada com José? Ou, na hipótese de um simples
noivado, não estava ela de contrato firmado com José para se casar
dentro de pouco tempo? O Anjo não diz que ela já concebeu, nem
que ela vai conceber naquele mesmo dia ou naquela mesma
semana, apenas fala, sem determinação de tempo, numa coisa que
irá acontecer para o futuro: . Para uma noiva, esta
revelação é o que há de mais natural; nenhuma noiva, em
circunstâncias normais, acharia impossível este acontecimento.
Como bem observa Cornélio Alápide, ela diz:
assim como dizem os abstêmios , querendo
significar com isto, não só que não bebem vinho presentemente,
mas que não pretendem bebê-lo. Está Maria não diante de uma
impossibilidade física, mas sim de uma impotência moral; se ela vê
aí que é um problema tão difícil o nascimento de um filho, é porque
está ligada a Deus pelo . E se existe este voto
de virgindade nela que está comprometida com S. José, é sinal de
que houve entre ambos um pacto de perfeita continência.

E a prova de que a dificuldade que vê Maria SSma para ser a mãe


do Messias é a sua inabalável resolução de conservar-se virgem,
está na resposta dada pelo Anjo. Maria deve tranquilizar-se a este
respeito, porque o Filho nascerá por um prodígio, sem quebra
absolutamente de sua virgindade: O E S
e a virtude do Altíssimo te cobrirá da sua sombra. E por
isso mesmo
F D . Que aí tens tu a Isabel, tua parenta, que até
concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se
diz estéril, D (Lucas I-35 a 37).

Resolvida a dificuldade, explicado pelo anjo como se podem


conciliar as 2 coisas, a virgindade e a maternidade (Deus, a quem
nada é impossível, é que se encarregará de conciliá-las), só então é
que Maria SSma dá o seu sim: Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se
em mim segundo a tua palavra (Lucas I-38).

Uma pergunta naturalmente nos há de fazer o leitor: Tendo Maria


SSma esta inabalável resolução de conservar a sua virgindade,
como se explica que a vemos esposa ou, pelo menos, noiva de
S. José? Se ela queria permanecer virgem, não pareceria,
humanamente falando, mais seguro ficar em casa sem ser noiva ou
sem casar-se, do que procurar um casamento com pacto de
continência?

— Nas circunstâncias em que estava Maria, dados os costumes e a


mentalidade do povo judaico, o mais seguro para ela era casar-se
com pacto de continência, tanto mais que na sua intuição tinha bem
compreendido a castidade admirável de S. José. E explicaremos por
quê.

Entre os judeus daquele tempo não se concebia que uma moça


ficasse solteira. Quando a mulher chegava à idade de casar-se, os
pais, os parentes lhe arranjavam um casamento e a moça tinha que
submeter-se. O povo judeu, pequeno povo no mundo, mas povo
eleito do Senhor, que cultuava o Deus Verdadeiro, sentia-se na
necessidade absoluta de propagar-se.
Pelo seu casamento com S. José, Maria SSma não só satisfazia à
imposição de seus parentes, como também ficava livre das
possíveis importunações dos pretendentes à sua mão, ao mesmo
tempo que realizava o seu ideal de virgindade.

E Deus que inspirara em ambos, em Maria e José este alto ideal de


castidade, preparava admiravelmente a realização de seus
desígnios. Queria que o Messias Prometido nascesse de uma
virgem, mas era preciso que fosse uma , para que
se salvaguardasse perante o público o bom nome, a reputação da
mãe e do filho. E no meio de tantas filhas de Israel que
ambicionavam a glória de ser mãe do Messias, foi premiar
justamente aquela que em tal preço punha a sua virgindade que
renunciaria de bom grado a pretensão de ser a mãe do Salvador.
Nem Maria nem José podiam ter a mínima ideia de que do seu lar
abençoado e casto haveria de sair o Redentor do mundo; o seu
desprendimento, a sua renúncia haviam conquistado o coração de
Deus.

Voltemos, porém, à nossa argumentação.

Pelo colóquio entre Maria e o anjo Gabriel se vê claramente que


M
; tão firme era esta resolução que Maria, ao receber
a comunicação do Anjo, se lembra logo do seu voto feito a Deus,
prestando mais atenção a este Seu compromisso do que à
mensagem do Anjo, por mais tentadora que esta seja. Daí se
conclui com toda lógica que Maria foi virgem antes do parto, no
parto e depois do parto.

1º — V . Isto não necessita de grandes


demonstrações. Nem os protestantes entram em discussão sobre
este ponto. Tanto as palavras do Anjo ditas a Maria na Anunciação,
como a declaração explícita do Evangelista S. Mateus, segundo
veremos daqui a pouco (nº 399) são claras em afirmar que Jesus
nasceu sem intervenção humana e que Maria estava intacta por
ocasião de seu nascimento.

2ª — V . Uma vez manifestado o desejo de Maria de


conservar a sua virgindade, não seria o seu próprio Filho, Ele que
nos ensina a honrar pai e mãe, que haveria de destruir no
nascimento esta virgindade, da qual ela fazia tanta questão.

Além disto, o Evangelista S. Mateus apresenta o nascimento de


Jesus como a realização da profecia de Isaías: Tudo isto aconteceu
para que se cumprisse o que falou o Senhor pelo profeta que diz:
Eis uma e um filho e apelidá-lo-ão
pelo nome de Emanuel que quer dizer: Deus conosco (Mateus I-22
e 23).

Ora, esta profecia anunciava um , pois Isaías


tinha dito a Acaz: Pede para ti ao Senhor teu Deus algum sinal que
chegue ao profundo do inferno ou ao mais alto do Céu (Isaías VII-
11) e Acaz se recusara a pedi-lo: Não pedirei tal, nem tentarei ao
Senhor (Isaías VII-12). Deus vai anunciar o grande prodígio,
prodígio que Acaz não entenderá, como bem o merece a Sua
incredulidade; mas que S. Mateus mostra cumprido no nascimento
de Jesus: Eis que uma um filho e
será chamado o seu nome Emanuel (Isaías VII-14). É claro que
ficaria incompleto, se Maria pudesse
conceber, permanecendo virgem e não pudesse dar à luz sem perda
de sua integridade. E o texto afirma uma coisa e outra; diz: Eis que
uma e acrescenta: E .

Ir perguntar aos médicos como isto pode acontecer, quais são as


suas explicações sobre o caso, seria muito fora de propósito: seria o
caso também de perguntar aos sábios como pôde Jesus entrar
numa casa estando as portas fechadas (João XX-19) ou como pode
um morto ressuscitar no terceiro dia.
3º — V . Se Maria SSma manifestou diante
do Anjo aquele firmíssimo propósito de conservar-se virgem, não se
pode conceber que aquela que S. Isabel, inspirada pelo Espírito
Santo, chamou bendita entre as mulheres (Lucas I-42) tivesse a
fraqueza de quebrar o seu voto. Se diante da própria perspectiva de
ser a mãe do Messias, se diante da própria mensagem do Céu ela
vê, no seu empenho de permanecer virgem, um obstáculo muito
grande para aceitar a grande missão que lhe era confiada e só dá o
seu consentimento quando o Anjo a tranquiliza a respeito, como é
que depois do nascimento de Jesus ela não se contentaria com um
Filho tão nobre e tão sublime e procuraria ter outros? O mesmo se
diga de S. José que a Escritura abertamente chama um homem
justo (Mateus I-19). Não se concebe que, após o nascimento do
Redentor, quisesse forçar ou induzir a sua esposa a quebrar a sua
inabalável resolução, quando a segurança com que Maria declara
que não conhece varão (ela que demonstra assim conhecer as leis
do matrimônio) mostra claramente que S. José estava de pleno
acordo com o seu propósito, e voto de virgindade. Bem como seria
grande presunção de sua parte querer violar o corpo virginal de
Maria, que servira de templo ao Redentor.

Para quem sabe tirar logicamente as conclusões de um fato, para


quem lê os Evangelhos com o desejo sincero de conhecer a
verdade e não com a ideia preconcebida de contradizer a Igreja,
para quem considera a Mãe de Deus como ela o era realmente,
uma criatura santa e fiel aos seus compromissos assumidos para
com Deus, o diálogo entre Maria e o Arcanjo S. Gabriel é uma prova
cabal de sua .

Notas (pular)

[59] O texto grego de Nestle não traz as palavras: Bendita és tu entre as


mulheres, mas as mesmas competem sem dúvida alguma a Maria SSma,
porque foram proferidas por S. Isabel, que as disse, inspirada pelo Espírito
Santo, e isto consta não só da Vulgata, mas também do texto grego: Isabel
ficou cheia do Espírito Santo e bradou em alta voz e disse: Benta és tu entre
as mulheres, e bento é o fruto do teu ventre (Lucas I-42). (voltar)

Antes de coabitarem.

396. Vejamos agora os textos do Evangelho, sobre os quais se


enganam redondamente os protestantes, julgando ver neles uma
prova de que Maria não foi virgem depois do parto.

Um deles é o seguinte: Estando já Maria, sua mãe, desposada com


José, , se achou ter ela concebido por obra
do Espírito Santo (Mateus I-18).

Tanto a palavra portuguesa , como a palavra grega a ela


correspondente no texto, isto é, o verbo , têm 2
sentidos, um inocente e outro não.

S = reunir-se em um mesmo lugar, habitar junto.

S = ter relações carnais.

Se modernamente no português o verbo começa a ser


empregado mais neste 2º sentido, isto nada tem que ver com a
questão. Não deixa de haver em português o 1º sentido; consulte-se
para isto qualquer dicionário. Além disto a Bíblia não foi escrita em
português; o texto do Pe Pereira que aí damos não é mais que a
tradução da Vulgata, que por sua vez traduz o texto grego, e no
grego há os 2 sentidos.

Fica, portanto, a questão: A aí no caso quer


dizer: A ou quer dizer
?

Para se resolver esta questão, seria preciso, porém, resolver a


outra, a qual não ficou devidamente elucidada: no texto
da Anunciação quer dizer ou quer dizer apenas ,
?
Se quer dizer simplesmente , como opinam muitos
bons intérpretes, então significa
simplesmente: antes que o noivo José tivesse levado Maria para a
sua casa e começassem a morar juntos sob o mesmo teto. Não há,
portanto, nenhuma prova contra a virgindade de Maria SSma.

— Mas dirão os protestantes: O Sr. mesmo disse que também são


muitos os bons intérpretes que afirmam que quando o Anjo
anunciou a Maria, ela já estava casada, morando com José na
mesma casa. Nesta hipótese então quer
dizer evidentemente . Ora,
dizendo isto, o Evangelista mostra que de fato tiveram estas
relações depois.

— Quer dizer então que a objeção de Vocês vale somente sob


condição. Está de pé a objeção somente no caso em que
queira dizer e .

Mas vamos supor mesmo como certo o que é discutido. Vamos


supor como assentado de pedra e cal que Maria recebeu a
mensagem do Anjo, quando já estava morando com S. José na
mesma casa e que, portanto, quer dizer
.

Mesmo assim, é inteiramente falha a argumentação de Vocês.

Daí não se segue forçosamente que houve tais relações depois. O


fito do Evangelista é apenas frisar que não houve intervenção
humana no nascimento de Jesus; e ele podia muito bem ter dito isto,
mesmo sem cogitar de maneira alguma no que sucedeu ou podia ter
sucedido depois. Nem sempre quando se diz: uma
coisa, se segue que a coisa depois foi feita.

Podemos citar inúmeros exemplos.

Já S. Jerônimo, argumentando contra Helvídio, apresentava as


seguintes frases:
A , embarquei para a África.
Paulo Apóstolo, E , foi preso.
Helvídio, , morreu.

Daí não se segue que depois voltei àquele porto para almoçar. Não
se segue que Paulo tivesse chegado à Espanha, nem que Helvídio,
depois de morto, tivesse feito penitência.

Cornélio Alápide lembra as seguintes frases:

Ele, , estava cheio de cabelos brancos.


Este menino, , já é um sábio.

Daí não se conclui que ele tenha envelhecido, pode até ter morrido
antes disto, mas o fato é que teve cabelos brancos antes de
envelhecer. Nem se conclui que o menino tenha que atingir a idade
viril para a frase ser verdadeira: a frase exprime apenas o que o
menino é de inteligência precoce, pode muito bem morrer antes de
tornar-se homem, como muitas vezes acontece com os precoces.

Observa Calmet:

“Diz-se todos os dias que:


Um homem morreu .
Segue-se daí que os tenha executado depois da morte?
que: Um juiz condenou o réu, - .
Segue-se que o tenha ouvido, depois de condená-lo?”

Realmente, caros amigos, nós dizemos:

Os alunos, , foram aprovados e


diplomados;

O trem espatifou-se, ;

quando é claro que, depois de diplomados, os alunos não prestarão


mais exames e que o trem espatifado não chegou ao seu destino.
E quando dizemos: Os protestantes,
, se põem a doutrinar; não cogitamos se no
caso eles irão depois estudar a fundo ou não estas questões
bíblicas.

Em todos estes casos equivale apenas a


:

Embarquei para a África ; Paulo foi preso


à Espanha, Helvídio morreu ; ele,
, estava com cabelos brancos; o menino,
, já é um sábio; o homem morreu os
seus projetos; o juiz condenou o réu - ; os alunos foram
diplomados ; o trem espatifou-se
àquela estação e os protestantes se põem a doutrinar
.

A frase do Evangelho quer dizer apenas: Estando já Maria, sua


mãe, desposada com José, , se achou ter ela
concebido do Espírito Santo. Seja qual for o sentido que se queira
dar à palavra , isto em nada atinge no caso a virgindade de
ma
Maria SS .

Não temas receber Maria, tua mulher.

397. Uma vez averiguado por S. José o estado de gravidez de


Maria SSma, isto não deixou de ser um caso doloroso para ele. Não
tinha nenhuma dúvida sobre a virtude de Maria e por outro lado
aparecia aquele fenômeno tão estranho. Observa Calmet: “Ele creu
que o que via nela, provinha antes de alguma violência que ela teria
sofrido ou de alguma outra causa que lhe era desconhecida”. Maria,
por sua vez, guardava o segredo da revelação do Anjo, entregando-
se confiantemente à Divina Providência que tudo solucionaria.

Nesta situação angustiosa, resolve José deixá-la secretamente. Foi


a atitude que se lhe afigurou mais prudente e acertada. Um anjo,
então, em sonhos lhe explica o ocorrido. É a melhor solução e a que
não podia faltar; o papel de José como preservador da reputação de
Maria é indispensável; e por outro lado a revelação feita pelo Céu
torna-se mais honrosa para a Santíssima Virgem.

O Anjo diz a José: Não temas a Maria, tua mulher, porque


o que nela se gerou é obra do Espírito Santo (Mateus I-20). E diz o
Evangelho que despertando José do sono, fez como o anjo do
Senhor lhe havia mandado e a sua mulher (Mateus I-24).

Que significa este verbo aí expresso duas vezes?

Corresponde ao verbo grego:

P — receber ao pé de si ou consigo (como mulher ou


companheira, como filho adotivo ou como auxiliar ou aliado);
acolher, dar hospitalidade; tomar a seu cargo; aceitar, admitir.

Na hipótese de que S. José, ao receber o aviso em sonhos,


estivesse simplesmente noivo, a palavra do Anjo quer dizer: Não
temas realizar com Maria a cerimônia do casamento e levá-la para
tua casa.

Na hipótese de que já estivessem casados, quer dizer: Não temas


aceitá-la como tua mulher, não a abandones.

Talvez o protestante queira tirar desta palavra , uma


ma
conclusão contra a virgindade de Maria SS . Tudo é possível na
cabeça de um leitor malicioso. Mas chamando-a ,o
Evangelista quer referir-se apenas ao que ela é , ou
melhor, perante a lei, perante o público, sem cogitar daquilo que se
passa na intimidade conjugal. E é assim que sempre procedem os
Evangelhos. O próprio S. Mateus, neste mesmo capítulo, começa o
seu Evangelho fazendo a genealogia de Jesus Cristo pelo lado de
S. José, embora sabendo perfeitamente que ele não é o pai de
Jesus. Quando o Menino é apresentado no templo, José e Maria
ficam encantados com as palavras de Simeão, e o Evangelista os
chama de pai e mãe do Menino: E seu e mãe estavam
admirados daquelas coisas que dEle se diziam (Lucas II-33) [60].

E a própria Maria SSma chamou a José de do Menino, quando


ele se perdeu, com doze anos e foi achado no templo de Jerusalém:
Sabe que teu e eu te andávamos buscando cheios de aflição
(Lucas II-48). Alguns querem tirar daí argumento para dizer que
José foi pai verdadeiro de Jesus, e não pai adotivo. Mas os próprios
protestantes não concordam com isto, porque está evidente nos
Evangelhos que a concepção de Cristo foi virginal. Faz-se a
genealogia de José, chama-se a José de pai, porque perante a lei
ele é o pai do Menino.

Assim também, perante a lei Maria é a mulher de José; se há entre


eles um pacto de continência, se ambos espontaneamente
renunciam na intimidade os seus direitos matrimoniais, não é por
isto que Maria deixa de ser realmente a mulher de José.

Notas (pular)

[60] Ferreira de Almeida traz: José e sua mãe se maravilharam das coisas
que dEle se diziam (Lucas II-33). Mas não está de acordo com o texto grego
que diz: O . Podem-se conferir todos os outros tradutores,
inclusive a Sociedade Bíblica do Brasil. (voltar)

O primogênito.

398. Outro argumento que os adversários da virgindade perpétua


de Maria acham fortíssimo, mas que na realidade não prova coisa
alguma, é o fato de Jesus ser chamado .

Isto acontece 2 vezes no texto da Vulgata: em S. Mateus e em


S. Lucas.

E ele não na conheceu enquanto ela não deu à luz ao seu


; e Lhe pôs por nome Jesus (Mateus I-25).
E deu à luz o seu filho e O enfaixou e O reclinou em
uma manjedoura (Lucas II-7).

Queremos notar, não para nos descartarmos desta palavra


, o que não é possível, pois aparece em S. Lucas (nem
há necessidade disto, como veremos), mas por simples informação
ao leitor, que a palavra não aparece no texto grego de
S. Mateus.

O (não) (a conhecia) (até que)


(deu à luz) (um filho) (e) (chamou)
(o nome dEle) I (Jesus).

A palavra deve ter sido acrescentada por distração de algum copista


influenciado pelo fato de aparecer a mesma em S. Lucas. Como
testemunho insuspeito, temos a tradução da Sociedade Bíblica do
Brasil, a qual não traz aí no texto de S. Mateus esta palavra: E
, ,
J (Mateus I-25).

O fato, porém, é que no Evangelho de S. Lucas se diz que Maria


deu à luz seu filho .

Ora, dizem os protestantes, quer dizer o primeiro que


foi gerado; logo, nasceram outros. Além disto, S. Lucas escreveu o
seu Evangelho não no tempo em que o Menino nasceu, porém
muitos anos depois da morte de Cristo; se o Evangelho diz
e não Unigênito, isto é sinal de que o Evangelista
sabia da existência de outros filhos. Logo, Maria não foi virgem
depois do parto.

— Toda esta argumentação se baseia num falso fundamento: o


protestante, no caso, não tem uma ideia exata do que quer dizer
.

E a questão não está em saber qual a impressão que vai produzir


esta palavra no espírito de um herege que está ansioso por
encontrar argumentos a fim de provar que Maria SSma perdeu um
dia a sua virgindade. A questão está em saber qual o significado
que davam os hebreus à palavra , pois é neste sentido
que a empregam os Evangelhos.

P era simplesmente isto: aquele antes do qual não tinha


nascido outro. Nascessem outros depois ou não, isto não importava
no caso; o primeiro que nascia era sempre e, como
tal, tinha uma especialidade, era consagrado a Deus: Falou mais o
Senhor a Moisés e lhe disse: Consagra-me todos os
que abrem o útero de sua mãe entre os filhos de Israel, assim de
homens como de animais, porque (Êxodo
XIII-1 e 2). Todo o macho que abre o útero de sua mãe será meu; os
de todos os animais, assim de vacas como de ovelhas, serão meus
(Êxodo XXXIV-19).

E é precisamente porque vai descrever depois a apresentação do


Menino no templo, na sua qualidade de primogênito, que Lucas, ao
relatar o nascimento de Jesus, O chama deste modo: E depois que
foram concluídos os dias da purificação de Maria, segundo a lei de
Moisés, O levaram a Jerusalém para O apresentarem ao Senhor,
segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo o filho macho que
for será consagrado ao Senhor (Lucas II-22 e 23).

Quanto a S. Mateus, como vimos, o texto grego não traz esta


palavra, mas ainda mesmo que a trouxesse, isto em nada afetaria o
caso. Se primogênito é , como a própria
palavra está dizendo, se primogênito era uma classe especial de
homens consagrados a Deus, pouco importa que depois dele
tenham nascido outros ou não, aquele que antes de si não teve
nenhum irmão é eternamente e para todos os efeitos o primogênito.
Quando Deus, como se conta no Êxodo (XII-29 e 30) fez morrer no
Egito todos os , é claro que mesmo aqueles que já
eram homens feitos e não tinham tido mais nenhum irmão ou irmã, e
mesmo que os não pudessem ter mais, por haverem morrido seus
pais, ainda assim entravam no rol: se eram os primeiros filhos, se
antes deles não tinha nascido nenhum, era o quanto bastava para
serem irrevogavelmente primogênitos e, como tais, condenados à
exterminação.

Esta era a significação da palavra ou primogênito entre os


hebreus: o primeiro que nasce, independentemente da consideração
se depois dele nascem outros ou não. Uma antiga inscrição judia
encontrada em Tell-el-Yedouhieh, fala-nos de uma jovem mulher
chamada Arsinoé que morreu “entre as dores do parto do seu filho
”. Aliás, o mesmo se podia dizer em nossa língua, sem
que nisto houvesse nenhuma falta de lógica, uma vez que não
repugna que haja , porque alguém pode
dizer, por exemplo: Este foi o meu primeiro discurso, aliás
, porque não falarei mais em público. Como se vê, a noção
de e a noção de não implicam necessariamente
uma contradição.

E fazendo ressaltar em Jesus a sua qualidade de ,o


Evangelista quer relembrar apenas que, peia lei mosaica, Ele era,
como todos os primogênitos, consagrado a Deus.

O uso de “enquanto” e “até que” entre os hebreus.

399. Mas onde se mostra bem claramente um modo bem diverso


de expressar-se, entre o nosso idioma e a linguagem usada
antigamente entre os hebreus, é na frase empregada por S. Mateus,
referindo-se a S. José:

E ele não na conhecia ela não o seu


primogênito; e Lhe pôs por nome Jesus (Mateus I-25).

Ferreira de Almeida e Pe Matos Soares apresentam a conjunção


subordinativa de um modo ainda mais conforme ao texto grego e ao
latim da Vulgata:
Ferreira de Almeida: E não a conheceu deu à luz seu filho,
o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus (Mateus I-25).

Pe Matos Soares: E não a conhecia deu à luz seu filho


primogênito; e pos-Lhe o nome de Jesus (Mateus I-25).

Não há dúvida que isto dito assim em nossa língua parece dar a
entender que José a conheceu depois; mas a questão está em
saber se no modo de falar dos ,
se tira esta conclusão. E aí se vê o perigo
de pôr-se a Bíblia, um livro escrito há tantos séculos e apresentando
uma linguagem bem diversa da nossa, nas mãos de qualquer
pessoa, com o direito de interpretá-la como lhe vem à cabeça, sem
ter o conhecimento da índole das línguas antigas.

Segundo o modo de falar dos hebreus (e S. Mateus é um hebreu da


gema e aliás escreveu o Evangelho na sua própria língua, sendo o
texto grego uma tradução e quem traduz a Escritura, o faz palavra
por palavra, para respeitar o texto sagrado, além disto é certo que o
grego do Novo Testamento está repleto de hebraísmos), segundo o
modo de falar das línguas semíticas:

não a conheceu ela não deu à luz;

não a conheceu ela deu à luz;

quer dizer simplesmente isto: sem que a tivesse conhecido, ela deu
à luz — sem nenhuma preocupação com o que aconteceu ou não
aconteceu depois.

O leitor naturalmente exige provas, quer que se apresentem frases


semelhantes nas Escrituras.

Pois bem, não será difícil apresentá-las.

Vejamos o Gênesis.
Houve o dilúvio em que caiu a chuva sobre a terra quarenta dias e
quarenta noites (Gênesis VII-12). As águas cresceram e
engrossaram prodigiosamente por cima da terra, e todos os mais
elevados montes que há debaixo do Céu ficaram cobertos; tendo a
água chegado ao cume dos montes, elevou-se ainda por cima deles
quinze côvados (Gênesis VII-19 e 20). E as águas tiveram a terra
coberta cento e cinquenta dias (Gênesis VII-24).

Noé e os seus estão na arca. Depois dos 150 dias começam as


águas a diminuir: E as águas... começaram a diminuir-se depois de
cento e cinquenta dias (Gênesis VIII-3). É natural agora, portanto, a
curiosidade de Noé em saber a marcha em que se vai processando
esta diminuição das águas e quanto tempo mais ou menos irá durar
aquela moradia dentro da arca, que por certo não deve ser lá muito
cômoda.

Solta então um corvo que não volta mais (Gênesis VIII-7);

solta depois uma pomba que, não achando onde pousar, volta bem
depressa para a arca (Gênesis VIII-9);

sete dias depois, solta outra pomba e esta volta para Noé sobre a
tarde, trazendo no seu bico um ramo de oliveira com as folhas
verdes (Gênesis VIII-11). É já um bom sinal;

espera Noé mais sete dias e solta outra pomba que não torna mais
a ele (Gênesis VIII-12).

O corvo não se mostrou bom mensageiro; enrascou-se no meio das


águas e não acertou o caminho para voltar. Daí o ditado entre os
hebreus de se chamar corvo mensageiro ao portador que não dá
conta de seu recado.

Pois bem, em lugar de dizer, como nós diríamos, que a arca pousou
em terra, o corvo tivesse voltado, a Escritura diz da
seguinte maneira: abriu Noé a janela que tinha feito na arca e soltou
um corvo, o qual saiu e não voltou mais,
(Gênesis VIII-6 e 7) [61].

Ora, é evidente que o corvo não voltou mais à arca, depois que ela
pousou em terra; nem isto interessa mais ao narrador, que quis
mostrar apenas a marcha dos acontecimentos enquanto estavam na
arca. Mas é o modo de falar deles naquele tempo. Assim também,
em vez de dizer: Maria deu à luz, sem que José a tivesse
conhecido, S. Mateus diz que José não a conheceu, ela
deu à luz. O que interessa ao narrador no caso é simplesmente
mostrar que a concepção de Jesus foi virginal.

Mas vamos a outros exemplos.

Em vez de dizer: Reduzirás a pó os reis,


, a Bíblia diz: Entregar-te-á nas tuas mãos os seus
reis, e fará que não fique memória de seus nomes debaixo do Céu;
ninguém te poderá resistir,
(Deuteronômio VII-24). É claro que, depois de reduzidos a pó os
reis, com maioria de razão ninguém poderá resistir. Mas este é o
modo de falar dos antigos: ninguém resistirá os tenhas feito
em pó.

Em vez de dizer: Micol, filha de Saul, ,


a Bíblia diz: Micol, filha de Saul, não teve filhos
(2º Reis VI-23).

Em vez de dizer: Morrereis, esta iniquidade vos seja


perdoada, Isaías diz: Não se aos perdoará por certo esta iniquidade
, diz o Senhor Deus dos exércitos (Isaías XXII-14).
Vê-se muito bem que Deus não quer dizer aí que, depois de mortos,
vai dar-lhes o perdão; mas sim que morrerão sem alcançá-lo. E no
mesmo profeta Isaías, em vez de se dizer: Estabelecerá a justiça
sobre a terra, , diz
assim: Não será triste nem turbulento, estabeleça na terra o
justiça (Isaías XLII-4). É evidente que, se o libertador de Israel não
foi triste nem turbulento antes do estabelecimento da justiça, muito
menos o será depois de estabelecê-la. Mas este é o estilo da Bíblia.
O ,eo , não têm na Bíblia o mesmo sentido
que têm na nossa linguagem comum, não exprimem absolutamente
uma restrição. Não há, portanto, restrição à virgindade de Maria
naquela frase de S. Mateus.

Outros exemplos em que o não exprime nenhuma


restrição, temos nos Salmos:

Como os olhos da escrava nas mãos de sua senhora, assim os


nossos olhos estão fitos no Senhor nosso Deus, tenha
misericórdia de nós (Salmos CXXII-2). Quer dizer então que, depois
que Deus tiver misericórdia, não olharemos mais para Ele e nEle
não teremos mais os olhos fitos? Não é este absolutamente o
sentido do Salmista.

Diz o Salmo 119: Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha


mão direita, a teus inimigos por escabelo de teus
pés (Salmos CIX-1). Quer dizer que depois de ter os inimigos
debaixo de seus pés, aquele Triunfador não estará mais sentado à
direita do Senhor? Absolutamente não; porque aí é que vai começar
a época melhor de reinar, de sentar-se glorioso, com os inimigos
vencidos e subjugados a seus pés.

Mas é este o estilo da Bíblia.

Não podemos, portanto, tomar uma frase bíblica e querer à fina


força interpretá-la de acordo com o nosso modo de falar de hoje,
dentro da nossa língua; ela tem que ser vista como realmente é,
uma palavra da Escritura que tem o seu estilo próprio, a sua
linguagem peculiar.

E argumentar, muito entusiasmado, com estas frases que enganam


à primeira vista, é mostrar apenas falta de conhecimento do que é a
Bíblia.
José não conheceu a Maria, até que ela deu à luz o seu filho, quer
dizer simplesmente, segundo o modo de falar das Escrituras, a
afirmação de que Maria era virgem por ocasião de seu abençoado
parto; esta afirmação absolutamente não é destruída por esta outra
que também é verdadeira: Maria continuou virgem a sua vida inteira,
morreu, o que por sua vez também não quer dizer que ela
tenha perdido a virgindade depois da morte.

Notas (pular)

[61] Este texto que é o da Vulgata está de acordo também com a versão dos
Setenta, e portanto de qualquer maneira reflete o modo de falar dos antigos. E
se assim verteram os Setenta e S. Jerônimo, quem pode garantir qual é o
texto hebraico original exato, se é o que temos hoje ou o que os Setenta e
S. Jerônimo tiveram em mãos? (voltar)

Os irmãos de Jesus.

400. Diante da frase de S. Mateus vista no número anterior, o leitor


ainda poderá compreender como se tenham equivocado os
protestantes, iludindo-se com as aparências.

Mas agora vai pasmar ao ver a malícia, a precipitação com que


esses enfatuados intérpretes da Bíblia que a leem continuamente e
procuram aprendê-la de cor, ainda vão tirar da expressão
J uma conclusão contra a virgindade perpétua do Maria SSma.
Senão, vejamos.

Sabemos que a Escritura não somente designa com o nome de


irmãos aqueles que são filhos do mesmo pai ou da mesma mãe,
como eram Caim e Abel, Esaú e Jacó, S. Tiago Maior e S. João
Evangelista (que eram filhos de Zebedeu) etc.; mas também
aqueles que são parentes próximos, como tios e primos.

A Escritura está cheia destes exemplos.


Abraão chama de irmão a Lot: Peço-te que não haja rixas entre mim
e ti, nem entre os meus pastores e os teus, porque somos
(Gênesis XIII-8). Mais adiante a própria Bíblia o chama assim:
Abraão, tendo ouvido que Lot, seu , ficara prisioneiro...
(Gênesis XIV-14). Pois bem, Lot era apenas sobrinho de Abraão,
pois já antes disto se lê no Gênesis: Tinha Abraão setenta e cinco
anos quando saiu de Harã. E ele levou consigo a Sarai, sua mulher,
a Lot, , e todos os bens que possuíam (Gênesis
XII-4 e 5).

Labão diz a Jacó: Acaso, porque tu és meu , deves tu servir-


me de graça? (Gênesis XXIX-15). E no entanto Jacó era
de Labão: Isaac chamou a Jacó e o abençoou e lhe pôs por preceito
dizendo: Não tomes mulher da geração de Canaã; mas vai e parte
para a Mesopotâmia ... e desposa-te com uma das filhas de Labão,
(Gênesis XXVIII-1 e 2). Realmente Jacó era filho de Isaac
com Rebeca (Gênesis XXV-21 a 25) e Rebeca era irmã de Labão:
Rebeca, porém, tinha um irmão chamado Labão (Gênesis XXIV-29).
E no entanto não só, como vimos acima, seu tio o chama ,
mas também quando Jacó se encontra com Raquel, que é filha de
Labão (Gênesis XXIX-5 e 6), diz à moça que é de Labão: E
lhe manifestou que era de seu pai e filho de Rebeca (Gênesis
XXIX-12).

Lê-se no Levítico que Nadab e Abiu, de A (Levítico X-1)


são mortos por castigo, por terem oferecido um fogo estranho nos
seus turíbulos. Moisés chama os primos dos que faleceram: Misael
e Elisafã, de Oziel, A (Levítico X-4) e lhes diz: Ide,
tirai vossos de diante do santuário e levai-os para fora do
campo (Levítico X-4).

Lê-se no livro de Paralipômenos que Eleazar e Cis são filhos de


Moholi: F M : Eleazar e Cis (1º Paralipômenos XXIII-
21), portanto irmãos no verdadeiro sentido da palavra. Eleazar só
teve filhas e não filhos; as filhas dele se casaram com os filhos de
Cis. Espera-se que a Escritura diga: casaram-se com os filhos de
Cis, que eram seus primos; mas ela diz: com os filhos de Cis, seus
. E Eleazar morreu e não teve filhos, senão filhas; e casaram
com os filhos de Cis, (1º Paralipômenos XXIII-22).

É dentro deste costume hebreu de designar com o nome de ,


não só os que têm os mesmos pais, senão também os parentes
próximos como tios, primos e sobrinhos, pois o hebraico não
possuía palavras próprias para designar esses parentescos, que o
Novo Testamento fala em J e é o próprio Novo
Testamento - .

Querem ter a os nossos amigos protestantes?

Dá alguma vez o Evangelho os nomes desses irmãos de Jesus,


para que possamos identificá-los?

Sim, dá. Sabe-se dos nomes, pelo menos de 4: Tiago, José, Judas e
Simão: Não é este o oficial, filho de Maria, de T e de
J e de J e de S ? Não vivem aqui entre nós também
suas irmãs? (Marcos VI-3). Porventura não é este o filho do oficial?
Não se chamava sua mãe Maria, e seus T J
S J ? E suas irmãs não vivem elas todas entre nós?
(Mateus XIII-55 e 56).

Pois bem, este T que encabeça a lista é um Apóstolo, pois diz


S. Paulo na Epístola aos Gálatas: E dos outros não vi a
nenhum, senão a T , S (Gálatas I-19) [62].

Quer dizer então que, segundo a opinião desses protestantes, este


Tiago Apóstolo era filho de Maria, mãe de Jesus; e de Maria e de
José, porque, como os próprios protestantes reconhecem, Maria
nunca teve filhos antes de seu casamento com José. E não se
casou com outro depois da morte de José, pois na hora da morte de
Cristo, ela está sozinha, sem marido e Cristo a entrega a S. João
Evangelista; além disto se Maria tivesse casado outra vez, seus
filhos estariam pequenos, não estariam em idade de ser Apóstolos.
Temos 2 Apóstolos com o nome de Tiago: Tiago Maior e Tiago
Menor. Vamos ver se algum deles era filho de José com Maria.

S. Tiago Maior era irmão de S. João Evangelista, e ambos


Z : Da mesma sorte havia deixado atônitos a T ea
J , Z (Lucas V-10).

S. Tiago Menor, que era irmão de Judas, era filho de A . Entre


os A , que são enumerados por S. Mateus, estão: Tiago,
Z e Tiago A (Mateus X-3). Que tem a
ver Maria SSma com este Alfeu ou com este Zebedeu? Logo, este
Tiago, S , não é seu filho.

Além disto, comparando-se os Evangelhos, se vê claramente que


este Tiago e este José que encabeçam a lista são de Jesus,
e o Tiago é o Apóstolo Tiago Menor. Enumerando as mulheres que
estavam juntamente com Maria ao pé da cruz, Mateus, Marcos e
João as identificam da seguinte maneira:

M XXVII-56
Maria, mãe de Tiago e de José; Maria Madalena; a mãe dos
filhos de Zebedeu.

M XV-40
Maria, mãe de Tiago Menor e de José; Maria Madalena;
Salomé.
J XIX-25
a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cleofas; Maria Madalena.

Por aí se vê que a mesma Maria que é apresentada por São João


como tia de Jesus (irmã de sua mãe) é apresentada por São Mateus
e S. Marcos como mãe de T M e de J . E é claro que
não se trata de Maria Salomé, que é a mãe dos filhos de Zebedeu e,
portanto, é mãe de Tiago Maior.
Tiago Menor e José são, portanto, de Jesus e são os
primeiros que encabeçam aquela lista:

TIAGO, JOSÉ, JUDAS E SIMÃO

E de fato o Apóstolo S. Judas Tadeu era irmão de S. Tiago Menor,


pois ele diz no começo de sua Epístola: Judas, servo de Jesus
Cristo e de Tiago (vers. 1º). Tanto o Evangelho de S. Lucas
(VI-16) como os Atos dos Apóstolos (I-13) para diferenciarem Judas
Tadeu de Judas Iscariotes, chamam a Judas Tadeu: Judas, irmão de
Tiago.

E assim cai por terra fragorosamente a alegação dos protestantes


de que Maria teve outros filhos além do Divino Salvador, alegação
baseada em que o Evangelho fala em J . Não só
provamos que entre os hebreus se chamavam os parentes
próximos, mas também mostramos que a lista dos nomes
apresentados como sendo destes é logo encabeçada por
, filhos da irmã da mãe de Jesus. Logo, não tem
nenhum valor a alegação.

A única dificuldade, esta agora já sem importância, que pode fazer o


protestante é que Tiago Menor é filho de A , e sua mãe é
apresentada como C .

Sem precisar recorrer a nenhum argumento de tradição (porque


talvez os protestantes não gostem disto) temos que observar o
seguinte:

1º — o texto original não diz C , mas diz


simplesmente: a irmã de sua mãe, Maria, a do Cleofas (texto grego
de João XIX-25); podia chamar-se Maria, a do Cleofas, por causa do
pai ou por outro qualquer motivo;

2º — não repugna que a mesma Maria se tenha casado com Alfeu e


dele tenha tido S. Tiago Menor, e depois se tenha casado com
Cleofas e tido outros filhos ou mesmo deixado de ter. Tiago é o
único que é apontado nos Evangelhos como filho deste Alfeu, pois o
Alfeu, pai de S. Mateus (Marcos II-14) já deve ser outro;

3º — não repugna que o próprio Alfeu seja o mesmo Cleofas [63]. É


muito comum nas Escrituras uma pessoa ser conhecida por 2
nomes diversos: O sogro de Moisés é chamado Raguel (Êxodo II-18
a 21) e logo depois é chamado Jetro (Êxodo III-1). Gedeão, depois
de ter derribado o altar de Baal é chamado também Jerobaal (Juízes
VI-32). Osias, rei de Judá, é chamado também Azarias (4º Reis XV-
32; 1º Paralipômenos III-12). E no Novo Testamento o mesmo
Mateus é chamado Levi: Viu um homem, que estava assentado no
telônio, chamado Mateus (Mateus IX-9). Viu a Levi, filho de Alfeu,
assentado no telônio (Marcos II-14). O mesmo que é chamado José
é chamado Barsabas (Atos I-23).

Ainda hoje mesmo, entre nós, nas nossas localidades do interior


principalmente, é multo comum esta duplicidade de nomes.

Seja Alfeu o mesmo Cleofas ou não seja, isto pouco importa. O que
é fato é que Maria de Cleofas é irmã de Maria, mãe de Jesus e é ao
mesmo tempo mãe de Tiago e de José, que são chamados
do Senhor.

Queremos ainda chamar a atenção do leitor para o seguinte: esses


hereges que negam a virgindade perpétua de Maria SSma e que
dizem que de Jesus quer dizer M , atribuem à
ma
SS Virgem uma filharada enorme.

Além de Tiago, José, Judas e Simão, estão as J ,


sobre as quais S. Mateus apresenta os judeus dizendo: E suas
irmãs não vivem elas entre nós? (Mateus XIII-56). Ora, para
se dizer assim , é preciso que sejam de 3 para cima.

Além disto Tiago e Judas eram Apóstolos. Mas S. João no seu


Evangelho já fala em que são hostis a Jesus e Lhe dizem:
Sai daqui e vai para a Judeia, para que também teus discípulos
vejam as obras que tu fazes (João VII-3). Ali na Galileia o ambiente
não estava de todo favorável ao Divino Mestre, porque nem ainda
seus criam nEle (João VII-5). É, portanto, mais outra tropa
de irmãos a engrossar a fileira dos filhos de Maria [64]...

E no entanto o Evangelho, descrevendo a vida de família em


Nazaré, relatando a ida de Jesus ao templo de Jerusalém, quando o
Menino Deus já tinha doze anos (Lucas II-42), não faz a mínima
referência a irmão nenhum que Jesus tivesse. Se Maria teve assim
tantos filhos, nessa ocasião já deveria ter alguns.

Os Evangelhos só vêm a falar em de Jesus, quando Ele


aparece na sua vida pública.

Mais ainda: na hora de sua morte, é a S. João Evangelista, filho de


Zebedeu e de Salomé, que Ele encarrega de ficar tomando conta de
sua Mãe SSma: Jesus, pois, tendo visto sua mãe e ao discípulo que
Ele amava, o qual estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí
teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe. E desta hora
em diante a tomou o discípulo para sua casa (João XIX-26 e 27).

Se Maria teve tantos filhos e filhas, como se explica que ela tenha
sido entregue aos cuidados de S. João Evangelista e que este a
tenha levado para sua casa? Dizer que esses irmãos do Senhor
tenham morrido dentro daqueles três anos da vida pública do
Mestre, não é possível, pois S. Paulo continua falar em irmãos do
Senhor que ainda estão vivos depois da morte de Jesus (1ª
Coríntios IX-5; Gálatas I-19).

É inqualificável esta , esta com que um


protestante lê a sua Bíblia, assim tão às pressas, tão
descuidadamente e sai depois, sem o menor escrúpulo, a blasfemar
daquilo que ignora.

E é assim que se faz a interpretação protestante.


Uma interpretação superficial, que não aprofunda o sentido dos
textos, que se ilude facilmente com as aparências, que não é
baseada em nenhum princípio de lógica, que não se dá ao trabalho
de confrontar e harmonizar uma passagem com outra, e que usa
frequentemente de truques, de estéril jogo de palavras. Não
estamos falando sem provas; o leitor já teve ocasião de sobra para
apreciar tudo isto no decurso deste livro: já vimos quanto valem os
seus argumentos, quando querem estabelecer a tese de que a fé
salva sem as obras, quando querem derrubar as teses do primado
de Pedro, do poder e autoridade da Igreja, dos efeitos do Batismo,
do Sacramento da Penitência, da presença de Jesus na Eucaristia,
ou quando querem apresentar a Igreja como idólatra, por causa de
suas imagens etc., etc.

É com esta interpretação superficial que eles se armam para


procurar atingir o seu objetivo, que é combater a Igreja Católica,
fundada por Jesus Cristo para ser a coluna e firmamento da verdade
(1ª Timóteo III-15) e que tem a seu favor as divinas promessas de
que jamais falhará, por mais encarniçadas que sejam as guerras
desencadeadas contra ela pelas potestades infernais.

Nesta ânsia de combater a Igreja, pouco lhes importa o valor ou a


qualidade das objeções; a quantidade, sim, é o que lhes interessa.
Acumular objeções sempre mais e mais; se forem bem resolvidas,
eles não cessarão a luta, terão sempre novas objeções a
apresentar; estas nunca lhes faltarão, pois se a Bíblia apresenta
dúvidas e dificuldades mesmo para os verdadeiros, sinceros e
preparados intérpretes, quanto mais para quem vai manuseá-la sem
a necessária sinceridade ou sem a devida competência.

E enquanto a razão humana se mostra assim tão fraca diante da


Bíblia — mais fraca ainda, é claro, quando é perturbada pelo ódio
sectário e pela ânsia de querer forçar os textos sagrados para
amoldá-los aos interesses de religiões inventadas pelos homens —
a Igreja continua firme e serena no seu posto; só ela é que recebeu
a missão divina de ensinar a todos os povos e por isto só ela é que
possui a chave da legítima interpretação da Bíblia.

Notas

[62] N.d.r.: Alguns protestantes objetam que este Tiago Apóstolo seja
necessariamente dos Doze, pois outros são chamados Apóstolos sem que
tenham sido dos Doze, como Matias (Atos I-26), Paulo e Barnabé (Atos XIV-
14), Andrônico e Júnias (Romanos XVI-7), Epafrodito (Filipenses II-25). Para
responder a esta dificuldade com propriedade, incluímos aqui a tradução da
seção “The identity of James, Jude and Simon” (A identidade de Tiago, Judas
e Simão) da Catholic Encyclopedia no tópico “The Brethren of the Lord” (Os
Irmãos do Senhor).

Tiago é sem dúvida o Bispo de Jerusalém (cf. Atos XII-17, XV-13, XXI-18;
Gálatas I-19, II-9 a 12) e o autor da primeira Epístola Apostólica. Sua
identidade com São Tiago Menor (Marcos XV-40) e o Apóstolo São Tiago,
filho de Alfeu (Mateus X-3; Marcos III-18), ainda que contestada por muitos
críticos protestantes, pode também ser considerada como certa. Não há
dúvida razoável que na Epístola aos Gálatas: E dos outros não vi
a nenhum, senão a T , S (Gálatas I-19), S. Paulo
representa Tiago como um membro do Colégio Apostólico. O propósito pelo
qual a afirmação foi feita deixa claro que “apóstolos” é para ser tomado
estritamente para designar os Doze, e esta veracidade pede que a cláusula
“senão a Tiago” ser entendida significar que em adição a S. Pedro, S. Paulo
cita outro Apóstolo, “Tiago, irmão do Senhor” (cf. Atos IX-27). Além disso, a
proeminência e autoridade de Tiago entre os Apóstolos (Atos XV-13; Gálatas
II-9; neste último ele é citado até mesmo antes de S. Pedro) poderia pertencer
somente a um de seu número. Agora, havia somente dois Apóstolos
chamados Tiago: Tiago filho de Zebedeu, e Tiago filho de Alfeu (Mateus X-13;
Marcos III-18; Lucas VI-16; Atos I-13). O primeiro está fora de questão, já que
estava morto no tempo dos eventos referidos por Atos XV-6ss e Gálatas II-9 a
12 (cf. Atos XII-2). Tiago “o irmão do Senhor” é portanto um com o filho de
Alfeu, e consequentemente com Tiago Menor, sendo a identidade entre estes
geralmente concedida. Novamente, comparando João XIX-25 com Mateus
XXVII-56 e Marcos XV-40 (cf. Marcos XV-47, XVI-1), encontramos que Maria
de Cléofas, ou mais corretamente Clopas (Klopas), a irmã de Maria, Mãe de
Cristo, é a mesma que Maria mãe de Tiago Menor e José, ou Joses. Como
mulheres casadas não são distinguidas pela adição do nome de seus pais,
Maria de Clopas deve ser a esposa de Clopas, e não sua filha, como se tem
mantido. Mais ainda, os nomes de seus filhos e a ordem na qual eles são
dados, sem dúvida em ordem de senioridade, nos garante identificar estes
filhos com Tiago e José, os “irmãos” do Senhor. A existência entre os
primeiros seguidores de Cristo de dois conjuntos de irmãos tendo os mesmos
nomes em ordem de idade, não parece ser o caso, e não pode ser assumido
sem provas. Uma vez que esta identidade é concedida, a conclusão que
Clopas e Alfeu são a mesma pessoa, mesmo que os nomes sejam bem
distintos. É, entretanto, altamente provável, e comumente admitido, que
Clopas e Alfeu são meramente transcrições diferentes da mesma palavra
aramaica H . Tiago e José, “irmãos” do Senhor, são portanto os filhos de
Alfeu. De José nada mais é conhecido. Judas é o autor da última das
Epístolas Católicas (Judas I). Ele é por boa razão identificado por
comentaristas católicos como “Judas Tiago” (“Judas, irmão de Tiago” na
versão Douay) de Lucas VI-6 e Atos I-13, e Tadeu em outras partes (Mateus
X-3; Marcos III-18). Está de acordo com o costume grego de um homem ser
distinguido pela adição do nome do irmão em vez do nome do pai, quando o
irmão é melhor conhecido. Que este é o caso com Judas se infere do título “o
irmão de Tiago”, pelo qual ele designa a si mesmo em sua Epístola. Sobre
Simão nada certo pode ser dito. Ele é identificado pela maioria dos
comentaristas com Simeão, ou Simão, que, de acordo com Hegesippus, era
filho de Clopas, e sucedeu Tiago como Bispo de Jerusalém. Alguns o
identificam com o Apóstolo Simão Cananeu (Mateus X-4; Marcos III-18) ou o
Zelota (Lucas VI-15; Atos I-13). O agrupar de Tiago, Judas ou Tadeu, e
Simão, depois dos outros Apóstolos, à exceção de Judas Iscariotes, na lista
dos Apóstolos (Mateus X-4 e 5; Marcos III-18; Lucas VI-16; Atos I-13) dá
alguma probabilidade a este ponto de vista, por parecer indicar alguma
conexão entre os três. Seja assim como é possível, é certo que ao menos
dois dos “irmãos” de Cristo estavam entre os Apóstolos. Isto é certamente
dedutível da 1ª Epístola aos Coríntios: Acaso não temos nós poder para levar
por toda a parte uma mulher irmã, assim como também os outros Apóstolos, e
os S e Cefas? (1ª Coríntios IX-5). A menção de Cefas ao
final indica que S. Paulo, depois de falar dos Apóstolos em geral, chama
atenção especial aos mais proeminentes, os “irmãos” do Senhor e Cefas. A
objeção que nenhum “irmão” do Senhor poderia ter sido membro do Colégio
Apostólico, porque seis meses antes de Cristo morrer eles não acreditavam
nEle (João VII-3 a 5) se apoia num mau entendimento do texto. Seus “irmãos”
acreditavam em seu poder miraculoso, e urgiam que Ele se manifestasse ao
mundo. Sua descrença era relativa. Não era um querer crer em Sua
Messianidade, mas uma falsa concepção desta. Eles não tinham ainda se
livrado da ideia judaica do Messias que seria um governante temporal. Nós
nos deparamos com esta ideia entre os Apóstolos tão tarde quanto no dia de
Sua Ascensão (Atos I-6). Em todo caso, a expressão “seus irmãos” não
necessariamente inclui cada um e todo “irmão”, quando ela ocorre. Esta
última observação também responde suficientemente à dificuldade em Atos I-
13 e 14 onde, diz-se, uma distinção clara é feita entre os Apóstolos e os
“irmãos” do Senhor. (voltar)

[63] N.d.r.: cf. nota de rodapé [62]: “... Uma vez que esta identidade [entre
Tiago Menor e Tiago irmão do Senhor] é concedida, a conclusão que Clopas e
Alfeu são a mesma pessoa, mesmo que os nomes sejam bem distintos. É,
entretanto, altamente provável, e comumente admitido, que Clopas e Alfeu
são meramente transcrições diferentes da mesma palavra aramaica H ”.
(voltar)

[64] O fato de dizer o Evangelho de S. João que os irmãos de Jesus não


criam nEle não exclui o fato de que Tiago Menor, o Apóstolo e Judas Tadeu
estejam incluídos entre os irmãos de Jesus. Costumamos fazer classificações
de acordo com a maioria. Assim é que dizemos que os brasileiros são
católicos e os ingleses são protestantes, sem que isto seja argumento para
negar a existência de protestantes no Brasil ou de católicos na Inglaterra.
S. João não diz que os irmãos de Jesus eram descrentes. O que é
fato, portanto, é que os irmãos de Jesus eram tantos, que uma ou duas
exceções pouco influíam no caso. (voltar)
Apêndice
Lista dos Papas
(desde S. Pedro até nossos dias)
S. Pedro Apóstolo governou a Igreja até o ano de 67, quando foi
martirizado.

Nº Papa Início Fim


2º S. Lino 67 – 76
3º S. Anacleto 76 – 88
4º S. Clemente I 88 – 97
5º S. Evaristo 97 – 105
6º S. Alexandre I 105 – 115
7º S. Sisto I 115 – 125
8º S. Telésforo 125 – 136
9º S. Higino 136 – 140
10º S. Pio I 140 – 155
11º S. Aniceto 155 – 166
12º S. Sotero 166 – 175
13º S. Eleutério 175 – 189
14º S. Vitor I 189 – 199
15º S. Zeferino 199 – 217
16º S. Calisto I 217 – 222
17º S. Urbano I 222 – 230
18º S. Ponciano 230 – 235
19º S. Antero 235 – 236
20º S. Fabiano 236 – 250
21º S. Cornélio I 251 – 253
22º S. Lúcio I 253 – 254
23º S. Estevão I 254 – 257
24º S. Sisto II 257 – 258
25º S. Dionísio 259 – 268
26º S. Félix I 269 – 274
27º S. Eutiquiano 275 – 283
28º S. Caio 283 – 296
29º S. Marcelino 296 – 304
30º S. Marcelo I 308 – 309
31º S. Eusébio 309 – 309
32º S. Melquíades 311 – 314
33º S. Silvestre I 314 – 335
34º S. Marcos 336 – 336
35º S. Júlio I 337 – 352
36º Libério 352 – 366
37º S. Dâmaso I 366 – 384
38º S. Sirício 384 – 399
39º S. Anastácio I 399 – 401
40º S. Inocêncio I 401 – 417
41º S. Zósimo 417 – 418
42º S. Bonifácio I 418 – 422
43º S. Celestino I 422 – 432
44º S. Sisto III 432 – 440
45º S. Leão I (Magno) 440 – 461
46º S. Hilário 461 – 468
47º S. Simplício 468 – 483
48º S. Félix II 483 – 492
49º S. Galásio I 492 – 496
50º Anastácio II 496 – 498
51º S. Símaco 498 – 514
52º S. Hormisdas 514 – 523
53º S. João I 523 – 526
54º S. Félix III 526 – 530
55º Bonifácio II 530 – 532
56º João II 533 – 535
57º S. Agapito I 535 – 536
58º S. Silvério 536 – 537
59º Vigílio 537 – 555
60º Pelágio I 556 – 561
61º João III 561 – 574
62º Bento I 575 – 579
63º Pelágio II 579 – 590
64º S. Gregório I (Magno) 590 – 604
65º Sabiniano 604 – 607
66º Bonifácio III 607 – 608
67º S. Bonifácio IV 608 – 615
68º S. Adeodato I 615 – 618
69º Bonifácio V 619 – 625
70º Honório I 625 – 638
71º Severino 640 – 640
72º João IV 640 – 642
73º Teodoro I 642 – 649
74º S. Martinho I 649 – 655
75º S. Eugênio I 654 – 657
76º S. Vitaliano 657 – 672
77º Adeodato II 672 – 676
78º Dono 676 – 678
79º S. Ágato 678 – 681
80º S. Leão II 682 – 683
81º S. Bento II 684 – 685
82º João V 685 – 686
83º Cônon 686 – 687
84º S. Sérgio I 687 – 701
85º João VI 701 – 705
86º João VII 705 – 707
87º Sisínio 707 – 708
88º Constantino I 708 – 715
89º S. Gregório II 715 – 731
90º S. Gregório III 731 – 741
91º S. Zacarias 741 – 752
92º Estevão II 752 – 757
93º S. Paulo I 757 – 767
94º Estevão III 768 – 772
95º Adriano I 772 – 795
96º S. Leão III 795 – 816
97º Estevão IV 816 – 817
98º S. Pascoal I 817 – 824
99º Eugênio II 824 – 827
100º Valentino I 827 – 827
101º Gregório IV 827 – 844
102º Sério II 844 – 847
103º S. Leão IV 847 – 855
104º Bento III 855 – 858
105º S. Nicolau I 858 – 867
106º Adriano II 867 – 872
107º João VIII 872 – 882
108º Marinho I 882 – 884
109º S. Adriano III 884 – 885
110º Estevão V 885 – 891
111º Formoso 891 – 896
112º Bonifácio VI 896 – 896
113º Estêvão VI 896 – 897
114º Romano 897 – 897
115º Teodoro II 897 – 897
116º João IX 898 – 900
117º Bento IV 900 – 903
118º Leão V 903 – 903
119º Sérgio III 904 – 911
120º Anastácio III 911 – 913
121º Lando 913 – 914
122º João X 914 – 928
123º Leão VI 928 – 928
124º Estevão VII 929 – 931
125º João XI 931 – 935
126º Leão VII 936 – 939
127º Estêvão VIII 939 – 942
128º Marinho II 942 – 946
129º Agapito II 946 – 955
130º João XII 955 – 964
131º Leão VIII 963 – 965
132º Bento V 965 – 965
133º João XIII 965 – 972
134º Bento VI 973 – 974
135º Bento VII 974 – 983
136º João XIV 983 – 984
137º João XV 985 – 996
138º Gregório V 996 – 999
139º Silvestre II 999 – 1003
140º João XVII 1003 – 1003
141º João XVIII 1004 – 1009
142º Sérgio IV 1009 – 1012
143º Bento VIII 1012 – 1024
144º João XIX 1024 – 1032
145º Bento IX 1032 – 1045
146º Silvestre III 1045 – 1045
147º Bento IX (2ª vez) 1045 – 1045
148º Gregório VI 1045 – 1046
149º Clemente II 1046 – 1047
150º Bento IX (3ª vez) 1047 – 1048
151º Dâmaso II 1048 – 1049
152º S. Leão IX 1049 – 1055
153º Vitor II 1055 – 1057
154º Estêvão X 1057 – 1059
155º Nicolau II 1059 – 1061
156º Alexandre II 1061 – 1073
157º S. Gregório VII 1073 – 1085
158º B. Vitor III 1086 – 1087
159º B. Urbano II 1088 – 1099
160º Pascoal II 1099 – 1118
161º Gelásio II 1118 – 1119
162º Calisto II 1119 – 1124
163º Honório II 1124 – 1130
164º Inocêncio II 1130 – 1143
165º Celestino II 1143 – 1144
166º Lúcio II 1144 – 1145
167º B. Eugênio III 1145 – 1153
168º Anastácio IV 1153 – 1154
169º Adriano IV 1154 – 1159
170º Alexandre III 1159 – 1181
171º Lúcio III 1181 – 1185
172º Urbano III 1185 – 1187
173º Gregório VIII 1187 – 1187
174º Clemente III 1187 – 1191
175º Celestino III 1191 – 1198
176º Inocêncio III 1198 – 1216
177º Honório III 1216 – 1227
178º Gregório IX 1227 – 1241
179º Celestino IV 1241 – 1241
180º Inocêncio IV 1243 – 1254
181º Alexandre IV 1254 – 1261
182º Urbano IV 1261 – 1264
183º Clemente IV 1265 – 1268
184º B. Gregório X 1271 – 1276
185º B. Inocêncio V 1276 – 1276
186º Adriano V 1276 – 1276
187º João XXI 1276 – 1277
188º Nicolau III 1277 – 1280
189º Martinho IV 1281 – 1285
190º Honório IV 1285 – 1287
191º Nicolau IV 1288 – 1292
192º S. Celestino V 1294 – 1294
193º Bonifácio VIII 1294 – 1303
194º B. Bento XI 1303 – 1304
195º Clemente V 1305 – 1314
196º João XXII 1316 – 1334
197º Bento XII 1335 – 1342
198º Clemente VI 1342 – 1352
199º Inocêncio VI 1352 – 1352
200º B. Urbano V 1362 – 1370
201º Gregório XI 1370 – 1378
202º Urbano VI 1378 – 1389
203º Bonifácio IX 1389 – 1404
204º Inocêncio VII 1404 – 1406
205º Gregório XII 1406 – 1415
206º Martinho V 1417 – 1431
207º Eugênio IV 1431 – 1447
208º Nicolau V 1447 – 1455
209º Calisto III 1455 – 1458
210º Pio II 1458 – 1464
211º Paulo II 1464 – 1471
212º Sisto IV 1471 – 1484
213º Inocêncio VIII 1484 – 1492
214º Alexandre VI 1492 – 1503
215º Pio III 1503 – 1503
216º Júlio II 1503 – 1513
217º Leão X 1513 – 1521
218º Adriano VI 1522 – 1523
219º Clemente VII 1523 – 1534
220º Paulo III 1534 – 1549
221º Júlio III 1550 – 1555
222º Marcelo II 1555 – 1555
223º Paulo IV 1555 – 1559
224º Pio IV 1559 – 1565
225º S. Pio V 1566 – 1572
226º Gregório XIII 1572 – 1585
227º Sisto V 1585 – 1590
228º Urbano VII 1590 – 1590
229º Gregório XIV 1590 – 1591
230º Inocêncio IX 1591 – 1591
231º Clemente VIII 1592 – 1605
232º Leão XI 1605 – 1605
233º Paulo V 1605 – 1621
234º Gregório XV 1621 – 1623
235º Urbano VIII 1623 – 1644
236º Inocêncio X 1644 – 1655
237º Alexandre VII 1655 – 1667
238º Clemente IX 1667 – 1669
239º Clemente X 1670 – 1676
240º B. Inocêncio XI 1676 – 1689
241º Alexandre VIII 1689 – 1691
242º Inocêncio XII 1691 – 1700
243º Clemente XI 1700 – 1721
244º Inocêncio XIII 1721 – 1724
245º Bento XIII 1724 – 1730
246º Clemente XII 1730 – 1740
247º Bento XIV 1740 – 1758
248º Clemente XIII 1758 – 1769
249º Clemente XIV 1769 – 1774
250º Pio VI 1775 – 1799
251º Pio VII 1800 – 1823
252º Leão XII 1823 – 1829
253º Pio VIII 1829 – 1830
254º Gregório XVI 1831 – 1846
255º Pio IX 1846 – 1878
256º Leão XIII 1878 – 1903
257º S. Pio X 1903 – 1914
258º Bento XV 1914 – 1922
259º Pio XI 1922 – 1939
260º Pio XII 1939 – 1958
261º João XXIII 1958 – 1963
262º Paulo VI 1963 – 1978
263º João Paulo I 1978 – 1978
264º João Paulo II 1978 – 2005
265º Bento XVI 2005 – 2013
266º Francisco 2013 – hoje
Índice detalhado das seções
Capítulos neste índice: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15,
16, 17.
Primeira Parte: A Salvação pela Fé

Cap. 1 — Desmantelo e desequilíbrio da teoria


protestante

1 – A tese do pastor.
2 – Textos evangélicos.
3 – Conciliação dos textos.
4 – Perante a lógica e a Bíblia: o caso dos pagãos.
5 – Perante a lógica e a Bíblia: o caso dos cristãos.
6 – Desequilíbrio da doutrina protestante.
7 – Estranho remédio para os males do mundo.
8 – Onde está o desmantelo.
9 – Aceitação integral de Cristo.
10 – A Bíblia mal compreendida.

Cap. 2 — Doutrina católica sobre a salvação

1º — A parte realizada por Jesus Cristo

11 – A visão beatífica.
12 – A graça santificante.
13 – Dons gratuitos.
14 – Promessa do Redentor.
15 – O único Salvador.
16 – Em que sentido Maria SSma é chamada
corredentora.
17 – O que Jesus mereceu por nós.
18 – Os que viveram antes de Cristo.
19 – A parte de Deus e a nossa.

2º — A nossa contribuição entrelaçada com a ação de Deus

20 – A regeneração das crianças pagãs.


21 – A justificação dos adultos pagãos.
22 – Batismo de desejo e batismo de sangue.
23 – A guarda dos mandamentos.
24 – Necessidade da graça para o cumprimento da lei
divina.
25 – Necessidade da graça para qualquer obra meritória.
26 – Necessidade da graça para a fé.
27 – Distribuição desigual das graças.
28 – Graça suficiente para todos.
29 – Duas causas que se entrelaçam.
30 – Algumas comparações clássicas.
31 – A segunda tábua de salvação depois do batismo.
32 – Purificação real e interna.
33 – O que o homem pode merecer.
34 – Aumento da graça e da glória.
35 – Deus retribui a cada um segundo as suas obras.
36 – Confusão de ideias.
37 – A doutrina católica e a presunção.
38 – Recompensa e benefício.

Cap. 3 — Como surgiu a teoria da salvação só pela fé

39 – Novidade de doutrina.
40 – Martinho Lutero faz-se monge.
41 – A “descoberta” de Lutero.
42 – Negação do livre arbítrio.
43 – O pecado original.
44 – Luz nas trevas e consolo no desespero...
45 – Nada de arrependimento, nem de boas obras.
46 – A fé e a salvação, obras exclusivas de Deus.
47 – Pecado mortal e pecado venial.
48 – Livres de todas as leis!...
49 – Conseguiu Lutero seu objetivo?
50 – O luteranismo e a razão.
51 – E era assim?...
52 – Bonito começo!...
53 – Só podia dar nisso mesmo!
54 – A máscara.
55 – A manha protestante.
56 – A fé que salva.

Cap. 4 — O verdadeiro sentido da salvação pela fé

Introdução

57 – Textos bíblicos sobre a salvação pela fé.


58 – Doutrina protestante e doutrina católica.
59 – Método para a interpretação dos textos.

O que é CRER

60 – A concepção de Lutero.
61 – Um texto da epístola aos hebreus.
62 – Outro engano.
63 – A cananeia.
64 – O caso do paralítico.
65 – Noção legítima de fé.
66 – Crer ou não crer.
67 – Crer em Cristo, Filho de Deus.
68 – Crer no evangelho.
69 – Fé particularizada.

O que devemos CRER

70 – A palavra infalível do Mestre.


71 – Amor de Deus.
72 – Amor do próximo.
73 – A castidade.
74 – O juízo final.

Como devemos CRER


75 – Como deve ser a nossa fé?
76 – A fé é o nosso médico.
77 – A fé como ponto de partida.

Um caminho só

78 – Desfazendo a confusão.

O estilo da Bíblia e o teor das divinas promessas

79 – Nas pegadas do Bom Pastor.


80 – As promessas e suas condições.
81 – A invocação do Nome do Senhor.
82 – A eficácia da oração.
83 – A Eucaristia e a vida eterna.
84 – Grande condição para uma grande promessa.

Cap. 5 — A certeza da salvação

85 – Doutrina de S. Paulo.
86 – Não há condenação.
87 – Salvação em marcha e salvação consumada.
88 – O verbo salvar em três tempos.
89 – Duplo conceito de vida eterna.
90 – Ovelhas que não perecerão.
91 – Qualquer pessoa pode perder-se.
92 – Sei em quem tenho crido.
93 – O poder salvador de Cristo.
94 – Crescia o número dos que se salvam.
95 – Os que se salvam, isto é, nós.
96 – Outra ilusão protestante.
97 – O testemunho do Espírito Santo.
98 – O ensino das epístolas.
99 – Vício de origem.
100 – Um quadro maravilhoso.
101 – Da teoria para os fatos.
102 – Os batistas e a certeza da salvação.
103 – A desigualdade das graças.
104 – Deus é imutável; mas nós?!
105 – A transformação do homem.
106 – A nova criatura.
107 – Há certeza do arrependimento?
108 – Tranquilidade da firme esperança.
109 – Diante da realidade.

Cap. 6 — A justificação pela fé sem as obras da lei

110 – Dois textos de S. Paulo.


111 – Lei natural.
112 – Lei mosaica.
113 – Lei de Cristo.
114 – Sempre o Decálogo.
115 – Obras da lei; de qual lei?
116 – S. Tiago e S. Paulo.

1º — Na Epístola aos Gálatas

117 – A questão dos judaizantes.


118 – Incidente entre S. Paulo e S. Pedro.
119 – A luta contra os judaizantes na Epístola aos
Gálatas.
120 – O pensamento paulino e a doutrina católica.

2º — Na Epístola aos Romanos

121 – Uma trela de Lutero.


122 – A argumentação de S. Paulo.
123 – Um parêntesis.
124 – Reatando o fio da argumentação.
125 – Não é assim a argumentação de S. Paulo.
Cap. 7 — A graça dada “de graça”, segundo o ensino de
S. Paulo

126 – Graça atual e graça santificante.


127 – Ambas são necessárias.
128 – O princípio do mérito não pode ser merecido.
129 – Esforço e merecimento.
130 – Ações com valor divino.
131 – A vocação para a fé.
132 – Na Epístola a Tito.
133 – Na Epístola aos Efésios.
134 – Na Epístola aos Romanos.
135 – Depois da justificação
136 – Uma alegoria.

Cap. 8 — O equilíbrio da doutrina santificadora

137 – Os três elementos.

A Fé

138 – Necessidade da fé.


139 – A crença vem do coração.
140 – Como é perigoso menosprezar a crença!

A Graça

141 – Necessidade da graça.

As Obras

142 – A fé sem obras é morta.


143 – A salvação depende das obras.
144 – A gratuidade da salvação.
145 – O salvo pratica a virtude para ser salvo.
146 – Nossos adversários.
147 – É assim que se santificam as almas?
148 – Sacramentalismo.
149 – Conclusão.
Segunda Parte: A minha Igreja

Cap. 9 — A Igreja, sua pedra fundamental e seu governo

A primazia de S. Pedro

150 – A enumeração dos Apóstolos.


151 – Pedro, o primeiro dos Apóstolos.
152 – Pedro fala pelo colégio apostólico.
153 – Pedro e os que com ele estavam.
154 – Atenções especiais a S. Pedro.
155 – Depois da ascensão.
156 – A atuação no concílio de Jerusalém.
157 – Mais provas nas epístolas.

Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja

158 – Simão recebe um novo nome.


159 – Pedro, pedra fundamental da Igreja.
160 – Um texto que não vem ao caso.
161 – Cristo é a pedra e Pedro é a pedra.
162 – Conforta a teus irmãos
163 – Ninguém pode pôr outro fundamento.
164 – Os sucessores de Pedro.

E as portas do inferno não prevalecerão contra ela

165 – Profecia e promessa.


166 – Portas do hádes = poder das trevas.
167 – A Igreja de Cristo é a Igreja Católica.
168 – Onde está a promessa de Cristo?

Eu te darei as chaves do Reino dos Céus;


e tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos Céus,
e tudo o que desatares sobre a terra será desatado também nos
Céus.

169 – A entrega das chaves.


170 – Ligar e desligar.

Apascenta os meus cordeiros; Apascenta as minhas ovelhas

171 – O pastor do grande rebanho.


172 – O amor de Pedro.
173 – Um parêntesis sobre Pedro e satanás.
174 – Ainda o amor de Pedro.
175 – O verbo apascentar.
176 – O pastor dos pastores.
177 – Não foi uma reintegração no apostolado.

A disputa sobre o maior

178 – Origem da disputa.


179 – O Reino dos Céus.
180 – Levantando os ânimos.

A questão dos doze tronos

181 – Outra objeção do mesmo gênero.


182 – Uma observação fora de propósito.
183 – A proposta da mãe dos filhos de Zebedeu.
184 – A exortação do mestre.
185 – S. Pedro seguiu os conselhos do mestre.
186 – O silêncio de S. Marcos.

Dize-o à Igreja

187 – Uma interpretação pelo método confuso.


188 – Os dois tratamentos: tu e vós.
189 – Autoridade da Igreja.
190 – Os fatos nas escrituras.
191 – Os versículos seguintes.

O poder concedido aos Apóstolos

192 – Harmonia entre os poderes.

Os mandamentos da Igreja

193 – O mandamento do Concílio de Jerusalém.


194 – Primeiro mandamento: ouvir a Missa.
195 – Segundo mandamento: a participação da
Eucaristia.
196 – Terceiro mandamento: a confissão anual.
197 – Quarto mandamento: o jejum.
198 – Ainda o quarto mandamento: a abstinência de
carne.
199 – Quinto mandamento: pagar dízimos.
200 – Uma organização divina.

Cap. 10 — Cristo enviou os Apóstolos a pregar

Dificuldades para a exata interpretação da Bíblia

201 – Dois pontos de apoio: Escritura e Tradição.


202 – A ação da providência na interpretação das
escrituras.
203 – A aventura de Martinho Lutero.
204 – A mensagem de Deus é para todos.
205 – A Bíblia não foi escrita em português.
206 – Entendes o que estás lendo? (Atos VIII-30)
207 – A diversidade de gêneros.
208 – A doutrina no Novo Testamento.
209 – A interpretação tem que ser total e não parcial.
210 – Prodígios e carismas.
211 – O celibato na Igreja primitiva e na atual.
212 – Os católicos já estão evangelizados.
213 – Nem tudo está na Bíblia.

Com o livre exame,


o intérprete é capaz de todos os absurdos e extravagâncias

214 – Fraquezas da inteligência e da vaidade humana.


215 – Má doutrina e pior explicação.
216 – Jesus ludibriando?
217 – Outra proeza de Calvino.
218 – Uma dos socinianos.
219 – Um “intérprete” bastante esperto...
220 – O grande crime de todas as religiões...
221 – Batismo de defuntos por procuração.
222 – Quando os humildes podem mais que os
sabichões.

Divergências no seio do Protestantismo

223 – Nova Babel.


224 – Católicos à fina força.
225 – A Santíssima Trindade.
226 – A divindade de Jesus Cristo
227 – Em que consiste a salvação.
228 – A graça.
229 – A fé e as obras.
230 – A imortalidade da alma.
231 – A existência do inferno. A predestinação.
232 – O purgatório.
233 – Sacramentos.
234 – O Batismo. A pregação.
235 – A Eucaristia.
236 – O Matrimônio.
237 – Sábado e Domingo. Adventismo.
238 – O culto dos santos.
239 – Virgindade de Maria SSma.
240 – As imagens.
241 – O pecado original.
242 – Natureza e organização da Igreja.
243 – A Bíblia e sua inspiração.
244 – Completamente desorientados...

A grande chaga do Protestantismo

245 – Lágrimas e lamentações dos reformados.


246 – Desculpas muito frágeis.
247 – Vergonha e desmoralização.
248 – Fracasso do livre exame.
249 – Falsidade do Protestantismo.
250 – A profecia de Caifás.
251 – Uma só fé.

A Bíblia não autoriza o livre exame

252 – Examinai as Escrituras.


253 – A Escritura é útil.
254 – Os judeus de Beréia.
255 – Examinai tudo.

Abraçamos a Fé, não pelo livre exame, mas pela humilde


submissão à Igreja

256 – A posição católica e a protestante.


257 – A última palavra.
258 – Que escreveu Jesus Cristo?
259 – Nenhuma ordem para escrever.
260 – Pregai o Evangelho.
261 – O ensino da Igreja nos nossos dias.
262 – A pregação católica e a protestante.
263 – Utilidade da Escritura.
264 – Coluna e firmamento da verdade (1ª Timóteo III-
15).

Cap. 11 — Cristo enviou os Apóstolos a batizar

265 – A lei da solidariedade humana.


266 – Na antiga e na nova lei.
267 – Pregar e batizar.
268 – O batismo das crianças.
269 – A regeneração do adulto.
270 – A fé e os sacramentos.
271 – Os sacramentos e o sacrifício da cruz.
272 – Como se suprem a fé e os sacramentos.
273 – Ex ópere operato.
274 – Renascer da água e do Espírito Santo.
275 – O batismo de João e o de Cristo.
276 – Sentido próprio e sentido figurado.
277 – Lógica protestante.
278 – O dom do Espírito Santo.
279 – Conversão e regeneração de Saulo.
280 – Banho de água.
281 – O batismo nos salva.
282 – O batismo de imersão.
283 – Alegação incrível.
284 – Exceção não destrói a regra.
285 – Imperativo com particípio presente.
286 – O resultado da pregação.
287 – A que se reduz o Batismo.

Cap. 12 — Cristo deu aos Apóstolos o poder de perdoar


pecados

288 – O poder das chaves


289 – Não se trata de questões disciplinares.
290 – Não é um poder concedido a toda a Igreja.
291 – A necessidade da confissão.
292 – Vantagens da confissão.
293 – A Confissão na lei antiga.
294 – Na 1ª Epístola de S. João.
295 – Na Epístola de S. Tiago.
296 – Um trecho dos Atos e a Confissão auricular.
297 – A Confissão e o Padre Nosso.

Cap. 13 — Cristo deu aos Apóstolos o poder de


consagrar

A promessa da Eucaristia

298 – O capítulo 6º de S. João.


299 – A multiplicação dos pães.
300 – À procura do Mestre.
301 – A natural depuração.
302 – Jesus e o maná do deserto.
303 – O dom da fé.
304 – Versículos 48 a 50.
305 – Versículos 51 e 52.
306 – Versículo 53.
307 – Versículo 54.
308 – Versículo 55.
309 – Versículo 56.
310 – Versículo 57.
311 – Versículo 58.
312 – Versículo 59.
313 – Versículos 60 e 61.
314 – Versículos 62 e 63.
315 – Versículo 64.
316 – Versículos 65 a 68.
317 – Versículos 69 e 70.
A Instituição

318 – Ceia legal e Ceia Eucarística.


319 – Este ou Isto?
320 – A clareza e simplicidade das narrativas.
321 – Cristo falou medindo toda a sua responsabilidade.
322 – Sentido literal e sentido metafórico.
323 – O memorial da Paixão.
324 – Disposições para bem comungar.
325 – A segunda vinda de Cristo.
326 – Teria Cristo comungado?
327 – O Pão Celestial.
328 – O fruto da vinha.
329 – Bagatelas.

A Missa e a Cruz

330 – A Ordem dada aos Apóstolos.


331 – Noção de sacrifício.
332 – Quatro finalidades dos sacrifícios.
333 – O valor dos sacrifícios antigos.
334 – Os sacrifícios expiatórios.
335 – Sacrifício único.
336 – O Sacrifício da Missa e a redenção eterna.
337 – A Missa, oração oficial da Igreja.
338 – A propiciação na Santa Missa.
339 – Confusões protestantes sobre os sufrágios.
340 – O purgatório.
341 – Cristo, único sacerdote.
342 – A oblação constante de Cristo.
343 – A nossa oblação.
344 – O sacerdócio dos fiéis.

A Missa é verdadeiro e real sacrifício


345 – A profecia de Malaquias.
346 – A primeira Missa na Última Ceia.
347 – Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.
348 – Nós temos um altar.
349 – O sacrifício dos cristãos e os sacrifícios pagãos.
350 – Profunda significação eucarística.

Cap. 14 — Os Apóstolos tiveram sucessores

351 – A Missão dos Apóstolos exigia sucessores.


352 – Cristo fala aos Apóstolos e seus sucessores.
353 – O argumento dos fatos.
354 – A eleição de S. Matias.
355 – Diáconos.
356 – Presbíteros ou bispos.
357 – Os apóstolos.
358 – Homens destinados a um plano superior ao dos
presbíteros.
359 – O termo bispos.
360 – Verdadeira Igreja de Cristo.
361 – Duas correntes.
362 – Os protestantes em apuros.
363 – Absoluta falta de lógica.
364 – Os protestantes não creem em Jesus Cristo.
365 – A minha Igreja.
Terceira Parte: Jesus, único mediador

Cap. 15 — O culto dos santos

366 – Por que só a Bíblia?


367 – As decisões dos concílios.
368 – Usos e questões disciplinares.
369 – O desafio.
370 – Na Epístola aos Colossenses.
371 – Adora a Deus!
372 – Bons e maus trocadilhos.
373 – Mediação e suas finalidades.
374 – O contexto.
375 – A ciência dos santos na Visão Beatífica.
376 – Velha experiência.
377 – A promessa sobre a eficácia da oração.
378 – Vem de longe a invocação dos santos.
379 – O Corpo Místico de Cristo.

Cap. 16 — O culto das imagens

Observações preliminares

380 – Utilidade das imagens.


381 – Noção de ídolo e de imagem.
382 – Noção de adoração e latria.
383 – A adoração em espírito e verdade.
384 – Lei de Deus a que estamos sujeitos.

O texto do Êxodo

385 – Versículos 3º e 4º.


386 – Versículo 5º.
387 – A interpretação protestante.
388 – Ainda o versículo 5º.
389 – Os dez mandamentos.

Liceidade e conveniência

390 – A força das circunstâncias.


391 – As imagens através dos séculos da era cristã.
392 – O feitiço contra o feiticeiro.
Quarta Parte: Os irmãos de Jesus

Cap. 17 — A Virgindade Perpétua de Maria Santíssima

393 – O que pensavam os Santos Padres.


394 – Noiva ou casada?
395 – A cena da anunciação.
396 – Antes de coabitarem.
397 – Não temas receber Maria, tua mulher.
398 – O primogênito.
399 – O uso de “enquanto” e “até que” entre os hebreus.
400 – Os irmãos de Jesus.
Índice Analítico
A
noção de adoração e latria, adoração propriamente e
impropriamente dita nº 382; adoração em espírito e verdade,
qual é o verdadeiro adorador nº 383.
A
como se originou esta seita nº 237.

A D
é indispensável para a salvação nº 70; manifesta-se pela
observância dos mandamentos nº 71.
A P
o amor ao próximo, mesmo aos inimigos, é indispensável para
a salvação nº 72.
A
os anjos sabem o que se passa na terra nº 375.
A
a primazia de Pedro entre os Apóstolos nos 151 a 157; os
Apóstolos haveriam de ter sucessores nº 351.
B
necessidade do Batismo para as crianças nos 20 e 268;
disposições necessárias para o batismo dos adultos nº 21;
batismo de desejo e batismo de sangue nº 22; o batismo de
João e o de Cristo nº 275; efeitos do Batismo nos 274 a 281;
batismo de imersão e de infusão nº 282; os efeitos do Batismo
e o caso de Cornélio nº 284; a que está reduzido o Batismo em
muitas seitas protestantes nº 287.
B
os Batistas e a certeza da salvação nº 102.
B
dificuldades para a exata interpretação da Bíblia nos 201 a 209;
ação da Providência na interpretação das Escrituras nº 202;
nem tudo está na Bíblia nº 213; o livre exame leva às maiores
extravagâncias em matéria de exegese nos 215 a 221;
divergências entre os protestantes sobre o conceito de
inspiração da Bíblia nº 243; não havia livre exame na Igreja
Primitiva nº 263; a Bíblia não é a única regra de fé nº 366.
B
os Bispos são sucessores dos Apóstolos nos 358 e 359.
C E
está de acordo com o espírito do Cristianismo, conforme o
ensino de Jesus e de S. Paulo e nada há contra ele na Bíblia
nº 211.
C
qual a finalidade que têm as decisões dos Concílios
Ecumênicos nº 367.
C P
sua necessidade nº 291; suas vantagens nº 292; uso da
confissão na Lei Antiga nº 293; a confissão
nº 295; confissão pública e confissão auricular nº 296; a
confissão em uso entre os primeiros cristãos nº 296; a
confissão e o “Perdoa-nos as nossas dívidas” do Padre Nosso
nº 297.

C
em que sentido alguns escritores católicos chamam assim a
Maria SSma nº 16.
C I
utilidade das imagens nº 380; diferença entre ídolo e imagem
nº 381; o culto das imagens e o texto dos 10 mandamentos na
Lei Antiga nos 385 a 389; por que a Bíblia não fala em culto das
imagens nº 390; as imagens através dos séculos da era cristã
nº 391.

C S
o corpo místico de Cristo e a legitimidade do culto dos santos
nº 379.
D
sua instituição e suas funções nº 355.

D
por que o domingo e não o sábado é o dia de descanso dos
cristãos nº 194.
D
diferença entre a doutrina e as questões disciplinares nº 368.

E A B
os
vários exemplos n 70, 74, 80, 83, 139, 294.
E
como se deve entender a promessa de vida eterna para
aqueles que comungam nº 83; divergências entre os
protestantes a respeito da presença real de Jesus na Eucaristia
nº 235; a multiplicação dos pães, figura do mistério eucarístico
nº 299; a presença real de Jesus na Eucaristia, provada no
capítulo 6º de S. João nos 298 a 317; por que motivo se dá a
comunhão sob uma só espécie nº 307; o cordeiro pascoal,
figura da Eucaristia nº 318; a presença real de Jesus na
Eucaristia, provada pelas palavras da instituição na Última Ceia
nos 318 a 322; a Eucaristia não é mero memorial nº 323; teria
Cristo comungado? nº 326; a Eucaristia é um real e verdadeiro
sacrifício nos 345 a 348.

E
o que quer dizer pregar o Evangelho nos 68 e 260; como se deu
a propagação do Evangelho nos 258 a 260; o ensino do
Evangelho nos nossos dias nº 261; a pregação católica e a
protestante nº 262.

F
a obrigação de fé está incluída na obrigação dos mandamentos
nº 5; é errônea a noção de fé que têm os protestantes nos 8 e 9,
60 a 69; necessidade da graça para a fé nº 26; o verdadeiro
sentido da salvação pela fé nos 57 a 85; a fé é uma virtude
distinta da esperança e da caridade nº 60; como deve ser a
nossa fé: viva, sincera, coerente nº 75; a fé nos salva porque é
o nosso médico a nos prescrever as demais virtudes nº 76; a fé
como ponto de partida para a salvação nº 77; salvar-se pela fé
ou salvar-se pelos mandamentos é um caminho só nº 78; a
doutrina de S. Paulo sobre a salvação pela fé nº 85; a vocação
para a fé é um dom gratuito nº 131; necessidade da fé para a
salvação nº 138; a fé nasce no coração nº 139; justificação pela
fé e pelos sacramentos nº 270; os protestantes não creem em
Jesus Cristo nº 364; diferença entre questões de fé e questões
disciplinares nº 368.
G
divide-se em graça santificante e graça atual nº 126: a graça
santificante é uma participação da natureza divina nº 12; antes
de Cristo já se recebia a graça de Cristo nº 18; necessidade da
graça para o cumprimento da lei divina nº 24; necessidade da
graça para qualquer obra meritória nº 25; necessidade da graça
para a fé nº 26; distribuição desigual das graças nos 27 e 103; a
todos é dada uma graça suficiente para a salvação nº 28; a
ação humana é entrelaçada com a ação da graça nos 29 e 30;
que quer dizer graça primeira nº 33; a graça pode aumentar
nº 34; tanto a graça santificante como a atual são necessárias
para a salvação nº 127; a passagem do estado de pecado para
o de graça santificante, ou seja, a graça primeira nos é
concedida gratuitamente nos 128 a 134; a existência da graça
sobrenatural é negada por muitos protestantes nº 228.
H
o que significa esta palavra nº 166.
H
o que quer dizer esta frase: não resta mais hóstia pelos
pecados (Hebreus X-26) nota no fim do nº 338.
I
significação do princípio: Fora da Igreja não há salvação – nota
ao nº 6; as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja
nos 165 e 166; desde a época apostólica a Igreja de Cristo vem
sendo chamada Igreja Católica nº 167; que vem a ser “dize-o à
Igreja” nos 187 a 190 ; julgamento de questões na Igreja nº 190;
legitimidade e conveniência dos mandamentos da Igreja nos 193
a 199; o papel da Igreja na interpretação das Escrituras nº 201;
a Igreja é a coluna e firmamento da verdade nº 264.

I
utilidade das imagens nº 380; diferença entre ídolo e imagem
nº 381.
I A
é negada por muitos protestantes nº 230.

I
sentidos da palavra “inferno” na Bíblia nº 166; a existência do
inferno é negada por muitos protestantes nº 231.
I S
velha experiência dos católicos sobre a intercessão dos santos
nº 376.

I N S
em que sentido salva nº 81.
I S
vem dos primeiros tempos da Igreja nº 378.
J C
a aceitação de Jesus Cristo só como Salvador é muito
mesquinha e incompleta nos 8 e 9; Jesus é o Único Salvador
nº 15; o que Jesus mereceu por nós nº 17; em que sentido
Jesus pagou por todos nós nº 19; a divindade de Jesus Cristo e
os Socinianos nº 218; a divindade de Jesus Cristo é negada por
muitos protestantes nº 226; em que sentido Jesus é o Único
Mediador nos 372 a 374.
J
a questão dos judaizantes nº 117.
J D
Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras nº 35; não se
pode enaltecer a misericórdia de Deus negando a sua justiça
nº 340.
J
a remissão dos pecados é uma purificação real e interna e não
uma mera não-imputação nº 32; que quer dizer justificação pela
fé sem as obras da lei nos 110 a 125; justificação pela fé e pelos
sacramentos nº 270.
L
noção de adoração e de latria nº 382.
L
o que vem a ser lei natural nº 111, lei mosaica nº 112, lei de
Cristo nº 113; o que se entende por obras da lei nº 115.
L A
foi negado por Lutero nº 42; é ensinado claramente na Bíblia
nº 53.
L E
impraticabilidade do livre exame nos 201 a 209; a razão humana
com o livre exame é capaz dos maiores absurdos e
extravagâncias nos 215 a 221; fracasso do livre exame nº 248; a
Bíblia não autoriza o livre exame nos 252 a 255; abraçamos a
fé, não pelo livre exame, mas pela humilde submissão à Igreja
nº 256 a 264; o livre exame não estava em uso entre os
primeiros cristãos nº 263.
L
seu drama íntimo nos 40 e 41; negava o livre arbítrio nº 42;
ensinava uma salvação sem arrependimento nº 45; suas ideias
sobre a justiça de Deus nº 50.
M I
não são contrários aos mandamentos divinos, antes ajudam a
melhor observá-los nos 193 a 199; primeiro mandamento: ouvir
missa nº 194; segundo mandamento: a participação da
Eucaristia nº 195; terceiro mandamento: a confissão anual
nº 196; quarto mandamento: o jejum e a abstinência nos 197 e
198; quinto mandamento: pagar dízimos nº 199.

M D
seu conhecimento é inato ao homem nº 4; para cumpri-los é
necessária a graça nº 24; a observância dos mandamentos é
necessária para a salvação nº 70; o amor de Deus se manifesta
pela observância dos mandamentos nº 71; Jesus Cristo
refundiu e aperfeiçoou os dez mandamentos nº 389.
M S
em que sentido é chamada corredentora nº 16; opinião de
alguns protestantes a respeito do culto a Maria nº 238 e de sua
virgindade perpétua nº 239; legitimidade do nosso amor e
veneração à Mãe de Jesus nº 379; o que pensavam os Santos
Padres sobre a virgindade perpétua de Maria SSma nº 392;
Maria SSma foi virgem antes do parto, no parto e depois do
parto nº 394; resposta às objeções contra a virgindade perpétua
de Maria SSma nos 396 a 400.

M
diversos sentidos desta palavra nº 373; em que sentido Jesus é
o nosso Único Mediador nos 372 a 374.
M
o que o homem pode merecer nº 33; o princípio do mérito não
pode ser merecido nº 128.
O
Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras nº 35;
diferença entre boas obras e obras da lei nº 115; a salvação
depende também das nossas obras nº 143.

O
sob que condições a nossa oração alcança o seu efeito nº 82; a
promessa sobre a eficácia da oração em nada impede a
intercessão dos santos nº 377.
P
podem salvar-se, caso estejam de boa fé nº 4; não há
possibilidade de salvação para os pagãos na teoria da salvação
só pela fé nº 6; regeneração das crianças pagãs nº 20.
P
S. Paulo enumera vários pecados mortais nº 23; há pecados
mortais e pecados veniais nº 340; Jesus confere aos Apóstolos
o poder de perdoar pecados nos 287 a 289.
P O
consiste na privação da graça santificante nº 13.

P
em que consiste; foi condenado pela Igreja nº 24.
P L D
é recebido por Pedro nº 170; é recebido pelos demais
Apóstolos, mas isto em nada destrói os plenos poderes de
Pedro sobre a Igreja nos 189 e 190; que relação há entre o
poder de ligar e desligar e o poder de perdoar pecados e retê-
los nº 288.

P P P R -
não se trata de questões disciplinares nº 289; foi um poder
concedido aos Apóstolos, não a toda a Igreja nº 290.
P
suas atribuições; eram distintos dos diáconos nº 357;
presbíteros que estão num plano superior aos demais
presbíteros nº 358.

P S. P
Pedro era o primeiro dos Apóstolos nº 151; era Pedro que
falava sempre em nome do colégio apostólico nº 152; atenções
especiais dispensadas por Cristo a S. Pedro nº 154; a primazia
de Pedro nos 151 a 157; Simão recebe o nome de Pedro nº 158;
Pedro, pedra fundamental da Igreja nº 159; Cristo é pedra e
Pedro é pedra nº 161; Pedro recebe a incumbência de confortar
os seus irmãos nº 162; Pedro teve sucessores nº 164; Pedro
recebe as chaves do Reino dos Céus, com o poder de ligar e
desligar nos 169 e 170; Cristo constitui a Pedro pastor de todo o
seu rebanho nos 171 a 177; o silêncio de Marcos e a modéstia
de Pedro nº 186; o incidente entre S. Pedro e S. Paulo nos 118
e 157; a disputa sobre o maior e o primado de Pedro nos 178 a
180; a questão dos 12 tronos e o primado de Pedro nos 181 a
184; lista dos sucessores de S. Pedro, ou seja, catálogo dos
Papas, no Apêndice.
P
a doutrina protestante não apresenta um remédio eficaz para os
males morais do mundo nº 7; divergências no seio do
Protestantismo nos 225 a 243; falsidade do Protestantismo
nº 249; os protestantes não creem em Jesus Cristo nº 364.

P
é admitido por alguns protestantes nº 232; existência do
purgatório nº 340.

Q
rigoroso e mitigado nº 226.
R
a promessa do Redentor nº 14; qual o sentido da Redenção
operada por Cristo nos 17 e 19.

R C
duplo sentido da expressão Reino dos Céus nº 179.
S
sacramentalismo está claramente ensinado na Bíblia nº 148;
divergências entre os protestantes sobre a noção e o número
dos sacramentos nº 233; justificação pela fé e pelos
sacramentos nº 270; os sacramentos e o sacrifício da Cruz
nº 271; os sacramentos produzem efeito ex ópere operato
nº 273.

S
os sacramentos e o Sacrifício da Cruz nº 271; noção geral de
sacrifício nº 331; quatro finalidades dos sacrifícios nº 332; que
valor tinham os sacrifícios da Antiga Lei nº 333; por que motivo
se renova na Santa Missa o Sacrifício da Cruz nº 337; a
Eucaristia é um real e verdadeiro sacrifício nos 345 a 348.
S
o verdadeiro sentido da salvação pela fé nos 57 a 85; vários
sentidos do verbo salvar nº 88; a salvação neste mundo ainda
pode perder-se nº 91; a salvação depende também de nossas
obras nº 143; é falso que a salvação seja dada inteiramente de
graça nº 144; o salvo pratica a virtude para ser salvo nº 145.

S T
é negada por muitos protestantes nº 225.
S
o culto dos santos vem dos primeiros tempos da Igreja nº 378; o
culto dos santos e o corpo místico de Cristo nº 379.

S
em que consiste e onde foi condenado nº 26.
T
não só a Escritura é regra de fé, mas também a tradição nº 201;
nem tudo está na Bíblia nº 213; são infantis os argumentos com
os quais pretendem provar os protestantes pelas Escrituras que
só se deve admitir o que está na Bíblia nº 258 (nota).

V E
duplo conceito de vida eterna: vida eterna = glória, vida eterna =
graça nº 89.
V P M S
opinião de alguns protestantes sobre o assunto nº 239; o que
pensavam os Santos Padres nº 393; resposta às objeções
contra a virgindade perpétua de Maria SSma nos 396 a 400.

V B
em que consiste; está acima da nossa natureza nº 11; a ciência
dos santos na visão beatífica nº 375.
Índice dos trechos da Bíblia mais largamente
comentados
Êxodo XX-3 a 5: nos 385 a 389.

Deuteronômio V-7 a 9: nos 385 a 389.

Salmos CIX-4: nº 347.

Isaías I-18: nº 340.

Joel II-32: nº 81.

Malaquias I-11: nº 345.

Mateus I-18: nº 396.

Mateus I-20: nº 397.

Mateus I-24: nº 397.

Mateus I-25: nos 398 e 399.

Mateus VI-12: nº 297.

Mateus VIII-2: nº 62.

Mateus VIII-8 a 10: nº 62.

Mateus IX-2: nº 64.

Mateus IX-28: nº 62.

Mateus X-2: nº 151.

Mateus XIII-55 e 56: nº 400.


Mateus XV-11: nº 198.

Mateus XV-22 a 28: nº 63.

Mateus XVI-17 e 18: nos 159 a 168.

Mateus XVIII-1 a 4: nos 178 a 180.

Mateus XVIII-17: nos 187 a 190.

Mateus XVIII-19 e 20: nº 191.

Mateus XIX-14: nº 268 nota.

Mateus XIX-16 e 17: nos 4 e 70.

Mateus XX-25 a 27: nos 182 a 184.

Mateus XXV-31 a 43: nº 74.

Mateus XXVI-26 a 28: nos 318 a 322.

Mateus XXVIII-19: nº 285.

Mateus XXVIII-20: nº 261.

Marcos I-15: nº 68.

Marcos VI-3: nº 400.

Marcos VIII-29 e 30: nº 186.

Marcos XIV-22 a 24: nos 318 a 322.

Marcos XVI-16: nos 58 a 84, 286.

Lucas I-34: nº 395.


Lucas II-7: nº 398.

Lucas XI-4: nº 297.

Lucas XXII-19 e 20: nos 318 a 323.

Lucas XXII-31 e 32: nº 162.

João I-42: nº 158.

João III-5: nos 274 a 281.

João III-16 a 18: nos 58 a 84.

João III-36: nos 58 a 84.

João IV-23: nº 383.

João V-24: nos 58 a 84, 89.

João V-39: nº 251.

João VI-29: nº 301.

João VI-40: nos 58 a 84.

João VI-47: nos 58 a 84.

João VI-48 a 50: nº 304.

João VI-51 e 52: nº 305.

João VI-53: nº 306.

João VI-54: nº 307.

João VI-55: nos 89 e 308.


João VI-56: nº 309.

João VI-57: nº 310.

João VI-58: nº 311.

João VI-59: nº 312.

João VI-61: nº 313.

João VI-62 e 63: nº 314.

João VI-64: nº 315.

João VI-67 e 68: nº 316.

João VI-69 e 70: nº 317.

João X-27 e 28: nº 90.

João XI-25 e 26: nos 58 a 84.

João XI-49 a 52: nº 250.

João XIV-13 e 14: nº 377.

João XIV-21: nº 71.

João XV-7: nº 377.

João XVII-1 a 3: nº 89.

João XVII-20 e 21: nº 249.

João XX-23: nos 288 a 290.

João XXI-15 a 17: nos 171 a 177.


Atos II-38: nos 276 e 277.

Atos II-47: nº 94.

Atos X-43: nº 270.

Atos X-44 a 48: nº 284.

Atos XVI-30 e 31: nos 58 a 84.

Atos XVII-11: nº 254.

Atos XIX-18: nº 296.

Atos XXII-6: nº 279.

Romanos I-16: nos 58 a 84.

Romanos III-28: nos 115, 122 a 125.

Romanos IV-4 a 7: nº 134.

Romanos VI-23: nos 89 e 135.

Romanos VIII-1: nº 86.

Romanos VIII-15: nº 98.

Romanos VIII-16: nº 97.

Romanos X-11: nos 58 a 84.

Romanos X-13: nº 81.

Romanos XI-16: nº 131.

1ª Coríntios I-18: nº 95.


1ª Coríntios III-11: nº 163.

1ª Coríntios IX-5: nº 211.

1ª Coríntios IX-22: nº 265.

1ª Coríntios X-4: nº 160.

1ª Coríntios X-16: nº 349.

1ª Coríntios X-21: nº 349.

1ª Coríntios XI-23 a 25: nos 318 a 323.

1ª Coríntios XI-25: nº 325.

1ª Coríntios XI-27 a 29: nº 324.

1ª Coríntios XI-29: nº 221.

Gálatas I-8: nº 256 (nota).

Gálatas II-16: nos 115, 117 a 119.

Efésios II-4 a 9: nos 88, 138.

Efésios IV-1 a 5: nº 251.

Colossenses II-18: nº 370.

1ª Tessalonicenses V-21: nº 255.

1ª Timóteo II-5: nos 372 a 374.

1ª Timóteo III-15: nº 264.

1ª Timóteo IV-16: nº 265.


2ª Timóteo I-8 e 9: nº 131.

2ª Timóteo I-12: nº 92.

2ª Timóteo III-16: nos 253 e 263.

Tito III-3 a 8: nos 132 e 280.

Hebreus VII-25: nº 93.

Hebreus X-26: nº 338 (nota ao final).

Hebreus XI-1: nº 61.

Hebreus XI-6: nos 4 e 61.

Hebreus XIII-10: nº 348.

Tiago V-16: nº 295.

Tiago V-16 a 18: nº 377.

1ª Pedro III-20 e 21: nº 281.

1ª Pedro V-1: nos 185 e 357.

1ª João I-7: nº 271.

1ª João I-9: nº 294.

1ª João V-10 a 13: nº 89.

Apocalipse II-17: nº 161 (nota).

Apocalipse XIX-10: nº 371.

Apocalipse XXII-9: nº 371.


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