Você está na página 1de 4

Escola Sem Partido, uma escola a

favor da cultura da indiferença


Educadores advertem: a falta de espírito crítico e
de reflexão, que permeia escola e sociedade,
gera preconceito e discriminação

MOACIR GADOTTI 5 de setembro de 2016

Facebook Tw itter

PEXELS

Em 1917, o filósofo italiano Antonio Gramsci publicou na


revista La Città Futura um artigo de título “Os indiferentes”.
Ele o abre com uma declaração contundente: “Viver
significa tomar partido. Quem verdadeiramente vive não
pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia,
parasitismo, covardia, não é vida”. Suas palavras são muito
atuais se considerarmos essa cultura da indiferença que
está sendo pregada por movimentos como o Escola Sem
Partido.
Nos manuscritos da Pedagogia do oprimido, Paulo
Freireapresenta um quadro explicativo de duas culturas
quando fala de uma “teoria da ação dialógica” e uma “teoria
da ação anti-dialógica” que fundamentam, respectivamente,
a “educação problematizadora” e a “educação bancária”.
A primeira leva à humanização e caracteriza-se pela
“colaboração, pela união, pela organização e pela síntese
cultural”. A segunda à “manutenção objetiva da opressão” e
caracteriza-se pela “conquista, pela divisão do povo, pela
manipulação e pela invasão cultural”.

Tivemos muitas conquistas nessas últimas décadas, mas


não conseguirmos construir uma cultura de solidariedade,
de companheirismo. Ao contrário, estamos construindo,
perigosamente, uma cultura da delação e ignoramos a
necessidade de formação para uma cultura cidadã.

A importância da Educação Popular tem sido minimizada.


Com isso, a base social de resistência ao poder das elites
ficou enfraquecida. Empoderar os mais empobrecidos é
organizá-los e, para isso, precisam de formação política.
“Ninguém luta contra forças que não entende”, dizia Paulo
Freire.

O Escola sem Partido começou como um movimento


fundado por um procurador do Estado de São Paulo, Dr.
Miguel Nagib, para estimular a delação de alunos que
supostamente estariam sendo doutrinados por professores,
ameaçando-os com processos. Segundo o Escola Sem
Partido, os professores formariam um exército de militantes
em favor da “doutrinação marxista, esquerdista”.

Projetos de leis para regular o ensino e processar


professores já estão sendo discutidos no Congresso bem
como em vários estados e municípios. No Estado de São
Paulo, o deputado Aldo Demarchi (DEM) apresentou um
projeto de lei que alega combater a prática da doutrinação
política. Felizmente, a Comissão de Educação e Cultura da
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo acaba de
rejeitá-lo. Um projeto de lei na Câmara dos Deputados
(PL1411/2015) apresentado pelo deputado Rogério Marinho
(PSDB/RN) tipifica o crime de “assédio ideológico” em sala
de aula, prevendo penas de até um ano de prisão, além de
multas aos professores.

Há ainda outros projetos que punem professores que


abordarem questões de gênero na sala de aula. A estratégia
da Escola sem Partido é tipicamente fascista: intimidar e
criar o medo entre os professores para alcançar seus fins e
objetivos ideológicos.

O objetivo desse movimento é silenciar vozes,


criminalizando o trabalho docente; é perseguir, demitir e até
prender os docentes que defendam uma visão de mundo
contrária ao status quo e colocar a educação a serviço dos
interesses do mercado.

A expressão “Escola sem partido” e “Escola de partido


único” são sinônimos. Trata-se de uma escola sem
pluralidade, sem liberdade, sem diversidade, sem inclusão,
sem democracia, uma escola que segrega, que discrimina,
que reprime.

Além disso, o movimento da Escola Sem Partido é um


movimento a favor da privatização da educação. Primeiro
desqualifica a escola pública para, depois, propor
“recuperar” essa escola por meio da gestão privada ou dos
critérios privados de institutos e fundações empresariais. A
Escola Sem Partido é apenas mais uma tentativa de
destruir a Escola Democrática, a Escola Cidadã, uma
conquista da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996.

É verdade, educar não é adestrar. Todo proselitismo, toda


doutrinação devem ser combatidos na escola. Mas é dever
do professor formar cidadãos fomentando o debate e a
discussão sobre valores na escola. Os temas transversais
dos Parâmetros Curriculares Nacionais foram introduzidos
para isso. A diversidade cultural e a discussão de gênero
devem fazer parte desta formação cidadã como acontece
na quase totalidade dos sistemas educacionais do mundo,
impulsionados por orientações da Unesco.
A Escola sem Partido é a expressão da falta de espírito
crítico e de reflexão que permeia escola e sociedade. Nossa
pedagogia não é reflexiva e crítica. É dogmática, “bancária”,
na expressão de Paulo Freire. Na falta de argumentação o
que se observa é a ofensa, o preconceito, quando não o
ódio e a intolerância.

Moacir Gadotti, presidente de honra do Instituto Paulo Freire


e professor aposentado da Universidade de São Paulo

Você também pode gostar