O documento discute as interpretações do livro "O Príncipe", de Maquiavel. Argumenta que é mais coerente vê-lo como um defensor da república e dos valores republicanos do que como aspirante a ditador, já que em outras obras ele exalta essas ideias e viveu sob um regime monárquico opressor. Apesar de aparentar defender monarquias em "O Príncipe", há indícios de que ele fazia uma sátira disfarçada para criticar governantes de seu tempo.
Descrição original:
Título original
A1 - Hist da Fil e Ética - Pedro Henrique Campello
O documento discute as interpretações do livro "O Príncipe", de Maquiavel. Argumenta que é mais coerente vê-lo como um defensor da república e dos valores republicanos do que como aspirante a ditador, já que em outras obras ele exalta essas ideias e viveu sob um regime monárquico opressor. Apesar de aparentar defender monarquias em "O Príncipe", há indícios de que ele fazia uma sátira disfarçada para criticar governantes de seu tempo.
O documento discute as interpretações do livro "O Príncipe", de Maquiavel. Argumenta que é mais coerente vê-lo como um defensor da república e dos valores republicanos do que como aspirante a ditador, já que em outras obras ele exalta essas ideias e viveu sob um regime monárquico opressor. Apesar de aparentar defender monarquias em "O Príncipe", há indícios de que ele fazia uma sátira disfarçada para criticar governantes de seu tempo.
A1 História da Filosofia e Ética - "O Príncipe" de Maquiavel
"No século XVI, Maquiavel escreveu O Príncipe, reflexão sobre a Monarquia e a
função do governante. A manutenção da ordem social, segundo esse autor, baseava-se na conveniência entre o poder tirânico e a moral do príncipe." Esse trecho foi retirado de uma questão com gabarito do ENEM de 2010. No Brasil, à exceção de alguns poucos personagens luso-brasileiros, Nicolau Maquiavel, está, indubitavelmente, entre os autores mais estudados da Idade Moderna, em nível fundamental, médio e superior, sendo frequentemente tema de questões de vestibulares e TCCs. A extensa abordagem do autor, em paralelo à disseminação do uso do adjetivo derivado de seu nome, fomenta no imaginário popular uma visão quase diabólica do filósofo florentino, muito pelo fato de sua obra mais popular ser apresentada quase exclusivamente de forma expositiva e por seu valor face, reforçando-o como apenas como um aspirante a ditador ao desconsiderar sua vasta bibliografia e o contexto em que a carta a Lourenço de Médici foi escrita. Desse modo, interpretar 'O Príncipe' como um grito republicano em meio ao constante embate, teórico e armado, com as monarquias nas cidades italianas entre os séculos XV e XVI, mostra-se coerente com relatos históricos. Em uma primeira análise, 'O Príncipe' explicita seu suposto intuito como obra em seu preâmbulo, ao se declarar, praticamente, como um manual para a manutenção no poder. Nesse sentido, Maquiavel reflete que o sucesso de longo prazo para monarcas é definido pela habilidade política e a sorte, no entanto essa aptidão que ele denomina como virtude, se diferencia do conceito clássico grego de uma bondade universal, e sim representa uma alta adaptabilidade a situações. No desenvolver do livro, torna-se evidente a defesa de que a capacidade de um governante de moldar-se a situações, para ser efetiva, deve não apenas relevar princípios morais e éticos, e sim rompê-los constantemente, tanto em relação aos governados como aos apoiadores do governo, reprimindo, cooptando e censurando. Com isso, Maquiavel apresenta uma ruptura com a tradição medieval de um 'bom governo' ao não especificar nenhuma finalidade, exceto a estabilidade do poder, equiparando monarcas que assumem de forma 'virtuosa' o trono com aqueles que cometeram as mais diversas atrocidades para alcançá-lo. Esse afastamento de uma tentativa de construção de uma sociedade harmoniosa em detrimento da estabilidade política, posição aparente em 'O Príncipe', destoa do que o próprio autor afirma em demais livros, como em 'Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio' em que Maquiavel afirma “o que assegura às republicas mais vida e uma saúde mais vigorosa e mais duradoura do que aquelas da monarquia é o fato de poder, dada a variedade e a diferença do gênio de seus cidadãos, se acomodar melhor e mais facilmente às mudanças do tempo”. A evidente contradição entre os textos gera um questionamento sobre o real posicionamento de Maquiavel, pois, como apontado acima, o pensador florentino acredita que nem para estabilidade - pauta primordial em meio ao corpo social da época -, monarquias personalistas seriam mais eficientes do que repúblicas a longo prazo. É plausível que o convívio no meio público o levou a descrença no regime e que seu posicionamento político ainda estava sendo moldado na época, e que Maquiavel, ao longo de sua trajetória mostrou-se um republicano em construção, que por estar inserido em um meio autoritário dificultava uma expressão plena de sua opinião, tanto por censura como pelas limitações filosóficas da época. Porém sob a ótica de sua vida pessoal, há relatos de que Nicolau Maquiavel foi acusado de sedição, preso, torturado e exilado pelo regime de Médici, o que dificulta interpretá-lo como um defensor desse modelo de governo. Dessa maneira, compreender Maquiavel como um filósofo pró monarquias autoritárias pode resultar em lacunas de incoerência ao fazer uma análise mais ampla de sua vida e bibliografia. Não que suas obras estejam próximas da defesa de um Estado Democrático de Direitos nos moldes contemporâneos, como defendido nas obras de Bobbio, mas sim mostra-se como um defensor da república por argumentos éticos e utilitaristas, coerentes com o tempo e local que está inserido, porém destaca-se ao fundamentar bases republicanas para a ciência política em um contexto conturbado de reorganização das estruturas da sociedade europeia pós Idade Média. Com isso, é possível afastar 'O Príncipe' exclusivamente de seu valor de face como um manual para Médici, perceber as peculiaridades e a profundidade que essa obra apresenta pelas suas diversas interpretações. A ironia esteve presente em demais obras de Maquiavel como a comédia 'Cliza', em que aborda ao fracasso em expulsar espanhóis de Milão como algo cômico. Sob essa perspectiva, é coerente e interessante compreender 'O Príncipe' , como uma grande sátira de um republicano que escancara em palavras as atrocidades cometidas por monarcas e que mesmo assim são tolos, e a longo prazo não se conseguem manter no poder. Ainda assim, mesmo percebendo tons de ironia ao longo das páginas, aparenta para mim ser mais convincente que a carta para Lourenço de Médici não se trata apenas de uma simples gozação em tentativa de provocar um monarca, mas sim uma defesa fiel aos valores republicanos. Aparenta, à primeira vista, ser pelo menos antitético, se não contraditório apontar um livro historicamente associado ao autoritarismo como um levante a república e a democracia. No capítulo IX, 'Do principado civil' , há uma constante exaltação do poder emanando do povo, soando quase como o parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal de 1988. Maquiavel afirma que o objetivo do povo sempre é mais honesto do que o dos poderosos, e que enquanto estes desejam apenas oprimir, o povo nunca quer ser oprimido. Esse trecho é apenas um exemplo, com uma leitura aberta a interpretações, a exaltação a autodeterminação do povo pode ser percebida em quase todas as páginas do livro, e esse é um dos principais aspectos, se não o principal, que torna atemporal a obra. Maquiavel foi capaz de, em uma obra, mostrar o seu anseio de vida em que tentou participar efetivamente da vida pública, mergulhado no sofrimento de ter sido preso, torturado e exilado, construir uma crítica direta ao governo vigente, clamar por uma nova organização política, e ainda a disfarçou como um presente ao governante. Dessa forma, entendo por mais convincente e coerente interpretar 'O Príncipe' como uma defesa dos valores republicanos no início da Idade Moderna, que alicerça a sociedade contemporânea, e não o estereótipo reforçado pelo ciclo básico educacional de ser um simples aspirante a ditador.
Pedro Henrique Campello Gouveia
Bibliografia
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. EdiPro
PINTO LIRA, Rubens. Maquiavel Republicano: Precursor Da Democracia Moderna
DE SOUZA BRAZ, Livia. Maquiavel Republicano
CASTRO DA COSTA, Jean. MACHIAVELLI, TRAGIC THINKER