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GRUPO I – EDUCAÇÃO LITERÁRIA

PARTE A
Lê atentamente o texto.

Ao anoitecer, Simão, como estivesse sozinho, escreveu uma longa carta, da qual extratamos os
seguintes períodos:
“Considero-te perdida, Teresa. O sol de amanhã pode ser que eu o não veja. Tudo, em volta de
mim, tem uma cor de morte. Parece que o frio da minha sepultura me está passando o sangue e os
5 ossos.
Não posso ser o que tu querias que eu fosse. A minha paixão não se conforma com a desgraça.
Eras a minha vida: tinha a certeza de que as contrariedades não me privavam de ti. Só o receio de
perder-te me mata. O que me resta do passado é a coragem de ir buscar uma morte digna de mim e
de ti. Se tens força para uma agonia lenta, eu não posso com ela.
10 Poderia viver com a paixão infeliz; mas este rancor sem vingança é um inferno. Não hei de dar
barata a vida, não. Ficarás sem mim, Teresa; mas não haverá aí um infame que te persiga depois da
minha morte. Tenho ciúmes de todas as tuas horas. Hás de pensar com muita saudade no teu
esposo do céu, e nunca tirarás de mim os olhos da tua alma para veres ao pé de ti o miserável que
nos matou a realidade de tantas esperanças formosas.
15 Tu verás esta carta quando eu já estiver num outro mundo, esperando as orações das tuas
lágrimas. As orações! Admiro-me desta faísca de fé que me alumia nas minhas trevas!... Tu deras-me
com o amor a religião, Teresa. Ainda creio; não se apaga a luz que é tua; mas a providência divina
desamparou-me.
Lembra-te de mim. Vive para explicares ao mundo, com a tua lealdade a uma sombra, a razão por
20 que me atraíste a um abismo. Escutarás com glória a voz do mundo, dizendo que eras digna de mim.
À hora em que leres esta carta…”
Não o deixaram continuar as lágrimas, nem depois a presença de Mariana. Vinha ela pôr a mesa
para a ceia, e, quando desdobrava a toalha, disse em voz abafada, como se a si mesma somente o
dissesse:
20 – É a última vez que ponho a mesa ao senhor Simão em minha casa!
– Porque diz isso, Mariana?
– Porque mo diz o coração.
Desta vez, o académico ponderou supersticiosamente os ditames do coração da moça, com o
silêncio meditativo deu-lhe a ela a evidência antecipada do vaticínio.
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, Lisboa: INCM, 2012 [Cap. X], pp.104-105.

1. A partir de expressões do texto, apresenta duas características da personagem Simão reveladoras dos valores que
norteiam a sua conduta.

Simão demonstra o seu amor incondicional por Teresa. De facto, abdica da sua própria vida em nome deste amor e
em defesa da sua honra e da sua dignidade (“O que me resta do passado é a coragem de ir buscar uma morte digna
de mim e de ti”). É um jovem que se bate por valores elevados, como a liberdade individual, a liberdade de escolha,
mesmo que isso signifique a sua morte (“Ficarás sem mim, Teresa; mas não haverá aí um infame que te persiga
depois da minha morte.”). Concluindo, Simão Botelho coloca o amor e a honra acima de qualquer outro interesse.

1
2. “Hás de pensar com muita saudade no teu esposo do céu”. Caracteriza o conceito de amor que esta expressão
pressupõe.

Este excerto apresenta uma conceção de amor típica do Romantismo. Assim, trata-se do amor-paixão, do
amor como páthos ou sofrimento, na medida em que, sendo um amor impossível, tem como única solução
a morte física. Tal é exatamente o que vai acontecer com Simão, como se lê na carta, ao anunciar o destino
final claramente (“Tu verás esta carta quando eu já estiver num outro mundo, esperando as orações das
tuas lágrimas.”). Em suma, o texto apresenta uma visão do amor que, perante o sofrimento, tem como
único remédio a fatalidade da morte.

3. Completa as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada espaço. Regista apenas a
letra e o número que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.

Esta carta escrita por Simão, que _a)_, é reveladora de um ser emotivo, que centra o seu discurso em si próprio. Assim, o
uso de formas verbais na 1.ª pessoa do singular bem como a recorrente repetição de pronomes pessoais traduzem um
estado de espírito perturbado pelo _b)_, que se move pelo seu amor por Teresa. Pressente-se que esta decisão de agir em
nome de um _c)_vai conduzir Simão a uma desgraça, vai levá-lo à sua perdição.
a) b) c)
1. comunica as suas indecisões 1. desejo de vingança 1. ímpeto

2. procura persuadir Teresa 2. desejo de resgatar Teresa 2. ato revolucionário

3. autojustifica os seus atos 3. desejo de fugir à justiça 3. amor-paixão

a) 3; b) 1; c) 3,

PARTE B
Baseando-te na tua experiência de leitura de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, escreve uma breve exposição sobre o
modo como o sebastianismo emerge na obra.

Num contexto em que Portugal está sob o domínio filipino, o sebastianismo evidencia-se na crença nacional de
que D. Sebastião não morreu na batalha de Alcácer Quibir.
O sebastianismo assenta na convicção de que o regresso de D. Sebastião devolverá a Portugal a independência
e a liberdade perdidas. Assim, existem na obra personagens fortemente sebastianistas: Telmo, vinte e um anos
passados sobre a fatídica batalha, mantém a esperança de que o seu antigo amo esteja vivo e regresse, o que
significaria que D. Sebastião poderia também regressar. Por sua vez, Maria, porta-voz da ilusão popular de que D.
Sebastião está vivo, acredita que o rei regressará a qualquer momento para salvar o seu povo do jugo castelhano.
A mensagem sebastianista não é absolutamente linear: se com a chegada do Romeiro, ou seja, de D. João de
Portugal, se verifica a destruição de uma família (o seu regresso, em vez de ser uma graça, é uma desgraça), o
hipotético regresso de D. Sebastião também poderia não ser a melhor solução para Portugal, dado que se devia
olhar para o futuro do país e não continuar preso ao passado e a uma crença.

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GRUPO II – LEITURA/GRAMÁTICA
PARTE A- LEITURA
Lê o texto e a nota.

A «trapaça» de Camilo Castelo Branco


Estamos no Minho, «o leitor e eu», como diria – e lá estão as lápides com os dísticos e letreiros inscritos
Camilo Castelo Branco, numa caça ao tesouro na pedra, as mesmas em que Camilo se inspirou para
escondido por este homem cuja vida se sobrepõe à 40 escrever O Senhor do Paço de Ninães!
ficção. Foi precisamente a esta hora, faz 152 anos sem tirar
5 Para o sucesso da empreitada, convém ter um nem pôr, que – por incumbência de Camilo – Manuel
mapa. Pede-se ajuda ao próprio Camilo, o primeiro Vicente, à cabeça de três ou quatro criados, mandou
escritor profissional português, mas ele – para que retirar da igreja duas lajes. Estas, segundo o auto judicial
se não conheçam os métodos insólitos a que 45 do delito então levantado, «cobriam as sepulturas de duas
recorreu para romancear – não abre inteiramente o pessoas classificadas... Lápides que se avaliaram em
10 jogo. Apenas dá umas ‘dicas’ sobre o local que mais de vinte mil réis».
originariamente abrigou o tesouro, que é referido Mas a história não acaba aqui. De posse do segredo,
num antigo manuscrito dos cónegos regrantes 1 de logo as herdeiras do mosteiro trataram de arranjar
Santo Agostinho, conhecidos também por crúzios. 50 especialista de calibre que interpretasse as lápides que,
A quase duas léguas de Vila Nova de Famalicão, um dia, haviam supostamente coberto ilustres mortos.
15 chega-se ao local. Passa-se o portão do antigo Consultam Mário Barroca, professor catedrático, o
mosteiro de Santa Maria de Landim, coladinho ao melhor desta área. E este chegará a uma conclusão que
templo que já foi sua pertença. O sino toca como se talvez suscitasse de Camilo, se cá ainda estivesse, uma
tentasse desviar-nos do percurso, atraindo-nos à 55 valente gargalhada. O historiador e arqueólogo deteta o
igreja. Fugimos da armadilha. No jardim que erro: «Os nomes lá inscritos não coincidem com as
20 envolve a entrada principal, somos recebidos por um personagens: numa está inscrito Mateus Alvarez, e
aroma forte a flores: são camélias, que dão o nome noutra, datada de 1617, Bastião. Devem pertencer a
ao recanto. agricultores abastados. Muito provavelmente, Camilo
Seguimos em frente, sem cair nas rasteiras que as 60 não as conseguiu decifrar».
várias partes interessadas colocam ao ‘leitor e eu’, Mas, mesmo assim, não se atrapalhou. Embora
25 fazendo ouvidos moucos ao toque monótono que de dissesse «eu não tenho imaginação; tenho apenas o que
hora a hora vem da torre da igreja. vivi e o que cimentei» (curiosa alusão ao cimento...),
O sino da igreja marca, ciumento, presença: onze escreveu mesmo O Senhor do Paço de Ninães. E, como
os mortos não falam, a «trapaça», só agora se descobriu.
da manhã. A água amena está convidativa. Metemo- 65
Mas o mérito da obra não fica por isso beliscado.
nos lá dentro – e é pelo tato que começamos a
30 levantar o véu. Os dedos, ávidos, saltam de pedra
Felícia Cabrita, «A «trapaça» de Camilo Castelo Branco», in
em pedra, até pararem nuns aparentes sulcos no https://ionline.sapo.pt
granito. Limpa-se a cobertura de folhas e o lençol de (texto adaptado e com supressões, consultado em 28/12/2021).
limos que tornam o fundo do tanque invisível
1
cónegos regrantes: elementos do clero que viviam em comunidade e faziam voto de pobreza.

1. Ao recorrer à expressão camiliana, «o leitor e eu» (linha 1), Felícia Cabrita pretende
A. satirizar um exemplo que era recorrentemente usado pelo autor.
B. reproduzir a ligação que o autor estabelecia com o seu público.
C. enaltecer a pertinência das relações estabelecidas com o leitor.
D. mostrar que o autor era exímio no modo de iniciar os seus textos.

2. No último período do terceiro parágrafo, está presente uma


A. hipérbole que realça o perfume intenso das camélias.
B. personificação que sugere sensações olfativas.
C. metáfora que destaca a beleza do local a que se chega.
D. enumeração que mostra a diversidade de flores.

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3. No contexto em que ocorre, a expressão idiomática «fazendo ouvidos moucos» (linha 25) remete para o ato de
A. esquecer.
B. ignorar.
C. fingir.
D. dissimular.

4. O quinto parágrafo do texto é, predominantemente,


A. narrativo.
B. expositivo.
C. argumentativo.
D. descritivo.

5. O mérito de Camilo, por ter escrito O Senhor do Paço de Ninães, não fica «beliscado» (linha 64),
A. pois a sua escrita será sempre marcada pela genialidade.
B. já que atualmente não é possível confirmar o que descreveu.
C. ainda que o autor tenha obtido dados de modo incorreto.
D. apesar de não se confirmar a veracidade do que narrou.

PARTE B- GRAMÁTICA

1. Identifica as funções sintáticas desempenhadas pelo pronome relativo «que» na


a) linha 23; Complemento direto
b) linha 25. Sujeito

2. Classifica a oração introduzida pelo pronome relativo “que” na linha 23.


Oração subordinada adjetiva relativa restritiva

3. Classifica a oração destacada “para que se não conheçam os métodos insólitos” (ll 7-8)
Oração subordinada adverbial final

4. Identifica o tipo de modalidade e o respetivo valor presente na frase “Muito provavelmente, Camilo não as conseguiu
decifrar.” (ll 59-60)
Modalidade epistémica com valor de probabilidade

5. Identifica o ato ilocutório realizado na seguinte frase: “A quase duas léguas de Vila Nova de Famalicão, chega-se ao
local.” (ll 14-15).
Ato ilocutório assertivo

6. Indica o mecanismo de coesão textual accionado pelas palavras destacadas na frase:


“No jardim que envolve a entrada principal, somos recebidos por um aroma forte a flores: são camélias, que dão o
nome ao recanto.” (ll 20-22).
Coesão lexical (por substituição: hiperonímia/meronímia)

7. Indica o deítico (ou deíticos) presentes no segmento “Estamos no Minho, «o leitor e eu», como diria Camilo Castelo
Branco,” (linha 1-2).
Deítico pessoal e temporal.

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GRUPO III - ESCRITA

“No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos costumes de Simão. (…) Simão Botelho
amava.”
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, cap. II.

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, defende uma perspetiva pessoal sobre o poder transformador dos sentimentos.

No teu texto:
• explicita, de forma clara e pertinente, o teu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos,
cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
• utiliza um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

GRUPO IV – COMPREENSÃO DO ORAL

Depois de ouvires o documento áudio, seleciona a única resposta correta.

1. Em que período viveu Camilo Castelo Branco?


5. Em quem se inspirou para escrever a obra?
(A) Século XV e XVI.
(A) num tio.
(B) Século XVIII.
(B) num primo.
(C) Século XIX.
(C) numa tia.
(D) Século XVII e início do século XVIII.
(D) no pai.

2. Quem foi Camilo Castelo Branco? 6. Quem é a personagem mais verdadeira da novela?
(A) Um famoso ator de telenovelas. (A) Tadeu Albuquerque.
(B) Um escritor de telenovelas. (B) Simão.
(C) O primeiro escritor português a viver da escrita. (C) Mariana.
(D) Um escritor com pouca atividade literária. (D) Teresa.

3. Em que circunstâncias foi escrita a novela Amor de 7. Que temas são abordados na novela?
Perdição? (A) Amor e desamor.
(A) A novela não foi publicada por o autor ter praticado (B) Amor, ódio, vingança e crítica social.
adultério. (C) Terror e piedade.
(B) A novela foi publicada durante a prisão do autor. (D) Ódio e traição.
(C) A novela foi escrita num período conturbado da vida do
autor.
(D) A novela foi escrita perto da morte do autor. 8. Que aspetos se destacam na crítica social feita na
obra?
(A) Preconceito social e honra familiar.
(B) Cobiça e desonra.
4. Quais são as características mais distintivas de Amor de (C) Avareza e traição.
Perdição? (D) Avareza e desonra.
(A) A ação da novela baseia-se numa história sentimental
de um criminoso.
(B) Esta obra é baseada na vida de um familiar da mulher
do autor.
(C) A novela baseia-se na história de um prisioneiro de
guerra.
(D) A mistura entre realidade e ficção é uma das
características mais emblemáticas da obra.

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