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Módulo IX - Práticas e

Procedimentos em Clínica
Psicanalítica

Índice

INTRODUÇÃO À PSICOTERAPIA 5

OS PRAZOS VARIAM COM OS OBJETIVOS 6

AS VÁRIAS APLICAÇÕES DA PSICOTERAPIA 7

AS ABORDAGENS E TIPOS DE PSICOTERAPIA 9

O VÍNCULO NA PSICOTERAPIA 10

POR QUE A PSICOTERAPIA FUNCIONA ? 11

UM CAMINHO DE MUDANÇA 13

Psicologia Formativa de Stanley Keleman 14

PSICOTERAPIA AVANÇADA 18

Características do atendimento 18

Linhas de psicoterapia 19

Transferência Somática: A dinâmica formativa do vínculo terapêutico 20

IDENTIFICAÇÃO, COMPLEMENTARIDADE E ALTERIDADE 21

1 - Eu sou o outro: 22

2 - Eu para o outro: 22

3 - O outro para mim: 23

4 - Eu e o outro: 23

O CORPO A CORPO DO VÍNCULO 24

TRANSFERÊNCIA, PASSADO E FUTURO 27

AS VERTENTES DE FUTURO 28

O CAMPO GESTATIVO VINCULAR 30


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A RESPOSTA TERAPÊUTICA 31

COMUNICAÇÃO DE CAMPO 32

AS FORMAS SOMÁTICAS SÃO TERRITÓRIOS EXISTENCIAIS 35

DESAFIOS FORMATIVOS AO TERAPEUTA 37

CONCLUSÃO 38

O processo psicanalítico 41

O que é? 41

Analisabilidade 41

Há enfermidades do psiquismo não analisáveis? 43

O Par Analítico 44

Passos do processo psicanalítico 45

O ambiente – disposição de um consultório 45

Anamnese 47

Entrevista 49

O Contrato Analítico 52

Generalidades sobre o Contrato Psicanalítico 53

Principais itens do Contrato Psicanalítico: 53

Uso do Divã 54

Intercâmbio de tempo e dinheiro 55

Freqüência e duração das sessões 56

Tempo provável de um Tratamento Psicanalítico 57

Férias 58

Regra da Livre Associação 59

Pagamento das Faltas 60

Mudança de Horários 60

O Material Onírico 61

Regra de Abstinência 62

Postura do Psicanalista 63

LIVRE ASSOCIAÇÃO 64

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Definição 64

O processo da Livre Associação 65

Um exemplo detalhado de Associação de Idéias 66

Questionário para atuação do Psicanalista 72

Observação importante 72

A – Relação Edipiana: 72

B – Relação com crianças: 73

C – Relação com os animais 74

D – Relação com o próprio corpo: 75

E – Relação com as funções do próprio corpo: 75

F – Relações Amorosas: 76

G – Situação de família: 76

H – Sobre a morte: 77

ALIANÇA TERAPÊUTICA 78

Transferência é muito tênue 79

TRANSFERÊNCIA 80

CONTRA-TRANSFERÊNCIA 82

RESISTÊNCIA 83

Definição 83

Tipos de Resistências: 83

Generalidades sobre resistências: 84

OS MECANISMOS DE DEFESA 85

ANGÚSTIA DA SEPARAÇÃO 86

A INTERPRETAÇÃO 87

ETAPAS DA ANÁLISE 88

VICISSITUDES DO PROCESSO PSICANALÍTICO 90

TRABALHO PARA FIXAÇÃO DA MATÉRIA. 91

O que é História de Vida? 91

ANEXO I 92

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Processo Didático de Estágio – Análise Didática com Paciente-Piloto 92

1 – O que é? 92

2 – Precedentes do Processo 93

3 – A eficácia 94

4 – O paciente-piloto 95

5 – A postura do Psicanalista em Formação 96

6 – As possibilidades junto a outros tipos de pacientes 96

7 – O “modus faciendi” 97

8 – O controle 98

9 – O tempo 98

10 – O Credenciamento 99

11 – Os riscos 99

12 – O órgão de acompanhamento 99

13 – E se você quiser análise? 100

ANEXO II 101

Controle de Análise Didática – Paciente/Piloto: 101

I – Das Sessões: 101

II – Das Observações: 104

Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise.


Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos
do Curso. Os créditos às obras usadas como referências ou citação constam
nas Referências Bibliográficas.

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INTRODUÇÃO À PSICOTERAPIA

A psicoterapia é um valioso recurso para lidar com as dificuldades da


existência em todas as formas que o sofrimento humano pode assumir como
crises pessoais, conflitos conjugais e familiares, transtornos psicopatológicas,
distúrbios psicossomáticos, crises existenciais e problemas nas transições
entre as fases da vida, etc.

A psicoterapia é também um espaço favorável ao crescimento pessoal, um


lugar/tempo/modo privilegiado de criar intimidade consigo mesmo, de
estabelecer diálogos construtivos e abrir novos canais de comunicação, de
transformar padrões estereotipados de funcionamento, restabelecendo o
processo formativo e criativo de cada um.

A Psicoterapia oferece uma oportunidade de compreender e mudar os padrões


de vinculo e relação interpessoal. Os problemas vinculares são fonte de
incontáveis sofrimentos e muitas doenças.

A Psicoterapia ocupa hoje um lugar fundamental na área da saúde, por trazer


uma visão integrada do homem, considerando as dimensões psíquica, orgânica
e social agindo conjuntamente na produção da existência humana, assim de
seus problemas.

Em alguns casos, a Psicoterapia cumpre também uma função de educação


para a vida, oferecendo um espaço privilegiado de reflexão, com instrumentos
e conhecimentos que podem ajudar na orientação e condução da vida. Esta
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função torna-se fundamental em situações de desestruturação e crise, quando
a pessoa se pode se sentir inapta para lidar com as dificuldades em sua vida.

OS PRAZOS VARIAM COM OS OBJETIVOS

A psicoterapia é um espaço especial de atenção às dificuldades da vida e aos


caminhos internos para solucioná-los. Todos os últimos avanços na área da
Psicologia e Psicoterapia têm permitido alcançar resultados cada vez maiores e
mais significativos.

No geral, os prazos de tratamento são relativos aos objetivos almejados. Há


vários desenvolvimentos recentes em psicoterapias breves, que são focadas
em objetivos mais específicos.

Atualmente é possível atingir resultados significativos em períodos de 3 meses


a 12 meses e há muitos processos terapêuticos profundos que se encerram
satisfatoriamente em prazos inferiores a 3 anos.

Há casos que demandam um trabalho terapêutico mais demorado, geralmente


com problemática psicopatológica mais severa, envolvendo traumas precoces,
desorganização psicológica, problemas vinculares sérios, etc. Estes trabalhos
podem demandar anos de trabalho árduo, compensados por ajudas
significativas que o trabalho psicológico pode propiciar.

Algumas pessoas encontram na terapia um lugar fundamental de


acompanhamento de seu processo de vida, onde são trabalhadas
transformações mais profundas ao longo de vários anos. São situações em que

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o processo terapêutico não tem um prazo definido e segue em comum acordo
entre o profissional e o cliente.

Apesar de poder parecer, à primeira vista, um tratamento oneroso em termos


de tempo e dinheiro, a psicoterapia tem se mostrado, na realidade, um modo
econômico de tratamento. Pesquisas indicam, por exemplo, que a psicoterapia
diminui, por exemplo, os índices de consumo de medicamentos e de
internações hospitalares(1). A psicoterapia tem se mostrado um tratamento
economicamente compensador por prevenir e tratar problemas psicológicos
que, quando não tratados adequadamente, trazem enormes prejuízos
financeiros para as pessoas e até mesmo para o país (2).

A s pessoas obtêm resultados bem significativos com a ajuda psicológica,


compensando totalmente os investimentos realizados. Os tratamentos
psicológicos demonstram uma grande potência de transformação das vidas.

AS VÁRIAS APLICAÇÕES DA
PSICOTERAPIA

A psicoterapia é um processo que permite transformações profundas da


personalidade, com resultados evidentes em diversas situações como:

• tratamento de vários transtornos psicológicos como pânico, fobias,


depressão, anorexia, bulimia, frigidez, impotência, etc.

• resolução de conflitos pessoais, interpessoais, conjugais, familiares,


profissionais etc.

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• elaboração de crises existenciais, transições difíceis (luto, crises
profissionais, etc) e mudanças de fases de vida (puberdade,
adolescência, vida adulta, menopausa, envelhecimento, etc.)

• desenvolvimento da capacidade de auto-gerenciamento, da


capacidade de lidar com os efeitos do estresse, dialogando com os
sentimentos e os desafios e problemas que a vida apresenta.

• aquisição de auto-conhecimento, aprendizado, reflexão e descoberta


de novos modos pessoais de conduzir a própria vida .

• fortalecimento psicológico para lidar com todos os tipos de doenças.

• amadurecimento pessoal.

Não é possível hoje se falar em "doenças orgânicas" sem uma consideração


pela dimensão psicológica e emocional. É evidente a natureza psicossomática
da existência humana.

Cada ser humano - psicossomático por natureza - vive uma história de


interações, encontros e acontecimentos em que as doenças, quer se
manifestem mais no corpo ou na "mente", resultam dos desequilíbrios
existenciais e de soluções inadequadas de vida. Os aspectos psicológicos
participam na formação de muitas doenças e tem um papel fundamental na
recuperação e na capacidade de lidar com situações tidas como irreversíveis. A
psicoterapia oferece recursos importantes para uma compreensão mais ampla

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do processo de adoecimento assim como estratégias para uma vida mais
íntegra.

AS ABORDAGENS E TIPOS DE
PSICOTERAPIA

Há diversas escolas teóricas na Psicologia, como por exemplo, psicanálise,


fenomenológico-existencial, cognitivo-comportamental etc, com vários ramos e
derivações.

A diversidade decorre tanto da complexidade do tema como da origem da


Psicologia a partir de diferentes tradições epistemológicas oriundas de
correntes diversas da Filosofia e da Medicina.

No geral, as teorias psicológicas apresentam quatro elementos básicos: (1)


uma teoria sobre o que é a mente humana e como ela funciona, (2) uma teoria
do desenvolvimento psicológico, (3) uma teoria psicopatológica e (4) uma teoria
do processo terapêutico. As teorias permitem tanto uma compreensão do
humano como o desenvolvimento da Psicoterapia, a aplicação prática do
conhecimento psicológico para transformação da vida humana e superação do
sofrimento.

Há alguns tipos de psicoterapia, conforme as necessidades e a configuração


dos problemas, sendo o s principais:

• Psicoterapia Individual para crianças, adolescentes, adultos e idosos.


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• Psicoterapia de Grupo

• Psicoterapia de Casal

• Psicoterapia de Família

• Psicoterapia Institucional

• Atendimento em situações de Emergência e Crise

O VÍNCULO NA PSICOTERAPIA

O ser humano nasce, cresce e vive em ambientes vinculares. Destes


ambientes emocionais depende seu bem estar e suas realizações na vida. Os
problemas vinculares - da primeira infância à terceira idade - afetam
profundamente a capacidade que as pessoas têm de amar, trabalhar e viver. A
psicoterapia é um espaço para se esclarecer e transformar estas dificuldades
vinculares. E este processo ocorre através de uma relação saudável com um
profissional eticamente comprometido e tecnicamente qualificado.

A base de uma boa terapia está na relação terapêutica. A boa terapia se


desenrola num enquadre clínico com um vínculo que favorece este processo.
Aí está um dos segredos desta arte: criar um ambiente que permita a revelação
dos mundos internos e favoreça o desenvolvimento do processo singular de
cada um. Neste clima é possível que o ser mais oculto e amedrontado se

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mostre, seja ouvido, transforme-se, que o processo formativo possa prosseguir
formando vida.

POR QUE A PSICOTERAPIA FUNCIONA ?

As pesquisas têm demonstrado uma grande eficácia da psicoterapia (3).


Mesmo as recentes tecnologias de mapeamento cerebral têm permitido
demonstrar como o tratamento psicológico age transformando o funcionamento
cerebral. A eficácia do tratamento psicológico, que já era conhecida há muitos
anos, tem sido corroborado recentemente pelos novos conhecimentos das
neurociências (4,5,6).

Pela complexidade do tema existem centenas de livros e pesquisas explorando


e explicando porque a psicoterapia funciona. Mesmo assim, como simples
exercício de compreensão, vamos listar alguns motivos para explicar a
efetividade da psicoterapia, dos mais simples aos mais complexos.

No início da lista, como num continuum , temos aqueles motivos que são
comuns a outras relações de ajuda, mesmo não profissionais, como uma
conversa íntima com um amigo, uma conversa sobre um problema pessoal
com um professor, um médico, etc. Avançando na lista vamos chegando aos
motivos que são próprios da psicoterapia, até aqueles que lhe são exclusivos -
possíveis pelo cuidadoso treinamento teórico e técnico adquirido pelo psicólogo
em sua trajetória de formação profissional.

Eis o continuum com alguns motivos pelos quais a psicoterapia funciona:

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1 Ao dividir um problema você passa a ter "meio" problema. Compartilhar ajuda
a aliviar a carga emocional e o sofrimento

2 Os vínculos de ajuda têm um poder curativo. É mais fácil superar muitas


dores através de uma relação autêntica de respeito mútuo do que sozinho. A
relação terapêutica é uma relação de ajuda, de compreensão e apoio.

3 A psicoterapia faz você parar para refletir sobre a própria vida. Parar,
observar e refletir permite muitas mudanças de orientação, sentido, rumo e
aprofundamento da experiência de vida.

4 O psicólogo clínico (psicoterapeuta) é um outro, com o olhar e a perspectiva


de um outro, o que lhe ajudará ver a sua vida de um modo diferente, lhe fazer
perguntas diferentes, ajudá-lo a perceber as coisas de um ângulo que você não
tinha visto antes e nem suspeitava ser possível.

5 O psicoterapeuta conhece teorias psicológicas que ajudam na compreensão


do que ocorre com você, auxiliam a identificar o que pode estar errado em sua
vida, a direção que você está seguindo e as mudanças de rumo necessárias. A
partir de seu conhecimento, o psicólogo pode apontar o que olhar, como olhar
e o que fazer com o que se descobre, para que estas descobertas possam ser
construtivas em sua vida.

6 O psicoterapeuta conhece métodos de investigação que tornam possível


descobrir aspectos da sua personalidade que seriam inacessíveis a uma
observação não treinada. Há um amplo espectro de técnicas de investigação
psicológica que permitem esclarecer problemas de modo extremamente eficaz.

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7 O psicoterapeuta domina técnicas terapêuticas que ajudam a realizar
mudanças profundas na existência.

8 O psicoterapeuta está preparado para compreender você a partir do vínculo


que você estabelece com ele, das respostas emocionais que você suscita nele.
Em seu treinamento ele afinou a si mesmo como instrumento de trabalho para
reconhecer pequenas nuances do que você mostra na relação com ele (e
consequentemente com os outros) e assim poder compreender seus modos de
vinculação e suas dificuldades em relacionamentos.

9 O psicoterapeuta é capaz de oferecer uma presença autêntica no vínculo


com você. Esta relação funciona como catalisador de processos de mudança
necessários em sua vida, incluindo a superação dos efeitos de traumas de
relacionamentos anteriores.

10 O psicoterapeuta passou por todos estes passos anteriores, tendo estado


em todos os papéis, como cliente, como profissional e como observador, o que
o habilita a "sentir-se em casa" em situações difíceis, poder caminhar por
terrenos inóspitos, cheios de sofrimento e problemas emocionais e saber
ajudar seu cliente a encontrar um caminho de melhora.

Certamente esta lista poderia ser estendida, mas pretendemos apenas dar uma
idéia ao público leigo do trabalho da Psicologia Clínica numa linguagem
diferente daquela do universo teórico, técnico e científico habitual na
Psicologia.

UM CAMINHO DE MUDANÇA

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O processo terapêutico é como atravessar um túnel. Neste túnel você vai rever
muitas cenas da historia da sua vida de um ângulo completamente novo,
fazendo conexões inusitadas entre os eventos e percebendo a potência do
passado para moldar quem você é hoje e a potência do presente para construir
novas possibilidades de vida.

Na travessia deste túnel você vai aprender a reconhecer os seus padrões de


comportamento que levam você a se comportar de modo parecido em
situações diferentes, inclusive "repetindo os mesmos erros". Você vai aprender
a reconhecer o "como" do seu comportamento, como você age, como se
relaciona, como pensa, como sente e vai aprender caminhos para poder
influenciar e transformar estes padrões.

Esta é uma travessia acompanhada, acompanhada de alguém que pode ajudar


você a se compreender. Alguém que pode te ajudar a transformar o seu jeito
de ser, a mudar e a se conhecer profundamente. É uma travessia que pode
mudar completamente a sua vida.

Psicologia Formativa de Stanley Keleman

A relação entre anatomia e subjetividade é um tema básico da Psicologia


Formativa de Stanley Keleman. Este autor estuda as formas somáticas, que
são as constantes transformações morfológicas e anatômicas do corpo que se
produzem ao longo da existência acompanhado pelas transformações
psicológicas. Na concepção kelemaniana a vida é um processo constante de
construção de formas somáticas, desde o processo embriológico na formação
do ser humano até o final da vida. Essas transformações não são guiadas
apenas por um programa já dado geneticamente, mas as formas somáticas
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refletem a própria produção da existência, com todos os seus acontecimentos,
encontros e relacionamentos.

"O estudo da forma humana revela sua história genética e emocional. A forma
reflete a natureza dos desafios individuais e como eles afetam o organismo
humano....a postura ereta é acompanhada de uma história emocional de
vínculos parentais e separações, proximidade e distanciamento, aceitação e
rejeição. Uma pessoa pode incorporar a densidade compacta que reflete
desafio ou um peito murcho que expressa vergonha. A anatomia humana é,
assim, mais do que uma configuração bioquímica; é uma morfologia emocional.
Formas anatômicas produzem um conjunto correspondente de sentimentos
humanos". (Keleman, 1992 p.72)

Keleman deixa de lado os modelos clássicos do aparelho psíquico e parte em


busca da experiência encarnada, o corpo sendo criado e criando existência,
sendo produzido e se produzindo e o psiquismo como uma parte deste
processo somático-existencial.

Na visão kelemaniana, o psiquismo é uma função do corpo, o corpo sente, o


corpo pensa, o corpo imagina, o corpo sonha. Nesta concepção, a anatomia e
o psiquismo estão absolutamente enredados. Keleman propõe uma anatomia
emocional, cognitiva, existencial. O psiquismo está estruturado a partir da
organização morfológica do corpo todo e não apenas restrito ao cérebro ou a
algum espírito imaterial.

Os estados subjetivos - sentimentos, pensamentos, estados de consciência -


são estados do corpo. Como diz Keleman: "todas as sensações, todas as
emoções, todos os pensamentos são, de fato, padrões organizados de
movimento".(Keleman, 1995, p 17).

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O corpo cria imagens e símbolos de si e do mundo e assim se torna capaz de
dialogar consigo mesmo e com os outros. Estas imagens são geradas no
córtex cerebral a partir de um diálogo das diferentes camadas somáticas.

O diálogo do corpo consigo mesmo permite ativar um processo de auto-


gerenciamento, onde é possível identificar, compreender e modular as formas
somáticas, dialogando com os efeitos somáticos das experiências vividas, num
modo de participar ativamente da construção da própria existência.

Keleman propõe a Metodologia dos Cinco Passos, processo onde pretende-se


influenciar as atitudes, comportamentos e estados internos através da ação
modulatória sobre a organização das formas somáticas. Este trabalho está
focado na identificação do "como" um determinado comportamento é
organizado somaticamente.

Ajuda-se o cliente primeiro a identificar o que ele faz, qual a imagem da


situação (passo 1), depois a identificar como ele faz isto através de suas
organizações somáticas, intensificando volitivamente com a ajuda da
musculatura estriada, discriminando os afetos, estados cognitivos e esboços
motores de ação organizados (passo 2). Depois começa-se a desintensificar e
desorganizar as formas previamente intensificadas (passo 3) e a observar e
receber de volta os efeitos desta desorganização - imagens, sentimentos,
lembranças, etc. (passo 4). A partir daí pode-se reconhecer as formas que
emergem como diferenciações sobre as formas anteriores (passo 5) ou então
retorna-se aos padrões anteriores.

Através deste método de trabalho, atuando diretamente sobre as formas


somáticas - organizadoras da experiência subjetiva - procura-se reorganizar
comportamentos, atitudes e modos de ser e ensinar uma participação volitiva

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do sujeito em seu processo de vida, pelo aprendizado das regras da produção
somática de existência.

A clínica formativa realiza uma cartografia das formas somáticas de uma


pessoa para compreender e atuar sobre:

• Os efeitos dos acontecimentos no sujeito.

• Os modos habituais de lidar com estes efeitos e a cristalização


somática da história de vida em formas estereotipadas, em modos fixos
de lidar com as situações, em atitudes padrões.

• O estabelecimento de um autodiálogo construtivo, de uma


participação volitiva para o restabelecimento do processo formativo.

A partir do reconhecimento de como a pessoa está organizando


somaticamente a sua experiência, ela poderá aprender a desorganizar e
reorganizar estes modos. Fazer mais e fazer menos constituem um caminho
para desorganizar padrões de ação estereotipados, abrindo a possibilidade
para a emergência de sensações, sentimentos e novos padrões de ação. A
pessoa pode então investir volitivamente neste

processo, reconhecendo padrões, desorganizando formas e investindo em


formas somáticas emergentes, na intenção de criar e estabilizar novos padrões
de ação.

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No processo clínico formativo, assim como no trabalho diário de cada um
consigo mesmo, opera-se um manejo constante com as formas somáticas
utilizando-se a Metodologia dos Cinco Passos.

Cada configuração de forma somática está relacionada a diferentes


experiências subjetivas. O pensamento formativo oferece uma importante
ferramenta para podermos participar ativamente deste processo, dialogando
com os efeitos das experiências em nossos corpos, influindo em nossos
comportamentos, aprendendo a navegar no devir.

PSICOTERAPIA AVANÇADA

Psicoterapia se refere a diversas técnicas empregadas em Psicologia


para o tratamento de transtornos e problemas psíquicos.

Características do atendimento

O atendimento pode ser realizado através de diferentes métodos, sendo


características comuns o emprego da comunicação verbal e não-verbal e a
atenção à relação entre cliente-paciente e psicoterapeuta.

Estas formas de atendimento são atualmente utilizadas no tratamento de


dificuldades emocionais, problemas de relacionamento e transtornos mentais
como pânico, ansiedade, anorexia e depressão.

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As sessões podem ser realizadas individualmente (psicoterapia individual), em
grupos (psicoterapia de grupo), com casais (psicoterapia de casal) e em família
(psicoterapia familiar).

Linhas de psicoterapia

Há várias linhas de psicoterapia dentre as quais estão:

• Parapsicoterapia,

• Psicanálise,

• Terapia cognitivo-comportamental,

• Abordagem Centrada na Pessoa,

• Behaviorismo,

• Gestaltoterapia,

• Psicodrama,

• Psicoterapia analítica,

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• Daseinsanalyse,

• Psicoterapia Familiar

• Psicoterapia Corporal

• Psicoterapia Positiva

• Logoterapia

Transferência Somática: A dinâmica formativa


do vínculo terapêutico

Na terapia nos movemos entre sensações, emoções, posturas, palavras,


imagens, etc. Neste campo compomos cartografias junto com o cliente,
tentativas de dar voz aos afetos, dar novas formas ao mundo, falar dos temores
secretos, dos desejos, das dores profundas, de explorar caminhos.

Criamos na terapia um espaço de intimidade, intimidade não no sentido de


contato com o conhecido, familiar, mas um espaço singular de abertura
protegida pelo vínculo, onde podemos deixar vir o desconhecido em nós, o
estranho, o novo.

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O vínculo propicia um ambiente favorável para enfrentar as muitas
adversidades, para suportar níveis altos de angústia e falta de sentido. O
vínculo é um dos elementos básicos do processo terapêutico.

O vínculo terapêutico é também um campo de experimentação de modos


novos de vinculação, de diferenciações em relação aos padrões conhecidos e
de confrontação com os modos habituais.

Cartografar o território clínico nos permite encontrar algumas coordenadas para


navegar com mais segurança em direção a processos mais consistentes de
vida. A função deste texto é explorar este território a partir da influência do
pensamento formativo de Stanley Keleman. Problematizar alguns aspectos da
dinâmica somática do vínculo terapêutico, notadamente a instrumentalização
das formas somáticas do terapeuta como recurso clínico.

IDENTIFICAÇÃO, COMPLEMENTARIDADE E
ALTERIDADE

Podemos observar quatro modos de percepção dos afetos da relação


terapêutica que indicam os diferentes lugares ocupados pelos membros neste
espaço dinâmico.

Vamos falar mais especificamente destes lugares a partir da perspectiva do


terapeuta.

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1 - Eu sou o outro:

Os sentimentos do cliente podem ser percebidos pelo terapeuta em si mesmo,


num fenômeno de identificação.

Uma forma de compreender o cliente é saber se colocar em seu lugar. Sair de


nossa posição de outro e compartilhar o olhar, ir junto. Buscar sentir o que o
cliente sente, pensar o que ele pensa, desejar e temer como ele. Assim, antes
que ele fale algo, você já sentiu, numa identificação de formas somáticas e
experiências. Sentir o que o cliente sente nos permitir compartilhar a sua dor e
compreender o seu mundo. Muitas vezes já estamos nesta sintonia e só então
nos percebemos nela a partir da dinâmica vincular. Em outros momentos
podemos imitar o cliente, buscando nos aproximar de sua vivência, repetindo
voluntariamente posturas e formas somáticas, num modo ativo e rico de
colocar-se em seu lugar e compreender o seu mundo.

O cliente pode também fazer o terapeuta se sentir como ele. Assim, por
exemplo, um cliente está falando de situações onde se sentiu sem espaço,
invadido, e ao mesmo tempo fala ininterruptamente, não deixando muito
espaço para o terapeuta intervir, limitando o espaço do terapeuta na sessão. O
cliente faz, de algum modo, com que o

2 - Eu para o outro:

O terapeuta pode ocupar um lugar de complementaridade aos afetos do


cliente, ocupando um lugar em sua dinâmica (do cliente).

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Podemos perceber o modo do cliente em relação a nós e observar a nossa
tendência de resposta de complementar o seu funcionamento.

Esta é uma experiência de complementaridade, matriz de aspectos importantes


da dinâmica transferencial e que será mais desenvolvido adiante no texto.

3 - O outro para mim:

O terapeuta pode perceber o que a situação despertou em si de conteúdos


pessoais (do terapeuta), com o cliente ocupando um lugar na dinâmica do
terapeuta.

O cliente pode ser o nosso outro. Podemos nos perceber paralisados, por
exemplo, e explorando isto vemos o cliente ocupando um lugar em nosso
teatro de dores pessoais. Explorando as nossas reações, nossos esboços de
respostas frente a ele, podemos aprender sobre nós mesmos. E podemos
compreender o cliente a partir da nossa dor, o que pode nos permitir estar com
ele de um outro modo. É a contraparte da complementaridade, agora a partir
do processo formativo do terapeuta.

4 - Eu e o outro:

O cliente é vivido como o outro, dois mundos diferentes.

Percebendo o cliente “de fora” podemos apreender este “outro singular” por
observações, descrições, um olhar mais diferenciado sobre a pessoa à nossa

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frente. Na experiência da alteridade nos aproximamos do limite de apreensão
do que é um definitivamente outro. Neste momento podem surgir experiências
de estranhamento, susto, distância, respeito e o início de um diálogo sujeito a
sujeito, não mais sujeito - objeto.

Há assim um trânsito onde o terapeuta pode se sentir sendo o próprio cliente,


sentir-se e ser o outro do cliente na relação, sentir que o cliente seja o outro de
si ou ainda viver a experiência da alteridade.

O vínculo terapêutico ocorre dentro de um continuum que vai da identificação à


alteridade.

Transitamos entre estes diferentes lugares na terapia: sentir junto, ocupar


lugares complementares, diferenciar-se destes lugares, viver a alteridade.
Qualquer uma destas posições esclarece elementos importantes do vínculo
terapêutico. A sua discriminação e operacionalização é um dos recursos
preciosos da terapia.

Em cada um destes modos de relação estamos envolvidos e organizados


somaticamente de um modo diferente, o que implica em níveis diferentes de
vínculo e diferentes qualidades de presença.

O CORPO A CORPO DO VÍNCULO

A relação terapêutica é uma interação corpo a corpo. No sentido de que o


cliente organiza um corpo frente ao terapeuta e este por sua vez responde com
outro corpo.
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As posturas, tensões e modulações das formas somáticas explicitam a
distribuição da excitação emocional nos corpos que estão em relação naquele
momento, naquele campo de afetos. Há um diálogo somático anterior ao
diálogo verbal.

Um corpo ativa algo em outro corpo, um corpo convoca o outro corpo a


interagir de um determinado modo, e este por sua vez responde a partir da sua
realidade somática, das suas camadas somáticas mais ativas, seu repertório
de formas, suas experiências.

Os corpos dialogam numa linguagem que lhes é própria, uma linguagem de


formas somáticas, camadas embriológicas, tônus de tecidos, toda uma
fisicalidade básica e constitutiva da vida afetiva.

Numa determinada situação, por exemplo, o terapeuta pode sentir seu corpo se
arredondando, seus braços se ampliando como se fossem pegar o cliente no
colo, e observa neste momento que o cliente está organizado numa forma
somática onde se faz pequeno, evocando no terapeuta esta forma cuidadora.
Em outra situação, por exemplo, o terapeuta sente seu corpo contraído,
diminuído, inseguro e percebe que esta sensação advém de uma atitude do
cliente, que está com seu corpo inflado e com olhar e atitude de intimidação.

As formas somáticas e a excitação emocional do terapeuta explicitam o seu


lugar no campo da relação, os modos de relação daquele cliente com o mundo
e daquele terapeuta com aquele cliente.

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Esta experiência se torna bastante acessível quando o terapeuta experimenta o
recurso de posturar volitivamente os efeitos do encontro sobre si, dando mais
nitidez às afetações e às atitudes organizadas no vínculo.

Com este recurso é possível acompanhar o diálogo infraverbal das formas


somáticas, ajudando a explicitar os afetos, a dinâmica, a criar um mapa do
território que permite voltar a ele, orientar-se e influenciar os processos.

Assim, trazemos para o plano visível, consciente, o que se passa num plano de
sensações, afetos, fluxos e nuances. Neste campo, o terapeuta usa seu próprio
corpo como referencial de orientação em relação ao que ocorre na terapia e na
relação com o cliente. O corpo do terapeuta pode ser visto como um dos palcos
onde se desenvolve a sessão.

Daí a importância fundamental de uma boa discriminação do próprio corpo -


sensações, propriocepções, afetos - para o terapeuta navegar bem no universo
da sessão.

O terapeuta é um intérprete de si mesmo, dos efeitos daquele encontro em sua


subjetividade corporificada.

Quanto maior a capacidade do terapeuta em se permitir ser perpassado por


fluxos afetivos na relação terapêutica, maiores as possibilidades de
desdobramentos do universo existencial dos clientes na terapia.

Há uma certa dança, um diálogo de corpos durante a sessão terapêutica e


podemos pensar como podemos acompanhar esta dança, aprender esta
linguagem dançante, interativa e formativa e poder instrumentalizar esta
dimensão do vínculo como um recurso para a clínica.
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TRANSFERÊNCIA, PASSADO E FUTURO

Transferência e contratransferência são fenômenos do vínculo que fazem um


grande sentido a partir do diálogo das formas somáticas.

A transferência é uma experiência de complementaridade na relação


terapêutica. É um fenômeno de vinculação onde o modo de ser de alguém
chama o co-participante a ocupar um lugar complementar numa certa
dinâmica.

Há um campo emocional criando os lugares a partir do encontro. Assim, por


exemplo, um cliente pode evocar um pai no terapeuta. Os comportamentos,
modo de falar e se mover do cliente evocam no corpo do terapeuta um modo
paternal. O terapeuta começa a se perceber com sentimentos e esboços
motores de atitudes paternais.

Por um lado, isto poderia dizer do passado daquele cliente, da reativação de


sua relação com o seu pai. A transferência, neste sentido, poderia ser pensada
como uma transposição de processos relacionais passados, uma transferência
de tempo e lugar dos personagens de um drama.

Porém, mais do que isto, a transferência contém a história presentificada, ela é


a reativação recorrente de modos e formas somáticas que se construíram a
partir da relação com um pai. Mais do que chamar o pai, o que se ativa é a
memória somática de um modo de existência, ou seja, uma forma somática.

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Esta forma somática, este modo de existência, se criou a partir das
experiências com um pai, determinando um modo de ser com uma certa
configuração somática. No vínculo com o terapeuta aparece a história que se
presentifica nas formas somáticas.

O que se repete é uma dinâmica vincular, um modo de existência, um


repertório determinado de formas somáticas, muitas vezes fixados e
paralisados pelas experiência que a pessoa não pôde assimilar em sua vida.
Estas formas somáticas cristalizadas interrompem o processo formativo e
levam uma pessoa a responder às situações diversas com um repertório
limitado de comportamentos, com modos reiterantes de sentir, pensar,
perceber e agir.

A repetição destes modos somático-existenciais na terapia, por outro lado, abre


a possibilidade de confronto, consciência e diferenciações dentro do processo
de vida. Permite a desorganização de comportamentos limitantes e a
emergência de novas formas somáticas a partir do vínculo terapêutico. Uma
oportunidade de sair de um labirinto armado no passado, que paralisa o
andamento do futuro.

AS VERTENTES DE FUTURO

O vínculo contém também uma função formativa, de gestação de novos


territórios existenciais.

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Um cliente, por exemplo, suscita no terapeuta coisas próximas do lugar de um
irmão mais velho, mais formado, que possa ajudá-lo a entrar na vida adulta
com mais recursos.

Cabe ao terapeuta poder ocupar este lugar neste campo de gestação de um


modo de existência, permitindo a passagem de um momento ao outro do
processo formativo do Cliente, assim como cabe, ir desocupando este lugar em
outro momento, quando este modo já não favorece mais o processo do cliente.

No vínculo terapêutico o terapeuta vai ocupar diferentes lugares para o cliente,


de acordo com o que esteja em evidência no processo formativo do cliente
naquele momento.

A partir da percepção dos afetos, atitudes e lugares da relação, o terapeuta


pode reconhecer os tipos de vínculo que o cliente estabelece, o que ele
formativamente está precisando.

O vínculo tem assim uma função formativa, de ajudar na desconstrução de


formas desatualizadas e na construção de formas corporais contemporâneas.

No processo vincular há uma necessidade daquele lugar do outro, daquele


funcionamento do outro para que o processo do cliente possa ser gestado e
maturar. Acompanhar ao longo da terapia o processo vincular fornece uma
referência importante das várias fases do processo terapêutico e do processo
de vida do cliente.

O vínculo terapêutico é um laboratório onde novas formas podem emergir,


diferenciações dos padrões habituais de comportamento, um lugar de
experimentação e maturação vincular.
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O vínculo, portanto, pode tanto apresentar uma reedição de uma dinâmica
relacional cristalizada quanto criar uma dinâmica necessária naquele momento
da vida da pessoa. O vínculo é assim tanto uma derivação do passado quanto
uma vertente de futuro. Este processo é movido pelo impulso formativo, a força
de criação de novas formas em direção à atualização do passado e à
composição do futuro.

O CAMPO GESTATIVO VINCULAR

Trabalhando com o cliente, podemos ir aprendendo sobre o seu


funcionamento, seu modo de ser habitual e o quanto isto restringe a sua vida.
Observamos suas modalidades de relacionamento com o mundo, seu lugar na
teia de relações pessoais, seus modos de dar e receber, mandar e obedecer,
pedir e tomar, agir e esperar, etc. Podemos ajudar a esclarecer estes modos e
estar juntos para ampliar os seus limites e criar novos caminhos de vida.

É necessário discriminar as sutilezas do vínculo, as variações que permitem


identificar que um cliente está buscando aceitação, outro orientação, outro
confronto e outro ainda, testando confiança. A cada momento do vínculo há
questões diferentes sendo maturadas.

O terapeuta ocupa um lugar no mundo do cliente e este ocupa um lugar no


mundo do terapeuta. Há um encontro do processo formativo do cliente com o
processo formativo do terapeuta, criando um processo formativo daquele
vínculo, numa inter-relação naquele espaço clínico.

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Um elemento singular do espaço terapêutico é que o terapeuta está lá para
favorecer o processo formativo do cliente, para instrumentalizar o vínculo como
recurso de compreensão e intervenção na terapia.

A RESPOSTA TERAPÊUTICA

Muitas vezes um cliente não percebe os tipos de vínculo que estabelece e que
contribuem, por exemplo, para que várias coisas em sua vida acabem dando
errado.

Por exemplo, uma cliente veio para primeira entrevista contando histórias de
rejeição, de não ser aceita pela família, de ser abandonada pelos amigos, etc.
Ao longo da entrevista, ela foi provocando uma sensação muito ruim ao
terapeuta, fazendo com que este sentisse vontade de mandá-la embora.
Aquela pessoa estava repetindo com o terapeuta, já na primeira entrevista,
uma dinâmica que ela repetiu muitas vezes em sua vida e da qual não
conseguiu se diferenciar. Ela estava levando o terapeuta a querer rejeitá-la
também. Caso o terapeuta fosse apenas re-agir ao seu sentimento, a teria
mandado embora, dando qualquer desculpa de que não poderia atendê-la e
repetindo o que acontecia no cotidiano daquela mulher. Ela sairia do
consultório com as suas crenças confirmadas, seu sofrimento aumentado, seu
comportamento reeditado.

Porém o terapeuta não está na situação numa posição ingênua, apenas


interagindo com o cliente, mas numa posição de observação e explicitação do
que está acontecendo, atento aos fenômenos em si próprio e no cliente, neste
campo que vai se formando.

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Percebendo em seu corpo as tendências à ação, porém retardando a re-ação
automática, o terapeuta pode discriminar o que o move e o que sente e assim
esclarecer o funcionamento daquele cliente: em que posição o coloca, se
coloca, que afetos circulam, etc.

O que caracteriza a resposta terapêutica é a capacidade do terapeuta em


conter a sua reação, discriminar o que sente e eventualmente apontar para o
cliente a sua atitude.

Devolver para o cliente a percepção sobre a dinâmica do vínculo, como no


caso desta mulher, abriria uma porta para ela perceber seus modos frente ao
mundo, iniciar diferenciações frente ao seu próprio funcionamento, trazendo de
volta para si o que ela só via projetado nos outros, etc.

Quando um cliente pode discriminar como vê o terapeuta, que lugar este está
ocupando naquele momento para o cliente, ele está abrindo um espaço para
aprofundar a auto-percepção e dialogar com suas formas, percepções e afetos.

O auto-diálogo é um dos elementos centrais do processo terapêutico formativo,


onde a pessoa vai se tornando capaz de identificar as próprias formas
somáticas e suas relações com a sua experiência subjetiva. A partir daí ela
pode aprender modos de interagir consigo mesma e influenciar os seus
processos internos, trabalhando com as próprias formas, dando início a um
processo de participação ativa na construção de sua existência.

COMUNICAÇÃO DE CAMPO

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Algumas vezes na terapia corre-se o risco do cliente ser atravessado por um
excesso de excitação e insights que não são produtivos porque ultrapassam a
capacidade elaborativa da pessoa naquele momento.

Por exemplo, em certa sessão em que caminhavam em terreno novo na


terapia, o terapeuta sentiu uma certa pressão que forçava as suas costas
contra a sua poltrona, na altura do diafragma. Acentuando voluntariamente esta
pressão, percebeu organizando-se nele uma forma somática de contenção que
enrijecia as suas costas e lhe dizia algo como: “pare aí, não vá mais, deixe ele
elaborar o que já tem, vá devagar.” Enfim, estava sendo dito ao terapeuta o
limite da capacidade de assimilação daquele cliente naquela sessão, o que
pôde ser confirmado ao devolver ao cliente algumas observações sobre como
estava vivendo aquele momento.

Este é um exemplo de comunicação de campo, onde o terapeuta e o cliente


trocam mensagens não verbais que atingem um ao outro em sua corporeidade
e se afetam mutuamente.

Em muitos momentos na terapia não é possível falar em “minhas sensações”,


mas apenas de “sensações em mim”. Os afetos, sensações e modulações da
forma são elementos do campo, do entre, e só é possível entendê-los a partir
daquele campo formativo e seus processos.

O campo da relação terapêutica é extremamente rico de afetos e sentidos, de


elementos visíveis e invisíveis. A relação terapêutica é atravessada por afetos
de diversas ordens, o que faz do espaço terapêutico, o espaço do sentir por
natureza. O acolhimento do sentir é uma das marcas maiores deste espaço,
onde podemos receber em nós mesmos as sensações e sentimentos mais
obscuros, sutis, indiretos e aceitar a vida em nós e em relação a nós.

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Espaço do sentir ilimitado mas do agir cuidadoso. Esta singularidade permite
uma grande exploração de muitas vertentes do existir lideradas por um
compromisso ético de ajuda.

Os afetos e sensações vividos pelo terapeuta na sessão podem ser grandes


orientadores sobre a dinâmica do cliente. Assim, se um terapeuta está se
sentindo desconfortável na sessão, ausente, com sono, etc., deve perceber o
que aquela reação diz daquele cliente naquele momento da sessão e de sua
terapia, ao invés de logo pensar que a questão é sua, pessoal do terapeuta,
que não dormiu direito, comeu algo que não lhe fez bem, etc. Não que estes
fatos não participem da sessão, determinando em parte a qualidade de
presença do terapeuta, mas focar logo sobre estes eventos externos à sessão
pode desviar o terapeuta de algo muito importante que está se desenrolando
naquele momento.

Numa determinada sessão, por exemplo, um cliente falava de sua inquietação


pelo "momento agitado" que vivia em seu trabalho. Seu modo de falar, no
entanto, não expressava muito de agitação, aliás, era de um tom mais contido
do que agitado. Ao longo da sessão, o terapeuta foi sentindo um certo cansaço.
Para o terapeuta, este cansaço começou a representar idéias como: “estou
cansado de ter atendido muito ao longo deste dia, estou trabalhando muito,
etc.”. O terapeuta estava vendo neste cansaço algo em si próprio e isto o
deixava mais distante do cliente, um pouco ausente da sessão e tomado pelo
“seu” cansaço. Até que o terapeuta ponderou se este cansaço também teria
algo a ver com aquele cliente. Ao sugerir ao cliente algo relacionado a cansaço,
este começou a falar de desânimo, e veio à tona uma situação de depressão
que já tinha alguns anos e que não tinha surgido ainda naquele início de
terapia. Essa depressão mascarada mostrou-se depois como uma das
questões centrais da terapia daquele cliente. Assim, mesmo sensações do
terapeuta que podem parecer simples, como uma cansaço, precisam ser

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observadas em suas possíveis relações com o estado do cliente e do vínculo
deste com o terapeuta.

AS FORMAS SOMÁTICAS SÃO


TERRITÓRIOS EXISTENCIAIS

Podemos apreender a dinâmica da sessão estando atentos aos efeitos em


nosso corpo daquilo que está ocorrendo.

Segundo Nina Bull, toda ação é precedida por uma pré-organização motora
preparatória. Esta pré-organização, que Keleman denomina de forma somática,
permite os arranjos somáticos necessários para a construção de todo
comportamento.

As formas somáticas organizam a presença, a resposta às afetações e as


ações subsequentes. Por exemplo, quando o terapeuta tem a forma de seu
corpo se arredondando frente a presença do cliente, organizando em seu corpo
uma atitude acolhedora, esta forma estaria preparando um comportamento de
acolhimento, com suas respectivas falas, gestos, sentimentos, assim como
determinando a sua percepção sobre aquele cliente.

Porém, se o terapeuta retarda esta reação automática de acolhimento,


observando em seu corpo os estados produzidos pela forma, pode discriminar
as atitudes organizadas, os afetos presentes e compreender a dinâmica do
vínculo, antes de agir e falar. Assim ele desautomatiza o processo para
operacionalizá-lo terapeuticamente.

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As formas somáticas ocorrem antes da percepção consciente, pois primeiro
respondemos internamente e então nos damos conta destes efeitos se
processando em nós.

Quando uma forma somática não se realiza imediatamente em ação, possibilita


a emergência da auto-percepção mais discriminada. Daí a importância de se
inibir e retardar voluntariamente a ação para clarear os afetos e os sentidos da
experiência.

As formas somáticas são organizações motoras que criam os "modos de lidar"


com os acontecimentos, são territórios existenciais organizados
somaticamente. As formas somáticas são a própria construção dos territórios
existenciais.

Algumas formas somáticas vão se estabilizando com o passar do tempo,


criando alguns padrões motores que expressam os "modos de ser" mais
característicos de cada um. Estas "formas duradouras" também nascem,
fenecem e se transformam para dar conta de experiências em diferentes fases
de vida.

Os territórios existenciais tem linhas de tempo próprias, no sentido de que há


formas mais duradouras e formas mais efêmeras. As formas somáticas se
complexificam e se diferenciam a partir dos desafios dos encontros.

Certas formas somáticas podem se paralisar e perpetuar pela experiência do


excessivo. As experiências excessivas ultrapassam a capacidade "de lidar" de
um território existencial e levam à cristalização de formas somáticas, criando
modos mais estereotipados de comportamento, produzindo estagnações no
processo formativo de criação contínua de formas somáticas.

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Estes estados de paralisia são os estados recorrentes na clínica em busca de
recuperar o processo formativo de diferenciação, desterritorialização e
reterritorialização contínuos e necessários.

O olhar para o processo formativo explicita quais formas somáticas estão se


criando neste momento da vida do cliente, quais formas não dão mais conta
dos acontecimentos, que conflitos de formas e estratégias de vida estão
presentes e quais experiências excessivas paralisaram o processo de vida e
estão impedindo a criação de novas formas e respostas frente às novas
situações.

DESAFIOS FORMATIVOS AO TERAPEUTA

Cada terapeuta vive a situação de atendimento a partir de sua realidade


formativa, do seu repertório de formas somáticas, dos seus modos de lidar com
as situações e vínculos. Um terapeuta vai sempre encontrar alguns modos
mais característicos do seu Jeito de estar com seus clientes, sempre haverá
aquelas atitudes mais "naturais" para aquele terapeuta, a partir de seu corpo,
suas formas e sua história.

Cartografar seus modos de clinicar, suas posturas corporais que se repetem


nas sessões, pode ser um recurso valioso para um terapeuta acompanhar e
poder influir em seus corpos de terapeuta.

Na relação com o cliente, o terapeuta também cresce. O terapeuta é solicitado


a se deixar ser afetado pelo cliente, para poder levá-lo por caminhos novos,
ajudá-lo a crescer, a aceitar novas afetações e buscar novas experiências.

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Lidar com estas experiências do cliente traz também desafios à forma do
terapeuta. Ele precisa caminhar para que o cliente caminhe. Por isto alguns
processos terapêuticos paralisam num ponto em que o terapeuta também
paralisou.

O corpo do terapeuta se coloca na terapia com suas preferências, seus modos


dominantes, seus limites de tolerância, seu momento formativo.

Assim um terapeuta de algum modo também escolhe seus clientes. Isto vai
poder explicar por exemplo, porque um terapeuta em diferentes momentos de
sua clínica se dá conta que tem um número X de clientes com uma mesma
temática tal e alguns anos depois, por exemplo, tem um número Y de clientes
com outra temática predominante. Estas são temáticas do processo pessoal do
terapeuta, vividas e elaboradas no processo clínico com os seus clientes. O
terapeuta também chama clientes com tal e tal perfil. São estes clientes que
são mandados pelo "acaso". Entre outras questões envolvidas, são estes
clientes que ficam a partir das entrevistas iniciais. A terapia é um desafio
também ao processo formativo do terapeuta.

CONCLUSÃO

Atender em psicoterapia é encontrar um modo de estar ao lado do cliente,


buscar uma compreensão de seu universo, esclarecer o seu mundo, as suas
dificuldades, reconhecer com ele os modos habituais, as estratégias
conhecidas, cartografar o processo formativo, o que não dá mais conta dos
acontecimentos, o que está em vias de surgir, as transições em andamento e
ajudá-lo a buscar novos modos de viver, criando novas experiências,
gerenciando formas, matrizes de novos comportamentos.
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As formas somáticas são relacionais. A forma de cada um vai construindo o
outro e neste processo vai surgindo um diálogo de formas somáticas.
Trabalhamos discriminando e atuando sobre estes processos.

Toda forma somática é vincular, toda forma somática pressupõe um outro


complementar. Sendo assim, querendo ou não, percebendo ou não, o
terapeuta é sempre chamado a uma presença somática em relação às formas
do cliente.

Atentar para os efeitos da presença somática do cliente em seu corpo, permite


ao terapeuta, entre outras coisas:

- Reconhecer o sentido da experiência interna do cliente pelo efeito deste


na organização somática do terapeuta.

- Reconhecer o tipo de vínculo que está se estabelecendo naquele momento


do processo terapêutico e o sentido formativo deste vínculo.

O terapeuta aprende a conter os afetos da relação para devolver de forma mais


organizada para o cliente.

Este é um processo de instrumentalização da relação terapêutica.

A relação terapêutica é uma interação de afetação contínua, onde cliente e


terapeuta estão se afetando mutuamente. O terapeuta pode reconhecer os
efeitos deste campo de afetação em seu corpo e assim cartografar os

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processos em andamento e operacionalizar o que percebe dentro do processo
formativo e clínico no espaço privilegiado da terapia.

A terapia é uma incubadora de processos formativos.

Artigo publicado pela Revista Hermes do


Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo, número 6, 2001, p 107-123.
Artur Thiago Scarpato.

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O processo psicanalítico

O que é?

Embora lidando com uma palavra aparentemente simples, quando


contextualizamos a mesma à Psicanálise observamos que começa a ser objeto
de polêmica. Entretanto, vamos nos prender à significação mais simples,
embora encontremos mesmo assim uma possível dificuldade, quando se trata
de sua semelhança com Situação Analítica. Por enquanto consideraremos
Processo como sinônimo de Situação Analítica.

Pretendendo definir Processo Psicanalítico, queremos dizer que o tratamento


psicanalítico tem um sítio, um lugar, e esse lugar é encontrado dentro da
Situação Analítica. O processo é então o conjunto de fases sucessivas dentro
da situação como um todo. E, em particular, a Situação fica sendo “a
configuração total das relações interpessoais que se desenvolvem entre o
Psicanalista e seu paciente.”

Podemos criar um conceito mais simples ainda, se dissermos que o Processo


inclui todos os procedimentos havidos entre Psicanalista e paciente, desde a
escolha do primeiro até a RTN (reação terapêutica negativa) que o paciente
experimenta quando de fato seu tratamento já está encerrado.

Analisabilidade

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Segundo os didatas mais famosos, toda vez que não existir uma contra-
indicação específica e irrecusável, a Psicanálise é indicada.

Entretanto, falando das contra-indicações, podemos relacionar as de natureza


familiar, religiosa, amizade etc... Mas, seriam todos os pacientes analisáveis?
Seriam todos os pacientes analisáveis por quaisquer Psicanalistas? Há
enfermidades do universo psíquico que não são analisáveis?

Outras perguntas poderiam ser levantadas, contudo tentaremos responder


estas que nos parecem mais prementes.

Seriam todos os pacientes analisáveis?

Embora do ponto de vista etiológico, da natureza da enfermidade, o sejam, há


pacientes que não preenchem os requisitos para tal. E nesse caso, até os
fatores inteligência, cultura, universo religioso, etc. podem contra-indicar.
Nesse caso o paciente não produzirá o suficiente para o processo de
interpretação ou não acompanhará o raciocínio sempre avançado do
Psicanalista. Um outro fator que não podemos descartar é a idade.

Seriam todos os pacientes analisáveis por quaisquer Psicanalistas?

Quando estivermos diante de um paciente analisável, precisamos ainda


considerar a possibilidade do tal não ser analisável por nós. Há sempre a
fenomenologia que pode contra-indicar. Por exemplo: A Contra-transferência
Negativa Imediata. Além deste fator, pode o paciente apresentar uma postura e

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característica de personalidade desfavorável à constituição do Par Analítico.
Isto exige muito cuidado na fase das entrevistas.

Há enfermidades do psiquismo não analisáveis?

Certamente, todas as enfermidades psicogênicas, em princípio, não oferecem


condições. É claro que estamos agora lidando com o conceito de estrutural.
Entretanto, há certos casos de esquizofrenias que parecem responder a uma
análise profunda. Diante dessas considerações, uma outra pergunta se
levantará: Quais são os pacientes tributários da psicanálise? Os Neuróticos. Só
existe um tratamento eficaz para as neuroses – Psicanálise. O tratamento
psiquiátrico para as neuroses é apenas sintomático. É como tirar a febre de
alguém com infecção. Entretanto incluímos neste roteiro um capítulo sobre
Psicanálise e Paciente Psiquiátrico.

Por outro lado, temos ainda duas outras questões a considerar nesta parte:

• A Psicanálise pode contribuir para os pacientes não indicados? Sim. A


Psicanálise cura as neuroses, ajuda aos psicóticos e não agrava quaisquer
enfermidades.

• Os Psicanalistas têm que ser rigorosos na questão da analisabilidade?


Em princípio sim. Pelo menos nos casos de contra-indicação familiar, de
amizade etc... Contudo não será fácil recusar um paciente, especialmente
se levarmos em conta as necessidades financeiras e a natureza sacerdotal
de que nossa profissão se reveste. Não se deve, contudo, forçar uma
situação que se saiba ser improdutiva.

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Vamos dar, ainda que resumidamente, os critérios da Dra. Zetzel de
analisabilidade:

• A capacidade de manter a confiança básica em ausência de uma


gratificação imediata;

• A capacidade de manter a discriminação entre o objeto e o self na


ausência do objeto necessitado;

• A capacidade potencial de admitir as limitações da realidade.

Finalizando, teremos sempre bastante dificuldade com os pacientes que


tendem a desenvolver prematuramente uma intensa transferência erótica
desde as entrevistas face a face.

O Par Analítico

A figura do Par Analítico (e não casal) surge em decorrência da analisabilidade.


Se os requisitos para a situação analítica não forem atendidos, certamente que
paciente e psicanalista formarão uma dupla de estranhos. Queremos afastar
desde já a idéia de que o Par Analítico engloba aspectos transferenciais. Não
engloba, mas predispõe ao surgimento da mesma. E se não ocorrer a
transferência, o trabalho será inútil, não haverá cura. Assim, para entender o
mesmo, temos que considerar se um determinado paciente vai responder
melhor a um analista do que a outro, ou que um analista pode tratar melhor uns
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pacientes do que outros. Par Analítico, é, portanto, o melhor analista para
determinado paciente e o paciente adequado para determinado analista.

Vale ainda considerar que essa figura não surge com imediatismo, sendo
necessário um tempo determinado de contato para se ter idéia de sua medida.
Isto torna fundamentais as entrevistas.

Passos do processo psicanalítico

O ambiente – disposição de um consultório

Do ponto de vista metodológico, ambiente não faz parte do processo.


Entretanto, se precisamos dele para tal, não podemos ignorar a sua
importância. É claro que existe ambiente e ambiente. Também sabemos que as
pessoas se sentem melhor em função de certas disposições, cores etc...
Assim, pensemos um pouco sobre um ambiente adequado para a prática
psicanalítica.

Disposição de um Consultório ou Gabinete:

• A sala não deve ser pequena em demasia;

• Deve possuir os móveis apenas necessários;

• Não deve ter nas paredes nada que chame a atenção;

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• A cortina deve ser de cor neutra;

• Deve-se evitar enfeites sobre a mesa ou coisas que pareçam


ostentação;

• Se tiver estante, nela devem ter apenas livros;

• Deve ser ambiente afastado de ruídos sistemáticos;

• A limpeza e disposição dos móveis e demais pertences deve ser


rigorosa;

• O divã deve ser confortável e suficientemente largo para acomodar


quaisquer pacientes;

• A cadeira do analista deve estar disposta por detrás do divã, de


maneira que o analista não seja visto pelo paciente enquanto livremente
associa;

• Não deve ter telefone nem campainha que soe dentro dessa sala,
etc...;

• Deve existir uma ante-sala levemente decorada.

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O ambiente deve oferecer ao paciente oportunidade de bem estar. Ele deve ter
a sensação de que aquele local é o mais agradável possível para os 50
(cinqüenta) minutos a que tem direito.

Anamnese

Em Psicanálise, anamnese não é entrevista. Reservamos para a entrevista um


caráter formal de oportunidade para termos uma visão anímica do paciente.

A anamnese é o primeiro, ou segundo, contato. É a ocasião em que o paciente


chega ou é trazido, e neste caso já temos uma forte contra-indicação para a
análise. O ideal é que o paciente venha de livre e espontânea vontade. Se bem
que às vezes necessite de apoio, do encorajamento de alguém, da família ou
não.

Na anamnese primeiramente ouvimos as razoes de nossa procura, e, em


certos casos já podemos refugar um paciente neste estágio, se constatarmos
tratar de psicótico, de alguém que já conhecemos, se já tivemos algum tipo de
negócio com o mesmo, enfim. Ainda quando pensamos na anamnese convém
ressaltar que sua utilização nos proporcionará uma compreensão da situação
atual do paciente.

Mas como proceder na anamnese? Vejamos a seguinte sugestão: Fazer a


ficha do paciente. Esta ficha deve ter:

• Nome completo;

• Data de nascimento;

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• Filiação;

• Estado Civil;

• Nível cultural;

• Condição sócio-econômica;

• Condição sócio-econômica e cultural da família (pais);

• Número de irmãos;

• Relação com os irmãos;

• Desempenho escolar;

• Como se relaciona na sociedade;

• Religião e como pratica essa religião;

• Grau de conhecimento da psicanálise;

• Enfermidades que possui;

• Enfermidades de que padeceu, inclusive as doenças próprias da


infância;

• Lesões provocadas por enfermidades;

• Acidentes de que padeceu

• Cirurgias que padeceu;

• Quantidade de amigos;

• Hábitos;

• Passatempo preferido;

• Medos;

• Cumpre notar que outras perguntas podem ser aqui elencadas com o
propósito de se permitir uma maior introspecção por parte do paciente. Já

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na anamnese é necessário que observemos os aspecto comportamentais
do mesmo.

De posse dessas informações e outras que poderão ser obtidas com as


respostas a certas perguntas do chamado “Interrogatório forçado”, o
psicanalista terá uma visão da analisabilidade e das possibilidades de
formação do par analítico, bem como das condições econômicas que darão
sustentação ao processo.

Na anamnese o Psicanalista não deve prometer nada, além de sua boa


vontade para com o caso, mas deixando claro que tudo vai depender do
processo de entrevista. Não podemos garantir cura, nem mesmo se poderemos
continuar com o caso, se bem que isto é mais teórico do que prático.

Entrevista

Já disse que em Psicanálise anamnese não é entrevista. Entrevista é um termo


reservado para algum encontro de tipo especial, não para contatos regulares.
Trata-se portanto do que se faz antes de empreender um tratamento
psicanalítico. Sua finalidade é, de modo mais amplo que na anamnese, decidir
se a pessoa que consulta deve realizar um tratamento psicanalítico ou de outra
natureza. Também nela se terá uma visão profunda das contra-indicações.

Na entrevista devemos facilitar ao entrevistado a livre expressão de seus


processos mentais, o que nunca se consegue com um enquadre formal de
perguntas e respostas, embora durante a mesma possamos submeter algumas
perguntas ou pedir que o futuro paciente fale sobre algo específico.

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Algumas considerações resumidas sobre a entrevista:

• Tanto melhor será o campo da entrevista quanto menos participe o


entrevistador;

• É comum observarmos pacientes com forte dose de ansiedade e/ou


angústia na entrevista;

• O analisado deve ser informado que a entrevista tem a finalidade de


responder a uma consulta sobre sua análise mental e seus problemas, para
ver se necessita de tratamento.

• A entrevista se realiza sempre face a face e o uso do divã está


formalmente afastado;

• A entrevista não se baseia nas regras de Livre Associação, embora já


se inicie uma espécie de ensaio da mesma;

• O Psicanalista deve influenciar com atitudes não-verbais;

• O Psicanalista deve anotar ao máximo, de modo elegante, tudo que


interesse à decisão quanto à analisabilidade;

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• O Psicanalista não deve interpretar nem fazer diagnóstico durante a
entrevista. Suas palavras devem induzir apenas;

• O Psicanalista não deve recorrer a procedimentos que evitem a


ansiedade, como o apoio ou a sugestão, e tampouco resolvê-la com o
instrumento específico da interpretação;

• No fim de cada entrevista já predomina a angústia de separação, que


será fortalecida no curso da análise;

• A entrevista deve ter tempo limitado, como duas, três ou mais sessões,
não deve ser arrastada indefinidamente;

• Deve ser distinta do processo de Psicanálise formal, de maneira que o


paciente saiba onde terminou e começou a outra;

• A entrevista informa sobre fatos fundamentais, não como objeto de


análise, mas como para definir se será ou não possível o trabalho de
análise;

• Na entrevista, também, o paciente poderá chegar à conclusão de que


esse Psicanalista não lhe é indicado, sem contudo abrir mão do tratamento
com um outro (é comum pacientes que vão de analista em analista, até
encontrar um indicado, embora isso já possa ser estudado como uma busca
de um profissional que satisfaça suas fantasias à priori), etc.

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O Contrato Analítico

Vamos tomar um termo das relações civis para designar certo procedimento
necessário à prática psicanalítica.

Antes de definirmos o Contrato Psicanalítico, precisamos entender que uma


das estratégias da Entrevista é preparar o futuro paciente para subscrever o
metafórico Contrato Psicanalítico. Esta expressão deve ficar circunscrita ao
jargão dos psicanalistas, sem conotações legais.

Mas, o que é? É um acordo sobre as bases ou as condições do tratamento.

“Vale a pena assinalar... que o contrato psicanalítico não só implica direitos e


obrigações, mas também riscos, os riscos inerentes a todo o empreendimento
humano”.

O Contrato Psicanalítico poderá ser democrático ou autoritário. Aquele é o que


tem em conta as necessidades do tratamento e as harmoniza com o interesse
e a comodidade de ambas as partes (paciente e analista). Lembremos que a
cada obrigação do analisado corresponde simetricamente uma do analista. No
contrato autoritário, temos a busca da conveniência do analista antes que
preservar o desenvolvimento da tarefa. Há também um tipo menos comum, que
é o demagógico, em que o psicanalista satisfaz o paciente em prejuízo do
processo.

Surge naturalmente, a pergunta: Quando deve ser formalizado o Contrato


Psicanalítico? Na fase inicial das entrevistas. Pode mesmo ser alinhavado
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durante as entrevistas, entretanto, deve haver um momento em que se trate
apenas dele. Um momento quando o paciente se veja de frente com
obrigações definidas, com algo que ele terá que respeitar, uma vez que
pretende a cura, o seu bem estar.

Generalidades sobre o Contrato Psicanalítico

• Não é um documento formal, escrito;

• Deve incluir os elementos tradicionais, que veremos, bem como a


possibilidade de sua alteração;

• Deve prever uma certa flexibilidade que não comprometa o andamento


do processo nem do tratamento;

• Deve frisar bem a responsabilidade do Psicanalista;

• Deve esclarecer que tudo que o paciente faça, não faça, falte etc., será
objeto de interpretação, etc.

Principais itens do Contrato Psicanalítico:

A questão das anotações

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Devemos informar ao paciente que temos o direito de anotar elementos
colhidos da Livre Associação que considerarmos necessários para
interpretações futuras ou para dirimir dúvidas quando de resistências
contumazes apresentadas pelo paciente. Mas é preciso constar que as
anotações não são obrigatoriedade, uma vez que há psicanalistas que
simplesmente não anotam nada.

Aconselhamos, contudo, que todos anotem determinadas coisas, porque a


pura e simples postura audível, por melhor que seja a memória do Psicanalista,
poderá provocar uma sensação de inutilidade das suas palavras, com
acentuado descrédito pelo nosso trabalho.

Uso do Divã

O divã não é um sofá, onde o paciente senta se quiser. Trata-se de um


instrumento do nosso trabalho. Entretanto, não devemos impor ao paciente
como algo obrigatório, com pena de nosso Contrato tornar-se autoritário, o que
deve ser evitado. Devemos, isto sim, esclarecer quanto a sua utilidade, o seu
emprego histórico desde o mestre, Freud.

Qual a razão do Divã? Freud o concebeu para possibilitar o maior relaxamento


possível ao paciente enquanto fala. Ele tem por objetivo tirar o paciente da
rotina de atividades musculares, diminuir as tensões, afastar as
responsabilidades com equilíbrio e outras que consomem bastante energia. O
divã é fundamental também porque permite ao psicanalista posicionar-se em
relação a ele de modo a ficar menos exposto, diminuindo assim a carga
transferencial e o constrangimento dos olhares insinuativos, que são

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responsáveis pela contra-transferência, fenômeno que pode ameaçar todo o
trabalho.

No contrato deve ficar claro que o divã é para o Psicanalista como a cadeira do
equipo de um dentista, e tantas outras. O divã oferece condições para que não
haja compressão das juntas e ainda, como já mencionamos, oferece uma
melhor oportunidade para a relaxação, tornando-se assim, indispensável ao
exercício da Psicanálise.

Intercâmbio de tempo e dinheiro

O dinheiro da psicanálise tem uma função econômica por excelência. Pode


parecer absurdo esta afirmação, uma vez que dinheiro é sempre fator
econômico. Só que o termo econômico em psicanálise tem outro significado. É
uma carga de valores que domina uma relação. O dinheiro tem aqui
importância diferente dos demais atendimentos médicos ou paramédicos. E
tanto assim que empregamos o nome sessão em vez de consulta. Além do
mais, o paciente de psicanálise gasta muito mais e durante muito tempo, de
modo como não despendem recursos quaisquer outros pacientes, excetuando
os casos de internações e cirurgias.

Deve ficar claro que o paciente precisa do analista para resolver os seus
problemas e este tem um preço e uma competência que lhe coloca ao dispor.
O Psicanalista deve ser rígido na questão dos honorários, não atendendo de
graça, sob nenhuma hipótese. E por quê? Quem não pode pagar pela análise
também não será beneficiado por ela. Sem falar nos complexos que seriam
plasmados, dentre eles o de inferioridade, o de devedor eterno etc...

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O Psicanalista informará que aqueles 50 (cinqüenta) minutos lhe pertencem (ao
paciente), que deve pagar por eles.

Quanto à questão do valor (axiologia), é inversamente proporcional aos


problemas enfrentados e às dificuldades deles advindas.

No contrato, o Psicanalista deve fixar o seu preço, o modo de pagamento,


podendo ser por sessão, semanal ou mensal, sendo este o preferido. Podemos
também ter preços diferenciados, de acordo com as condições do paciente e a
quantidade de sessões semanais. Entretanto, que nunca um paciente saiba o
quanto os demais estão pagando. Não devemos ter uma tabela de preços
afixada.

Finalizando, o Psicanalista não deve ter como fonte de preocupação as


alegações financeiras do paciente, ter pena, ou mesmo trocar idéias sobre tais
problemas. Quanto a isto, ouvimos, como a qualquer outro problema. Não nos
esqueçamos de que tudo deve ser interpretado.

Freqüência e duração das sessões

Freud psicanalisava com 05 (cinco) sessões semanais, dando folga apenas


nos fins de semana e feriados.

Com o passar do tempo as condições econômicas e do próprio tempo de que


se dispõe têm mudado. Nos últimos anos temos encontrado uma situação
intermediária que satisfaz – três sessões por semana. Mesmo assim é muito

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difícil encontrar quem possa arcar com tamanha despesa. E por causa desses
complicadores, tem-se optado por duas sessões e, não havendo outra maneira,
uma sessão.

Mas seria isto um barateamento da Psicanálise? Não. É uma adaptação da


ciência de Freud aos tempos bicudos em que vivemos. Mas, não enganemos
os nossos pacientes – é muito difícil trabalhar assim. A Psicanálise acaba
virando uma psicoterapia comum, com pequeno alcance material reprimido.

O que fazer? O Psicanalista precisa, ao menos neste caso, forçar um pouco


para que o paciente entenda a necessidade de uma freqüência mais amiúde,
pelo menos duas vezes por semana, mesmo que isto sacrifique suas
economias e obrigue a uma mudança radical nas suas contas pessoais.

Quanto à duração das sessões, é igualmente histórico e comprovado que um


período de cinqüenta minutos é adequado. É tempo suficiente para o paciente
relaxar e começar a falar. Não devemos diminuir o tempo com a desculpa de
abaixar o preço. Não devemos aumentar igualmente por qualquer hipótese.

Vale a pena tomar cuidado com certas correntes modernas de psicanálise que
pregam a possibilidade de gasto de tempo menor. Os Lacanianos têm
imaginado sessões de até cinco (05) minutos, o que é um absurdo.

Tempo provável de um Tratamento Psicanalítico

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Embora haja psicoterapias rápidas, algumas até com fundamentação
psicanalítica, vale lembrar que psicanálise não se preocupa com o fator tempo.
Não podemos submeter ao tempo fatores ponderáveis e que dependerão de
circunstâncias mil para virem à tona. O próprio processo psicanalítico está
sujeito a vais-e-vens que cada caso determina. Além disso, existe o problema
potencial da relação: Neurose – profundidade

– conseqüência – personalidade – caráter – psicanalista – questões do par


analítico – intensidade da transferência – complicação da contra-transferência
– inteligência do paciente – idade – RTN etc. Tudo isto acena para a
impossibilidade de fixação de prazos. Contudo, a experiência tem mostrado
que, em média, um tratamento completo dura cerca de cinco anos. Pode ir até
dez anos. Em alguns casos é interminável.

Quando falamos na possibilidade de uma análise interminável, quase sempre


causamos um bom susto. Mas não é difícil argumentar. Basta lembrar que
muitas enfermidades somáticas são mais ou menos assim: cardiopatias,
diabetes, neuropatias, reumatismo etc., têm que ser tratadas a vida toda. Não
há cura do ponto de vista do banimento da enfermidade do organismo. Sem
falar nos casos renais crônicos que obrigam o paciente à hemodiálise três
vezes por semana, permanecendo ali cerca de quatro horas. E ninguém
desiste por causa disto.

Férias

O Psicanalista deve contratar também o seu período de descanso semanal,


nos feriados e anual. Estas férias devem atender também às necessidades de
descanso financeiro do paciente quando de um período de cessação de

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trabalho, que funciona bem para realimentar as esperanças e fortalecer a
transferência, quando for o caso.

Podemos optar por trinta dias corridos ou dois períodos de quinze dias.
Entretanto, esses períodos devem ser fixados de antemão. Muito raramente se
admite alteração nessa cláusula. O trabalho ininterrupto, sem a observância do
período de descanso, é contra-indicado por todos os motivos.

Regra da Livre Associação

No contrato fixamos também que o nosso trabalho tem uma metodologia rígida,
não por uma questão de intransigência, mas de princípio, de doutrina. A regra
áurea é Livre Associação de Idéias. Psicanálise é isto. Fora dessa regra o que
existe é método catártico, apoio, papoterapia, condutoterapia, menos
Psicanálise. Nosso objetivo, o da Psicanálise, é tornar o inconsciente, o Id,
consciente. Pretendemos e conseguimos trazer todo material recalcado no Id
para a superfície, para o consciente, para o ego. Uma vez à tona,
interpretamos e o próprio paciente se dará conta dos problemas, suas causas e
aprenderá a conviver com os tais, e, se for o caso, promoverá a catarse.

Naturalmente que o paciente não se envolverá tão facilmente assim. Leva


algum tempo para entender e conseguir falar o que vai passando pela mente.
Durante bom tempo ele vai tentar dialogar com o psicanalista, o que evitamos,
com o silêncio absoluto.

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Será necessária uma ligeira palestra do psicanalista ensinando o paciente o
que é Livre Associação. Pode ser recomendável que se dê alguma coisa a
respeito para o paciente ler. Podemos fazer certos exercícios que introduzam
no método, etc... De qualquer maneira, tratamento psicanalítico não é um papo
em dias e horas e local marcados.

Pagamento das Faltas

Embora este critério não seja exclusivo da psicanálise, tem para nós uma
importância capital. O paciente às vezes foge das sessões por motivos
conscientes ou inconscientes. De qualquer maneira tais motivos são
resistência. Mesmo quando diz que não tinha dinheiro, razão pelo que optamos
pelo pagamento mensal, para evitar esta desculpa.

Deve ficar claro que a sessão agendada é dele e ele paga, quer compareça ou
não. Isto aumenta a responsabilidade do tratamento.

Devemos ser rígidos nesta cláusula, dado à fenomenologia presente e intensa.


Não devemos estender também o aumento inesperado de sessões semanais,
fora do que se contratou, a não ser por motivos bem claros e discutidos, pois
pode tratar-se de necessidade transferencial que não deve ser alimentada ou
fortalecida. O processo deve ter a necessária rigidez, porque tudo é tratamento.

Mudança de Horários

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É bastante comum ser solicitada em pacientes fóbicos, ansiosos ou limítrofes
(especialmente esquizofrênicos). Não deve ser em proibida nem incentivada.
Damos bom exemplo quando subordinamos toda a nossa vida aos
compromissos da psicanálise. Se o psicanalista hoje e amanhã troca o horário
das sessões por motivos fúteis, é claro que o paciente vai se sentir no mesmo
direito, e isto nos é adverso.

O Material Onírico

Psicanalista que se preza não pode fugir dos sonhos nem possuir deles idéias
místicas, fantásticas, sobrenatural, religiosa ou banal. O sonho é o melhor
material que a mente fornece. No sonho as informações são completas e livres
de bloqueios. Vêm, contudo, revestidas de simbolismos aparentemente
intransponíveis.

O que fazer com os sonhos? Interpretá-los à luz da técnica freudiana,


fartamente estudada. Não se interpreta sonhos sob a ótica da astrologia, ou do
jogo do bicho. CUIDADO! Lembremos também que os sonhos são
reconhecidos até mesmo na Bíblia como material merecedor de crédito.

Todo sonho é satisfação de uma necessidade. É claro que não estamos


falando dos sonhos proféticos, mas daqueles produzidos pelo inconsciente
para romper a barreira do superego, das censuras.

A interpretação dos sonhos será estudada à parte.

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Regra de Abstinência

Por abstinência entendemos o não envolvimento do psicanalista com os afetos


ou os problemas do paciente. É claro que existe a contra-transferência que
cada analista terá que trabalhar, embora não ocorra com a mesma intensidade
com todos os pacientes, e nem mesmo durante toda a nossa vida.

CUIDADO! É de Freud esta máxima: “Se quisermos que alguém nos abra o
coração, devemos começar por abrir o nosso”. Ela serve para tudo, menos
para a prática psicanalítica.

À primeira vista poderia parecer justo que o psicanalista permitisse, da parte do


paciente, a visão de seus próprios defeitos e de seus próprios anímicos,
abrindo a sua vida íntima aos olhos do analisado. Mas esse modo de proceder
não acarreta nenhuma vantagem ao tratamento, pelo contrário. Incapacita o
paciente no sentido de vencer as suas resistências profundas, provocando-lhe,
cada vez mais e mais, uma curiosidade insaciável, chegando mesmo a
encontrar na análise do psicanalista encantos e atrativos bem mais
interessantes que a sua própria análise. Sem falar no fato de que o analista
informaria sobre sua contra-transferência, seus afetos pelo paciente.

Nessa linha de raciocínio, também o psicanalista não se interessa pelo


paciente. Não existimos para satisfazer o paciente. Não temos como satisfazer
e não nos deve interessar nem mesmo como é que o paciente o conseguirá.

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Postura do Psicanalista

O Psicanalista não deve provocar distanciamento com a máscara de semideus


ou super-homem. Deve ser uma figura natural, que inspire confiança e não
provoque especulação além das fenomenológicas naturais.

O Psicanalista deve vestir-se bem, sem ostentação. Não deve usar roupas
anacrônicas nem modismo demasiado. Deve, contudo, ser uma pessoa
agradável, quer pela indumentária, quer pela higiene geral. Precisa ouvir sem
manifestar susto com o conteúdo comunicado. Não pode manifestar escrúpulo
nem qualquer espécie de julgamento.

Na recepção do paciente deve estender-lhe a mão para um bom-dia, boa-tarde


ou boa-noite, sem exageros. Nada de beijinhos ou tapinhas – essas coisas
serão interpretadas pelo paciente como afetividade e favorecerão ou
fortalecerão a transferência.

Quando o paciente falar algum gracejo, devemos rir de leve. Se não o fizermos,
provocaremos o constrangimento inibitório. Não devemos rir às gargalhadas
com o paciente – o paciente é que está em análise, não nós. Não podemos dar
ao paciente a idéia de que a sessão nos interessa de modo pessoal, que nos
sentimos bem com ela etc.

E quando de encontros fora do consultório? Cumprimentamos, sem fazer


referência à condição de paciente e psicanalista. Não devemos apresentar o
paciente a outros como tal. Não devemos “nos abrir”, nem mesmo nesta
situação. Paciente é paciente, em qualquer lugar que esteja.

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LIVRE ASSOCIAÇÃO

Definição

Como definição, podemos dizer que é o caudal de idéias que se relacionam


entre si e que são verbalizadas sem preocupação lógica ou estilo.

A livre Associação é parte fundamental do Processo Psicanalítico. Sem ela não


existe Psicanálise, porém monólogo ou diálogo. O Processo Psicanalítico não
consiste em um paciente falando o que consegue lembrar ou simplesmente
ocupando os ouvidos do analista. Na Livre Associação fala-se do que vem
naturalmente à cabeça e não daquilo que procuramos no material mnético.

Podemos afirmar que leva algum tempo para um paciente Associar Livremente.
Quando muito, começa falando desembaraçadamente, o que não é o mesmo.

Para a Livre Associação é fundamental o uso do Divã. Ali o paciente encontra


uma posição de conforto que favorece essa manifestação do inconsciente mais
naturalmente.

Lembremos que todo material recalcado ao inconsciente está ali como que
colado, arraigado. Não é fácil desprendê-lo. Certas condições mínimas são
necessárias. A mais eficiente é aquela em que o indivíduo é convidado a falar
em uma posição que normalmente não utiliza para tal, e sim para dormir. Há

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uma predisposição mental ao relaxamento próprio do sono e à capacidade de
verbalizar.

O processo da Livre Associação

É indiferente o tipo de material que se tenha, que o paciente apresente: pode


ser a história de analisado, as recordações infantis ou mesmo a história da
enfermidade;

Não é um interrogatório nem um diálogo travado entre Psicanalista e paciente.


Algumas vezes fazemos perguntas, mas não sistematicamente. Aliás,
procedemos melhor quando as nossas perguntas induzem uma compreensão e
praticamente não existem resposta.

A Psicanálise visa sondar o inconsciente para trazer à tona da consciência as


idéias que aí se acham recalcadas e libertá-las através da compreensão. É
verdade que tal libertação é, de certa forma, um pouco de aplicação do método
catártico. Contudo, quem traz à tona tais idéias latentes é o paciente, não o
analista. O Psicanalista não é escafandrista, um mergulhador. No máximo atua
dando corda à imaginação mnética.

O paciente escolhe o ponto de partida de sua conversação. Entretanto, cabe ao


Psicanalista perceber se sua conversa não passa de “um contar do dia a dia”.
Às vezes o paciente fala muito, exatamente para não falar o pouco que deve. A
conversa funciona muitas vezes como bloqueio, resistência. Desse modo, o
psicanalista pode alertar sobre a improdutividade do material verbalizado, mas

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isto com muito cuidado. Devemos ensinar que o paciente deve falar o que
apareça sem esforço de recordação na mente, e não falar por falar;

O paciente não deve raciocinar sobre o que está dizendo; quando ocorre o
raciocínio, o que há de fato é uma seleção, como se o psicanalista pudesse
definir o que é importante e o que não é. Na base dessa seleção é encontrada
a resistência. Uns dizem: “Lembrei de algo, mas isso não é importante, não tem
nada a ver”. É exatamente aí que temos que trabalhar e fazê-lo entender a
presença de uma resistência, de um bloqueio.

O paciente não deve se preocupar com o que está dizendo. Deve agir como
que estando a “pensar em voz alta”. Transmite todas as idéias que forem
surgindo, mesmo que sejam agressivas, pareçam vergonhosas, banais,
conflitem com os seus costumes. Aliás uma das coisas mais responsáveis pelo
recalque é exatamente o “pensar de um modo e falar de outro”. Isto é cometido
pelos padrões culturais e pela hipocrisia das religiões etc.

Sintetizando: “Coloque-se diante do Psicanalista como um passageiro olhando


da janela de um trem, em velocidade, e, vá narrando o que se passa na tela da
sua imaginação”.

(Dr. Gastão Pereira


da Silva)

Um exemplo detalhado de Associação de Idéias

Uma aula sobre como trazer à tona as idéias recalcadas.

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Obs.: O conteúdo que incluímos sob este título foi extraído do livro de J. Ralph,

“Conhece-te pela Psicanálise”.

Vou ensinar ao aluno como se deve pescar. E não só como pescar, mas
também, o lugar bom para uma boa pescaria.

Mas não se trata de peixes, trata-se de pescar idéias. Não as alheias, mas as
suas próprias idéias.

É verdade que, sob certas condições, precisamos pescar as idéias dos outros;
mas, comumente não há necessidade disso. Há muitos indivíduos, com efeito,
que com a maior sofregidão, nos oferecem as suas, graciosamente, sob a
forma de convicções e de preconceitos. A média dos indivíduos recusa-se a
admitir qualquer associação com sua última atitude mental; e com que energia
procuram demonstrar que suas idéias são próprias, espontâneas e
desinteressadas.

Não, o que pretendo agora é ensiná-lo a pescar as próprias idéias.


Naturalmente, elas lhe interessam muito. Mas vai uma grande distância entre
interessar-se por uma coisa e possuí-la e gozá-la integralmente.

De nada nos vale uma ótima coisa, que apreciamos muito e pela qual muito
nos interessamos, se não podemos utilizá-la justamente quando e como
queremos.

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E se não o podemos fazer, é porque a coisa não nos pertence de fato, e, se por
acaso a consideramos nossa, somos, positivamente, vítimas de uma ilusão.

Nesta pescaria, que empreenderemos juntos, vamos adotar um anzol mental.


Será uma pesca extremamente prática e de grande proveito para a sua
personalidade.

Quero ensiná-lo a trazer à consciência (de modo que se possam confrontar) as


idéias responsáveis pelo seu temperamento: as boas e as más, as fortes e as
fracas.

Nas profundezas do inconsciente há um grande sortimento de idéias e


lembranças que a gente supõe serem próprias, originais; na realidade, a
natureza e as tendências do procedimento consciente são condicionadas por
esses elementos mentais submersos.

Poucas, entretanto, são as pessoas que têm a noção exata de suas próprias
reservas mentais, ou uma noção inteligente dos alicerces inconscientes sobre
as soterradas (idéias). E, quando afluem, escolhemos as que são utilizáveis,
rejeitando as restantes para as profundidades do espírito.

O nosso equilíbrio mental depende do critério de seleção: se o critério na


escolha é bom, será o nosso benefício; se mau, o nosso bem-estar sofrerá os
prejuízos resultantes.

Há, ainda, uma outra maneira de pensar, a que devemos referir, de passagem:
é o sonho acordado, o devaneio. É um modo de pensar que não dá vantagens

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ao indivíduo na luta pela vida. Com efeito, a atenção em vez de se dirigir,
intencionalmente, a um objeto mental definido, é atraída, nesse caso, pelas
idéias – desejos. Representa um esforço para alcançar uma via imaginária e
que não se consegue na vida real. Sendo um meio de se fugir às realidades da
vida, constitui uma espécie de ópio mental, que devemos, portanto, evitar a
todo o custo.

O que o aluno vai conhecer agora é uma outra atitude mental, onde a atenção
não é, nem dirigida, nem atraída, mas assiste, como um espectador passivo,
ao desfile das idéias que, sob certas condições, aparecem no horizonte da
consciência. Essa atitude é conhecida, tecnicamente, sob o nome de Livre
Associação de Idéias.

Na Livre Associação as idéias fluem e se sucedem sem intervenção


consciente, sejam agradáveis ou desagradáveis, importantes ou não, na
aparência. O que não significa que basta levantar a tampa do caldeirão do
inconsciente para que transborde uma variada procissão de idéias e, com isso,
se obtenha um resultado proveitoso. Não. O resultado pode ser inteiramente
outro.

Sabemos que toda idéia que surge na consciência tem suas raízes nas
profundidades do espírito; e sabemos, também, que se pudéssemos seguir
essas raízes, desde a consciência até as suas origens no inconsciente,
haveríamos de chegar à origem dessa idéia, isto é, às lembranças soterradas
das quais ele não é mais do que a expressão.

Tomemos uma determinada idéia; coloquemo-la, como se fosse uma isca, na


consciência. Abstenhamo-nos de qualquer análise consciente; afastemos toda
a crítica, todo o juízo, toda a coordenação, enfim, toda e qualquer forma de

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intervenção consciente; deixemos que outras idéias venham juntar-se à
primeira, que faz o papel de isca, apenas por uma associação puramente
simpática, que entre elas possa existir. Vamos obter, assim, uma Livre
Associação de Idéias.

Nesse processo, a idéia que ocupa em um determinado momento o campo da


consciência, liberta-se atraindo para si a idéia imediata, exclusivamente em
virtude de uma associação simpática que as une. Não entra no processo
nenhuma interferência intelectual.

O pensamento consciente, ao contrário, é um processo essencialmente de


seleção; somos nós que atraímos as idéias para a consciência e, então, depois
de analisá-las, julgá-las, medi-las, retemos as que nos convêm e rejeitamos as
que não nos interessam.

Para se obter uma boa associação de idéias é necessário afastar


completamente esses esforços intelectuais e assumir, perante a consciência, a
atitude de simplesmente espectador do que vai acontecer. Deve-se assistir à
procissão de idéias sem interpor nenhuma influência intelectual.

Essa atitude mental não é difícil de se obter. É antes uma questão de


habilidade. E, uma vez conseguida, basta um pouco de prática para repeti-la,
sempre que se entender ser útil e necessária.

Lembre-se sempre que nenhuma idéia penetra na consciência por ação do


acaso.

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Toda idéia que, mesmo que seja por um tempo mínimo, ocupa o centro da
consciência, aí não entrou por acaso. Ou foi empurrada pelas influências
subjacentes, ou foi atraída pelas condições de superfície.

Se, como no exemplo da idéia – isca, nos abstivermos de qualquer influência


intelectual sobre ela, vai se operar uma associação livre de idéias, constituída
das lembranças que são as suas próprias raízes; e deixando que essas
associações se realizem livremente, num fluxo ininterrupto e contínuo, a
consciência há de reconhecer, por fim, a lembrança exata que constitui a sua
origem.

Na Livre Associação, a idéia estimuladora (isca), que se encontra na


consciência, está presa, por laços bem definidos, a um conjunto de lembranças
localizado em algum ponto da vasta região do inconsciente; e se pudéssemos
seguir a linha de associações que une entre si estes dois fatores, haveríamos
de conhecer, rápida e nitidamente, a influência que as memórias soterradas
exercem sobre a nossa conduta consciente. E isso porque teríamos assim
conseguido ligar o efeito à causa.

Resumindo:

A Livre Associação de Idéias é a VIA RÉGIA que conduz à compreensão do


processo pelo qual a conduta é controlada pelo espírito inconsciente; se o
método for bem aplicado, pode-se, mesmo, reconstruir a personalidade
consciente, abrindo-se aos nossos olhos perspectivas de maravilhosas
possibilidades.

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Questionário para atuação do Psicanalista

Observação importante

O presente questionário sugerido por Gastão Pereira da Silva, poderá ser


usado quando das resistências, entretanto, é melhor não utilizá-lo do que
empregá-lo mal.

Cuidado!

A – Relação Edipiana:

1. De que se lembra você em relação ao corpo de sua mãe?

2. Recorda você alguma coisa das partes sexuais de sua mãe?

3. Foi você alguma vez impressionado com algum detalhe do corpo


de sua mãe?

4. Quais são as lembranças mais antigas que você tem de sua mãe?

5. Era sua mãe carinhosa ou severa?

6. Sua mãe o castigou alguma vez?

7. Em que consistia o castigo?

8. Que espécie de carícias você recebia de sua mãe?


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9. Você a admirava?

10. Você a viu alguma vez enferma?

11. Você a viu morta?

12. Você tocou alguma vez nas suas partes sexuais, nos seus seios,
ou alguma outra parte do seu corpo?

13. Viu você alguma vez o contato sexual entre seu pai e sua mãe?

14. Você a viu alguma vez urinando ou defecando?

15. Tinha a sua mãe aspectos atrativos?

16. Ama você sua mãe? Por quê?

17. Você a temeu alguma vez?

18. Ela o assustava quando o olhava?

19. Desejou você alguma vez a sua morte?

Nota: No caso de se tratar de um paciente do sexo feminino, todas estas


perguntas devem ser dirigidas ao pai.

B – Relação com crianças:

1. Interessa-se você pelas partes sexuais das crianças?

2. Em que consistem as suas atividades sexuais?

3. Que pensa você da micção ou da defecação?

4. Acredita que as crianças devem ser castigadas?

5. Gosta de crianças? Por quê?

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6. Quais foram os momentos mais felizes que você passou entre
elas?

7. Deseja ter filhos? Por quê?

8. Gostaria de ter um menino ou uma menina?

9. Deseja você que este se pareça com algum membro de sua


família? Por quê?

C – Relação com os animais

1. Gosta de animais? Por quê?

2. Eles o assustam?

3. Teve alguma vez medo de ser devorado por animais?

4. Foi mordido por algum? Quantas vezes?

5. Gosta de torturar ou ferir animais?

6. Viu alguma vez o coito de algum animal?

7. Que efeito produz em você os úberes de uma vaca?

8. Comparou alguma vez as partes sexuais de algum animal com as


suas?

9. Viu nascer algum animal?

10. Sabe você o que isto significa?

11. Teve você alguma fantasia ou intento sexual com algum animal?

12. Sonha com animais?

13. Qual é o animal que lhe causa aversão?


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14. Já pensou alguma vez que não devemos matar nem comer os
animais?

D – Relação com o próprio corpo:

1. Que pensa você do seu físico?

2. É você um sexual?

3. Acha-se efeminado (ou masculinizado)?

4. Qual é para você a parte mais importante do corpo?

5. Qual é a parte do corpo que você tem mais perfeita?

6. Tem medo de sofrer golpes nas partes sexuais?

7. Acredita que a masturbação é um mal?

8. Que acha você das partes sexuais do sexo oposto?

9. Envergonha-se de ser surpreendido nu? Por quê?

E – Relação com as funções do próprio corpo:

1. Quando se masturbou pela primeira vez?

2. Em que circunstâncias?

3. Realizou a masturbação espontaneamente? Ou lhe disseram que o


fizesse?

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4. Como se realizou? Usou as mãos? A realizou por outros meios?

5. Em que pensava ou pensa durante a masturbação?

6. Por que se masturba?

7. Como se sente, uma vez realizada a masturbação?

8. Você foi criado com mamadeira ou com seio?

9. Lembra-se como mamava?

10. Recorda-se de ter visto alguém mamar?

11. Que impressão lhe produz o seio feminino?

F – Relações Amorosas:

1. Que é amor?

2. Qual é o tipo de pessoa preferida?

3. Seria você capaz de persistir em uma atitude amorosa sem ter


satisfação sexual?

4. Gosta em geral das pessoas a quem julga superiores, iguais ou


inferiores a você?

5. Que pensa você das chamadas perversões sexuais?

6. Que pensa você do ciúme?

G – Situação de família:

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1. Foi você criado pela sua mãe, por algum parente ou por estranhos?

2. Teve você companheiros na infância?

3. Quais eram os brinquedos escolhidos?

4. Em que colégio esteve? Quais as lembranças que traz desse


tempo? Era interno ou externo?

5. Que livros você lia quando era pequeno?

6. Que classe de divertimentos você preferia?

7. Qual é a pessoa que exerce maior autoridade sobre você em sua


família?

8. Quais eram as suas idéias religiosas? Quais são agora?

H – Sobre a morte:

1. Pensa você constantemente na morte?

2. Qual é a idéia que lhe ocorre quando pensa nela?

3. Tem você medo da morte, de morrer ou de ser morto?

4. Desejou alguma vez morrer ou ser morto? Quando e como?

5. Chegou você a pensar no suicídio? Que processo seria preferível?

6. Estabelece você alguma relação entre o amor e a morte?

7. Como imagina você a vida depois da morte?

8. Tem medo de ver um cadáver?

9. Já pensou na morte de pessoas queridas?

10. Desejou a morte de algumas delas?


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11. Pensou em matar alguém?

12. Já matou animais? Quais?

13. Que espécie de morte comove mais a você?

14. Rápida, lenta?

Essas perguntas podem ser ampliadas, melhoradas e até modificadas


ligeiramente.

ALIANÇA TERAPÊUTICA

Na primeira parte deste estudo abordamos o chamado Par analítico. Vimos


na ocasião que o par analítico constitui a combinação do melhor
Psicanalista para determinado paciente, e vice-versa.

Na seqüência e combinação de fatores, em decorrência deste par, surgem


a transferência e a contra-transferência, que estudaremos dentro em
pouco.

Antes, porém, aparece este delicado assunto, a Aliança, por muitos


confundida com transferência. Mas não confundamos – a transferência
ocupa uma parte definida do universo psicanalítico. Nem tudo que ocorre
na situação analítica é transferência. Temos, contudo, que reconhecer que
a linha divisória entre a Aliança Terapêutica e a

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Transferência é muito tênue

Como defini-la? Segundo Zetzel, Aliança Terapêutica é uma espécie de


transferência racional. Essa transferência racional se caracteriza,
sobretudo, por não ter o aspecto de neurose, o que chamamos de neurose
de transferência. A diferença está na intensidade, racionalidade,
consciência de que os afetos que surgem não são frutos de paixão mas do
relacionamento. Por outro lado, a transferência se reveste da
irracionalidade, envolvimento afetivo que não permite ao paciente distinguir
os níveis de sentimentos.

Podemos situar melhor a Aliança Terapêutica em relação à Transferência,


do seguinte modo: A Aliança Terapêutica é favorável, colaboradora do
processo, enquanto que a transferência, embora fundamental para a cura,
em princípio opera negativamente, tende a atrapalhar. Aparece como
embaraço que deve ser interpretado, caso contrário inviabiliza o
tratamento, que se perpetuará.

A experiência tem-nos ensinado também outra coisa: a Aliança Terapêutica


não necessita de interpretação, nem teríamos como fazê-lo.

Precisamos confessar, entretanto, que a diferença entre a neurose de


transferência e a aliança não é absoluta. É mais uma diferença de
compreensão do paciente do que de natureza de sentimentos. Em suma, o
que o paciente sente, em ambos os casos, é a mesma coisa. Mas a
posição e análise pessoal do paciente difere.

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Uma outra situação interessante, é que na transferência a luta do
psicanalista é para interpretá-la, afastá-la, dando lugar à possibilidade de
instalação da dinâmica interpretativa. Na aliança terapêutica ocorre
exatamente o contrário: o Psicanalista a reforça. Ele precisa da
manutenção desse clima para sustentar a confiabilidade.

Finalizando, diríamos que o ideal da transferência é que se transforme ou


evolua para a Aliança Terapêutica. Uma coisa é que ambos não se
encontrarão ao mesmo tempo em um paciente. Outra coisa se discute: Pode
existir Aliança Terapêutica sem o processo inicial da transferência.

TRANSFERÊNCIA

Definição: Atitudes, sentimentos e fantasias que um paciente experimente, na


situação analítica, em relação ao seu Psicanalista, muitas das quais emergem,
de modo aparentemente irracional, de suas próprias necessidades
inconscientes e conflitos, em vez de circunstâncias reais de suas relações com
o analista. Assim, o paciente atribui, inconscientemente, características de seu
pai, mãe, irmãos, etc. ao analista, enquanto este representará qualquer dessas
pessoas em relação ao paciente.

A teoria da transferência é uma das maiores contribuições de Freud à ciência e


também o pilar do trabalho psicanalítico.

A transferência precisa ser entendida como um falso enlace, que tem, em


princípio, dois objetivos, ambos inconscientes:

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a. Satisfazer as necessidades propriamente inconscientes, confundindo a
pessoa do Psicanalista com as pessoas que faltaram ou faltam na vida do
paciente;

b. Evitar a subida do mundo inconsciente ao consciente, funcionando


desse modo como resistência, como dissimulação, com o fim de direcionar
as energias mentais para um lado que embargue a manifestação do
universo inconsciente.

Em ambos os casos, “a transferência que se destina a ser maior obstáculo para


a Psicanálise, se converte em seu auxiliar mais precioso, quando se consegue
detectar em cada caso (e manifestação) e traduzi-la para o enfermo”.

Em qualquer caso, a transferência jamais poderá ser entendida como uma


fraqueza de caráter, como “safadeza” do paciente, mas como algo inevitável às
pessoas mais sérias. É sempre um problema da personalidade no que diz
respeito às neuroses, carências, etc. As pessoas que sufocam as
manifestações transferenciais, o que conseguem é plasmar mais uma carência,
fortalecendo assim o patrimônio neurótico.

Não nos esqueçamos também que a transferência não é fenômeno exclusivo


das relações psicanalíticas, mas acha-se presente em todo trabalho relacional.
E é pior nas outras profissões e contatos, porque os envolvidos não têm o
conhecimento científico do que está ocorrendo, tomando, de acordo com o
lado, como oportunidade de satisfação. A confusão que segue será sem
precedentes nessas vidas.

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CONTRA-TRANSFERÊNCIA

Definição: As atitudes, sentimentos e fantasias que o psicanalista experimenta,


muitas das quais provêm, aparentemente de modo irracional, de suas próprias
necessidades e conflitos psíquicos, e não de circunstâncias reais de suas
relações com o paciente.

A contra-transferência pode ser, como deduzimos da definição, conseqüência


de carências do Psicanalista, de problemas não resolvidos desse profissional.
Pode também ser conseqüência da situação psicanalítica em si. Nesse caso, é,
“uma resposta emocional do Psicanalista aos estímulos que provêm do
paciente, como resultado da influência do analisado sobre os sentimentos
inconscientes do profissional”. (Etchegoyen).

Se na transferência temos que estar atentos para interpretá-la, de igual


maneira precisamos estar atentos aos nossos sentimentos e sempre dispostos
à auto-interpretação, com pena de ficarmos vencidos no relacionamento e
impedidos de trabalhar em benefício do paciente.

Quando falamos na Aliança Terapêutica que deve ser uma evolução da


transferência, a própria transferência racional, de certa forma postulamos o
mesmo para a contra-transferência. Nesse caso, quando nos interpretamos,
quando identificamos os motivos dessa afetividade etc., transformamos esse
sentimento intenso no correspondente à Aliança Terapêutica, a que chamamos
descendente. Essa Aliança Terapêutica Descendente, que vem do
Psicanalista, é igualmente um importante instrumento do processo, porque liga
o psicanalista ao paciente, sem interdependência ao nível de sentimento.

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RESISTÊNCIA

Definição

É a oposição a qualquer tentativa de revelação de um conteúdo inconsciente. A


maior ou menor intensidade da luta travada pelo paciente contra o analista que
ameaça pôr a descoberto esse conteúdo oculto constitui sempre uma medida
de força repressora, isto é, de resistência.

Temos, como grande objetivo da resistência, manter a neurose. A razão desse


procedimento inconsciente reside no mal-estar que a revelação da neurose
ocasiona. O paciente, também inconscientemente, opta pelo desprazer de
manutenção do recalque, com o qual já está acostumado.

Tipos de Resistências:

a. Resistência consciente – é a retenção intencional de informações por


parte de um paciente, causada pela vergonha, medo de rejeição, temor
de perder a consideração do analista. Aceita-se que, subentendidos na
resistência consciente, haja sempre motivos inconscientes;

b. Resistência inconsciente – aquela produzida pelo inconsciente de modo


defensivo, sem que o paciente perceba. Tão somente atua ou deixa de
atuar. O tipo mais conhecido é denominado atos falhos (falhados).

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Generalidades sobre resistências:

• Os atos falhos ou lapsos são os esquecimentos, os cortes, as


“evitações” que o inconsciente pratica com uma intenção definida.
Aparece nos erros de leitura, de escrita, nas trocas de nomes, empregos
de palavrões em momentos de solenidades e até em discursos e
sermões;

• A própria transferência é um tipo de resistência, porque visa cercear o


processo e redirecionar os contatos;

• Resistência é tudo aquilo que impede que o sujeito transfira o material


reprimido para o consciente;

• A resistência pode manifestar-se no paciente que fala muito,


colocando o seu dia-a-dia para servir de manto sobre o seu passado;

• A resistência pode ser encontrada no silêncio. Em todo caso precisa


ser interpretada;

• A crítica a todo comentário do analista é sempre uma resistência;

• Também a aceitação de tudo que o profissional fale pode ser


resistência, na medida em que limita o avanço do mesmo, é a cortesia
que protege a necessidade de reviver seus conflitos instintivos.

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OS MECANISMOS DE DEFESA

Tipos sublimados de resistências

Em alguns casos, os mecanismos de defesa podem ser interpretados


como resistências. Também podem ser tratados como mecanismos de
adaptação do Ego. São

atuações que visam dar um tratamento sintomático aos complexos e aos


deslizes, quando a consciência se sente desequilibrada.

Segundo Otto Fenichel, eis os principais encontrados na situação analítica:

1. Sublimação – Ocorre quando os impulsos neuróticos são canalizados


para um fim nobre, sadio;

2. Negação – É, como o termo designa, a negação de um impulso, quando


a pessoa mascara um determinado instinto;

3. Projeção – Quando o paciente transfere para outrem os seus


sentimentos, impulsos e padecimentos, quando sentimos e dizemos
que o outro é que sente;

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4. Introjeção – É uma espécie de incorporação, o ato de tragar, engolir o
problema. Ocorre quando o paciente padece e incorpora como seu, só
seu, e de certa forma há um contentamento com esse ato, sem ainda
tratar-se de masoquismo;

5. Repressão – É uma tentativa de ignorar os problemas sentidos,


normalmente dizendo que não tem problema algum;

6. Formação reativa – toda tentativa de defender a personalidade de


algum perigo iminente;

7. Mecanismos secundários – Anulação, aleamento, regressão, bloqueios


de afetos, protelação de afetos, desprezo de afetos;

8. Racionalização – Talvez o mais nobre dos mecanismos, que se trata da


tentativa de auto-justificação de todos os atos, posições e
cometimentos. É o esforço que o indivíduo faz para não se sentir
culpado jamais.

ANGÚSTIA DA SEPARAÇÃO

Fenômeno que percebemos, em alguns casos, desde as entrevistas, onde


o paciente apresenta uma sensação de abandono, quando o seu tempo vai
terminando, como se estivesse para perder algo muito caro.

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Na Angústia de Separação aparece um suave quadro de depressão
situacional.

A Angústia de Separação é diretamente proporcional à transferência e à


Aliança Terapêutica. No caso de pacientes com forte resistência, que
retardam ao máximo a instalação desses fenômenos, também se notará
uma frieza, um corte do cordão umbilical indolor.

Em casos de pacientes psicóticos, não-tributáveis da psicanálise, junto aos


quais se esteja praticando uma psicoterapia de fundamentação
psicanalítica, notar-se-á que a angústia de separação pode incluir certos
tipos agressivos de evitação. Pode também o paciente insistir em
continuar, ter surtos na saída, simular insegurança, quadros fóbicos etc.

A INTERPRETAÇÃO

A interpretação é o instrumento mais nobre da psicoterapia.

Entendemos por interpretação o método de deduzir o que o paciente tem em


sua alma e lhe comunicarmos. A interpretação, é, portanto, a aplicação da
racionalidade ao material que nos é oferecido através da Livre Associação. É
quando o psicanalista entende e junta os fatos, montando o quebra-cabeça
com o material mnético apresentado.

A interpretação se dá sobre coisas lógicas apresentadas pelo paciente que,


entretanto, não se vê com lógica alguma quando fala. Entretanto, em face do
arrazoado do psicanalista, há a compreensão, a clareza. E, com o passar do
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tempo, à medida que o tempo de análise aumenta, o paciente já vai
percebendo, e algumas vezes se antecipa à interpretação. Mas, nesse caso,
algumas vezes erra.

Quando o paciente se antecipa na interpretação, o que temos nem sempre é


insight, mas a inveja do psicanalista e a tentativa de tomar o seu lugar.

Na interpretação o psicanalista precisa ser curto e educado. Não deve se


estender em uma palestra longa, que dê lugar a divagações. Sempre que
possível deverá interpretar com linguagem indagativa, fazendo perguntas que
induzam uma resposta. Esse caso é aparentemente melhor, porque o paciente
fica com a sensação de ter concluído a respeito. Tem mais facilidade de aceitar
do que se tivesse recebido uma idéia pronta.

Na interpretação o Psicanalista tem um aliado – o insight. Este termo tem, em


psicanálise, uma significação maior do que a terminológica. O insight acontece
no paciente, e será proporcional à inteligência dele e à disposição ou vontade
de descobrir a sua verdade. Depende também de uma boa aliança terapêutica.
Nele o paciente vê claramente, em um momento, toda a verdade da
interpretação. Normalmente o insight desencadeia uma aceleração no
processo associativo, em alguns casos fazendo o paciente calar, para, por
algum tempo, desfrutar das memórias ligadas à verdade da interpretação.

ETAPAS DA ANÁLISE

Quando dizemos que há etapas, o que queremos dizer é que na evolução do


processo psicanalítico, há momentos característicos, definidos, distintos de

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outros, momentos com uma dinâmica especial que os distingue. Aliás, tudo
nesta vida tem princípio, meio e fim.

Vejamos as três etapas clássicas da análise:

• Primeira etapa – A abertura da análise. Vai da primeira sessão


(anamnese) até mais ou menos uns três meses quando estamos com
contrato de duas a três sessões semanais. Nesta fase temos os ajustes
necessários, o início da transferência etc.;

• Segunda etapa – O mesmo que etapa média. É a menos típica e mais


longa e criativa. Começa quando o analisando compreendeu e aceitou as
regras do jogo, como Livre Associação, interpretação, ambiente permissivo
etc... Prolonga-se por um tempo variável até que a enfermidade originária
(ou sua réplica, a neurose de transferência) haja desaparecido ou tenha-se
modificado substancialmente;

• Terceira etapa – O término da análise. Não se prolonga por muito


tempo. Deve durar, contudo, o suficiente para que a Reação Terapêutica
Negativa (RTN) seja vencida, para que a angústia da separação definitiva
seja igualmente interpretada e assumida.

Como vemos, a análise, que vem de resolver problemas, no fim, por causa do
intenso e duradouro relacionamento, acaba tornando-se um problema.
Entretanto, o tal não será enfermidade e tem caráter gratificante.

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Em alguns casos – Freud mesmo já o considerou – nos deparamos com o caso
de Análise interminável, sem que o paciente seja psicótico. São pessoas que,
embora tenham os problemas resolvidos, não conseguem suficiente força e
independência. O mais comum é que sejam pessoas submetidas a uma
intensa carga de neuroses atuais, neuroses estas que, com o tempo e
complexibilidade da vida vão aumentando. Algumas pessoas precisam de
apoio, uma espécie de muleta, tornando a análise interminável.

VICISSITUDES DO PROCESSO PSICANALÍTICO

Toda ciência, bem como todo relacionamento, apresenta suas dificuldades


naturais.

Precisamos estar conscientes de que há fatores que dificultam sobremaneira a


análise: idade avançada, condições econômicas, religiosidade, inteligência de
menos.

Por outro lado, a inteligência de mais também pode dificultar.

Entre as principais vicissitudes, temos:

• Insight – Tanto a sua ausência, nos “desinteligentes” (burros), quanto a


sua fartura, podem atrapalhar. Além do mais, em termos de interpretação,
quantas vezes o paciente vê uma coisa e o psicanalista vê outra.

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• Elaboração – É o tempo que o paciente gasta para se organizar e
reagir à postura do Psicanalista. É o conjunto de fatores que diz que o
paciente assumiu a sua condição, compreende o papel do profissional e
pratica as partes que lhe cabe;

• Actinh-out – Problema difícil de explicar. Poder-se-ia dizer que se trata


de uma ação fora da situação analítica ou que tem por objetivo afastar o
paciente ou o Psicanalista de seu suporte. Mas para simplificar, é quando o
paciente faz uma coisa em vez da outra.

***

Todo esse nosso trabalho não visa esgotar nem reunir toda problemática que
nos envolve, mas alinhar as situações mais comuns.

TRABALHO PARA FIXAÇÃO DA MATÉRIA.


(Trabalho opcional)

Tema: História de Vida Pessoal (mínimo 3 laudas).

O que é História de Vida?

É a visão de mundo que cada um transmite aos outros. Neste sentido, a


história de vida não diz respeito ao passado. Ela garante a direção e a coesão
necessárias para cada um agir no presente e pensar o futuro. Desta forma, a
história de vida é a explicação e a narrativa que montamos a partir de marcos

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que guardamos seletivamente em nossa memória. Essa explicação é o que
nos dá identidade, nos faz reconhecer a nós próprios.

ANEXO I

Processo Didático de Estágio – Análise Didática com


Paciente-Piloto

Este anexo traz procedimentos adotados na formação da FATEC-BA. Não são


aplicáveis desta forma em nosso Curso, mas servem para dar uma ideia acerca
dos cuidados e zelo que o Psicanalista iniciante deve ter na condução do seu
consultório. Tire daqui as ideias que se adequarem para você.

1 – O que é?

Trata-se do processo didático eleito pela FATECBA para substituir com eficácia
o velho sistema de Análise Didática empregado desde os primórdios da
Psicanálise.

A FATECBA entende que a Análise Didática nos velhos moldes, tanto


acrescenta e resolve os problemas pessoais do futuro Psicanalista, como pode
ser usada como meio de manipulação e exploração do futuro Psicanalista por
Profissionais Didatas e/ou instituições (Sociedades Psicanalíticas) que buscam
mais a obtenção de meios do que propriamente a formação e a ciência.

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Assim, aliando o conhecimento já transferido à história e às técnicas direcionais
que ministramos, além de toda Teoria necessária, implantamos um processo
que propiciará o estágio, o auto-conhecimento, o amadurecimento como
profissional e o meio, com suas adversidades e gratificações, todos
necessários ao engajamento definitivo nesta ciência/arte.

2 – Precedentes do Processo

Este processo vem sendo utilizado no Brasil através da ABPC (Academia


Brasileira de Psicanálise Clínica) especialmente com os alunos de outras
cidades, isto é, fora de sua sede, com resultados exuberantes.

Processo semelhante foi empregado com sucesso pela Escola Superior de


Psicanálise de São Paulo, que orientava imediato trabalho de estágio, com
credenciamento precário de todos os Psicanalistas em Formação.

Temos também, fartos relatos dos mais modernos institutos de formação de


Psicanalistas ou Terapeutas Europeus, tanto na área de Instrução Sistemática
(Universidades Regulares), quanto na área de formação livre ou à distância,
que empregam semelhante sistemática, sempre sob avaliação direta do órgão
para isto constituído.

Podemos acrescentar também que a Universidade Gama Filho, do Rio de


Janeiro, vem empregando tal processo (ligeiramente adaptado) nos Cursos de
Mestrado e Especialização nas áreas de Psicanálise, com ótimo
aproveitamento.

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Precisamos levar em conta também que o advento das universidades à
distância vem impondo novas formas de amadurecimento profissional
diferentes das tradicionais, e que isto é marca de desenvolvimento e de novos
tempos. Não é possível que só na Psicanálise tenhamos que manter um
processo rígido e eterno, imutável, quando tudo o mais sofre aperfeiçoamento.

Se é verdade que o Psicanalista em Formação vai deparar com situações


embaraçosas, não é menos verdade que sendo exaustivamente analisado só
tenha visto mesmo o seu próprio caso, que não ajuda tanto diante dos casos
dos outros, totalmente diferentes.

3 – A eficácia

O nosso processo é eficaz por oferecer oportunidade de ver casos enquanto o


Psicanalista em Formação avança no estudo das teorias e das técnicas. O
aluno, em estágio laborativo, terá, por isso mesmo, o privilégio de submeter as
teorias à prova enquanto nelas amadurece.

Neste terreno, vale pensar ainda no fato do aluno em estágio estar muito atento
às ligações com sua própria história. É oportunidade para ab-reação provocada
de seus próprios recalques, uma vez que o material externalizado pelos
pacientes, passa a funcionar como isca dentro do Psicanalista em Formação.

Levamos em consideração ainda que o processo dá ensejo a que o


Psicanalista em questão tenha uma melhor mensuração de sua fragilidade, o
que é fundamental para respeitar o próximo. É muito comum Psicanalistas que
assumem ares de onipotente. Temos constatado alguns, até exaustivamente
analisados, que só viram mesmo seu próprio caso, fazerem, a partir de sua
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análise, uma projeção desenfreada – vêem todos os pacientes como sendo
eles ontem.

4 – O paciente-piloto

Deve ser objeto de escolha e convite por parte do Psicanalista em Formação


dentre pessoas do seu universo de atividade e relacionamento.

Devem ser convidados 3 (três) a 6 (seis) pacientes, deixando-lhes claro que


vão funcionar como “doentes”, embora não o sejam, para fins de um projeto
terapêutico que você está desenvolvendo.

Os pacientes-piloto devem ser pessoas de boa formação intelectual e que não


ofereçam dificuldades a priori. Devem ser evitadas pessoas pelas quais o
Psicanalista tenha certa predisposição, tanto positiva quanto negativa.

O Psicanalista em Formação deve esclarecer que o objetivo não é resolver


problemas dessa pessoa, mas observar e formular teorias impessoais de
interesse psicanalítico, bem como possibilitar a reflexão do analista sobre seus
próprios problemas, comparados com os valores e lembranças de outra pessoa
sadia.

Por outro lado aconselhamos que o Psicanalista em Formação procure acolher


também pacientes que tenham conhecidos problemas, mas, nesse caso, não
digam que foram por isso convidados. Sugerimos também que sejam recebidos
pacientes psicóticos para observação diferencial (neste caso o convite é feito a

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família, com o intuito de ajudar etc.), podendo todos os escolhidos serem
neuróticos e psicóticos.

5 – A postura do Psicanalista em Formação

Você deve explicar toda a sistemática psicanalítica antes de iniciar o trabalho


propriamente dito, excetuando-se o caso dos pacientes neuróticos e psicóticos.

Você deve explicar também que mesmo durante a anamnese o paciente não
está obrigado a responder, podendo simplesmente deixar de comunicar. Ele
não será obrigado a dar respostas que lhe causem constrangimento, pois o
objetivo não está no paciente, mas no Psicanalista.

Uma vez posto todo o processo perante o paciente, o trabalho é iniciado pela
anamnese.

6 – As possibilidades junto a outros tipos de pacientes

Aqui estamos admitindo que o Psicanalista em Formação monte o seu trabalho


didático de estágio sob a fórmula de Atendimento Comunitário, gratuito ou não.
Neste caso, o convite é feito a pessoas com patologias conhecidas, não
deixando de informar que o seu trabalho é ao nível de estágio e que está
autorizado a clinicar temporariamente. Neste caso não deve ser dito ao
paciente que o objetivo é tirar lições também.

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Entretanto, deve ficar claro ao paciente, caso seja gratuito. O processo terá fim
com o encerramento do estágio. A partir dali o Psicanalista estará impedido de
atuar gratuitamente.

7 – O “modus faciendi”

a. O paciente será tratado de modo formal;

b. Deverá ser usado o Divã ou substituto, com freqüência;

c. O paciente será conhecido por um pseudônimo, de domínio apenas do


paciente e do Psicanalista;

d. As fichas de controle didático e de fatos do paciente serão preenchidas


pelo pseudônimo;

e. Será dispensado o pseudônimo no caso do previsto no item 6 (seis)


deste anexo;

f. Seja dada aos pacientes a garantia de inviolabilidade total;

g. O Psicanalista em Formação fica impedido de fazer qualquer espécie de


referência em público ou não sobre casos clínicos dos seus pacientes,
quando esses estiverem presentes;

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h. O Psicanalista em Formação se portará como Psicanalista e não como
médico, pedagogo, psicótico, pastor etc., tão somente interpretando ou
dando apoio, em caso de Psicóticos;

i. Toda vez que tiver às mãos pacientes surtados ou com psicoses


instaladas, com quadro de irrealidade clara, deve encaminhá-los a um
Psiquiatra, solicitando-lhe posição sobre a validade de um
acompanhamento psicanalítico e os limites do mesmo;

j. O Psicanalista em Formação deverá redobrar os cuidados quando da


interpretação, procurando exaurir todas as variantes antes de externá-la.

8 – O controle

O Psicanalista em Formação preencherá, para cada paciente, uma ficha com


relatório final. Tal relatório será feito quando o paciente tiver alta ou abandonar
o tratamento.

9 – O tempo

Sugerimos que os pacientes sejam submetidos a um período de cerca de 60


(sessenta) sessões. Entretanto, em caso de abandono, cada situação será
avaliada pelo Conselho Acadêmico da Fatecba.

Sugerimos que o número de pacientes seja ampliado para evitar o vácuo de


pacientes durante o processo.
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Obs.: Toda vez que um paciente parar ou abandonar o tratamento, a ficha será
completada e remetida para o Conselho Acadêmico.

10 – O Credenciamento

O Psicanalista em Formação receberá, em data estabelecida pelo conselho


acadêmico, uma Certidão Credencial com número e prazo de validade.

11 – Os riscos

Quando ouvimos muito e bem, encaminhamos corretamente, falamos o


mínimo e interpretamos com zelo e prudência, os riscos são quase que
totalmente eliminados.

12 – O órgão de acompanhamento

O Conselho Acadêmico, sob a presidência do Pr. Davi Oliveira Boa Sorte D.D.
e constituído de todos os Psicanalistas didatas e professores desta Sociedade,
reunir-se-á mensalmente para acompanhar e responder às solicitações dos
Psicanalistas em Formação. Entretanto, a Diretoria do Conselho responderá
no imediatismo.

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13 – E se você quiser análise?

Aconselhamos você a começar o processo. Caso sinta necessidade,


sugerimos procurar um Psicanalista da doutrina Ortodoxa, para, pelo menos,
15 (quinze) sessões. Para tanto, deverá ocultar sua condição de Psicanalista
em Formação.

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ANEXO II

Controle de Análise Didática – Paciente/Piloto:

Turma de: ____________________________________

Psicanalista em Formação: ______________________________

Use o controle abaixo para anotar suas seções de atendimento durante seu
processo de iniciação na atividade clínica.

Além disso, use os critérios abaixo para se autoavaliar e se aprimorar em cada


quesito apontado.

I – Das Sessões:

1 - _____/_____/_____ hora ________

2 - _____/_____/_____ hora ________

3 - _____/_____/_____ hora ________

4 - _____/_____/_____ hora ________

5 - _____/_____/_____ hora ________

6 - _____/_____/_____ hora ________

7 - _____/_____/_____ hora ________

8 - _____/_____/_____ hora ________

9 - _____/_____/_____ hora ________


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10 - _____/_____/_____ hora ________

11 - _____/_____/_____ hora ________

12 - _____/_____/_____ hora ________

13 - _____/_____/_____ hora ________

14 - _____/_____/_____ hora ________

15 - _____/_____/_____ hora ________

16 - _____/_____/_____ hora ________

17 - _____/_____/_____ hora ________

18 - _____/_____/_____ hora ________

19 - _____/_____/_____ hora ________

20 - _____/_____/_____ hora ________

21 - _____/_____/_____ hora ________

22 - _____/_____/_____ hora ________

23 - _____/_____/_____ hora ________

24 - _____/_____/_____ hora ________

25 - _____/_____/_____ hora ________

26 - _____/_____/_____ hora ________

27 - _____/_____/_____ hora ________

28 - _____/_____/_____ hora ________

29 - _____/_____/_____ hora ________

30 - _____/_____/_____ hora ________

31 - _____/_____/_____ hora ________

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32 - _____/_____/_____ hora ________

33 - _____/_____/_____ hora ________

34 - _____/_____/_____ hora ________

35 - _____/_____/_____ hora ________

36 - _____/_____/_____ hora ________

37 - _____/_____/_____ hora ________

38 - _____/_____/_____ hora ________

39 - _____/_____/_____ hora ________

40 - _____/_____/_____ hora ________

41 - _____/_____/_____ hora ________

42 - _____/_____/_____ hora ________

43 - _____/_____/_____ hora ________

44 - _____/_____/_____ hora ________

45 - _____/_____/_____ hora ________

46 - _____/_____/_____ hora ________

47 - _____/_____/_____ hora ________

48 - _____/_____/_____ hora ________

49 - _____/_____/_____ hora ________

50 - _____/_____/_____ hora ________

51 - _____/_____/_____ hora ________

52 - _____/_____/_____ hora ________

53 - _____/_____/_____ hora ________

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54 - _____/_____/_____ hora ________

55 - _____/_____/_____ hora ________

56 - _____/_____/_____ hora ________

57 - _____/_____/_____ hora ________

58 - _____/_____/_____ hora ________

59 - _____/_____/_____ hora ________

60 - _____/_____/_____ hora ________

II – Das Observações:

1 – Desempenho do Analisando na anamnese;

2 – Desempenho do Analisando nas entrevistas;

3 – Postura do Analisando perante o Contrato Analítico

4 – Desempenho do Analisando na formação do


Par Analítico;

5 – Aparecimento da Transferência;

6 – Fatores predisponentes à Contra-transferência;

7 – Poder de Insight;

8 – Existência de Neuroses;

9 – Presença de problemas Estruturais;

10 – Analisabilidade;

11 – Aceitação das Interferências Interpretativas;

12 – Resistências;
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13 – Atos Falhos;

14 – Fim da Análise;

15 – RTN;

16 – Parecer Pessoal do Psicanalista em Formação;

17 – Parecer Final do Conselho Acadêmico.

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Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise.
Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos
do Curso. Os créditos às obras usadas como referências ou citação constam
nas Referências Bibliográficas.

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