O RACISMO COMO QUADRO DE ADOECIMENTO E O CUIDADO COMO FORMA
DE RESTITUIÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA Intervenções em Saúde Rio de Janeiro 2022 1
A estrutura social escravocrata imposta ao Brasil por um ocidente europeu
jamais se esvaiu com a “tão sonhada” abolição. A liberdade veio, ao contrário, como uma sentença condenatória de abandono e preconceito social. A desumanização dos corpos negros, fonte do racismo como estrutura da sociedade brasileira, se mantém nos dias de hoje, com a continuidade do apagamento da história dos mais diversos povos africanos, com a persistência em crenças e estereótipos de que pessoas negras são biológica e intelectualmente inferiores, com a generalização e congelamento da identidade negra e com a manutenção de uma construção de humanidade em torno de valores eurocêntricos. A nossa sociedade é, por si só, doente e, como tal, promove o adoecimento da maior parte de seus integrantes como consequência desta estrutura perversa. Uma das maiores provas deste fenômeno se dá quando visualizamos os números referentes à saúde da população negra no território nacional. Segundo pesquisas feitas pelo Ministério da Saúde, o óbito por suicídio é 45% maior entre adolescentes e jovens negros. As principais causas associadas são, justamente, a ausência de sentimento de pertencimento, a auto percepção de “menos-valia”, sentimentos de incapacidade, rejeição e solidão e a própria violência a qual até hoje é submetida a população negra no país. É a perpetuação do banzo – esvaziamento do direito e do sentido da vida (Nascimento, 2017, p. 71) – e do maafa, genocídio dos povos africanos e afrodescendentes. Assim, o cuidado como forma de restituição da população negra deve incluir, imprescindivelmente, um processo de resgate da humanização destas pessoas e o enfrentamento do racismo como um fenômeno impossível de ser extirpado de forma imediata, mas que, por outro lado, jamais conseguirá paralisá-las por completo neste lugar perverso do colonialismo. Há vida e realidades sendo produzidas para além do genocídio. Assim, esse cuidado deve buscar o fortalecimento da identidade negra de forma individual e coletiva, abrangendo o debate e a valoração das origens, da ancestralidade, das culturas, dos jeitos de ser e viver que são parte inexorável da história dos afrodescendentes. Para além, a abordagem da psicologia social comunitária pode constituir ferramenta valiosa para esse cuidar, visto que o racismo e suas consequências não atingem somente as subjetividades negras de forma isolada, mas todo um povo. 2
Assim, o desenvolvimento de meios de cuidado sob o enfoque da experiência
coletiva pode proporcionar a potencialização tanto dos sujeitos como da própria coletividade/comunidade. 3
(23.03.2018) ALVES JESUS & SCHOLZ - Paradigma Da Afrocentricidade e Uma Nova Concepção de Saúde Coletiva - Reflexões Sobre A Relação Entre Saúde Mental e Racismo