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Eco-ansiedade: um modalidade de angústia cada

vez mais presente no divã cuja solução está nas


mãos dos líderes
A ansiedade é uma das principais causas que levam alguém ao terapeuta.
Causada por motivos diversos, quando a ansiedade atinge níveis altos – e por
muito tempo - que impedem alguém de manter seus vínculos consigo mesmo,
com os outros e com o trabalho, costuma dar sinais de alerta que podem ser
percebidos ou não, a depender do nível de auto-observação de cada um.

Médicos, psicanalistas, psicólogos, terapeutas de todas as especialidades e muitos


outros profissionais estudam a ansiedade há muito tempo, mas sempre precisam
renovar seus estudos já que as causas e os sintomas desse quadro estão sempre
conectados com as circunstâncias e o contexto em que vivemos.

Como novo elemento disparador de ansiedade, o tema da mudança climática


entra nos consultórios com mais e mais frequência. Isso é o que conta a jornalista
Ellen Barry, do New York Times, numa reportagem
(https://www.nytimes.com/2022/02/06/health/climate-anxiety-therapy.html) que
descreve alguns casos de pacientes que tiveram seus quadros de ansiedade
acionados por uma extrema preocupação com o meio ambiente e, portanto, com a
própria existência diante de tantas ameaças climáticas.

Essa ameaça, da qual tomamos maior consciência ao longo dos últimos anos, foi
apontada pelo psicanalista francês Jacques Lacan, em sua conferência em Milão,
nos anos 70, quando decidiu fazer um “wake up call” aos analistas de todo o
mundo para se posicionarem e estarem preparados para o que chamou de efeitos
sufocantes provenientes da atuação do ser humano sobre o planeta.

Passados quase 50 anos, o que observo nas sessões individuais e nas discussões
coletivas de líderes sobre o seu próprio futuro e o das organizações e da
sociedade são manifestações desse sufocamento. Pelo menos uma vez por
semana escuto depoimentos tais como “Não sei se conseguimos reverter a
situação”, “Não sei se quero ter filhos porque o mundo que a próxima geração
terá que enfrentar será cruel”, “Eu não consegui trabalhar essa semana porque
estava lendo notícias e aparecem inúmeros casos de catástrofes climáticas que me
fizeram pensar sobre a minha existência e sobrevivência”.

Há uma ameaça e ela está interferindo na saúde mental de todos nós. Uma
pesquisa global recente publicada pelo Lancet (https://www.thelancet.com/ ;
https://www.theguardian.com/environment/2021/sep/14/four-in-10-young-
people-fear-having-children-due-to-climate-crisis ) mostra que quase 6 a cada 10
jovens entre 16 e 25 anos estão muito ou extremamente preocupados com as
mudanças climáticas. Esses 10mil jovens que vivem na Australia, Brasil,
Finlandia, França, India, Nigeria, the Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados
Unidos responderam à pesquisa e manifestaram a falta de apoio das lideranças
para lidar com tamanha ameaça.

Esses jovens e, ainda, adolescentes e adultos maduros estão procurando ajuda nos
consultórios para sua saúde mental diante de tais ameaças já que os efeitos dessa
eco-ansiedade estão afetando o dia a dia de trabalho, as relações sociais e a
conexão com os próprios sonhos e objetivos individuais.

Apesar de muitos profissionais da área da saúde mental não se sentirem


preparados para tratar clientes com esses sintomas
(https://www.scientificamerican.com/article/therapists-are-reckoning-with-eco-
anxiety/) estão surgindo iniciativas diversas ao redor do mundo que ajudam na
formação e no condução desses tratamentos. Uma das publicações mais
importantes para lidar com isso é a da psicanalista Anouchka Grose. Seu livro “A
Guide to Eco-Anxiety: How to Protect the Planet and Your Mental Heath” (Um
Guia para a Eco-Ansiedade: Como Proteger o Planeta e Sua Saúde Mental) é
uma referência no tema, trazendo ferramentas e estratégias para diminuir a
ansiedade e tomar boas decisões individuais e comunitárias que tragam impacto
positivo ao meio ambiente (https://www.amazon.com.br/Guide-Eco-Anxiety-
Protect-Planet-Mental/dp/1786784297)

Mas não basta cada um buscar sua própria saída para lidar com uma ameaça que
é de todos. É também igualmente importante e urgente que líderes empresariais
coloquem nas suas listas de prioridade a busca de soluções para que seus serviços
ou produtos entreguem à sociedade um valor que se estenda à contribuição ao
meio ambiente. É imprescindível que líderes públicos possam sustentar suas
posições radicais a favor do planeta mesmo que esses sejam interesses contrários
aos da economia. É fundamental que esse tema entre nas discussões e reuniões
em nossas casas, nossas empresas, nossos amigos.

O discurso capitalista, apontado por Lacan como o que nos coloca na lógica do
consumo, do “cada um por si”, do dinheiro do bolso acima de tudo, é
insustentável. O que estamos observando como efeito colateral é uma ameaça à
própria existência. Não há outra saída senão podermos abrir mão, mesmo que um
pouco e aos poucos, da nossa própria ganância que leva a uma busca desenfreada
pelos excessos e abrir espaço para o que inclui o que é.

Enquanto cada um vai tentando driblar suas angústias geradas pela ameaça à
própria existência (eco-ansiedade), líderes precisam assumir a responsabilidade
sobre a saúde do planeta e a dos serem humanos que a habitam.

O pesquisador e professor do MIT Otto Scharmer, criador da Teoria U, propõe


uma transição que vai do “ego-system para o eco-system”, ou seja, menos eu e
mais nós. Ao invés de só alimentarem o próprio ego, há um chamado para nossa
liderança empresarial e governamental definirem um ponto de basta ao ego e um
ponto de partida ao eco, fazendo ecoar o grito de vida que pulsa em cada um de
nós e em todo o planeta.

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