Você está na página 1de 2

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/19931/com-brincadeiras-coletivo-espelho-
espelho-meu-valoriza-a-crianca-negra-e-combate-o-racismo-na-infancia

Publicado em NOVA ESCOLA 16 de Novembro | 2020

PARA SE INSPIRAR

Com brincadeiras, coletivo


Espelho, Espelho Meu valoriza a
criança negra e combate o
racismo na infância
A partir da cultura africana, Viviane Malika e seus colegas trabalham a
lateralidade e a motricidade dos pequenos
Daniel Santos

Construir uma Educação que não reproduza os racismos diários do mundo adulto é
fundamental. Ilustração: Flávia Borges/NOVA ESCOLA

Do ponto de vista racial, muitas pessoas negras acabam tomando consciência de si apenas depois de
crescidas. Mas é na infância que acontecem as primeiras experiências de preconceito. Apesar de um
ato racista parecer fazer parte de um raciocínio elaborado por adultos, as crianças podem receber essa
influência e reproduzir formas de discriminação.

Construir uma Educação que não reproduza os racismos diários do mundo adulto é fundamental.
Assim como é importante dar mais atenção às crianças negras, entender suas necessidades e
sofrimentos. O coletivo Espelho, Espelho Meu, que atua em São Paulo, tem se dedicado a atuar nesse
ponto, a partir de uma abordagem afrocentrada. “A gente se dedica a minimizar o impacto que o
racismo causa desde a infância. Com olhar afrocentrado, discutindo a cultura africana, queremos que
as crianças entendam quem são elas, sofram menos e consigam se desenvolver de forma autônoma”,
explica Viviane Zaila Malika, que é pedagoga e criadora do coletivo.
Ela também comenta que essa abordagem não exclui as crianças brancas, pelo contrário. “É
importante falar da cultura africana, afro-brasileira, para todas as crianças. Essa é uma forma de
oferecer novas referências a todos. Quanto mais elas conhecem, mais respeitosas são.”

O começo de tudo

Viviane idealizou o coletivo após um momento de reencontro pessoal. Diagnosticada com doença de
Crohn – enfermidade que causa inflamações em áreas do tubo digestivo e nos intestinos –, precisou se
reinventar. Enfermeira, teve de largar a profissão após 13 anos: "Meu médico falou que eu não poderia
mais trabalhar na enfermagem”.

Depois desse momento, decidiu estudar pedagogia e criou o Espelho, Espelho Meu. A iniciativa é fruto
de uma reflexão sobre sua negritude. “Comecei a entender mais sobre questões raciais com 14 anos e
me reconheci como mulher preta aos 22. Venho de uma família miscigenada, mãe de pele branca e pai
preto. E eu sofria na escola, porque eu me via como branca, mas não me encaixava”, lembra Viviane. O
coletivo desenvolve atividades focadas na autoestima das crianças negras e no combate ao racismo na
infância, algo a que pedagoga gostaria de ter tido acesso quando era pequena.

A equipe é composta por 12 pessoas que atuam na educação, na psicologia e na assistência social. Há
quatro anos, a iniciativa é mantida financeiramente com o esforço conjunto entre a equipe e outros
colaboradores, além da participação em editais e políticas de fomento.

Ensino afrocentrado

O coletivo tem bases fincadas na Lei nº 10.639/03, assinada há dez anos e que determina a inclusão do
ensino da cultura africana e afro-brasileira no currículo das escolas. De acordo com a legislação, a
escola deve apresentar a luta do povo negro no país, a cultura negra e a formação da sociedade a
partir da contribuição da população afro-brasileira nas áreas sociais, políticas e culturais.

A lei é resultado de anos de reivindicações dos movimentos sociais, sobretudo do movimento negro.
Fazer circular os conhecimentos sobre as matrizes africana e brasileira é o que desmitifica afirmações e
estereótipos discriminatórios. “É importante falar da África, dar novas referências para as nossas
crianças. Um continente tão diverso, cheio de cores, de ensinamentos, de potencialidades. Nossa
cultura é amplamente influenciada pela história do continente africano”, afirma Viviane.

O coletivo cria ações focadas na cultura africana e na afro-brasileira que trabalham a lateralidade e a
motricidade, além de outras atividades que exploram o corpo e oficinas de contação de histórias. Além
disso, desenvolvem formações continuadas para professores ou qualquer profissional que tenha
interesse.

Dentro de um mesmo projeto, o coletivo promove oficinas, grupos de estudo e vivências externas que
ampliam os conhecimentos sobre a África. “A gente propõe também rodas de conversa que ajudem a
refletir sobre a criança negra no contexto da educação infantil e como ajudá-las em relação a questões
raciais”, explica Viviane.

Viviane relembra um fato ocorrido no projeto realizado numa escola de Educação Infantil particular. Ela
conta que a proposta de uma das atividades era escolher um animal e criar uma história passada na
Savana africana. “Teve uma criança que escolheu um cachorro e deu a ele o nome de Macaco.
Perguntei o porquê e ela disse que era assim que a mãe dela chamava a mulher que cuida da casa
dela. Olha o impacto disso. Ela naturalmente começa a reproduzir esse tipo de coisa.”

Nas atividades com as crianças, um dos objetivos é construir novas referências. Em uma das oficinas,
chamada Estereótipos, elas conhecem a história de personalidades negras. A ideia é trabalhar a
representatividade, mostrando que os pequenos podem se reconhecer em pessoas adultas que um
dia foram crianças iguais a elas.

Ao trabalhar cultura e história africana e afro-brasileira, a escola expande os horizontes para além das
referências europeias. “É importante promover a mudança. Essa desconstrução é necessária quando
pensamos numa educação antirracista.”

Você também pode gostar