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GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
Prof: Rosinéia Bergamaschi de Mello

Linhares
2020/2
UNIDADE 1
ASPECTOS TEÓRICOS DA QUESTÃO
DA DIVERSIDADE

1.1 ASPECTOS SOCIANTROPOLÓGICOS


DA EDUCAÇÃO
 Jefferson Anderson Feijó da Cruz, violentado e espancado
quase até a morte por ser gay, na pequena cidade de
Moreno (PE). Seu agressor, já identificado, segue impune.

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/entry/ajude-a-justica-a-evitar-que-eles-nos-matem-morremos_br_5d123e4fe4b09125ca466356
 Índio Galdino foi queimado vivo por cinco rapazes em Brasília,
em abril de 1997
 Pataxó dormia num ponto de ônibus quando foi atacado por
jovens de classe média alta. Condenados a 14 anos de detenção,
eles ficaram três anos na prisão e foram soltos.

FONTE: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/indio-galdino-foi-
queimado-vivo-por-cinco-rapazes-em-brasilia-em-abril-de-1997-
11510805#ixzz6WJrnmwmO
 Ex-segurança morreu por asfixia após ter o pescoço
prensado pelo joelho de um policial em
Minneapolis, nos Estados Unidos.

FONTE: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/11/morte-de-negro-por-
asfixia-durante-custodia-policial-em-washington-nos-eua-sera-investigada.ghtml
 Pastor retira boneca afro em creche de Vitória e diz ser 'símbolo de
macumba'
Unidade funciona em espaço alugado de igreja. Religioso afirmou que a arte é "contra a Bíblia".

 “Eu mandei retirar a boneca. Ela era feita em navios negreiros e passou a ser
objeto de adoração e macumba. Qual é a origem da macumba? Vem do
sincretismo religioso. Se colocar qualquer símbolo religioso eu tiro e tirarei
e, se repetir, eu tiro de novo.”

 É intolerância religiosa?

 “Com certeza. Eu não posso tolerar que dentro da igreja se implante


símbolo de outra religião. Eu tolero a convivência, mas cada um no seu
lugar. Em nenhuma hipótese vou tolerar símbolo religioso que confronte
com os ensinamentos da Bíblia. É um desrespeito.”
 Abayomi era uma boneca criada por mães africanas que
rasgavam retalhos de suas saias e confeccionavam
através de tranças ou nós. As bonecas são símbolo de
resistência e serviam para acalentar os filhos durante as
viagens em navios de pequeno porte que realizavam o
transporte de escravos entre África e Brasil.
Assassinatos de mulheres aumentaram 6,4% nos últimos
10 anos; mulheres negras são as principais vítimas
O estudo mostrou que a taxa de homicídios é maior entre as mulheres negras
que entre as não negras – a diferença é de chocantes 71%. Em relação aos dez
anos analisados, os assassinatos de mulheres negras aumentaram em 15,4%,
enquanto que entre as não negras houve queda de 8%.

https://www.geledes.org.br/assassinatos-de-mulheres-aumentaram-64-nos-ultimos-10-anos-mulheres-negras-sao-as-principais-
vitimas/?gclid=Cj0KCQjws536BRDTARIsANeUZ5-AS0DBBA6jaVVifyo16WPGChmtT70OJaMFLoOof4_w2x2Frm632l8aAmJIEALw_wcB
Criança é impedida de entrar em loja por estar usando andador com
rodas.
Um segurança parou a mãe na entrada e disse que ele não poderia
adentrar com o andador pelo fato do objeto possuir rodas.

FONTE: https://pessoascomdeficiencia.com.br/site/2013/07/26/crianca-e-
impedida-de-entrar-em-loja-por-estar-usando-andador-com-rodas/
O que é educação???
 Os antropólogos têm visto e descrito, há muito
tempo, diversas sociedades que não possuem
escola e que nem dizem que estão praticando a
educação, mesmo assim, suas crianças
aprendem a resolverem as necessidades da
vida, a viverem em sociedade e a
sobreviverem.
 Segundo Durkheim (2001), a sociedade exerce uma força que
impõe a cada indivíduo o que deve ser assimilado para
depois ser transmitido para as novas gerações.

 Sendo assim, se a educação serve para a socialização das


pessoas, concluímos que cada grupo social teria uma
educação específica, pois ela reflete o papel social que cada
indivíduo deve representar naquela sociedade.

 A educação é diferente em grupos humanos diversos, em


povos tribais, de economia agrária, de pastores, nômades ou
sedentários, em sociedades industrializadas, em diferentes
países, em um mesmo país, mas em regiões diferentes,
enfim em muitos tipos de sociedades. A educação começa
sem livros, sem escolas, sem salas de aulas, sem professores,
mas também pode estar em um outro contexto em que são
construídas salas de aulas e escolas, os professores são
especializados e desenvolvem-se métodos pedagógicos
(BRANDÃO, 2001).
Cultura: um conceito antropológico plural
 O ser humano é um ser cultural, e que, portanto,
convive social e culturalmente com outros povos.

 Em educação e diversidade, leva-se em consideração as


culturas, no plural, bem como as diversas possibilidades
com que a educação se realiza.
Multiculturalismo, etnocentrismo e relativismo
cultural
 Multiculturalismo é um termo que indica a existência de
muitas culturas em uma determinada sociedade.
Expressões, práticas, crenças, valores,
tradições e costumes
 Segundo a perspectiva de Durkheim, a educação, assim
como outras instituições sociais, promove a coesão social.
Para o sociólogo, a sociedade prevalece e se impõe sobre
os indivíduos, a fim de integrá-los à sociedade.

 “A cultura é essa construção na qual nada se perde, isto é,


em que as coisas novas vão se misturando com as antigas.
Assim, é a partir da lente da cultura que nos vemos e
vemos os outros. Cada cultura tem especificidades,
características próprias que as tornam diferentes entre si,
mas nunca superiores/inferiores se comparadas.
(Previtelli; Vieira, 2017, p. 18)
 As diversas práticas e representações culturais dos
indivíduos e grupos sociais coexistem com os diversos
tipos de educação: educação informal, educação
formal, educação não formal e educação popular –
exemplos de como a educação pode ser realizada em
determinada sociedade.
Educação formal:
 Entre outros objetivos destacam-se os relativos ao ensino
e aprendizagem de conteúdos historicamente
sistematizados, normalizados por leis, dentre os quais
destacam-se o de formar o indivíduo como um cidadão
ativo, desenvolver habilidades e competências várias,
desenvolver a criatividade, percepção, motricidade etc.
Educação não-formal:
 Capacita os indivíduos a se tornarem cidadão do mundo, no
mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o
mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus
objetivos não são dados a priori eles se constroem no processo
interativo, gerando um processo educativo (GOHN, 2006).

 É aquela que se aprende no mundo da vida. Embora ela resulte


numa construção própria, ela pode se articular entre a
educação formal e a educação informal.

 O trabalho do educador social tem princípios, métodos e


metodologias de trabalho (GOHN, 2013).
[...] a educação não formal é vista como aquela que vai
oferecer o que falta, aquilo que as crianças e jovens não
tiveram condições de receber em sua formação, seja
escolar ou familiar. Em uma situação é uma educação que
amplia, que aumenta. Em outra, no máximo iguala, ou
tenta igualar. (GARCIA, 2013, p. 9)

Casal cria ONG para treinar voluntários, dar aulas para crianças carentes
Certamente você já viu grafites em muros. Trata-se de uma arte de
rua que é realizada por artistas que têm estilos próprios. No entanto,
você pode aprender a grafitar em oficinas. Existe, hoje em dia, ONGs
que realizam projetos no campo da educação não formal. São aulas
realizadas por pessoas que trazem seus fazeres e saberes para
ensinar, porém sua formação não foi a escola formal, vem de outros
lugares. São malabaristas, grafiteiros, pagodeiros, artesãos, rappers,
dançarinos de axé, capoeiristas, entre outros.
ONG gaúcha promove inclusão social de jovens por meio da música
Educação popular
 Tem uma proposta inovadora de educação, que é baseada nas
vivências dos grupos e que procura formar indivíduos mais críticos
e atuantes.

 Brandão e Assumpção (2009, p. 11):


➢ “educação da comunidade”;
➢ “trabalho político de luta pelas transformações sociais, como
emancipação dos sujeitos, democratização e justiça social”.
➢ Confundida com educação não-formal;

➢ Gohn (2013):
➢ Educação não formal é universal, ou seja, ela abrange todos os
seres humanos independente de classe social, idade, sexo, religião,
etnia etc.
➢ Educação popular comprometida com o recorte de faixa social, isto
é, com as camadas desfavorecidas socioeconomicamente.
Educação informal
 Educação informal: é aquela que “socializa os
indivíduos, desenvolve hábitos, atitudes,
comportamentos, modos de pensar e de se expressar
no uso da linguagem, segundo valores e crenças de
grupos que se frequenta ou que pertence por herança,
desde o nascimento. Trata-se do processo de
socialização dos indivíduos.
Educação informal:

 É aquela que “socializa os indivíduos,


desenvolve hábitos, atitudes,
comportamentos, modos de pensar e de se
expressar no uso da linguagem, segundo
valores e crenças de grupos que se
frequenta ou que pertence por herança,
desde o nascimento. Trata-se do processo
de socialização dos indivíduos.
Cultura, educação e diversidade
 Clifford Geertz (1989) define a cultura como
teias de significado por meio das quais o
homem estabelece as relações com a natureza e
com outros homens, formando um conjunto de
representações simbólicas que dão significado à
vida social.
 A cultura é essa construção na qual nada se
perde, isto é, em que as coisas novas vão se
misturando com as antigas.
 Cada cultura tem especificidades,
características próprias que as tornam
diferentes entre si, mas nunca
superiores/inferiores se comparadas. Entender
essa diversidade é compreender que eu
também pertenço a uma cultura. O
estranhamento àquilo que não estamos
acostumados não significa que o outro esteja
errado ou que é ruim. Ele é apenas diferente.
Figura 1.1 - Brasileiros do século XIX

 Quantos “Brasis” se constituíram de norte a sul do território da


nação? Como podemos dizer que o gaúcho é culturalmente igual
ao nortista, ao paulista, ao carioca, ao mineiro, ao nordestino?

Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1d/Brasileiros_do_seculo_XIX.png>.
Acesso em: 31 out. 2016.
Herança cultural
 Língua oficial do Brasil: língua portuguesa
 Influência Indígena: pipoca, bibocas, pitar, canoa,
mandioca, cumbuca, carioca, caboclo, abacaxi,
catapora, peteca, Piracicaba, Jundiaí, Ipiranga, Itaim,
Butantã, Sergipe, etc.
 Influência Africana: farofa, dengo, moleque, quitanda,
fubá, cachaça, camundongo, canjica, inhame, jiló,
quiabo, quilombo, maxixe, samba, zumbi, etc.
 Culinária de origem africana

feijoada farofa vatapá

cuscuz quibebe acarajé


 Culinária origem indígena

pipoca canjica pamonha

tapioca maniçoba tacacá


Processos de hibridação
 Até a idade média: o sujeito nascia com um núcleo interior
independente (essência imutável);

 Modernidade: interior do sujeito é formado em relação às


pessoas que lhe atribuíam valores, sentidos e símbolos ou a
cultura do mundo em que vivia (tem um núcleo, mas não é
imutável);

“A identidade nessa concepção sociológica preenche o espaço


entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o
mundo público” (HALL, 2004, p. 11). Essa concepção de
identidade apresenta o sujeito e os mundos culturais
estabilizados, por isso muito previsíveis.
 Modernidade tardia (globalização) / “modernidade
líquida”( Bauman, 2003):
➢ o espaço passou a ser irrelevante e o tempo
instantâneo;
➢ por meio do desprendimento dos laços sociais, há a
individuação e, por conseguinte, a fragmentação da
identidade.

 A partir dos anos 1960: muitos movimentos


reivindicatórios das minorias sociais, como sexuais e
étnicas. A partir desses movimentos, ficaram visíveis
as diversas identidades que um sujeito pode assumir.
Exemplificando ...
Além de o sujeito ser brasileiro ele pode também ter uma
identidade regional como paulista, nordestino, piracicabano,
por exemplo. E pode também se identificar pela sua
qualificação de gênero, como heterossexual, homossexual,
lésbica, transexual, entre outras.

Ainda ter uma identidade religiosa como cristão, islâmico,


budista, candomblecista, espírita, pentecostal, entre outras.
Pode também ser geracional, isto é, assumir uma identidade
relacionada à idade, se é idoso, jovem, criança, bebê, o que
determina lugares mais ou menos aceitos na sociedade.
 Como exemplo da fragmentação da identidade
podemos dizer que: João é um jovem brasileiro, é
negro, é gay, é universitário, é artista de teatro, é
solteiro e cristão. São as diversas identidades que
ele pode assumir e que em alguns dos casos são
contrastantes.
 Nem todas as práticas de outras culturas são
aceitáveis. Por exemplo: maus tratos,
mutilações (como as mutilações das
mulheres em alguns grupos do continente
africano), violência, mortes rituais,
escravidão etc.

 No entanto, será necessária muita clareza e transparência no


processo de avaliação, para que as avaliações não reforcem
preconceitos.
Vamos encarar um desafio ...
 Gustavo tem 11 anos, é filho de pais artistas. A mãe é pianista e
violoncelista e o pai trabalha com produção de teatro. A mãe dá
aulas de piano e violoncelo e toca piano em um restaurante à noite.
O pai trabalha com grupos de teatros. No entanto, não são ricos.
Pertencem a uma classe média que luta para manter seu lugar na
sociedade. A família é numerosa para os padrões atuais. Possuem 5
filhos. Moravam com os avós de Gustavo. A casa era grande, mas
decadente. Nos tempos áureos devia ter sido uma casa bonita, mas
estava descuidada, precisava de pinturas e reparos.
 Gustavo estudava numa escola cara, de classe média alta em sua
cidade. Era um costume entre as crianças, que também era
incentivado pela escola, que os coleguinhas passassem um final de
semana juntos. O intuito era ampliar as relações sociais dos alunos.
Um aluno convidava o amigo para passar o final de semana em sua
casa, assim poderiam conviver num espaço diferente da escola.
Gustavo convidou seu melhor amigo de escola para passar o final de
semana com ele.
 Na segunda-feira Gustavo volta para escola. Ao retornar para
casa no final da tarde, a mãe percebe que o menino estava
amuado, triste e foi ver o que estava acontecendo.
 Gustavo então conta chorando que ao chegar na escola ouviu
o coleguinha, que tinha passado o final de semana com ele,
comentando com um grupo de meninos: “Este final de
semana fui numa casa tão pobre, mas tão pobre, como eu
nunca tinha visto.
 Era horrível, estava tudo quebrado e sujo”. Gustavo ficou
chocado, magoado, afinal tinha se esforçado muito para que o
final de semana fosse bom para seu amigo. Como podemos
analisar essa situação? O que realmente aconteceu para que
houvesse um comentário desse nível por parte do coleguinha
de Gustavo?

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