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REALIDADE HISTÓRICA1
Reza Azarian2
Tradução:
Fernando Delongue da Silva3
Matheus Pacaterra Galvão Carvalho4
Yasmin Soares5
Resumo
O objetivo deste artigo é lançar alguma luz sobre a questão de por que e como o
nacionalismo apareceu repentinamente no cenário político na Turquia no início do século
XX. Este artigo afirma que o nacionalismo turco foi uma resposta às condições históricas
particulares que caracterizaram as fases finais do Império Otomano e o nascimento da
Turquia moderna. Este artigo especifica algumas dessas condições e argumenta que o
surgimento do nacionalismo turco foi de fato uma continuação das tentativas empreendidas
pelos governantes otomanos e os jovens turcos a fim de impedir a desintegração do Império
inventando ideologias integrativas como o otomanismo, pan-islamismo e panturquismo.
Abstract
The purpose of this article is to cast some light on the question as why and how
nationalism appeared rather suddenly on the political stage in Turkey at the beginning of the
20th century. This article asserts that Turkish nationalism was an answer to the particular
1
Nationalism in Turkey: Response to a Historical Necessity. International Journal of Humanities and
Social Science,Vol. 1 No. 12; September 2011.
2
Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Uppsala - Phd em Sociologia. E-mail:
reza.azarian@soc.uu.se
3
Graduando na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
4
Graduando na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
5
Graduando na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
historical conditions that characterised the final phases of the Ottoman Empire and the birth
of the modern Turkey. This article specifies some of these conditions and argues that, rather
than emerging ex nihilo Turkish nationalism was in fact continuation of the attempts
undertaken by the Ottoman rulers and the Young Turks in order to prevent the disintegration
of the Empire by inventing integrative ideologies such as Ottomanism, Pan-Islamism and
Pan-Turanism.
Keywords: Ideology, Modernisation, Ottoman Empire, Political Islam,
Secularisation, World War I
Introdução
Não foi antes do final do século XIX que o nacionalismo turco entrou no cenário
político do Império Otomano pela primeira vez. Até então, era quase totalmente inexistente e,
como observado por muitos, “os turcos comuns não tinham um senso de pertencer a um
grupo étnico dominante” (MEHMET 1990: 114-5). Os membros da elite política e intelectual
não faziam questão de serem chamados de turcos, mesmo que o turco fosse sua língua nativa
(GOLDSHMIDT 1991). De fato, o termo “turco”, referindo-se a uma origem e identidade
étnicas era pouco usado na sociedade otomana, e, quando usado, não havia exatamente um
tom agradável sobre ele (LEWIS, 1968). No entanto, embora pareça tardio e seu surgimento
aparentemente inesperado, o nacionalismo turco provou ser uma força de dimensões
impressionantes e de grandes potenciais varrendo com demasiada facilidade todos os
obstáculos no seu caminho, e desde o seu surgimento demonstrou uma considerável
capacidade de sobrevivência.
Como foi possível uma mudança tão nacionalista? Por que e como surgiu o
nacionalismo turco na forma particular e no tempo específico que de fato o criou? Tais
questões estão no foco do presente artigo, que busca lançar alguma luz sobre o assunto
através de uma revisão da literatura descrevendo os desenvolvimentos políticos nos impérios
otomanos antes e depois da Primeira Guerra. O corpo desta literatura inclui tanto os relatos
produzidos por historiadores e orientalistas ocidentais, ou seja, refletindo a partir da posição
de um observador externo, bem como os escritos dos estudiosos turcos nativos, revisando e
avaliando sua própria história. No entanto, qualquer descrição histórica é inevitavelmente
seletiva e envolve a aplicação de uma certa ordem ou estrutura sobre o fluxo infinito de ações
e eventos históricos. É necessariamente uma descrição de uma certa perspectiva, uma
maneira particular de ver as coisas e, consequentemente, deixando de fora muitas outras
maneiras possíveis. A dita perspectiva aqui adotada pode ser expressa em termos de uma
idéia ou tese subjacente, guiando a escolha e interpretação da literatura disponível sobre o
assunto, bem como estruturando esta apresentação.
A ideia fundamental que orienta a pesquisa que é relatada aqui é que, como no caso de
alguns outros países do Oriente Médio, o nacionalismo turco surgiu de uma necessidade
histórica. Em uma época em que a própria existência do Estado otomano parecia incerta, o
nacionalismo conseguiu suprir a necessidade de manter unida uma sociedade que estava
prestes a desmoronar. Em outras palavras, foi uma resposta à busca de força nacional que se
tornou necessária diante de um ambiente internacional hostil, e provavelmente foi a única
resposta realista perceptível e disponível para os principais atores políticos turcos em um
momento em que várias outras soluções foram tentadas e se mostraram insuficientes ou
inadequadas. Quais eram então os requisitos históricos urgentes que, devido às circunstâncias
específicas, deram origem ao nacionalismo turco e, antes disso, aos seus precursores como
dispositivos ideológicos inventados para atender a esses requisitos?
O Legado Islâmico-Otomano
Desde o início das conquistas do islamismo além do rio Oxus, na Ásia Central,
durante o século VII, os habilidosos soldados turcos, depois de se converterem ao islamismo,
foram levados para os exércitos árabes e serviram como ghazi, pela fé contra os vizinhos
não-muçulmanos - primeiro na Transoxiana contra as tribos pagãs, mas logo depois em todos
os cantos do mundo islâmico.
Logo, porém, esses soldados poderiam tomar o poder político e construir suas
próprias dinastias. Um desses foi fundado pelos turcos seljúcidas, que em 1055 conseguiram
conquistar Bagdá, a capital política do mundo islâmico na época. Os seljúcidas avançaram
para o norte e, depois de uma grande vitória em Manziquerta, em 1071, sobre os bizantinos,
avançaram por Azerbaijão, Armênia e, finalmente, a Anatólia, para assentamentos turcos
ghazi. Como conseqüência da tempestade mongol em meados do século XIII, o grande
Império Seljúcico acabou sendo reduzido a um pequeno vassalo na Anatólia, onde as novas
regras nunca tiveram tempo ou interesse para estabelecer sua autoridade com firmeza. Em
vez disso, havia no final do século XIII um mosaico de emirados e principados de pequenos
ghazi, dos quais a casa do otomano no noroeste da Anatólia era apenas uma (ANDERSON,
1974; GOLDSHMIDT, 1991).
O Império Otomano que emergiu desse vácuo político manteve seu caráter ghazi e,
considerando-se missionário na guerra, encontrou sua razão de existir no dever de lutar contra
o infiel, a conquista militar e a sua posterior conversão religiosa. Mas, com o passar do
tempo, os otomanos, embora ainda precisassem de constante expansão militar, tornaram-se
relativamente sedentários e assumiram algumas das qualidades dos antigos e mais ortodoxos
Estados islâmicos do passado, com seus não-nômades, não-cruzados e aparelhos
administrativos tolerantes, taxando os assuntos muçulmanos e coletando impostos dos
não-muçulmanos.
Somando as novas qualidades às antigas, o Estado otomano começou a partir do início
do século XVI para desenvolver um caráter dual, revelando-se em uma estrutura de poder
militar-religiosa peculiar na qual duas colunas distintas paralelas ou hierarquias podiam ser
discernidas. Essa dualidade é tradicionalmente captada pelos analistas ocidentais como uma
distinção entre dois conjuntos de instituições, a saber, as Instâncias Governamentais e as
Muçulmanas (ou Religiosas) do Estado Otomano. Conseqüentemente, a primeira
compreendia todo o aparato burocrático do Império e era composta pela corte do sultão, o
exército e os oficiais executivos da burocracia imperial chefiados pelo Grande Vizir
(ANDERSON, 1974; FISHER, 1964). Paralelo a estes e um pouco à parte deles, estavam as
instituições muçulmanas que uniam o vasto Império através de um sofisticado aparato
educacional e legal que desempenhava as tarefas ideológicas e jurídicas essenciais, porém
mais tradicionais, do sistema de dominação otomana (ANDERSON, 1974). Gradualmente,
mas firmemente integrados na maquinaria de guerra do Sultanato, essas instituições
muçulmanas com os ulemás (estudiosos islâmicos) no topo, constituíam um elemento
indispensável do estado otomano; e como resultado, dois conjuntos de instituições “se
tocaram em quase todos os níveis da relação governamental e econômica” (FISHER, 1964:
213) e “nunca houve uma separação absoluta” (ANDERSON, 1974: 366).
Nesta síntese notável, a autoridade dinástica e a legitimidade religiosa entraram em
uma “harmonia estrutural” (ANDERSON, 1974: 363), um sinal óbvio de que era a
coexistência de duas fontes distintas de direito que regiam os assuntos do Estado. Primeiro,
havia a Sharia, a lei sagrada do Islã que, aceita como emanada de Deus, ligava o Sultão, os
Juízes e todos os outros legisladores por todo o Império. Segundo, os decretos publicados do
sultão, que expressavam sua vontade suprema, eram de caráter administrativo ou
suplementares à Sharia (FISHER, 1964). Além disso, no topo dessa estrutura dual havia o
Divan, que era composto de representantes de ambas as matrizes institucionais e que "serviu
de fato como uma espécie de união e capeamento dos dois ramos do governo otomano"
(FISHER, 1964: 212). Acima de tudo, no entanto, esse entrelaçamento institucional
encarnou-se na própria pessoa do sultão-califa que desfrutava de uma base de poder dobrada.
Por um lado, sua autoridade que era hereditária era predominantemente derivada do poder
militar que ele controlava e da reverência e obediência que seus súditos lhe davam. Seu poder
profano foi “baseado no princípio fundamental de que toda sociedade deve ter um governante
com poder absoluto e com a autoridade de emitir regulamentação e leis fora da lei religiosa”
(INALCIK 1964: 43, in TACHAU 1984: 59).
Por outro lado, a autoridade do sultão originou-se e foi reforçada pela tradição
político-religiosa islâmica do califado. De acordo com essa tradição, o califa foi reconhecido
como o líder político e chefe militar da Umma islâmica (isto é, a comunidade muçulmana
global) e foi concebido como o representante direto ou a sombra de Deus na terra e o símbolo
vivo da unidade de a fé e a comunidade islâmicas. Como tal, ele foi considerado e autorizado,
por um lado, como líder político e chefe militar e, por outro lado, como o "Defensor da Fé,
responsável por dar efeito à Sharia" (LEWIS, 1965: 24-5). Compatível com sua natureza, era
o islamismo e nada mais que por séculos fora a ideologia predominante do Estado otomano
não nacional. Abraçando uma série de grupos étnicos e religiosos, os sujeitos do Império
estavam explicitamente divididos em duas grandes categorias religiosas: a divisão essencial
na população era aquela entre os muçulmanos e os não-muçulmanos, e nada em comum entre
os dois.
Os súditos não-muçulmanos, incluindo cristãos ortodoxos e judeus, eram organizados
em millets ou comunidades religiosas e/ou minorias étnicas, cada uma das quais tinha
autonomia interna sob um funcionário eclesiástico com poderes seculares e gozava de
considerável liberdade individual e comunitária (GOLDSHMIDT, 1991; MANSFIELD 1973;
MEHMET 1990; TACHAU 1984). No entanto, enquanto esse sistema de millets permitia
subdivisões dos não-muçulmanos tanto nas linhas étnicas quanto religiosas e aplicava uma
ideia altamente sofisticada de etnia aos não-muçulmanos, tal possibilidade não existia para os
súditos muçulmanos (MEHMET, 1990). Dentro deste sistema, os árabes, turcos, albaneses e
curdos eram membros iguais da Umma islâmica que, de acordo com os princípios básicos do
Islã, abrange todos os muçulmanos como irmãos e irmãs, independentemente de origem
étnica, idioma, costumes ou afiliação política. (STIRLING 1958). Dentro deste sistema, nem
mesmo os turcos desfrutavam de qualquer posição especial mais do que outros grupos étnicos
muçulmanos e, de fato, sua identidade étnica como turcos estava submersa em sua identidade
islâmica mais ampla (MEHMET, 1990). Aparentemente, como é sugerido por vários
observadores, o primeiro povo turco que se converteu ao Islã “se identificou completamente
com sua nova fé” (LEWIS 1968: 331).
Eles parecem ter se tornado “tão imbuídos da cultura islâmica que não mais se
identificaram com suas tribos originais” (GOLDSHMIDT 1991: 85) e esqueceram “seu
passado turco separado com surpreendente rapidez e completude” (LEWIS 1968: 332). E
alguns observadores vão ainda mais longe e afirmam que até a Primeira Guerra “embora os
europeus continuassem no Império Otomano como a Turquia e os otomanos como turcos,
entre os próprios otomanos os termos eram em grande parte desconhecidos” (TACHAU
1984: 64). Contra esse pano de fundo, compartilhado por historiadores ocidentais e turcos
especializados no assunto, é difícil compreender quão radical e fundamental foi a
transformação das últimas mudanças na autopercepção e na autoidentificação. Essa
transformação estava enraizada na profunda mudança das estruturas há muito estabelecidas e
consagradas pelo tempo do Império Teocrático para as de um Estado-nação moderno. Foi
trazido pela conjunção complexa de circunstâncias históricas específicas da era otomana
tardia - circunstâncias que constrangiam a liberdade das regras turco-otomanas e limitavam o
alcance de sua percepção na medida em que o estabelecimento de um Estado-nação de estilo
ocidental com o nacionalismo como fundamento ideológico, parecia ser a única opção
possível. Vamos agora dar uma olhada e ver essas circunstâncias.
Embora desde a sua criação o Império Otomano tenha sido uma das maiores potências
do mundo, no início do século XX estava prestes a desmoronar. Exaurido pelas guerras
russo-otomanas e balcânicas dos séculos anteriores, era agora mais conhecido como o
Homem Doente da Europa, incapaz de resistir eficazmente à pressão das chamadas Grandes
Potências; e se pudesse escapar da derrota final, seria “só porque nenhuma potência européia
permitiria sua conquista por qualquer outra” (MANSFIELD 1973: 494).
Foi a Primeira Guerra Mundial que levou a vida do império moribundo a um fim
definitivo. Até onde os otomanos estavam preocupados, sua aliança fatal com os alemães e a
guerra terminou em 30 de outubro de 1918, quando o Armistício de Mudros foi assinado. Foi
um tratado de derrota que deu aos Aliados o direito de ocupar quaisquer pontos estratégicos
no caso de surgir qualquer situação que pudesse ameaçar a segurança dos Aliados (FISHER
1964: 373). Como o balanço da guerra perdida, quase todas as províncias europeias e árabes
do Império foram perdidas; suas forças armadas sofreram enormemente e foram quase
exterminadas, o tesouro do Estado foi drenado e o aparato administrativo arruinado. Mesmo
os líderes revolucionários, os Jovens Turcos, que haviam se revoltado e tomado o poder em
1908 para resgatar o Império de seu colapso final e total, haviam fugido do país. O que restou
foi uma sociedade desintegrada esmagada e dissolvida sob o peso de anos de guerra, sobre os
quais ainda governava um Sultão sombrio que, de fato, via os Aliados em sua totalidade mais
como um alívio do que como uma ameaça, salvando-o dos fortes mãos dos jovens turcos
revolucionários.
A ausência temporária da Rússia devido à Revolução Bolchevique, e a denúncia de
todas as reivindicações russas ao território turco, não impediram, contudo, os outros países
aliados de prosseguirem com seus antigos assuntos da Questão Oriental, isto é, a questão de
como dividir o Império sem causar guerra entre as Grandes Potências (DUIGNAN & GANN
1981; MANSFIELD 1973; MEHMET 1990). Durante a guerra, a questão havia sido
resolvida por uma série de acordos secretos dividindo as possessões otomanas na Europa, no
norte da África e no Oriente Médio (FISHER 1964). Mas agora, tornou-se uma questão de
como assumir o que restava do Império, ou seja, o próprio continente - Anatólia, o destino do
Império seria decidido nas “salas esfumaçadas” de Paris (FISHER 1964: 376) onde os
vitoriosos estadistas aliados se reuniram para dividir entre si suas aquisições
recém-conquistadas. No entanto, a maré virou.
O povo turco e exaurido da Anatólia que, desmoralizado pela derrota, parecia
indiferente a grande parte do que aconteceu, embarcou em sua luta de resistência nacional sob
a liderança de Mustafa Kemal (Ataturk). O que desencadeou esta luta foi a invasão grega da
cidade de Esmirna, na Anatólia ocidental (atual Izmir). Era bem sabido que os nacionalistas
gregos tinham a ambição de restaurar em torno de Constantinopla (hoje Istambul) o outrora
glorioso Império Cristão Grego de Bizâncio, que havia caído nos Otomanos no século XV.
Antes da invasão, o Primeiro Ministro grego Venizelos havia apresentado à Conferência de
Paz em Paris uma reivindicação formal à cidade. Esta afirmação já havia recebido a simpatia
do Lloyd George e Clemenceau, e "por razões não totalmente meritórias" (MANSFIELD
1973: 495). Finalmente, quando Wilson também foi conquistado, Venizelos, recebendo apoio
militar ativo dos Aliados, agiu para realizar essas ambições (FISHER, 1964; GOLDSHMIDT,
1991; LEWIS, 1965).
A invasão não encontrou resistência do governo otomano, mas foi “a faísca que
acendeu o fogo do nacionalismo turco na Anatólia” (GOLDSHMIDT 1991: 200). Em
Constantinopla houve reuniões de protesto e logo em todas as partes da Turquia surgiram
sociedades patrióticas (LEWIS, 1965). Quando o exército grego começou a se mover para o
leste, os guerrilheiros da Anatólia começaram a combatê-los. Agindo em oposição direta às
ordens do sultão, Mustafa Kemal começou a organizar essas forças em um exército de
libertação e reuniu um congresso nacional em Sivas que logo se tornou um centro de poder
político que ninguém poderia ignorar. O movimento nacionalista, contudo, encontrou-se em
guerra não apenas com os invasores gregos e as forças aliadas no sul e nos estreitos de
Bósforo e Dardanelos, mas também com o governo central em Constantinopla e com a
recém-nascida República da Armênia no nordeste. O que salvou o país foi a ajuda que
recebeu da Rússia Soviética (GOLDSHMIDT 1991). Além disso, sobrecarregados com seus
próprios problemas internos do pós-guerra, tanto a França quanto a Itália desistiram de suas
reivindicações territoriais na Anatólia. Cruzando o Dardanelos de volta ao lado europeu, as
forças francesas e italianas deixaram os britânicos sozinhos para manter as posições.
Por algum tempo, a Grã-Bretanha conseguiu continuar ocupando o estreito,
controlando o sultão e aplaudindo os gregos. Mas com a falta de reforços exigidos de seus
aliados, o governo britânico decidiu reduzir suas perdas chamando outra conferência de paz
para negociar um novo tratado - desta vez em Lausana, na Suíça, e com os nacionalistas.
Enquanto isso, sem mais confrontos com a Armênia e com os gregos sem apoio militar dos
Aliados, os nacionalistas turcos poderiam derrotar decisivamente os gregos que então
começaram um retiro trágico que concluiu a Guerra da Independência em 9 de setembro de
1922 no mesmo lugar em que tinha começado. Com os gregos expulsos da Turquia, os
nacionalistas completaram a conquista da Anatólia e depuseram o sultão que, sem o apoio
estrangeiro, havia fugido de Constantinopla. A tempestuosa conferência de paz realizada em
Lausana, entre novembro de 1992 e julho de 1923, estabeleceu a independência da Turquia,
que se tornou a única potência derrotada na Primeira Guerra Mundial a rejeitar os termos
impostos pelos vencedores ocidentais. Pouco depois, em 29 de outubro de 1923, a Grande
Assembléia Nacional em Ancara aboliu o Sultanato e declarou a república da Turquia, com
Ancara como sua nova capital e Kemal como seu primeiro presidente.
Mesmo que pareça haver alguma disputa entre os estudiosos sobre até que ponto a
base religiosa de legitimidade mencionada anteriormente foi usada pelos governantes
otomanos (HEPER 1981), os nacionalistas e Kemal, entretanto, conceberam o caráter dual do
Estado otomano e do papel do sultão como principal fonte de fraqueza do Império. Na sua
opinião, essa dualidade havia sido “responsável pela corrupção dos funcionários e pela
ignorância e indiferença do povo a essa corrupção” (LEWIS, 1965: 72). Para os nacionalistas,
o califado e o sultanato (ou religião e estado) deveriam ser separados “de modo que o chefe
da comunidade muçulmana deixaria de ser o governante político como o sultão havia sido há
séculos” (LEWIS, 1965). Durante a Guerra da Independência, os nacionalistas mantiveram
uma posição crítica, mas moderada e cautelosa, abstendo-se de expressar uma atitude
demasiado antagônica em relação ao sistema otomano ou ao próprio sultão (OKYAR, 1984).
Mas, no entanto, os nacionalistas estavam determinados a mudar a Turquia do bastião do
islamismo para um estado secular moderno. Como os nacionalistas conceberam, essa fé havia
bloqueado a transformação do país em direção à modernidade e, portanto, ela se manteve na
política e a sociedade teve que ser minada e destruída. O secularismo, que talvez constituísse
o componente mais essencial do programa de reforma nacionalista, “equivalia à remoção do
controle religioso sobre a política, a sociedade e a cultura da Turquia” (GOLDSHMIDT
1991: 205-6) e o Islã “não deveria ter sequer a função de uma religião civil para a política
turca” (HEPER 1981: 350).
Eles então começaram um ataque impiedoso contra todo o legado otomano-islâmico
da sociedade turca. Através de uma série de legislação rapidamente implementada, eles
sentaram-se para criar uma ruptura total com o passado islâmico e encontraram para a nova
Turquia uma identidade nacional turca que eles supunham ser mais compatível com o modelo
ocidental de organização de unidades políticas. Dentro de um curto período de tempo
(1924-1928), os nacionalistas exortaram a recém-fundada nação turca a adotar uma nova
Constituição, a abandonar o califado, a sharia, seu vestuário tradicional e sua escrita árabe,
todos destinados a desestabilizar e minar as instituições islâmicas e a estrutura de poder que
eles sustentavam. Como já foi mencionado, em 1923 os nacionalistas vitoriosos proclamaram
a Turquia como uma república com suprema soberania pertencente à nação turca e com a
mais alta autoridade residindo na Grande Assembléia Nacional. Para enfatizar a separação
entre religião e governo, os nacionalistas mudaram a capital política de Constantinopla para
Ancara, no coração da Anatólia. A mudança foi “em reconhecimento ao fato de que Anatólia
era agora a Turquia, livre das províncias européias, árabes ou africanas” (LEWIS, 1965: 78).
A decisão defendeu a ênfase na ruptura com o legado otomano-islâmico do passado e estava
enraizada em "uma rejeição do passado bizantino e otomano cosmopolita em favor de um
futuro turco-anatólio" (GOLDSHMIDT 1991: 206). Em 1924, uma nova constituição foi
adotada e o califado foi abolido por uma decisão da Grande Assembléia Nacional.
Juntamente com isso, os tribunais e instituições religiosas e o aprendizado religioso foram
abolidos.
Os tribunais de Sharia foram encerrados e uma versão modificada do Código Civil
Suíço foi adotada para constituir a base do novo sistema legal, substituindo aquele baseado na
antiga lei religiosa. Da mesma forma, as escolas do Corão foram abolidas e a educação
pública foi secularizada sob um Ministério da Educação. A Grande Assembléia Nacional
aprovou e aprovou leis confiscando todos os bens pertencentes às instituições muçulmanas,
fechando as ordens sufis e seus conventos que até então haviam agido “tanto como um local
de oração quanto como um centro comunitário de ajuda social, educacional e assistência
mútua”(MEHMET 1990: 121). Além disso, todas as demonstrações públicas de observância
religiosa foram desencorajadas ”(Heper 1981: 351). O uso do árabe em atos públicos como as
recitações do Corão e o chamado à oração dos minaretes era proibido e acontecia então em
turco. Até mesmo o Alcorão e as Tradições do Profeta foram traduzidos para o turco. Além
disso, o calendário islâmico foi substituído pelo calendário gregoriano; pesos métricos e
medidas substituíram os costumeiros turcos; Domingo foi declarado como o dia de descanso
semanal em vez de sexta-feira; os homens eram proibidos de usar fez ou qualquer outra
cabeça tradicional cobrindo tal turbante; e finalmente, para completar o programa de
reformas, o secularismo foi oficialmente declarado em 1928, quando o segundo artigo da
constituição de 1924, que declarava o Islã como a religião do Estado, foi excluído
(GOLDSHMIDT, 1991; MEHMET, 1990).
Resumo e conclusão
Referências