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ANGELA ALBUQUERQUE BARBOSA

A Comunicação Familiar e a
Construção da Autoestima nos Filhos

Monografia apresentada como requisito parcial à


conclusão do Curso de Especialização em Terapia
Familiar Sistêmica de Eirene do Brasil em Dezembro
de 2006 e ao setor de pós-graduação das Faculdades
SPEI em 2010 para validação do curso pelo MEC.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Tadeu Grzybowski

CURITIBA
2010
1

RESUMO

O tema abordado no presente trabalho é Comunicação Humana. Como este assunto


é vasto e rico, a proposta é apresentar alguns aspectos referentes a ele, aplicados
ao sistema familiar. O processo comunicacional e as necessidades do ser humano
na comunicação, são abordados num primeiro momento e outros conceitos são
acrescidos no decorrer do texto, tais como: a comunicação verbal e não-verbal, o
conteúdo e a relação da comunicação, o encontro de significados e as barreiras na
comunicação. E, completando o capitulo 1, aborda-se a comunicação disfuncional.
No capítulo 2, apresenta-se o tema aplicado à influencia da comunicação dos pais
na construção da auto-estima dos filhos. Neste, são abordados algumas questões
relacionadas ao sentimento de ira dos pais e a importância da comunicação
saudável na interação pais e filhos. Apresenta-se também, o vínculo de amizade
como uma das importantes bases neste relacionamento. No âmbito geral do
presente trabalho, a ênfase recai sobre a construção de relacionamentos familiares
saudáveis a partir de uma comunicação funcional.

Palavras-Chave: Comunicação, Família, Desenvolvimento, Auto-Estima, Ira,


Amizade.

ABSTRACT

This work intends to talk about the importance of the communication as health
generating in the family system. The way as the family members interact as they emit
and/or they receive the messages that are transmitted by meta-messages, influences
in the feedback and homeostasis of the family system. The dialogue can be an
important mechanism of decoding of the messages turning them more clear and
receptive. The family conflicts are interlinked with disturbances in the communication.
When the double bond exists in the family interaction, serious pathologies possible
can be started, being the main of them the schizophrenia. The messages should be
clear, direct and objectives. Including in the communication of the limits. The human
being's need existential interference in the communicational process. Everyone
need’s somebody to hear them. Hearing communicates attention. The communicated
pardon possesses an enormous power in the relationships healing. For the family
interaction health, communication processes are fundamental.

Key Words: Communication. Dialog. Double bond. Forgiveness. Feedback.


Homeostasis.
2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. .01


1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMUNICAÇÃO HUMANA ...... .02
1.1 O PROCESSO COMUNICACIONAL ......................................................... .02
1.2 NECESSIDADES BÁSICAS DO SER HUMANO NO DAR E RECEBER
INFORMAÇÃO................................................................................................04
1.3 COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO VERBAL..................................................05
1.4 CONTEÚDO E RELAÇÃO NA COMUNICAÇÃO............................................07
1.5 ENCONTRO DE SIGNIFICADOS E BARREIRAS NA COMUNICAÇÃO.......09
1.6 COMUNICAÇÃO DISFUNCIONAL.................................................................10
2 CONSTRUÇÃO DA AUTOESTIMA NA CRIANÇA...........................................12
2.1 O SENTIMENTO DE IRA NA RELAÇÃO PAIS E FILHOS.............................17
2.2 A INFLUÊNCIA E INTERVENÇÃO DOS PAIS NO PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO DO FILHO..................................................................21
2.2.1 COMUNICAÇÃO SAUDÁVEL GERANDO AMBIENTE SEGURO
PARA A CRIANÇA.......................................................................................24
2.2.2 AMIZADE: UMA IMPORTANTE BASE DO RELACIONAMENTO
PAIS E FILHOS............................................................................................26
3 CONCLUSÃO ................................................................................................. 29
REFERÊNCIAS.....................................................................................................30
3

INTRODUÇÃO

Numa das belas ruas de Paris encontra-se um pedinte com deficiência


visual. Na tentativa de receber alguma ajuda em dinheiro das pessoas que passam
por ali, exibe a seguinte placa: "SOU CEGO! AJUDE-ME!"

Do meio da multidão surge um publicitário que observa atentamente o


enunciado da placa e pensativo prossegue sua caminhada. Algum tempo depois
retorna com uma ajuda ao cego: uma nova placa com as seguintes palavras: "É
PRIMAVERA EM PARIS...E EU NÃO POSSO VÊ-LA!"
Não é difícil descobrir qual das duas frases teve maior êxito. A comunicação
é uma arte e como tal é preciso saber utilizá-la para se ter os resultados desejados.
O exemplo acima nos mostra apenas uma faceta da comunicação. O cego estava,
na sua simplicidade, suplicando a ajuda das pessoas com uma frase bem objetiva.
Afinal, o seu propósito era obter ajuda financeira dos transeuntes da cidade luz. Na
visão do publicitário, a frase mudou complemente. O que ele teve como alvo foi
sensibilizar as pessoas através da impossibilidade do cego contemplar as belezas
de Paris. Não fez nenhum pedido explícito. O clamor estava nas entrelinhas da
comunicação. Provavelmente o ‘chapéu’ do cego ficou cheio de dinheiro depois
dessa transformação no enunciado da placa.
Uma das principais características da comunicação é a sua complexidade e sua
incompletude. Entender as pessoas e se fazer entender exige do comunicador um
certo trabalho. Inúmeros desentendimentos acontecem, não raras vezes, por falhas
na comunicação.

A comunicação através da fala é exclusividade do ser humano, embora esta


seja apenas uma das formas de comunicação. As pessoas falam com todo o seu
corpo: com o olhar, com as sobrancelhas, com seu modo de se vestir, seu jeito de
sentar e até mesmo com o seu silêncio. Não é possível não comunicar. Com as
palavras o ser humano é capaz de construir ou destruir. Dependendo do uso da
comunicação ela pode ser um instrumento rico em edificar relacionamentos ou
desestruturá-los.
4

1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMUNICAÇÃO HUMANA

1.1 O Processo Comunicacional


O modelo de comunicação envolve: o emissor (quem transmite a
mensagem), o receptor (aquele que a recebe), a mensagem (o conteúdo
transmitido). Visto deste modo parece ser simples. Porém, não são somente estes
os itens que compõem o circuito de comunicação.
A metacomunicação é um elemento fundamental neste processo e se refere
a tudo aquilo que está dentro de uma mensagem (é uma comunicação sobre a
própria comunicação).
Outro componente presente no processo é o contexto da comunicação
(quando, aonde, com quem, em quais circunstâncias e que tipo de relação há entre
os envolvidos). Lembrando também que o emissor é ao mesmo tempo receptor e
vice-versa. Este fato reforça a característica da comunicação ser dinâmica. O
feedback é outro elemento importante deste processo (resposta de quem recebeu a
mensagem para quem a transmitiu). É o que facilita a continuidade da comunicação.
Através deste elemento, a pessoa se certifica que está sendo compreendida em seu
discurso.
HALEY (1980) define quatro partes no todo da mensagem:

Eu ...” (O EMISSOR).
“... estou dizendo algo ...” (A MENSAGEM).
“... lha digo a você ...” (O RECEPTOR).
“... nesta situação”. (O CONTEXTO).
As mensagens são incompletas quando não rotulam com
clareza “Eu, desejo isto, de você, nesta situação”
(HALEY, 1980, p. 153).

Quando estas quatro partes estão presentes no todo da mensagem, a


tendência é que a comunicação seja clara. O emissor da mensagem tem maior
possibilidade de atingir seu objetivo. Mesmo assim, isto não garante eficácia na
comunicação. Além de não ser possível o tempo todo se comunicar assim, o
comunicador que estivesse preocupado todo momento em esclarecer suas idéias
apresentaria um comportamento esquisito. A espontaneidade da comunicação
estaria comprometida e fadada a inúmeras explicações cansativas. Deve-se levar
em conta que as palavras são meios de transmissão de mensagens, porém, elas
são limitadas.
5

SATIR (1967) faz as seguintes afirmações:

As palavras são instrumentos utilizados pelas pessoas para dar e receber


informações [...] (p.110). Uma comunicação absolutamente clara é
impossível de ser obtida, uma vez que o processo é, por sua própria
natureza, incompleto [...] O que torna o problema mais complexo é que as
palavras são abstrações, símbolos que só correspondem a referentes.
(SATIR, 1967, p.119).

Existe a limitação dos signos; as palavras são limitadas e se faz necessário


uma decodificarão do que é dito. Não raras vezes, as pessoas se esquecem que as
palavras são apenas abstrações. E quando as palavras caminham para abstrações
ainda maiores, o sentido delas se torna cada vez mais enigmático.

Outra questão relevante é que o símbolo e o seu significado dele não são,
necessariamente, a mesma coisa.
As palavras podem ter diferentes significados, diferentes denotações, como
também podem ter diferentes conotações.
A palavra "classe", por exemplo, tanto pode se referir à posição social da
pessoa, como pode fazer alusão às quais matérias esta pessoa está inscrita em um
determinado curso. Aliás, "curso" também pode ter outro significado que seria o
trajeto ou caminho que uma pessoa percorre quando vai de um lugar para outro.
Estes são exemplos de diferentes denotações.
A palavra "mãe", por exemplo, tanto pode significar uma mulher que teve
filhos e exerce esta função materna (denotação) como também pode ser usada para
definir alguém que é generoso, sensível, afetuoso. Quando uma pessoa é
beneficiada por outra, em uma dada situação e diz: "Você é uma mãe para mim".
Demonstra que esta palavra pode ter mais de um sentido; neste caso: conotação.
Estes são fatos que reforçam a premissa da complexidade da comunicação humana.
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1.2 Necessidades Básicas do Ser Humano no Dar e Receber Informação


O ser humano não conseguiria sobreviver sem a comunicação. Por ser,
naturalmente, um ser relacional e a comunicação o meio inter-relacional, as pessoas
dependem dela para sua subsistência. Porém, é necessário que o indivíduo se
comunique com clareza se pretende conseguir dos outros a informação de que
necessita ou se pretende ser capaz de dar informações às outras pessoas.

SATIR (1967) expõe no texto a seguir, algumas necessidades básicas do ser


humano envolvido no processo comunicacional.

Temos necessidade de descobrir coisas acerca das outras pessoas e


acerca da natureza dos relacionamentos. Quais são, por exemplo, os
modos de agir socialmente aprovados, os modos esperados por outros?
Que tipo de comportamento poderá agradar ou desagradar aos outros? Por
que outras pessoas reagem de uma determinada maneira? O que buscam?
Quais são as suas intenções com relação a nós? O que estão informando a
respeito de si mesmos? Como aparecemos aos olhos de outras pessoas?
De que maneira elas nos vêem, nos avaliam, reagem a nós? [...] SATIR,
1967, p.108)

Basicamente esta informação vital é recebida pelo ser humano de dois


modos: o primeiro se faz através da solicitação de respostas verbais e o segundo
modo acontece pela observação do comportamento não-verbal.
A citação e o complemento apresentado acima estão relacionados à
obtenção de informação.
Quando se trata de dar informação se faz necessário que o indivíduo permita
que as outras pessoas conheçam o que se passa no seu interior. Algumas questões
são relevantes quando se trata de fazer-se conhecer pelo outro, tais como: o que
aprendeu ou pensa que sabe, qual a sua expectativa em relação aos outros, como
interpreta o que as outras pessoas fazem, que tipo de coisa o agrada ou desagrada,
quais são as suas intenções, como percebe as outras pessoas.
Embora a comunicação humana seja incompleta e complexa pode-se
perceber que ela é também um riquíssimo instrumento de conhecer e se dar a
conhecer.
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1.3 Comunicação Verbal e Não-verbal


Em geral, a palavra "comunicar" faz alusão tanto a um comportamento não-
verbal, quanto verbal, inserido em um contexto social. "Interação" ou "transação" são
palavras que se aproximam de seu significado.

O ser humano tem a capacidade de transmitir mensagens das mais variadas


formas. Pode fazê-lo através do olhar, de gestos, atitudes, movimentos e até mesmo
através do seu silêncio.
Desde muito cedo a criança se comunica pelo meio não-verbal. Antes de ter
a aquisição da linguagem falada, já experimenta a comunicação não-verbal.
Tomemos um exemplo: se um dos pais está a conversar com seu bebê e se
expressa gesticulando com as mãos e emitindo um som atraente para os seus
ouvidos, o conteúdo do discurso se torna completamente secundário. O interesse do
bebê se prende no tom, ritmo e melodia da voz, como também no olhar do
comunicador e no movimento de suas mãos.
A comunicação verbal pode ou não ser coerente com a não-verbal.
Considerando o exemplo acima: se o conteúdo do discurso for negativo - carregado
de insultos, por exemplo - mas o tom, ritmo e melodia da voz forem atraentes, o
bebê se prende a estas características que lhe são atraentes.
WATZLAWICK (1967) afirma que o conteúdo da mensagem: "pode ser
sobre qualquer coisa que é comunicável, independente de essa informação
particular ser verdadeira ou falsa, válida, inválida ou indeterminável". (p.48). No caso
do bebê citado acima, que ainda não possui a compreensão da linguagem falada, o
aspecto "relato" (o conteúdo da mensagem) fica em segundo plano. O modo como a
figura parental transmite a mensagem ocupa um lugar muito mais relevante para ele.
O autor acima expõe o seguinte:

(...) uma vez aceito todo o comportamento como comunicação, não


estaremos lidando com uma unidade de mensagem monofônica mas com
um complexo fluído e multifacetado de numerosos modos de
comportamento - verbais, tonais, posturais, contextuais, etc. – que, em seu
conjunto, condicionam o significado de todos os outros. (WATZLAWICK,
1967, p.46).

Com base no autor acima, fica claro o importante axioma da comunicação


humana da impossibilidade de não comunicar. Este princípio está firmado na
8

propriedade do comportamento, de não ter oposto. Não existe um não-


comportamento, ou seja, uma pessoa não pode não se comportar.
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1.4 Conteúdo e Relação na Comunicação


Em qualquer comunicação está implicado um compromisso que, por
consequência, define a relação na comunicação.
WATZLAWICK (1967) afirma que: "uma comunicação não só transmite
informação mas, ao mesmo tempo, impõe um comportamento". (p.47) Não está em
voga somente o conteúdo do que se fala, mas também a relação das pessoas que
estão se comunicando. É possível afirmar que em toda comunicação humana está
presente o conteúdo e a relação.
O autor cita BATESON (apud Watzlawick, 1967 132, págs. 179-81) que
esclarece que: "essas duas operações [conteúdo e relação] acabaram sendo
conhecidas como os aspectos de "relato" e de "ordem", respectivamente, de
qualquer comunicação". (p.47). O aspecto "ordem" faz referência ao tipo de
mensagem e qual o modo como ela deve ser considerada. Enquanto que o aspecto
"relato" objetiva transmitir as informações da mensagem, ao aspecto "ordem" cabe o
papel de transmitir como esta informação deve ser entendida. Pode-se afirmar que o
aspecto da relação na comunicação é uma comunicação sobre a própria
comunicação, portanto, é igual ao conceito de metacomunicação. Pode acontecer
uma explicação verbal da mensagem transmitida ou a relação também pode ser
transmitida de modo não-verbal. De qualquer maneira, configura uma
metacomunicação – uma comunicação sobre a própria comunicação. Um dos
aspectos que está em questão quando se fala em "ordem" é a capacidade dos
comunicastes falarem de suas relações. Quando se fala do aspecto relacional, fala-
se do "eu" que está envolvido nesta interação. Ao se discutir sobre a "ordem" da
comunicação, está em jogo o ‘ser’ que está envolvido neste discurso e não
exatamente o "relato" da mensagem.
É muito comum as pessoas discordarem veementemente de um ponto em
algum assunto e ao final da discussão se darem conta que partilham do mesmo
ponto de vista. Neste caso, na verdade o que está em pauta, muitas vezes, não é o
que se sabe sobre o assunto, mas sim quem é que sabe. É um tipo de competição,
de disputa que nada acrescenta aos debatedores. É comum isto acontecer entre
casais que estão com dificuldade, por exemplo, em lidar com os seus papéis no
contexto familiar. Questões do tipo: "quem é que manda; a quem pertence o poder
de decisão; quem ocupa o papel mais importante no lar", etc. São questões latentes
10

entre eles que não são conversadas e tratadas na relação. Então aparece de
maneira enrustida na sua comunicação.
Quando um dos dois se dá conta do fato que estão trilhando por um caminho
infrutífero, ainda se tem algo de bom para se tirar no final da discussão: ‘estamos
apenas nos debatendo e não debatendo o assunto; e concluem: ‘melhor parar’.
Porém, quando não há essa consciência, a tendência é que os debatedores se
prolonguem na infrutífera discussão até a exaustão. Tomando a referência do casal,
esta discussão tende ao fracasso porque o que está em jogo não é o conteúdo da
mensagem e sim a relação deles. A possibilidade desta comunicação ser infrutífera
é muito grande. De acordo com WATZLAWICK (1967):

Parece que quanto mais espontânea e "saudável " é uma relação, mais o
aspecto relacional da comunicação recua para um plano secundário.
Inversamente, as relações "doentes" são caracterizadas por uma constante
luta sobre a natureza das relações, tornando-se cada vez menos importante
o aspecto de conteúdo da comunicação. (WATZLAWICK, 1967, p.48)

Existem duas maneiras de fazer metacomunicação: de modo verbal e de


modo não-verbal.
Metacomunicação verbal: Frases como: "Já te falei isto mais de uma vez" ou
"Isto é só uma brincadeirinha", demonstram que existe uma comunicação dentro da
comunicação.
Metacomunicação não-verbal: Atitudes como: Levantar o tom da voz ou
apresentar um olhar intimidador enquanto está falando, são exemplos de
transmissão de uma mensagem dentro de outra mensagem, de modo não-verbal.
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1.5 Encontro de Significados e Barreiras na Comunicação


Quando acontece um encontro de significados entre duas ou mais
pessoas, faz-se a comunicação. Por existirem barreiras que tentam impedir que os
significados se encontrem, a comunicação se torna muito mais difícil do que a maior
parte das pessoas imagina. A necessidade ontológica do ser humano é a principal
barreira que se interpõe à comunicação. A preocupação com o nosso ser se torna a
base desta barreira, de onde se derivam todas as outras.
Segundo HOWE (1967):

Nossas angústias fazem que tentemos encontrar afirmações de nosso ser:


afirmações que podem realmente ameaçar o ser dos outros. Nossa
necessidade de ser, nos impulsiona a viver vidas de auto-justificação [...]
Semelhante preocupação ontológica, com todas as angústias que se
amontoam ao nosso redor, torna difícil tanto o falar como o escutar aberta e
sinceramente. Essa barreira interposta na comunicação está edificada na
existência humana [...] (HOWE,1967, p.138)

Cita-se a seguir alguns itens relacionados às necessidades ontológicas do


ser humano: linguagens, imagens, ansiedades, defesas.
Estes elementos tanto podem ser recursos como barreiras na comunicação
humana. A linguagem não é precisa nem exata. Uma palavra pode ter mais de um
significado. A priori, esta diferença pode surgir das associações emocionais que se
acumulam em torno da palavra que está sendo empregada no diálogo. Esta
correlação está ligada às experiências particulares do comunicador
A imagem diz respeito à concepção que o ouvinte tem daquele que está
falando. É como o ouvinte conceitua o emissor da mensagem.
A ansiedade traz como conseqüência atitudes com características de
defesa: o falar desenfreado com a intenção de que o ouvinte encontre significado em
algo daquilo que está dizendo; a tentativa de responsabilizar o outro por aquilo que é
de sua responsabilidade; usar de auto-justificativas quando se sente ameaçado; etc.
Estes são exemplos de comportamentos defensivos originados pela ansiedade.
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1.6 Comunicação Disfuncional


Pessoas que se comunicam de maneira disfuncional têm a tendência de
fazer generalizações em suas afirmações. Expressões como: todo mundo, sempre,
nunca, todas às vezes; são constantemente utilizadas por estas pessoas. Um
exemplo muito comum é quando uma esposa diante de uma frustração com o seu
marido esboça a seguinte frase: "Todos os homens são iguais". Ou um filho em
relação à sua mãe: "Mãe é ‘tudo’ igual; só muda o endereço", referindo-se a um
comportamento dela que o filho julga ser igual ao de todas as mães do mundo.
Outra característica do comunicador disfuncional é emitir mensagens
incompletas. Procedendo desta maneira o emissor acaba delegando ao receptor da
mensagem a responsabilidade de completar suas sentenças. É como se o ouvinte
tivesse a obrigação de saber àquilo que ele quer transmitir. Não é muito raro,
pessoas que se comportam assim, se sentirem incompreendidas pelos outros
quando estes não conseguem descobrir o que elas querem dizer. O que o
comunicador disfuncional não consegue perceber é que não é compreendido porque
acaba deixando diversas lacunas em sua fala.
SATIR (1967) expressa estas afirmações na seguinte citação:

Pessoas disfuncionais também emitem mensagens incompletas. Elas não


completam suas sentenças, confiando que seus receptores tomarão a si
esta tarefa [...] Suas mensagens ficam desfalcadas em conexão em
diversos pontos [...] Com freqüência, não mandam mensagem alguma,
comportando-se, entretanto, com relação a outros indivíduos, como se o
tivessem feito [...] (normalmente relaciona-se com um desejo interior que
nunca é traduzido em palavras). (SATIR, 1967, p.117).

Na verdade, todas as pessoas usam de generalizações em sua


comunicação. A questão não se restringe ao simples uso deste recurso. O
agravante, em relação ao comunicador disfuncional, é que ele não se dá conta que
faz generalizações. Por ele não ter clareza desta manobra comunicacional, acaba
tirando conclusões precipitadas a partir de um raciocínio preconcebido e
equivocado.

Segundo a autora acima citada: "a pessoa que se comunica de modo


disfuncional comporta-se como se não tivesse ciência do fato de que generaliza e
opera a partir de suposições" (p.116).
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Este comportamento tem como resultado muitas confusões nos


relacionamentos. Por achar que os outros é que devem se responsabilizar por aquilo
que é dele, tende a não falar de seus sentimentos pensando que a outra pessoa tem
que descobrir como ele está se sentindo a respeito de determinado assunto ou
situação.
Existem maneiras congruentes e incongruentes de se comunicar. Diz-se que
a comunicação é congruente, quando é coerente com o contexto ao se enviar duas
mensagens ou mais por meio de diferentes níveis e não existe contradição grave
entre eles. Porém, quando há contradição grave entre eles ou quando não há
reforço mútuo entre os níveis de relato e de ordem em uma mesma mensagem,
acontece a incongruência na comunicação. Uma das características relevantes da
comunicação incongruente é a contradição de informações. Lembrando que estas
não são apenas verbais, mas também não-verbais. Existem graus diferentes de
incongruência, que vai do mais simples ao mais complexo. A incongruência simples
ocorre quando a pessoa diz algo e mostra uma reação que entra em contradição
com o que falou. Por exemplo: a pessoa diz estar sentindo calor e em seguida fecha
todas as janelas de sua casa. (e ela não tem condicionador de ar em sua
residência). A incongruência se torna mais complexa quando a meta comunicação
não-verbal de quem emite a mensagem é incoerente com sua metacomunicação
verbal. Apresenta-se o seguinte exemplo na citação de NAIPER e WITAKER (1980)
para esclarecimento:

As manifestações verbais e não-verbais no encontro entre mãe e filho,


numa mistura de contentamento e afastamento por parte de ambos. O filho
contente abraça a mãe, esta permite que o filho a abrace, mas permanece
com o corpo rígido, todavia dirige palavras carinhosas ao filho. O filho sente
a rejeição não-verbal da mãe e se retrai. A mãe cobra a retração do filho. O
filho fica confuso [...] (NAIPER e WITAKER, 1980, p.25)

Quando existe a liberdade de conversar sobre situações confusas como esta


do exemplo, o receptor tem a oportunidade de sanar suas dúvidas e sair do dilema
que o envolve. Porém, quando isto não acontece - e no caso de uma criança, é
ainda mais difícil que ocorra - é possível que estas mensagens tomem uma
dimensão muito grande no decorrer de seu desenvolvimento. Se este for o caminho,
poderá se formar um duplo vínculo (termo usado por Gregory Bateson e sua equipe
de Palo Alto (Califórnia), desde 1952).
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2. CONSTRUÇÃO DA AUTO-ESTIMA NA CRIANÇA

A formação da auto-estima na criança em desenvolvimento está ligada à


relação desta com seus pais ou com aqueles que exercem esta função. O ponto de
referência da criança está nesta relação.
A criança tem como base para o desenvolvimento da sua personalidade as
figuras parentais. Quando a comunicação entre pais e filhos é disfuncional, a criança
tende a se sentir insegura acerca de si mesma. Muitas vezes o que é falado com
palavras não é sustentado com ações, ou o que é expressado na prática não condiz
com o verbal.
Outra situação disfuncional é quando a mensagem emitida por um dos pais
é contraditória à mensagem transmitida pelo outro. Na maior parte das vezes, esta
situação é mantida por problemas de comunicação entre o casal, que repercute na
comunicação com seus filhos.
Esta incongruência na comunicação acaba gerando conflitos na criança. O
conflito nasce quando existem duas forças que oferecem oposição entre si. A
criança fica sem saber em que palavra deve acreditar, pois as mensagens são
contraditórias.
Cabe aqui lembrar que comunicamos com todo o nosso corpo e não apenas
com palavras.
Conforme ANDOLFI (1996): "é possível falar com os olhos, com a mirada, se
se considera que estes órgãos exprimem mais do que qualquer outro, sentimentos,
intenções, expectativa de relações (como aprovação ou desaprovação)" (p.21).
Uma das consequências sérias da comunicação disfuncional é a
possibilidade da formação de "fortalezas". De acordo com HIMITIAN (2001): "a
expressão bíblica ‘fortaleza’ equivale a complexo ou trauma. Trata-se de um termo
muito significativo, pois significa castelo ou forte de paredes largas e sólidas,
construído pedra a pedra durante um longo período de tempo" (p.49).

O autor traz uma ilustração que será reproduzida a seguir:


Diante de um eventual mau comportamento da filha pequena, a mãe fica tão
aborrecida e nervosa que dá uma tremenda surra na criança, grita com ela e a
chama de "imprestável".
15

A mãe deixa claro à filha que o comportamento dela está amargurando sua
vida.
Diante do ataque de ira da mãe, a menina sofre um impacto que faz brotar
em seu interior um pensamento: "A mamãe não gosta de mim". (p.57)
E a ilustração segue:

Passam-se alguns dias. A mãe elogia a irmã da menina quando ela chega
do colégio trazendo boas notas. Ela também havia tirado boas notas no dia anterior,
mas a mãe não lhe dissera nada. (Talvez não tenha percebido ou prestado muita
atenção ao assunto) [...]
Forma-se na menina o que chamamos de prejulgamento.
Daqui em diante, a menina julgará a conduta da mãe por meio dele, ou seja:
"Minha mãe não gosta de mim". Por achar que a mãe não gosta dela, na semana
seguinte passa a se comportar com mais rebeldia. A mãe, então, lhe dá outra surra
[...]
Num determinado dia, a mãe castiga a irmã da menina, talvez até com mais
intensidade, mas ela não consegue perceber isso porque o prejulgamento só lhe
permite registrar o que está em seu interior.
O sentimento de que a mãe não gosta dela vai crescendo [...] (p.57-58)
A atitude desta mãe talvez pareça exagerada, mas não é difícil encontrar tal
comportamento nos dias de hoje. Às vezes esta conduta também é apresentada
pelo pai ou por alguém que é responsável pela educação da criança.
As disfunções na comunicação podem trazer marcas na auto-estima da
criança que vão se agravando no decorrer dos anos. As palavras mal colocadas são
como flechas que podem atingir o mais íntimo do ser da criança.
Acertos e erros são comuns na vida do ser humano. Na criança isto é ainda
mais presente. Afinal, ela está em processo de formação. Se os seus pais só
demonstram que ela é aceita quando não comete erros, o sentimento de rejeição
tem um lugar propício para se instalar. Com este sentimento ocupando lugar em sua
vida ela pode acabar se tornando uma criança insegura. Por se sentir insegura,
tende a alimentar pensamentos a respeito de si mesma de incapacidade. Então sua
auto-estima tem a tendência de sofrer um rebaixamento considerável. À medida que
o tempo vai passando e esta criança vai crescendo, as feridas podem se agravar. A
criança machucada em seus sentimentos tende a se tornar um adulto amargurado.
16

Seus relacionamentos acabam sendo direcionados pelos seus sentimentos de não


aceitação por parte dos outros. Por causa dessa maneira de sentir ela não tem
segurança a respeito do valor de si mesma. A pessoa tem a tendência de achar que
o outro é sempre melhor que ela em tudo. Não consegue acreditar em sua
capacidade e tende a se tornar uma pessoa acovardada para a vida.
O autor traz outra ilustração onde a filha está a lavar louça e por incidente
um prato escorrega de suas mãos e acaba quebrando. Quando isso acontece, eis
que ela é surpreendida por sua mãe, aos gritos: "Você não serve para nada mesmo
[...] sua mão de trapo...você nunca vai se casar desse jeito [...]" A menina pensa:
"Não sirvo para nada mesmo; como fui quebrar o prato; não podia ter feito isso."
(p.59)
A mãe, no momento de raiva, acabou maltratando sua filha com palavras
muito severas. É muito provável que ela não pense isso a respeito de sua filha, mas
acabou verbalizando mentiras que na mente da criança soaram como verdade. Esta
mãe pode nutrir grandes expectativas a respeito de sua filha. Sonhos como ser uma
esposa dedicada, boa mãe, responsável, que cuida bem da sua casa. Estas
expectativas são positivas. A mãe tem bons planos para sua querida filha. O
problema é que ela, tão preocupada com o êxito de sua filha, na primeira falha dela
no serviço doméstico, acabou explodindo em ira e agredindo com palavras à
pequena aprendiz. CUNHA (2004) cita o seguinte: "Um dado estatístico afirma que
95% das pessoas não falam coisas com a intenção de machucar, de prejudicar o
agredido. Na verdade, é quem as ouve que absorve para si o que lhe é dito." (p.39)

Em se tratando de mensagens de pais para seus filhos, a primeira parte


desta informação pode ser assertiva. Porém, analisando os receptores das
mensagens - os filhos - talvez não seja tão linear como a afirmação da segunda
frase.

A criança tem a tendência de absorver para si o que lhe é dito pelos seus
pais, pois são eles que são referência para ela. Existe aí um vínculo tão estreito que
é muito difícil que ela não receba para si o que é transmitido por seus pais, seja
positivo ou negativo.

Sobre o assunto auto-estima nos filhos, SATIR (1967) apresenta uma rica
contribuição teórica na qual a autora do presente trabalho baseia-se no decorrer do
texto.
17

Uma questão muito importante a ser considerada, trazida pela autora acima
citada, é que: "os filhos não são somente folhas de papel em branco [...] sobre as
quais os pais escreveriam o que bem entendessem" (p.79).
Com base nesta afirmação, pode-se dizer que o filho não é apenas um
receptor inerte de tudo que lhe é apresentado pelos pais, como se ele não tivesse
nenhuma alternativa a não ser aceitar o papel que lhe é imposto pelos pais. Porém,
o bebê no começo de sua vida depende completamente das figuras parentais para
sua sobrevivência. Os pais exercem duas funções fundamentais que são: suprir as
necessidades básicas do bebê e ensinar-lhe a respeito de todas as coisas. Devido a
esta incumbência vital dos pais, a autora utiliza o termo "figuras de sobrevivência"
para estas pessoas. Além do suprimento das necessidades físicas da criança, ela
precisa também ser suprida afetivamente, com carinho e aconchego. A voz e o
toque das figuras parentais a levam "a entrar em contato com a existência e a
previsibilidade de um ‘outro’" (p.80)
Sobre a auto-estima a autora explicita que:

Ele [o filho] se valorizará como uma pessoa com domínio (uma pessoa
capaz de resolver seus próprios problemas) se pelo menos um dos pais
validar seu crescimento e desenvolvimento [...] O domínio desenvolve-se ao
ponto de incluir a habilidade de tomar decisões, raciocinar, criar, de formar e
manter relacionamentos, sincronizar as necessidades com relação à
realidade, planejar, tolerar fracassos e desapontamentos. (SATIR, 1967,
p.81)

Esta validação pode expressar-se de várias maneiras. Um dos modos é


quando um dos pais percebe que seu filho cresceu e comunica esta percepção
verbalmente ou de modo não-verbal. Como complemento deste fato, ele oportuniza
para o filho maneiras como ele pode exercitar as novas habilidades advindas do
crescimento.
Esta atitude de um dos pais funciona como um ‘selo de garantia’. É como se
ele estivesse avalizando o crescimento de seu filho. É o primeiro voto de confiança
que o filho recebe que o autoriza a amadurecer.
A respeito da validação, faz-se necessário considerar dois importantes
pontos expostos a seguir:
Em primeiro lugar, os pais devem ter a capacidade de saber reconhecer o
momento certo em que um período de desenvolvimento é atingido. É necessário que
a validação se ajuste às necessidades, habilidades e predisposição do filho. O que
18

se percebe nas famílias, muitas vezes, são pais que exigem do filho de oito anos,
por exemplo, maturidade de uma criança de doze anos de idade. Ou o contrário:
pais que não permitem, com as suas atitudes, que seu filho de doze anos assuma
responsabilidades próprias para sua idade.
Em segundo lugar, a validação não significa uma aprovação cega de tudo o
que o filho queira fazer. Os pais, como socializadores, têm a responsabilidade de
levar o filho a compreender que ele não é o centro do mundo. É preciso que o filho
desenvolva habilidades que equilibrem as exigências referentes ao outro, a si
mesmo e ao contexto em que vive. As restrições ou regras ajustam-se perfeitamente
ao conceito de validação. Elas não são opostas, mas complementares.

Ao considerar o que tem sido exposto até o presente, apresenta-se um texto


da autora citada, alertando para o fato da contradição dos pais no processo de
validação:

Se, no caso de um dos pais validar uma habilidade do filho, o outro


contradisser esta validação, o aprendizado do filho será mais difícil e ele
manifestará o que sabe de uma maneira mais inconsistente [...] o filho ainda
assim continuará a crescer, uma vez que todas as vidas estão orientadas
em um sentido de contínuo crescimento. Entretanto: [...] esta habilidade em
nada contribuirá para o aumento de sua auto-estima. (SATIR, 1967, p.83-
84)

Baseado na citação acima, pode-se perceber a importância que existe da


validação ser uma atitude em conjunto: do pai e da mãe. Mesmo que a contradição
na validação não interrompa o crescimento da criança, não será eficaz no que tange
à edificação da sua auto-estima.

Outro fator relevante concernente a este assunto está relacionado com a


possibilidade de mudanças no sistema familiar. Os pais podem fazer um movimento
significativo de mudança em relação aos seus filhos. Esta mudança possibilitará aos
pais, ter uma nova maneira de ver a relação familiar. O processo de mudança
envolve o sistema como um todo, pois a criança está inserida em um contexto. A
terapia familiar sistêmica aborda a família a partir de uma visão holística.
19

2.1 O Sentimento de Ira na Relação Pais e Filhos


Muitos pais têm se preocupado com suas reações de ira para com seus
filhos. Não raras vezes, ouve-se de um dos pais a seguinte frase: "Gostaria de ter
mais paciência com meu filho, mas quando vejo já gritei, já falei o que não devia, já
bati com raiva."
O ser humano apresenta uma reação chamada por CURY (2001), de
"gatilho da memória". O autor afirma que:

O gatilho da memória é um fenômeno inconsciente que faz as leituras


imediatas da memória diante de um determinado estímulo. O medo súbito,
as respostas impensadas, as reações imediatas são derivadas do gatilho da
memória. Diante de uma ofensa, um corte nas mãos, uma freada de um
carro ou uma situação de risco qualquer, o gatilho da memória é acionado,
gerando uma leitura rapidíssima da memória, produzindo as primeiras
cadeias de pensamentos e as primeiras reações emocionais. (CURY 2001,
p.65)

O autor comenta que o "eu", que é a vontade consciente, retoma as rédeas


da situação só depois de segundos ou frações de segundos. Só então ele começa
seu trabalho para administrar o medo, a angústia, a ansiedade que penetrou no
território emocional. Em tais circunstâncias a pessoa reage sem pensar. Esta pode
ser uma das explicações porque é tão trabalhoso administrar as reações psíquicas.
Uma boa parte das nossas reações iniciais é acionada pelo gatilho inconsciente da
memória. O autor afirma que quando uma pessoa está exposta a uma situação de
tensão, quando é agredida, recebe uma ofensa, está sob algum risco de perder a
vida, muito dificilmente conseguirá administrar seus pensamentos. Para que a
pessoa tenha êxito nestas circunstâncias, a sugestão dele é que ela lance mão do
recurso de duvidar de seus pensamentos negativos e criticá-los. Ele afirma que
tomando esta atitude, a pessoa conseguirá retomar as rédeas de sua inteligência,
pois assim sai do foco de tensão e retoma a liderança da vontade consciente.
Porém, mesmo tomando tal postura diante das situações adversas o autor afirma
que com frequência o ser humano é vítima dos processos que ocorrem no mundo
psicológico. Ao considerar a exposição acima, é preciso levar em consideração
também, que diante de situações complexas não é suficiente tomar atitudes
simplistas. Apenas duvidar e criticar os pensamentos de conteúdos negativos não
20

bastará para solucionar, por exemplo, situações de conflitos familiares. Na relação


familiar é comum o sentimento de raiva colocar-se como uma barreira na
comunicação.
Sobre isto WRIGHT (1974) afirma que: "a maioria dos casais deseja
comunicar-se com o outro. A comunicação é vitalmente importante quando um fica
zangado, ou quando os dois ficam. Entretanto, a raiva é uma das principais causas
da quebra de comunicação no casamento." (p.84)
Baseado nesta afirmação pode-se dizer que não é suficiente apenas a
tentativa de certificar e duvidar dos pensamentos que geram estes sentimentos de
raiva. É preciso vencer a barreira na comunicação que foi gerada por este
sentimento.
Para fazer este caminho de abertura da comunicação é necessário que o
casal tenha a disposição de falar sobre a situação. Assim eles estarão abrindo a
porta do diálogo e poderão falar, não apenas do ocorrido, mas também dos
sentimentos envolvidos na situação. Pode-se perceber que a complexidade
envolvida no relacionamento exige também uma resolução mais elaborada.
Na relação pais e filhos também é comum existir a dificuldade de manter
uma comunicação saudável principalmente no que tange à falta de habilidade de
lidar com as emoções e expressá-las adequadamente. Frequentemente o discurso
culpado de pais se faz presente nos consultórios por não conseguirem controlar
suas emoções na educação dos seus filhos. Muitas das reações dos pais para com
seus filhos pode estar relacionada com o fenômeno do "gatilho da memória". Muitas
vezes agem com os filhos sem pensar antes. Este fenômeno é interessante, pois
todo o ser humano é vítima dele, vez por outra, mesmo desconhecendo tal fato.
Porém, não deve se tornar, de modo algum, uma desculpa para a manutenção de
atitudes ríspidas dos pais com seus filhos.
Independente de qualquer coisa, a responsabilidade dos pais para com seus
filhos continua tendo o mesmo peso. Foi confiada a eles esta função de formá-los,
não sendo desculpa a falta de controle nesta missão.
Todo ser humano foi dotado da capacidade de ter domínio sobre as suas
reações. Nem sempre este domínio é de fácil conquista. Porém, todos têm acesso a
este recurso. Uma situação muito comum na relação pais e filhos são as explosões
de ira que os pais, não raras vezes, apresentam no processo educacional de seus
filhos. O que se percebe é que quem exerce a liderança, principalmente nos
21

momentos em que os pais estão corrigindo seus filhos, é o sentimento de ira e não a
vontade consciente. O que acaba prevalecendo são as reações explosivas e não a
sabedoria para administrar as situações. É preciso que os pais aprendam a lidar
melhor com as suas emoções, para que seus filhos não ocupem o lugar de descarga
de suas atitudes descontroladas.
MORAIS¹, (apud 2005) apresenta uma breve e rica explanação sobre ira, no
texto a seguir:

[IRA = thumos]
É a paixão que incita toda a nossa agressividade contra alguém ou algo,
uma explosão repentina. Os gregos dizem que thumos deriva de thuein, que
significa "ferver". Por isso Platão descreve thumos, como o "enfurecer-se e ferver da
alma"; e ainda, Basílio líder cristão do séc.IV), disse que thumos é a "embriaguez da
alma"[...]
Thumos, é como "fogo de palha que rapidamente produz uma chama alta e
com igual rapidez apaga-se ao esgotar-se o combustível¹."[...]
“É o fogo ardente do mau gênio que se incendeia em palavras e ações
violentas, e que se apaga com igual rapidez²"[...]
É muito comum os pais ‘disciplinarem’ os filhos com o sentimento de thumos
em seu coração. A sua motivação para a ‘correção’ da criança é mantida pela chama
da raiva que está dominando o seu ser. Em situações como esta, muitas vezes os
pais exageram na disciplina porque estão tomados pela raiva e não conseguem
dimensionar o tamanho da correção que se faz necessária para aquela situação
específica. Quando a chama da ira se apaga, é que consegue se dar conta do erro
cometido, então vem o sentimento de culpa. Alguns pais argumentam que não
corrigem os seus filhos porque acham que não é necessário. Alguns justificam tal
ausência por considerarem a correção uma atitude severa. Outros porque não se
sentem bem fazendo tal coisa. Outros ainda dizem que não conseguem sustentar os
acordos que fazem com os filhos. As justificativas são diversificadas. Porém, quase
todas elas têm a mesma base: a dificuldade dos pais de lidarem como as suas
próprias questões. E neste caso específico, a questão pode estar ligada à
dificuldade que os pais têm de lidar com seus próprios limites. Um pai ou uma mãe
que não tem controle sobre a ira em sua vida em diversos aspectos, também não o
terá na correção de seu filho. É só mais um aspecto de sua vida que manifesta algo
22

existente anteriormente. Antes desses pais serem pais, eram um casal. Nos
momentos de discordância desse casal, muito provavelmente um deles, senão os
dois, quando não conseguiam entrar em um acordo, manifestavam sentimentos
de ira e explosões como
consequência disso. Agora com a função de pais, o sentimento de ira tem mais uma
área para se manifestar.
WRIGHT (1974) define o sentimento de raiva ou hostilidade como "uma forte
emoção de desagrado" [...] e completa: "a raiva é o resultado natural, reflexivo da
frustração – nossa reação quando um objetivo nosso é bloqueado". (p.84)
Tomando como base as considerações sobre raiva acima expostos, é
possível afirmar que, um casal que se sente decepcionado com o que conseguiram
em seu relacionamento, provavelmente irá estender esta frustração no
relacionamento com seus filhos. Sobre este assunto SATIR (1967) afirma a respeito
de um casal o seguinte: "aos poucos acrescentarão o papel parental ao que restou
de seus papéis individuais e ao que tentaram desenvolver como papéis conjugais.
Se acharam difícil fazer integração entre a condição de indivíduo e a de cônjuge,
acharão igualmente difícil integrar o papel de pais". (p.44). Quando os pais cometem
erros com seus filhos é importante conversar com eles sobre isso. A atitude dos pais
de silenciar sobre o seu erro e a tentativa de mudar seu comportamento dali para
frente, não é suficiente nessa situação.
Alguns pais, no intuito de compensar sua atitude agressiva, utilizam-se do
método de presentear seu filho ou de ser mais permissivo em situações que
normalmente não seria. Lembre-se que suas atitudes estão comunicando algo a seu
filho; ainda mais do que suas palavras. Se você silencia sobre os seus erros ou
adota um comportamento compensatório estará oferecendo ao seu filho um modelo
a ser seguido. E quando ele enfrentar situações semelhantes em sua vida, tenderá a
apresentar o mesmo comportamento. Reconhecer seu exagero e falar com seu filho
sobre sua atitude tornará possível a manutenção do canal sincero de comunicação
com ele servirá como exemplo para que no futuro este se torne uma pessoa que se
responsabiliza por suas atitudes.
23

2.2 A Influência e Intervenção dos Pais no Processo de Desenvolvimento do Filho


BARROS (2000) aborda as fases do desenvolvimento humano segundo Eric
Erikson, que divide as etapas do desenvolvimento da criança em "oito etapas".
Destaca-se neste trabalho a etapa chamada pelo autor de: Domínio x Inferioridade,
que corresponde à faixa dos 6 aos 12 anos, denominada pelo autor de segunda
infância.
A função dos pais no processo de desenvolvimento é de fundamental
importância. É no núcleo familiar que a criança irá passar por um processo de
formação de sua personalidade, tendo como base as figuras parentais. A família tem
a função de agente formador da criança. Este período é chamado de Domínio x
Inferioridade por se tratar de uma fase onde a criança, através das experiências
vividas, obtém sucesso ou fracasso. É como se tivéssemos uma balança de dois
lados, que hora pende para um lado hora para outro. A principal característica deste
estágio é o aprendizado de habilidades. É a época mais propícia para aprender
diversas atividades. Sua energia e sua motivação para a competência são muito
acentuadas nessa idade.
Ao aprender habilidades, ao agir no mundo que a cerca, a criança
desenvolve um sentimento de domínio. Porém, se não for encorajada a participar
das atividades de seu grupo social, se não for bem sucedida em suas tentativas de
participação, esse sentimento de domínio, de saber fazer coisas, poderá ser
substituído por um sentimento de inferioridade. Quando a criança consegue ser bem
sucedida em alguma atividade, ela desenvolve um sentimento de domínio, a idéia de
‘sou capaz’. Então um lado da balança pesa mais. Entretanto, se a criança não tiver
sucesso em sua investida, tenderá a sentir-se incapaz. E o outro lado da balança é
que acaba ficando mais pesado. A criança está passando por um processo de
amadurecimento; ela está aprendendo com as experiências vividas. Através das
conquistas e das frustrações está adquirindo uma percepção dela e do mundo que a
cerca.
COLE & COLE (2004) afirmam que "uma percepção geral de si mesmo em
relação aos outros surge em torno dos oito anos de idade". (p.570)
Diante dessas conquistas e derrotas, a criança está se defrontando com a
questão da auto-estima, que significa ‘ valorização de si mesmo’. (p.570). Os autores
acima citam COOPERSMITH (1967), que sustenta que "a auto-estima tem sido
vinculada a padrões de criação dos filhos" (p.570). Dependendo do tipo de
24

relacionamento dos pais com seus filhos eles poderão ter uma boa percepção de si
mesmos ou não. Existem atitudes dos pais que promovem auto-estima elevada em
seus filhos, conforme os autores acima mencionados, a saber:
Aceitação – relacionamento próximo e afetuoso. A criança aprecia essa
aprovação. Elas têm a tendência de interpretar o interesse de seus pais como uma
indicação da sua importância pessoal. Como consequência, passam a se perceber
de uma maneira favorável. Gera segurança e confiança.
Respeito – quando os pais conversam com seus filhos e consideram seus
pontos de vista, estão demonstrando respeito por eles e por suas idéias. Os filhos se
sentem seguros de se expressar. Isto não significa que os pais têm,
necessariamente, que concordar com as idéias de seus filhos, mas possuem sim, o
compromisso inequívoco de ouvi-los. É interessante como, frequentemente os pais
reclamam que os seus filhos não os ouvem. Entretanto, dificilmente eles param e
investem tempo para ouvi-los. Esquecem-se que seu pequeno filho está em
processo de aprendizagem no aspecto relacional. Sendo assim, a criança aprende a
ouvir quando também é ouvida. Não é uma questão de que ‘quem tem que ser
respeitado é o mais velho’, como muitas vezes alguns afirmam. De certa forma, é
uma tentativa de se ter a garantia de respeito através de uma regra rígida, passada
de geração em geração. É muito comum ouvir um pai dizendo para seu filho: "No
meu tempo não era assim; bastava um olhar do pai para a gente ... não podia
‘retrucar’ senão a gente apanhava de cinta ..."
Era a aplicação rígida da disciplina baseado no dito popular: "Manda quem
pode obedece quem tem juízo". Do que se trata aqui, é do valor do diálogo entre
pais e filhos e a importância da atenção destes para com seus ‘aprendizes de
relacionamento’.
A disciplina se faz necessária na educação dos filhos, porém, a questão é
quando e como aplicá-la.

Limites - a imposição e o estabelecimento de limites claramente definidos


pelos pais, proporciona aos seus filhos uma compreensão de que as normas são
reais e importantes e contribuem para sua formação. Talvez a criança não tenha
esta clareza, mas quem deve tê-la são os pais. Muitas vezes os pais não possuem o
entendimento da função dos limites.
25

A criança nesta fase está trabalhando a percepção de si mesmo, ou seja:


‘quem eu sou’.
Os limites contribuem para a formação do eu e auxiliam na correção das
distorções entre o eu ideal - que tipo de pessoa gostaria de ser - e o eu real - que
tipo de pessoa penso que sou. É muito comum nesta fase do desenvolvimento, a
criança ter uma figura que representa o seu herói. Este herói pode ser um dos pais,
um tio ou tia, um professor ou professora, um super-herói televisivo, etc. Enfim,
qualquer pessoa ou personagem que a criança elege e por quem tem uma
admiração especial. O objetivo da criança então, é tornar-se como o seu herói. Essa
eleição não configura um problema, nem o seu objetivo de ser como ele; este fato é
bem natural na vida da criança. O mais importante é ela ter parâmetros
estabelecidos por seus pais para auxiliá-la neste processo. A criança que não
recebe limites tem a tendência a pensar de si mesmo algo que na realidade não é. É
como se ela ficasse presa ao eu ideal. A criança que recebe limites bem definidos,
bem estabelecidos, tende a ter uma percepção mais real, mais adequada, de si
mesma - eu real. Portanto, a grande pergunta da humanidade: ‘quem sou eu?’,
começa a ser respondida nesta fase.
26

2.2.1 Comunicação Saudável Gerando Ambiente Seguro para a Criança

A comunicação eficaz propicia um ambiente seguro para que a criança


possa praticar seus acertos e erros, tendo como referência os seus pais. A
percepção do valor que a criança tem, é transmitida nesta comunicação diária entre
ela e seus pais. Vínculos firmes geram filhos seguros. Através de uma comunicação
saudável entre os pais e seus filhos, estes conceitos são transmitidos e vivenciados.
Não somente em palavras, mas com todo o seu ser. Afinal, a comunicação é
exercita muito mais no âmbito não-verbal do que no verbal. Em algumas
circunstâncias, no processo de aprendizagem relacional dos filhos, pode acontecer
propositadamente o uso da comunicação verbal dissociado da não-verbal.
Conforme ANDOLFI (1996):

Os sinais não verbais incoerentes podem ser deliberadamente usados para


transmitir mensagens em mais níveis: deste modo, por exemplo, um pai
mesmo criticando verbalmente o próprio filho pode demonstrar-lhe, através
de um comportamento não-verbal que exprime aproximação afetiva, que
este ainda é aceito. (ANDOLFI, 1996, p.106)

Neste caso, não configura uma disfunção na comunicação, pois existe um


propósito consciente da figura parental em manifestar aceitação do filho com um
gesto de aproximação. O conteúdo da mensagem é de correção, mas a atitude é de
acolhimento. É importante que os pais façam uma separação do ato equivocado e
daquilo que seu filho é como pessoa. A correção é do erro cometido pela criança; a
sua atitude foi má, mas o valor que a criança tem para seus pais não é modificado
por causa disso.
CUNHA (2004) afirma que:

Há uma grande diferença entre corrigir crianças e condená-las. Os filhos


precisam ser corrigidos, e não rejeitados ou condenados. A criança
necessita entender que quando erra não deixa de ser amada. Os pais têm
que aprender a separar a ação errada da criança, e a criança em si. Ou
seja, ame a criança e corrija o que ela fez de errado, mostrando sempre que
ela é amada, mas sua ação foi errada. Isso gera nela confiança e segurança
[...] A criança deve ser ensinada a acreditar que seu valor é separado do
que ela faz e do que as pessoas pensam sobre ela. (CUNHA, 2004, p.70-
71).

Toda correção no momento que é aplicada não parece ser muito agradável;
nem para a criança e muitas vezes nem para os pais. Alguns pais sofrem por ter que
27

disciplinar seus filhos. Não raras vezes, sentem-se culpados por tal atitude. Seu
coração fica apertado por ter que trazer disciplina para seu filho amado. Porém, a
correção é tão necessária quanto o abraço.
De acordo com o autor da Epístola aos Hebreus, BÍBLIA (1998, 2000) [...]
"nenhuma disciplina parece ser motivo de alegria no momento, mas sim de tristeza.
Mais tarde, porém, produz fruto de justiça e paz para aqueles que por ela forem
exercitados" (p.969).
28

2.2.2 Amizade: Uma importante Base do Relacionamento Pais e Filhos


Uma das características humanas mais importantes nos relacionamentos
inter-pessoais é a capacidade de desenvolver vínculos de amizade. A ênfase do
presente trabalho é a relação pais-filhos. Portanto, a exposição do tema estará
relacionada a este vínculo. Porém, a amizade é a base de todos os relacionamentos
humanos e este é o segredo para que os vínculos entre as pessoas sejam sólidos e
permanentes. O que envolve ser amigo de alguém? Mais especificamente na
relação de pais e filhos, como isto se aplica? A palavra chave quando se trata de
amizade é confiança. Nenhum relacionamento de amizade se estabelece se não
estiver fundamentado neste alicerce.
A palavra amigo teve o seu sentido desvalorizado nos dias atuais. Para que
se tenha o sentido profundo desta palavra, obrigatoriamente teríamos que lançar
mão de mais duas palavras que expressam com mais exatidão o que envolve ser um
amigo. São elas: fidelidade e aliança.
Sobre este assunto INTRATER (2005), diz:

João [o apóstolo] registra no seu evangelho que Jesus amou seus


discípulos, e que os amou com um amor persistente e fiel até o fim, a
despeito de suas limitações, gafes, inconsistências e falhas. Mesmo
sabendo que um seria traidor, outro o negaria e ninguém o acompanharia
na sua hora mais escura [...] Já ouvimos muito nos últimos anos sobre
discipulado na igreja. O tema tem gerado controvérsia e discussão. Mas o
ponto central é que o discipulado, como treinamento dos seguidores de
Jesus, não visa formar um exército de cristãos obedientes e cooperadores,
como se fossem meros robôs para servirem ao discipulador na ampliação
de sua obra. Nosso alvo deve ser a formação de amigos, companheiros
para o futuro. Esse deve ser o objetivo tanto de pais naturais como
espirituais. Pode ser que não se tornem especificamente nossos
companheiros, mas estarão aptos, dignos de confiança, preparados para
formarem vínculos fortes e estáveis em qualquer lugar em que Deus os
plantar [...] (INTRATER, 2005, p.12).

O exemplo maior que poderia existir de fidelidade, confiança e aliança nos é


mostrado na vida de Jesus na caminhada com seus discípulos. Os filhos são
discípulos de seus pais. São alunos, aprendizes, ávidos por saber como se
relacionar, como ser uma pessoa mais segura; enfim, como viver uma vida mais
saudável. Este é um clamor inconsciente de toda pessoa em formação. O desejo
maior dos pais deveria ser, com certeza, que seus filhos fossem seus amigos.
Infelizmente nos dias atuais os filhos, não raras vezes, não são discipulados por
seus pais, e sim, pelos meios de comunicação, em especial pela televisão. Os
29

valores e concepções que são ditados por estes meios, na maioria das vezes leva as
pessoas à escravidão da beleza externa e dos prazeres ilimitados. Ou seja, gera
pessoas de aparência, maquiadas, mas inconsistentes em seu mundo interior. O que
vai resultar em consistência interior é um relacionamento sólido dos pais com seus
filhos - o vínculo de amizade. O amigo abre o seu coração, fala não só a respeito
das coisas que o cerca, mas daquilo que está guardado em seu coração. Por ter
confiança, abre sua vida e fala de seus sonhos, de seus temores e de seus objetivos
a serem alcançados. Por haver fidelidade no relacionamento não se sente inseguro
quando comete um erro, pois sabe que seus pais não desistirão dele por cometer
pequenos (ou às vezes até grandes) deslizes. Por haver uma aliança entre eles,
saberá lá no seu íntimo, que não serão circunstâncias da vida que quebrarão este
laço estabelecido com base no amor incondicional. O que se observa, não raras
vezes, são pais que se tornam ‘amiguinhos’ de seus filhos e que se comportam com
eles como se fossem seus "coleguinhas" de escola, julgando que isso os aproximará
deles porque estarão falando a "linguagem deles".
A autora do presente trabalho escutou em consultório uma jovem mãe dizer
que seu filho de cinco anos de idade era seu melhor amigo. À priori, esta parece ser
uma boa coisa, porém, vista com mais cuidado, pode-se perceber que este é, na
verdade, um vínculo "doentio". No caso citado acima, a mãe enfrentava o abandono
do pai da criança e com esta situação de desamparo, supria em seu filho toda
necessidade de afeto. Esta não configura uma amizade saudável e equilibrada.
Em outra extremidade da situação encontram-se aqueles pais que são
intocáveis. Pensam que sua autoridade de pais será ferida se deixarem seus filhos
tocarem em seu mundo; se falarem para eles daquilo que está segredado em seu
coração. E não se trata aqui de falarem de assuntos que serão pesados para seu
filho ouvir; não se trata de colocar um fardo sobre a criança que ela não suportará.
Trata-se, porém, de dar ao seu filho, não apenas coisas, presentes, mas dar de si
mesmo. Dividir com ele a sua própria história de vida.
Um exemplo muito marcante na história é a maneira como Jesus se
relacionou com seus discípulos. Pouco antes de sua crucificação, Ele chamou
aqueles que lhe eram mais chegados, e abriu o Seu coração dizendo que estava
angustiado. Nem por isto a Sua autoridade foi ferida ou maculada. Ele preferiu falar
daquilo que estava no íntimo do Seu ser, para aqueles a quem chamou de "amigos".
30

Conforme registro do Evangelho do Apóstolo João, BÍBLIA (1998, 2000),


Jesus declarou o seguinte: "Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que
o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo que ouvi
de meu Pai eu os tornei conhecido." (p.863). Este relacionamento de amizade não
aconteceu de uma hora para outra; houve um processo, um caminho para que isso
acontecesse.
Relacionamento envolve dedicação, exige tempo, paciência, renúncia,
colocar-se no lugar do outro para compreender melhor como ele se sente em dada
situação; enfim, é olhar além do que é exterior, é penetrar no recôndito do coração.
Amizade é um investimento e não um gasto, pois os frutos irão aparecer
naturalmente. No caso dos pais, eles poderão, depois de alguns anos, olhar para
seus filhos e ter a certeza de que eles estão preparados para formarem vínculos
sólidos e maduros porque aprenderam com eles a arte de se relacionar
saudavelmente.
CURY, (2002), fala em sua palestra a mães, (que também se aplica a pais) o
seguinte:

Jesus foi o maior psiquiatra da terra porque também soube chorar, também
soube falar das Suas dores. Ele amou o ser humano incondicionalmente.
Ele chorou e falou da Sua dor para os Seus mais íntimos amigos. Ele não
represou a Sua emoção. Mães, não represem as suas emoções. Falem
aquilo que está em seu coração. Às vezes quando você fala da sua dor, das
suas angústias, das suas dificuldades, dos momentos mais difíceis da sua
vida, isto pode ser mais importante que um milhão de regras e de críticas.
Porque seus filhos vão começar a fotografar o que está no âmago da sua
alma. A sua memória vai registrar o que vocês são por dentro.
(CURY, 2002)

Porém, falar das emoções aos filhos exige uma dose equilibrada de
sabedoria. Não são todas as emoções que devem ser expostas para eles. Outro
ponto a ser considerado é a faixa etária em que seu filho se encontra. Existe uma
linguagem e um nível emocional coerente para cada etapa. Expressar suas emoções
não significa desabafar com o filho aquilo que seu cônjuge não se dispõe a ouvir de
você. Também não significa falar daquela falha insistente que seu cônjuge repete no
relacionamento do casal. Muito menos ‘dividir’ aquele problema seriíssimo que
alguém confiou a você dando a desculpa que é algo muito ‘pesado’ para guardar
somente para si. Um bom relacionamento de amizade entre o casal precede um bom
relacionamento de amizade com seus filhos.
31

CONCLUSÃO

No decorrer do presente trabalho, verificou-se a importância da comunicação


saudável na relação familiar. Pelo fato da comunicação humana ser complexa e
incompleta, faz-se necessário que os comunicadores desenvolvam algumas
habilidades se estes desejam ser compreendidos na transmissão de suas
mensagens. Porém, por mais clara que seja a comunicação, não é garantia que
haverá êxito completo no processo, porque as palavras são apenas abstrações,
sendo o significado delas muito mais amplo do que a maioria das pessoas possa
imaginar. Além disso, o ser humano possui necessidades ontológicas (preocupação
que cada pessoa sente por seu próprio ser) que tanto podem contribuir para a
comunicação como pode tornar-se barreira para ela.

O referencial teórico evidencia que a comunicação disfuncional pode ser um


fator de grande prejuízo no relacionamento familiar, tanto na relação do casal como
na relação pais e filhos.

Tomou-se esta última relação como tema central de trabalho, com ênfase na
construção da auto-estima dos filhos. Ficou constatado que a influência e
intervenção dos pais no processo de desenvolvimento do filho está vinculada à
qualidade de comunicação que estes conseguem manter com ele. Percebeu-se
também que não é possível dissociar a relação do casal do tipo de relacionamento
que este pode manter com seus filhos. A dificuldade de comunicação entre os
cônjuges, mostra-se também na relação destes com seus filhos.

A pesquisa mostra ainda a importância da comunicação saudável como


geradora de um ambiente seguro para a criança e a amizade como um dos
fundamentos do relacionamento pais e filhos. Pois, este tipo de vínculo poderá
manter o canal de comunicação aberto, possibilitando tanto o falar das situações do
mundo que os cerca, como das emoções que os envolve neste relacionamento.
32

REFERÊNCIAS

ANDOLFI, M. A Linguagem do Encontro Terapêutico. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1996.

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