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PENSAMENTO III:
PSICOLOGIA
COGNITIVA
A terceira geração
das terapias
cognitivo-
-comportamentais
Cintya de Abreu Vieira
Maria Beatriz Rodrigues
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
As terapias cognitivo-comportamentais passaram por transformações no decorrer
de sua história, e há hoje um consenso de que sua evolução pode ser classificada
em três gerações, ou, como alguns chamam, três ondas de terapias cognitivo-
-comportamentais. Todas têm em comum o fato de serem amparadas em pesquisas
científicas muito valorizadas desde o nascimento da psicologia cognitiva. O que
delimita cada uma das três gerações é como concebem e enfatizam a prática de
intervenção, o comportamento, a cognição, a emoção e a conscientização. Esses
são os pilares sobre os quais se desenvolveram os procedimentos de intervenção
2 A terceira geração das terapias cognitivo-comportamentais
Características da ACT
Na seção anterior, discorremos sobre a consolidação da psicologia cognitiva
na psicologia como ciência. Fica patente que se trata de uma abordagem que
discute elementos que estavam relegados a um segundo plano, mas que nunca
deixaram de ter relevância para os objetivos da ciência. Dessa forma, pela
demanda de elaborações sobre o funcionamento mental e suas interações
com o comportamento, a psicologia cognitiva tem crescido rapidamente e
obtido reconhecimento, quer empiricamente, quer como intervenção clínica.
Em pouco mais de 50 anos, a abordagem já está na terceira geração de pro-
postas, o que também, e acima de tudo, significa aprimoramentos e abertura
para inovações. Entrando mais especificamente na práxis das propostas,
examinaremos a terapia de aceitação e compromisso (ACT) de Steven Hayes
(1948–), central na terceira geração de TCC.
De acordo com Hayes, Pistorello e Biglan (2008), a ACT relaciona processos
de aceitação e atenção a processos de compromisso e mudança comporta-
mental para a criação de uma flexibilidade psicológica. Segundo Cordioli e
Grevet (2019), a ACT — que deve ser pronunciada como a palavra em inglês
“act” (ação) e não como soletramento A-C-T — é uma terapia comportamental
que utiliza mindfulness e aceitação, assim como estratégias de mudança
comportamental e o compromisso com valores para favorecer a flexibilidade
psicológica. A base teórica dessa terapia é a teoria do quadro relacional, que é
um pressuposto da linguagem e da cognição preciso e empiricamente sólido.
Há de fato um robusto corpo de evidências a respeito da eficácia da ACT em
vários quadros de patologias. A ACT apresenta solidez empírica e histórico
de aplicação de seus princípios a diferentes problemas comportamentais,
sendo seus resultados — os processos de mudança nas intervenções — con-
siderados eficazes.
A ACT foi criada por Hayes no fim dos anos 1980, a partir de suas investiga-
ções sobre comportamento governado por regras e equivalência de estímulos.
Hayes escreveu o primeiro manual sobre seu método em 1999, juntamente com
Kelly Wilson e Kirk Strosahl, reeditado em 2012. Tal modalidade terapêutica
se destaca por ter promovido uma significativa quantidade de material empí-
rico, na forma de estudos e pesquisas, bem como por tratar de sentimentos,
sensações e pensamentos como bases para a nova proposta. A filosofia por
trás dessa abordagem é o contextualismo funcional (SABAN, 2015).
O contextualismo funcional é a visão que entende o conjunto dos fenôme-
nos como uma totalidade, cada qual pertencente a um determinado contexto.
Portanto, tudo que acontece não pode ser visto isoladamente, pois cada
fenômeno está estreitamente ligado e relacionado com seu contexto. Logo,
para entender o comportamento humano é preciso olhar para a situação em
que ele ocorre. O critério de verdade dessa filosofia é o pragmatismo. Aquilo
que funciona e que atende a um objetivo é considerado verdade. Uma vez
que o único objetivo é prever e influenciar os fenômenos, os conceitos que
atendem a esse objetivo são vistos como verdadeiros.
Em relação à ACT, os conceitos explanatórios dizem respeito à análise do
comportamento, incluindo a teoria das molduras relacionais, também chamada
de teoria dos quadros relacionais. A ACT faz uso de termos intermediários,
como aceitação, desfusão, flexibilidade psicológica, entre outros, a fim de
que a prática da terapia seja acessível ao público não familiarizado com o
behaviorismo (SABAN, 2015). Essa, aliás, é uma característica distintiva das
TCCs: investem no caráter didático e educacional da terapia, além do rela-
cionamento próximo com o terapeuta.
O entendimento da ACT sobre psicopatologia e infelicidade decorre princi-
palmente do modo como a linguagem e a cognição agem com as circunstâncias
da vida, tornando a pessoa inapta a persistir ou a fazer mudanças em práticas
e concepções que sustentam valores antigos. Essa inflexibilidade ocorre
quando a pessoa usa suas ferramentas da linguagem em situações em que são
8 A terceira geração das terapias cognitivo-comportamentais
Saban (2015) afirma que, de acordo com a ACT, quando passamos por uma
experiência dolorosa, tendemos a nos fechar. Por si só, a experiência dolorosa
isolada, ou sofrimento limpo, é algo inerente à vida. O “se fechar”, a restrição
de repertório, a inflexibilidade psicológica e a diminuição das possiblidades
de ação representam o sofrimento sujo, ou seja, de segunda ordem na ACT.
É este que gera os problemas psicológicos, as restrições às fontes de re-
forço positivo e também as psicopatologias. A ideia de que o sofrimento e o
desconforto fazem parte da vida é o pano de fundo da abordagem. Assim, a
terapia não tem o objetivo de eliminar esse tipo de sentimento, apenas de
modificar o sofrimento que influencia os comportamentos e afasta os valores.
Aqui é importante ter claro os sofrimentos decorrentes de contingências
que não podemos mudar, para possibilitar novas formas mais adaptadas de
relacionamento com tais contingências (CORDIOLI; GREVET, 2019).
Em relação à restrição de repertório, Lucena-Santos (2018) afirma que
o fenômeno da fusão cognitiva é um dos processos centrais no modelo de
inflexibilidade psicológica da ACT e tem sido consistentemente associado a
diversos indicadores de sofrimento psicológico. Esse processo consiste em
um apego excessivo ao conteúdo de pensamentos, regras e/ou crenças, os
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Processos de mudança de
comportamento e compromisso
Contato com
o presente
Aceitação Valores
Flexibilidade
psicológica
Desfusão Ação de
compromisso
Eu como contexto
Processos de
conscientização e aceitação
Quando o cliente chega à terapia, ele não quer mais se sentir ansioso,
depressivo, irritado ou angustiado, mas precisará perceber que fugir dos
sentimentos e pensamentos é uma solução apenas momentânea e que não
funcionará a médio e longo prazos. Trata-se de uma fase do tratamento que
é aversiva, mas indispensável. Essa aversão se dá porque a vida da pessoa
está tomada por esses sentimentos — e não pelo procedimento em si. Logo,
é relevante que o terapeuta dê espaço para que a pessoa se veja e se sinta
mal com suas esquivas experienciais. Outro aspecto importante dessa fase
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num fim em si mesmo, mas num método que permite meios mais eficazes
para uma vida de valores mais consistentes e cruciais.
Por fim, a ACT proporciona o desenvolvimento de padrões mais abran-
gentes de ação efetiva ligados aos valores escolhidos por meio das ações de
compromisso. Em síntese:
Referências
CORDIOLI, A.; GREVET, E. Psicoterapias: abordagens atuais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed,
2019.
EYSENCK, M.; KEANE, M. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
FELDMAN, R. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
GUILHARDI, H. J. Considerações conceituais e históricas sobre a terceira onda no Brasil.
In: ENCONTRO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA E MEDICINA COMPORTAMENTAL, 21., 2012,
Curitiba. Anais... Curitiba: ABPMC, 2012. Disponível em: https://itcrcampinas.com.br/
txt/terceiraonda.pdf. Acesso em: 13 mar. 2022.
HAYES, S. C.; PISTORELLO, J. Prefácio: a terceira geração da terapia cognitiva e com-
portamental no Brasil e nos demais países de língua portuguesa. In: LUCENA-SANTOS,
P.; PINTO-GOUVEIA, J.; OLIVEIRA, M. S. Terapias comportamentais de terceira geração:
guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2015. p. 21-27.
HAYES, S. C.; PISTORELLO, J.; BIGLAN, A. Terapia de aceitação e compromisso: modelo,
dados e extensão para a prevenção do suicídio. Revista Brasileira de Terapia Compor-
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Leituras recomendadas
ANDERSON, J. R. Psicologia cognitiva e suas implicações experimentais. Rio de Janeiro:
LTC, 2004.
LUCENA-SANTOS, P.; PINTO-GOUVEIA, J.; OLIVEIRA, M. S. Terapias comportamentais de
terceira geração: guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2015.
STERNBERG, R. J.; STERNBERG, K. Psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
VASCONCELLOS, S. J. L.; VASCONCELLOS, C. T. D. V. Uma análise das duas revoluções
cognitivas. Psicologia em Estudo, v. 12, n. 2, p. 385-391, 2007. Disponível em: https://www.
scielo.br/j/pe/a/jhhyKBxFzGpYFY3cV6JX5PN/abstract/?lang=pt. Acesso em: 13 mar. 2022.
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