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AULA 2: DIREITO ADMINISTRATIVO: CONCEITO, FONTES, OBJETO E INTERPRETAÇÃO

Prof. Dr. Márcio Aleandro Correia Teixeira

Direito Administrativo Aula: _____/____/______

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 44ª ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

1 Conceito de Direito Administrativo

Em seu curso de Direito Administrativo Hely Lopes Meirelles afirma que: “A escola francesa, capitaneada
por Ducrocq, Batbie e Gianquinto, sustenta que o Direito Administrativo se detém no estudo do sistema
de leis que regem a Administração Pública”1. Na concepção do autor o conceito é inaceitável pois reduz a
posição deste ramo da ciência do direito ao ato de catalogar a legislação administrativa (MEIRELLES, 2020.
p. 38).

Continua Meirelles a observar que: “A escola italiana ou subjetivista, integrada, dentre outros, por
Meucci, Ranelletti, Zanobini e Raggi, só concede ao Direito Administrativo o estudo dos atos do Poder
Executivo”2. Aduz de igual forma que a escola italiana não atende inteiramente à realidade (MEIRELLES,
2020. p. 38).

Outros autores, não filiados a escolas, encaram o Direito Administrativo por facetas diversas, acentuando-
lhe os traços predominantes. Assim, Foignet entende que o Direito Administrativo regula os órgãos
inferiores, relegando ao Direito Constitucional a atividade dos órgãos superiores da Administração
Pública3. Na opinião de Berthélemy esse ramo do Direito cuida de todos os serviços públicos que
secundam a execução das leis, excluídos os da Justiça4. O clássico Laferriere alarga esse conceito para
atribuir ao Direito Administrativo a ordenação dos serviços públicos e a regulamentação das relações
entre a Administração e os administrados5 (MEIRELLES, 2020. p. 38).

A diversidade das definições está a indicar o desencontro doutrinário sobre o conceito de Direito
Administrativo, variando o entendimento consoante a escola e o critério adotado pelos autores que
procuram caracterizar seu objeto e demarcar sua área de atuação (MEIRELLES, 2020. p. 39).

A doutrina estrangeira não nos parece habilitada a fornecer o exato conceito do Direito Administrativo
Brasileiro [...] (MEIRELLES, 2020. p. 39).

Aplaudimos inteiramente essa orientação, porque o Direito Administrativo, como é entendido e praticado
entre nós, rege efetivamente não só os atos do Executivo mas, também, os do Legislativo e do Judiciário,
praticados como atividade paralela e instrumental das que lhe são específicas e predominantes, isto é, a
de legislação e a de jurisdição (MEIRELLES, 2020. p. 39).

O conceito de Direito Administrativo Brasileiro, para nós, sintetiza-se no conjunto harmônico de


princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar
concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado (MEIRELLES, 2020. p. 39).

1
Ducrocq, Cours de Droit Administratif et de Législation Françoise des Finances, 1881, p. 5; Batbie, Traité
Théorique et Pratique du Droit Public et Administratif, III/8, 1893; Gianquinto, Corso di Diritto Pubblico
Amministrativo, I/8, 1877.
2
Meucci, Jstituzioni di Diritto Amministrativo, 1892, p. 2; Ranelletti, Principii di Diritto Amministrativo, 1912, p.
268; Zanobini, Corso di Diritto Amministrativo, 1936, pp. 21 e ss.; Raggi, Diritto Amministrativo, 1/20, 1936.
3
Foignet, Manuel Élémentaire de Droit Administratif, 1901, pp. 1 e ss.
4
Berthélemy, Traité Élémentaire de Droit Administratif, 1923, pp. 1 e ss.
5
Laferriere (M. F.), Cours Théorique et Pratique de Droit Public e Administratif, 1854, p. 578.
Analisemos os elementos desse conceito.

Conjunto harmônico de princípios jurídicos... significa a sistematização de normas doutrinárias de Direito


(e não de Política ou de ação social), o que indica o caráter científico da disciplina em exame, sabido que
não há ciência sem princípios teóricos próprios, ordenados, e verificáveis na prática;

que regem os órgãos, os agentes... indica que ordena a estrutura e o pessoal do serviço público;

e as atividades públicas... isto é, a seriação de atos da Administração Pública, praticados nessa qualidade,
e não quando atua, excepcionalmente, em condições de igualdade com o particular, sujeito às normas do
Direito Privado;

tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado. Aí estão a
caracterização e a delimitação do objeto do Direito Administrativo. Os três primeiros termos - concreta,
direta e imediatamente - afastam a ingerência desse ramo do Direito na atividade estatal abstrata que é
a legislativa, na atividade indireta que é a judicial, e na atividade mediata que é a ação social do Estado
(MEIRELLES, 2020. p. 39).

2. Fontes do Direito Administrativo

O Direito Administrativo abebera-se, para sua formação, em quatro fontes principais, a saber: a lei, a
doutrina, a jurisprudência e os costumes (MEIRELLES, 2020. p. 45).

A lei, em sentido amplo, é a fonte primária do Direito Administrativo, abrangendo esta expressão desde
a Constituição até os regulamentos executivos6 (MEIRELLES, 2020. P. 45).

A doutrina, formando o sistema teórico de princípios aplicáveis ao Direito Positivo, é elemento


construtivo da Ciência Jurídica à qual pertence a disciplina em causa. A doutrina é que distingue as regras
que convêm ao Direito Público e ao Direito Privado, e mais particularmente a cada um dos sub-ramos do
saber jurídico. Influi ela não só na elaboração da lei como nas decisões contenciosas e não contenciosas,
ordenando, assim, o próprio Direito Administrativo (MEIRELLES, 2020. P. 45).

A jurisprudência, traduzindo a reiteração dos julgamentos num mesmo sentido, influencia


poderosamente a construção do Direito, e especialmente a do Direito Administrativo, que se ressente de
sistematização doutrinária e de codificação legal. A jurisprudência tem um caráter mais prático, mais
objetivo, que a doutrina e a lei, mas nem por isso se aparta de princípios teóricos que, por sua persistência
nos julgados, acabam por penetrar e integrar a própria Ciência Jurídica (MEIRELLES, 2020. p. 45).

O costume tem perdido muito de sua importância na construção do Direito, desde a Lei da Boa Razão
(1769), que desautorizou seu acolhimento quando contrário à lei, até a promulgação do Código Civil de
1916, que declarou revogados os “usos e costumes concernentes às matérias de Direito Civil” por ele
reguladas (art. 1.807). Agora, foi praticamente afastado com a revogação, feita pelo art. 2.045 do Código
Civil de 2002, da Parte Primeira do Código Comercial, na qual constavam os arts. 130 e 133, que o admitia
expressamente desde que secundum legem (MEIRELLES, 2016. p. 49).

No Direito Administrativo Brasileiro o costume exerce ainda influência, em razão da deficiência da


legislação. A prática administrativa vem suprindo o texto escrito, e, sedimentada na consciência dos
administradores e administrados, a praxe burocrática passa a suprir a lei, ou atua como elemento
informativo da doutrina (MEIRELLES, 2016. p. 49).

6
Atualmente, diante da evolução do Direito Administrativo, em razão dos princípios da legalidade constitucional
(CF, art. 52 , II) e da legalidade administrativa (CF, art. 37, caput), na realidade, as únicas fontes primárias do
Direito Administrativo são a Constituição e a lei em sentido estrito. Os demais atos normativos expedidos pelo
Poder Público constituem fontes secundárias.
3. Objeto do Direito Administrativo

O Estado moderno, para o completo atendimento de seus fins atua em três sentidos - administração,
legislação e jurisdição - e em todos eles pede orientação ao Direito Administrativo, no que concerne à
organização e funcionamento de seus serviços, à administração de seus bens, à regência de seu pessoal e
à formalização dos seus atos de administração. Do funcionamento estatal só se afasta o Direito
Administrativo quando em presença das atividades especificamente legislativas (feitura da lei) ou
caracteristicamente judiciárias (decisões judiciais típicas) (MEIRELLES, 2016. p. 43).

A largueza do conceito que adotamos permite ao Direito Administrativo reger, como efetivamente rege,
toda e qualquer atividade de administração, provenha ela do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. E,
na realidade, assim é, porque o ato administrativo não se desnatura pelo só fato de ser praticado no
âmbito do Legislativo ou do Judiciário, desde que seus órgãos estejam atuando como administradores de
seus serviços, de seus bens, ou de seu pessoal. Dessas incursões necessárias do Direito Administrativo em
todos os setores do Poder Público originam-se as suas relações com os demais ramos do Direito e até
mesmo com as ciências não jurídicas (MEIRELLES, 2016. p. 43).

4. Interpretação do Direito Administrativo

O estudo da interpretação das normas, atos e contratos administrativos não tem correspondido, entre
nós, ao progresso verificado nesse ramo do Direito. Adiantados como estamos em muitos aspectos da
Ciência Jurídica, não cuidamos, ainda, com a profundidade devida, de fixar as regras básicas da aplicação
desse novel ramo do Direito Público Interno, o que nos leva a utilizar, quase que exclusivamente, da
hermenêutica civilista em matéria administrativa (MEIRELLES, 2016. p. 51).

O Direito Administrativo não é refratário, em linhas gerais, à aplicação analógica e supletiva das regras do
Direito Privado, mesmo porque já não se pode mais considerá-lo um Direito excepcional. Mas, sendo um
ramo do Direito Público, nem todos os princípios de hermenêutica do Direito Privado lhe são adequados.
A diversidade de seu objeto, a natureza específica de suas normas, os fins sociais a que elas se dirigem, o
interesse público que elas visam sempre a tutelar, exigem regras próprias de interpretação e aplicação
das leis, atos e contratos administrativos (MEIRELLES, 2020. p. 47).

Hoje, inclusive em face de posicionamentos do STF, os princípios constitucionais [...] devem presidir e
orientar a interpretação do Direito Administrativo, como seus fundamentos constitutivos e normativos,
não podendo ocorrer contradição entre a norma e os princípios. A norma deve adequar-se aos princípios.
Nesse processo interpretativo, conforme o caso, um princípio (ou mais) pode preponderar ou prevalecer
sobre outro (ou outros), caso em que este será afastado, mas não “eliminado do sistema”7. O
“afastamento de um princípio implica perda de efetividade da regra que lhe dá concreção”, no caso
concreto (MEIRELLES, 2016. p. 52).

Sempre orientados e presididos pelos princípios, na interpretação do Direito Administrativo, também


devemos considerar, necessariamente, três pressupostos: 1 º) a desigualdade jurídica entre a
Administração e os administrados; 2º) a presunção de legitimidade dos atos da Administração; 3º) a
necessidade de poderes discricionários para a Administração atender ao interesse público (MEIRELLES,
2020. p. 48).

A interpretação deve considerar o disposto na Lei Federal 9.784/99, especialmente no art. 2º e nos incisos
do seu parágrafo único. Assim, o inciso 1, ao falar em "atuação conforme a lei e o Direito", determina que
o exame da lei referente à questão deve ser conjugado com o Direito, ou seja, com o conjunto das regras
da ordem jurídica que tenham relação com a matéria em foco, com destaque para os princípios. O inciso
IV estabelece que o resultado da interpretação não pode contrariar os "padrões éticos de probidade,

7
Eros Grau, Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito 5ª ed. Malheiros Editores, 2009, p. 195ss.
decoro e boa-fé" da Administração. Igualmente, o inciso VI dispõe que esse resultado tenha "adequação
entre meios e fins" e não imponha "obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas
estritamente necessárias ao atendimento do interesse público". Por fim, estabelece que a "interpretação
da norma administrativa" deve ser feita "da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a
que se dirige'', mas, veda, nesse processo a "aplicação retroativa de nova interpretação" (inciso XIII)
(MEIRELLES, 2016. p. 53).

Afora estas regras privativas do Direito Público, cabe a utilização dos métodos interpretativos do Direito
Brasileiro, contidos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (nova denominação dada pela Lei
12.376, de 30.12.2010, à LICC), que é a lei que estabelece princípios gerais para aplicação do Direito. Os
princípios específicos do Direito Civil são trasladados para o Direito Administrativo por via analógica, ou
seja, por força de compreensão, e não por extensão8. A distinção que fazemos é fundamental, e não pode
ser confundida sem graves danos à interpretação, pois a utilização das regras do Direito Privado só cabe
supletivamente - como, aliás, prevê o art. 54 da Lei 8.666/93 para os contratos administrativos
(MEIRELLES, 2016. p. 53s).

A analogia admissível no campo do Direito Público é a que permite aplicar o texto da norma administrativa
a espécie não prevista, mas compreendida no seu espírito; a interpretação extensiva, que negamos possa
ser aplicada ao Direito Administrativo, é a que estende um entendimento do Direito Privado, não expresso
no texto administrativo, nem compreendido no seu espírito, criando norma administrativa nova. A
distinção é sutil, mas existente, o que levou Vanoni a advertir que “le due attività sono tanto vicine” que
exigem do intérprete a máxima cautela no estabelecimento do processo lógico que o conduzirá à exata
aplicação do texto interpretado9 (MEIRELLES, 2020. p. 49).

5. Sistemas do Direito Administrativo

Por sistema administrativo, ou sistema de controle jurisdicional da Administração, como se diz


modernamente, entende-se o regime adotado pelo Estado para a correção dos atos administrativos
ilegais ou ilegítimos praticados pelo Poder Público em qualquer dos seus departamentos de governo
(MEIRELLES, 2020. p. 51).

Vigem, presentemente, dois sistemas bem diferençados: o do contencioso administrativo, também


chamado sistema francês, e o sistema judiciário ou de jurisdição única, conhecido por sistema inglês. Não
admitimos o impropriamente denominado sistema misto, porque, como bem pondera Seabra Fagundes,
hoje em dia “nenhum país aplica um sistema de controle puro, seja através do Poder Judiciário, seja
através de tribunais administrativos”10 (MEIRELLES, 2020. p. 51).

8
Francesco Ferrara esclarece: “A analogia (ou interpretação analógica por compreensão) distingue-se da
interpretação extensiva. De fato, esta aplica-se quando um caso não é contemplado por disposição de lei,
enquanto a outra pressupõe que o caso já está compreendido na regulamentação jurídica, entrando no sentido de
uma disposição, se bem que fuja à sua letra” (Interpretação e Aplicação das Leis, 1940, p. 65).
9
Ezio Vanoni, Natura ed lnterpretazione delle Leggi Tributarie, 1932, p. 273.V. tb. sobre aplicação analógica os
pareceres de Carlos Medeiros Silva in RDA 3/301e6/239.
10
Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário 1957 p. 133, nota 1.

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