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Professor – Willian Kalinowski

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A NATUREZA DA ALMA HUMANA E A NATUREZA DA FILOSOFIA

Santo Tomás de Aquino ensina que não é possível conhecer nenhuma criatura
espiritual diretamente, mas, por seus efeitos: “Pelos efeitos se remonta a causa”. Na ordem
prática da inteligência, damos sentido a essa afirmação ao percebermos qual seu ato próprio: o
conhecimento espiritual. Essa afirmação fica bastante clara, pois, o ser humano ao voltar-se
sobre si mesmo percebe que no ato de conhecer há sua especificidade. Ao perceber que
conhece, ao perceber de que modo conhece, chega até a essência da sua própria alma. Mas
conhece de que modo? Conhece intelectualmente. Não totalmente independente do corpo,
como pensava Platão e depois Descartes, mas, usando-o como cinco janelas (do corpo) para
seu ato superior e próprio: o conhecimento do que é. Ao intuir as essências, somente o
homem se pergunta sobre as causas, às origens das coisas a sua volta. Somente o homem pode
„intus – legere’, quer dizer, ler dentro das coisas, distinguindo o essencial do acidental.
Como veremos, na alma humana, encontra-se um desejo inato no homem, que é o
desejo de saber1, fonte da natureza da filosofia, que está ligado intimamente às potências da
alma, principalmente, a potência do intelecto ou inteligência. Aqui entra o objetivo de nossa
aula:

Mostrar que a estrutura da inteligência humana faz com que naturalmente


seja necessário um saber do tipo filosófico. Saber “pelas causas primeiras e
mais universais”.

1
“Todos os homens desejam por natureza saber” (Aristóteles, Metafísica, L. 1).
Pois, é ao fazer filosofia que o homem pode satisfazer mais perfeitamente (tanto
quanto possível nesta vida) esse desejo de saber. Isso se dá por meio de sua inteligência, que é
ato próprio da alma humana.
Mas antes façamos duas perguntas:
a) Por que o homem deseja naturalmente saber?
b) Podemos provar filosoficamente a existência da alma espiritual no homem?

1 - A natureza da alma Humana2


- O que é a alma? A primeira pergunta que o Filósofo deve fazer sobre determinado objeto é:
Quid est3?
Analisando a filosofia de Aristóteles e de Santo Tomás, percebemos alguns conceitos
distintos, mas que se completam:
a) A alma é o “primeiro princípio da vida dos seres vivos”4. Outra definição similar é:
“Alma é o princípio pelo qual vivemos, sentimos, somos movidos e entendemos”.

b) A alma é o “ato primeiro (ou forma) de um corpo físico organizado que tem a vida em
potência5”.
Todos os seres materiais são compostos de matéria e forma. A alma, partindo da
definição acima, é o ato que determina a matéria-prima indeterminada que estava em
potência.

- Como a alma está unida ao corpo6?


Aristóteles precisa que a alma não é uma coisa dentro do vivente, mas um princípio
substancial do mesmo, de melhor maneira, é a forma do vivente.
c) a alma é a forma do corpo:
A forma é aquilo que determinada a natureza da coisa, seja pelo modo de ser
da coisa, causa formal, sua essência, ou seja, pelo fim da coisa, causa final,
para o que ela existe. É um dos termos fundamentais da metafísica de
Aristóteles, onde designa “a essência de cada coisa e a substância primeira”,

2
Ver o Tratado De Homine na Suma Teológica, I, q. 75 – 89.
3
O que é?
4
(TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I, q. 75, a. 1, resp).
5
“Actus primus corporis physici organici vitam in potentia habentis” (Aristóteles, De Anima, L. II).
6
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ou “ato primeiro de um corpo”. Segundo Aristóteles, todas as coisas
materiais são constituídas de dois princípios fundamentais: a matéria, que é
princípio passivo, e a forma, que é princípio ativo (daqui a definição: “ato
primeiro de um corpo7”). Quer dizer então que a forma é aquele princípio
que dá especificação ao composto.

Então, santo Tomás admite que, assim como nas plantas e nos animais, a alma no
homem é sua forma. Mas será a forma do homem a mesma forma dos outros seres animados?

- A alma humana como forma substancial espiritual:


A forma substancial do homem, que é um certo princípio de operação intelectual, que
é ato, ou seja, que realiza o ser do homem, pode ser incorpóreo, imaterial, incorruptível e
subsistente sem a matéria? Santo Tomás, então, se pergunta: pode uma forma ser espiritual?
Escreve Santo Tomás de Aquino:
Deve-se admitir que o intelecto, princípio da operação intelectual, é a forma
do corpo humano. Pois, aquilo que faz, primariamente, com que um ser
opere, é a forma do ser ao qual se atribui à operação; [...] por onde, o que
torna um ser atual também fá-lo agir. Ora, é manifesto que a alma é o
principio primário da vida do corpo. E como a vida se manifesta por
operações diversas nos diversos graus de viventes, aquilo que produz,
primariamente, cada uma das obras da vida é a alma. Pois é pela alma que,
primariamente nos nutrimos, sentimos, movemo-nos localmente e,
semelhantemente, inteligimos. Logo, esse princípio pelo qual primariamente
inteligimos, quer se chame intelecto, quer alma intelectiva, é a forma do
corpo. E tal é a demonstração de Aristóteles. E quem pretender que a alma
intelectiva não é a forma do corpo, necessário é encontrar o modo pelo qual
o ato de inteligir seja o ato de um determinado homem. Pois, cada um de nós
sente que é o nosso ser mesmo que intelige (TOMÁS DE AQUINO, Suma
Teológica, I, q. 76, a. 1). Como diz o Filósofo, a última das formas naturais,
com a qual termina a consideração do Filósofo natural, i. é., a alma humana,
é certamente separada; contudo, está unida à matéria. Porém, é separada
quanto à virtude intelectiva; porque esta não é virtude de nenhum órgão
corpóreo, como a virtude visiva ato dos olhos; pois, inteligir é ato que não se
pode exercer por um órgão corpóreo, como se exerce a visão. Está, porém,
na matéria, porque a alma mesma, a que pertence tal virtude, é forma do
corpo e o termo da geração humana. Assim, pois, o Filósofo diz, que o
intelecto é separado por não ser virtude de nenhum órgão corpóreo.
(TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I, q. 76, a. 1, resp ad)

Santo Tomás responde com um argumento filosófico (não teológico). Certamente a


argumentação de santo Tomás não é uma argumentação empírica, mas espiritual por
princípio. Não é acessível a dados experimentais. Sua demonstração da alma vai seguir um

7
(Mondin, introdução à filosofia, p. 308).
caminho filosófico e mais concretamente, um caminho aposteriore. Quer dizer, santo Tomás
demonstra a espiritualidade da alma por suas operações:
“os efeitos me permitem remontar a causa”.
Santo Tomás faz isso se apoiando em um princípio metafísico, mas, de sentido
comum:
“o obrar segue o ser”.
Aplicando esse princípio, santo Tomás parte da seguinte base: “as operações
intelectuais do homem, pelas quais ele capta as essências universais das coisas, são
operações imateriais”. Como a matéria é o princípio de individuação, a essência só pode ser
universal se a minha inteligência abstrair a forma da matéria, isto é, liberar a forma do ser
condicionamento material.
Como temos capacidade de produzir ideias universais (homem, mesa, maça, virtude,
amor, etc.), temos capacidade de ter a forma espiritual das coisas em nossa mente. Frente a
essa operação se prova a espiritualidade da alma humana. Dizendo de outra maneira, essa
operação intrínseca da inteligência é imaterial, se a operação da inteligência é por si imaterial,
então a alma é por si espiritual. Logo, quanto mais espiritual o objeto conhecido, mais a alma
a de se aperfeiçoar. (Como pensavam os gregos). Escreve Gardeil:

Na filosofia de são Tomás, o fundamento profundo e a razão própria da


inteligibilidade, bem como da capacidade intelectual, é a imaterialidade. Os
homens, assim, são mais elevados do que os animais na escala dos seres
conhecedores, e os anjos, por sua vez, o são mais do que os homens8.

2- O que é a filosofia?
O estudo da filosofia está intimamente relacionado com o ato da inteligência. Qual é o
ato da inteligência? O ato da inteligência, como vimos, é apreender o ser. É por meio da
inteligência que o homem se realiza.
- o ato da inteligência é o que há de mais sublime, mais perfeito e grandioso no modo
ser humano. A ciência que mais aperfeiçoa a inteligência é a filosofia ou sabedoria;
-
Se o estudante sabe algo de filosofia, talvez se surpreenda ao ver que
sustento que o primeiro que o homem conhece das coisas é sua “essência”.
Como se pode dizer que a essência das coisas é de simples evidência se os
mesmos metafísicos tomistas tanto se esforçam por compreende-la? Nosso
conhecimento começa com noções evidentes, mas pouco determinadas, que
durante a investigação científica recebem diversas distinções, mundando-se
em outras noções, em partes novas e em outras só em partes iguais as
8
(GARDEIL, 2013, p. 63).
anteriores. Umas das regras fundamentais do bom método é assinalar os
processos pelos quais as noções de essência, substância, matéria e forma, por
exemplo, sofrem transformações, passando de um significado vulgar a
outros sentidos análogos, próprios da lógica, da física ou da metafísica. Mas
se a um estudante se faz evidente, ao menos, que a distinção vulgar entre o
que é essencial e o que é acidental está fundada na realidade das coisas
mesmas, ainda que não chegue as precisões propriamente filosóficas, já
conta com um eficaz antídoto contra o modernismo9.

- qual a natureza da filosofia?


Operação máxima da alma humana, a filosofia tem sua natureza fundamentada no
próprio desejo inato humano de conhecer.
a) O desejo de saber, fonte das ciências:
Em seu sentido mais geral, a filosofia não é senão o que comumente se entende por
sabedoria. A denominação de “filosofia” remontaria a Pitágoras, que, por modéstia, e
considerando que a sabedoria não poderia convir propriamente senão a Deus. Teria
reivindicado somente o título de Philosophos, amigo da sabedoria10.

- Níveis de conhecimento:
1- Conhecimento empírico ou do senso comum;
2- Conhecimento científico;
3- Conhecimento Filosófico;

b) Filosofia e ciências

Por que a filosofia é uma ciência?


Ela é uma ciência por que é um conhecimento pelas causas.
Philosofia est cognitio per causas; (Aristóteles).

Santo Tomás, distinguindo o objeto formal de filosofia e de teologia, conceitua a


filosofia como:
“Philosophia est cognitio per primas et universales causas sub lumine naturali rationis”.
Há em todos os homens um desejo natural de conhecer a causa daquilo que
ele percebe. Então, é devido à admiração experimentada diante dos objetos
percebidos e cujas causas permaneciam ocultas, eu os homens se veem a
filosofar; encontradas as causas, eles repousam. E a investigação não para
até que cheguemos à primeira causa; pois consideramos que conhecemos

9
(Padre Álvaro Calderón. Umbrales de la Filosofia. 2011, p. 24).
10
(Gardeil, Iniciação à filosofia de Santo Tomás, Vol. I, 2013, p. 53).
perfeitamente quando conhecemos a causa primeira (TOMÁS DE AQUINO,
Suma contra os Gentios, L. III, C. XXV).

Se pensarmos que na aula anterior aprendemos que o desejo de saber é o início da


filosofia em seu grau mais rudimentar e primário, poderíamos dizer que a admiração seria o
termo do meio do conhecimento, pois, pelo desejo o homem se inclina a apreensão de uma
realidade naturalmente, ao apreender essa realidade, ele se admira, se espanta, se maravilha,
todavia, ainda deve prosseguir na realização plena deste conhecimento. E isso acontece pelo
conhecimento das causas de determinado ser.

Bons estudos!

4- Referências Bibliográficas

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Tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas: Editora Vide, 2016.
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