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TRAJETÓRIAS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL:

UM ENCONTRO MENOR NA ESCOLA BÁSICA


“É um olhar para o ser menor,
para o insignificante
que eu me criei tendo” .
(Manoel de Barros)
RESUMO

Este texto é efeito de uma pesquisa que deu a pensar um caminho formativo a partir de encontros com professoras, familiares
e estudantes na Sala de Recursos Multifuncionais de uma escola básica. Analisando a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008),repensamos a relação educativa não pautada apenas nos discursos de uma
educação maior produzida por políticas inclusivas que, geralmente tomam como norma a concepção de incompletude de
estudantes ditos “com deficiência”.Em desacordo com essa lógica, apostamos em experiências menores que não podem ser
interditadas nesses espaços. Não deixamos de reconhecer o esforço dessa política para assegurar a escolarização de todas as
pessoas, todavia, pensamos como, por vezes, ela opera numa perspectiva técnica invisibilizando saberes que obedecem a outras
lógicas de encontro. Assim, afirmamos a educação aqui como espaço de experiências que nos levam a escutar coisas menores
que nos passam mundo da educação.

Palavras-chave: Trajetória, Políticas, Sala de Recursos, Experiência.

ABSTRACT

SPECIAL EDUCATION TRAJECTORIES AND POLICIES: A MINOR ENCOUNTER AT ELEMENTARY


SCHOOL

This text is the result of a research that gave rise to a formative path based on meetings with teachers, family members and
students in the Multifunctional Resources Room of an elementary school. Analyzing the National Policy on Special Education
from the Perspective of Inclusive Education (2008), we rethink the educational relationship not only based on discourses of
greater education produced by inclusive policies that generally take as a norm the concept of incompleteness of students who
are said to be "disabled" .In disagreement with this logic, we bet on smaller experiences that cannot be banned in these spaces.
We do not fail to recognize the effort of this policy to ensure schooling for all people, however, we think about how it
sometimes operates from a technical perspective, making knowledge that obeys other logics of encounter invisible. Thus, we
affirm education here as a space for experiences that lead us to listen to minor things that the world of education gives us.

Keywords: Trajectory, Policies, Resource Room, Experience.

RESUMEN:

POLÍTICAS Y TRAYECTORIAS DE EDUCACIÓN ESPECIAL: UN ENCUENTRO MENOR EN LA ESCUELA


PRIMARIA

Este texto es el resultado de una investigación que dio lugar a un camino formativo basado en encuentros con profesores,
familiares y alumnos en el Salón de Recursos Multifuncionales de una escuela primaria. Analizando la Política Nacional de
Educación Especial desde la Perspectiva de la Educación Inclusiva (2008), repensamos la relación educativa no solo a partir de
discursos de mayor educación producidos por políticas inclusivas que generalmente toman como norma el concepto de
incompletitud de los estudiantes que se dice ser "discapacitados". En desacuerdo con esta lógica, apostamos por experiencias
más pequeñas que no pueden ser prohibidas en estos espacios. No dejamos de reconocer el esfuerzo de esta política para
asegurar la escolarización de todas las personas, sin embargo, pensamos en cómo en ocasiones opera desde una perspectiva
técnica, invisibilizando conocimientos que obedecen a otras lógicas de encuentro. Así, afirmamos aquí la educación como un
espacio de experiencias que nos llevan a escuchar las pequeñas cosas que nos brinda el mundo de la educación.

Palabras clave: trayectoria, políticas, sala de recursos, experiencia.

Passos inicias na escrita-travessia


A propositura desta composição ensaia um caminho de pesquisa experienciado no
campo da docência e que emerge pelo encontro com pessoas com trajetórias outras, com
formas outras de existir que não são as que esperamos habitualmente nos espaços que
compõem o cenário de formação da escola básica. Objetivamos dar a ver as
experiências singulares que nos afetam e criam trajetórias e saberes que moram no meio
das travessias de educar, saberes da ordem do “menor” ensaiados a partir de encontros
que nos remetem a uma educação mais sensível dentro de um campo fortemente
carregado pelos discursos macro políticos instauradores de normas para as relações
educativas. Pelas experiências vivenciadas, trazemos o alargamento do conceito de
menor1 e de trajetórias, que aqui, são produzidas em diferentes acontecimentos
mediados por múltiplas linguagens e que produzem um caminho singular de formação:
aquele que não se pode programar, fabricar, normatizar, sentenciar ou padronizar e que,
portanto, não fabrica o outro no encontro pedagógico.
Ancorando o solo de pensamento através de interlocutores que conversam
conosco nesta composição, apresentamos como contorno metodológico a produção de
encontros outros produzidos no espaço da Sala de Recursos Multifuncionais de uma
escola pública localizada no município de São Gonçalo. Encontros mediados por outras
linguagens artísticas, musicais, poéticas... para além de atendimentos ou perspectivas de
complementação ou suplementação como normatizam as políticas inclusivas oficiais
consideradas “maiores”. Entendendo as relações educativas numa dimensão que ganha
força no andar, passear, caminhar, sentir os bons encontros, enfim estar juntos com
tantas trajetórias na escola, narramos aqui os deslocamentos e formas outras de habitar a

1
Maior e menor são conceitos fundantes que aparecem nos textos deleuzianos principalmente a partir da
década de 1970. Com esses conceitos Deleuze problematiza a maneira como as normas sociais, culturais e
políticas são estabelecidas. Aqui, nos remetemos a esses conceitos fazendo uma analogia à educação
maior, aquela pensada segundo os gabinetes das secretarias de educação e comumente instituídas no
contexto educativo, àquela reconhecida pelo estado e normatizada como saberes pensados e constituídos
como boa educação. Em contrapartida, empregamos nesta composição o conceito de menor,
problematizando que o que vem a ser “menor” na educação é algo produzido fora das lógicas de saberes e
regras macropolíticas, mas possibilitado pelas experiências de encontro na educação com pessoas comuns
que produzem modos de fazer e estar juntos nas relações humanas. Outra referência que comumente
embasa o conceito de maior e menor é a escrita produzida por Deleuze e Guatarri a partir da
consideração que fazem sobre a obra de Kafka como literatura menor. De acordo com os autores uma
literatura menor não é aquela oriunda de uma língua menor, mas aquela que uma minoria, praticante de
uma língua maior, é capaz de produzir.
educação afirmada principalmente como um encontro entre gentes, um encontro talvez
mais sensível; um encontro menor e de afetação na escola .
Trajetórias e políticas no espaço de educar: o menor na educação.
Convido, inicialmente,na escrita dessa composição Manoel de Barros, interlocutor de
fecundos pensamentos, para fazer a ressonância de palavras que no agenciamento de sua
potência, nos permite deslocar o pensamento ensaístico que nos toma na vida formativa
a partir das experiências consideradas menores dentro de uma travessia, dentro de um
campo onde a educação maior fomentada por políticas e normas jurídicas, produzemo
contexto da educação inclusiva.
No interior das praticas educativas que compõem os encontros na escola básica, sempre
emergem perguntas e questionamentos, incertezas a respeito do que seria formar ou
educar os sujeitos, visto que, na sua singularidade, não há pedagogia que responda em
educação, pela complexidade deste processo.
Não obstante, institucionalmente, no campo educacional anunciam-se
constantementepolíticas que pensam o fazer educativo desde um discurso maior,
jurídico, heróico, majoritário que normatizam as possibilidades educativas no encontro
pedagógico como, ocorre, por exemplo, na trajetória educativa que compõem a
educação especial.
Na contra mão desse processo, GALLO, (2014.p.20)nos apresenta um fértil
pensamentose referindo a um par conceitual de menore maior (produzido por Gilles
Deleuze e Felix Guatarri num livro publicado em 1975 sobre Kafka) na caracterização
de uma literatura“menor” produzidafora dos “cânones instituídos, no contexto de uma
“língua maior”(aquela regrada, organizada qual não se pode desviar)” (p.20). No caso,
essa obra (da qual aqui não nos ateremos)faz referencia as máximas expressões
produzidas através da língua alemã utilizada por Kafka que para alem de uma literatura
canônica, acolhe a” um alemão manchado com o linguajar dos becos, das pessoas
comuns” (p.21)
Essa interessante análise nos possibilita pensaras regras controladas pelos dispositivos
legais que incidemsobre a forma universal de conceber a educaçãodesde os grandes
dispositivos institucionais, configurando-a comouma “ciência maior”, quevem sendo
“metrificada e metodologizada”, segundo os parâmetros da “ciência nascente” (p.20).
Todavia, segundo Gallo:
“A educação acontece efetivamente no mínimo, nos pequenos atos cotidianos
que de forma geral, nos passam despercebidos”[...].Mas é possível operar
processos educativos em modo menor. Investir nas diferenças que aí estão
[...] Experimentar misturas. Experimentar jeitos próprios. Enxergar o mínimo
e o efêmero nos processos educativos, fazer zoom neles e dar-lhes destaque
[...](GALLO, 2014.p.30)

Quais efeitos dos saberes menores na educação? Oconceito anunciado por Gallo
nos processos que forjam a educação escolarpensada desde os pequenos acontecimentos
no chão da escola nos levam aafirmarque a educação é um encontro de gentes,encontros
que não se explicam tão somente pela lógica institucional, mas pelas relações e
caminhos produzidos ao logo de um entramado de trajetórias ao longo de processos
educativos que tem lugar junto a pessoas que (chegando a um lugar concreto, entretanto
sensível como a escola), possibilitam experiências na caminhada formativa e
simultânea entre a discência e docência.
Que é então educar entre trajetórias considerando encontros menores e relações
singulares na escola básica?Uma maneira interessante de compreendemos as relações
entre educação etrajetórias de vidas foi apresentada por Greco e Nicastro (2012)quando
definem esseconceito paraalem deum termo convencional:
Al hablar de trayectoria nos referimos a un recorrido, un caminho
enconstrucción permanente, que tal como loseñalaArdoino (2005) vamucho
más allá de laidea de algo que se modeliza, que se puede antecipar em su
totalidade o que se lleva a cabo mecanicamente respondendo sólo a algunas
pautas o regulaciones. No es um protocolo que se sigue, preferimos pensarlo
como um intinerario em situación. (GRECO e NICASTRO, 2012, p.23)

Assim como apontam as autoras, os caminhos singularmente se constroem, não


se podem modelar, regular,não apresentam linearidade... Tais jornadas não possuem
rota programada. Suas andanças estão sempre por fazer-se. Importa ressaltar que
quando falamos de trajetórias escolares, tendemos a pensá-la como um ponto de partida
predeterminado evidenciando também um ponto de chegada. Comumente, a caminhada
educativa de alunos com trajetórias estudantis outras, é narrada por alguns profissionais
da educação como inviável ou impossibilitada, visto que essas trajetórias são
fundamentadas pela idéia da norma ou da sua linearidade na formação. Por isso, as
atividades habitualmente pensadas para esses espaços educativos fundamentam-se
geralmente, na complementação de saberes formais mediados por uma educação maior.

..algumas políticas oficiais curriculares de inclusão se exibem com teor


uniforme, se assinalam pela fixidez, pela regularidade de normas e são
demasiadamente prescritivas. Assim, acabam encontrando uma tensão com as
práticas curriculares, criadas e recriadas nos cotidianos das escolas, pois essas
são plurais, temporais, marcadas pelas diferenças e não se emolduram na
norma vigente. (SEPULVEDA, 2016. p.7)
O conceito de trajetórias me permite pensar, de outro modo, as conexões possíveisentre
experiências vivenciadas e os descaminhos da formação quese apresentam
permanentemente em construção por meio de encontros talvez, menores na escola
básica na Sala de Recursos Multifuncionais.Pensar nosdeslocamentos possíveis para
operar a educação numa perspectiva que acolha a gestos e saberes considerados
mínimosconstitui-seum compromisso que expressa a ação política de uma pratica que se
reiventa e se constitui anti hegemônicae emancipadora nas relações pedagógicas.

A política de uma educação maior, tradicionalmente, organiza a educação


especial numa dimensão técnica para a oferta do atendimento educacional
especializado, que anteriormente era realizado sendo“substitutivo ao ensino comum”
(BRASIL,2010, p.1) o que levou a criação de “instituições especializadas, escolas
especiais e classes especiais” (BRASIL,2010, p.2) reforçando o caráter de segregação e
exclusãodos sujeitos considerados desviantes da normativa padronizada dos corpos,
mentes ou língua na educação regular.A Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva expressando a necessidade de acesso universal à
educação (BRASIL, 2008) definiu como público alvo da educação especial três
categorias de estudantes: alunos com deficiência,transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, considerando:

pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de


natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras,
podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na
sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são
aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais
recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito,
estereotipado e repetitivo.Incluem-se nesse grupo alunos com autismo,
síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas
habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma
das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica,
liderança, psicomotricidade e artes [...] (BRASIL,2008)

Definindo as ações em formas de atendimento educacional especializado à


escolarização dos alunos, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva ressalta ao determinar suas diretrizes, que as atividades
desenvolvidas nesse atendimento, devem realizar-seprioritariamente na sala de recursos
multifuncionais designada como “ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e
materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional
especializado” (BRASIL, 2010, p.5) que“complementa e/ou suplementa a formação dos
estudantes”. (BRASIL, 2008, não paginado)
1º Os sistemas de ensino devem matricular os estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas
classes comuns do ensino regular e no atendimento educacional especializado
(AEE), complementar ou suplementar a escolarização ofertado em sala de
recursos multifuncionais [...] (BRASIL, 2010. p.6 grifo nosso)

O que se coloca em questão em nossa produção, não é compreender como


aprendem os estudantes diagnosticados com deficiência, nem quem são esses
estudantes; muito menos quais saberes devem ser aprendidos, “não é tanto quem é o
outro ou o que acontece com o outro, ou o que lhe falta,”, mas talvez, operando para
além destes conceitos que organizam este ambiente, pensar “qual o pensamento ético
que liga você com o outro, ou dois outros diferentes entre si” (SKLIAR, 2012, p.2)
experienciando outras possibilidades nesses espaços para estar juntos.

Em sentido contrário a educação pensada sobre o discurso maior de


complementação ou suplementação de saberes escolares daqueles sujeitos considerados
“faltosos”, pensamos a micro política produzida no processo de relações educativas em
que os efeitos, sentidos e experiências falam no âmbito micro percebendo os gestos
singulares, para alem de regras institucionais, entendendo que é no processo de
educação pensado como micro que emergem potências para aquilo que escapa ao
instituído e é considerado menor.

Na trama dessa composição, não podemos deixar de trazer aqui as nossas conexões com
o pensamento de Skliar (2014) quando se refere a gestos educativos considerados
mínimos no interior das praticas educativas, gestos que expressam “um acontecimento
que irrumpe y provoca experiência”,gestos que vêm antes de “qualquer reforma
enlasleyes, de cualquierpropuestadidactica, de cualquieradaptacíon de lacurriculo”
(RIBETTO.2014 p.8). Esses gestos antecedem aos métodos em um espaço
educativo:são considerados gestos ínfimos, resultantes de “acontecimentos interiores a
los que por lo general no se les dá importancia” (SKLIAR, 2014, p.78) e que dão
passagem ao “pequeño que a toda hora quiereexpresarse” (p.77)no interior das práticas
escolares, afirmando “eso que nos pasaenlaeducacion” (p.77), nos espaços em que as
trajetórias se produzem.

Pensada sobre essa perspectiva, a relação educativa na trajetória de qualquer um é uma


experiência que vai se forjando na caminhada de formação.
A escola enquanto um lugar concreto, entretanto sensível, permite a construção de
trajetórias de formação singulares, visto que elas não podem ser vistas como uma obra
terminada; vai sendo, vai acontecendo... não se constitui numa forma técnica de
fabricação do outro. As possibilidades de experiências de outros encontros podem ser
dar de diversas formas e gestualidades que se movimentam pelas travessias de
encontros, não com diagnósticos, mas com vidas na Sala de Recursos
Multifuncionais.As trajetórias que se dãono durante... e podem ser pensadas para além
de construção de saberes escolásticos no espaço educativo da sala de recursos.

A arte de um encontro menor entre trajetórias.

Analisando,dias antes, a relação de coisas necessárias para colocar de pé a


proposta de nosso encontro de confraternização na sala de recursos,
percebemos- a professora da sala de recursos e eu (orientadora educacional),-
que todos os materiais dos quais necessitávamos: data show, musica,
lembranças confeccionadas etc.. estavam separados. Mas, lembramos que
algo primordialfaltava: Um bolo! Tem que ter bolo! - disse a professora!
Acordamos que faríamos a encomenda com sua vizinha - uma pessoa já
conhecida que trabalhava com encomendas! Com a lista devidamente
marcada e havendo a constatação de que praticamente tudo estavacerto,
fomos para a casa. O encontro aconteceriadali aquatrodias.[...] chego à escola
naquele dia na expectativa de arrumar os materiais na sala e nos prepararmos
para receber os convidados. Para a minha surpresa a professora já estava lá!
Já havia colocado uma mesa e terminava de arrumar as lembranças nela. Ela
estava tão tensa quanto eu esperando os estudantes e suas famílias:como será
que eles receberiam a sugestão do espaço enquanto espaço outro?Percebemos
que estávamos apresentandonaquele momento, uma mistura de sentimentos
relacionados a receio... ansiedade... não sei definir exatamente os sentimentos
que me/nos passavam/passam.“ O desconhecido me proporciona talvez medo
do lugar em que eu mesma estou me dispondo a habitar, lugar este que não
domino, não manejo, não comando. Todavia, percebo que estou construindo
um novo olhar sobre este espaço, um olhar que vai se afirmando em uma
nova experiência no plano da vida que atravessamos. (Diário de Trajetórias)

O cenário que vai emergindo, traz hojeuma animação grande no espaço da Sala de
Recursos. O encontro apresenta um ar de festa.Além do cenário decorado por algumas
fotos que registravam momentos que tivemos durante os encontros ali -ano letivo de
2018-,outros detalhes como a mesa delicadamente decorada com lembranças
confeccionadaspara os estudantes, trouxeram animação e entusiasmo da maioria das
pessoas que iam chegando a esse território (professores, funcionários, familiares e
estudantes adolescentes matriculados em turma regular nos anos finais do ensino
fundamental e na sala de recursos. Tratava-se de um encontroorganizado para
momentos de confraternização de fim de ano.Afinal, comemorar e encontrar são fios
que tramam as nossas redes e trajetórias de vida repleta de sentidos que vamos
saboreando e continuadamente tecendo na escola.
O primeiro adolescente a chegar traz consigo um sorriso contagiante no rosto. Não tem
a fala oralizada que marcaria um: bom dia! Mas, um sorriso que atravessava seus lábios
e produzia um olhar expressivode felicidade. Parecia saborear aquele acontecimento.
Gesticulava com suas mãos e naquela ocasião, descobrimos que adorava tirar fotos.
Parecia tão feliz que sinceramente não sei expressar o que de fato, o/nosatravessava,
talvez os gestos produzidos na experiência singular de estar juntos.

Chegam os demais participantes e entram na sala 2). Depois de conversamos um


pouco, cada um se expressou colocando sua alegria em participar dos encontros
realizados naquele ano.Passamos alguns vídeos e fotos relembrando alguns momentos
que tivemos ali. Entre troca de risos, ficamos em pé e nos pusemos em roda. Aproximei-
me na frente de cada um em roda e distribui alguns coraçõese flores aos participantes
olhando nos olhos de cada um e recitando partes de uma música que nos atravessou em
um de nossos encontros:

Sem perceber, a semente se transforma em árvore, a lagarta vira borboleta., e


o vento vai contando a história.Sem perceber, a gota se transforma em
nuvem, o amarelo vai ficando verde, e o tempo vai contando a história, Sem
perceber, os olhares vão virando flores, as estrelas vão virando nomes, e a
gente muda de dentro pra fora. Sem perceber, a certeza se transforma em
dúvida, os abraços vão ficando livres, e as ondas vão contando a história.
Sem perceber, o barulho vira pensamento, ajanela se transforma em sonho, e
as folhas vão contando a história. Sem perceber, as pessoas vão ficando
próximas, os chinelos vão ficando gastos, e as pedras vão contando a história.
Sem perceber, os amigos vão ficando velhos, o sorriso vai ficando largoE a
gente muda de dentro pra fora. Sem perceber, os olhares vão virando flores,
Sem perceber, as estrelas vão virando nomes.Sem perceber, as pessoas vão
ficando próximas.Sem perceber,, os chinelos vão ficando gastos.Sem
perceber, os amigos vão ficando velhos. Sem perceber, o sorriso vai ficando
largo. Sem perceber, a semente se transforma em árvore, Sem perceber, a
lagarta vira borboletaSem perceber, e a gente muda de dentro pra fora, Sem
perceber. https://www.letras.mus.br/musica-em-familia/sem-perceber/

2
É importante dizer que esse encontro aqui narrado, compõem um conjunto de outros
encontros produzidos de forma colaborativa com a professora da Sala de Recursos
Multifuncionais, e formam, agora, parte de uma pesquisa de mestrado: Diariando Trajetórias e
experienciando encontros na Sala de Recursos Multifuncionais: uma experiência formativa,
defendida em 2019). A organização para a participação dos funcionários, pais, professores, em
geral, (daquele turno, anos finais- 2º segmento) se deu de modo convidativo ,considerando o
espaço da sala de recursos e as possibilidades alternadas entre eles em seus respectivos
setores, de modo que, pelo menos dois funcionários de setores alternados (secretaria, apoio,
refeitório etc..) participavam quinzenalmente dos encontros. Da mesma forma, as mães dos
estudantes, alternando quinzenalmente suas presenças ao longo dos encontros, puderam nos
acompanhar durante o projeto. Neste dia especificamente, os convites foram feitos a todos os
que participaram ao longo do ano. A maioria dos responsáveis envolvidos no projeto, puderam
comparecer, bem como os estudantes. Todavia,apenas dois funcionários dos setores de apoio
(limpeza) de fato, conseguiram participar, já que os demais, apesar de desejosos, não
conseguiram viabilizar sua participação com suas funções ao mesmo tempo em que a rotina da
escola acontecia. (MONTEIRO, 2019, p, 69)
Ao ir passando com passos demorados por cada participante, fui afetada pelo sorriso e
lagrimas dos olhares de cada um. Era como se não esperassem esse
momentodeslocador. Ummomento feito da fragilidade
de uma gestualidade singular que provocaintensidades,
que afetam. Encontro-me nesses encontros, e me
pergunto de quantas maneiras sutis podemos anular
ouafetar comgestos menores o outro no encontro.

y ¿cómodesdeciraquellaidea de que para estar juntos habría que, primero,


preparar labienvenida al otroen todos losdetalles, conocerlo de antemano,
regular sullegada y luego, después, más tarde, sólo más tarde,
sentirnosresponsables y desearlarelación? ? (SKLIAR. 2010. p.110)

Preguntas y más preguntas: ¿Ha fracasadolanecesidad de vivir juntos, es


decir, no es necesario que vivamos juntos?, ¿no es posiblevivir juntos?, ¿ha
fracasadoelvivir juntos porque es una hipocresíasostener que sea posible?,
¿ha fracasadolautopía porque, al fin y al cabo, no es más que una utopía?, ¿ha
fracasadolaescuela porque nunca estarán “todos”?, o
¿hafracasadolaeducación, porque no creólanecesidad, no
borrólahipocresíanisostuvolautopíadelvivir, al fin, juntos? (SKLIAR, 2010.
p.111)

Assim, seguimos entretrajetórias formativas que possibilitam a produção de um saber


em passagem, que inspira, reiventa, afeta, bagunça a cultura escolar e em que a lógica
do sentido não esta dada no cotidiano da educação maior. Opera na intensidade das
experiências e produz uma educação da ordem “menor”: aquelaque opera para alem das
políticas, das secretarias, dos gabinetes, aquela que permite estar juntos no cotidianoda
sala de aula e o emergir de uma potência criadora e singular

A educação menor, ao investir nos vínculos, fratura alógica racionalista que


desperdiça a experiência e que tem, como conseqüênciadireta, a deformação
de sentidos atribuídos a aprendizagem.[...] A educação menor se engendra
[...] naescuta sensível [...] o que potencializa outros desenhos do pensamento,
outras compreensões das singularidades do aprender e outras formulações
para as relações em sala de aula. (Perez, 2014. p.121)

Ensaiamos e fazemos ressoar aqui, essas experiências que compõem os processos


educativos enunciados desde um encontro menor com trajetórias de vidas que produzem
saberesna fragilidade de um encontro que marca experiências singulares. Talvez, o texto
possibilite um efeito que se expressa como um alargamento da caminhada formativa
composta por gentes que com trajetórias imodeláveis, nos ensinam que os processos
educativos se enunciam desde o que é considerado mínimo: acontecimentos que nos
tiram o lugar a partir de uma relação educativa outra: que se produza eticamente com
qualquer um, qualquer trajetória e que possibilita o acolher de gestos, risos,toques nas
micro-feituras do encontro na educação atravessada na micro política da vida cotidiana.

Referências:

BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na


Perspectiva da Educação Inclusiva. 2008. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf .Acesso em: 14/07/18

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FAPERJ, 2014

MONTEIRO, Raquel Rosa Reis. Diariando Trajetórias e encontros na Sala de Recursos


Multifuncionais: uma experiência formativa. 2019. Dissertação de Mestrado em
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NICASTRO, Sandra & GRECO, María Beatriz. Entre trayectorias: Escenas y


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PEREZ, Carmem Lucia Vidal. Cinco cabeças e um copo de café... (com)fabulações


sobre a potencia de uma educação menor. In:RIBETTO, Anelice (org). políticas,
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RIBETTO, Anelice (org). Políticas, poéticas e práticas pedagógicas (com minúsculas).


1ºed. Rio de Janeiro: Lamparina, FAPERJ, 2014

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Acesso em: 04/02/2019

SEPULVEDA, Denize& SEPULVEDA, José Antonio. As práticas e as políticas


curriculares de inclusão e o direito à diferença. Revista e-Curriculum, São Paulo, v.14,
n.04, p. 1258 – 1287 out./dez.2016 e b-ISSN: 1809-3876 Programa de Pós-graduação
Educação: Currículo – PUC/SP
Skliar,Carlos, “Los sentidos implicados enel estar-juntos de laeducación”, Revista
Educación y Pedagogía, Medellín, Universidad de Antioquia, Facultad de Educación,
vol. 22 , núm. 56, enero-abril, 2010, pp. 101-111.
SKLIAR, Carlos. Provocações para pensar em uma educação outra: conversa com
Carlos Skliar. Revista Teias. V. 13, n.30. 265-283, set/dez 2012

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