Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Este texto é efeito de uma pesquisa que deu a pensar um caminho formativo a partir de encontros com professoras, familiares
e estudantes na Sala de Recursos Multifuncionais de uma escola básica. Analisando a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008),repensamos a relação educativa não pautada apenas nos discursos de uma
educação maior produzida por políticas inclusivas que, geralmente tomam como norma a concepção de incompletude de
estudantes ditos “com deficiência”.Em desacordo com essa lógica, apostamos em experiências menores que não podem ser
interditadas nesses espaços. Não deixamos de reconhecer o esforço dessa política para assegurar a escolarização de todas as
pessoas, todavia, pensamos como, por vezes, ela opera numa perspectiva técnica invisibilizando saberes que obedecem a outras
lógicas de encontro. Assim, afirmamos a educação aqui como espaço de experiências que nos levam a escutar coisas menores
que nos passam mundo da educação.
ABSTRACT
This text is the result of a research that gave rise to a formative path based on meetings with teachers, family members and
students in the Multifunctional Resources Room of an elementary school. Analyzing the National Policy on Special Education
from the Perspective of Inclusive Education (2008), we rethink the educational relationship not only based on discourses of
greater education produced by inclusive policies that generally take as a norm the concept of incompleteness of students who
are said to be "disabled" .In disagreement with this logic, we bet on smaller experiences that cannot be banned in these spaces.
We do not fail to recognize the effort of this policy to ensure schooling for all people, however, we think about how it
sometimes operates from a technical perspective, making knowledge that obeys other logics of encounter invisible. Thus, we
affirm education here as a space for experiences that lead us to listen to minor things that the world of education gives us.
RESUMEN:
Este texto es el resultado de una investigación que dio lugar a un camino formativo basado en encuentros con profesores,
familiares y alumnos en el Salón de Recursos Multifuncionales de una escuela primaria. Analizando la Política Nacional de
Educación Especial desde la Perspectiva de la Educación Inclusiva (2008), repensamos la relación educativa no solo a partir de
discursos de mayor educación producidos por políticas inclusivas que generalmente toman como norma el concepto de
incompletitud de los estudiantes que se dice ser "discapacitados". En desacuerdo con esta lógica, apostamos por experiencias
más pequeñas que no pueden ser prohibidas en estos espacios. No dejamos de reconocer el esfuerzo de esta política para
asegurar la escolarización de todas las personas, sin embargo, pensamos en cómo en ocasiones opera desde una perspectiva
técnica, invisibilizando conocimientos que obedecen a otras lógicas de encuentro. Así, afirmamos aquí la educación como un
espacio de experiencias que nos llevan a escuchar las pequeñas cosas que nos brinda el mundo de la educación.
1
Maior e menor são conceitos fundantes que aparecem nos textos deleuzianos principalmente a partir da
década de 1970. Com esses conceitos Deleuze problematiza a maneira como as normas sociais, culturais e
políticas são estabelecidas. Aqui, nos remetemos a esses conceitos fazendo uma analogia à educação
maior, aquela pensada segundo os gabinetes das secretarias de educação e comumente instituídas no
contexto educativo, àquela reconhecida pelo estado e normatizada como saberes pensados e constituídos
como boa educação. Em contrapartida, empregamos nesta composição o conceito de menor,
problematizando que o que vem a ser “menor” na educação é algo produzido fora das lógicas de saberes e
regras macropolíticas, mas possibilitado pelas experiências de encontro na educação com pessoas comuns
que produzem modos de fazer e estar juntos nas relações humanas. Outra referência que comumente
embasa o conceito de maior e menor é a escrita produzida por Deleuze e Guatarri a partir da
consideração que fazem sobre a obra de Kafka como literatura menor. De acordo com os autores uma
literatura menor não é aquela oriunda de uma língua menor, mas aquela que uma minoria, praticante de
uma língua maior, é capaz de produzir.
educação afirmada principalmente como um encontro entre gentes, um encontro talvez
mais sensível; um encontro menor e de afetação na escola .
Trajetórias e políticas no espaço de educar: o menor na educação.
Convido, inicialmente,na escrita dessa composição Manoel de Barros, interlocutor de
fecundos pensamentos, para fazer a ressonância de palavras que no agenciamento de sua
potência, nos permite deslocar o pensamento ensaístico que nos toma na vida formativa
a partir das experiências consideradas menores dentro de uma travessia, dentro de um
campo onde a educação maior fomentada por políticas e normas jurídicas, produzemo
contexto da educação inclusiva.
No interior das praticas educativas que compõem os encontros na escola básica, sempre
emergem perguntas e questionamentos, incertezas a respeito do que seria formar ou
educar os sujeitos, visto que, na sua singularidade, não há pedagogia que responda em
educação, pela complexidade deste processo.
Não obstante, institucionalmente, no campo educacional anunciam-se
constantementepolíticas que pensam o fazer educativo desde um discurso maior,
jurídico, heróico, majoritário que normatizam as possibilidades educativas no encontro
pedagógico como, ocorre, por exemplo, na trajetória educativa que compõem a
educação especial.
Na contra mão desse processo, GALLO, (2014.p.20)nos apresenta um fértil
pensamentose referindo a um par conceitual de menore maior (produzido por Gilles
Deleuze e Felix Guatarri num livro publicado em 1975 sobre Kafka) na caracterização
de uma literatura“menor” produzidafora dos “cânones instituídos, no contexto de uma
“língua maior”(aquela regrada, organizada qual não se pode desviar)” (p.20). No caso,
essa obra (da qual aqui não nos ateremos)faz referencia as máximas expressões
produzidas através da língua alemã utilizada por Kafka que para alem de uma literatura
canônica, acolhe a” um alemão manchado com o linguajar dos becos, das pessoas
comuns” (p.21)
Essa interessante análise nos possibilita pensaras regras controladas pelos dispositivos
legais que incidemsobre a forma universal de conceber a educaçãodesde os grandes
dispositivos institucionais, configurando-a comouma “ciência maior”, quevem sendo
“metrificada e metodologizada”, segundo os parâmetros da “ciência nascente” (p.20).
Todavia, segundo Gallo:
“A educação acontece efetivamente no mínimo, nos pequenos atos cotidianos
que de forma geral, nos passam despercebidos”[...].Mas é possível operar
processos educativos em modo menor. Investir nas diferenças que aí estão
[...] Experimentar misturas. Experimentar jeitos próprios. Enxergar o mínimo
e o efêmero nos processos educativos, fazer zoom neles e dar-lhes destaque
[...](GALLO, 2014.p.30)
Quais efeitos dos saberes menores na educação? Oconceito anunciado por Gallo
nos processos que forjam a educação escolarpensada desde os pequenos acontecimentos
no chão da escola nos levam aafirmarque a educação é um encontro de gentes,encontros
que não se explicam tão somente pela lógica institucional, mas pelas relações e
caminhos produzidos ao logo de um entramado de trajetórias ao longo de processos
educativos que tem lugar junto a pessoas que (chegando a um lugar concreto, entretanto
sensível como a escola), possibilitam experiências na caminhada formativa e
simultânea entre a discência e docência.
Que é então educar entre trajetórias considerando encontros menores e relações
singulares na escola básica?Uma maneira interessante de compreendemos as relações
entre educação etrajetórias de vidas foi apresentada por Greco e Nicastro (2012)quando
definem esseconceito paraalem deum termo convencional:
Al hablar de trayectoria nos referimos a un recorrido, un caminho
enconstrucción permanente, que tal como loseñalaArdoino (2005) vamucho
más allá de laidea de algo que se modeliza, que se puede antecipar em su
totalidade o que se lleva a cabo mecanicamente respondendo sólo a algunas
pautas o regulaciones. No es um protocolo que se sigue, preferimos pensarlo
como um intinerario em situación. (GRECO e NICASTRO, 2012, p.23)
Na trama dessa composição, não podemos deixar de trazer aqui as nossas conexões com
o pensamento de Skliar (2014) quando se refere a gestos educativos considerados
mínimos no interior das praticas educativas, gestos que expressam “um acontecimento
que irrumpe y provoca experiência”,gestos que vêm antes de “qualquer reforma
enlasleyes, de cualquierpropuestadidactica, de cualquieradaptacíon de lacurriculo”
(RIBETTO.2014 p.8). Esses gestos antecedem aos métodos em um espaço
educativo:são considerados gestos ínfimos, resultantes de “acontecimentos interiores a
los que por lo general no se les dá importancia” (SKLIAR, 2014, p.78) e que dão
passagem ao “pequeño que a toda hora quiereexpresarse” (p.77)no interior das práticas
escolares, afirmando “eso que nos pasaenlaeducacion” (p.77), nos espaços em que as
trajetórias se produzem.
O cenário que vai emergindo, traz hojeuma animação grande no espaço da Sala de
Recursos. O encontro apresenta um ar de festa.Além do cenário decorado por algumas
fotos que registravam momentos que tivemos durante os encontros ali -ano letivo de
2018-,outros detalhes como a mesa delicadamente decorada com lembranças
confeccionadaspara os estudantes, trouxeram animação e entusiasmo da maioria das
pessoas que iam chegando a esse território (professores, funcionários, familiares e
estudantes adolescentes matriculados em turma regular nos anos finais do ensino
fundamental e na sala de recursos. Tratava-se de um encontroorganizado para
momentos de confraternização de fim de ano.Afinal, comemorar e encontrar são fios
que tramam as nossas redes e trajetórias de vida repleta de sentidos que vamos
saboreando e continuadamente tecendo na escola.
O primeiro adolescente a chegar traz consigo um sorriso contagiante no rosto. Não tem
a fala oralizada que marcaria um: bom dia! Mas, um sorriso que atravessava seus lábios
e produzia um olhar expressivode felicidade. Parecia saborear aquele acontecimento.
Gesticulava com suas mãos e naquela ocasião, descobrimos que adorava tirar fotos.
Parecia tão feliz que sinceramente não sei expressar o que de fato, o/nosatravessava,
talvez os gestos produzidos na experiência singular de estar juntos.
2
É importante dizer que esse encontro aqui narrado, compõem um conjunto de outros
encontros produzidos de forma colaborativa com a professora da Sala de Recursos
Multifuncionais, e formam, agora, parte de uma pesquisa de mestrado: Diariando Trajetórias e
experienciando encontros na Sala de Recursos Multifuncionais: uma experiência formativa,
defendida em 2019). A organização para a participação dos funcionários, pais, professores, em
geral, (daquele turno, anos finais- 2º segmento) se deu de modo convidativo ,considerando o
espaço da sala de recursos e as possibilidades alternadas entre eles em seus respectivos
setores, de modo que, pelo menos dois funcionários de setores alternados (secretaria, apoio,
refeitório etc..) participavam quinzenalmente dos encontros. Da mesma forma, as mães dos
estudantes, alternando quinzenalmente suas presenças ao longo dos encontros, puderam nos
acompanhar durante o projeto. Neste dia especificamente, os convites foram feitos a todos os
que participaram ao longo do ano. A maioria dos responsáveis envolvidos no projeto, puderam
comparecer, bem como os estudantes. Todavia,apenas dois funcionários dos setores de apoio
(limpeza) de fato, conseguiram participar, já que os demais, apesar de desejosos, não
conseguiram viabilizar sua participação com suas funções ao mesmo tempo em que a rotina da
escola acontecia. (MONTEIRO, 2019, p, 69)
Ao ir passando com passos demorados por cada participante, fui afetada pelo sorriso e
lagrimas dos olhares de cada um. Era como se não esperassem esse
momentodeslocador. Ummomento feito da fragilidade
de uma gestualidade singular que provocaintensidades,
que afetam. Encontro-me nesses encontros, e me
pergunto de quantas maneiras sutis podemos anular
ouafetar comgestos menores o outro no encontro.
Referências:
GALLO; Silvio. Mínimo, Múltiplo, Comum. In: RIBETTO, Anelice (org). políticas,
poéticas e práticas pedagógicas (com minúsculas). 1ºed. Rio de Janeiro: Lamparina,
FAPERJ, 2014