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A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil

A radicalização do debate sobre inclusão


escolar no Brasil

Enicéia Gonçalves Mendes


Universidade Federal de São Carlos,
Programa de Pós-Graduação em Educação Especial

Introdução os alunos deram origem, já no século XIX, às classes


especiais nas escolas regulares, para onde os alunos
A história da educação especial começou a ser difíceis passaram a ser encaminhados.
traçada no século XVI, com médicos e pedagogos que, Assim, o acesso à educação para portadores de
desafiando os conceitos vigentes na época, acredita- deficiências vai sendo muito lentamente conquista-
ram nas possibilidades de indivíduos até então consi- do, na medida em que se ampliaram as oportunidades
derados ineducáveis. Centrados no aspecto pedagó- educacionais para a população em geral. Entretanto,
gico, numa sociedade em que a educação formal era tanto as classes quanto as escolas especiais somente
direito de poucos, esses precursores desenvolveram iriam proliferar como modalidade alternativa às ins-
seus trabalhos em bases tutoriais, sendo eles próprios tituições residenciais depois das duas guerras mun-
os professores de seus pupilos. diais.
Entretanto, apesar de algumas escassas experiên- Na metade do século XX, aparece uma resposta
cias inovadoras desde o século XVI, o cuidado foi mais ampla da sociedade para os problemas da edu-
meramente custodial, e a institucionalização em asi- cação das crianças e jovens com deficiências, em de-
los e manicômios foi a principal resposta social para corrência também da montagem da indústria da rea-
tratamento dos considerados desviantes. Foi uma fase bilitação para tratar dos mutilados da guerra. Até a
de segregação, justificada pela crença de que a pes- década de 1970, as provisões educacionais eram vol-
soa diferente seria mais bem cuidada e protegida se tadas para crianças e jovens que sempre haviam sido
confinada em ambiente separado, também para pro- impedidos de acessar a escola comum, ou para aque-
teger a sociedade dos “anormais”. les que até conseguiam ingressar, mas que passaram
Paralelamente à evolução asilar, a institucionali- a ser encaminhados para classes especiais por não
zação da escolaridade obrigatória e a incapacidade avançarem no processo educacional. A segregação era
da escola de responder pela aprendizagem de todos baseada na crença de que eles seriam mais bem aten-

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didos em suas necessidades educacionais se ensina- fação em relação à natureza segregadora e marginali-
dos em ambientes separados. zante dos ambientes de ensino especial nas institui-
Assim, a educação especial foi constituindo-se ções residenciais, escolas e classes especiais. A partir
como um sistema paralelo ao sistema educacional daí, a constatação de que eles poderiam aprender não
geral, até que, por motivos morais, lógicos, científi- era mais suficiente, e passou a ser uma preocupação
cos, políticos, econômicos e legais, surgiram as bases adicional para a pesquisa investigar “o que”, “para
para uma proposta de unificação. que” e “onde” eles poderiam aprender. Adicionalmen-
Os movimentos sociais pelos direitos humanos, te, a meta de desenvolver a independência ou autono-
intensificados basicamente na década de 1960, mia impulsionou a preocupação com a qualidade de
conscientizaram e sensibilizaram a sociedade sobre vida e com contextos culturais mais normalizantes, a
os prejuízos da segregação e da marginalização de fim de maximizar as possibilidades de desenvolvi-
indivíduos de grupos com status minoritários, tornan- mento interpessoal e inserção social futura.
do a segregação sistemática de qualquer grupo ou Além disso, contribuíram para reforçar o movi-
criança uma prática intolerável. Tal contexto alicerçou mento pela integração ações políticas de diferentes
uma espécie de base moral para a proposta de inte- grupos organizados, de portadores de deficiências,
gração escolar, sob o argumento irrefutável de que pais e profissionais, que passaram a exercer forte pres-
todas as crianças com deficiências teriam o direito são no intuito de garantir os direitos fundamentais e
inalienável de participar de todos os programas e ati- evitar discriminações.
vidades cotidianas que eram acessíveis para as de- Um fator também crucial que influenciou a mu-
mais crianças. dança na filosofia de serviços nas décadas de 1960 e
Além dos argumentos morais, existiram ainda 1970 foi o custo elevado dos programas segregados,
fundamentos racionais das práticas integradoras, ba- no contexto da crise mundial do petróleo. Até então,
seados nos seus benefícios tanto para os portadores apenas os países considerados desenvolvidos haviam
de deficiências quanto para os colegas sem deficiên- criado um sistema educacional paralelo para os por-
cias. Potenciais benefícios para alunos com deficiên- tadores de deficiências. A partir da década de 1960,
cias seriam: participar de ambientes de aprendizagem passou a ser também conveniente adotar a ideologia
mais desafiadores; ter mais oportunidades para ob- da integração pela economia que elas representariam
servar e aprender com alunos mais competentes; vi- para os cofres públicos.
ver em contextos mais normalizantes e realistas para Assim, o contexto histórico da década de 1960
promover aprendizagens significativas; e ambientes apontava um avanço científico representado tanto pela
sociais mais facilitadores e responsivos. Benefícios comprovação das potencialidades educacionais dos
potenciais para os colegas sem deficiências seriam: a portadores de deficiências quanto pelo criticismo cien-
possibilidade de ensiná-los a aceitar as diferenças nas tífico direcionado aos serviços educacionais existen-
formas como as pessoas nascem, crescem e se desen- tes. Paralelamente, ocorria a explosão da demanda por
volvem, e promover neles atitudes de aceitação das ensino especial ocasionada pela incorporação da clien-
próprias potencialidades e limitações. tela que, cada vez mais, passou a ser excluída das
Um terceiro conjunto de argumentos que funda- escolas comuns, fazendo crescer o mercado de em-
mentou as práticas integradoras foram as bases empí- pregos dos profissionais especializados e a consoli-
ricas dos achados da pesquisa educacional. Primeira- dação da área, o que também ajudou na organização
mente, a ciência produziu formas de ensinar pessoas política de grupos que passaram a demandar por mu-
que por muito tempo não foram sequer consideradas danças. Isso tudo, associado ao custo alarmante dos
educáveis. Posteriormente, a ciência passou a produ- programas paralelos especializados que implicavam
zir evidências que culminaram numa grande insatis- segregação, num contexto de crise econômica mun-

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dial, permitiu a aglutinação de interesses de políti- Tal proposta trouxe o desenvolvimento de vários
cos, prestadores de serviços, pesquisadores, pais e tipos de ações que visavam a integrar essa população
portadores de deficiências em direção à integração na comunidade, com a finalidade de usar meios nor-
dos portadores de deficiências nos serviços regulares mativos para promover e/ou manter características,
da comunidade. experiências e comportamentos pessoais tão normais
Esses interesses foram atendidos em diferentes quanto possíveis. A definição focalizava a atenção
países com o estabelecimento de bases legais que ins- sobre dois aspectos: o que o serviço almejava para
tituíram, gradualmente, a obrigatoriedade do poder seus usuários (comportamentos, experiências e carac-
público quanto à oferta de oportunidades educacio- terísticas) e com quais meios isso seria atingido.
nais para pessoas com deficiências, a instituição da A partir de então, houve o uso generalizado do
matrícula compulsória nas escolas comuns e de dire- princípio para planejar serviços ao longo das décadas
trizes para a colocação em serviços educacionais se- de 1960 e 1970, ocasionando grande movimento de
gundo o princípio de restrição ou segregação mínima desinstitucionalização, com a retirada das pessoas com
possível. Assim, estavam estabelecidas as bases para deficiências das grandes instituições para reinseri-las
o surgimento da filosofia da normalização e integra- na comunidade.
ção, que se tornou ideologia mundialmente dominan- Um medida política que parece ter causado mui-
te basicamente a partir da década de 1970. to impacto na área de educação especial foi a pro-
mulgação, em 1977, de uma lei pública nos Estados
Normalização e integração escolar Unidos (USA, 1977), que assegurou educação públi-
ca apropriada para todas as crianças com deficiên-
O princípio da normalização teve sua origem nos cias, instituindo oficialmente, em âmbito nacional, o
países escandinavos, com Bank-Mikkelsen (1969) e processo de mainstreaming.1 Tal legislação se consti-
Nirje (1969), que questionaram o abuso das institui- tuiu na base jurídica que definia a colocação de indi-
ções residenciais e das limitações que esse tipo de víduos com deficiências em alternativas minimamente
serviço sobrepunha em termos de estilo de vida. O restritivas, e que, conseqüentemente, incentivava a
princípio tinha como pressuposto básico a idéia de implantação gradual de serviços educacionais na co-
que toda pessoa com deficiência teria o direito ina- munidade e desestimulava a institucionalização.
lienável de experienciar um estilo ou padrão de vida De acordo com os princípios básicos do mainstrea-
que seria comum ou normal em sua cultura, e que a ming, a colocação seletiva de estudantes com defi-
todos indistintamente deveriam ser fornecidas opor- ciências deveria levar em consideração os seguintes
tunidades iguais de participação em todas as mes- critérios: 1) preferência pelos serviços educacionais
mas atividades partilhadas por grupos de idades equi- com o mínimo possível de restrição; 2) oferta de ser-
valentes. viços educacionais especiais e regulares coordenados;
O princípio de normalização foi amplamente di- e 3) promoção de situações escolares que favoreces-
fundido também na América do Norte e Europa. As sem a convivência com grupos sociais de idades equi-
subseqüentes implicações desse princípio foram in- valentes (Kirk & Gallagher, 1979).
fluenciadas pelas propostas de Wolfensberger (1972),
que operacionalizou o conceito de “normalização dos
estilos de vida” para “normalização de serviços”, par- 1
O termo mainstreaming (fluxo, corrente ou tendência prin-
tindo do pressuposto de que ambientes adequados cipal) foi no Brasil traduzido como integração, mas como os con-
seriam aqueles vivenciados pelos indivíduos coetâ- ceitos são diferentes em língua inglesa, optamos por manter a grafia
neos considerados normais. original.

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Desde seu surgimento, o princípio de normaliza- meios e as metas sobre o princípio de normalização,
ção foi criticado, mais pela incompreensão de que não concluiu que havia consenso geral sobre o princípio
se tratava de uma teoria científica, mas sim de um em si, mas também desacordo em relação aos meios
princípio filosófico de valor, que estabelecia que to- de operacionalizá-lo.
das as pessoas, a despeito de suas inabilidades, deve- Deno (1970), considerando a estrutura organiza-
riam ser tratadas, antes de tudo, como seres humanos cional dos serviços nos EUA, propôs o sistema em
plenos. A normalização não era algo para ser feito cascata, com diferentes níveis ou graus de integra-
para uma pessoa, no sentido de tentar normalizá-la, ção, envolvendo: 1) classe comum, com ou sem apoio;
mas sim um princípio que fornecia critérios através 2) classe comum associada a serviços suplementares;
dos quais os serviços poderiam ser planejados e ava- 3) classe especial em tempo parcial; 4) classe espe-
liados (Mc Cord, 1982). cial em tempo integral; 5) escolas especiais, 6) lares;
Em função da confusão relacionada ao signifi- 7) ambientes hospitalares ou instituições residenciais.
cado desse princípio, muitas vezes entendido como Tal sistema pressupunha uma possibilidade de mu-
uma proposta para “normalizar pessoas”, Wolfensberger dança de nível para o aluno, buscando um grau maior
(1983) tentou substituí-lo pelo termo “valorização do de integração escolar com base nas potencialidades e
papel social”, com o intuito de enfatizar as metas que no progresso do aluno.
seriam promover tanto a imagem social quanto as Outros estudos analisando as várias formas como
competências pessoais. Entretanto, o uso do termo a proposta de integração escolar estava sendo
normalização popularizou-se e passou a ser ampla- operacionalizada no Reino Unido (Warnock Report,
mente utilizado. 1979;3 Hegarty, Pocklington & Lucas, 1981) e na Su-
O’Brien (1999) analisou o princípio em cinco écia (Söder, 1980) também indicaram arranjos muito
dimensões, que seriam: a presença na comunidade, a semelhantes na forma de um contínuo de possíveis
participação na comunidade, a promoção de habili- soluções, o que indica que desde o início do movi-
dades, a promoção da imagem social e a autonomia mento pela integração escolar houve restrição ao uso
ou empowerment.2 Basicamente, o princípio implica- de uma concepção mais ampliada do conceito de nor-
ria prestar serviços assegurando que a pessoa malização, no sentido de evitar-se a colocação de todo
experienciasse dignidade, respeito individual, situa- e qualquer aluno na classe comum da escola regular.
ções e práticas apropriadas para sua idade, e o máxi- Também todos os modelos pressupunham a manuten-
mo possível de participação. ção dos serviços já existentes e uma opção preferencial
A partir da década de 1970, houve uma mudan- pela inserção na escola comum, e mais especifica-
ça, e as escolas comuns passaram a aceitar crianças mente na classe comum, mas admitindo a necessidade
ou adolescentes deficientes em classes comuns, ou, de manter o contínuo de serviços com diferentes ní-
pelo menos, em classes especiais. Essa filosofia foi veis de integração.
amplamente difundida ao longo da década de 1980
no panorama mundial. Epstein (1982), ao estudar os

3
O Relatório Warnock foi um documento apresentado ao Par-
2
O termo empowerment, embora venha sendo freqüente- lamento do Reino Unido, elaborado por um comitê presidido por
mente traduzido como empoderamento, não tem uma tradução Mary Warnock, constituído para rever o atendimento aos indivíduos
precisa e foi mantido no original; seu significado neste contexto com deficiências na Inglaterra, País de Gales e Escócia. Trata-se de
seria transferir ou devolver o controle da própria vida para a pes- um documento clássico na área, entre outras questões por ter intro-
soa com deficiência (Charlton, 2000). duzido o conceito de “necessidades educacionais especiais”.

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Assim, a integração escolar não era concebida Influência norte-americana no


como uma questão de tudo ou nada, mas sim como debate sobre inclusão escolar4
um processo com vários níveis, através dos quais o
sistema educacional proveria os meios mais adequa- Analisando-se a literatura sobre inclusão esco-
dos para atender as necessidades dos alunos. O nível lar, constata-se que, em geral, sua origem é apontada
mais adequado seria aquele que melhor favorecesse como iniciativas promovidas por agências multilate-
o desenvolvimento de determinado aluno, em deter- rais, que são tomadas como marcos mundiais na his-
minado momento e contexto. Percebe-se nessa fase o tória do movimento global de combate à exclusão
pressuposto de que as pessoas com deficiências ti- social. Entretanto, entendemos que essa é uma ver-
nham o direito de conviver socialmente, mas que de- são romantizada dessa história, e a tese apresentada
viam ser, antes de tudo, preparadas em função de suas aqui é a de que o movimento pela inclusão escolar de
peculiaridades para assumir papéis na sociedade. crianças e jovens com necessidades educacionais es-
Em 1989, Christie (apud Rosenqvist,1994) ex- peciais surgiu de forma mais focalizada nos Estados
plica que a palavra “integração” deriva do latim Unidos, e que, por força de penetração da cultura desse
integrare, do adjetivo integer, que originalmente sig- país, ganhou a mídia e o mundo ao longo da década
nificava intacto, não tocado, ou íntegro. Entretanto, de 1990.
ao longo da história, a palavra “integração” teve duas Uma evidência disso pode ser constatada no fato
derivações de sentido nas línguas modernas. Uma de que, até meados da década de 1990, na literatura o
delas é o original, e o outro, o sentido de “compor”, termo “inclusão” aparece nos países de língua ingle-
“fazer um conjunto”, “juntar as partes separadas no sa, e mais especificamente nos Estados Unidos, en-
sentido de reconstruir uma totalidade”. A autora aponta quanto os países europeus ainda conservavam tanto a
que o conceito de integração escolar, por razões his- terminologia “integração” quanto a proposta de colo-
tóricas, parece ter assumido o segundo sentido, que cação seletiva no contínuo de serviços.5 Pesquisado-
seria o da mera colocação de pessoas consideradas res norte-americanos identificaram que o termo “in-
deficientes numa mesma escola, mas não necessaria- clusão” apareceu na literatura por volta de 1990, como
mente na mesma classe. substituto do termo “integração” e associado à idéia
As críticas que surgiram posteriormente ao mo- de colocação de alunos com dificuldades prioritaria-
delo se basearam na constatação de dois fatos: a pas- mente nas classes comuns (Sailor, Gee & Karasoff,
sagem de alunos com necessidades educacionais es- 1993; Lipsky & Gartner, 1997; Turnbull et al., 2002;
peciais de um nível de serviço mais segregado para Sailor, 2002).
outro, supostamente mais integrador, dependia uni- A fim de aprofundar um pouco mais a análise, se-
camente dos progressos da criança, mas na prática rão descritos os movimentos de reformas ocorridos no
essas transições raramente aconteciam, o que com- sistema educacional dos EUA, antes da popularização
prometia os pressupostos da integração escolar. Em mundial do conceito de inclusão escolar.
algumas comunidades, as políticas oficiais de inte-
gração escolar resultaram, na maioria das vezes, em
4
práticas quase permanentes de segregação total ou Apesar de ser mais freqüente o uso do termo “educação

parcial, o que acabou gerando reações mais intensas inclusiva”, optamos por questões semânticas pela utilização do

no sentido de buscar novas formas de assegurar a pre- termo “inclusão escolar”.


5
sença e participação na comunidade, a promoção de Ver por exemplo os trabalhos comparativos de Pijl e Meijer

habilidades, da imagem social, da autonomia, e o (1991), Reynolds e Ainscow (1991), O’Hanlon (1995), Ainscow e

empowerment das pessoas com necessidades educa- Haile-Giorgis (1998), Booth e Ainscow (1998), Evans (2004) e

cionais especiais. Porter (2004).

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A década de 1980 iria inaugurar uma grande in- cursos para programas da educação especial). O con-
satisfação entre alguns educadores norte-americanos, junto desses esforços veio a ser conhecido como “mo-
principalmente depois de 1983, com a publicação do vimento de reestruturação escolar”, e teve como alvo
estudo “A nation at risk: the imperative educacional melhorar a educação da população de risco.
reform”,6 elaborado pela National Commission on Sailor, Gee e Karasoff (1993) apontaram que al-
Excellence in Education (USA, 1983). Tal documen- guns elementos-chave dessa reforma, tais como a re-
to oferecia um retrato muito pessimista da educação visão curricular, a avaliação baseada no desempenho,
nos EUA, questionando seriamente se no futuro eles a descentralização da instrução, a autonomia organi-
seriam capazes de manter sua posição de liderança zacional da escola, a gestão e o financiamento cen-
no contexto mundial. Essa revisão provocou dois trados na escola, a tomada de decisão compartilhada,
momentos seguidos de reforma no sistema educacio- a fusão e coordenação dos recursos educacionais e o
nal geral. envolvimento da comunidade, trouxeram implicações
A primeira onda de reforma iniciada na década para a educação das crianças com necessidades edu-
de 1980 foi denominada “movimento pela excelência cacionais especiais, na medida em que tais mudanças
na escola”. A escola foi identificada como o locus dos resultaram em maior flexibilidade para as escolas, que
problemas educacionais, e mecanismos de controle puderam, a partir de então, romper com as práticas
de desempenho foram criados, baseados em pesqui- tradicionais e aceitar novos desafios. A reestrutura-
sas sobre os indicadores de qualidade (testes padro- ção das escolas aumentou também a consciência e o
nizados de desempenho e financiamento controlado respeito à diversidade, e produziu mudanças no papel
pelo ranqueamento das escolas e dos sistemas educa- da escola, que passou a responder melhor às necessi-
cionais baseado nesses indicadores). dades de seus diferentes estudantes, provendo recur-
Sailor, Gee e Karasoff (1993) relatam que a pes- sos variados centrados na própria escola.
quisa educacional nesse período contribuiu para a in- Na educação especial, em contrapartida, a polí-
trodução de inovações nos currículos e métodos ins- tica de integração escolar havia resultado numa es-
trucionais, mas que essas mudanças produziram trutura de serviços fragmentada, com função duplicada
efeitos apenas sobre os melhores estudantes, sem afe- e nem sempre acessível a todos, sendo que algumas
tar as possibilidades de insucesso e taxas de evasão experiências de reestruturação escolar nos EUA, com
dos estudantes de risco, que na época compunham sua ênfase na organização e gestão com locus na es-
cerca de metade da população escolar daquele país. cola, permitiram em alguma proporção racionalizar,
A segunda onda de reforma, do final da década democratizar e melhorar o atendimento às necessida-
de 1980, surgiu em parte pela reação às restrições des diferenciadas de alunos especiais.7
burocráticas impostas às escolas com a exigência de Paralelamente às reformas na educação geral,
prestação de contas, e tiveram três direções: mudan- ocorreram, também na década de 1980, dois movi-
ças nas formas como as escolas eram organizadas, mentos mais focalizados na educação especial, que
melhoria no status da profissão docente (com aumen- influenciaram diretamente o aparecimento da proposta
to de salários, por exemplo) e revisão do sistema de
financiamento das escolas, com ênfase na gestão lo-
cal ou descentralizada dos recursos (inclusive dos re- 7
Para uma revisão de pesquisas sobre o alinhamento entre
os movimentos de reestruturação e a inclusão escolar nos EUA,
ver documento publicado em conjunto pela RMC Research
Corporation, The Academy for Educational Development, e
6
Que pode ser traduzido como “Uma nação em risco: o National Association of State Directors of Special Education
imperativo para a reforma educacional”. (2002).

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de inclusão escolar: o Regular Education Initiative8 (Gartner & Lipsky, 1989; Stainback & Stainback,
(Will, 1986) e o Full Inclusion9 (Gartner & Lipsky, 1984), que se configurava de forma mais radical, no
1989; Stainback & Stainback, 1984). sentido de estabelecer um tipo de política sem exce-
A proposta contida na “Iniciativa da Educação ção, requisitando a participação em tempo integral na
Regular” surgiu a partir da publicação, em 1986, de classe comum apropriada à idade, para todos os estu-
um artigo por Madeleine C. Will, que era secretária dantes, a despeito do quão extensivas fossem suas li-
assistente dos serviços de educação especial e de rea- mitações. A proposta estava fundamentada na ética
bilitação, no qual ela denunciava as limitações da le- da participação e do desenvolvimento social sem a
gislação vigente, apontando a necessidade de parce- preocupação com ganhos acadêmicos. Tal proposta
rias entre educação regular e especial, de otimizar os surgiu no âmbito dos que defendiam os direitos dos
recursos e os serviços educacionais. Com a alegação indivíduos com graus mais severos de limitação inte-
de que a educação de crianças e jovens com necessi- lectual, que foi a clientela para a qual os modelos de
dades educacionais especiais deveria ser responsabi- integração escolar foram mais prejudiciais, dado que
lidade da educação comum, Will (1986) defendia que eles continuavam vivenciando experiências segrega-
todos os alunos deveriam ser inseridos nas classes doras no processo educacional, e sendo excluídos das
comuns das escolas comuns, sem descartar a necessi- classes comuns e das escolas regulares. Muito da ar-
dade de manutenção dos serviços de ensino especial gumentação para a inclusão total foi impelida pela
separados. confiança no direito cível contra a segregação de es-
O ponto básico dessa proposta foi a busca pela tudantes com base em suas deficiências, um tema que
junção dos recursos da educação regular e especial, a estava tendo reflexo em várias decisões importantes
fim de melhor atender estudantes cujas necessidades em processos judiciais cujos julgamentos acabavam
educacionais eram, principalmente, acadêmicas (Will, favorecendo práticas de colocação inclusiva.
1986). Na prática, ocorreu que crianças com dificul- Percebe-se que há alguns pontos comuns entre
dades de aprendizagem passaram a ser apoiadas na essas duas iniciativas, pois ambas tiveram suas ori-
classe comum, ao invés de serem retiradas para rece- gens no movimento pela integração escolar e busca-
ber apoio em classes de recursos, e isso gerou uma vam a fusão dos sistemas de ensino regular e espe-
grande controvérsia sobre a utilidade da classe de re- cial. A idéia central era a de que, além de intervir
cursos. Entretanto, essa prática não foi bem aceita pela diretamente sobre essas pessoas, se fazia necessário
comunidade educacional e, segundo Scruggs e mudar também a escola, para que esta possibilitasse
Mastropieri (1993), essa política do Governo Reagan a convivência dos diferentes. No âmbito da educa-
resultou no enfraquecimento das garantias legais da ção, passou-se a defender um único sistema educa-
população da educação especial, e reavivou o debate cional de qualidade para todos os alunos, com ou sem
a favor e contra os programas de educação especial deficiência. Entretanto, a “Iniciativa da Educação
separados da educação regular. Regular” tinha como população-alvo os indivíduos
Além do modelo derivado da “iniciativa da edu- com limitações leves ou no máximo moderadas, en-
cação regular”, surgiu a proposta de “inclusão total” quanto a “inclusão total” era defendida pelos advo-
gados dos direitos dos portadores de deficiências mais
severas (Sale & Carey, 1995).
8
O termo Regular Education Initiative (REI) será aqui tra- Assim, os movimentos da educação geral e da
duzido como “Iniciativa da Educação Regular”. educação especial nos Estados Unidos, que antes eram
9
O termo full inclusion será traduzido neste artigo como empreendimentos de forma isolada, passaram a po-
“inclusão total”, no sentido de ser uma abordagem mais radical der partilhar uma mesma agenda de reformas, princi-
em favor de uma inclusão que seja total, integral ou plena. palmente após o movimento de reestruturação esco-

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lar. Entretanto, o movimento naquele país logo se bi- tantes mais pelas oportunidades que oferecem
furcou em pelo menos duas principais correntes, com para fazer amizades, para mudar o pensamen-
propostas divergentes sobre qual seria a melhor for- to estereotipado sobre as incapacidades e para
ma de educar crianças e jovens com necessidades fortalecer as habilidades de socialização;
educacionais especiais: a proposta de “educação in- b) Os “inclusionistas” defendem a manutenção
clusiva” e a da “inclusão total” (Sailor, 2002). do contínuo de serviços que permite a colo-
Sailor (2002) aponta que o termo “educação in- cação desde a classe comum até os serviços
clusiva” emergiu também no início da década de 1990, hospitalares, enquanto os “inclusionistas to-
e embora tivesse implicações políticas semelhantes às tais” advogam pela colocação apenas e só na
do termo “inclusão”, seu foco era mais na escola do classe comum da escola regular, e pregam
que na sala de aula. A “educação inclusiva” pressupu- ainda a necessidade de extinção do contínuo;
nha a colocação de todos os estudantes como mem- c) Os “inclusionistas” acreditam que a capaci-
bros de uma classe comum, mas deixava abertas as dade de mudança da classe comum é finita, e
oportunidades para estudantes serem ensinados em mesmo que uma reestruturação ocorra a es-
outros ambientes na escola e na comunidade. A retira- cola comum não será adequada a todas as
da da criança da classe comum seria possível nos ca- crianças, ao passo que os “inclusionistas to-
sos em que seus planos educacionais individualizados tais” crêem na possibilidade de reinventar a
previssem que seria improvável derivar benefícios edu- escola a fim de acomodar todas as dimensões
cacionais da participação exclusiva na classe comum. da diversidade da espécie humana.
A partir de então, aparecem na literatura duas
posições mais extremistas, estando num dos extremos Paralelamente a esse embate sobre as diferentes
a proposta de inclusão total, que advoga a colocação formas de se conceber as diretrizes de uma política
de todos os estudantes, independentemente do grau e de inclusão escolar nos sistemas de ensino, que vai se
tipo de incapacidade, na classe comum da escola pró- prolongar ao longo da década de 1990, chegando até
xima à sua residência, e a eliminação total do atual a atualidade, observa-se o surgimento de um contex-
modelo de prestação baseado num contínuo de servi- to histórico mundial que passou a reforçar cada vez
ços de apoio de ensino especial. Do outro lado estão mais a ideologia da educação inclusiva, que, embora
os adeptos da educação inclusiva, que consideram que pareça historicamente ter surgido de forma mais or-
a melhor colocação seria sempre na classe comum, ganizada nos Estados Unidos, ganhou a mídia e o
embora admitindo a possibilidade de serviços de su- mundo a partir da metade da década de 1990.
portes, ou mesmo ambientes diferenciados (tais como
classes de recursos, classes especiais parciais ou Marcos mundiais da educação inclusiva10
autocontidas, escolas especiais ou residenciais).
Fuchs e Fuchs (1998), analisando a realidade de Em 1990, foi realizada a Conferência Mundial
seu país, estabeleceram as seguintes diferenças entre sobre Educação para Todos: satisfação das necessi-
as propostas de inclusão escolar e de inclusão total: dades básicas de aprendizagem, em Jomtien,
Tailândia, promovida pelo Banco Mundial, Organi-
a) Os “inclusionistas” consideram que o objeti-
vo principal da escola é auxiliar o aluno a
dominar habilidades e conhecimentos neces-
sários para a vida futura, tanto dentro quanto 10
A utilização do termo “educação inclusiva” nesta parte
fora da escola, enquanto os “inclusionistas do texto é proposital, para ser fiel à terminologia dos documentos
totais” acreditam que as escolas são impor- internacionais que irão popularizar o conceito.

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zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência processo. Dessa forma, o paradigma da inclusão
e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas globaliza-se e torna-se, no final do século XX, palavra
para a Infância (UNICEF) e Programa das Nações de ordem em praticamente todas as ciências humanas.
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Participa- Portanto, não é nova a idéia de que seria melhor
ram educadores de diversos países do mundo, sendo incorporar crianças com necessidades educacionais
nessa ocasião aprovada a Declaração Mundial sobre especiais na escola comum, pois estava presente des-
Educação para Todos. de o movimento pela integração escolar, que, entre-
Nos países pobres e em desenvolvimento, as es- tanto, entendia que o problema estava centrado nas
tatísticas do início da década de 1990 apontavam que crianças e deixava implícita uma visão acrítica da es-
mais de 100 milhões de crianças e jovens não tinham cola, por pressupor que as escolas comuns conseguiam
acesso à escolarização básica; e que apenas 2% de educar pelo menos os considerados normais (Bueno,
uma população com deficiência, estimada em 600 2001). A inclusão, em contrapartida, estabelecia que
milhões de pessoas, recebia qualquer modalidade de as diferenças humanas eram normais, mas ao mesmo
educação. Tais evidências estimularam o consenso tempo reconhecia que a escola estava provocando ou
sobre a necessidade de concentrar esforços para aten- acentuando desigualdades associadas à existência das
der as necessidades educacionais de inúmeros alunos diferenças de origem pessoal, social, cultural e políti-
até então privados do direito de acesso, ingresso, per- ca, e por isso pregava a necessidade de reforma edu-
manência e sucesso na escola básica (Declaração cacional para prover uma educação de qualidade para
Mundial sobre Educação para Todos, 1990). todas as crianças.
Em 1994, promovida pelo governo da Espanha e Peter Mittler (apud Martins, 1999) acrescenta que
pela UNESCO, foi realizada a Conferência Mundial na perspectiva da integração não havia pressuposição
sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e de mudança da escola, ao passo que a inclusão estabe-
qualidade, que produziu a Declaração de Salamanca lecia necessidade de reformulação dos currículos, das
(Brasil, 1997), tida como o mais importante marco formas de avaliação, da formação dos professores e a
mundial na difusão da filosofia da educação inclusiva. adoção de uma política educacional mais democrática.
A partir de então, ganham terreno as teorias e práticas Ao mesmo tempo em que o ideal da inclusão se
inclusivas em muitos países, inclusive no Brasil. globaliza e se torna pauta de discussão obrigatória
No contexto mundial, o princípio da inclusão para todos os interessados nos direitos dos alunos com
passa então a ser defendido como uma proposta da necessidades educacionais especiais, são renovadas
aplicação prática ao campo da educação de um movi- velhas controvérsias, que estavam também presentes
mento mundial, denominado inclusão social, que im- no ideário da integração escolar, e que se referem às
plicaria a construção de um processo bilateral no formas de efetivá-la. Ferguson e Ferguson (1998)
qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam, em apontam os seguintes conflitos acerca da inclusão
parceria, efetivar a equiparação de oportunidades para escolar de alunos com necessidades educacionais es-
todos, construindo uma sociedade democrática na qual peciais: a) a inclusão é para todos, ou só para alguns?;
todos conquistariam sua cidadania, na qual a diversi- b) a inclusão significa colocação integral na classe
dade seria respeitada e haveria aceitação e reconheci- comum ou pode-se combinar a colocação na classe
mento político das diferenças. comum com situações especializadas de aprendiza-
Num contexto em que uma sociedade inclusiva gem?; c) a inclusão prioriza a aprendizagem social e
passa a ser considerada um processo de fundamental as amizades ou o desempenho acadêmico bem-
importância para o desenvolvimento e a manutenção sucedido?; d) a inclusão será prejudicial ou positiva
do estado democrático, a educação inclusiva começa a para os alunos sem limitações?; e) as evidências em-
configurar-se como parte integrante e essencial desse píricas sustentam ou não a inclusão?

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 395


Enicéia Gonçalves Mendes

Os autores consideram que, subjacente a algu- d) a afirmação de que as pessoas deficientes


mas dessas tensões presentes na atual retórica sobre a compõem um grupo minoritário em luta pe-
inclusão escolar, se encontra o antigo dilema sobre los seus direitos civis, como qualquer outra
qual é a natureza e o propósito da escolarização em minoria oprimida e segregada, é um argumen-
si, e que, enquanto a inclusão poderia ser parte de um to falacioso para sustentar a defesa da “inclu-
debate maior sobre a função da escola, ela ainda se são total”, porque, além de grupo minoritário,
detém muito em onde e como os indivíduos podem eles têm dificuldades centradas nos seus me-
aprender melhor. canismos de aprendizagem e precisam de res-
Em resumo, ao longo dos últimos trinta anos, postas educacionais diferenciadas, nem sem-
tem-se assistido a um grande debate acerca das van- pre disponíveis na classe comum;
tagens e desvantagens, antes, da integração escolar, e) um dos principais direitos de qualquer mino-
e, mais recentemente, da inclusão escolar. A questão ria é o seu direito de escolha, sendo que os
sobre qual é a melhor forma de educar crianças e jo- pais ou tutores desses alunos devem ter liber-
vens com necessidades educacionais especiais não tem dade para escolher o que acham melhor para
resposta ou receita pronta. Na atualidade, as propos- os seus filhos;
tas variam desde a idéia da inclusão total – posição f) desconsiderar a evidência empírica de que há
que defende que todos os alunos devem ser educados eficácia em alguns tipos de resposta mais pro-
apenas e só na classe da escola regular – até a idéia de tegida, para alguns tipos de alunos com difi-
que a diversidade de características implica a exis- culdades especiais na escola, seria uma atitu-
tência e manutenção de um contínuo de serviços e de de profissionalmente irresponsável e antiética;
uma diversidade de opções. g) na ausência de dados que suportem a vanta-
Hallahan e Kauffman (1994) apontam que a gem do modelo, os educadores e políticos de-
proposta de “inclusão total” ainda hoje sofre con- veriam preservar o contínuo de serviços, para
siderável resistência, com base nos seguintes argu- que, em qualquer momento, seja salvaguar-
mentos: dada a escolha daquele que se mostrar menos
restritivo para as circunstâncias.
a) há muitos pais, professores (tanto do ensino
regular quanto do especial), especialistas e os Enfim, sob a bandeira da inclusão são encontra-
próprios educandos, que estão satisfeitos com dos, na atualidade, práticas e pressupostos bastante dis-
os serviços baseados no continuum; tintos, o que garante um consenso apenas aparente e
b) para alguns tipos de dificuldade (como as defi- acomoda diferentes posições que podem ser extrema-
ciências graves, os graves problemas compor- mente divergentes. Uma tomada de posição consciente
tamentais ou as desordens sérias na comunica- dentro desse conjunto de possibilidades deve começar
ção) pode ser mais restritiva e segregadora a pelo entendimento que se tem acerca do princípio da
sala de aula comum do que um tipo de coloca- inclusão escolar, lembrando que o termo assume atual-
ção mais protegida e estruturada; mente o significado que quem o utiliza deseja. E como
c) nem todos os professores e educadores do en- se configura a discussão desta temática no Brasil?
sino regular estão dispostos a, ou mesmo são
capazes de lidar com todos os tipos de alunos Perspectivas da inclusão escolar
com dificuldades especiais, principalmente na realidade brasileira
com os casos de menor incidência – mas de
maior gravidade – que exigem recursos téc- No Brasil, iniciativas isoladas e precursoras de
nicos e serviços diferenciados de apoio; educação de indivíduos com necessidades educacio-

396 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006


A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil

nais especiais podem ser constatadas já no século XIX, a manutenção do contínuo de serviços nunca chegou
e, acompanhando a tendência da época, em institui- de fato a ser implementado na “integração escolar” à
ções residenciais e hospitais – portanto, fora do siste- moda brasileira, visto que ainda hoje os recursos pre-
ma de educação geral que aos poucos se iria consti- dominantes são as classes especiais nas escolas pú-
tuindo no país. blicas e as escolas especiais, notadamente as priva-
Durante a década de 1950, a escassez de servi- das e filantrópicas.
ços e o descaso do poder público deram origem a Estima-se que existam no país cerca de seis mi-
movimentos comunitários que culminaram com a lhões de crianças e jovens com necessidades educa-
implantação de redes de escolas especiais privadas cionais especiais,11 para um contingente oficial de
filantrópicas para aqueles que sempre estiveram ex- matrículas em torno de 500 mil alunos (Brasil, 2003),
cluídos das escolas comuns (Jannuzzi, 2004). Entre- considerando o conjunto de matrículas em todos os
tanto, é muito provável que algumas crianças com tipos de recursos disponíveis (desde escolas especiais
alguns tipos mais brandos de deficiência tenham sem- até escolas e classes comuns). Portanto, a grande
pre tido alguma oportunidade de acesso à escola co- maioria dos alunos com necessidades educacionais
mum, um fenômeno que a literatura vem apontando especiais encontra-se hoje fora de qualquer tipo de
como de integração espontânea ou não-planejada, escola, o que configura muito mais uma exclusão ge-
encontrada em países com cobertura deficitária (Odeh, neralizada da escola, a despeito da anterior retórica
2000; Krause, 2002). da integração e/ou da recente proposta de inclusão
Foi apenas na década de 1970 que surgiu uma escolar.
resposta mais contundente do poder público a essa As mazelas da educação especial brasileira, en-
questão (Ferreira, 1994; Mazzotta, 1994; Jannuzzi, tretanto, não se limitam à falta de acesso. Os poucos
2004). Possivelmente esse avanço foi decorrência da alunos que têm tido acesso não estão necessariamen-
ampliação do acesso à escola para a população em te recebendo uma educação apropriada, seja por falta
geral, da produção do fracasso escolar e da conse- de profissionais qualificados ou mesmo pela falta ge-
qüente implantação das classes especiais nas escolas neralizada de recursos. Além da predominância de
básicas públicas, na época predominantemente sob a serviços que envolvem, desnecessariamente, a segre-
responsabilidade dos sistemas estaduais (Ferreira, gação escolar, há evidências que indicam um descaso
1994). do poder público, uma tendência de privatização (con-
Assim, o início da institucionalização da educa- siderando que a maioria das matrículas está concen-
ção especial em nosso país coincidiu com o auge da trada na rede privada, mais especificamente em insti-
hegemonia da filosofia da “normalização” no contexto tuições filantrópicas) e uma lenta evolução no
mundial, e passamos a partir de então a atuar, por cer- crescimento da oferta de matrículas, em comparação
ca de trinta anos, sob o princípio de “integração esco- com a demanda existente.
lar”, até que emergiu o discurso em defesa da “edu- A Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) e
cação inclusiva”, a partir de meados da década de as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n.
1990. 9.394/96 (Brasil, 1996) – estabelecem que a educa-
Os resultados dos trinta anos da política de “in-
tegração escolar” tiveram como maior impacto o for-
talecimento do processo de exclusão na escola públi-
ca de crianças consideradas indesejadas pela escola 11
Tal estimativa não é facilmente encontrada nos documen-
comum, que eram encaminhadas para as classes es- tos oficiais; essa informação foi extraída de uma reportagem pu-
peciais (Bueno, 1993). O modelo que previa uma op- blicada no jornal Folha de S. Paulo de 11 de junho de 1999, cuja
ção preferencial pela inserção na classe comum com fonte noticiada foi o Ministério da Educação.

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 397


Enicéia Gonçalves Mendes

ção é direito de todos e que as pessoas com necessi- diretrizes políticas anunciadas pelos sistemas públicos
dades educacionais especiais devem ter atendimento de ensino estejam sendo bem-sucedidas, porque:
educacional “preferencialmente na rede regular de
ensino”, garantindo atendimento educacional especi- a) houve um aumento muito discreto na cober-
alizado aos portadores de deficiência. A legislação, tura em relação à demanda em potencial;
ao mesmo tempo em que ampara a possibilidade de b) a maioria continua à margem de qualquer tipo
acesso à escola comum, não define obrigatoriedade e de escola;
até admite a possibilidade de escolarização que não c) os que conseguem acesso ainda estão majori-
seja na escola regular. tariamente em escolas especiais privadas fi-
As estatísticas oficiais apontam que de 1996 a 2003 lantrópicas, ou no máximo em classes espe-
houve um incremento da cobertura da ordem de ciais de escolas comuns;
150,6%, e que, das 504.039 matrículas, 55,5% ainda d) os dados oficiais são imprecisos porque os
se concentravam em escolas especializadas e 15,6% procedimentos de identificação de alunos ado-
em classes especiais. Das matrículas em classes co- tados no censo escolar não são confiáveis, na
muns, havia 63.766 educandos (12,5%) com apoio de medida em que não há no país diretrizes cla-
salas de recursos e 81.375 educandos (16,4%) freqüen- ras para a notificação, e muito menos para a
tando exclusivamente classes comuns (Brasil, 2003). classificação categorial;
Analisando-se a evolução das matrículas por de- e) a alta proporção de alunos enquadrados na
pendência administrativa nos anos de 1996 a 2003, categoria “outros” parece indicar que a esta-
observa-se uma tendência à municipalização, indicada tística foi inflacionada com alunos que não
pelo incremento percentual de 389% na rede munici- estavam antes sendo contabilizados, e que
pal, contra 185% na rede particular, 44% na rede es- provavelmente já tinham acesso à escola,
tadual e um decréscimo de 13,8% nas matrículas na mesmo antes do anúncio oficial de políticas
rede federal. de inclusão escolar; sendo que esse alto con-
Os dados oficiais apontavam ainda que houve tingente nessa categoria residual evidencia in-
nesse mesmo período (de 1996 a 2003) um cresci- definição atual de quem é a população de alu-
mento de matrículas de 242% para estudantes nos com necessidades educacionais especiais;
superdotados/com altas habilidades, 210% para alu- f) o incremento percentual das matrículas de alu-
nos com deficiência física, 200% para alunos com nos com quadros de deficiências deve ser pon-
deficiência visual, 165% para alunos com deficiência derado em razão do reduzido número de ma-
múltipla, 108% para alunos com deficiência intelec- trículas em 1996, e também pelo fato de a
tual, 83,2% para alunos com deficiência auditiva e de maioria se enquadrar na condição de deficiên-
77% para estudantes com as condutas típicas de cia mental, que é a condição cujo diagnóstico
síndromes. Entretanto, os dados de 2003 apontam que é bastante complicado na realidade brasileira.
o aumento mais expressivo nas matrículas foi encon-
trado numa categoria genérica denominada “outras”, Assim, embora se perceba que o debate acerca da
na qual foram enquadradas 66.850 pessoas (cerca de inclusão escolar vem sendo um assunto recorrente, nem
13% do total dos estudantes notificados como espe- mesmo a matrícula de alunos com necessidades edu-
ciais), sendo que tal categoria não foi considerada nos cacionais especiais, uma garantia legal alcançada há
dados de 1996. mais de 17 anos, parece estar avançando.
Em resumo, ainda que se observasse um aumento Numa revisão da produção científica na forma
nas matrículas tomando-se como base os dados ofi- de dissertações e teses sobre a temática, Mendes,
ciais, o que não é o caso, não há evidências de que as Ferreira e Nunes (2003) apontaram que os poucos

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A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil

dados empíricos disponíveis se restringem muito a Na gestão política do atual governo, a SEESP,
relatos de depoimentos, de experiências, e em estu- ignorando o aporte que se teve no país com o debate
dos de casos, que não permitem ainda avaliar o im- acerca da inclusão escolar na última metade da déca-
pacto da política educacional. No geral, os estudos da de 1990, e desafiando o pressuposto de que uma
nacionais indicam que, mesmo para as poucas matrí- política tenha de ser um processo de construção cole-
culas existentes, faltam aspectos básicos para garan- tiva, tem tentado consistentemente impingir aos sis-
tir não apenas o acesso, mas a permanência e o suces- temas uma diretriz política nada consensual, que é
so desses alunos com necessidades educacionais mais fundamentada no princípio da inclusão total.
especiais matriculados em classes comuns. Uma ação que indica a radicalização da condu-
No âmbito dos sistemas estaduais e municipais, ção da política tem sido as várias tentativas de produ-
diretrizes políticas de reforma norteadas pelos princí- zir alterações na Resolução n. 2/2001 do Conselho
pios da inclusão escolar estão sendo anunciadas, mas Nacional de Educação (CNE) (Brasil, 2001), docu-
em geral observa-se a ausência de procedimentos de mento construído com a participação da sociedade
avaliação, o que compromete o processo de imple- civil. A resposta contida no Parecer n. 4/2002 do CNE
mentação das propostas. Faltam indicadores para (Brasil, 2002) considerou improcedente a necessida-
monitorar o processo, os que acenam com estatísticas de de revisão da referida resolução (Cury, 2005), mas
promissoras muitas vezes não possuem dados confiá- a SEESP continua mantendo esforços para alterar esse
veis, e outras vezes não complementam seus estudos documento, sem envolver a participação da comuni-
com descrições de quem é esse alunado e de como dade interessada no assunto.
está sua situação educacional – ou, mais especifica- Ainda a pretexto de promover a educação inclu-
mente, se eles estão tendo acesso ao currículo, se es- siva, a SEESP tem investido no Programa de Educa-
tão socializando na direção desejável e se estão sen- ção Inclusiva: Direito à Diversidade, oferecendo pa-
do socialmente aceitos na escola (Santos, 2002; Rosa, cotes fechados para gestores multiplicadores, que são
2003; Mendes, Ferreira & Nunes, 2003). capacitados em Brasília durante uma semana, rece-
Uma fonte recente de entraves para a evolução bendo um conjunto de apostilas prontas, e seguindo
da política de inclusão escolar no Brasil parece estar para servir como pólo de disseminação da política
originando-se de algumas intervenções da Secretaria de inclusão em suas regiões. Segundo informações
de Educação Especial (SEESP) do Ministério da Edu- encontradas no sítio da SEESP, no portal do Ministé-
cação, que tradicionalmente sempre assumiu papel rio da Educação (MEC), o programa já atingiu 15
fundamental nos rumos da educação especial no país. mil educadores de todos os estados e Distrito Fede-
Nota-se que após a implantação deste órgão, na déca- ral, 144 municípios-pólo que atuam como multipli-
da de 1970, houve uma fase de incentivo explícito à cadores para outros 2.583 municípios da sua área de
iniciativa privada e ao assistencialismo das organiza- abrangência (Brasil, 2005). A meta do programa em
ções não-governamentais (Mazzotta, 1994; Jannuzzi, 2006 é atingir 4.646 municípios (83,5% dos municí-
2004). Posteriormente, o sistema paralelo foi refor- pios brasileiros).
çado na medida em que os estados brasileiros foram Fuller e Clarck (1994) apontam que uma das fa-
incentivados a criar órgãos de gestão junto às secre- lhas freqüentes das propostas políticas de inclusão
tarias de educação, quando o Ministério da Educação escolar tem sido a tendência de tentar padronizar o
começou a repassar regularmente verbas para incen- processo, como se fosse possível desenvolver uma
tivar a formação de professores especializados, e isso perspectiva nacional única, ou prescrever padrões para
fortaleceu a implantação de classes especiais nas es- contextos locais, como os sistemas estaduais ou mu-
colas públicas estaduais (Ferreira, 1994; Mattos, 2004; nicipais, desconsiderando os efeitos que suas histó-
Jannuzzi, 2004). rias assumem sobre a prática e a política.

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 399


Enicéia Gonçalves Mendes

Uma terceira iniciativa da SEESP foi o apoio à A conseqüência dessa política nacional no âmbito
publicação de um documento do Ministério Público dos estados e municípios tem sido guiada mais pela
Federal – O acesso de alunos com deficiência às es- atratividade do baixo custo, pois a curto prazo a ideo-
colas e classes comuns da rede regular (Brasil, logia da inclusão total traz vantagens financeiras, por-
2004) – que reforça os pressupostos da inclusão to- que justifica tanto o fechamento de programas e servi-
tal, desconsiderando assim a posição de grande parte ços nas escolas públicas (como as classes especiais ou
dos pesquisadores, prestadores de serviços, das famí- salas de recursos), quanto a diminuição do financia-
lias e dos próprios indivíduos com necessidades edu- mento às escolas especiais filantrópicas. A médio e lon-
cacionais especiais. go prazos, ela permite ainda deixar de custear medidas
Assim, as ações da política do MEC têm preju- tais como a formação continuada de professores espe-
dicado o processo de construção da inclusão escolar cializados, mudanças na organização e gestão de pes-
na realidade brasileira, entre outros motivos porque: soal e no financiamento para atender diferencialmente
o alunado com necessidades educacionais especiais.
a) Transformaram o debate em embate, produ- Na história da educação especial, em todos os tem-
zindo divisão no movimento histórico de luta pos, sempre houve adeptos das propostas integracio-
pelo direito à educação de pessoas com ne- nistas. Entretanto, elas emergem como ideologia he-
cessidades educacionais especiais, quando de- gemônica justamente em momentos históricos nos
veria promover a integração entre as ações quais a exclusão social se intensifica. O movimento
do poder público e da sociedade civil. pela normalização e integração social, por exemplo,
b) Têm tentado impor uma concepção única de surgiu concomitantemente à depressão econômica de-
política de inclusão, que sequer é consensual, corrente da crise do petróleo, por volta da década de
o que tem dificultado a compreensão por par- 1970, e serviu para fechar instituições e reduzir gastos.
te dos atores desse movimento e, conseqüen- A atual proposta de inclusão emergiu no final da déca-
temente, tem aumentado a resistência à po- da de 1980, quando o modelo econômico vigente pas-
lítica de inclusão escolar que o sistema sou a atingir níveis insuportáveis de exclusão social.
requer. Portanto, os determinantes econômicos têm ser-
c) Deslocaram o debate de seu cerne, que seria vido como poderosos propulsores do movimento de
como melhorar a qualidade da educação bra- inclusão, e têm transformado movimentos sociais le-
sileira para todos os alunos indistintamente, gítimos de resistência em justificativas veladas para
para centralizar na questão de onde os alunos cortar gastos dos programas sociais, diminuindo as-
com necessidades educacionais especiais de- sim o papel do Estado nas políticas sociais.
verão estudar. O perigo dessa contradição tem sido considera-
d) Priorizaram a opinião de juristas sobre qual é velmente maior nas propostas de inclusão total, que
a melhor opção para a escolarização de crian- ainda é uma estratégia política controvertida. Fuchs e
ças com necessidades educacionais especiais, Fuchs (1994) alertam que se trata de uma resposta
desconsiderando a história e a opinião dos muito simplista e equivocada a um tema demasiada-
próprios portadores de deficiências, suas fa- mente complexo, e que ainda está muito mais basea-
mílias, educadores, cientistas e prestadores de da em crença ou convicção pessoal e numa confiança
serviços. excessiva na retórica, quando faltam evidências cien-
e) Têm escalado a educação especial como pro- tíficas capazes de sustentá-la.
tagonista, ao invés de manter seu papel de co- Assim, precisamos na atualidade ir além dos ar-
adjuvante colaboradora, numa reforma que gumentos ideológicos, do romantismo, da ilusão de
deveria ser iniciativa da educação comum. que será um processo fácil, barato e indolor, se qui-

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A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil

sermos avançar de fato em direção a um sistema edu- O movimento seria mais legítimo e teria maior
cacional mais inclusivo, e escrutinar continuamente possibilidade de sucesso se tivesse como lastro uma
se não estamos produzindo, sob a bandeira da inclu- história própria de conquistas e lutas pelo direito à
são, formas cada vez mais sutis de exclusão escolar. educação das crianças e jovens com necessidades
Enfim, ao analisarmos a política de inclusão es- educacionais especiais. Infelizmente, essa não é a
colar como política pública setorizada no campo da nossa realidade.
educação, podemos encontrar evidências suficientes Mas, ao mesmo tempo, não há como negar que a
para prever seu fracasso. Ao contextualizarmos essa grande maioria das nossas crianças e jovens com ne-
política educacional no conjunto de outras políticas cessidades educacionais especiais permanece à mar-
públicas, também setorizadas, para combater a lógica gem de qualquer tipo de escola, e que nesse contexto
da exclusão social, a probabilidade de insucesso am- a posição de ir radicalmente contra a inclusão escolar
plia-se consideravelmente, pois não há como cons- é muito perigosa, pois pode implicar a impossibilida-
truir uma escola inclusiva num país com tamanha de de universalizar o acesso à educação para essa par-
desigualdade, fruto de uma das piores sistemáticas de cela da população que vem sendo historicamente ex-
distribuição de renda do planeta. cluída de nossas escolas.
No Brasil, no campo educacional, as perspecti- Se de fato a facilidade de acesso à escola regular
vas para a mudança estão postas na lei, mas ainda e à classe comum, mesmo que restrita ao âmbito le-
não estão devidamente traduzidas em ações políticas, gal, se configura como um momento ímpar na histó-
e por isso nem chegam às escolas, e menos ainda às ria, ela não pode ser descartada como estratégia de
salas de aula. O poder público não está cumprindo democratização do acesso. Além disso, não há como
bem sua função, o que não impede que cada um assu- melhorar nossas escolas se as diferenças continuarem
ma sua parte e se torne sujeito dessa história. a ser sistematicamente delas excluídas.
O paradoxo torna-se então lidar com uma ideo-
Conclusão logia que é importada, sendo que sua adoção, ao mes-
mo tempo em que representa um alinhamento ao
Este texto sustenta que as raízes históricas da emer- modismo, é também uma questão de valor e portanto
gência do caloroso debate acerca da inclusão escolar de um imperativo moral para as sociedades democrá-
em nosso país é fruto de mais uma adoção ao modismo ticas. Além disso, não se pode negar a conotação po-
importado, e, especificamente, mais uma influência da lítica do movimento pela inclusão escolar como es-
cultura norte-americana, que tem demarcado até mes- tratégia potencial para ampliar o acesso à escola
mo a forma que o movimento vem assumindo no Bra- pública para crianças e jovens com necessidades edu-
sil, o que se evidencia em três semelhanças: cacionais especiais, e talvez de promover o avanço
necessário na educação especial e da educação em
a) na dicotomização do debate entre educação geral no país.
inclusiva x inclusão total; Considerando, entretanto, que o conceito de in-
b) na interpretação equivocada e reducionista de clusão escolar é ambíguo, porque ele assume o signi-
que educação inclusiva é algo que diz respei- ficado dentro de contextos históricos determinados
to exclusivamente à população tradicional da que lhe dão definição, conclui-se também que cada
educação especial, e não ao conjunto dos ex- comunidade deve buscar a melhor forma de definir e
cluídos; e, finalmente, fazer a sua própria política de inclusão escolar, res-
c) na influência de juristas na definição da polí- peitando as bases históricas, legais, filosóficas, polí-
tica de educação para crianças e jovens com ticas e também econômicas do contexto no qual ela
necessidades educacionais especiais. irá efetivar-se.

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 401


Enicéia Gonçalves Mendes

Se o termo surgiu no início da década de 1990 e numa meta comum, que seria a de garantir uma edu-
veio associado a uma prática de colocação de alunos cação de melhor qualidade para todos.
com dificuldades prioritariamente nas classes comuns, Politicamente, o movimento pela inclusão esco-
hoje o seu significado aparece ampliado, englobando lar requer certos cuidados e definições mais precisas,
também a noção de inserção de apoios, serviços e caso contrário terá o mesmo destino da “integração
suportes nas escolas regulares, indicando que a inclu- escolar”, ou seja, corremos o sério risco de perseve-
são bem-sucedida implica financiamento. rar na retórica, na eterna ponderação de que estamos
De modo geral, pode-se concluir que o debate apenas começando um processo, até que venha, no
sobre o princípio da inclusão escolar no Brasil é hoje futuro, um novo “paradigma” redentor, do exterior
um fenômeno da retórica, como foi a integração es- provavelmente, que irá “revolucionar” nosso discur-
colar nos últimos trinta anos. Ainda estamos na luta so e quiçá um dia transformar nossas escolas.
pelo acesso, e este deve ser direcionado necessaria-
mente para aumentar as matrículas nas classes comuns Referências bibliográficas
das escolas públicas do ensino regular.
Entretanto, só o acesso não é suficiente, e tradu- AINSCOW, Mel; HAILE-GIORGIS, Memmenasha. The education
zir a filosofia de inclusão das leis, dos planos e das of children with special needs: barriers and opportunities in Cen-
intenções para a realidade dos sistemas e das escolas tral and Eastern Europe. Florence: UNICEF International Child
requer conhecimento e prática. É preciso, portanto, Development Centre, 1998 (Innocenti Occasional Papers,
questionar: Qual a prática necessária? E o conheci- Economic and Social Policy Series n. 67).
mento necessário para fundamentar a prática? E este BANK-MIKKELSEN, Neils Erik. A Metropolitan area in Denmark:
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disfunções motoras”, ambos apoiados pelo CNPq. E-mail:
ENICÉIA GONÇALVES MENDES, doutora em psicologia egmendes@power.ufscar.br; eniceia.mendes@pesquisador.cnpq.br.
pela Universidade de São Paulo, é professora do Programa de Pós-
Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São
Carlos. Publicações recentes: A pesquisa sobre inclusão escolar Recebido em janeiro de 2006
no Brasil: será que estamos caminhando de fato na busca de solu- Aprovado em maio de 2006

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Resumos/Abstracts/Resumens

Resumos/Abstracts/Resumens

Brazil has become more and more a pactos ha incurrido en la arena de la


Enicéia Gonçalves Mendes true collision, provoking controversy, educación especial, siendo uno de los
A radicalização do debate sobre stridency and polarization. One of the argumentos recurrentes la proposición
inclusão escolar no Brasil largest impacts is taking place in the de que se trata de un nuevo paradigma
O debate sobre a inclusão escolar no arena of Special Education, in which que deberá alterar radicalmente la
Brasil tem se transformado cada vez one of the recurrent arguments is the educación de niños y jóvenes con
mais num verdadeiro embate, provo- proposition that deals with a new necesidades educacionales especiales
cando polêmica, estridência e polariza- paradigm that should radically alter en la realidad brasileña. Con fin de
ção. Um de seus maiores impactos tem the education of children and “iluminar” más de que “exaltar” este
incidido na arena da educação especial, youngsters with special educational debate, me propongo a contextualizar
sendo um dos argumentos recorrentes a needs in the Brazilian context. In order las raíces históricas de este movimien-
proposição de que a se trata de um to “illuminate” rather than to “warm to. En un segundo momento, examino
novo paradigma que deverá alterar ra- up” this debate, we intend, first, to los posibles impactos de la perspectiva
dicalmente a educação de crianças e jo- contextualize the historical roots of the de la inclusión escolar y de la
vens com necessidades educacionais movement. Secondly, we examine the inclusión total en la realidad
especiais na realidade brasileira. A fim possible impacts of school inclusion brasileña. Concluyo discutiendo la
de “iluminar” mais do que “esquentar” and full inclusion on the Brazilian tesis de que tenemos que enfrentar el
este debate, proponho-me a contextua- educational system. In conclusion, we desafío de lidiar con la contradicción
lizar as raízes históricas desse movi- discuss the thesis that we have to face de una ideología importada que repre-
mento. Num segundo momento, exa- the challenge of dealing with the senta una alineación al modismo, pero
mino os possíveis impactos da contradiction of an imported ideology que al mismo tiempo es un imperativo
perspectiva da inclusão escolar e da in- that represents an alignment to the moral que puede ser una de las
clusão total na realidade brasileira. latest fashion, but that at the same time estrategias para superar problemas
Concluo discutindo a tese de que temos can be one of the strategies used to crónicos de la educación especial en el
de enfrentar o desafio de lidar com a overcome chronic problems of special país.
contradição de uma ideologia importa- education in the country. Palabras claves: historia de la
da que representa um alinhamento ao Key words: history of special educación especial; integración;
modismo, mas que ao mesmo tempo é education; school integration; educación inclusiva; inclusión esco-
um imperativo moral que pode ser uma inclusive education; school inclusion; lar; inclusión total
das estratégias para superar problemas full inclusion
crônicos da educação especial no país. La radicalización del debate sobre
Palavras-chave: história da educação inclusión escolar en Brasil
especial; integração; educação inclusi- El debate sobre la inclusión escolar en
va; inclusão escolar; inclusão total Brasil se está tornando cada vez más
Radicalization of the debate on en una verdadera adversidad, provo-
school inclusion in Brazil cando polémica, estridencia y
The debate about school inclusion in polarización. Uno de sus mayores im-

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