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Brazilian Journal of Development 34945

ISSN: 2525-8761

Cognição social, habilidades sociais e funções executivas na infância:


algumas considerações teórico-conceituais

Social cognition, social skills and executive functions in childhood:


some theoretical-conceptual considerations
DOI:10.34117/bjdv8n5-148

Recebimento dos originais: 21/03/2022


Aceitação para publicação: 29/04/2022

Elton André Silva de Castro


Doutor em Psicologia
Instituição: IFPE – campus Afogados da Ingazeira
Endereço: Rua Edson Barbosa de Araújo, S/N, Bairro Manoela Valadares, Afogados da
Ingazeira, PE, CEP: 56800-000
E-mail: elton.castro@afogados.ifpe.edu.br

Leonardo Vandré dos Santos Siqueira


Licenciando em Computação
Instituição: IFPE – campus Afogados da Ingazeira
Endereço: Rua Edson Barbosa de Araújo, S/N, Bairro Manoela Valadares, Afogados da
Ingazeira - PE, CEP: 56800-000
E-mail: lvss2@discente.ifpe.edu.br

RESUMO
Este artigo pretende desenvolver algumas considerações teórico-conceituais, resultante
de revisão bibliográfica não sistemática, que venham fundamentar possíveis ações de
investigação e intervenção, subsidiando práticas de pesquisa e extensão, com crianças
pré-escolares e os profissionais que lidem com elas em contextos institucionais de
educação formal e informal. Tratar dos processos de cognição social exige focalizar o
modo como os sujeitos processam informações emocionais e sociais nos campos de
interação social. Habilidades de processamento de informações que envolvem
decodificação e interpretação de significações sociais conduzem os sujeitos à
configuração de representações dos seus outros sociais com quem estabelecem relações
intersubjetivas. As experiências, semioticamente mediadas, tornam os sujeitos humanos
capazes de construir conhecimentos sobre a experiência social (MECCA, DIAS,
BERBERIAN, 2016) e estes conhecimentos ou saberes conduzem seus modos de ação no
cotidiano. Estes modos de lidar podem ser compreendidos como um conjunto de
habilidades sociais que situam os sujeitos em contextos de interação social, produzindo
ou fomentando relações sociais mais produtivas e satisfatórias. No desenvolvimento
destas considerações abordam-se as chamadas funções executivas, bases
neuropsicológicas fundamentais para a execução de ações comportamentais consequentes
às demandas sociais de responsividade social e participação social eficiente. Por fim,
justifica-se e recomenda-se que os estudos e a experimentação destes temas e suas
configurações empírico-comportamentais criam as condições para reconhecer na primeira
infância o instante para a promoção da saúde psicológica e a prevenção de possíveis
precursores psicopatológicos.

Palavras-chave: infância, cognição social, empatia, cooperação, resolução de problemas.

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ABSTRACT
This article intends to develop some theoretical-conceptual considerations, resulting from
a non-systematic literature review, that will support possible research and intervention
actions, subsidizing research and extension practices, with preschool children and
professionals who deal with them in institutional contexts of formal and informal
education. Dealing with the processes of social cognition requires focusing on the way
subjects process emotional and social information in the fields of social interaction.
Information processing skills that involve decoding and interpreting social meanings lead
subjects to the configuration of representations of their social others with whom they
establish intersubjective relationships. The experiences, semiotically mediated, make
human subjects capable of building knowledge about social experience (MECCA, DIAS,
BERBERIAN, 2016) and this knowledge or knowledge guide their modes of action in
everyday life. These ways of dealing can be understood as a set of social skills that place
subjects in contexts of social interaction, producing or fostering more productive and
satisfying social relationships. In the development of these considerations, the so-called
executive functions are approached, fundamental neuropsychological bases for the
execution of behavioral actions consequent to the social demands of social responsiveness
and efficient social participation. Finally, it is justified and recommended that the study
and experimentation of these themes and their empirical-behavioral configurations create
the conditions to recognize in early childhood the moment for the promotion of
psychological health and the prevention of possible psychopathological precursors.

Keywords: childhood, social cognition, empathy, cooperation, problem solving.

1 INTRODUÇÃO
Tratar dos processos de cognição social exige focalizar o modo como os sujeitos
processam informações emocionais e sociais nos múltiplos campos da interação social.
Habilidades de processamento de informações que envolvem produção, decodificação e
interpretação de significações sociais, por exemplo, conduzem os sujeitos à configuração
de representações dos seus outros sociais com quem estabelecem relações intersubjetivas.
As experiências, semioticamente mediadas, tornam os sujeitos humanos capazes
de construir conhecimentos sobre a experiência social (Mecca, Dias, Berberian, 2016) e
estes conhecimentos ou saberes conduzem seus modos de ação no cotidiano.
Na infância, uma série de alterações cognitivas, emocionais e sócio-interacionais
impactam processos complexos de aprendizagem e desenvolvimento que conduzem
crianças ao incremento de habilidades sociais que as fazem sujeitos sociais competentes
na leitura e atuação em contextos sociais diversos e múltiplos, em que serão inseridos em
função das características culturais dos seus grupos familiares e comunitários. Desde os
2 anos de idade crianças são capazes de compreender estados intencionais de seus
parceiros interacionais (Souza; Veludo, 2016). Noções de justiça diante de situações

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conflitantes já estão em desenvolvimento entre os 4 e 5 anos de idade (MARTINS;


MIRANDA; FISCHER, 2018).
Associado a estes fenômenos requisitamos a investigação e compreensão das
chamadas funções executivas (FE). Estas funções estão implicadas e participam da
produção de cognições sociais, da tomada de decisão para a expressão comportamental
dos sujeitos, da constituição de suas subjetividades e de possíveis efeitos ou ganhos em
termos de estimulação precoce-preventiva (APA, 2010; MECCA; DIAS; BERBERIAN,
2016; CARDOSO; DIAS, 2019).
A partir de Uehara, Matta, Fichman, Malloy-Diniz (2016, p. 17) compreendemos
funções executivas como “um conjunto de habilidades e capacidades que nos permitem
executar as ações necessárias para atingir um objetivo. (...) Elas englobam uma série de
competências inter-relacionadas e de alto nível de processamento cognitivo, cujo impacto
reflete no funcionamento afetivo-emocional, motivacional, comportamental e social”.
Estes autores prosseguem afirmando que as FE são fundamentais para o desempenho
adequado em diversos contextos sociais, entre eles a escola. Nas FE ocorrem, entre outras
funções, o planejamento e o monitoramento dos comportamentos e a flexibilidade
cognitiva.
O exame científico destes temas tem sido insistente em propor que devemos
assumir a tarefa de explorar suas dinâmicas na primeira infância, observando suas
potencialidades na aplicação de intervenções efetivas nos processos de aprendizagem e
desenvolvimento de crianças pequenas em contextos de interação social, especialmente
nas instituições de educação formal ou informal.
Relatos na literatura científica apontam tanto lacunas quanto as potencialidades
na produção de pesquisas e intervenções que utilizem situações experimentais,
brincadeiras e jogos eletrônicos com crianças, especialmente na primeira infância,
investigando, promovendo e potencializando processos de cognição social refletidos no
desenvolvimento de habilidades sociais, de cooperação social, de reconhecimento de
emoções e empatia e na resolução de problemas (CARVALHO; PEDROSA; ROSSETTI-
FERREIRA, 2012; RAMOS, 2013; COTONHOTO, ROSSETTI, 2016; RAMOS;
LORENSET, PETRI, 2016).
Compreendemos cooperação como comportamento pró-social orientado para
objetivos comuns ou mesmo competitivos intergrupais (Palmieri, 2015). Nosso
entendimento de empatia implica no reconhecimento que os sujeitos humanos tem de
tomar a perspectiva dos seus pares e os significados das suas experiências e ter seu próprio

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comportamento mobilizado em decorrência desta tradução afetiva e cognitiva da


experiência subjetiva externa (SAMPAIO, CAMINO e ROAZZI, 2009).
Circunscrevendo, finalmente, nosso quadro conceitual tomamos também como
referência para situarmos nossa compreensão de habilidades sociais, a perspectiva
proposta por Rodrigues, Dias e Freitas (2010, p. 832-833) afirmam que as habilidades
sociais se referem a “diferentes categorias do repertório comportamental social de um
sujeito, contribuindo para sua competência social, o que favorece uma relação satisfatória
e produtiva com as demais pessoas”. Estes autores propõem, por exemplo, que a
“resolução de problemas interpessoais é entendida como um processo atitudinal
complexo, envolvendo aspectos comportamentais, cognitivos e afetivos que conduzem
uma “pessoa a reconhecer seus próprios sentimentos e pensamentos, para depois
modificar seu comportamento subsequente” (RODRIGUES, DIAS E FREITAS, 2010, p.
832-833).
O desenvolvimento destas habilidades possibilita aos sujeitos configurar formas
de representação dos seus outros sujeitos com quem estabelecem interações sociais,
portanto os fazem e os tornam capazes de construir conhecimentos sobre a experiência
social (MECCA, DIAS, BERBERIAN, 2016).
As considerações a seguir, resultam de uma revisão não sistemática, modelo de
revisão da literatura que permite a não utilização de “critérios explícitos e sistemáticos
para a busca e análise crítica da literatura” (Mattos: 2015, pág. 2). Nesta modalidade de
revisão, pode-se “estabelecer relações com produções anteriores, identificando temáticas
recorrentes, apontando novas perspectivas, consolidando uma área de conhecimento e
constituindo-se orientações de práticas pedagógicas para a definição dos parâmetros de
formação de profissionais para atuarem na área, segundo Rocha (1999)” (pág. 3). Neste
sentido, a eleição da revisão, nos moldes propostos, possibilita interconexões entre
autores que complementam a exploração dos conceitos basilares elencados anteriormente.
Por fim, declaramos que nosso objetivo é apresentar uma série de considerações
que constituam subsídios para a elaboração de estratégias de investigação e intervenção
para a promoção e potencialização dos comportamentos de crianças pré-escolares
focalizados e pautados, especialmente, na expressão de habilidades de resolução de
problemas, no reconhecimento de emoções e na cooperação social.

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2 COGNIÇÃO SOCIAL E PRIMEIRA INFÂNCIA


Entre as décadas de 1950 e 1960, o conceito de cognição social começou a ser
forjado no esteio da chamada Revolução Cognitiva. A crítica elaborada por Chomsky às
limitações do behaviorismo, à época, na tentativa de explicar o funcionamento da
linguagem e a aquisição pela criança, ampliou o debate e aprofundou as investigações
sobre o tema (Mecca; Dias; Berberian, 2016). Descortinar a dimensão cognitiva do
desenvolvimento humano permitiu que ampliássemos nossa compreensão da
multidimensionalidade de fatores que determinam o curso evolutivo da história da
aprendizagem e do desenvolvimento de um sujeito.
Souza e Velludo (2016, pág. 48) informam que já aos dois anos de idade, bebês
apresentam “capacidades sociocognitivas (...) como compreender que agentes
intencionais se comportam de acordo com os seus objetivos e que o conhecimento que
tem sobre os eventos é fruto de sua experiência”. Os achados a que se referem os autores
preconizam a emergência precoce da chamada Teoria da Mente, ou seja, as crianças já
são capazes de desenvolver uma compreensão dos comportamentos dos seus parceiros
interacionais como dotadas de intencionalidade e se lançam a produção de possíveis
teorias sobre os seus comportamentos.
Atribuir estados mentais como contendo motivação, necessidades e desejos em
um outro sujeito contribui para o incremento do desenvolvimento cognitivos e afetivo das
crianças desde a primeira infância. Em outros termos:

“Um modelo explicativo para o papel da cognição social no funcionamento


social (Couture, Penn, & Roberts, 2006) aponta que, inicialmente, ocorre à
percepção emocional e social da situação, gerando uma interpretação sobre a
qual incide o estilo atributivo e a teoria da mente, avaliando o contexto e
elaborando uma conclusão sobre as causas do evento (VELOSO;
CERQUEIRA, 2021, pág. 3).

Registra-se, portanto, consensos entre diversos quando buscam dar conta da


definição de cognição social ao esmiuçar micro-processos que dão sustentam ao modo
como os sujeitos atribuem sentido às experiências cotidianas e a partir delas atuam para
atender diferentes exigências e demandas que as diferentes situações sociais lhes
apresentam.
A cognição social é um processo complexo que envolve “a percepção das
emoções, a ToM (Theory of Mind, ou Teoria da Mente) e o viés de atribuição” (Mecca,
Dias, Berberian, 2016: pág. 20). A possibilidade de perceber pistas sociais e decodificá-
las, bem como reconhecer emoções e estabelecer algum viés de atribuição possibilita a

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produção de sentidos sobre a realidade. A criança vai se tornando um sujeito competente


porque produzirá um conjunto de conhecimento sociais sendo capaz de aplicar estratégias
comportamentais para lidar com investimentos contextuais exigentes demandando
respostas condizentes às pistas sociais/simbólicas que manipula cotidianamente. Sendo
capaz de inferir “as causas dos acontecimentos, fazendo tanto atribuições negativas
quanto positiva” testifica o quanto a criança é capaz de lidar com a multiplicidade e
complexidade dos eventos sociais que vivencia (MECCA, DIAS, BERBERIAN, 2016:
pág. 22).

3 HABILIDADES SOCIAIS E PRIMEIRA INFÂNCIA


Del Prette e Del Prette (2005, pág. 31) defendem que o termo:

“habilidades sociais, geralmente utilizado no plural, aplica-se às diferentes


classes de comportamentos sociais de repertório de um indivíduo, que
contribuem para a competência social, favorecendo um relacionamento
saudável produtivo com as demais pessoas”.

Ao fazer referência às habilidades sociais como “classes de comportamentos”


integrados a um repertório comportamental do sujeito reconhecemos que as experiências
de aprendizagem social, amparadas em processos de cognição social, confluem em um
arcabouço de saberes que os sujeitos portaram e acessaram para atuar frente às demandas
sociais que lhes impactaram em diferentes contextos e situações sociais.
Como já foi dito anteriormente, ao compor e acessar seus repertórios de saberes
sociais, configurados em uma multiplicidade de comportamentos para atender e atuar
frentes aos comportamentos/investimentos dos seus outros sociais, as crianças vão se
tornando sujeitos cada vez mais competentes e vivenciando seguimentos de construção
de relacionamentos saudáveis, porque, justamente, constituem-se como sujeitos proativos
e conscienciosos de seu lugar na trama das interações sociais.
Quando tratam da competência social, Del Prette e Del Prette (2005, pág. 33)
afirmam que:

“A competência social é a capacidade de articular pensamentos, sentimentos e


ações em função dos objetivos pessoais e de demandas da situação e cultura,
gerando consequências positivas para o indivíduo e para sua relação com as
demais pessoas”.

E acrescentam os mesmos autores:

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“Enquanto o termo habilidades sociais tem um sentido descritivo de identificar


componentes comportamentais, cognitivo-afetivos e fisiológicos que
contribuem para um desempenho socialmente competente, o termo
competência social apresenta um sentido avaliativo que se define pela
coerência e funcionalidade do desempenho social. A análise da funcionalidade
se baseia nos efeitos do desempenho, com maior ênfase sobre três tipo gerais
e complementares de resultados: alcançar os objetivos imediatos; manter ou
melhorar a qualidade dos relacionamentos e manter ou melhorar a autoestima”
(DEL PRETTE, DEL PRETTE, 2005, pág. 33 e 34).

Desse modo, ser competente socialmente implica em ter a capacidade de


autorregular seu próprio comportamento a partir de processos cognitivos que possibilitam
a leitura adequada dos investimentos sociais.
Alcançar os objetivos imediatos, portanto, ter a noção de que metas possíveis são
planejáveis e estão claras; manter a qualidade dos relacionamentos, portanto regular sua
ação mediante a avaliação dos comportamentos dos seus parceiros interacionais
apresentando respostas comportamentais condizentes com as pistas sociais que reconhece
e interpreta e, por fim, manter ou melhorar a autoestima torna o sujeito um entidade
autônoma frente à coletividade, conservando a noção de si mesmo e suas qualidade
subjetivas, implicam em ganhos em termos de competência social.
Todos estes elementos descritos apontam para a centralidade da competência e
habilidades sociais na manutenção não apenas do comportamento, mas e, especialmente,
das possibilidades de construir uma trajetória de vida saudável e em relação aos contextos
socioculturais que o constituem e abrigam.
No dizer de Aleixo Reis e Sampaio (2018, pág. 2):

A aprendizagem desses tipos de comportamentos depende do contexto social


em que a criança se desenvolve, tanto o familiar (Bolsoni-Silva & Marturano,
2010; Fantinato & Cia, 2015) quanto o escolar (Guimarães, Aerts & Câmara,
2012). Assim, as consequências sociais reforçadoras colaboram com a
aquisição de repertórios de comportamentos socialmente habilidosos mais
amplos, que, por sua vez, estão associados ao bem-estar psicológico (Sarkova
et al., 2013) e ao melhor desempenho acadêmico (Arnold, Kupersmidt,
Voegler-Lee & Marshall, 2012; França-Freitas, Del Prette & Del Prette, 2014;
Lopes, Del Prette & Del Prette, 2013).

Del Prette e Del Prette (2017, págs. 17, 18 e 19) propõem o que denominam de
um “Portfólio Geral das Habilidades Sociais”, que definem como “uma listagem de
classes e subclasses de Habilidades Sociais relevantes e pertinentes às tarefas e papeis
sociais bem como à etapa de desenvolvimento”:

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PORTFÓLIO DAS HABILIDADES SOCIAIS


SEGUNDO DEL PRETTE E DEL PRETTE (2017)
1) Comunicação
2) Civilidade
3) Fazer e manter amizade
4) Empatia
5) Assertivas
6) Expressar solidariedade
7) Manejar conflitos e resolver problemas interpessoais
8) Expressar afeto e intimidade (namoro e sexo)
9) Coordenar grupo
10) Falar em público

Embora devamos reconhecer que a Habilidade Social de “Expressar afeto e


intimidade (namoro e sexo)” configurem uma habilidade que implique em
comportamentos crescentes de intimidade ao relacionamento entre pares típicos e com
início esperado apenas na adolescência/juventude, a descrição apresentada pelos autores
implica no desenvolvimento de comportamentos que marcam limites pessoais e o
reconhecimento da alteridade. Pensemos, então, que esta construção de noção de limites
promove maior segurança à infância, justamente por delimitar lugares e posicionamentos
frente aos investimentos dos seus outros sociais.
Quando falamos da primeira infância estamos tratando de sujeitos que estão
adquirindo habilidades de manejar informações e pistas sociais nem sempre verbais.
Então, imaginemos os desafios que surgem para que uma criança possa manejar o
discurso de um adulto ou as suas expressões faciais delimitando campos de significação
que demandam reconhecimento, categorização e decodificação de informações.
Del Prette e Del Prette (2005, pág. 36 e 37) nos orientam que:

“Tanto pela limitação de vocabulário, quando comparadas com os adultos,


como pela espontaneidade das reações, as crianças parecem utilizar a
comunicação não verbal com maior frequência e variabilidade. Lembramos
que, além do choro e resmungos, a criança com poucos meses de vida depende
totalmente da linguagem não verbal para manter contato com o meio em que
vive. É assim que ela “relata”, primeiramente, suas sensações de prazer
(sorriso) e desconforto (caretas), aperfeiçoando pouco a pouco, esta e outras
formas de comunicação. (...) A comunicação verbal refere-se aos conteúdos
explicitamente transmitidos pela fala. A aquisição e o desenvolvimento da fala,
bem como o uso cada vez mais acurado que a criança faz das palavras, quando
interage com outras pessoas, contribuem significativamente para a ampliação
do seu repertório de habilidades sociais e para um desempenho social cada vez
mais competente. Esse domínio crescente da comunicação verbal soma-se ao
desenvolvimento cognitivo/afetivo que garante novas condições para uma
compreensão mais ampla e precisa do seu ambiente social”.

Muitas vezes interpretado erroneamente como se as habilidades sociais se


tratassem de respostas automáticas de um organismo frente aos estímulos ambientais, a

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descrição dos autores descortina as correlações entre processos cognitivos e


comportamentos. Nesse caminho, a descrição compreensiva de Del Prette e Del Prette
(2005) requisita que situemos nossa perspectiva enriquecida pelas dimensões cognitivas,
social e afetiva que sustentam a compreensão das pistas sociais que devem corresponder
a comportamentos proativos e eficientes para a convivência social das crianças em
ambientes culturais diversos.

4 FUNÇÕES EXECUTIVAS (FE) E PRIMEIRA INFÂNCIA


Compreendidas enquanto um conjunto de habilidades cognitivas que permitem ao
indivíduo identificar e avaliar os investimentos socioambientais, orientando seu
comportamento para o estabelecimento de metas de ações, requisitam o necessário
controle inibitório, a flexibilidade cognitiva e a funcionalidade da memória de trabalho.
Uma vez regulado seu comportamento, a criança poderá agir a partir de cálculos de efeitos
e consequências das suas ações nos processos de interações com seus co-específicos. Ao
mesmo tempo em que se criam as condições neuropsicológicas para a interpretação
semântica das pistas sociais e comportamentos de seus parceiros interacionais.
Na definição proposta por Uehara, Fichman, Malloy-Diniz, 2016, pág. 18):

“(...) as FEs consistem em um mecanismo de controle cognitivo que direciona


e coordena o comportamento humano de maneira adaptativa, permitindo
mudanças rápidas e flexíveis ante as novas exigências do ambiente (Zelazo et
al., 2003). Elas englobam uma série de competências inter-relacionadas e de
alto nível de processamento cognitivo, cujo impacto se reflete no
funcionamento afetivo-emocional, motivacional, comportamental e social”.

A compreensão das FE e sua funcionalidade nos possibilitam visualizar não


apenas as bases neuropsicológicas implicadas na emergência de comportamentos de
cooperação social, empatia, resolução de problemas ou civilidade, mas, especialmente, a
possibilidade concreta de localizar quais funções poderiam estar prejudicadas ou não
totalmente desenvolvidas em determinados momentos da vida de uma criança frente aos
estímulos ambientais e investimentos sociais que determinariam, por exemplo, o
funcionamento adequado e eficiente do controle inibitório de impulsos.
Com base em extensa literatura, Uehara, Fichman, Malloy-Diniz (2016, pág. 22)
demonstram que habilidades executivas de regulação do “comportamento em resposta às
contingências ambientais e a capacidade de estabelecer metas e de executar

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comportamentos voluntários com o intuito de alcançar as metas desejadas” já podem ser


verificadas até o primeiro de vida.
Acrescentam os autores que os “primeiros sinais da memória de trabalho e do
controle inibitório surgem entre 7 e 8 meses de idade (...) e que “precursores da teoria da
mente surgem aos 6 meses, com a capacidade de distinguir entre objetos inanimados e
animados. Em torno de 12 e 18 meses, as crianças começam a representar a percepção de
um objeto compartilhado e a acompanhar ativamente o olhar de uma pessoa para um
objeto” (Uehara, Fichman, Malloy-Diniz, 2016, pág. 22). Assim, assistimos o
estabelecimento da atenção conjunta (Tomasello, 2003), o compartilhamento de um
objeto com um parceiro interacional e, consequentemente, assistimos ao incremento das
modalidades de vinculação social em contextos variados de interação social.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os signos e artefatos sociais, as palavras e os gestos, toda uma gama multifacetada
e infinita de significações sociais situam os sujeitos e, neste cenário, as crianças pré-
escolares como aqueles que experimentam processos complexos de construção cultural
da realidade humana em contextos historicamente situados.
Conforme afirmam Aleixo Reis e Sampaio (2018), quando identificamos um
baixo repertório de habilidades sociais na infância visualizamos sinais preditivos do
desenvolvimento futuro de psicopatologias e problemas de comportamento. Acrescentam
os autores que as dificuldades “no controle de impulsos, falta de empatia e de tomada de
iniciativa também podem estar associados à disfunções dos sistemas frontais do cérebro
relacionados ao controle das chamadas Funções Executivas (FE)” (ALEIXO REIS,
SAMPAIO, 2018: pág. 3).
A recomendação de Andrade, Carvalho, Lucci, Argollo, Mello e Abreu (2016) de
que:

“As abordagens preventivas possibilitam às crianças, pais, professores e


colaterais manejarem as emoções e ensinarem as crianças a utilizar as melhores
estratégias para se relacionar com o seu contexto, favorecendo o
desenvolvimento de habilidades sociais e a redução da incidência de problemas
de comportamento que podem incluir precursores de psicopatologias”.

Programas de intervenção que tenham como foco a potencialização das FE,


através do planejamento e aplicação de atividades individuais e grupais com crianças

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desde a primeira podem, conforme aponta a literatura, promover saúde mental desde o
início do processo de escolarização formal ou informa.
O estudo e a proposição de programas de formação para profissionais da educação
sobre as dimensões neuropsicológicas, cognitivas e afetivas da aprendizagem e do
desenvolvimento na primeira oferecem subsídios para a compreensão dos
comportamentos das crianças, assim como a promoção de comportamentos acolhedores
e proativos destes profissionais no atendimento das demandas típicas da primeira
infância.
Ações interventivas no contexto das práticas pedagógicas na primeira infância
devem buscar promover o reconhecimento das singularidades do outro social, a
preocupação com os sentimentos dos seus parceiros sociais expressos e reconhecidos,
com o reconhecimento e compreensão das próprias emoções para atuar na resolução de
problemas coletivos mediante práticas colaborativas.
Portanto, pesquisas e intervenções que focalizam as funções executivas (FE)
podem, potencialmente, oferecer situações e instantes em que os sujeitos caminhem no
desenvolvimento dos processos complexos de cognição social na medida em que podem,
em situações coletivas desenvolver, experimentar e reavaliar comportamentos e os
significados que deles emergem como aprendizagens sociais.

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