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Sempre é uma companhia- Conto

Manuel da Fonseca

O conto situa-se na época da II Guerra Mundial e narra-nos a história de um casal que


possui uma venda numa aldeia alentejana e cujo quotidiano é caracterizado pela solidão,
pelo isolamento do mundo, pela monotonia e tédio e pela agressividade entre os membros
desse casal.
Este panorama é alterado com a chegada de dois vendedores de telefonias, que
convencem o Batola, a personagem principal, a comprar um aparelho. Perante a oposição
da mulher, um dos vendedores propõe uma compra à condição: a telefonia ficará à
experiência durante um mês. Passado esse tempo, se não a quiserem, poderão devolvê-la
e receber de volta as “letras”.
A aquisição do aparelho provoca uma mudança enorme na povoação e na vida dos
seus habitantes: os ceifeiros dirigem-se todos à venda do casal para ouvir as notícias da
guerra, saem de lá “alta noite” e a discutir o que ouviram “numa grande animação”. As
mulheres deslocam-se igualmente para a venda após a ceia, para ouvir as melodias e até
(as velhas” dançar ao som da telefonia. Os aldeãos sentem-se, assim, agora, mais
próximos do mundo, por consequência menos isolados e solitários.
Esta mudança acaba por se estender à própria mulher do Batola, que abandona a sua
prepotência e o seu autoritarismo e se mostra submissa, pedindo ao marido para ficarem
com a telefonia, visto que “é uma companhia” naquele deserto.

Estrutura interna:
1º momento – Solidão
– vida monótona e triste dos habitantes de Alcaria. Durante o dia, os homens trabalham e à
noite dirigem-se para suas casas e dormem. Batola passa o dia sentado à espera de
atender os poucos fregueses que se deslocam à sua venda.
2º momento – Convivialidade
– após a chegada da telefonia, todos os habitantes se dirigem, ao fim de umdia de trabalho,
à venda de Batola, onde convivem e ouvem notícias e canções.

Relacionamento entre as personagens:


1º momento
● Relação entre Batola e a mulher – relacionamento conflituoso: ela é ativa e
dominadora quando tem de tomar decisões, já ele ostenta uma postura passiva,
porém, quando está ébrio, é violento. Batola sente-se inferiorizado em relação à
mulher, já que é ela quem gere a casa e o negócio, o que lhe provoca uma revolta
interior (por esse motivo é que já a agrediu).

● Comerciante e Batola: o vendedor fala com Batola de forma descontraída,


estabelece uma aproximação com ele, de modo a garantir a venda da telefonia.

● Comerciante e a mulher de Batola: ao perceber a reação negativa da mulher de


Batola, o vendedor dirige-se a ela de modo mais formal, pois percebe que ela é
quem decide.
● Batola e mulher: alteração no relacionamento do casal – Batola decide tomar uma
decisão contrária à da mulher, desafiando-a. Esta situação coloca em causa a
autoridade dela.

2º momento
● Sentimentos despertados pela telefonia junto dos habitantes da aldeia: o convívio
entre os habitantes de Alcaria renasceu, motivo pelo qual o sentimento de
isolamento se dissipou. A alegria voltou à aldeia e com ela a noção de passagem do
tempo também se alterou – “os dias passam agorarápidos”.

● Atitude da mulher do Batola: com humildade, faz um pedido ao marido, mostrando


estar em sintonia com ele, já que assume a importância da telefonia na vida deles e
da aldeia.

Solidão: vida monótona e triste dos habitantes de Alcaria. Durante o dia, os homens
trabalham e à noite dirigem-se para suas casas e dormem. Batola passa o dia sentado à
espera de atender os poucos fregueses que se deslocam à sua venda.
Tempo psicológico: A solidão e o isolamento vividos na aldeia de Alcaria influenciam
a visão do tempo pelas personagens, parecendo que este passa devagar.
Espaço físico: pequena aldeia no baixo Alentejo, onde há poucas pessoas.
Espaço social: Alentejo profundo, isolado do mundo, onde o sofrimento e a desumanização
são visíveis.
Ceifeiros (personagem coletiva): Trabalhadores, símbolo da exploração, da pobreza e
da desumanização. Denúncia tipicamente neorrealista.
Espaço psicológico: a recordação que Batola faz do seu amigo Rata concretiza uma
marca de espaço psicológico. O mendigo recordado por Batola era aquele que, por sair da
aldeia, lhe trazia novidades, trazendo alguma alegria ao protagonista, o que comprova o seu
apreço pela liberdade e mundo exterior. Esta aldeia faz com que Batola se sinta solitário,
isolado de tudo, já que não estabelece convivência com os outros habitantes da aldeia.
Narrador: Heterodiegético- não participa na ação mas sabe tudo sobre as personagens
(omnisciente).

Crítica:
● Isolamento e falta de convivialidade.
● Relações entre homem e mulher.
● Vícios sociais: o alcoolismo, a violência doméstica.
● As inovações tecnológicas e alterações de hábitos sociais.

Recurso ao discurso direto: dá destaque à personagem – vendedor; o tempo da narração


é equivalente ao tempo da ação = eficácia do discurso e modo como determina a decisão
de Batola; imprime vivacidade e verosimilhança ao texto narrativo.

As metáforas: «Foi a primeira noite em que os homens saíram da venda mudos e


taciturnos. Fora esperava-os o negrume fechado. E eles voltavam para a escuridão, iam ser,
outra vez, o rebanho que se levanta com o dia, lavra, cava a terra, ceifa e recolhe vergado
pelo cansaço e pela noite. Mais nada que o abandono e a solidão. A esperança de melhor
vida para todos, que a voz poderosa do homem desconhecido levava até à aldeia,
apagava-se nessa noite para não mais se ouvir.» –salientam a constatação de que os
habitantes voltariam a sentir o isolamento e a solidão que lhes eram característicos antes da
chegada da telefonia. Mais uma vez, iriam sentir que estavam “muitolonge”, no “fim do
mundo” e que só lhes restava “o abandono e a solidão”.

«Até as mulheres vêm para a venda depois da ceia.», «Até as velhas dançaram ao som da
telefonia.» – repetição da preposição “até” reforça os acontecimentos pouco expectáveis
fomentados pela presença da telefonia – as mulheres saem à noite para estarem na venda
a conviver, as velhas dançam e o Batola tem vontade de trabalhar.

Adjetivação dupla e expressiva (“Ela, silenciosa e distante,”); adjetivação em hipálage


(“um olho cheio de tédio”)

Enumeração (“Desfaz compras, encomendas, negócios.”)

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