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IMUNOLOGIA BÁSICA

Unidade II
5 RESPOSTA IMUNE INATA

A resposta imune inata é a primeira linha de defesa do organismo. Ela é competente desde o
nascimento e está relacionada com o estabelecimento de uma resposta rápida e inespecífica contra os
corpos estranhos (substâncias e microrganismos) que adentram o organismo.

Essa resposta inicial do sistema imunológico é constituída:

• pelas barreiras naturais do organismo;

• pela inflamação;

• pelo sistema complemento.

As barreiras naturais do organismo são de natureza física, química e/ou biológica, e envolvem ou
não a atuação direta de leucócitos e de outros tipos celulares. Caso essas barreiras naturais não sejam
suficientes para conter a infecção, entra em cena a inflamação e o sistema complemento.

Vamos, agora, aprender mais sobre cada um dos componentes da resposta imune inata?

5.1 Barreiras naturais do organismo

Entre as barreiras naturais do organismo temos a pele, as mucosas (como os revestimentos das vias
respiratórias e do intestino), o aparelho geniturinário, o pH ácido do estômago etc. De acordo com a sua
natureza, elas são classificadas em barreiras mecânicas, químicas ou biológicas.

5.1.1 Barreiras mecânicas

A pele funciona como uma barreira mecânica contra organismos patogênicos e representa a
nossa primeira linha de defesa. A pele íntegra, por não apresentar lesões, impede a invasão de muitos
microrganismos patogênicos.

Esse importante órgão é composto de:

• epiderme, que está em contato com o meio externo;

• derme, constituída por tecido conjuntivo ricamente vascularizado;

• hipoderme, uma região subcutânea rica em tecido conjuntivo do tipo adiposo.


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A epiderme é composta de células epiteliais altamente especializadas, os queratinócitos, que se


dividem com frequência. As células mortas (sítios de córnea) formam a camada mais externa e são em
grande parte responsáveis pela função de barreira da pele.

O microbioma da pele, que compreende bactérias, fungos e vírus comensais, tem efeitos benéficos
na proteção contra patógenos e na cicatrização de feridas.

As mucosas, como os revestimentos das vias respiratórias e do intestino, também constituem barreiras
naturais eficazes, pois geralmente estão cobertas de secreções que combatem os microrganismos. As
mucosas dos olhos estão banhadas em lágrimas, que contêm uma enzima, a lisozima, capaz de atacar
as bactérias, o que protege os olhos das infecções.

As vias respiratórias, além de apresentarem, em sua superfície, estruturas ciliares – as vibrissas da


mucosa nasal e os cílios do epitélio, que revestem a traqueia, responsáveis por filtrar as partículas do ar –
são cobertas de muco, que tendem a eliminar grande parte das substâncias presentes no ar inspirado.

Se um microrganismo atinge as vias aéreas inferiores, o batimento coordenado dos cílios, associado
à ação do muco, faz com que os microrganismos e os corpos estranhos sejam transportados para fora
do pulmão, processo auxiliado pelo reflexo da tosse e do espirro.

O tubo digestório dispõe de uma série de barreiras eficazes, que incluem o ácido do estômago e a
atividade antibacteriana das enzimas pancreáticas, da bile e das secreções intestinais. O peristaltismo
intestinal e o desprendimento normal das células que o revestem (barreira da mucosa) também ajudam a
eliminar os microrganismos deletérios. O microbioma intestinal constitui uma importante defesa contra
microrganismos patogênicos, e participa da modulação do sistema imunológico.

O aparelho geniturinário feminino conta com a proteção do ambiente ácido da vagina, e o aparelho
geniturinário masculino encontra-se protegido pelo comprimento da uretra (aproximadamente 20 cm).
Além disso, o esvaziamento da bexiga gera um efeito de arrastamento, que é um mecanismo de defesa
natural de ambos os sexos.

Indivíduos nos quais as barreiras naturais estejam comprometidas são mais suscetíveis a infecções.
Por exemplo, pessoas cuja produção de ácido pelo estômago está comprometida, são particularmente
vulneráveis à infecção por Helicobacter pylori ou à infecção causada por Salmonella sp.

5.1.2 Barreiras químicas

Os ácidos graxos do suor inibem o crescimento de bactérias e, portanto, são um exemplo de fator
químico que impede a invasão do organismo.

Do mesmo modo, as enzimas lisozima e fosfolipase, encontradas na lágrima, na saliva e na secreção


nasal, têm a propriedade de destruir as bactérias, por meio da dissolução das paredes bacterianas e da
desestabilização de suas membranas.

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O pH também é uma importante ferramenta para o combate à invasão de patógenos. O pH baixo do


suor e da secreção gástrica ajuda a prevenir o crescimento bacteriano.

5.1.3 Barreiras biológicas

Existem bactérias que convivem em harmonia em nosso organismo. Elas são importantes para
manter a homeostase, pois ajudam a prevenir a colonização de bactérias que causam doenças. Essa
ação é efetivada:

• pela secreção de substâncias;

• pela competição por nutrientes;

• pela ligação à superfície da célula que ocorre entre o microbioma normal e as bactérias patogênicas.

Remoção de partículas
Lisozima nas lágrimas e pela rápida passagem
em outras secreções do ar através dos ossos
Comensais turbinados

Pele Brônquios
Barreira física muco, cílios
Ácidos graxos ácidos
Comensais
Rápida alteração do pH

Comensais

Fluxo do trato urinário


pH baixo e
comensais da vagina

Figura 33 – Barreiras naturais da resposta imune inata

5.2 Inflamação

Caso as barreiras naturais não tenham sido suficientes para conter a entrada do patógeno, os
leucócitos entram em ação. A linha de defesa inicial mediada por essas células é caracterizada por uma
resposta generalizada e constituída por mecanismos de defesa que já fazem parte do repertório celular
do nosso organismo mesmo antes do estabelecimento de uma infecção.

A reação inflamatória é um processo complexo que envolve componentes vasculares, celulares e


várias substâncias solúveis como, por exemplo, a histamina, a serotonina, as citocinas e os eicosanoides
liberados por leucócitos que residem no tecido lesado. A finalidade desse processo é remover o estímulo
desencadeador da resposta e promover o reparo tecidual.

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Na zona inflamada, as substâncias liberadas pelos leucócitos e pelas células lesadas atuam nas
terminações nervosas, causando dor e, em alguns casos, aumento da temperatura local.

A febre é uma resposta de proteção perante uma infecção ou uma lesão. É o resultado da ação
de pirógenos, que induzem a liberação de substâncias endógenas (como, por exemplo, a IL-1, a IL-6
e o TNFα), as quais aumentam o nível de termorregulação do hipotálamo a partir da produção de
prostaglandinas no sistema nervoso central.

A permanência do agente lesivo – por exemplo, bactérias intracelulares como Mycobacterium


tuberculosis, substâncias químicas como a sílica, e mesmo agentes físicos, como a radiação ultravioleta –
resulta no estabelecimento de inflamação crônica, quando o tecido apresenta sinais de angiogênese e fibrose,
além de um infiltrado constituído por células mononucleares (monócitos, macrófagos e linfócitos).

Além disso, a IL-1, a Il-2 e o TNFα induzem a síntese e a secreção de proteínas de fase aguda,
como, por exemplo, a proteína C reativa, em resposta à injúria celular.

5.2.1 Aspectos fisiopatológicos do processo inflamatório

A inflamação, diferentemente do que muitos pensam, é uma resposta de natureza protetora,


destinada a livrar os tecidos do nosso organismo tanto da causa inicial da injúria (microrganismos
e substâncias químicas) quanto das suas consequências (por exemplo, a necrose). Sem a inflamação,
as infecções poderiam passar despercebidas, ferimentos poderiam nunca cicatrizar e os tecidos
injuriados poderiam ficar com permanentes feridas infeccionadas. No entanto, ela pode ser, algumas
vezes, inapropriadamente iniciada ou fracamente controlada, o que resulta em dano e perda da função
fisiológica do tecido.

Os principais fatores que levam à inflamação são os citados a seguir.

• Os microrganismos, como as bactérias, os vírus, os fungos e os protozoários.

• Os corpos estranhos, como o amianto, o pólen e os demais alérgenos.

• A destruição tecidual, que leva à formação de restos de tecido a partir de danos mecânicos
(cortes, arranhões etc.), da exposição a compostos químicos (ácidos e álcalis) e de influências
físicas (frio, calor e radiação).

• As reações autoimunes.

• Os cristais de substâncias precipitados no corpo (ácido úrico, oxalato de cálcio, fosfato de


cálcio e colesterol).

O processo inflamatório visa à inativação do corpo estranho, a partir da digestão enzimática, da


compartimentalização ou de qualquer outro modo de neutralizá-lo. Esses processos são fundamentais
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para possibilitar os eventos que acabarão por cicatrizar o tecido danificado. Assim, a inflamação está
relacionada com os processos de reparação, que substituem o tecido danificado ou preenchem os
defeitos residuais com tecido cicatricial fibroso.

Embora tenha sido descrita pela primeira vez há mais de dois mil anos, a resposta inflamatória é
objeto de constantes estudos até os dias atuais. Hoje, sabe‑se que a patogênese de várias doenças está
ligada à resposta inflamatória, cuja consolidação acaba por danificar os tecidos. Um exemplo é o dano
articular decorrente do processo inflamatório característico da artrite reumatoide.

As doenças inflamatórias são nomeadas acrescentando‑se o sufixo -ite ao órgão ou sistema afetado.
Por exemplo, apendicite refere-se à inflamação do apêndice; pericardite é o nome dado à inflamação do
pericárdio; a neurite é a inflamação de um nervo.

Expressões mais descritivas do processo inflamatório podem indicar se o processo é agudo ou crônico
e que tipo de exsudato foi formado.

Ainda no primeiro século d.C., a reação local decorrente de uma lesão tecidual foi caracterizada e
percebeu-se que alguns sinais cardinais, ou flogísticos, estavam presentes na maioria dos casos. Esses
sinais são o rubor (vermelhidão), a tumefação (inchaço ou edema), o calor e a dor (hiperalgesia). No
século II d.C., foi incluído um quinto sinal cardinal, a functio laesa, ou perda de função.

Além dos sinais clássicos, que aparecem no local da lesão, podem ocorrer manifestações sistêmicas,
como, por exemplo, a febre. Elas são decorrentes da ação de mediadores químicos (citocinas e
prostaglandinas) sobre o sistema nervoso central.

O processo inflamatório pode ser dividido em dois tipos, agudo e crônico, que, frequentemente,
sobrepõem-se. O grau da resposta inflamatória pode ser influenciado por vários fatores, como a duração
da lesão, o tipo de agente estranho, o grau de lesão e o microambiente.

O processo inflamatório agudo tem curta duração, que varia de alguns minutos até vários dias, e
caracteriza-se pela exsudação de líquidos e componentes do plasma e pela migração de leucócitos,
predominantemente neutrófilos, para o local da lesão. A grande variedade de manifestações sistêmicas
durante um processo inflamatório agudo é conhecida como resposta de fase aguda.

O processo inflamatório crônico tem duração mais longa, que varia de um dia até anos, e está
associado à presença de linfócitos e macrófagos, à proliferação de vasos sanguíneos, à fibrose e à
necrose tecidual.

A inflamação encerra-se quando o agente ou fator agressor é eliminado. A reação se resolve


rapidamente, porque os mediadores são esgotados e dissipados, e os leucócitos têm curtas meias‑vidas
nos tecidos. Em adição, os mecanismos anti-inflamatórios são ativados e servem para controlar a
resposta e preveni-la de causar dano excessivo ao hospedeiro.

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A resposta inflamatória é intimamente entrelaçada ao processo de reparo. Ao mesmo tempo em que


a inflamação destrói, dilui e retira os agentes injuriantes, ela põe em movimento uma série de eventos
que tentam curar o tecido danificado. O reparo se inicia durante a inflamação, mas alcança a conclusão
após sua causa ter sido neutralizada. No processo de reparo, o tecido injuriado é substituído por tecido
cicatricial, a partir da regeneração das células parenquimatosas nativas e do preenchimento do defeito
por tecido fibroso.

Agente
inflamatório
Sinais
cardinais

Fenômenos
irritativos
Calor
Fenômenos
vasculares Rubor

Dor
Fenômenos alterativos

Fenômenos
exsudativos Tumor
Mediadores

Cura por
Fenômenos reabsorção
resolutivos do exsudato e
regeneração

Fenômenos Cura por


reparativos cicatrização

Inflamação
crônica Inflamação

Figura 34 – Fenômenos da inflamação e sua relação com os sinais cardinais

Lembrete

O objetivo da inflamação é defender o organismo e seus tecidos de


estímulos nocivos feitos, por exemplo, por bactérias ou corpos estranhos,
bem como reparar os danos causados ou, pelo menos, limitá-los.

5.2.2 Processo inflamatório agudo

O processo inflamatório agudo é uma resposta imediata contra um agente nocivo. Tal resposta,
que serve para controlar e eliminar células alteradas, microrganismos e antígenos, inicia-se pelo
reconhecimento dos corpos estranhos pelos leucócitos residentes nos tecidos lesados, principalmente os
monócitos e as células dendríticas. Essas células realizam a fagocitose e liberam uma série de citocinas e
eicosanoides, responsáveis por estabelecer o processo inflamatório. A liberação desses mediadores resulta:

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• na dilatação dos capilares (eritema);

• na exsudação do fluido e das proteínas plasmáticas;

• no acúmulo de neutrófilos, o que caracteriza a resposta inflamatória aguda.

Classicamente, a resposta inflamatória aguda é dividida em duas etapas:

• a fase vascular, que resulta em aumento do fluxo sanguíneo e em alterações nos pequenos vasos
da microcirculação;

• a fase celular, que resulta na migração de leucócitos da circulação e sua ativação para eliminar o
agente nocivo.

Diversas células estão envolvidas na efetivação de cada uma das fases. Alguns exemplos são:

• as células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos;

• os leucócitos que circulam no sangue;

• as células residentes do tecido conjuntivo (mastócitos, fibroblastos, macrófagos e linfócitos);

• os componentes da matriz extracelular (colágeno e elastina, glicoproteínas adesivas e proteoglicanos).

Mastócito Fibroblasto Macrófago

Músculo
liso

Plaquetas Fatores de Basófilo


Vasos coagulação,
cininogênios e
componentes do
Endotélio
Linfócito Monócitos complemento Eosinófilo
Endotélio polimorfonuclear

Membrana
basal
Matriz
do tecido
conjuntivo
Fibras elásticas Fibras colágenas Proteoglicanos

Figura 35 – Células de inflamação aguda

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No nível bioquímico, os mediadores inflamatórios amplificam a resposta inicial e influenciam sua


evolução, por meio da regulação das respostas vasculares e celulares subsequentes. Embora plaquetas,
neutrófilos, monócitos, macrófagos e mastócitos sejam as principais fontes desses mediadores, células
endoteliais, musculares lisas, fibroblastos e a maioria das células epiteliais podem ser induzidos a
produzi-los. A produção de mediadores ativos é desencadeada por microrganismos ou por proteínas do
hospedeiro, como as dos sistemas complemento, cinina ou da coagulação.

Esses mediadores podem atuar sobre uma ou algumas células-alvo e exercem diferentes efeitos sobre
tipos distintos de células. Uma vez liberados, a maioria tem curta duração. Eles podem ser transformados
em metabólitos inativos, inativados por enzimas, ou eliminados de outro modo.

5.2.2.1 Fase vascular

As alterações vasculares que ocorrem no processo inflamatório envolvem arteríolas, capilares


e vênulas da microcirculação. Essas alterações se iniciam logo após a lesão e se caracterizam por
vasodilatação, que leva a alterações no fluxo sanguíneo, ao aumento da permeabilidade vascular e ao
extravasamento de líquidos para o tecido conjuntivo.

A vasodilatação, uma das primeiras manifestações do processo inflamatório, começa depois de uma
constrição transitória das arteríolas, que dura alguns segundos. A vasodilatação envolve primeiramente
as arteríolas e, em seguida, resulta na abertura dos leitos capilares na região afetada. Como resultado,
a área se torna congestionada, o que causa a vermelhidão (eritema) e o calor associados ao processo
de inflamação aguda. A vasodilatação é induzida pela ação de vários mediadores, como a histamina e
o ácido nítrico.

A vasodilatação é rapidamente seguida pelo aumento da permeabilidade dos capilares sanguíneos,


com o transbordamento de um líquido rico em proteínas (exsudato) para os espaços extravasculares. A
perda de líquido ocasiona a concentração dos constituintes do sangue (hemácias, leucócitos, plaquetas
e fatores de coagulação), a estagnação do fluxo e a coagulação do sangue no local da lesão. Isso
ajuda a impedir a disseminação dos microrganismos infecciosos. A perda das proteínas plasmáticas
reduz a pressão osmótica intracapilar e aumenta a pressão osmótica do líquido intersticial, de modo
que ocorre deslocamento de líquido para os tecidos, com consequente tumefação (isto é, edema), dor,
comprometimento funcional e diluição do agente agressor.

Para que o extravasamento de líquidos ocorra, é necessária a ligação de mediadores químicos a


receptores endoteliais, o que provoca a contração das células endoteliais e a separação das junções
intercelulares. Esse mecanismo é induzido pela ação da histamina, da bradicinina, das prostaglandinas,
dos leucotrienos e de muitas outras classes de mediadores químicos.

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Arteríola

Vênula

Vasoconstrição

Dilatação da arteríola Exsudato

Vasodilatação Dilatação da vênula

Figura 36 – Fase vascular da inflamação

5.2.2.2 Fase celular

A fase celular do processo inflamatório agudo envolve a mobilização de leucócitos, principalmente


neutrófilos, para o local da inflamação, de modo que possam exercer sua função normal de defesa.

O deslocamento e a ativação dos leucócitos ocorrem de acordo com as seguintes etapas: adesão e
marginação, transmigração e quimiotaxia.

O recrutamento de leucócitos para as vênulas pré-capilares é facilitado pela lentificação do fluxo


sanguíneo e pela marginação ao longo da superfície vascular. A adesão e a transmigração de leucócitos do
espaço vascular para o tecido extravascular são facilitadas pelas moléculas de adesão complementares,
por exemplo, as selectinas e as integrinas, presentes nos leucócitos e na superfície das células endoteliais.
Depois do extravasamento, os leucócitos migram através dos tecidos em direção ao local da lesão por
quimiotaxia, que é a locomoção orientada ao longo de um gradiente químico.

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Fluxo sanguíneo

Células endoteliais

Rolamento Adesão firme Transmigração


(Selectinas) (Integrinas b1 e b2) (PCAM-1 etc.)

Capilar
Neutrófilo

Neutrófilo
2 Transmigração

1 Marginação Bactérias

3 Quimiotaxia

Figura 37 – Etapas da fase celular da resposta inflamatória aguda

Diversas células, imunológicas e não imunológicas, secretam quimioatratores para assegurar o


movimento dirigido de leucócitos até o local de infecção. Exemplos são as quimiocinas secretadas pelos
leucócitos residentes, os resíduos bacterianos e celulares e os fragmentos de proteínas produzidos pela
ativação do sistema complemento (por exemplo, C3a e C5a). As quimiocinas, subgrupo importante
de citocinas quimiotáticas, são pequenas proteínas que orientam o tráfego de leucócitos durante os
estágios iniciais do processo inflamatório.

Uma etapa importante da resposta celular é a ativação dos monócitos, dos neutrófilos e dos
macrófagos teciduais, que englobam e degradam as bactérias e os fragmentos celulares, em um processo
denominado fagocitose. Ela é iniciada pelo reconhecimento e pela ligação de partículas em receptores
específicos na superfície de células fagocíticas, seguida do englobamento e do processamento do
corpo estranho.

Os fagócitos são células especializadas na captura de microrganismos e de substâncias estranhas


ao organismo e, devido a sua especialidade, são também chamados de fagócitos profissionais. Os
principais fagócitos profissionais são os macrófagos e os pequenos granulócitos polinucleares
(neutrófilos e eosinófilos).

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O processo de fagocitose envolve a adesão do microrganismo à superfície do fagócito e a sua


subsequente ingestão, evento possível graças à ação dos fragmentos de actina e miosina, que faz com
que o citoplasma do fagócito envolva a partícula estranha ou o microrganismo até que ele fique dentro
de um vacúolo, denominado fagossomo.

A etapa seguinte, nesse processo, é a liberação de substâncias que tentarão destruir a partícula
ingerida. Nessa etapa, ocorre grande consumo de oxigênio pela célula, o que resulta no aumento do
desvio da atividade da hexose monofosfato e gera NADPH. Como resultado, ocorre redução do oxigênio
molecular, o que dá origem a uma série de agentes microbicidas poderosos: o ânion superóxido, o
peróxido de hidrogênio e os radicais hidroxila.

O peróxido formado, em associação com a enzima mieloperoxidase, dá origem a um potente sistema


de halogenação que é capaz de destruir tanto bactérias quanto vírus. Assim que o ânion superóxido é
formado, a enzima superóxido dismutase atua de forma a converter o superóxido em oxigênio molecular
e peróxido de hidrogênio, em um processo que consome íons hidrogênio. Como consequência, ocorre,
inicialmente, aumento do pH, o que facilita a ação antibacteriana das proteínas catiônicas oriundas dos
grânulos dos fagócitos.

Essas proteínas catiônicas são capazes de lesar a membrana dos microrganismos pela ação da
catepsina G e, também, pela aderência direta à membrana microbiana.

Outros fatores envolvidos nesse processo são a lactoferrina e os intermediários nitrogenados, como,
por exemplo, o óxido nítrico. Eles se ligam ao ferro e, assim, privam a bactéria de um elemento essencial
ao seu crescimento.

A lisozima, por sua vez, destrói os proteoglicanos da parede celular das bactérias, e outras enzimas
são responsáveis por degradar os componentes internos dos microrganismos. Assim que o processo
termina, os produtos resultantes são liberados para o exterior da célula.

Os linfócitos NK entram em ação quando ocorre invasão das células do nosso organismo por
agentes estranhos. Eles são grandes linfócitos granulares que se ligam a glicoproteínas que são
expressas na superfície das células infectadas por vírus e em algumas células tumorais. Uma vez
ligada à célula-alvo, as NK liberam o conteúdo de seus grânulos. Os elementos citotóxicos mais
importantes liberados são as perforinas, substâncias capazes de fazer furos na membrana da célula
infectada, o que resulta em citólise.

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1 Fagocitose de uma célula inimiga


2 Fusão de um fagossomo e um lisossomo 1
3 Enzimas degradam a célula inimiga
4 Fragmentos da célula inimiga 2
5 Liberação dos fragmentos
3

Figura 38 – Fagocitose

As bactérias produzem algumas substâncias, como a formil metionina, capazes de atrair os leucócitos.
Muitas vezes, esse estímulo químico não é suficiente para fazer com que os fagócitos reconheçam e
se liguem à superfície dos microrganismos e iniciem o processo de fagocitose. Nesses casos, ocorre a
ativação da cascata do complemento, a respeito da qual iremos discorrer mais adiante.
De maneira resumida, esse processo é caracterizado pelo revestimento de um antígeno por anticorpos
ou pelas moléculas do complemento, em um processo denominado opsonização. A endocitose mediada
por receptores é desencadeada pela opsonização e pela subsequente ligação do agente para fagocitar
receptores da superfície celular.

1
Fagossomo 2 Receptor Fc
Fc

C3b
Receptor
C3b
3

4
Fagolisossomo

Figura 39 – A opsonização dos microrganismos: (1) pelo fator de complemento C3b e anticorpo facilita o reconhecimento pelo
neutrófilo receptor de C3b e anticorpo Fc; (2) a ativação do receptor desencadeia a sinalização intracelular e a montagem de actina
no neutrófilo, levando à formação de pseudópodes que englobam o micróbio em um fagossomo; (3) este, então, se funde com um
lisossomo intracelular para formar um fagolisossomo, no qual enzimas lisossomais e radicais de oxigênio
(4) são liberados para matar e digerir o micróbio

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As células endoteliais e as plaquetas, embora não façam parte do sistema imunológico, também
participam da inflamação. Os papéis dessas células no processo inflamatório são descritos a seguir.

Células endoteliais

As células endoteliais, constituintes dos capilares sanguíneos, produzem agentes antiplaquetários e


antitrombóticos, que mantêm a permeabilidade do vaso, assim como vasodilatadores e vasoconstritores,
que regulam o fluxo sanguíneo.

Além disso, elas fornecem uma barreira de permeabilidade seletiva para estímulos inflamatórios
exógenos e endógenos; regulam o extravasamento de leucócitos pela expressão de moléculas de adesão
celular e receptores; contribuem para a regulação e a modulação da resposta imune pela síntese e
liberação de mediadores inflamatórios; e regulam a proliferação de leucócitos, a partir da secreção de
fatores estimuladores de colônias hematopoiéticas (CSF, do inglês colony stimulating factor). Também
participam do processo de reparo que acompanha a inflamação, por meio da produção de fatores de
crescimento que estimulam a angiogênese e a síntese da matriz extracelular.

Plaquetas

Plaquetas ou trombócitos são fragmentos de células circulantes no sangue envolvidos nos mecanismos
celulares de hemostasia primária. Plaquetas ativadas também liberam vários mediadores inflamatórios,
responsáveis por aumentar a permeabilidade vascular e alterar as propriedades quimiotáticas, adesivas
e proteolíticas das células endoteliais. Quando uma plaqueta sofre ativação, mais de 300 diferentes
mediadores são liberados.

Figura 40 – Plaquetas em esfregaço sanguíneo

5.2.2.3 Principais manifestações clínicas da inflamação aguda

Todas as reações inflamatórias agudas são caracterizadas por alterações vasculares e infiltração de
leucócitos. A intensidade da reação, no entanto, depende da natureza do estímulo. As manifestações
podem variar desde edema e formação de exsudato até a formação de abscesso ou de ulceração.

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O exsudato resultante do processo inflamatório agudo pode apresentar diferentes composições, que
variam principalmente em relação aos teores de proteínas plasmáticas e à presença ou não de células. De
acordo com esses parâmetros, eles podem ser classificados em exsudato seroso, hemorrágico, fibrinoso,
membranoso ou purulento. Muitas vezes, o exsudato é composto de uma combinação desses tipos.

• Exsudato seroso é um líquido com baixo teor de proteína resultante da entrada de plasma no
local inflamatório.

• Exsudato hemorrágico acontece quando existe lesão tecidual grave, que danifica os vasos
sanguíneos, ou quando há aumento da permeabilidade vascular.

• Exsudato fibrinoso contém grandes quantidades de fibrinogênio, que forma uma malha grossa
e pegajosa, semelhante às fibras de um coágulo sanguíneo.

• Exsudatos membranosos ou pseudomembranosos se desenvolvem em superfícies mucosas e


são compostos de células necróticas enredadas em um exsudato fibropurulento.

• Exsudato purulento ou supurativo contém pus, composto de leucócitos degradados, proteínas


e fragmentos de tecido. Nesse contexto, abscesso é uma área localizada de inflamação contendo
um exsudato purulento, que pode ou não ser cercado por uma camada de neutrófilos.

Alguns microrganismos, como o Staphylococcus sp., apresentam maior propensão do que outros a
induzir a formação de exsudato purulento. Caso os fibroblastos cerquem o abscesso e formem uma rede
de colágeno ao redor dele, os antibióticos não conseguirão penetrar na parede dessa estrutura, o que
resulta na necessidade de se realizar incisão cirúrgica e drenagem para alcançar a cicatrização.

Ulceração se refere a um local de inflamação no qual uma superfície epitelial (por exemplo, a pele
ou o epitélio gastrointestinal) se torna necrótica e corroída, frequentemente associada à inflamação
subepitelial. Pode decorrer de um trauma na superfície do epitélio (um exemplo é a úlcera péptica) ou
ser resultado de alterações na vasculatura (por exemplo, as úlceras do pé associadas ao diabetes).

Observação

Os abscessos, formados por infecções bacterianas ou fúngicas e por


organismos que chamamos de piogênicos, atingem as camadas mais
profundas do tecido conjuntivo. Devido à grande destruição tecidual, que
inclui danos à matriz extracelular, o resultado mais comum é o aparecimento
de cicatriz e fibrose.

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Lembrete

Vários mecanismos participam de um processo inflamatório, a fim de


conjugar e reunir todos os elementos de forma adequada e regulada. As
citocinas, os eicosanoides e os diferentes tipos de leucócitos são essenciais
para a consolidação da inflamação.

Pele avermelhada, tumefeita, Farpa


quente e dolorida contaminada
por bactérias

A) Inflamação
Capilares
Dilatação capilar, exsudação de líquido,
migração de neutrófilos
Neutrófilos

B) Supuração
Desenvolvimento de exsudato
Necrose tecidual supurativo ou purulento contendo
neutrófilos degradados e restos
de tecido

C) Formação de abscesso
Pus Compartimentalização de exsudato
purulento (pus) para formação do
Parede fibrosa abscesso

Figura 41 – Formação de abscesso: (A) invasão bacteriana e desenvolvimento do processo inflamatório; (B) continuação do
crescimento bacteriano, migração de neutrófilos, liquefação por necrose de tecidos e desenvolvimento de exsudato purulento;
(C) compartimentalização da área inflamada e seu exsudato purulento de modo a formar um abscesso

5.2.3 Processo inflamatório crônico

A inflamação crônica é aquela na qual, devido à persistência do agente causador, a resposta


inflamatória se mantém por mais tempo. Alguns exemplos que desencadeiam o processo de inflamação
crônica são:

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Unidade II

• falha na eliminação de agentes patogênicos;

• exposição a substâncias tóxicas (como ocorre, por exemplo, no tabagismo);

• reações autoimunes.

De forma diferente do que se percebe na inflamação aguda, que é manifestada pelas mudanças
vasculares, edema e infiltração predominantemente neutrofílica, a principal característica da inflamação
crônica é a infiltração de macrófagos e de linfócitos. Os sinais típicos de vermelhidão e edema podem
não ser aparentes.

Os linfócitos T e B são estimulados por uma série de moléculas sinalizadoras (quimiocinas) e de


adesão (selectinas, integrinas e seus ligantes) a migrarem para os locais inflamados. Ao reconhecerem os
antígenos presentes no sítio inflamatório, os linfócitos B são capazes de se diferenciar em plasmócitos
e secretar anticorpos contra o corpo estranho causador da inflamação.

No caso das doenças autoimunes, as citocinas liberadas em resposta à ativação da imunidade


adaptativa podem estimular a resposta inflamatória, como, por exemplo, as IL-1, -2, -6, -7 e o TNF.

A resposta inflamatória crônica também envolve a proliferação de fibroblastos. Como resultado, o


risco de formação de cicatrizes e deformidades geralmente é maior do que na inflamação aguda.

A inflamação crônica é classificada em dois padrões: inflamação crônica inespecífica e inflamação


granulomatosa.

Figura 42 – Linfócito em esfregaço sanguíneo

90
IMUNOLOGIA BÁSICA

5.2.3.1 Inflamação crônica inespecífica

Na inflamação crônica inespecífica, observa-se a presença de células mononucleares, associadas


a outras células, de modo que não há predominância de um tipo celular. No sítio inflamatório, são
notados linfócitos, plasmócitos e macrófagos em quantidades variadas. Essas células organizam-se ao
redor dos vasos ou no tecido conjuntivo adjacente.

5.2.3.2 Inflamação crônica granulomatosa

A inflamação crônica granulomatosa é uma resposta à infecção persistente que ocorre, por exemplo,
na tuberculose, na brucelose e em outras doenças causadas por bactérias, fungos ou parasitas. Pode
também ser decorrente da exposição a material particulado de difícil degradação, como, por exemplo,
a sílica e o amianto.

Nesse tipo de inflamação, observa-se predomínio de macrófagos ativados e modificados, que se


diferenciam em células epitelioides, ou xantomatosas, ou ainda em células gigantes multinucleadas do
tipo Langhans, resultado da fusão de várias células epitelioides. São encontrados também macrófagos
não epitelioides, com citoplasma vacuolado, que se organizam em agregados, associados a outras
células, como linfócitos, plasmócitos ou eosinófilos.

Os granulomas podem sofrer necrose secundária dos tipos:

• caseosa, como observado na tuberculose;

• gomosa, como no caso da sífilis terciária;

• com aspecto finamente granular e eosinofílico, como ocorre na esquistossomose.

Os granulomas imunogênicos, resultado da infecção por diferentes agentes, costumam apresentar


muitos macrófagos modificados em células epitelioides, e são dependentes de linfócitos T CD4+.
Os granulomas não imunogênicos, por sua vez, apresentam agregado de macrófagos, com células
gigantes multinucleadas, poucas células epitelioides, poucos linfócitos associados, e tendem a evoluir
para fibrose cicatricial.

A reação granulomatosa pode se apresentar de maneira difusa, como, por exemplo, na hanseníase,
em que é observado grande número de macrófagos vacuolados, cheios de micobactérias no citoplasma,
e poucos linfócitos associados.

Os granulomas podem evoluir para um nódulo fibrótico ou calcificado ou, ainda, dar origem a
cavidades durante os processos resolutivos e reparativos, como resultado da necrose liquefativa, com
material que é absorvido pelo organismo ou é drenado para o exterior.

91
Unidade II

5.3 Sistema complemento

O sistema complemento é um componente da imunidade inata que também atua na imunidade adaptativa.

O nome complemento foi dado a esse sistema por Jules Bordet, logo após a descoberta da molécula
de anticorpo. Ele demonstrou que, quando uma amostra de soro rico em anticorpos contra determinada
bactéria era incubada com essa bactéria à temperatura fisiológica de 37 °C, ocorria lise. No entanto,
quando esse soro era aquecido a 56 °C, a lise das bactérias não ocorria.

Bordet percebeu, então, que estava prestes a descobrir um novo fenômeno presente no soro. A fim
comprovar esse fenômeno, ele precisava demonstrar que a perda da atividade lítica do soro não era
acompanhada da perda da atividade do anticorpo. Para validar a sua hipótese, Bordet demonstrou que
o soro tratado pelo calor ainda era capaz de aglutinar as bactérias, o que confirmou que os anticorpos
mantinham as suas atividades preservadas. Assim, Bordet pôde concluir que o soro deveria conter
algum outro componente que fosse termossensível e responsável pela atividade lítica. Esse componente,
que assistia ou complementava a função do anticorpo, ou seja, acrescentava a função lítica a ele, foi
denominado sistema complemento.

O sistema complemento é formado por um conjunto de aproximadamente 30 proteínas, encontradas


no soro ou aderidas à superfície de algumas células. Elas interagem entre si, formando uma cascata
enzimática, o que resulta na eliminação do antígeno e na geração de resposta inflamatória.

A ativação do sistema complemento pode se dar por três vias distintas, conforme mostrado a seguir:

• Via clássica: a primeira via a ser descrita, depende de anticorpos para a sua ativação.

• Via alternativa: não depende de anticorpos para ser ativada.

• Via das lectinas: similar à via clássica, mas não depende de anticorpos.

A ativação dessas vias resulta em diferentes mecanismos, que incluem a lise do patógeno ou da
célula-alvo, a opsonização do microrganismo, com consequente aumento da fagocitose, a quimiotaxia
de fagócitos, a indução da inflamação e a amplificação da resposta imune adaptativa do tipo humoral
(baseada em anticorpos).

92
IMUNOLOGIA BÁSICA

Os componentes do sistema complemento são sintetizados principalmente pelos hepatócitos, no


fígado, embora eles também o sejam, em menor quantidade, pelos monócitos, pelos macrófagos e
pelas células epiteliais dos tratos gastrointestinal e geniturinário. Esses componentes circulam no soro
na forma funcionalmente inativa, como proenzimas. Para que eles sejam convertidos à forma ativa, é
necessário que haja remoção do fragmento inibitório e/ou mudança conformacional da enzima por
clivagem proteolítica, o que expõe seu sítio ativo.

A nomenclatura dos componentes se dá por letras seguidas de número, de acordo com a sua ordem
de descoberta, ou somente por letras. Veja o exemplo da via clássica do complemento, cujos componentes
são: C1p, C1r, C1s, C4, C2, C3, C5, C6, C7, C8 e C9. Já na via alternativa, alguns componentes são chamados
de fatores, tais como: fator B, fator D, fator H e fator P. Quando um componente é proteoliticamente
ativado, gera dois fragmentos: um maior, denominado “b”, e um menor, “a”, que é acrescido após o nome
do componente.

Vejamos o exemplo do componente C3. Ao ser ativado por processo de clivagem, ele se desdobra em
C3a e C3b, que correspondem aos fragmentos menor e maior, respectivamente.

Clivagem de C3
C3a

C3
C3b

Figura 43 – De C3 em C3a e C3b

As formas inativas dos componentes são identificadas pela letra “i”, de inativo, grafada antes de cada
fragmento, como, por exemplo, o C4b que, na sua forma inativa, é identificado por iC4b.

Todas as vias de ativação do sistema complemento convergem para o componente C3. A partir dele,
é desencadeada uma via única, que resulta na ativação do último componente, o C9.

93
Unidade II

Via alternativa Via das lectinas Via clássica

MBL Ca++ C1q

MASP1 MASP2 C1r C1s

MBL
Carboidratos Imunecomplexos
C3 (H2O)

Mg++
C2b
C3a

C3 convertase C3 convertase

C3a

C5 convertase C5 convertase

C5a

MAC (C5b-9)

Figura 44 – Figura representativa da ativação do sistema complemento pelas três vias

94
IMUNOLOGIA BÁSICA

5.3.1 Via alternativa do sistema complemento

A via alternativa do sistema complemento ativa-se diretamente na superfície de muitos patógenos,


ou seja, ela pode atuar imediatamente após a entrada do antígeno no organismo hospedeiro. Ao
contrário da via clássica, a via alternativa não depende do anticorpo para ser ativada.

Normalmente, a molécula de C3 presente no plasma é espontaneamente clivada em C3a e C3b numa


frequência baixa, porém contínua. O fragmento C3a fica solúvel no plasma, enquanto o fragmento C3b
pode ficar também no plasma ou depositar-se na superfície de células do hospedeiro. Nesses dois
casos, ele é rapidamente inativado. Entretanto, se o C3b se ligar covalentemente à superfície de
um patógeno, ele permite que o fator B (fB), também presente no plasma, ligue-se a ele, formando o
complexo C3bB. O fB ligado é clivado pelo fator D, gerando Ba, que fica na fase fluídica (no plasma),
enquanto Bb permanece formando o complexo C3bBb, conforme podemos ver na figura a seguir.
Observe, ainda, que esse complexo é instável e, portanto, precisa ser estabilizado pela ação
da properdina.

Tal complexo é chamado C3 convertase da via alternativa, que tem a função de clivar (ativar) mais
moléculas de C3, o que constitui uma alça de amplificação desse sistema.

As novas moléculas de C3b, geradas pela C3 convertase, podem se ligar à superfície do patógeno
e, dessa maneira, formar mais complexos C3bBb. É importante notar que alguns complexos da C3
convertase da via alternativa permitem a ligação de mais uma molécula de C3b, formando C3bBb3b.
Como resultado, ocorre a mudança da especificidade do complexo, que passa, agora, a atuar no próximo
componente da cascata, que é o C5. Esse novo complexo é denominado C5 convertase da via alternativa.
Ele inicia a etapa final da ativação do sistema complemento, que é comum às três vias, a chamada via
efetora ou terminal.

95
Unidade II

1
iC3b
(célula do hospedeiro)
Superfície do
microrganismo
2
C3b inativo

Superfície do
microrganismo

3 Fator D

4 Estabilizada por C3 convertase


properdina

C5 convertase

C5a

Figura 45 – Diagrama esquemático da ativação do sistema complemento pela via alternativa

A seguir, descrevemos resumidamente os sete eventos que representam a via alternativa.

• Clivagem espontânea do C3.

• Hidrólise e inativação do C3b na fase fluida.

• Ligação do C3b na superfície microbiana. Ligação do fator B.

• Clivagem do fator B pelo fator D. Estabilização pela properdina.

96
IMUNOLOGIA BÁSICA

• Clivagem adicional de moléculas C3 pela C3 convertase ligada à célula.

• C3b ligada covalentemente à superfície celular. Ligação à C3bBb para formar C5 convertase.

• Clivagem do C5. Início da via terminal da ativação do complemento.

5.3.2 Via clássica do sistema complemento

A ativação da via clássica do sistema complemento se inicia pela ligação do primeiro componente
dessa via, o C1, nos domínios CH2 da IgG ou nos domínios CH3 da IgM que estejam ligadas a um
antígeno qualquer, formando imunocomplexo. Em humanos, a IgM e as subclasses IgG1 e IgG3 são as
imunoglobulinas que fixam complemento de forma mais eficiente.

O componente C1 é uma proteína grande, composta de cinco subunidades, sendo uma molécula de
C1q, duas de C1r e mais duas de C1s. A molécula C1q tem uma estrutura interessante, que se assemelha
a um buquê invertido com seis tulipas.

A molécula de C1q é composta de seis cabeças globulares, sendo cada uma ligada por uma estrutura
alongada, que se unem formando um cabo central. Para iniciar a ativação da via clássica, é imprescindível
que C1q se ligue a duas Fc da molécula de anticorpo. Para que a IgG ative a via clássica do complemento,
são necessárias duas moléculas, e, para a IgM, é preciso somente uma molécula.

Com a ligação de C1q ao anticorpo, o qual está, por sua vez, complexado ao antígeno, ocorre uma
mudança conformacional em C1q, a qual acaba por ativar C1r. Quando C1r é ativada, passa a exibir
uma atividade enzimática do tipo serino-protease, ativando C1s. É importante ressaltar que a completa
ativação desse complexo é dependente de íons Ca2+ e Mg2+.

O complexo C1qrs ativado também apresenta atividade serino-protease, o que os capacita a atuar
sobre o próximo componente, a proteína C4, clivando-a em C4a e C4b. Consequentemente, a molécula
de C4b atua clivando C2, em C2a e C2b, e o complexo resultante, C4b2a, forma-se e é denominado de
C3 convertase da via clássica, o qual irá atuar no próximo componente, o C3.

A molécula de C3 liga-se ao complexo da C3 convertase pela molécula de C4b e é clivada pela C2a,
resultando em C3a e C3b. O fragmento menor, C3a, fica solúvel no plasma e desempenha algumas
funções biológicas, que veremos a seguir, enquanto o C3b formado pode se ligar covalentemente à
superfície celular ou ao anticorpo que iniciou a ativação da via clássica do complemento. Algumas das
moléculas de C3b geradas ligam-se ao complexo anterior, o que vai resultar na formação do complexo
C4b2a3b. Esse complexo funciona como C5 convertase da via clássica, que vai ativar o componente C5,
iniciando a via comum.

A seguir, descrevemos resumidamente os eventos que representam a via clássica:

• Ligação de anticorpos a antígeno. Ligação de C1 aos anticorpos.

• Ligação do C4 ao C1q associada a anticorpos.

97
Unidade II

• Clivagem do C4 pela enzima C1rs. Ligação covalente de C4b aos anticorpos e à superfície
do antígeno.

• Ligação do C2 ao C4. Clivagem do C2, formando o complexo C4b2a (C3 convertase).

• Clivagem de C3 pela C3 convertase.

• Ligação do C3b à superfície do antígeno e ao complexo C4b2a.

• Clivagem do C5. Início da via terminal da ativação do complemento efetora ou via terminal comum.

A) C1q B)
Imunocomplexo α

Haste C1 1

C1s
C1r

Cabeça

3
C4a

C2a
C3 convertase
4
C2b

5 C3a

C5 convertase

6
C2a

C5a

Figura 46 – Ativação do complemento pela via clássica: A) figura esquemática da


molécula de C1qrs e B) via clássica do sistema complemento

98
IMUNOLOGIA BÁSICA

5.3.3 Via das lectinas do sistema complemento

A via das lectinas é a última das vias de ativação do sistema complemento. Essa via, basicamente,
consiste numa forma distinta de ativar os componentes C2 e C4 da via clássica.

A ativação dessa via se inicia com a ligação de lectinas, presentes na circulação, a resíduos de açúcares
dos microrganismos. Essa proteína, denominada MBL ou MBP, que significa lectina (proteína) ligadora
de manose (manana), do inglês mannose binding lectin ou mannose binding protein, respectivamente,
liga‑se principalmente a resíduos de manose, fucose e N-acetilglicosamina de polissacarídeos
encontrados, em abundância, na superfície microbiana. Por ser estruturalmente semelhante a C1q, a
MBL pode disparar a ativação do sistema complemento, ativando os componentes C1r e C1s de forma
similar ao C1q da via clássica.

A outra forma de disparar essa reação é pela ligação da MBL a uma outra enzima chamada MASP
(serino-proteinase associada a MBP), do inglês mannose binding lectin associated serine-protease.
Em humanos, são conhecidas como MASP-1 e MASP-2 e encontram-se fisicamente ligadas à MBL.
A MASP‑1 e a MASP-2 são ativadas, provavelmente, quando a MBL se liga a qualquer resíduo de açúcar
na superfície de algum microrganismo. Como consequência, há a clivagem de C4, dando origem a C4a e
C4b, e de C2, dando origem a C2a e C2b. A partir da formação do complexo C4bC2a, essa via prossegue
igual à via clássica de ativação do sistema complemento
MBL

C3a
Carboidratos

Superfície do microrganismo

Figura 47 – Esquema da ativação do sistema complemento pela via das lectinas

Observe a ligação da MBL aos carboidratos na superfície da bactéria.

99
Unidade II

5.3.4 Via terminal/efetora do sistema complemento

A consequência biológica da ativação da via terminal ou lítica do sistema complemento é a lise da


célula-alvo, que pode ser uma bactéria, um protozoário, um vírus, uma célula infectada por parasitas
intracelulares etc.

As C5 convertases geradas pelas vias alternativa, clássica e lectina iniciam a etapa final da ativação
do sistema complemento pela clivagem do componente C5, o que gera os fragmentos C5a e C5b.
O fragmento menor, C5a, fica solúvel no soro, enquanto o fragmento maior, C5b, permanece ligado
às outras proteínas do complemento na superfície microbiana. A molécula de C5b, na superfície do patógeno,
permite, agora, a ligação dos componentes restantes da cascata C6, C7, C8 e C9, que são estruturalmente
relacionadas e não apresentam atividade enzimática, concluindo a formação do complexo de ataque
à membrana MAC, do inglês membrane attack complex, que é um canal transmembrânico formado na
superfície microbiana. Esse canal, inserido na superfície do patógeno, resulta na perda da integridade da
membrana e, por consequência, o desequilíbrio iônico, com a saída de Ca2+, entrada de K+ e água, que
resulta no aumento do volume intracelular e culmina na lise da célula-alvo.

Inflamação

Várias moléculas
C5a de C9

C5 convertase
Lise da
célula

Membrana plasmática

MAC - complexo de
ataque à membrana

Figura 48 – Esquema da via terminal da ativação do sistema complemento

Observe a formação do MAC (complexo de ataque à membrana).

5.3.5 Receptores para os produtos derivados do sistema complemento e funções


biológicas do sistema complemento

O resultado final da ativação do sistema complemento é induzir a lise da célula-alvo. Além disso,
esse sistema participa de outras funções biológicas importantes, que são mediadas pela ligação de
fragmentos derivados da sua ativação a receptores expressos em vários tipos celulares. No quadro a
seguir, estão apresentados, de forma sucinta, os receptores do sistema complemento, as células em que
eles estão presentes e as consequências biológicas decorrentes da ligação desses receptores.
100
IMUNOLOGIA BÁSICA

Quadro 2 – Proteínas componentes da via clássica do sistema complemento

Receptor Principais células Ligantes e principais funções biológicas


Células mieloides, células C1q e MBL – participa da fagocitose de partículas ou de restos
C1qRp endoteliais e plaquetas celulares opsonizados por C1q e MBL.
Neutrófilos, monócitos,
C3aR eosinófilos, astrócitos, C3a – participa da degranulação de mastócitos e basófilos.
neurônios e células da glia
Granulócitos, monócitos, C5a – participa da quimiotaxia, da liberação de histamina geração de
C5aR mastócitos, células endoteliais, radicais de O2 reativo e do aumento da expressão de moléculas de
epiteliais e da glia adesão.
C3b, C4b e, com menor afinidade, para iC3b – promove a fagocitose
de partículas opsonizadas por esses fragmentos. Participa da remoção
Hemácias, linfócitos B, de imunocomplexos na circulação. Cofator do fator I na clivagem de
CR1 polimorfonucleares, monócitos, C3b em iC3b e C3f, e também, na clivagem de iC3b em C3c e C3d.
células foliculares dendríticas Além disso, acelera o decaimento funcional das C3 e C5 convertases
da via clássica.
Linfócitos B maduros e células C3dg, C3d, iC3b – participa na ativação do linfócito B e na produção
CR2 foliculares dendríticas de anticorpos.
Neutrófilos, monócitos e iC3b – participa da fagocitose e medeia a adesão de neutrófilos e
CR4 macrófagos eosinófilos ao endotélio.

Adaptado de: Oliveira; Kanashiro (2010, p. 163).

Como afirmamos anteriormente, o sistema complemento atua tanto na imunidade inata quanto na
adaptativa, e resulta em funções efetoras bastante importantes, que serão detalhadas a seguir.

Opsonização e fagocitose

Os microrganismos nos quais o sistema complemento é ativado pela via clássica ou alternativa são
alvos da ligação dos fragmentos C3b, iC3b ou C4b e têm a sua fagocitose facilitada pela existência de
receptores para esses componentes na superfície dos macrófagos e dos neutrófilos. Os fragmentos
C3b e C4b ligam-se ao receptor CR1, enquanto o iC3b liga-se aos receptores CR3 e CR4. O CR1, por
si, é ineficiente em promover a fagocitose de microrganismos ligados por C3b. No entanto, a fagocitos
e é incrementada caso esse organismo esteja também ligado a uma IgG que, simultaneamente, liga CR1
com o receptor de Fc (receptor de Fc de anticorpo) na superfície dos fagócitos. A fagocitose de
microrganismos, via C3b e iC3b, constitui-se como um mecanismo importante de defesa inata e
adaptativa nas infecções.

Nas infecções que ocorrem por bactérias encapsuladas, tais como pneumococos e meningococos,
que apresentam cápsula rica em polissacarídeos, a proteção é mediada pela imunidade humoral. Nessas
infecções, os anticorpos IgM direcionados contra os polissacarídeos bacterianos ativam o complemento
pela via clássica, e os componentes opsonizantes, gerados por sua ativação, induzem a eliminação desses
patógenos, via fagocitose, que ocorre no baço. Esse é o motivo pelo qual indivíduos que não têm o baço
(esplenectomia cirúrgica após traumas, por exemplo) são mais susceptíveis a infecções generalizadas
por pneumococos ou meningococos.

101
Unidade II

A deficiência de C3 em humanos ou em camundongos está associada às infecções sérias e frequentes


por bactérias piogênicas (que induzem a formação de pus), que podem ser fatais. Esse fato ilustra o
papel central do C3 na opsonização e no aumento da fagocitose para destruição desses microrganismos.

Opsonização e fagocitose

Macrófago

Microrganismo
Microrganismo Fagocitose do
Ligação de C3b (ou C4b) ao
microrganismo (opsonização) Reconhecimento do C3b microrganismo
ligado ao microrganismo, pelo
receptor de C3b do fagócito

Citólise mediada pelo complemento

Microrganismo Microrganismo Microrganismo

A ligação do C3b ao microrganismo Formação do MAC Lise osmótica do


ativa os componentes finais da (complexo de ataque microrganismo
cascata do complemento à membrana)

Figura 49 – Funções biológicas do sistema complemento: na parte superior está representada a opsonização e fagocitose de
microrganismo; na parte inferior está representada a lise de microrganismo mediado pelo complemento

Resposta inflamatória

Os fragmentos peptídicos resultantes da ativação do sistema complemento C5a, C4a e C3a induzem
inflamação aguda pela ativação de mastócitos e neutrófilos. Todos esses três peptídeos podem se ligar
a mastócitos e induzem a sua degranulação, liberando mediadores vasoativos, tais como a histamina.

Em neutrófilos, o C5a aumenta a motilidade e, associado aos mediadores vasoativos liberados pelos
mastócitos, modulam positivamente a expressão de moléculas de adesão (CAMs) no endotélio dos vasos
e no próprio neutrófilo, que resulta na sua migração ao sítio da inflamação. Um mecanismo similar
acontece com outras células que também são atraídas para o foco inflamatório, a fim de combater o
patógeno presente no local.

Lise celular mediada pelo complemento

O MAC, formado pela via terminal do sistema complemento, pode induzir a lise de bactérias,
principalmente Gram-negativas, parasitas, vírus, eritrócitos e células nucleadas.

102
IMUNOLOGIA BÁSICA

A maioria dos vírus envelopados são susceptíveis à lise mediada pelo complemento, uma vez que o
envelope viral é derivado da membrana plasmática da célula infectada.

Em relação às bactérias, a maioria das Gram-negativas são passíveis de lise mediada pelo
complemento, com exceção da Escherichia coli e Salmonella que, por exemplo, são resistentes. Já as
Gram-positvas, geralmente, são resistentes à ação do sistema complemento devido a uma camada
espessa de peptidoglicana na parede celular, que previne a inserção do MAC.

Outras funções biológicas mediadas pelo complemento

Uma resposta imune com níveis elevados de anticorpos contra antígenos circulantes resulta na
formação de uma pequena quantidade de imunocomplexos. Se esses imunocomplexos se acumularem
na circulação, podem formar agregados, serem depositados na parede dos vasos e induzir inflamação,
causando uma flebite (inflamação de vasos sanguíneos).

A interação do complemento com os imunocomplexos impede que se formem os agregados.


Além disso, os imunocomplexos associados à C3b ligam-se às hemácias pelo receptor CR1, que são
carreados para o baço, onde os imunocomplexos são fagocitados. Esse mecanismo de eliminação de
imunocomplexos é particularmente importante em indivíduos que têm uma doença inflamatória
autoimune denominada lúpus eritematoso sistêmico, na qual são produzidos anticorpos contra as
proteínas do próprio indivíduo. Esses anticorpos formam complexos com os antígenos próprios do
organismo e, caso não sejam eliminados, depositam-se nos tecidos.

6 RESPOSTA IMUNE ADAPTATIVA

A imunidade adaptativa, ou específica, desenvolve-se ao longo da vida, em função das características


particulares de cada patógeno que entra em contato com o organismo.

A partir de uma primeira exposição a um corpo estranho, o sistema imunológico reconhece os


antígenos, que estimulam a multiplicação tanto de células que fabricam anticorpos quanto de células
que atacam especificamente as células infectadas pelo patógeno ou o patógeno propriamente dito. Os
antígenos podem ser, por exemplo, vírus ou substâncias que existam na parede externa de uma bactéria.

Na imunidade adaptativa, atuam vários tipos de leucócitos e, dentre eles, destacam-se os linfócitos T
e os linfócitos B.

Os linfócitos T somente reconhecem antígenos processados, apresentados por moléculas específicas


presentes na superfície de uma célula apresentadora de antígeno, cujos principais representantes são
os macrófagos e as células dendríticas. O processo de maturação dos linfócitos T gera células T efetoras
ou de memória.

Existem diversos subtipos de linfócitos T efetores. Os dois principais subtipos são os auxiliares (Th) e
os citotóxicos, que apresentam um receptor TCR e as moléculas correceptoras, CD4 ou CD8, respectivamente.

103
Unidade II

Os linfócitos T CD4+, ou auxiliares, são responsáveis por enviar mensagens de ataque, por meio
da liberação de citocinas, para outras células da resposta imune. São também muito importantes na
ativação dos linfócitos B, dos macrófagos ou mesmo dos linfócitos T CD8+, citotóxicos.

Os linfócitos T CD4+ são subdivididos funcionalmente pelo padrão de citocinas que produzem
a partir do reconhecimento de fragmentos antigênicos apresentados pelas células apresentadoras
de antígenos (macrófagos, células dendríticas e linfócitos B ativados). Os linfócitos Th1 estimulam a
resposta citotóxica, mediada por linfócitos T CD8+, enquanto os linfócitos Th2 estimulam a produção
de anticorpos pelos linfócitos B.

Em função da natureza do agente infectoparasitário e da forma com que seus antígenos são
processados, pode ocorrer predomínio da resposta citotóxica, que é mediada pelos linfócitos CD8+
e efetiva no combate a microrganismos intracelulares, ou pode haver predomínio da resposta
humoral, mediada pela produção e secreção de anticorpos pelos plasmócitos e efetiva no combate a
microrganismos extracelulares. No entanto, é importante salientar que essas respostas, muitas vezes,
ocorrem concomitantemente.

Os linfócitos T CD8+ (linfócitos T citotóxicos) estão envolvidos principalmente nas respostas antivirais
e apresentam ainda atividade antitumoral. Eles também reconhecem os antígenos a partir da interação
com células apresentadoras de antígenos e, a partir desse reconhecimento, proliferam e podem eliminar
qualquer célula que apresente esse antígeno, a partir da indução da apoptose mediada por perforinas
e granzimas.

Os linfócitos B, por sua vez, desencadeiam a produção de anticorpos, que são as substâncias
que o organismo produz para neutralizar os antígenos. São globulinas glicoproteicas que se formam
especificamente para um determinado antígeno, capazes de reagir a ele e bloquear sua ação.

Os anticorpos se ligam de forma específica aos antígenos, inativando-os. Assim, atuam diretamente
sobre as bactérias e os vírus, prevenindo que eles se fixem e invadam as células ou, ainda, inativando
as substâncias tóxicas produzidas pelas bactérias. Além disso, auxiliam os fagócitos a incorporarem os
antígenos, ativam o sistema do complemento e ajudam os linfócitos NK a matarem as células infectadas
ou as células cancerígenas.

Se a resposta inata é suficiente para anular a ação de um agente infeccioso, não ocorre ativação da
resposta imune adaptativa e, portanto, não há formação de memória imunológica. No entanto, caso
ocorra persistência da infecção, há a necessidade da ativação da resposta imune adaptativa.

Para iniciar nosso estudo, vamos entender como os linfócitos são originados e diferenciados em
diferentes padrões, por meio de um processo de maturação finamente controlado.

104
IMUNOLOGIA BÁSICA

6.1 Ontogênese dos linfócitos

Os linfócitos são as principais células da resposta imune adaptativa e representam os principais


componentes do sistema linfoide. São heterogênicos, fenotípica e funcionalmente, e produzidos
diariamente e em grande número nos órgãos linfoides primários (medula óssea e timo). As células
linfoides representam aproximadamente 20% dos leucócitos totais; os outros 80% são compostos de
granulócitos e monócitos.

Após sua produção, alguns linfócitos migram para os órgãos linfoides secundários, os linfonodos e o
baço, a fim de realizar a vigilância imunológica contra os patógenos.

Um adulto médio possui aproximadamente 2 x 1012 diferentes tipos de linfócitos, sendo que cada
um deles representa um clone. As células linfoides, após o seu amadurecimento, têm uma longa vida e
podem persistir por muitos anos como células de memória imunológica.

Menos de 1% dos linfócitos estão na circulação. A maioria deles está se deslocando entre os tecidos
e são sintetizados e mortos diariamente, o que mantém o equilíbrio do sistema linfoide. Além disso,
como eles são muito heterogêneos, variam em tamanho e morfologia, principalmente na relação
núcleo‑citoplasma, no formato do núcleo e na presença ou não de grânulos azurófilos.

Os linfócitos T e B, que são os subtipos envolvidos na resposta imune adaptativa, apresentam diversos
marcadores específicos na membrana plasmática e no citoplasma. Experimentalmente, é possível utilizar
anticorpos monoclonais para a distinção dessas moléculas, o que permite a sua caracterização, uma vez
que, visualmente, com técnicas microscópicas normais, não é possível diferenciar os linfócitos T dos
linfócitos B.

Linfócito

Granulócito basófilo

Monócito
Granulócito eosinófilo
Basófilo

Figura 50 – Células sanguíneas em uma lâmina de hemograma

Na figura, podemos perceber que os leucócitos apresentam características morfológicas bastante


distintas entre eles, contudo independentemente de o linfócito ser do grupo B ou do grupo T, ou até mesmo
um linfócito NK, eles irão ser morfologicamente iguais nas técnicas de coloração e microscopia ótica.
105
Unidade II

Todas as células do sangue, incluindo os linfócitos, têm a sua origem na medula óssea, de uma
célula-tronco hematopoiética; são inicialmente sintetizadas sem expressarem nenhum receptor em sua
superfície, ou seja, indiferenciadas. Nessa etapa, as células ainda não são responsivas aos antígenos.

Ainda na medula óssea, os linfócitos expressam duas proteínas, a CD34 e o antígeno-1 da célula
tronco (Sca-1). A proliferação dessas células é estimulada por citocinas, como, por exemplo, os fatores
estimuladores de colônias. Durante esse processo, tanto as futuras células B como as futuras células T
são estimuladas a iniciar um programa de expressão gênica que irá levar a sua diferenciação e futuro
amadurecimento.

Célula-tronco hematopoiética

Célula-tronco mieloide Célula-tronco linfoide

Mieloblasto Linfoblasto
Linfócito B
Granulócitos
Basófilos

Eosinófilos
Hemácias
Neutrófilos Linfócito T
Plasmócito
Plaquetas
Leucócitos

Figura 51 – Hematopoiese

A hematopoiese ocorre na medula óssea, dentro dos ossos longos. Todas as células sanguíneas têm
a sua origem a partir de uma célula-tronco comum, a proliferação dessas células é dependente
de citocinas, entre elas os fatores de estimulação de colônia (GSM). No início da síntese das células de
defesa, em especial os linfócitos, não há ainda resposta imune, as células são irresponsivas e precisam
passar por algumas etapas de diferenciação e amadurecimento até se tornarem células maduras.

O processo do desenvolvimento dos linfócitos começa nos órgãos linfoides geradores ou centrais,
onde as células progenitoras indiferenciadas sofrem um processo de rearranjo dos genes geradores de
receptores. Após episódios de seleção, que irão garantir que apenas as células viáveis e não reagentes ao
próprio organismo sejam liberadas na corrente sanguínea, ocorre a proliferação. Durante o processo de
geração e amadurecimento, as células serão nomeadas de forma diferente: pró-linfócito, pré-linfócito,
linfócito imaturo. A maturação final, que dá origem aos linfócitos maduros, ocorre nos órgãos periféricos.

106
IMUNOLOGIA BÁSICA

Célula-tronco Pró-linfócito Pré-linfócito Linfócito imaturo Linfócito maduro

Órgão gerador Órgão periférico

Figura 52 – Estágios do desenvolvimento dos linfócitos

Como podemos ver na figura, tanto os linfócitos T quanto os linfócitos B têm suas origens na medula
óssea, a partir de uma célula-tronco comum, que irá diferenciar em pró-linfócito. Após isso, ocorre o
rearranjo dos receptores e eles serão expressos na membrana, essa célula será o pré-linfócito, que ainda
na medula será diferenciado em linfócito imaturo. Depois dessas etapas, os linfócitos irão terminar seu
processo de amadurecimento nos órgãos periféricos.

O desenvolvimento dos linfócitos a partir das células progenitoras é estimulado, inicialmente, pela IL-17.
Essa interleucina é produzida por células do estroma da medula óssea e do timo. Em seguida, o estímulo
pela IL-17 cessa e, então, ocorre o rearranjo dos receptores de antígenos na superfície dessas
células. A partir dessa etapa, somente as células que têm receptores funcionais podem prosseguir
o desenvolvimento.

As sequências genéticas que irão codificar os receptores dos linfócitos B e dos linfócitos T estão
localizadas em três regiões e são nomeadas genes V(D)J, os mesmos que, mais tarde, serão responsáveis
pela produção de anticorpos funcionais pelos linfócitos B.

Lembrete

Os genes V codificam a região variável, os genes D, a região de diversidade


e os genes J, a região de junção dos receptores dos linfócitos.

Observação

Uma vez que, nos linfócitos, os receptores de superfície são


especializados em reconhecer antígenos, eles apresentam a mesma estrutura
dos anticorpos.

107
Unidade II

L V1 L V1 L Vn D1 D2 D3 Dn J1 J2 J3 J4 J5 Cµ C6

P P P E

Rearranjo DJ
L V1 L V2 L Vn D1 D2 J4 J5 Cµ C6

P P P E DNA

Rearranjo VDJ
V2 D2 J4 Cµ C6
L V1 L J5

P P E
DNA

Transcrição
V2 D2 J4 J5 Cµ C6
L
Transcrito primário RNA
E

Figura 53 – Representação dos genes que compõem as regiões V, D e J e alguns rearranjos gênicos

É possível observar que o loci gene que irá sintetizar os receptores é da família das imunoglobulinas,
possui alguns poucos genes que se rearranjarão em diferentes éxons, permitindo a transcrição de
receptores e imunoglobulinas diversas e específicas, característica de imunidade adquirida.

Milhares de diferentes receptores dos linfócitos são responsáveis pelas características de diversidade
e especificidade da resposta imune adaptativa. Para a expressão de cada receptor antigênico, ocorre o
rearranjo entre os fragmentos desses genes, em um processo denominado recombinação V(D)J.

Vamos agora entender como ocorre a diferenciação das células progenitoras em linfócitos B e T.

108
IMUNOLOGIA BÁSICA

Célula-pluripotente

Progenitor linfoide

Precursor da célula T B folicular


Pró-B
CLI

B zona marginal
Pró-T

B-1

TγB

TσB

Figura 54 – Síntese e amadurecimento dos linfócitos

Na medula óssea, a partir de uma célula-tronco pluripotente, é gerado um progenitor linfoide.


Após essa etapa, de acordo com os estímulos recebidos e rearranjo gênico de receptores, as células
se diferenciação em B ou T. O processo de diferenciação das células B ocorre na medula óssea, já a
diferenciação dos linfócitos T ocorrerá no timo. A célula pró-B poderá gerar linfócitos B-2, de zona
marginal e folicular e linfócitos B-1. A célula pró-T poderá gerar dois tipos de linfócitos T o Tαβ e o Tγδ.

6.1.1 Ontogênese e moléculas de superfície dos linfócitos B

Os linfócitos B representam entre 5 e 15% das células linfoides circulantes.

Os progenitores de células B na medula óssea são encontrados adjacentes ao endósteo das lamelas
ósseas. Um precursor poderá gerar até 64 descendentes, que migrarão para o centro da cavidade de osso
esponjoso e alcançarão a luz de um sinusoide venoso.

Na medula óssea, as células B amadurecem associadas intimamente às células reticulares do


estroma, encontradas junto ao endósteo e associadas ao seio central. Essas células são chamadas
de células reticulares adventícias, e apresentam características mistas, com semelhança aos
fibroblastos, células endoteliais e miofibroblastos, e são capazes de sustentar a diferenciação das
células B por meio da produção de IL-7.

109
Unidade II

Célula
Arteríola
mesenquimal

Célula endotelial
Célula
Capilar sinusoide
endotelial

Linfoblastos
Megacarócito
Célula de
gordura Eritoblastos

Figura 55 – Medula óssea: à esquerda, vemos, após coleta, a fixação e a coloração; à direita,
vemos a representação ilustrada das componentes da medula óssea

Todas as células do sangue, tem sua síntese na medula óssea, inclusive os linfócitos e para a síntese
e amadurecimento do linfócito B o contato com as células não precursoras que compõem a medula
óssea é essencial.

Os linfócitos B apresentam receptores em sua superfície que são imunoglobulinas (anticorpos)


responsáveis por reconhecer epítopos antígenos não próprios ao organismo. A partir desse evento,
ocorre o estímulo para a produção de mais anticorpos, que serão secretados no plasma.

Tais receptores, conhecidos como BCR (do inglês B cell receptor) são constituídos de duas cadeias de
imunoglobulinas, denominadas Igα e Igβ, de uma cadeia µ e de uma IgM, que permanece em contato
com o meio externo. O complexo ITAM (do inglês immunoreceptor tyrosine-based activation motif),
presente nessa estrutura, é responsável pela ativação do complexo B após o reconhecimento de um
antígeno não próprio pela IgM que constitui o receptor.

110
IMUNOLOGIA BÁSICA

IgM

Ig-a–IG-b

ITAM

Figura 56 – Receptor do linfócito B

Complexo receptor do linfócito B, BCR, é uma molécula de IgM ligada à membrana plasmática,
junto com outras moléculas de superfície formam o motivo ITAM, que é responsável pela ativação do
linfócito B.

A expressão do BCR na superfície dos linfócitos B se dá da seguinte maneira: após a compleição do


rearranjo V(D)J, que dará origem à cadeia pesada das imunoglobulinas Igα e Igβ presentes na superfície
dos linfócitos B, ocorre a síntese da cadeia μ, que é uma molécula transmembrana. O produto de dois
genes, λ5 e VpréB, fornece a informação para a expressão da cadeia leve. O complexo formado tem o
nome pré-BCR (do inglês B cell receptor), cuja principal função é a transmissão de sinal para o interior
da célula, a partir do reconhecimento de um antígeno.

As células que não expressam o pré-BCR morrem por apoptose, mas aquelas que expressam
corretamente o pré-BCR continuam a se diferenciar pelo processo de seleção positiva. Na sequência,
duas cadeias μ pareiam e formam a IgM monomérica que ficará inserida na membrana, cuja função é a
ligação aos epítopos antigênicos.

Se as células imaturas reconhecem um antígeno próprio do organismo, serão inativados


permanentemente, e não irão sofrer expansão clonal nem diferenciação. Já as células que reagiram a
antígenos solúveis serão anergizadas, ou seja, inativadas sem serem deletadas.

Um terceiro evento pode ainda ocorrer: a célula B é preservada, e apenas o receptor é alterado por
mutações somáticas, o que evita a autorreatividade.

Esses três eventos são nomeados de seleção negativa, e são descritos com mais detalhes na unidade III.
Mais de 75% dos linfócitos B que amadurecem na medula não irão atingir a corrente sanguínea, pois
parte dessas células sofrerá apoptose, devido à seleção negativa.

111
Unidade II

Saiba mais
Para entender o que é a tolerância imunológica, leia o texto indicado
a seguir.
MATOS, A. C Tolerância e imunidade. UFBA.
Disponível em: https://cutt.ly/cbB5zjY. Acesso em: 17 maio 2021.

Para a formação do linfócito B maduro, a célula B IgM+ precisa se diferenciar em uma célula B IgM+IgD+
ainda na medula óssea. Tanto a IgM quanto a IgD associadas à membrana apresentam a mesma
especificidade antigênica, pois foram produzidas a partir de um mesmo rearranjo V(D)J.

Menos de 10% das células B circulantes expressam IgG, IgA ou IgE em sua superfície. Nas mucosas,
por exemplo, os linfócitos B expressam IgA.

Após o processo de maturação, os linfócitos B circulam do sangue para os órgãos linfoides


secundários. Não havendo o reconhecimento de antígenos nos órgãos linfoides, as células voltam a
circular no sangue ou morrem.

Já quando há a interação com um antígeno, será formado um centro germinativo, que será o
local de diferenciação e proliferação. O estágio final de diferenciação dos linfócitos B ocorre em locais
conhecidos como cordões medulares, nos linfonodos. Nessa etapa, os plasmócitos produtores de IgG de
memória migram para a medula óssea, onde continuarão a secretar anticorpos.

Lembrete

Plasmócito é a forma ativa dos linfócitos B, que produz e secreta


os anticorpos, após o reconhecimento do antígeno específico pelo
receptor da célula.

Os plasmócitos produzem e secretam anticorpos que apresentam a mesma especificidade antigênica


das imunoglobulinas presentes na sua superfície.

Inicialmente, ocorre a secreção de anticorpos da classe IgM pelos plasmócitos. Contudo, devido à
interação direta com linfócitos T e a sinalização emitida por citocinas, ocorre a troca de isotipo ou troca
de classe, na qual essas células passam a sintetizar e a secretar IgA, IgE ou IgG.

Durante o processo de ativação dos linfócitos B, um conjunto dessas células permanece na periferia,
como células B de memória de vida longa. Essas células são essenciais para reiniciar a produção de
anticorpos frente a exposições subsequentes ao antígeno.

112
IMUNOLOGIA BÁSICA

Figura 57 – Plasmócito em uma lâmina de hemograma

É possível diferenciar um plasmócito produzindo anticorpos de um linfócito não ativado, na


figura a célula destacada com uma seta, apresenta o citoplasma aumentado, núcleo descentralizado
na periferia, já a célula a sua direita é um linfócito típico, possui pouco citoplasma e uma relação
núcleo/citoplasma alta.
Fase independente de antígenos não próprios Circulação Fase dependente de antígenos não próprios
Medula óssea Gânglios linfáticos

Plasmócito
IgM
IgM

IgM Célula de memória

Célula IgM IgG Plasmócito


Célula Célula B Célula B
pró-B pré-B imatura madura IgG
Célula-tronco Receptor pré-B IgM IgM
IGKV-J IgG Célula de memória
IGHV-D-J
D-J IGLV-J IgM IgA
IgD Plasmócito

IgA

IgM IgE
IgA Célula de memória
Plasmócito
IgE

IgE Célula de memória

Figura 58 – Maturação e troca de classe de anticorpos no linfócito B

Como podemos ver, as fases de célula-tronco, Pró-B, Pré-B e célula B imatura estão presentes na
medula óssea. O receptor é expresso a partir da fase pré-B, dependente do rearranjo VDJ, e na célula
imatura o receptor de superfície é a IgM monomérica. Após o amadurecimento na circulação, além de
113
Unidade II

IgM, o IgD de superfície estará expresso. Quando houver o reconhecimento do antígeno específico, os
linfócitos B ativados, plasmócitos, secretarão inicialmente IgM e, em seguida, ocorrerá a troca da classe
dos anticorpos com a secreção de IgG, IgA ou IgE, dependendo do tipo de resposta imune necessária.

A presença de plasmócitos não é comum na corrente sanguínea. Eles representam menos de 0,1%
dos linfócitos circulantes e são encontrados principalmente nos órgãos e tecidos linfoides secundários
e na medula óssea. Como sua única função é produzir anticorpos, eles apresentam poucos receptores
de superfície e não respondem a antígenos. Os anticorpos produzidos por um plasmócito apresentam
uma única especificidade e, além disso, essas células circulantes têm vida curta, sobrevivem poucos dias
e morrem por apoptose.

Para a geração da célula B de memória, ocorre a troca de classe, por hipermutação somática,
naqueles linfócitos B que foram ativados, mas ainda não se diferenciaram em plasmócitos. Assim, o
linfócito B de memória terá outro isotipo de imunoglobulina, que não o IgM. Essas células não se
dividem nem permanecem vivas em estado quiescente por muito mais tempo, constituindo nosso
repertório imunológico, que permite o reconhecimento e a ação efetora rápida e eficaz contra uma
ampla variedade de antígenos.
Humano
(cromossomo 14)
Primeira unidade de duplicação 3’a1E
Segunda unidade de duplicação 3’a2E

VH DJH iEµ Iµ Sµ Cµ Cδ Iγ3 Sγ3 Cγ3 Iγ1 Sγ1 Cγ1 Ve Ia1 Sa1 Ca1 Vγ Iγ2 Sγ2 Cγ2 Iγ4 Sγ4 Cγ4 Ie Se Ce Ia2 Sa2 Ca2

Transcrição de linhagem germinativa de Iμ-S-Cμ Transcrição de linhagem germinativa de Ia1-S-Ca1

Transcrito de VMDJM-Cδ AUXÍLIO


Cγ3 Iγ1
Sγ1
Transcrito de VMDJM-Cμ Sγ3
Cγ1
Iγ3


Ve Geração de DSBs e
Cµ Ia1
3’a1E sinapse de S-S 3’a2E

VH VH iEµ Iµ Sµ Sa1 Ca1 Vγ Iγ2 Sγ2 Cγ2 Iγ4 Sγ4 Cγ4 Ie Se Ce Ia2 Sa2 Ca2
Iγ1 Cγ3
Sγ1 Sγ3
IgM
Cγ1 Iγ3
Resolução de DSBs
Círculo de troca
Ve Cδ de DNA
Ia1 Cµ

Sa1 Sµ Transcrito de círculo


3’a1E de Iα1-Cμ 3’a2E

VH VH iEµ Iµ Sµ Sa1 Ca1 Vγ Iγ2 Sγ2 Cγ2 Iγ4 Sγ4 Cγ4 Ie Se Ce Ia2 Sa2 Ca2
Transcrito de pós-recombinação de Iμ-Cα1
Transcrito de VMDJM-Cα1
IgA1

Figura 59 – Hipermutação somática, troca de classe das imunoglobulinas

114
IMUNOLOGIA BÁSICA

O gene que expressa a imunoglobulina IgM, muta, perdendo uma região, o círculo de DNA, em
uma nova transcrição desse gene a classe expressa de imunoglobulina será de IgA, na hipermutação a
troca do isotipo do anticorpo, contudo a especificidade da região variável é conservada para o mesmo
antígeno da classe expressa inicialmente.

Outras moléculas presentes na superfície dos linfócitos B são importantes para a efetivação das
funções dessas células. Os linfócitos B participam da apresentação de antígenos para linfócitos TCD4+,
graças à expressão da classe II do complexo principal de histocompatibilidade (MHCII) e das proteínas
coestimulatórias B7 e CD40 por essas células, assunto que será abordado com mais detalhes ainda
nesta unidade.

Antígeno

BCR
BCR
CD
0L 40
CD4

Célula TCR Célula B


TCD4*
MHC II
+
Peptídeo
ILR

IL2/4/5

Figura 60 – Linfócito B como célula apresentadora de antígeno (APC, antigen presenting cell)

O linfócito B tem a função de APC, quando o BCR reconhecer o seu antígeno específico, ocorrer
a fagocitose e a posterior apresentação de peptídeo antigênico na molécula de MHC classe II para o
linfócito TCD4+, a participação de outras moléculas de superfície, o CD40 e o CD40L, são essenciais para
a ativação da célula T.

A proteína CD40 também está envolvida na troca de classe de imunoglobulina. Ao interagir com o
CD154, também conhecido como CD40L (ligante de CD40), presente na superfície dos linfócitos TCD4+,
ocorre início da produção de IgG, mais duradoura. Quando não há essa interação, como ocorre, por
exemplo, na síndrome humana de hiper-IgM, ligada ao cromossomo X, os linfócitos T não expressam o
CD154 e, como resultado, não ocorre a troca do isotipo do anticorpo, e o indivíduo produz somente IgM,
o que o leva a um quadro de imunodeficiência primária.

A proteína CD21 está envolvida na ativação do linfócito B e também é um receptor para o


componente do complemento C3d. O vírus Epstein-Barr, agente etiológico da mononucleose, é capaz
de se ligar a essa proteína e invadir a célula.

115
Unidade II

A proteína CD32 atua como receptor da fração Fc da IgG, o que tem um importante papel no
processo de retroalimentação negativa pelos anticorpos que ocorre em decorrência do término de uma
resposta imune.

Quadro 3 – Moléculas de superfície da célula B

Molécula Função
BCR, IGM OU IGD Receptor do antígeno
CD79a e CD79b, OU IGα E IGb Transdução de sinal
CD19, CD21, CD81 Aumenta o sinal da transdução, para ativação da célula B
MHC CLASSE II Apresenta antígenos para o linfócito T CD4+
CD40 Troca de classe do anticorpo
CD21 Ativação da célula B e ligação do componente C3d do sistema complemento
CD32 Receptor Fc da IgG, sinal negativo

Todo o processo descrito até agora é responsável por gerar um grupo de linfócitos B denominado B-2.
No entanto, existe um outro grupo, denominado B-1, que se caracteriza pela expressão de moléculas CD5
na sua superfície. Nos adultos, essa população representa uma minoria das células B presentes no baço e
linfonodos, mas predominante nas cavidades pleural e peritoneal. Os linfócitos B-1 são responsáveis por
produzir anticorpos naturais, principalmente IgM de baixa afinidade e avidez, geralmente polirreativos,
em resposta a antígenos polissacarídeos de bactérias.

Os linfócitos B-1 CD5+ respondem bem a antígenos independentes de linfócito T, podem estar
envolvidos no processamento e na apresentação de antígenos às células T e, provavelmente, participam
na tolerância e na resposta de anticorpos. Os anticorpos naturais produzidos por essas células atuam na
primeira linha de defesa contra os microrganismos e na depuração de componentes próprios danificados.

Recentemente, uma nova classe de linfócitos B, os linfócitos B reguladores ou BReg, foi identificada
em animais de experimentação. Esses linfócitos, uma vez ativados, produzem IL-10 e TGF-β, o que suprime
a ativação e a diferenciação dos linfócitos T CD4+, CD8+ e NK, inibe a ativação de células dendríticas e
estimula a diferenciação de linfócitos T reguladores.

O estudo dos linfócitos BReg em modelos animais deixa claro o papel regulador dessas células
nas diferentes enfermidades. A comprovação da existência dessas células no homem será de grande
relevância para a compreensão das doenças autoimunes.

Mais do que entender a diversidade de efeitos das citocinas anti-inflamatórias que asseguram as
funções dos linfócitos BReg, o seu estudo reforça as evidências da produção de autoanticorpos de modo
fisiológico com finalidade protetora.

A figura a seguir demonstra as várias ações das células BReg e a interação com mecanismos de
resposta inatos e adaptativos.

116
IMUNOLOGIA BÁSICA

Células B reguladoras

IL-10
TGF-b CD-1

Efeitos celulares

Células dendríticas
– Inibição da ativação
– Inibição de B7-1, B7-2 e MHC

Linfócitos T naive
– Inibição da via TH1
– Indução da via TH2

Macrófagos
– Clearance de células apoptóticas e auto-antígenos
mediado por auto-anticorpos
– Redução no processamento de auto-Ag
– Indução de macrófagos supressores

TREGs e células TR-1


– Indução da diferenciação de células T reguladoras

Linfócitos T CD4
Linfócitos T CD8
Células NK
Células NK/T
– Supressão da ativação e diferenciação

Figura 61 – Mecanismos de regulação da resposta imune induzidos por células B reguladoras (BREGs)

Os mecanismos de supressão sobre diferentes alvos celulares são dependentes da secreção de


IL-10 e TGF-β.

117
Unidade II

6.1.2 Ontogênese e moléculas de superfície dos linfócitos T

A interação dos linfócitos com outras células dos órgãos linfoides tem importante papel no
amadurecimento, na seleção, na função e no descarte de células em diferenciação terminal. Essas
células são as células acessórias, as células apresentadoras de antígenos (APCs), as células reticulares e
as células epiteliais.

É no timo que ocorre o desenvolvimento e a maturação dos linfócitos T. Esse processo ocorre
durante toda a vida, mas é reduzido significativamente após a puberdade, em um processo conhecido
como involução tímica. A atrofia cortical está relacionada à sensibilidade dos timócitos corticais aos
corticosteroides e a todas as condições associadas ao aumento agudo de corticosteroides como a
gravidez e o estresse.

A ausência do timo, como é de se esperar, reduz drasticamente a população de células T maduras,


tanto é que indivíduos acometidos por uma patologia nomeada de Síndrome DiGeorge, que se caracteriza
pela ausência desse órgão, são imunodeficientes.

As células linfoides, ou timócitos, são precursoras dos linfócitos T e estão na região do córtex do timo.
Na região medular desse órgão, essas células estão na forma mais madura. Quando as células-tronco
chegam até o timo, é ainda controverso se elas já são pré-células T ou não. Acredita-se que as células
pré-tímicas, que são derivadas da medula óssea, entram no timo rudimentar e são multipotentes.

A presença do receptor Notch 1 é essencial para o desenvolvimento dos linfócitos T. As células


epiteliais do timo expressam ligantes para esse receptor, e células precursoras dos linfócitos que não
expressam o receptor não passam pelo processo de maturação que origina os linfócitos T.

Tanto no córtex como na medula do timo, os progenitores das células T passam por processos de
proliferação e diferenciação, que levam à geração de células T maduras por meio de um gradiente
corticomedular de migração.

As células não linfoides são responsáveis por determinar interações importantes na superfície, que
são necessárias para o desenvolvimento das células T maduras. As células não linfoides mais importantes são
as células corticoepiteliais e as células dendríticas interdigitais.

Três tipos de células epiteliais tímicas são importantes na produção de células T: as células nurse
tímicas, localizadas no córtex externo; as células epiteliais tímicas corticais, que formam uma rede de
células epiteliais; e as células epiteliais tímicas medulares, que são organizadas em grupos.

Vejamos mais detalhes sobre essas células.

• As células nurses sustentam a proliferação dos progenitores, a partir da produção de citocinas.

• As células epiteliais tímicas corticais participam do processo de seleção positiva dos timócitos e
amadurecimento.
118
IMUNOLOGIA BÁSICA

• As células epiteliais tímicas medulares exibem um grande repertório de autopeptídeos específicos


envolvidos na tolerância imunológica.

CD4- CD8-

CD4+ CD8+

CD4+ CD8-
CD4- CD8+

Timócito Epitélio Complexo Célula Célula Macrófago Célula Fibroblasto


subcapsular tímico nurse epitelial cortical medular epitelial dendrítica

Figura 62 – Ontogênese do linfócito T

Os linfócitos T entram no timo na região cortical para o seu amadurecimento, são nomeados de
timócitos, durante o processo de amadurecimento e diferenciação, os timócitos migram do córtex para
a medula e interagem com diferentes células até se tornam linfócitos T näive.

Exemplo de aplicação

A seleção tímica é fundamental e está intimamente relacionada ao desenvolvimento de doenças


autoimunes. Para poder atuar no diagnóstico dessas doenças, é necessário conhecer esse processo.

No timo, ocorrem também os eventos do rearranjo de genes, que irão determinar se uma célula T irá
expressar γδ ou αβ como receptor, e qual será a especificidade do receptor da célula T (TCR, do inglês T
cell receptor) para um determinante antigênico.

Dois importantes eventos ocorrem no timo:

• o surgimento dos linfócitos T maduros, que irão reconhecer antígenos apresentados


exclusivamente pelo MHC;

• os linfócitos T, que são tolerantes a antígenos próprios.

Assim como ocorre na geração do BCR dos linfócitos B, os TCRs reconhecem o antígeno via regiões
variáveis geradas através da recombinação V(D)J. A região variável codificada por esse conjunto

119
Unidade II

de subgenes reconhece fragmentos de proteínas degradadas ligadas ao complexo principal de


histocompatibilidade, o MHC. Após esse reconhecimento, os linfócitos T são ativados e realizam suas
funções efetoras.
TCR a-chain TCR a-chain
43 × Va 58 × Ja Ca
CDR1 CDR2 CDR3

Va N Ja

TCR b-chain TCR b-chain


42 × Vb Db1 6 × Jb1 Cb1 Db2 7 × Cb2 Cb2
CDR1 CDR2 CDR3

Vb N Db N Jb

Figura 63 – Recombinação V(D)J

A sequência V(D)J se recombina para formar um éxon que será expresso na proteína TCR, para cada
TCR específico haverá uma recombinação.

O TCR é o principal marcador dos linfócitos T. São moléculas heterodiméricas que apresentam
estrutura semelhante à região de dobradiça dos anticorpos. Inclui cadeias glicoproteicas, α (40 a 50 kDa)
e β (35 a 47 kDa). Para cada clone de linfócito T, há um TCR com especificidade diferente. Esse receptor
está presente na membrana dos linfócitos T, apresenta uma porção citoplasmática curta e uma porção
extracelular semelhante ao fragmento Fab dos anticorpos.
TCR
Local de ligação do antígeno

Regiões variáveis

Regiões constantes

Região transmembranar

Cadeia alfa Cadeia beta

Figura 64 – Representação ilustrativa do TCRαβ

120
IMUNOLOGIA BÁSICA

O TCR é composto de uma cadeia α e uma cadeia β, possui uma região transmembrana que o mantém
na superfície celular, além disso, cada cadeia que compõe o receptor possui uma região constante e uma
região variável, onde ocorre a ligação do antígeno.

A região variável da cadeia α é semelhante à dos anticorpos e apresenta regiões determinantes de


complementariedade, as CDR, nomeadas CDR-1, CDR-2 e CDR-3. São essas regiões que formam o local
de ligação do antígeno ao complexo MHC.

Várias moléculas são associadas ao TCR. Um exemplo é o CD3, que tem a função de auxiliar
no transporte da molécula TCR sintetizada para a superfície da célula. O complexo CD3 associa-se
aos heterodímeros αβ ou γδ de ligação de antígeno para formar o TCR completo e funcional na
superfície da célula.

O CD3 não tem função de se ligar a antígenos, mas participa da sinalização celular, o que resulta na
ativação do linfócito T após a ligação do TCR ao antígeno não próprio.

Figura 65 – Complexo CD3-TCR

Para que ocorra a transdução de sinal o TCR precisa estar associado ao complexo CD3, constituído
de cadeias δ, ε, γ, ζ e na sua porção citoplasmática irá fazer a ativação do ITAM, importante via de
transdução de sinal do linfócito T.

O CD3 está presente, de maneira exclusiva, em todas as subpopulações de linfócitos T. Outros


marcadores irão aparecer em outros tipos de linfócitos, como os descritos a seguir.

• Os linfócitos NK apresentam moléculas CD16 e CD56 em sua superfície, e são especializados em


desencadear resposta citotóxica inespecífica durante a imunidade inata.

121
Unidade II

• Os linfócitos T auxiliares e T reguladores apresentam moléculas CD4 em sua superfície (são,


portanto, CD4+). Esses linfócitos são especializados em reconhecer antígenos não próprios e
ativar e direcionar a imunidade adaptativa humoral e citotóxica.

• Os linfócitos T reguladores também expressam CD4 e, como o próprio nome diz, regulam a
resposta imune.

• Os linfócitos T citotóxicos apresentam moléculas CD8 em sua superfície (são, portanto, CD8+), e
são especializados em desencadear resposta citotóxica específica, durante a imunidade adaptativa.

• Os linfócitos Tγδ protegem as superfícies e as mucosas do nosso corpo e constituem a maior parte
dos linfócitos intraepiteliais. Eles expressam o marcador CD8, que não é encontrado nas células Tγδ
circulantes. Nas mucosas, algumas dessas células podem reconhecer antígenos diretamente, sem
a necessidade da interação com a molécula do MHC, e, assim, participam das respostas imunes
primárias contra certos tipos de vírus e bactérias. Além disso, participam da imunorregulação
e reduzem a inflamação potencialmente prejudicial, ou seja, as células são capazes de realizar
proteção imunológica.

Ligação do Ligação do
antígeno antígeno

a b g d

Região
variável (V)

Região
constante (C)

Região
transmembrana

Cauda citoplasmática
a:b g:d

Figura 66 – Representação dos dois tipos de TCR: o TCR αβ e o TCRδγ

Ambos são expressos nas superfícies celulares e vão precisar de moléculas acessórias para exercerem
suas funções de reconhecimento de antígenos.

122
IMUNOLOGIA BÁSICA

Lembrete

Os TCR são semelhantes às imunoglobulinas em diversos aspectos.


São heterodímeros, com subunidades α e β, ou γ e δ, que são associadas
por pontes dissulfetos. Os dois tipos de TCR são proteínas integrais de
membrana, com um extenso domínio extracelular, responsáveis pelo
reconhecimento do antígeno.

Após a síntese dos TCR nas superfícies dos timócitos αβ que são inicialmente CD4+CD8+, as células T
serão submetidas a um processo de múltiplas etapas, para que apenas linfócitos T com receptores viáveis
e que não sejam autorreativos circulem na corrente sanguínea e nos órgãos linfoides secundários.

A primeira etapa é conhecida como seleção positiva, na qual o TCR irá interagir com a molécula do
MHC expresso nas células epiteliais do córtex tímico. Toda célula em que não houver interação entre o
TCR e a molécula MHC irá sofrer apoptose.

Os linfócitos que forem mantidos ao final da seleção positiva irão proliferar. A seleção positiva, assim,
garante que todos os linfócitos T que serão liberados saibam reconhecer o complexo MHC e respondam
somente a antígenos apresentados pelo MHC. Esse evento é nomeado de resposta de célula T restrita ao
MHC, que será discutido posteriormente.

A seleção negativa é a etapa seguinte. Ela ocorre em contato com as células dendríticas interdigitais
na junção corticomedular do timo. Os TCR CD4+ e CD8+ interagem com as moléculas MHC classes I e II,
que apresentarão antígenos próprios gerados da própria célula dendrítica interdigital. Esses antígenos
são peptídeos, expressos pelo próprio timo ou trazidos para o timo.

A célula que reagir com alta afinidade ou muito baixa afinidade ao antígeno apresentado é eliminada
por apoptose. Já as que reconhecerem os antígenos com afinidade intermediária são resgatadas do
processo de apoptose e continuam o processo de amadurecimento, a fim de constituir repertório
imunológico e, assim, participar de respostas imunológicas contra antígenos não próprios.

Os timócitos que sobreviverem à seleção negativa têm a expressão do CD4 ou do CD8 inibida, o que
resulta no desenvolvimento de linfócitos T CD4+CD8-, ou linfócitos T CD4-CD8+, com a expressão de um
único correceptor. Essas células, então, deixam o timo e passam a fazer parte das linhagens periféricas
de linfócitos TCD4+ ou TCD8+.

São características das células no final do processo de seleção serem restritas ao MHC e tolerantes
aos antígenos próprios.

123
Unidade II

Célula T
imatura
Timo

TCR MHC

Periferia

Seleção positiva: Seleção negativa: Célula T


testa a interação testa a interação madura
TCR-MHC TCR contra
antígenos próprios

Morte celular Morte celular


sem interação TCR autorreativo
TCR-MHC

Figura 67 – Seleção positiva e negativa dos linfócitos T no timo

Os eventos que ocorrem tanto na seleção positiva como na seleção negativa irão garantir que após
as etapas finais de amadurecimento e diferenciação dos linfócitos T, as células saiam com a capacidade
de reconhecer antígenos apresentados pelas moléculas do MHC, ao mesmo tempo que não reagirão a
antígenos próprios.

Menos de 5% dos timócitos irão deixar o timo como linfócitos T maduros. O restante morre, ou
pelo processo de seleção, ou por não conseguirem fazer o rearranjo produtivo dos genes dos receptores
de antígenos.

O processo de seleção negativa também acontece fora do timo, nos tecidos linfoides secundários.
Esse evento é responsável por desativar células autorreativas e é chamado de tolerância periférica.

Os linfócitos T reguladores, ou TReg, estão envolvidos na tolerância periférica. O consenso é que


existem dois tipos principais de TReg, os que ocorrem naturalmente e os que são induzidos após a
ativação por antígenos específicos. Essas células ocorrem naturalmente, expressam constitutivamente
CD25 e CTLA-4 e representam de 5 a 10% das células T CD4+ que estão na circulação. Não proliferam
em resposta a desafio antigênico.

124
IMUNOLOGIA BÁSICA

CD4+

GITR CD25
Treg

CTLA-4

Figura 68 – Fenótipo da célula Treg

A célula T reguladora é uma célula T CD4+CD25+, também tem como molécula de superfície de
membrana o CTLA-4, que exerce função inibitória. Além disso, apresenta a proteína que é induzida por
glicocorticoide, GITR.

Saiba mais
O conhecimento da capacidade inibitória do CTLA-4 atualmente está
sendo usado nas imunoterapias para tratamento do câncer. Para entender
melhor esse assunto, assista ao vídeo indicado a seguir.
NOBLE prize 2018 - Physiology and Medicine. 2018. 1 vídeo (0:57).
Publicado por Focus Medica.
Disponível em: https://bit.ly/3vIZyJY. Acesso em: 2 maio 2021.

Observação

Não se esqueça de que várias moléculas de superfície são expressas na


superfície dos linfócitos. As moléculas principais que estão expressas na superfície
são os proteoglicanos, as selectinas, a família das integrinas e a superfamília
das imunoglobulinas. Todas elas, além de servirem para diferenciar as células
entre si, são importantes para que os linfócitos exerçam suas funções
efetoras na resposta imunológica.

6.2 Complexo principal de histocompatibilidade (MHC)

Você deve ter percebido que, várias vezes ao longo do texto, referimo-nos ao complexo principal de
histocompatibilidade, ou MHC, que é um conjunto de proteínas frequentemente necessárias para que haja o
reconhecimento dos antígenos pelos linfócitos T. Esse complexo é essencial para o bom funcionamento
do sistema imunológico. Só para ter uma ideia, nos transplantes, é necessário que o complexo MHC do
doador e do receptor seja o mais semelhante possível, a fim de evitar o desenvolvimento de resposta
imune contra o órgão doado.
125
Unidade II

Vamos, agora, entender a estrutura e as funções dessas proteínas.

São duas as classes de MHC, e ambas são resultado da expressão de várias proteínas diferentes na
membrana das células. O MHC classe I está presente em todas as células nucleadas do nosso corpo, e
o MHC classe II está presente apenas nas células apresentadoras de antígenos ditas profissionais, que
são as células dendríticas, os macrófagos e os linfócitos B. O papel das moléculas de MHC é a ligação
aos fragmentos de peptídeos derivados de antígenos proteicos, de maneira seletiva e, assim, iniciar a
resposta imune adaptativa.

A importância do MHC foi originalmente reconhecida e descrita em estudos com camundongos, nos
quais se observou que havia rejeição de tecidos transplantados entre membros de uma mesma espécie.
Essa rejeição deve-se a diferenças no complexo MHC entre indivíduos.

Doador Receptor

MHCa MHCa

MHCa MHCb

Figura 69 – Complexo principal da histocompatibilidade (MHC) nos transplantes

Mesmo quando o transplante é entre a mesma espécie, há diferença entre as moléculas de MHC
expressas na superfície das células nos tecidos, podendo haver a rejeição do transplante entre o doador
e o receptor.

A expressão de diferentes moléculas de MHC na superfície das células permite a interação com
os linfócitos T, o que possibilita a apresentação de antígenos. Assim, se os MHC expressos nas células
do doador do órgão e do receptor são diferentes, o linfócito T identifica-o como sendo não próprio, e
determina o estabelecimento da resposta imune contra as células estranhas. Quando o MHC das células
é idêntico ao dos linfócitos T, por outro lado, são reconhecidos como não próprios somente os antígenos
estranhos apresentados por essas proteínas. Em humanos, as proteínas responsáveis por apresentar
antígenos às células T são conhecidas como Antígeno Leucocitário Humano, o HLA.

O número de loci gênico para as moléculas de MHC varia entre espécies e entre diferentes haplótipos.
O principal locus gênico do complexo principal de histocompatibilidade é composto de mais de 100
diferentes genes. A região, no cromossomo 6, onde estão localizados os genes do MHC humano, já foi
caracterizada, e os genes do complexo MHC são herdados como uma unidade.

126
IMUNOLOGIA BÁSICA

Exemplo de aplicação

Muitos biomédicos atuam em hemocentros e bancos de sangue na seleção de doadores de órgãos. O


conhecimento da variabilidade dos complexos MHC é fundamental para a atuação nessa área.

Cromossomo 6
Tel Braço longo Cen Braço curto Tel

Região HLA
6p21.1-21.3
Classe II Classe III Classe I
Bf
DP DM DQ DR C4 C2Hsp70TNF B C E A G F

Figura 70 – Mapa genético da região HLA nos humanos

Os genes que compõem o complexo principal da histocompatibilidade estão no cromossomo 6.

Diferentes indivíduos em uma espécie podem ter formas levemente diferentes, alelos, de cada
classe do MHC. Nos humanos, esses alelos distintos são nomeados de HLA-B1 ou B27. A possibilidade
de existir múltiplas formas estáveis em um mesmo gene de uma população é conhecida como
polimorfismo genético.

O MHC é o sistema gênico mais polimórfico na população, o que faz com que seja pouco provável
que dois indivíduos expressem grupos de moléculas MHC idênticas, o que é a base para a rejeição de
transplantes, assunto que será discutido com mais detalhes na unidade III.

A expressão das moléculas do MHC I é codominante ou seja: três genes são do cromossomo de
herança materna e, os outros três, do cromossomo de herança paterna. Já a codominância para a
molécula de MHC classe II permite maior combinação de genes e, assim, maior variabilidade. Assim,
cada molécula de MHC, após a sua expressão, apresenta um formato ligeiramente diferente e irá
apresentar um conjunto diferente de peptídeos antigênicos.

As variações genéticas nas moléculas de MHC irão afetar: a capacidade de induzir a resposta imune
de um indivíduo, incluindo a produção de anticorpos e a resistência a doenças autoimunes, alergias e
doenças infecciosas.

A diversidade da configuração do MHC permite que os vertebrados se defendam dos diferentes


organismos patogênicos encontrados no ambiente. Sempre que surge um novo patógeno, a presença
do MHC permite que o epítopo gerado pelo processamento do antígeno seja eficaz para a ativação da
resposta imune.

127
Unidade II

A diversidade de configurações desse complexo é responsável por reduzir a possibilidade de extinção


da espécie, uma vez que alguns indivíduos da população irão conseguir ativar resposta imune celular.
Essa capacidade de uma espécie sobreviver a um agente etiológico novo, ao qual a população nunca
foi exposta antes, vem sendo comprovada desde o final de 2019. Estamos vivendo uma pandemia,
provocada pelo Sars-CoV-2, também conhecido como novo coronavírus, e muitos indivíduos que se
contaminam conseguem se recuperar. Dentro dos estudos que vêm sendo apresentados sobre esse novo
vírus, foi mostrada a importância da resposta mediada pelos linfócitos T no combate à covid-19, o que
garante a sobrevivência de mais de 95% dos infectados.

Observação
Covid-19 é o nome dado à doença causada pelo coronavírus, o
Sars‑CoV-2, que teve início no final do ano de 2019.
A expressão de alelos específicos do MHC constitui um fator importante à suscetibilidade e a
resistência a agentes infecciosos. Essa característica da resposta imune adquirida, nomeada diversidade,
torna os humanos, por exemplo, capazes de manifestar ou não diferentes doenças. A suscetibilidade à
infecção pelo vírus T-linfotrópico humano (HTLV-1), pelo vírus da hepatite B, pelas micobactérias da
hanseníase e da tuberculose e pelo protozoário causador malária são alguns exemplos. Em humanos,
a variabilidade do HLA, além de interferir na manifestação das doenças infecciosas, pode estar
relacionada com o risco de desenvolvimento de algumas doenças autoimunes e inflamatórias.

O próprio MHC pode servir como receptor para a adesão e para a entrada de patógenos nas células.
Assim, indivíduos que não expressarem determinada molécula não serão infectados. Além disso, há
mimetismo entre antígenos patogênicos e os antígenos do MHC, que pode ocasionar falha da resposta
imune e desenvolvimento de doenças autoimunes.

6.2.1 Molécula do MHC classes I e II

A região que expressa as moléculas do MHC tem 118 genes, compostos de, aproximadamente 1,8 milhões
de bases de DNA.

Nos humanos, a molécula do MHC classe I é resultado do produto de três genes, que expressam os
produtos HLA-A, HLA-B e HLA-C na superfície da célula. Elas são sempre expressas como uma cadeia α,
em associação com uma molécula nomeada de β2-microglobulina.

Todas as células nucleadas do nosso corpo expressam molécula de MHC classe I, que tem como função
apresentar peptídeos que estão dentro da célula, tais como peptídeos virais ou de um patógeno intracelular.

Os genes HLA-E, HLA-F, HLA-G e HLA-H também expressam moléculas MHC classe I. São genes da
classe das imunoglobulinas e apresentam menos polimorfismos que os genes HLA-A, -B e -C. A função
desses genes ainda não é completamente entendida, mas acredita-se que os HLA-G e HLA-E podem
estar envolvidos no reconhecimento de antígenos pelas células NK.

128
IMUNOLOGIA BÁSICA

Os produtos dos genes da classe II do MHC estão localizados na região HLA-D, que apresenta cerca
de 1000 kb de DNA. Esses genes codificam pelo menos seis cadeias α e dez cadeias β, que irão constituir
três moléculas de superfície: HLA-DP, HLA-DQ e HLA-DR, cada uma delas constituída de duas cadeias,
uma α e uma β, sempre aos pares, ou seja, um DPα com um DPβ, e o mesmo processo para os demais
pares. A família DR dispõe de um único gene α, o DRA, e de até nove genes β, nomeados de DRB1 a
DRB9; já quanto à DP e à DQ, cada uma tem um gene expresso para cadeia α e um para cadeia β.

Cromossomo 6

HLA

DP DM LMP TAP DQ DR
B1 A1 A B 2 1 7 2 B1 A1 B1 B3 B4/5 A C4 C2 HSP TNF B C A

Região centrométrica Região telométrica

Classe III Classe II Classe I

Figura 71 – Genes do HLA

No cromossomo 6 estão presentes os genes que irão codificar as moléculas do HLA, todos os genes
estão no mesmo loci gene, os responsáveis pela expressão do HLA-A, HLA-B e HLA-C, que traduzem as
moléculas do MHC classe I, e os HLA-DR, HLA-DP e HLA-DQ, que traduzem as moléculas do MHC classe II.

As moléculas do MHC fornecem um sofisticado sistema de vigilância para antígenos que estão
localizados no meio intracelular. Existem dois tipos de antígenos que podem ser apresentados na fenda
das moléculas de MHC: os endógenos, que são provenientes de vírus ou outros patógenos intracelulares,
e os exógenos, que são provenientes de patógenos extracelulares que foram fagocitados pelas células
apresentadoras de antígenos profissionais. As moléculas MHC classe I entram em contato com
antígenos endógenos, ou intrínsecos, e as moléculas do MHC classe II entram em contato com os antígenos
exógenos, ou extrínsecos.

Uma única molécula de MHC pode ligar diferentes peptídeos, porém as ligações com maior afinidade
são aquelas que envolvem peptídeos que contêm resíduos de aminoácidos âncora na sua sequência.
Isso explica o porquê de as respostas mediadas pelos linfócitos T serem direcionadas. As variações na
sequência de aminoácidos mudam o formato da fenda de ligação presente no MHC e dão origem a
diferenças importantes no formato da fenda e dos peptídeos antigênicos que farão ligação nessa região.

Existem diferenças estruturais entre as moléculas de MHC classes I e II.

Cada gene para as moléculas de MHC classe I codifica para uma glicoproteína transmembrana de
peso molecular de 45 kDa, nomeada de cadeia pesada, que apresenta três domínios: α1, o α2 e o α3.
Essas moléculas são expressas na superfície de uma célula e associadas de forma não covalente com a

129
Unidade II

β2-microglobulina, que apresenta semelhança com os anticorpos. A molécula classe I pode ser dividida
em duas regiões, não polimórfica ou invariante e polimórfica ou variante. A molécula CD8 das células T
se liga à região invariante das moléculas classe I do MHC.

Na porção mais distante da membrana, a molécula de MHC I contém uma fenda profunda, que é o
local de ligação dos peptídeos processados no interior da célula. Ao observar a estrutura das diferentes
moléculas do MHC, é possível observar que a diferença entre os alelos está nos aminoácidos dessa
abertura, enquanto o resto da molécula é relativamente constante. A carga dos aminoácidos dessa fenda
determina quais peptídeos podem se ligar à molécula de MHC e, além disso, auxilia no posicionamento
desses peptídeos para que ocorra o reconhecimento pelos receptores específicos do linfócito T.

Os genes das moléculas classe II do MHC codificam duas cadeias, α e β, com pesos moleculares entre
30 e 34 kDa e 26 e 29 kDa, respectivamente. Assim como as moléculas de classe I, são glicoproteínas
transmembranares com caudas citoplasmáticas hidrofílicas e domínios semelhantes às imunoglobulinas.
Os seus domínios são nomeados α1 e α2, e β1 e β2. Dispõem, também, de duas regiões, a invariável, ou
não polimórfica, e a variável, ou polimórfica.

As moléculas CD4 das células T se ligam à porção invariante na molécula classe II do MHC. O domínio
β1 contém uma ligação dissulfeto, que forma uma estrutura como uma alça de 64 aminoácidos, e o
domínio β2 não é glicosilado e contém a região para uma ligação com o CD4.

Cadeia a Cadeia b

a1 a2 a1 b1

H2N NH2
NH2 NH2

b2 a2 b2
microglobulina
Espaço
extracelular
HOOC

Membrana
plasmática

Citosol COOH COOH


COOH

Proteína MHC classe I Proteína MHC classe II

Figura 72 – Molécula do MHC classes I e II

130
IMUNOLOGIA BÁSICA

As ilustrações das estruturas das moléculas de MHC classes I e II estão representando a porção
citoplasmática, a porção da membrana plasmática e a do extracelular. O MHC classe I possui uma cadeia
na membra plasmática e no citosol, enquanto o MHC classe II possui duas cadeias, além disso, o MHC
classe I é composto da cadeia β2-microglobulina, que é menor que a cadeia β2 da molécula MHC classe II.

Diferentemente da molécula de MHC de classe I, a molécula de classe II tem uma abertura em suas
terminações, o que permite a ligação de peptídeos maiores na sua fenda, com 13 a 24 aminoácidos, em
um arranjo linear. O peptídeo ligado na fenda e parte da própria molécula MHC interagem com a região
Vα e Vβ do TCR.

MHC classe I MHC classe II


Fenda ligadora Peptídeo Fenda ligadora
de peptídeo de peptídeo Peptídeo

a1 a2 a1 a2 a1 b1

N NN a1 b1
N

a3 a2 b2
a3
b2m b2
b2- a2
microglobulina Região
transmembrana Região
C transmembrana

Ligação dissulfeto Ligação dissulfeto


C domínio Ig domínio Ig
C C

Figura 73 – Complexo do MHC classes I e II

A fenda da molécula do MHC classe I é composta das cadeias α1 e 2, enquanto a do MHC classe II é
composta das cadeias α1 e β1, em ambas moléculas o peptídeo liga na fenda na região variável.

Quando os patógenos, como as bactérias e os vírus, penetram nas células e infectam nosso organismo,
é necessário que uma resposta imune com a participação das células T seja organizada. Essas células
terão que ser capazes de diferenciar uma célula infectada de uma não infectada, e essa diferenciação
será possível porque as moléculas de MHC apresentam, nas suas fendas, peptídeos não próprios, o que
“marca” essa célula como infectada. Esses peptídeos são derivados de antígenos patogênicos, e somente
células que apresentam peptídeos não próprios na sua superfície, associados a uma molécula de MHC,
iniciam a resposta.

Esses peptídeos que alcançam a superfície são uma amostra do patógeno e servem para sinalizar
que a célula está infectada. Os eventos envolvidos na geração desses peptídeos e a sua ligação na
superfície na molécula de MHC é conhecido como processamento e apresentação de antígenos. As
moléculas de MHC transportam esses peptídeos do meio intracelular para o extracelular. O complexo
peptídeo-antígeno do MHC pode então ser reconhecido pelo linfócito T, a partir da ligação de um TCR
com especificidade para esse antígeno.

131
Unidade II

Lembrete

A molécula do MHC classe I tem como função apresentar peptídeos


para o linfócito CD8+, e a molécula MHC classe II irá apresentar peptídeos para
o linfócito T CD4+.

Figura 74 – Fendas das moléculas do MHC ligadas a peptídeos

A imagem da esquerda corresponde ao MHC classe I e comporta um


peptídeo com 8 a 10 aminoácidos, a fenda da molécula do MHC classe II,
representada na imagem da direita, comporta peptídeos maiores, podendo
ter até 24 aminoácidos.

Aproximadamente 105 diferentes TCRs estão expressos na superfície dos linfócitos. Essa é mais ou
menos a quantidade de moléculas de MHC expressa na superfície de uma célula apresentadora de
antígenos. Contudo, são necessárias apenas 100 ligações específicas, não simultâneas, que envolvem
aproximadamente 0,1% das moléculas de MHC, para iniciar a ativação do linfócito T. As moléculas
auxiliares, o CD4 e o CD8, também são importantes para a ativação, uma vez que serão essas moléculas que
irão ajudar a estabilizar a ligação peptídeo-MHC e TCR.

APC APC

MHC CD8 MHC


classe I classe II
CD4

TCR TCR

Célula T CD8 Célula T CD4

Figura 75 – Ligação entre o MHC e as células apresentadoras de antígeno

132
IMUNOLOGIA BÁSICA

O CD4 e CD8 irão participar da ligação entre a molécula MHC e o TCR. A ligação dos coestimuladores
ocorre na região conservada do MHC, e sempre será entre a molécula do MHC classe I e o CD8 e a
molécula do MHC classe II com CD4.

6.2.2 Processamento e apresentação de antígenos

As etapas do processamento dos antígenos e da apresentação via complexo MHC estão representadas
na figura a seguir. Lembre-se que o MHC I é responsável por apresentar antígenos intracelulares e, o MHC II,
antígenos extracelulares. Na figura a seguir, notamos que os peptídeos intracelulares que são
processados pelo complexo de proteassomas no citoplasma das células são adicionados à fenda da
molécula de MHC I, e que os antígenos extracelulares fagocitados são adicionados à molécula de MHC II
das células apresentadoras de antígenos. Em seguida, as moléculas de MHC, já ligadas aos respectivos
epítopos antigênicos, são transportadas para a membrana das células.

Captura do Processamento Biossíntese Associação


antígeno de antígeno do MHC peptídeo-MHC

Peptídeos
no citosol TAP

MHC
Proteína classe I CTL CD8+
citossólica Proteassoma

ER Via do MHC classe I

Célula T
CD4+
Endocitose de Cadeia invariante (Ii)
uma proteína
extracelular Via do MHC classe II
ER MHC classe II

Figura 76 – Processamento e apresentação do antígeno pelo MHC

Os antígenos podem ter duas fontes, a endógena, representada na parte superior da figura, que são
processados no citosol pelo proteassoma e posteriormente apresentado pela molécula do MCH classe I
para os linfócitos TCD8+. Ou origem exógena, que entraram na célula por endocitose e são processados
em vesículas ácidas para a posterior apresentação na molécula do MHC classe II para os linfócitos TCD4+.

133
Unidade II

Lembrete

Os linfócitos T reconhecem apenas peptídeos antigênicos ligados, ou


seja, apresentados pelas moléculas do MHC classe I ou II.

6.2.2.1 Complexo antígeno-MHC II

As células fagocíticas internalizam os patógenos, e seus antígenos proteicos serão fragmentados em


peptídeos. A ligação ou não do peptídeo a uma molécula do MHC depende da sequência de aminoácidos
do peptídeo gerado, da disponibilidade da molécula de MHC apropriada e se o indivíduo apresenta um
conjunto de MHC para essa ligação específica.

As células dendríticas são as mais eficientes para a apresentação de antígenos para os linfócitos T
näives, não sensibilizados. Os macrófagos e as células B, por sua vez, apresentam os antígenos para os
linfócitos T não virgens.

Os antígenos exógenos são capturados pelos fagócitos por endocitose ou por fagocitose. Esses
antígenos podem ser bactérias, vírus capturados por macrófagos ou até mesmo proteínas estranhas.

Após a internalização, os antígenos são incluídos em vesículas intracelulares, que posteriormente


irão se fundir com os lisossomos. As proteases e as peptidases presentes nessa organela hidrolisam os
antígenos proteicos até aminoácidos.

Alguns peptídeos, no entanto, são resistentes à hidrólise total e serão posteriormente apresentados
pelas moléculas do MHC classe II. Agentes alcalinos, tais como a cloroquina ou cloretos de amônio,
diminuem a atividade proteolítica das proteases do fagolisossoma e, com isso, interferem no
processamento de antígenos.

A ligação dos epítopos antigênicos fagocitados e processados ao MHC II ocorre da maneira


descrita a seguir.

• As moléculas do MHC classe II são sintetizadas no retículo endoplasmático e complexadas em um


polipeptídeo conhecido como cadeia invariante (Ii), que é codificado fora do complexo de genes
do MHC. Essa cadeia impede a ligação de peptídeos endógenos que estão presentes na organela.

• Ao deixar o retículo endoplasmático, a molécula MHC II adentra a via endocítica. O complexo


MHC-Ii será transportado do complexo de Golgi para um compartimento, conhecido como
compartimento MIIC, que é especializado no transporte e no carregamento das moléculas do
MHC classe II.

134
IMUNOLOGIA BÁSICA

• Os antígenos exógenos irão atingir o MIIC pelas vesículas ácidas, onde já foram previamente
degradados por proteases. A cadeia Ii é então clivada em pequenos fragmentos por catepsinas.

• Quando ocorre a ligação de um peptídeo exógeno, é formado o complexo antígeno-peptídeo


classe II do MHC, que se desloca para a membrana celular, onde interage com TCR da superfície
de um linfócito T CD4+ que seja específico para o peptídeo apresentado.
CD4+ T
Proteína
exógena 70-80%
TCR

APC Endossoma

20-30%
MIIC

Proteína Autofagossoma
endógena
CLIP
Golgi
HLA-DM

Ii MHC-II

ER

Figura 77 – Processamento e apresentação de antígenos pela molécula do MHC classe II

A proteína antigênica de fonte exógena irá entrar na célula por endocitose e proteínas endógenas irão
para autofagossoma, em ambos casos serão degradadas nas vesículas ácidas. Após os peptídeos gerados
se ligarem à molécula do MHC classe II, que é sintetizada no retículo endoplasmático e transportada
pelo complexo de Golgi, o MHC-CLIP, que é a molécula ligada a peptídeo exógeno, será clivada e o
peptídeo exógeno se ligará à molécula do MHC classe II, para a posterior apresentação na superfície da
célula para os linfócitos T CD4+.

Nos complexos antígeno-MHCII, que estão na membrana plasmática, são constantemente reciclados
os compartimentos endossomais, o que mantém a proporção ideal de moléculas nos meios intracelular
e extracelular. Esse equilíbrio é mantido por ubiquitinação, que é variável entre as células.

As células apresentadoras de antígeno e os linfócitos T CD4+ podem permanecer unidas por até
12 horas via interação MHC-TCR, o que caracteriza a sinapse imunológica. Após a ativação, essas células
se dissociam e, então, o linfócito T ativado é submetido a vários ciclos de divisão e de diferenciação.

135
Unidade II

Linfócito T CD2 LFA-1 TCR CD28

CD4

Célula MHC
apresentadora LFA-3 ICAM-1 B7-1/B7-2
classe II
de antígeno (CD80/CD86)

Figura 78 – Sinapse imunológica

Para que aconteça a ativação do linfócito T, além da ligação da molécula do MHC com o TCR, a
ligação da molécula coestimuladora CD4+, conforme vemos no exemplo mostrado na figura, precisará
de ligação de LFA-3 e ICAM-1 das células apresentadoras de antígenos com moléculas da superfície do
linfócito, CD-2 e LFA-1, respectivamente. A segunda ligação em especial permite que as interações entre
as células duram até 12 horas, permitindo a ativação do linfócito T.

Observação

Sinapse imunológica é uma estrutura sinalizadora altamente organizada


que permite, em condições ideais, dentro dos nódulos linfáticos, que as
células T e as dendríticas interajam.

A formação da sinapse imunológica é importante, pois a proliferação dos linfócitos T CD4+ ativados
vai depender da formação de aglomerados centrais estáveis com as moléculas de MHC. Entretanto,
somente a interação entre o MCH-peptídeo-TCR não é o suficiente para a ativação completa da célula T.
É necessário um segundo sinal, conhecido como coestimulador.

136
IMUNOLOGIA BÁSICA

Os coestimuladores mais potentes são as proteínas B7, membros de uma superfamília de


imunoglobulinas, que inclui a B7-1 (CD80) e B7-2 (CD86). Trata-se de moléculas expressas de forma
constitutiva na superfície das células apresentadoras de antígenos, principalmente quando elas estão
sendo estimuladas por citocinas inflamatórias e pela interação com produtos microbianos.

Os receptores B-7 fazem ligação com o CD28 ou com o seu homólogo CTLA-4 (CD152). O CD28 é o
principal coestimulador expresso em células näive. Sua estimulação é prolongada com a produção de
IL-2 e outras citocinas, o que evita que ocorra a indução à tolerância imunológica.

Já quando o CTLA-4 se ligar ao B7, com maior afinidade em relação ao CD28, ocorrerá a inibição
das células T, com menor produção de IL-2. O CTLA-4 reduz o tempo de ligação entre o TCR e a célula
apresentadora de antígeno e, como o tempo de ligação é essencial para a ativação celular, a ligação de
B-7 com CTLA-4 gera uma sinalização incompleta, que resulta em inibição.

Outro receptor com função inibitória nas células T é o PD-1 (morte celular programada-1, ou CD279).
Ele está associado a fenótipos celulares que são incapazes de produzir citocinas ou serem submetidas
à divisão celular. O PD-1 se liga ao PD-L1 e PD-L2 (CD273 e CD274, respectivamente) nas células
apresentadoras de antígenos, o que inibe o sinal do coestimulador CD28.

6.2.2.2 Complexo antígeno-MHC I

Proteínas que geram peptídeos que podem se ligar à molécula do MHC classe I seguem uma via de
processamento diferente, pois são originados de proteínas intracelulares. Esse processamento é realizado
em compartimentos citosólicos. No citoplasma, o processamento de proteínas é comumente efetuado
por um complexo proteico gigante denominado proteassoma.

Os proteassomas são organelas citoplasmáticas que degradam proteínas citoplasmáticas. Trata-se de


um complexo multiproteico que constitui uma estrutura em forma de barril. A atividade proteolítica no
citosol do proteassoma é devido a uma variedade de endopeptidases que hidrolisam ligações peptídicas
ao longo da cadeia de aminoácidos, originando pequenos peptídeos.

O proteassoma não é o único envolvido na produção de peptídeos que será apresentado pelas
moléculas de MHC I. Evidências mostram o envolvimento de outros complexos enzimáticos, como, por
exemplo, o tripeptidil aminopeptidase II (TPPII), na degradação de proteínas intracelulares que serão
apresentadas na molécula de MHC I.

137
Unidade II

a subunidades
b subunidades
Rpn subunidades (ATPase)
Rpn1 e Rpn2
Rpn subunidades

20S 26S PA28 subunidades


b subunidades induzível
26S Proteassoma
(30S)

Figura 79 – Proateassoma: representação esquemática de um tipo de proteassoma intracelular

É um complexo com diferentes subunidades proteicas, que tem a função de degradar proteínas, com
gasto de ATP.

O proteassoma irá cortar as proteínas em peptídeos com oito a nove resíduos de aminoácidos.
Esses resíduos serão seletivamente transportados pelo retículo endoplasmático pelos transportadores
TAP-1 e TAP-2.

No retículo endoplasmático, os peptídeos recém-formados ligam-se à molécula MHC I de forma


seletiva, de acordo com a estrutura da fenda. As cadeias α do MHC I são inicialmente associadas
às calnexinas e, após a liberação dessa proteína, ocorre a ligação nas β2-microglobulinas, também
sintetizadas no retículo endoplasmático. Essas moléculas auxiliam na formação do complexo
antígeno‑MHC I e no direcionamento da molécula para o complexo de Golgi. De lá, elas seguem para
a superfície da célula. Quando os complexos MHC classe I não têm um peptídeo ligado à sua fenda, a
molécula é instável e não interage com os TCRs.

Além de se ligarem a peptídeos originados de patógenos intracelulares, as moléculas do MHC I vão


se ligar a peptídeos próprios, como consequência das vias normais da movimentação intracelular e do
metabolismo celular. Contudo, essa ligação não resulta em ativação do linfócito T, pois esses componentes
estarão em baixa quantidade, ou os linfócitos T serão tolerantes a esses peptídeos. Sempre que um
linfócito T for reativo a moléculas próprias, ele será removido durante seu processo de diferenciação no
timo, ou, posteriormente, por seleção negativa. Assim, os linfócitos T maduros não devem apresentar
reatividade com peptídeos próprios.

6.3 Respostas Th1 e Th2

Os linfócitos T CD4+ (Th) são subdivididos funcionalmente pelo padrão de citocinas que produzem
após sua ativação. Durante o estímulo fornecido por uma célula apresentadora de antígeno, um linfócito
precursor Th0 pode se tornar um linfócito Th1, Th2 ou Th17, na dependência do tipo de estímulo e do
ambiente de citocinas presente. Embora morfologicamente indistinguíveis, essas células apresentam
diferentes respostas efetoras.

138
IMUNOLOGIA BÁSICA

Os linfócitos Th1 produzem grandes quantidades de IL-2, que induz a expansão clonal dos próprios
linfócitos T CD4+, de maneira autócrina, e também induz a proliferação e aumenta a capacidade
citotóxica dos linfócitos T CD8+. A outra citocina produzida em grandes quantidades pelos linfócitos
Th1 é o INF-γ, que ativa os macrófagos infectados com patógenos intracelulares, como micobactérias,
protozoários e fungos. Assim, concluímos que os linfócitos Th1 são importantes no direcionamento
da resposta imune adaptativa para um padrão citotóxico, importante na eliminação de patógenos
intracelulares e de células neoplásicas.

Os linfócitos Th2 produzem IL-4, IL-5, IL-6 e IL-10, o que favorece a produção de anticorpos, ou seja,
a resposta imune humoral. A resposta Th2 está envolvida na eliminação de antígenos extracelulares.
Essa resposta é de especial importância nas doenças alérgicas e nas infecções por helmintos, uma vez
que a IL-4 induz a troca de classe de imunoglobulinas nos linfócitos B para IgE e a IL-5 induz a produção
e ativação de eosinófilos. No entanto, também ocorre estímulo para a produção de IgG.

Os linfócitos Th17 representam um novo subtipo de linfócitos T efetores importantes na proteção contra
infecção por microrganismos extracelulares, e apresenta atividade pró-inflamatória. A resposta Th17,
quando desregulada, pode levar a condições autoimunes como esclerose múltipla, doença intestinal
inflamatória, psoríase e lúpus.

Os linfócitos Th1 e Th2 participam, ainda, da regulação da inflamação, que é um componente da


resposta imune inata. Isso se dá pela produção de citocinas inflamatórias e anti-inflamatórias pelos
linfócitos Th1 e Th2, respectivamente.

Timo

IL-12
TGF-b
IL-4 TGF-b
+ IL-6

T-bet; IFN-g GATA-3; IL-4 RORgt; IL-17 Foxp3; CD25*

Figura 80 – Diversidade de células Th (T helper) – mecanismo estimulado


por ação de citocinas específicas para diferenciação celular

139
Unidade II

6.4 Padrão humoral da resposta imune adaptativa

A resposta imune humoral é baseada na ação dos anticorpos que, por não penetrarem as células, são
especialmente efetivas no combate de microrganismos e/ou de moléculas estranhas presentes no meio
extracelular. Uma vez que a maioria das bactérias, fungos e protozoários se multiplicam fora das células
e, mesmo no caso de infecção intracelular, ocorre a secreção de moléculas para o meio extracelular, essa
via da imunidade adaptativa constitui importante mecanismo de defesa do organismo.

A ação dos anticorpos resulta na destruição dos microrganismos extracelulares e dos seus produtos,
como, por exemplo, as toxinas. Além disso, os anticorpos facilitam o reconhecimento de microrganismos
pelos fagócitos e ativam o sistema complemento.

A seguir, vamos estudar as etapas envolvidas na produção de anticorpos. Lembre-se que todas essas
etapas acontecem em linfócitos B2, efetores da resposta humoral clássica.

Lembrete

Os linfócitos B1 participam da regulação da resposta humoral e são


responsáveis pela formação de anticorpos naturais, polirreativos, contra os
polissacarídeos de bactérias.

A imunoglobulina presente na superfície dos linfócitos B, que constitui o BCR, funciona como
receptor de antígenos extracelulares. A partir da ligação desses epítopos antigênicos à IgM do BCR,
inicia-se uma cascata de eventos, conhecida como transdução de sinal, que é responsável por ativar o
linfócito B.

Os antígenos reconhecidos pelo linfócito B são internalizados e processados para, em seguida, serem
apresentados, ligados a uma molécula de MHC II, para os linfócitos T CD4+. O reconhecimento faz com
que esses linfócitos T se diferenciem no padrão Th2, que irá direcionar a síntese de anticorpos específicos
pelos linfócitos B ativados. Porém alguns antígenos, como os lipopolissacarídeos (LPS) bacterianos,
podem ativar diretamente linfócitos B, e tal resposta é chamada de timo-independente.

As respostas timo-dependentes podem ocorrer de várias formas distintas, sendo a mais comum a
apresentação do MHC de classe II ao linfócito B por uma célula apresentadora de antígeno, na presença
de linfócitos T CD4+. Nesse processo, a proteína B7 presente nos linfócitos B se liga à proteína CD28 na
superfície dos linfócitos T, o que resulta no aumento da expressão de moléculas de adesão na membrana
do linfócito B (CD25, HLA Dr, CD40, B7). Para a efetivação da ligação entre os linfócitos B e T CD4+, é
essencial a interação entre a CD40, do linfócito B, ao CD40L, do linfócito T CD4+.

Em seguida, ocorre a proliferação dos linfócitos B nos centros germinativos dos linfonodos, baço
e tonsilas. Em um primeiro momento, essas células começam a proliferar rapidamente, crescem e
são denominadas blastos. Posteriormente, elas proliferam e se tornam centroblastos, os quais sofrem

140
IMUNOLOGIA BÁSICA

hipermutação somática nos genes das imunoglobulinas. Os centroblastos, então, dão origem a células
menores, que não se dividem e são denominadas centrócitos.

A manutenção da maturação dos centrócitos depende da ligação da sua imunoglobulina de


superfície com os complexos de MHC II das células foliculares dendríticas, o que evita que eles entrem
em apoptose.

A ligação da IL-4 e da IL-6 ao CD23 do linfócito B faz com que essa célula amadureça e se transforme
no plasmócito, que é a célula especializada na síntese e na liberação de imunoglobulinas. Dependendo da
interleucina liberada no processo de ativação da célula B é que vamos ter a produção de IgG (estimulada
por IL-1, IFN-γ, IL-12) ou de IgE (estimulada por IL-4 e IL-6).

6.5 Padrão citotóxico da resposta imune adaptativa

Os linfócitos B têm como principal função efetora a produção de anticorpos, o que acontece a partir
da ligação de antígenos estranhos aos receptores das células B (BRC). No entanto, quando um antígeno
se encontra no meio intracelular, esses anticorpos não conseguem neutralizá-lo e/ou eliminá‑lo.
Por isso, se os anticorpos fossem a única linha de defesa da resposta imune, os patógenos poderiam
escapar à vigilância imunológica, ao se “esconderem” dentro das células – estratégia que, de fato, muitos
microrganismos utilizam. Com isso, há a necessidade de um segundo mecanismo de resposta imune
adaptativa que permita a eliminação das células infectadas por microrganismos intracelulares. Trata-se
da resposta citotóxica.

Os principais mediadores da resposta citotóxica são os linfócitos T CD8+. Eles estão envolvidos
principalmente nas respostas antivirais e apresentam, também, atividade antitumoral – afinal, as células
neoplásicas expressam, em sua superfície, uma série de moléculas que não estão presentes nas células normais
e, por esse motivo, são consideradas antígenos não próprios.

Como já visto anteriormente, os linfócitos T CD8+ reconhecem antígenos intracitoplasmáticos


apresentados por moléculas MHC de classe I, as quais são expressas por quase todas as células que
apresentam núcleo. Células infectadas por vírus e células tumorais normalmente são reconhecidas pelos
linfócitos T CD8+.

Após a adesão às células-alvo que apresentam um antígeno associado ao MHC, na presença de


um coestímulo adequado, os linfócitos T CD8+ proliferam. Em um encontro subsequente, eles podem
destruir por citotoxicidade qualquer célula que apresente tal antígeno, independentemente da presença
de moléculas coestimulatórias.

Os linfócitos T CD8+ induzem à apoptose essas células, em um processo mediado pela ação de
perforinas e granzimas ou, ainda, pela expressão do receptor Fas L (CD95).

141
Unidade II

As perforinas são proteínas formadoras de poros que, na presença de Ca2+, sofrem polimerização.
Essa polimerização forma um canal permeável a íons na membrana plasmática da célula-alvo, o que
leva ao desequilíbrio osmótico e à consequente lise celular. Os linfócitos T CD8+ produzem, ainda, IFN-γ,
responsável por estimular a atividade fagocitária de macrófagos, inibir a replicação dos vírus e induzir
a expressão de MHC I.

A citotoxicidade também pode apresentar padrão dependente de anticorpo. As células que


desempenham esse papel são principalmente os linfócitos NK, mas também os neutrófilos, os eosinófilos
e os macrófagos. Todas elas apresentam receptores para a porção Fc das imunoglobulinas, principalmente
IgG, e costumam se ligar a células-alvo recobertas por anticorpos. Os principais alvos desse tipo de
células são as células infectadas por vírus que apresentam antígenos virais em sua superfície, moléculas
de MHC e alguns epítopos presentes em tumores.

Algumas células mieloides, como os monócitos e eosinófilos, tomam parte nesse estímulo mediado
por anticorpo, o que é importante na reação contra parasitas extracelulares, especialmente helmintos.
Nesse caso, os anticorpos envolvidos são da classe dos IgE. O mecanismo básico pelo qual essas células
exercem sua função citotóxica é bem parecido e envolve três fases distintas: a ligação à porção Fc dos
receptores que envolvem o patógeno, a liberação do conteúdo citotóxico das vesículas e a morte da
célula-alvo.

6.6 Regulação da resposta imune adaptativa

A resposta imune pode ser regulada de várias maneiras, como explicado a seguir.

• Regulação feita por antígenos: grandes quantidades de antígeno, ao invés de induzirem a


ativação, podem levar ao fenômeno de tolerância T- e/ou B-específica.

• Regulação por anticorpos: os mecanismos pelos quais os anticorpos regulam a resposta imune
ainda não estão totalmente definidos, mas sabe-se que essas moléculas são capazes de induzir
um processo de retroalimentação negativa na resposta imune.

• Regulação por linfócitos: embora as respostas Th1 e Th2 coexistam, as duas populações de
linfócitos T exercem resposta antagônica uma sobre a outra. Os linfócitos Th1 produzem IFN-γ,
que inibe as células Th2, enquanto os linfócitos Th2 produzem IL-10, que inibe as células Th1.

• Regulação neuroendócrina: em condições de estresse, pode ocorrer a supressão da resposta


imune, que se manifesta, por exemplo, pela dificuldade em se recuperar de uma infecção. O
cortisol, conhecido como hormônio do estresse, tem importante papel em suprimir a resposta
imune adaptativa, pois inibe a expressão de uma série de interleucinas, principalmente a IL-2,
citocina com importante papel na expansão clonal de linfócitos T CD4+ ativados. Como resultado,
ocorre supressão tanto da resposta Th1 quanto da resposta Th2.

142
IMUNOLOGIA BÁSICA

Observação

Os glicocorticoides são agentes imunossupressores muito eficazes, que


atuam a partir da ativação do GR, ou receptor de glicocorticoides, cujo
ligante endógeno é o cortisol. Assim, a ação desses fármacos é semelhante
aquela observada frente ao excesso do hormônio endógeno.

Por fim, é importante relembrar que, muitas vezes, as respostas Th1 e Th2 coexistem. Um mesmo antígeno
pode apresentar diferentes epítopos, que podem ser apresentados nas moléculas de MHC I ou II. Por
exemplo, se um vírus for fagocitado e processado nas vesículas ácidas, são gerados peptídeos que
serão apresentados pela molécula MHC II. Contudo, esse mesmo vírus, ao infectar uma célula, terá seu
processamento ocorrendo no citoplasma, com a apresentação na molécula MHC I. Como resultado,
ocorre ativação tanto da resposta humoral quanto da resposta citotóxica.
TNF
IFN-g

MHC II IL-12 CD40


Célula B
ICAM-1 MHC I
TCR CD40L
CD1
MHC II CD4+

CD40L IL-2
CD40 IL-4
APC IFN-g
MHC I
SLAM TCR

B7-1
CD8+
LFA-3 CTL
B7-2

CD40

Figura 81 – Apresentação simultânea da APC

A APC apresenta o antígeno pelas moléculas do MHC classes I e II, simultaneamente, com isso há a ativação
do linfócito T CD4+ e TCD8+, que irão realizar a função auxiliadora e de citotoxicidade, respectivamente.

143
Unidade II

Resumo

Na unidade II deste livro-texto, aprendemos os principais aspectos


relacionados à consolidação das respostas imunes inata e adaptativa.

A imunidade inata está presente desde o nascimento e é representada


pelas barreiras naturais (físicas, químicas e biológicas) do organismo e por
mecanismos inespecíficos, mediados por células especializadas e moléculas
solúveis, presentes em todos os indivíduos, independentemente de ter
havido contato prévio com agentes imunógenos ou agressores. Ela envolve
uma resposta rápida e sempre repetitiva (igual) a um número grande de
estímulos e não se altera após o contato com o antígeno. As principais
manifestações da imunidade inata são a inflamação, a fagocitose, a
liberação de mediadores e de proteínas de fase aguda e a ativação de
proteínas do sistema complemento.

A imunidade adaptativa, ou adquirida, não está presente desde o


nascimento e se desenvolve somente quando o sistema imunológico de
um indivíduo reconhece substâncias não próprias (antígenos). A partir do
reconhecimento desses antígenos, os linfócitos são capazes de produzir
anticorpos (resposta humoral) ou, ainda, induzir à apoptose as células
infectadas (resposta citotóxica). Como a resposta é dirigida a determinado
antígeno, não há dano tecidual, o que é comum no decorrer da imunidade
inata. A imunidade adaptativa é também denominada específica porque
envolve o planejamento de um ataque a um determinado antígeno,
com o desenvolvimento de memória imunológica, que será ativada em
exposições subsequentes.

A interação das moléculas de MHC I e II, contendo antígenos proteicos


processados, com os receptores TCR dos linfócitos T CD4+, é denominada
apresentação de antígenos. Esse evento é essencial para o estabelecimento
e para a regulação da imunidade adaptativa e diferenciação no padrão
humoral ou citotóxico.

Todas as células do nosso corpo apresentam moléculas de MHC I em


sua superfície. Essas moléculas são responsáveis por apresentar antígenos
intracelulares ao linfócito T CD4+. As moléculas de MHC II, por sua vez, são
expressas na superfície das células apresentadoras de antígenos e têm um
importante papel na apresentação de antígenos extracelulares.

144
IMUNOLOGIA BÁSICA

Exercícios

Questão 1. Um biomédico está investigando as consequências, in vivo, da interação entre um


anticorpo monoclonal e a proteína que medeia a ligação de determinada bactéria ao macrófago. Como
resultado da exposição ao anticorpo, a bactéria é neutralizada.

A respeito do experimento descrito anteriormente, assinale a alternativa correta.

A) Os anticorpos opsonizam as bactérias, o que induz a ação fagocítica dos macrófagos e/ou a lise
mediada pelo sistema complemento.
B) Os anticorpos impedem a ligação dos macrófagos à bactéria e, portanto, inibem a fagocitose. No
entanto, induzem lise mediada pelo sistema complemento.
C) As bactérias opsonizadas não estão disponíveis para ativar a imunidade adaptativa e, portanto, os
anticorpos monoclonais devem ser administrados até que haja a total eliminação dos microrganismos.
D) Os anticorpos funcionam, nesse caso, como agentes quelantes, que se ligam à bactéria e promovem
sua excreção.
E) Os anticorpos promovem a ativação da imunidade adaptativa a partir da fagocitose das células
opsonizadas pelos linfócitos T CD4+.

Resposta correta: alternativa A.

Análise da questão

Os anticorpos participam da eliminação de bactérias e de outros microrganismos extracelulares a


partir de diferentes mecanismos, que incluem: a inibição da aderência e da motilidade dessas células;
a neutralização das toxinas produzidas por esses microrganismos; a ativação do sistema complemento;
e/ou a fagocitose do patógeno.

Os macrófagos são um dos principais fagócitos do sistema imunológico. Nessas células, a fagocitose
pode ser induzida pelo reconhecimento de antígenos presentes na superfície da bactéria; ou pela ligação
à porção Fc dos anticorpos que opsonizam determinado microrganismo.

Embora o anticorpo monoclonal utilizado no experimento impeça a ligação do macrófago aos


antígenos bacterianos, o que prejudica o processo, sua ligação à superfície da bactéria induz o processo,
o que resulta na fagocitose do patógeno.

É importante lembrar que os anticorpos que opsonizam as bactérias também ativam a via clássica
do sistema complemento e, como consequência, ocorre a lise do patógeno.

A fagocitose da bactéria é seguida da apresentação de seus antígenos ao linfócito T CD4+, também


conhecido como linfócito T auxiliar, o que induz a ativação da imunidade adaptativa.

145
Unidade II

Questão 2. Em um transplante de fígado, caso o receptor desenvolva, após a cirurgia, resposta


inflamatória significativa e necrose do órgão transplantado, deve-se avaliar a possibilidade de se realizar
um novo transplante. Nesses casos, é necessário que o segundo transplante seja feito com o fígado
de outro doador, a fim de minimizar o risco de um novo episódio de rejeição. Isso ocorre porque o
fenômeno de rejeição dos aloenxertos é específico e dotado de memória.

A respeito dos aspectos celulares e moleculares envolvidos nesse fenômeno, assinale a


alternativa incorreta.

A) Os linfócitos T citotóxicos reconhecem as diferenças entre as moléculas MHC I do doador e do


receptor, o que resulta em apoptose das células transplantadas e no recrutamento de células
inflamatórias para o local do transplante.

B) As células apresentadoras de antígenos profissionais fagocitam fragmentos das células


transplantadas e os apresentam, ligados ao MHC II, para os linfócitos T auxiliares. Essas células,
ao reconhecerem os aloantígenos, promovem a modulação da resposta imune adaptativa contra
o aloenxerto.

C) Os aloantígenos são reconhecidos, internalizados e processados pelo linfócito B para, em seguida,


serem apresentados, ligados ao MHC I, para os linfócitos T auxiliares. Como consequência, ocorre
a ativação dos linfócitos B e a produção de anticorpos.

D) Caso o órgão que sofreu rejeição seja transplantado uma segunda vez no mesmo receptor, ocorre
rejeição hiperaguda, caracterizada pela oclusão trombótica da vasculatura do aloenxerto em
resposta à ação de anticorpos preexistentes.

E) Os glicocorticoides são agentes imunossupressores muito usados na prevenção da rejeição a


transplantes, pois inibem a síntese de diversas interleucinas e, assim, impedem o estabelecimento
da resposta imune adaptativa.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: as diferenças entre as moléculas do MHC I do doador e do receptor são a principal


causa da rejeição a aloenxertos. Isso ocorre porque os genes que codificam o MHC, também conhecidos
como complexo de histocompatibilidade humana (HLA), são altamente polimórficos. Os linfócitos T
citotóxicos, ou CD8+, são capazes de reconhecer essas diferenças, o que desencadeia resposta citotóxica
dirigida contra o aloenxerto.

146
IMUNOLOGIA BÁSICA

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: eventualmente, restos celulares provenientes de células mortas são fagocitados pelas
células dendríticas ou pelos macrófagos e, ao ocorrer o processamento e a apresentação dos aloantígenos
para os linfócitos T auxiliares, ou CD4+, ocorre reforço e direcionamento da resposta imune adaptativa.

C) Alternativa correta.

Justificativa: os linfócitos B são capazes de reconhecer, de processar e de apresentar antígenos aos


linfócitos T auxiliares. No entanto, esse reconhecimento é realizado via complexo MHC II. Lembre-se
sempre: as células apresentadoras de antígenos profissionais (células dendríticas, macrófagos e
linfócitos B) apresentam moléculas de MHC II em sua superfície.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a rejeição hiperaguda ao aloenxerto, quando ocorre, é geralmente mediada por


anticorpos IgG dirigidos contra aloantígenos proteicos, como, por exemplo, as moléculas do MHC
estranhas. Tais anticorpos geralmente surgem como resultado da exposição prévia a aloantígenos,
mediante transfusão sanguínea ou transplante prévio. Eles ligam-se ao endotélio dos vasos que irrigam
o órgão transplantado, o que resulta na ativação do complemento e na subsequente exposição de
proteínas da membrana basal subendotelial e na agregação plaquetária.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: os glicocorticoides, ou anti-inflamatórios esteroidais, são agonistas do receptor de


glicocorticoides (GR), cujo ligante endógeno é o cortisol. O uso contínuo desses agentes resulta na inibição
da síntese de interleucinas que medeiam o estabelecimento da imunidade adaptativa, principalmente
a IL-2, responsável pela expansão clonal dos linfócitos T CD4+.

147

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