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ARMADILHAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM

João Monteiro de Castro


14jun21
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1. Noções introdutórias

1.1. Juízo e proposição

Juízo é o ato de estabelecer uma relação entre duas noções, ou ainda, uma ligação de
noções feitas com consciência e clareza. As relações que estabelecemos entre as noções podem ser
várias: de coexistência, de igualdade, de diferença, de proporção etc.

A proposição é o enunciado do juízo e, segundo Aristóteles, compõe-se de três


elementos: sujeito – é o de que se diz alguma coisa, o a que se atribui uma qualidade, o que é
classificado; predicado – é aquilo que se afirma do sujeito, a qualidade que se lhe atribui, a classe
na qual é colocado; liame ou cópula – é a ligação, expressa pela palavra “é” ou “não é” ou “são” ou
“não são”, constituindo o vínculo entre o sujeito e o predicado. Em “Todo homem é mortal”, por
exemplo, o sujeito é “homem”, o predicado no sentido lógico é “mortal” e a cópula é “é”.

Nada impede de serem distintos o sujeito gramatical e o sujeito lógico. Na proposição:


“Nada é perfeito” os gramáticos apontam como sendo “nada” o sujeito, entretanto, o sujeito lógico
é “todas as coisas”, restando que a afirmação real é “Todas as coisas são imperfeitas”. Em frases
como “Chove”, o sujeito no sentido lógico é “chuva” e o predicado no sentido lógico é “cai”.

1.2. Raciocínio

Raciocínio é a operação mental pela qual de juízos já formados inferimos outros.


Raciocinar é passar do conhecido ao desconhecido, de verdades conhecidas passamos a outras
ainda desconhecidas. A expressão do raciocínio é o argumento. Por meio de raciocínios que
alcançamos todos os nossos conhecimentos mediatos, figurando a lógica como guia.

1) O raciocínio dedutivo é aquele no qual se passa do geral ao particular, sendo este uma
consequência de algo naquele contido; exemplo: “Todos os brasileiros são sul-americanos; todos
os paulistas são brasileiros; os paulistas são, pois, sul-americanos.” Importante notar que o
intermediário entre sul-americanos e paulistas, os brasileiros - que inclui os paulistas – está
incluído nos sul-americanos. Parte-se de uma regra e sua premissas para alcançar a conclusão,
como em: “Quando a torneira fica aberta, o chão fica molhado; a torneira ficou aberta; logo, o
chão ficou molhado.” O dedutivo é o raciocínio associado à matemática.

2) O indutivo é o raciocínio tipicamente associados aos cientistas, pelo qual se partindo de casos
particulares alcança-se uma regra geral, indo-se, pois, do conhecimento dos fatos ao das leis que
os regem. A partir da observação de uma série de casos de peças metálicas submetidas a
aumento de temperatura, concluíram os cientistas: “Toda peça metálica submetida a aumento de
temperatura dilatará na proporção do aumento de temperatura”. Outro exemplo: “Todos os
cavalos até hoje observados tinham coração” e daí concluir que “Todos os cavalos que existem
têm coração”. O comumente chamado raciocínio analógico não é uma forma autônoma de
raciocínio, mas uma modalidade de indução imperfeita e com alguma probabilidade de acerto na
medida em que certas propriedades são comparadas com vistas a se extrair alguma conclusão. O
raciocínio analógico é tão mais acurado quanto bem escolhidas as propriedades comparadas.

3) O abdutivo é o raciocínio que faz uso da regra e da conclusão para conjecturar sobre as
premissas. Aproveitando o exemplo dado para o raciocínio dedutivo para aplicar o raciocínio
abdutivo: “Quando a torneira fica aberta, o chão aparece molhado; o chão está molhado, então, a
torneira pode ter ficado aberta.” É um tipo de raciocínio comumente relacionado aos detetives. A
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abdução não estabelece necessariamente a verdade das premissas no caso estudado, mas a
probabilidade delas, pois, uma determinada consequência pode advir de uma série de diferentes
relações de causalidade. No exemplo dado, pode o chão ter ficado molhado por causa de uma
chuva e não por conta da torneira aberta.

1.3. Princípios

Raciocinar permite ao espírito posicionar-se sobre a conveniência ou desconveniência


de certas noções formadas com base em outras, gerando um sistema de proposições encadeadas
umas às outras, governado por certas leis formais do pensamento. Assim, todo pensamento, todo
juízo e toda proposição estão submetidos aos três princípios lógicos fundamentais, condicionantes
de todas as verdades. São eles:

1) Princípio da identidade: um ser é sempre idêntico a si mesmo: “S” é “S”; se algo é o que é,
certamente não é coisa diferente do que é;

2) Princípio da não-contradição: é impossível que um ser seja e não seja idêntico a si mesmo ao
mesmo tempo e na mesma relação. É impossível que “S” seja “S” e “não-S”, até porque violaria
o princípio da identidade. Duas proposições são contraditórias se uma desdiz completamente o
que a outra diz; e

3) Princípio do terceiro excluído: dadas duas proposições com o mesmo sujeito e o mesmo
predicado, uma afirmativa e outra negativa, uma delas é necessariamente verdadeira e a outra
necessariamente falsa. “S” é “x” ou “não-x”, não havendo terceira possibilidade. Ou seja, entre o
ser e o não-ser não há estado intermediário.

Da operação e conjugação destes princípios é possível elaborar toda a construção da


lógica formal.

1.4 Os modus sciendi

A grande dificuldade imposta ao conhecimento científico é a natureza complexa das


coisas, demandando da inteligência humana, para perceber as relações entre ideias, fatos
fenômenos, objetos e seres, a necessidade de identificar, discriminar, dividir, categorizar, isolar e
explicar as particularidades para depois propor modelos para elas. Com o propósito de sistematizar
a pesquisa da verdade há necessidade de disciplinar o raciocínio, de organizar e ordenar as ideias.
Os chamados modus sciendi são formas encontradas pela ciência para desempenhar essas funções:
a análise, a síntese, a classificação e a definição.

1.4.1. Análise e síntese

Análise e síntese são processos essencialmente inversos, mas complementares e que


estão na base de todos os métodos científicos.

Análise consiste na decomposição de um todo em suas partes elementares, quer sejam


físicas ou lógicas, ou seja, separadas na realidade ou pela mente, a fim de melhor se conhecer o
todo. Para analisar, deve-se dividir o objeto em tantas partes quantas forem necessárias para seu
completo conhecimento, passando por todos os degraus intermediários para o entendimento das
relações. A regra da análise é a segunda das quatro regras explicitadas por René Descartes no livro
O Discurso do Método para a investigação dedutiva: dividir as dificuldades em tantas parcelas
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quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las. Ou seja, é uma operação
do espírito que parte do mais complexo em direção ao menos complexo, devendo, então, das partes
principais, estudar cada uma das partes em separado, sem omitir nenhuma.

Há duas espécies de análise: a experimental e a matemática. A análise experimental


faz por dividir o todo em seus componentes físicos ou lógicos. Na análise experimental o todo –
que só se explica pelas partes constitutivas – depende da existência e reunião de cada uma de suas
partes, podendo estas, então, serem consideradas como que seu efeito. A análise experimental vai,
pois, regredindo do efeito à causa, do condicionado ao que condiciona, do composto ao simples,
como, por exemplo, decompondo a água em oxigênio e hidrogênio. Na análise matemática tem-se
a regressão do espírito das consequências ao princípio, assim, do teorema demonstrado alcança-se
nova proposição, desta passa-se a uma terceira, até chegar à verdade conhecida. Costumam-se
reconhecer duas regras para a análise: 1) a análise deve ser exaustiva, isto é, deve examinar todos
os constituintes do todo, de tal a possibilitar a compreensão do todo em estudo; 2) deve passar por
todos os intermediários, para não interpretar erroneamente as ligações entre as partes considerando
subordinações inexatas entre elas.

Síntese é a composição de um todo pela reunião de suas partes. A síntese é feita


começando pelo estudo de cada uma das partes elementares a partir das menores para as maiores,
passando por todos os degraus intermediários, fazendo recapitulação completa das partes e
colocando cada parte em seu lugar. A regra da síntese é a terceira das quatro regras explicitadas por
René Descartes na mesma obra para a investigação dedutiva: organizar os pensamentos, começando
pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer e subir, como que por degraus rumo aos mais
complexos e mesmo supondo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos
outros. Muitas vezes objetos isolados não têm uma significação maior, entretanto, combinados,
relacionados, agrupados dão evidência a um todo mais amplo e significativo que as partes isoladas
não pareciam ter. A síntese segue as mesmas regras da análise: 1) a síntese deve ser exaustiva, isto
é, deve examinar todos os constituintes do todo, de tal a possibilitar a compreensão do todo em
estudo; 2) deve passar por todos os intermediários, para não negligenciar ligações de subordinação
entre as partes, deixando de considerá-las no todo.

A síntese experimental opera-se sobre fatos e seres concretos e faz-se pela reunião das
partes físicas resultando num todo físico, procedendo do simples ao composto, das causas aos
efeitos, dos princípios às consequências. A união do oxigênio com o hidrogênio produz a água. Já a
síntese racional opera-se sobre fatos ou seres abstratos e é o caminho que o espírito percorre da
condição ao condicionado, do princípio às consequências. Na matemática, por exemplo, a síntese
racional consiste em partir da verdade conhecida – a primeira ideia suposta conhecida – e dela
passar à outra, até chegar-se à conclusão discutida, que fica provada por ser o resultado de
raciocínios estritamente concatenados.

1.4.2. Classificação ou divisão

Classificar, em qualquer conjunto de partes componentes de um todo, consiste em


estabelecer as relações de dependência e hierarquia entre elas para distribuir os seres, as coisas, os
objetos, os fatos e os fenômenos de acordo com suas semelhanças e diferenças, pois, o fim da
ciência é sempre o mesmo: o conhecimento das relações que ligam cada verdade àquela de que
depende, da relação do princípio com a consequência, da condição ao condicionado. Há
classificação natural se escolhido um conjunto de relações intrinsecamente existentes – essenciais
e invariáveis – que permitam organizar e hierarquizar as ideias e fala-se em classificação artificial
quando consistir de processo – conjunto de critérios ou fatores circunstanciais – escolhido
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arbitrariamente, mas que permita coordenar, esclarecer e transmitir o conhecimento.

A classificação natural é ordinariamente aplicada na biologia. Os animais são


classificados segundos níveis ou categorias taxonômicas: reino, filo, classe, ordem, família, gênero
e espécie. Os seres humanos, por exemplo, são classificados da seguinte maneira: reino: Animalia,
filo: Chordata, classe: Mammalia, ordem: Primates, família: Hominidae, gênero: Homo, espécie:
Homo sapiens.

A população pode ser classificada segundo critérios bastante variados: cor de cabelos,
peso, idade, religião, padrão econômico, etc. dependendo do propósito específico a ser suprido. O
recenseamento é feito pelos países periodicamente e visa levantar dados para avaliar quantitativa e
qualitativamente a população e os vários parâmetros pesquisados servem de base para classificar as
pessoas e orientam a adoção das políticas públicas.

A classificação artificial, valendo-se de critérios escolhidos arbitrariamente, mas


convenientemente levando em consideração a praticidade, funcionalidade e simplicidade é
ferramenta muito importante para organizar o pensamento e o entendimento de todo e qualquer
assunto1. O dicionário, por exemplo, é organizado segundo uma classificação arbitrária, cujo nome
consagrado é ordem alfabética, sendo o critério discriminante escolhido considerar a ordem de A a
Z das letras de cada palavra, a começar da primeira letra e depois pelas outras. Nada impediria
classificar pelo número de letras ou de sílabas conjugadas com algum outro critério ou mesmo por
ordem alfabética a começar da última letra.

Para se alcançar uma boa classificação, há certas regras a serem obedecidas:

1) A enumeração de todas as partes deve ser igual ao todo. Os animais podem ser divididos em dois
subconjuntos: vertebrados e invertebrados.

2) O critério eleito não deve admitir duplicidade, ou seja, a divisão deve ser irredutível. Assim, não
cabe dividir os animais em vertebrados, invertebrados e mamíferos porque mamíferos é também
subconjunto de vertebrados.

3) O critério deve ser único, ou seja, fundado no mesmo princípio. Não se recomenda, por
exemplo, dividir os seres humanos em habitantes do hemisfério sul, habitantes do hemisfério
norte e analfabetos contemplando dois critérios: local de habitação e nível de alfabetização.

4) Observar, tanto possível, a coerência da ordenação hierárquica. Existe uma estrutura sistêmica
para auxiliar na escolha de critérios coerentes. Os seres vivos, por exemplo, não devem ser
divididos em vegetais, racionais e irracionais.

5) A divisão deve ser simples e clara porque a repartição excessiva conduz à confusão e dificuldade
de entendimento. Já foi dito que a simplicidade é a maior sofisticação que existe.

1
Exemplo de classificação no Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503/97:
“Art. 96. Os veículos classificam-se em:
I - quanto à tração: a) automotor; b) elétrico; c) de propulsão humana; d) de tração animal; e) reboque ou semi-reboque;
II - quanto à espécie: a) de passageiros: 1 - bicicleta; 2 - ciclomotor; 3 - motoneta; 4 - motocicleta; 5 - triciclo; 6 - quadriciclo; 7 - automóvel; 8 -
microônibus; 9 - ônibus; 10 - bonde; 11 - reboque ou semi-reboque; 12 - charrete; b) de carga: 1 - motoneta; 2 - motocicleta; 3 - triciclo; 4 -
quadriciclo; 5 - caminhonete; 6 - caminhão; 7 - reboque ou semi-reboque; 8 - carroça; 9 - carro-de-mão; c) misto: 1 - camioneta; 2 - utilitário; 3 -
outros; d) de competição; e) de tração: 1 - caminhão-trator; 2 - trator de rodas; 3 - trator de esteiras; 4 - trator misto; f) especial; g) de coleção;
III - quanto à categoria: a) oficial; b) de representação diplomática, de repartições consulares de carreira ou organismos internacionais acreditados
junto ao Governo brasileiro; c) particular; d) de aluguel; e) de aprendizagem.” (negritos não originais)
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Existe um critério operacional que facilita muito realizar uma classificação consistente
em dividir o objeto dicotomicamente, em sua expressão positiva e negativa, classes que são
complementares em relação à classe dividenda. Assim, por exemplo: o mundo se divide em
compostos orgânicos e inorgânicos; os orgânicos dividem-se em seres vivos e seres não vivos; os
seres vivos dividem-se em animais e não animais; os animais em vertebrados e invertebrados; os
vertebrados em mamíferos e não mamíferos; os mamíferos são racionais e irracionais.

1.4.3. Definição

Antes de tratar da definição, existem dois conceitos a serem referidos em sede


preliminar: compreensão e extensão. Por compreensão designa-se o conjunto de elementos
caracterizadores – propriedades e qualidades – que formam a natureza do ser representado pela
definição ou conceito. Cada termo, então, apresenta-se ao espírito tonalizado por um conteúdo
formado de caracteres e aspectos a ele peculiares que, em conjunto, estabelecem forma de distingui-
lo dos outros termos. Extensão, por sua vez, é o conjunto de elementos – indivíduos – aos quais o
conceito se amolda, isto é, o conjunto de elementos que possuem a mesma compreensão. Então,
cada termo serve para designar – se estende – a certo número de objetos ou indivíduos que desfruta
de um mesmo conjunto de características e qualidades.

A compreensão e a extensão são relacionadas por uma regra: quanto maior a extensão
de um conceito, tanto menor a compreensão e, reciprocamente, quanto maior a compreensão, tanto
menor a extensão. Desta forma de distinguir os termos advém uma maneira clássica de dividi-los
em três tipos: 1) gênero: extensão maior e compreensão menor. Exemplo: animal; 2) espécie:
extensão média e compreensão média. Exemplo: homem; 3) indivíduo: extensão menor e
compreensão maior. Exemplo: Aristóteles.

Definição é, no sentido estrito, a proposição na qual o predicado desenvolve a


compreensão – exprime a essência – do sujeito. Em sentido amplo, definição é a proposição que diz
o que é o objeto da designação pelo sujeito ou o significado de um termo. As definições devem ser
elaboradas obedecendo a certas regras:

1) A definição deve convir a todo objeto definido2 – se a definição consiste em desenvolver uma
mesma compreensão, deve aplicar-se a todos os elementos do conjunto definido. Se a definição
deixasse de fora alguma parte da ideia a definir não serviria para delimitá-la. Definir, por
exemplo, maçã como sendo um objeto vermelho e redondo promove a exclusão das maçãs
verdes.

2) A definição deve convir somente ao objeto definido3 – se a definição é uma delimitação de


compreensão, não deve incluir seres diferentes do definido. Definir, por exemplo, uma maçã
como sendo um objeto vermelho e redondo, pode incluir o planeta Marte – também vermelho e
redondo – entre os objetos definidos.

3) A definição se faz por meio da especificação do gênero próximo e da diferença específica.


Quando se diz “o homem é um animal racional” “animal” é o gênero próximo – a ideia geral –
que congrega o conjunto dos vários seres que têm esta qualidade em comum e “racional” é a
fronteira que diferencia o ser humano de todo e qualquer outro animal.

2
“Definitio conveniat omni definite.”
3
“Conveniat soli.”
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4) A definição deve evitar a tautologia, ou seja, não se devem aplicar na definição os termos por
meio dos quais a ideia a ser definida está sendo designada. Se a definição for tautológica só
servirá para quem já conhece o termo definido. Quando se diz “o círculo é o espaço circular
fechado”, quem não sabe o que é “círculo” não sabe o que seria “espaço circular”.

5) Evitar definição circular. A definição circular acontece quando se parte de uma definição e se
usam os termos aplicados na definição para retornar ao objeto explicado. Quando se define, por
exemplo, “consciência é o sentimento íntimo dos fatos psíquicos”, não se pode continuar e
afirmar, sob pena da circularidade, que, por sua vez, “os fatos psíquicos são aqueles revelados
pela consciência”.

6) Podendo ser positiva, a definição não deve ser negativa. A definição deve descrever o que é o
objeto definido e não o que o objeto definido não é. A definição negativa impõe saber sobre o
conjunto de todos os objetos – conjunto universo – para, a partir dele, destacar o que se pretende
definir.

As definições, assim como, em geral, as palavras bem escolhidas, têm imensa força
persuasiva e desempenham um papel relevante na argumentação, obrigando permanente atenção
não só para a definição escolhida, para os termos usados, mas também para a aplicação deles, de
modo a evitar que haja predisposição da argumentação favoravelmente ao oponente – ou
desfavoravelmente à nossa posição – desde o início do debate. Assim, a própria definição do termo
pode e deve ser preliminarmente questionada ou, no limite, rejeitada se prejudicial a alguma das
partes ou não for razoável em si mesma.

Existem propostas de definições com caráter jocoso e que não servem para o propósito
básico de identificar o objeto definido como, por exemplo, a de covarde proporcionada por
Ambrose Bierce: “Covarde: aquele que, em uma emergência perigosa, pensa com as
pernas”, pois, só emprestando às pernas cérebro poderia se justificar a alusão a
pensamento advindo delas. Servem para distrair a atenção da plateia, desviando-a do
debate, na medida em que tira a seriedade dele.

Considerando denotação o emprego da palavra no seu sentido literal e preciso, de


modo basicamente informativo e evitando desdobramentos de ordem emocional, tal qual deve ser
em jornais e manuais de instrução, e conotação a aplicação da palavra em um sentido não habitual,
incomum ou figurado, dependendo subjetiva ou emocionalmente de um contexto, vem à baila uma
preocupação que deve ser permanente, pois, uma das maneiras usadas para enfraquecer a posição
da outra parte é definir dois termos paralelos, um deles com conotação positiva – bom, certo, justo,
etc. – e outro com conotação negativa – ruim, errado, injusto, etc. – sendo que o passo seguinte é
aplicar a si o primeiro e ao oponente o segundo. Se aceita a aplicação da conotação negativa contra
si, a perda da discussão pode ser inevitável4.

Pode ser também a hipótese de a definição ser razoável tomada em si mesma, mas
montada meticulosamente para, quando aplicada ao lado oposto para tratar do caso em questão, não
manter aquela qualidade. Indagado sobre a linha doutrinária de seu partido, um político paulistano
explicou: “Nem de direita, nem de centro, nem de esquerda.”5. Ora, no afã de tentar angariar
eleitores, pode até ser bom para um partido político fazer incluir no seu programa tudo que há de
positivo da esquerda, direita e centro, porém, o eleitorado tem de ter noção exata do

4
Exemplo: “Homens maus não têm canções. Como é que os russos têm músicas?” (Friedrich Nietzsche).
5
Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, in As Melhores Frases em Veja, organizador: Julio Cesar de Barros, São Paulo: Editora Saraiva, 2012,
p. 223.
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posicionamento do partido acerca de questões nevrálgicas e com soluções tecnicamente


contraditórias. No processo democrático o eleitor depende, para fazer conscientemente suas
escolhas, de saber concretamente da orientação política da congregação a que filiada seu candidato.

2. Argumento e proposição

Argumento é uma coleção de enunciados do juízo – proposições – que se relacionam


mutuamente, consistindo na expressão concreta do raciocínio lógico. A proposição é um gênero
que comporta duas espécies premissa e conclusão. O argumento é uma forma de organizar
premissas – que em resumo consistem em provas ou evidências – com o objetivo de alcançar uma
específica conclusão logicamente congruente com aquelas.

2.1. As proposições em relação ao argumento

As proposições, dependendo do papel que desempenham no argumento, consistem num


gênero que tem como espécies as premissas e a conclusão.

2.1.1. Premissas

Diferenciar fato de ideia é necessário antes de ingressar no conceito de premissa. Fato6


é algo objetivamente construído ou praticado e há dois tipos: coisas – entidades animais, vegetais
ou minerais – que existem concretamente e acontecimentos – compostos por coisas e suas ações. O
fato pode ser também enfocado sob dois planos: objetivo – coisas e acontecimentos; e subjetivo –
quando limitado à esfera do sujeito que o vivencia.

A ideia é a representação mental subjetiva de um fato – concreto ou abstrato – objetivo.


Ao se empenhar para “comprovar um fato” há que se ultrapassar a ideia e verificar se há para ela
uma realidade externa correspondente no mundo objetivo. Tanto quanto possível, a ideia deve ser
veiculada de modo claro, ou seja, com palavras escolhidas com precisão para expressar
adequadamente os fatos objetivos a que a se refere.

Premissa é o enunciado de provas ou evidências, podendo ser declaração de fato ou


alegação oferecida como indício favorável à comprovação da conclusão. Todo argumento tem uma
ou mais premissas e uma conclusão.

Há três possibilidades em que a premissa pode não colaborar para confirmar a


conclusão:

1) Os fatos alegados não são fatos; ou as provas oferecidas não existem, não podem ser
recuperadas, estão distantes no espaço ou no tempo.

2) Mesmo sendo a premissa verdadeira não tem uma relação adequada com a conclusão (non
sequitur, no sentido amplo); e

3) Premissas paradoxais, sobre as quais é impossível decidir se são verdadeiras ou falsas, tais

6
“Facts first. Facts are facts. They aren’t colored by emotion or bias. They are indisputable. There is no alternative to a fact. Facts explain things.
What they are, how they happened. Facts are not interpretations. Once facts are established, opinions can be formed. And while opinions matter,
they don’t change the facts.” (https://www.cnncreativemarketing.com/project/cnn_factsfirst/ pesquisado em 10/03/2020) Tradução livre: “Fatos
em primeiro lugar. Fatos são fatos. Eles não são coloridos por emoções ou tendências. Eles são indiscutíveis. Não há alternativa para um fato. Fatos
explicam coisas. O que são, como aconteceram. Fatos não são interpretações. Uma os fatos estabelecidos, opiniões podem ser formadas. E, embora
as opiniões importem, elas não mudam os fatos.”
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como: “Esta frase é falsa”; “A única maneira de livrar-se de tentação é cedendo a ela ... Eu posso
resistir a tudo, menos à tentação”.

As premissas são frequentemente introduzidas com os vocábulos “assuma”, “desde


que”, “já que”, “por causa de”, dentre outros. Entretanto, cuidado, pois é de se suspeitar quando as
premissas são iniciadas com “obviamente” e “porque”, caso em que, sem ter medo de confessar
ignorância e sem qualquer constrangimento, deve-se bloquear a argumentação com pedido dos
esclarecimentos; deixar passar pode ser erro.

2.1.1.1. Inferências

Com base nas premissas, a argumentação prossegue num processo intelectual,


sequencial e intermediário, composto por inferências, por meio do qual uma proposição é
conectada com outra a partir de múltiplas observações e em decorrência de suas ligações com
outras já reconhecidas como verdadeiras. Essas conclusões intermediárias podem ser testadas por
observações adicionais. Tanto os argumentos quanto as inferências abrangem premissas e
conclusões relacionadas mutuamente. Inferências são frequentemente indicadas pelos vocábulos
“logo”, “implica”, dentre outros.

Tanto os argumentos quanto as inferências abrangem provas (evidências) e conclusões


em relação mútua. A diferença principal está no fato de que um argumento é uma entidade
linguística, um grupo de enunciados, ao passo que a inferência não o é necessariamente.

Destaques:

1) A conclusão de um argumento é uma sentença; a conclusão de uma inferência é uma opinião,


uma crença ou algo do gênero.

2) Num argumento as provas são dadas em sentenças – as premissas – ao passo que numa
inferência, quem infere é quem deve ter a prova.

3) Realizar uma inferência é uma atividade psicológica, é chegar a certas crenças e opiniões com
sustentação em outras.

4) Algumas inferências são logicamente corretas, outras não. Então, como o enunciado da
inferência é um argumento, pode ser submetido à análise lógica.

5) Inferências são frequentemente indicadas pelos vocábulos “logo”, “implica”, dentre outros, mas
são como passos em direção ao que o argumentador tem como objetivo atingir.

2.1.2. Conclusão

A conclusão, no contexto da argumentação, é o resultado final do processo baseado nas


premissas e inferências. A correção ou incorreção lógica (a lógica foca em examinar uma relação
objetiva entre premissas e conclusão) de um argumento só depende da relação que se estabelece
entre as premissas e a conclusão. Mais, a correção ou incorreção lógica do argumento independe
inteiramente da verdade das premissas, pois é relacionada com a estrutura intrínseca do argumento.

A conclusão é uma proposição, defendida com base nas outras, e é sinalizada pelos
vocábulos “portanto”, “logo”, “consequentemente”, “como” ou “porque”.
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Importante: antes de atacar uma argumentação é necessário identificar dentre as


proposições apresentadas qual delas é a conclusão defendida pelo proponente.

2.2. Classificação da proposição

2.2.1. Conforme a extensão do sujeito

No plano quantitativo, o sujeito pode ser tomado ou quando tomado em toda a sua
extensão, entendida como o conjunto de elementos – indivíduos – aos quais o conceito se amolda, a
proposição pode ser: universal se do sujeito é tomado segundo toda a extensão: “Todas as ciências
são úteis”; ou particular se o sujeito é tomado segundo uma parte de sua extensão: “Alguns alunos
são estudiosos”. Ou seja, as proposições têm uma de duas quantidades, universal ou particular.

2.2.2. Conforme a relação afirmada entre o sujeito e o predicado

No plano qualitativo, considerando-se a forma ou a relação afirmada entre o sujeito e o


predicado, a proposição pode ser: afirmativa se a relação é de conveniência, ou seja, se a
compreensão do predicado é incluída na do sujeito e a extensão do sujeito na do predicado: “o
estudo enobrece”; ou negativa se a relação for de não conveniência: “A pobreza não é vício”. Ou
seja, no plano qualitativo as proposições têm uma de duas qualidades, afirmativa ou negativa.

2.2.3. Conforme a verdade ou falsidade do que de a proposição declara

Verdade é uma propriedade da proposição tomada individualmente. Não cabe falar,


como veremos adiante, em verdade ou falsidade de argumento. Uma proposição é reputada
verdadeira se reflete objetivamente o que se propõe a descrever, manifestando por meio de uma
expressão linguística uma congruência entre as ideias (fatos subjetivos) e as situações reais do
mundo (fatos objetivos). Caso esta congruência não exista, a proposição será reputada falsa

Em relação à verdade, o espírito pode encontrar-se em um entre vários estados:


ignorância, dúvida, opinião, certeza e no erro. A ignorância consiste na ausência de conhecimento.
Na dúvida o espírito fica em estado de suspensão, indeciso entre duas asserções, caso em que o
verdadeiro é visto como uma possibilidade. Em estado de opinião fica o espírito quando afirma
com algum receio de se enganar, ficando o verdadeiro percebido como provável, havendo espaço
para afirmar e também negar. Na certeza o verdadeiro é percebido pelo espírito como plena
evidência, afirmando-se sem receio de se enganar. O erro7 se estabelece quando, por meio de um
juízo, é formulada, sobre certo objeto, relação ou atribuição inadequada de certas propriedades ou
qualidades. Assim, há erro8 quando houver incongruência, desacordo entre a representação no

7
“Pode-se dizer que uma solução [preparar um processo, antes de condenar ou absolver] para essa questão é apresentada por uma teoria da
verdade e da certeza, e que não existe nenhuma grande vantagem em tomar os problemas pelo avesso, em vez de abordá-los de frente. Todavia,
quando se trata da questão da verdade e do erro – assim como quando se trata do bem e do mal – nem todas as obscuridades são eliminadas
quando se considera o aspecto positivo do problema: é necessário encarar também o aspecto negativo. O erro não se opõe à verdade como o
esquecimento à lembrança ou a ignorância ao conhecimento. O esquecimento nada mais é que a ausência de lembrança: ele é explicado quando
se sabe por que as causas que produzem a lembrança deixaram de agir. Porém, o erro não é só a ausência da verdade, não é só uma privação ou
uma negação. Devemos tratar de saber, pelo menos, se não contém nada de positivo. Se for positivo, é preciso explicar como essa característica
pode ser harmonizada a com a certeza. Existe, portanto, um problema do erro – intimamente unido, é verdade, ao da certeza (pois seria uma
tentativa bizarra procurar conhecer o que é o erro sem saber o que é a verdade), mas distinto desse problema, assim como a refutação de uma
antítese difere da exposição de uma tese.” (BROCHARD, Victor. Sobre o erro. Tradução de Regina Schopke. Rio de Janeiro: Contraponto,
2008. P. 10.
8
Código Civil
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por
pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
Art. 139. O erro é substancial quando:
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espírito e o objeto ao qual ela se refere.

A proposição “Todos os S são P” deve ser entendida como: “Se houver S, então, será
P”. Como será mais bem explicado à frente, sabe-se que esta afirmação só é falsa quando S for
verdadeiro e P falso. Logo, mesmo que não haja elementos na classe S a sentença será verdadeira.
Ou seja, será tomada como verdadeira uma proposição versando uma classe que não tenha
exemplares. Exemplos: “Os transgressores serão rigorosamente punidos” é verdadeira mesmo que
não tenha havido transgressor algum; “O centauro é uma criatura com cabeça, braços e dorso de ser
humano com corpo e pernas de cavalo” é tida por verdadeira mesmo sendo a figura mitológica
centauro uma criatura que não existe concretamente no mundo.

A proposição “Nenhum S é P” não cobra maiores considerações porque se verdadeira


afirma serem as classes S e P disjuntas não tendo, por definição, elementos em comum.

Já as proposições dos tipos “Alguns S são P” e “Alguns S são não-P” só podem ser
verdadeiras na condição de haver pelos menos um exemplar da classe S, ou seja, se o conjunto ao
qual S pertença não seja vazio. Assim, a afirmação “Algum transgressor foi punido” será
verdadeira só se a classe de transgressores não for conjunto vazio; por outro lado, a afirmação
“Algum centauro é criatura mitológica” será tida por falsa porque a classe dos centauros é conjunto
vazio por inexistência – até hoje – da prova da existência física de um centauro que seja.

Premissas e conclusão podem combinar-se com verdade e falsidade de quatro formas:

1 Premissas verdadeiras e conclusão “Todo diamante é duro” (verdadeiro)


verdadeira “Algum diamante é joia” (verdadeiro)
“Logo, alguma joia é dura” (verdadeiro)
2 Algumas ou todas as premissas falsas “Todo gato tem asa” (falso)
e conclusão verdadeira “Todo pássaro é gato” (falso)
“Logo, todo pássaro tem asa” (verdadeiro)
3 Algumas ou todas as premissas falsas “Todo gato tem asa” (falso)
e conclusão falsa “Todo cão é gato” (falso)
“Logo, todo cão tem asa” (falso)
4 Premissas verdadeiras e conclusão “Toda baleia é do mar” (verdadeiro)
falsa “Nenhuma baleia é peixe.” (verdadeiro)
“Logo, nenhum peixe é do mar” (falso)

2.2.4. Distribuição e não-distribuição

A se ter em conta as propriedades de quantidade – universal ou particular – e qualidade


– afirmativa ou negativa – as proposições serão designadas por tipos – A, E, I e O – prestando-se
atenção à seguinte convenção: A e I são as vogais da palavra AfIrmo e são usadas para designar as
proposições afirmativas, universais e particulares, respectivamente, e E e O são as vogais da
palavra nEgO, sendo utilizadas para designar as proposições negativas, universais e particulares,
respectivamente.

I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo
relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
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Numa proposição categórica, ou seja, nas quais em que ocorre relação de inclusão ou
exclusão, completa ou parcial, entre duas classes, diz-se que um determinado termo – sujeito ou
predicado – está distribuído quando está sendo afirmada simultaneamente alguma coisa sobre cada
um e todos os elementos do conjunto designado pelo termo. É muito importante observar que é
muito comum o caso de se atribuir algumas propriedades a uma classe – como coleção – que
deixam de sê-lo ao nos referirmos aos seus membros individualmente; e, vice-versa, algumas coisas
verdadeiras acerca dos membros de uma classe, quando tomados individualmente, deixam de ser
verdadeiras quando aplicadas à classe, tomada como conjunto.

Por outro lado, diz-se que o termo está não-distribuído num enunciado categórico
quando seletivamente se refere a alguns elementos do conjunto designado pelo termo, sem que se
afirme algo a respeito de todos os membros do conjunto.

Considerando-se a combinação da extensão do sujeito, do predicado e das formas, têm-


se quatro possibilidades:

1) Universal afirmativa – chamada tipo A - sujeito universal e forma afirmativa. A extensão do


sujeito é universal – dita distribuída – a do predicado é particular – dita não-distribuída. A
extensão do sujeito está incluída na do predicado: “Todos os homens são mortais.”; “Todo
triângulo é polígono.”. A proposição universal afirmativa declara que todos os membros do
termo sujeito são membros do termo predicado.

2) Universal negativa – chamada tipo E – sujeito universal e forma negativa. As extensões do


sujeito e do predicado são universais – ditas distribuídas; a primeira está excluída da segunda:
“Nenhum homem é quadrúpede.”; “Nenhum triângulo é quadrilátero.”. A proposição universal
negativa declara que nenhum dos membros do termo sujeito é membro do termo predicado.

3) Particular afirmativa – chamada tipo I – sujeito particular e forma afirmativa. A extensão do


sujeito, assim como a do predicado são particulares – ditas não-distribuídas: “Algum homem é
sábio.”; “Algum trapézio é isósceles”. A proposição particular afirmativa declara que pelo
menos um membro do termo sujeito é membro do termo predicado.

4) Particular negativa – chamada tipo O – sujeito particular e forma negativa. A extensão do sujeito
é particular – dita não-distribuída e a do predicado é universal – dita distribuída. Uma parte da
extensão do sujeito está incluída na do predicado: “Algum homem não é sábio”; “Algum
triângulo não é isósceles”. A proposição particular negativa declara que pelo menos um dos
membros do termo sujeito é não é membro do termo predicado.

Nas proposições os termos “todos”, “nenhum” e “alguns” são denominados


quantificadores, na medida em que indicam qual é a extensão da inclusão ou exclusão da classe do
sujeito na do predicado.

A proposição tipo A – “As baleias são mamíferos”, por exemplo – afirma que toda e
qualquer baleia está contida o conjunto dos mamíferos. Logo, o sujeito – baleia – está distribuído.
De acordo com a afirmação, o conjunto das baleias está totalmente contido no conjunto dos
mamíferos. Ou seja, se é baleia – qualquer baleia – é mamífero e não há baleia que não seja
mamífero. Entretanto, nada além é afirmado acerca dos outros elementos – e nem se há outros – do
conjunto que compreende todos os “mamíferos” (cavalos, bois, cabras, zebras, leões, carneiros,
morcegos, hienas etc.), motivo pelo qual o predicado – mamíferos – é dito não-distribuído. Na parte
escura do diagrama abaixo não pode haver elemento, pois, tal aconteceria somente se houvesse
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baleia que não fosse mamífero.

A proposição tipo E – “Nenhuma baleia é peixe”, por exemplo – diz que toda e
qualquer baleia é não-peixe e também que todo e qualquer peixe é não-baleia. Coletivamente,
excluídas ficam totalmente as classes das baleias e dos peixes uma da outra. Logo, o enunciado tem
os dois termos – sujeito e predicado – distribuídos. A parte escura do diagrama abaixo quer dizer
que os conjuntos das baleias e dos peixes são disjuntos, ou seja, não têm elemento em comum.

A proposição tipo I – “Alguns diamantes são joias”, por exemplo – nada declara a
respeito de todo e qualquer diamante e tampouco informa sobre toda e qualquer joia. Assim, ao não
ir além de dizer que as classes dos diamantes e a classe das joias têm elementos em comum, resta
que os dois termos – sujeito e predicado – são não-distribuídos. O máximo que se pode concluir é
que, tomadas coletivamente, a classe dos diamantes e das joias coincidem parcialmente. No
diagrama abaixo, seja D o conjunto de todos os diamantes, D1 o subconjunto do conjunto dos
“diamantes” que engloba os “diamantes que não são joias” (gênero cujo diamante industrial é
espécie) e seja D2 o subconjunto do conjunto dos “diamantes” que compreende “Toda e qualquer
joia, exceto os diamantes”. Pode-se constatar que D2 está compreendido simultaneamente nos
conjuntos dos “diamantes” e no das “joias”.

A verificação dos enunciados tipo O – “Alguns diamantes não são joias”, por exemplo
– envolve algum exercício. Primeiramente, tomados os conjuntos, está dito que a classe dos
diamantes não está totalmente incluída – e nem excluída – na classe das joias. Então, é trivial
constatar que nada é afirmado a respeito de todo e qualquer diamante, daí concluindo-se que o
sujeito – “diamante” – é não-distribuído. Considere-se agora o predicado. Tomando-se o enunciado
equivalente “há pelo menos um diamante que não é joia” que, mesmo sem informar qual seja,
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assegura a existência de um diamante que não é joia, que passará a ser chamado de “diamante
industrial”. Nosso enunciado original pode ser tomado como “toda e qualquer joia é diferente do
‘diamante industrial’”. Reformulada, então, a afirmação original, verifica-se que pode ser dito algo
sobre toda e qualquer joia: “esta joia não é o ‘diamante industrial’”, o que implica no predicado
“joia” ser distribuído. No diagrama abaixo, seja d1 o “diamante industrial”, pertencente ao
subconjunto do conjunto dos “diamantes” na parte que não coincide com o conjunto das “joias”
(lembrar que o conjunto dos “diamantes” está fracionado em dois subconjuntos: “diamantes joias” e
“diamantes que não são joias”); seja J o conjunto de “todas as joias”, consistindo de dois
subconjuntos: J1 o subconjunto “joias”, que engloba os “as joias diamantes” e J2 o subconjunto
que contém “toda e qualquer joia, exceto os diamantes”. Assim, pode-se concluir algo a respeito de
toda e qualquer joia: que não é d1, demonstrando que o predicado é distribuído.

2.2.5. Tabela dos tipos de proposições

Para resumir, as classificações feitas até agora permitem produzir a tabela a seguir:

TIPO FORMA QUANTIDADE QUALIDADE DISTRI BUIÇÃO


SUJEITO PREDICADO
A Todo S é P universal afirmativa distribuído não-distribuído
Baleias são mamíferos
E Nenhum S é P universal negativa distribuído distribuído
Nenhuma baleia é peixe
I Algum S é P particular afirmativa não- não-distribuído
Alguns diamantes são distribuído
joias
O Algum S é não-P particular negativa não- distribuído
Alguns diamantes não distribuído
são joias

Existe uma fórmula para memorizar sobre sujeitos e predicados distribuídos “Um
Sapato Não Presta”:
- Universais - Sujeitos distribuídos;
- Negativas - Predicados distribuídos;
- Todos os demais – sujeitos e predicados – são não-distribuídos

2.3. Proposições contraditórias, contrárias, subcontrárias e subalternas

Existe uma terminologia para as proposições que costuma ser utilizada para designar
relações entre proposições que podem trazer falácias embutidas. O quadro das oposições está
retratado a seguir:
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Consistência é uma propriedade de duas ou mais proposições tomadas em conjunto.


Duas ou mais proposições são ditas consistentes quando forem verdadeiras ao mesmo tempo no
mesmo contexto. Consistência entre proposições é só uma condição mínima para dar sustentação a
alguma conclusão e não garante a verdade desta. Ou seja, se as proposições forem consistentes –
verdadeiras ao mesmo tempo e no mesmo contexto – dependerá da utilização de um silogismo
válido para que, necessariamente, a conclusão obtida seja verdadeira; proposições inconsistentes,
por outro lado, não servem para dar sustentação a qualquer conclusão, porque se uma for verdadeira
a outra será falsa e vice-versa, e, se for usado um silogismo válido a conclusão não será, por
definição, necessariamente verdadeira.

2.3.1. Proposições contraditórias

Contradição é o tipo mais forte das oposições porque é uma proposição é a pura
negação da outra. Contraditórias são duas proposições que, quando tendo o mesmo sujeito e o
mesmo predicado, considerada uma em relação à outra:

1) Uma delas é universal afirmativa – Tipo A (“Todo S é P”) – e a outra é particular negativa –
Tipo O (“Algum S não é P”):

Tipo A Tipo O (contraditória)


Todo homem é mortal (V) Algum homem não é mortal (F)
Todo réu é condenado (F) Algum réu não é condenado (V)
Toda baleia é peixe (F) Alguma baleia não é peixe (V)

2) Uma é universal negativa – Tipo E (“Nenhum S é P”) – e a outra particular afirmativa – Tipo I
(“Algum S é P”):

Tipo E Tipo I (contraditória)


Nenhum homem é mortal (F) Algum homem é mortal (V)
Nenhum réu é condenado (F) Algum réu é condenado (V)
Nenhuma baleia é peixe (V) Alguma baleia é peixe (F)

A regra é: duas proposições contraditórias não podem ser concomitantemente


verdadeiras e nem concomitantemente falsas. Proposições contraditórias são, então, sempre não
consistentes porque se tomadas umas em relação às outras não têm como serem verdadeiras ao
mesmo tempo e no mesmo contexto.

2.3.1.1 Demonstração por “Reductio ad absurdum”

É uma forma válida para argumentar, muito importante e eficaz para refutar teses
duvidosas. Chama-se subdedução – desde que uma forma válida – ao argumento que, a partir da
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suposição nãp-p, conduz a um enunciado conhecidamente falso. A estrutura lógica do método


consiste nos seguintes passos, partindo-se do objetivo de “provar que um enunciado p seja
verdadeiro”:

1) Assumir como verdadeira a negação da proposição a ser demonstrada. Ou seja, supor que p
seja falsa, vale dizer admitir nãp-p como verdadeira;
2) Com base nesta suposição – não-p verdadeira – e usando um argumento válido deduzir uma
conclusão sabidamente falsa;
3) Então, se usando a negação da proposição for alcançado um absurdo – uma contradição: uma
proposição que não pode ser verdadeira – fica demonstrado indiretamente que a proposição
original – p – deve ser verdadeira e segue-se que a suposição feita de que não-p era verdadeira
foi falsa;
4) Logo, como não-p é falsa, p deve ser verdadeira. CQD.9

Exemplo: Premissa: Um número racional é aquele que pode ser expresso como a razão
de dois inteiros; Conclusão: Então, não existe número racional cujo quadrado seja dois.
Demonstração por meio de “reductio ad absurdum”:

a) Suponha-se haver um número racional cujo quadrado seja dois. Então, 2 = (a/b)2, segue-se que
a2 = 2b2, onde a e b são primos entre si;
b) Então, a2 é par porque é igual ao dobro de b2;
c) O número a tem de ser par uma vez que o quadrado de um número par é sempre par porque (2n)2
= 4n2 = 2(2 n2). O número a não pode ser ímpar uma vez que o quadrado de um número ímpar é
sempre ímpar porque (2n+1)2 = 4n2 + 4n + 1 = 4(n2+n) +1; como o primeiro termo – 4(n2+n) – é
par, qualquer número par adicionado de 1 é ímpar;
d) Como a é par, podemos escrever a = 2c e a2=4c2;
e) Igualmente, b é par porque a2 = 2b2 = 4c2, pois: b2 = 2c2 e usando o mesmo raciocínio feito
acima;
f) Como a e b são pares, restou contraditada a suposição que a/b era um número racional onde a e b
fossem primos entre si.

2.3.2. Proposições contrárias

Contrárias são duas proposições que, tendo o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma
delas é universal afirmativa – Tipo A (“Todo S é P”) e a outra é universal negativa – Tipo E
(“Nenhum S é P”). Na oposição entre proposições por contrariedade, uma proposição nega o que a
outra afirma e o que outra menos extensa afirmaria. É menos negativa que a oposição por
contradição porque ao passar de uma à sua contrária o sujeito ainda continua sendo tomado
universalmente e justamente por isso elas podem ter a falsidade concomitante em comum.

Tipo A Tipo E (contrária)


Todo homem é mortal (V) Nenhum homem é mortal (F)
Todo réu é condenado (F) Nenhum réu é condenado (F)
Toda baleia é peixe (F) Nenhuma baleia é peixe (F)

A regra é: duas proposições contrárias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo,
entretanto podem ser concomitantemente falsas.

9
Como se queria demonstrar, tradução da expressão latina “Quod erat demonstrandum”, às vezes referida como QED.
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Às vezes somos tentados a pensar que, dada uma afirmativa verdadeira – ou falsa – sua
contrária é falsa – ou verdadeira. Nem sempre. É de se prestar enorme atenção a afirmativas que se
referem a si mesmas. Analisem-se as seguintes afirmativas contrárias e ambas falsas: “Esta frase
tem seis palavras” – falsa porque tem cinco palavras – e “Esta frase não tem seis palavras” – falso
de novo porque tem seis palavras.

Duas afirmativas contrárias, consideradas entre si, não oferecem a possibilidade de


serem ambas verdadeiras, entretanto é possível que sejam ambas falsas. Se digo “Fulano é rico ou
pobre”, pode ser o caso de ele ser remediado – nem um caso nem outro – mas nunca será ele rico e
pobre ao mesmo tempo. Então, cometer o erro de tratar duas alternativas contrárias como
contraditórias pode levar ao surgimento da falácia do falso dilema, a ser oportunamente analisada.

Proposições contrárias são, então, sempre não consistentes porque se tomadas umas em
relação às outras não têm como serem verdadeiras ao mesmo tempo e no mesmo contexto.

2.3.3. Proposições subcontrárias

Subcontrárias são proposições em que uma delas é particular afirmativa – Tipo I


(“Algum S é P”) e a outra é particular negativa – Tipo O (“Algum S não é P”). O sujeito é o mesmo
e enquanto uma afirma a outra nega:

Tipo I Tipo O (subcontrária)


Algum homem é mortal (V) Algum homem não é mortal (F)
Algum réu é condenado (V) Algum réu não é condenado (V)
Alguma baleia é peixe (F) Alguma baleia não é peixe (V)

A regra é: duas proposições subcontrárias não podem ser falsas ao mesmo tempo,
entretanto podem ser concomitantemente verdadeiras. Duas proposições subcontrárias, por não
obedecerem a regras fixas quanto a serem verdadeiras ao mesmo tempo, podem ser, então,
consistentes ou não consistentes.

2.3.4. Proposições subalternas

A rigor existem apenas três formas de oposição lógica: contradição, contrariedade e


subcontrariedade.10 Para completar a classificação, os lógicos criaram a subalternação para duas
proposições com mesmo sujeito e predicado. É uma relação única existente entre uma proposição
universal (tipo A ou tipo E) e sua proposição particular correspondente (tipo I ou tipo O). Assim,
diz-se que I é subalterna de A e O é subalterna de E. Pode-se ver que a subalterna exprime de modo
parcial o afirmado pela subalternante.

Tipo A (subalternante) Tipo I (subalterna)


Todo homem é mortal (V) Algum homem é mortal (V)
Todo réu é condenado (F) Algum réu é condenado (V)
Toda baleia é peixe (F) Alguma baleia é peixe (F)

Tipo E (subalternante) Tipo O (subalterna)

10
MARITAIN, Jacques. Elementos de Filosofia - II - A Ordem dos Conceitos - Lógica Menor (Lógica Formal). 8ª edição. Rio de Janeiro: Livraria
AGIR Editora, 1977. P. 156.
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Nenhum homem é mortal (F) Algum homem não é mortal (F)


Nenhum réu é condenado (F) Algum réu não é condenado (V)
Nenhuma baleia é peixe (V) Alguma Baleia não é peixe (V)

Várias regras:

1) Se a afirmação tipo A (subalternante) é verdadeira, então, a afirmação tipo I (subalterna)


também será verdadeira;

2) Se a afirmação tipo A (subalternante) é falsa, então, a afirmação tipo I (subalterna) pode ser
verdadeira ou falsa;

3) Se a afirmação tipo I (subalterna) é falsa, então, a afirmação tipo A (subalternante) é falsa


também;

4) Se a afirmação tipo I (subalterna) é verdadeira, então, a afirmação tipo A (subalternante) pode


ser verdadeira ou falsa;

5) Se a afirmação tipo E (subalternante) é verdadeira, então, a afirmação tipo O (subalterna)


também será verdadeira.

6) Se a afirmação tipo E (subalternante) é falsa, então, a afirmação tipo O poderá ser verdadeira ou
falsa;

7) Se a afirmação tipo O (subalterna) é verdadeira, então, a afirmação tipo E (subalternante) pode


ser verdadeira ou falsa;

8) Se a afirmação tipo O (subalterna) é falsa, então, a afirmação tipo E (subalternante) é falsa


também.

Conclusão: duas proposições subalternas por não obedecerem a regras fixas quanto a
serem verdadeiras ao mesmo tempo podem ser, então, consistentes ou não consistentes.

2.4. Argumentos válidos, argumentos inválidos e argumentos corretos.

É tradicional dividir os argumentos em dois tipos: argumentos válidos e argumentos


inválidos. Os argumentos válidos podem ser utilizados de modo correto ou incorreto.

Validade é propriedade de argumento, que são grupos de proposições – premissas e


conclusão – e não das proposições individualmente tomadas. Argumento válido é aquele que tem
sustentação lógica e no qual o relacionamento das premissas com a conclusão é tal que se as
premissas forem verdadeiras a conclusão será forçosamente verdadeira. Dizer que uma forma é
válida significa então dizer que nenhum argumento dessa forma pode ter premissas verdadeiras e
conclusão falsa, ou seja, não há possibilidade de que as premissas sejam todas verdadeiras e que a
conclusão seja falsa.

Por outro lado, mesmo tratando-se de um argumento válido, se as premissas não forem
todas verdadeiras, nem há que se falar da conclusão dessa forma alcançada. Os lógicos costumam,
então, falar em argumento correto, como sendo:
- Em primeiro lugar, o argumento utilizado no debate deve ser válido (uma forma de compor de
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tal maneira que seja impossível haver premissas verdadeiras e conclusão falsa) e
- Em segundo lugar, todas as suas premissas verdadeiras.

2.4.1 Criticando um argumento

Como visto, não há como usar uma forma de argumento válida e partir de premissas
verdadeiras, prosseguir por via de um processo de inferências dedutivas corretas e alcançar uma
conclusão falsa.

No exemplo a seguir, as premissas são falsas e a conclusão é verdadeira. Vejamos:

P 1: “Todos os peixes vivem no oceano.” (F, pois há peixes de água doce);


P 2: “Baleias são peixes.” (F, pois baleia é mamífero);
C: “Baleias vivem no oceano.” (V, pois não há baleias de água doce)

Vejamos o mesmo argumento – forma que mais adiante veremos que é válida – com
premissas verdadeiras levando a uma conclusão verdadeira:

P 1: “Todos os peixes vivem na água.” (V);


P 2: “Tubarões são peixes.” (V);
C: “Tubarões vivem na água.” (V)

Argumento inválido, por outro lado, é aquele logicamente incorreto ou formalmente


falacioso. Ou seja, um argumento dedutivo é inválido se existir qualquer possibilidade de suas
premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. A validade ou invalidade de um argumento será
determinada pela forma e não pelo conteúdo de verdade ou falsidade das premissas e da conclusão.
As formas válidas de argumento são as unidades semânticas que devem ser usadas na construção de
novos argumentos e na reconstrução de argumentos utilizados anteriormente porque têm sempre
sustentação lógica, assim entendida se as premissas são verdadeiras a conclusão é necessariamente
verdadeira.

Então, para estudar a validade e invalidade dos argumentos serão eles classificados em
função da forma em que apresentadas as premissas e a conclusão. Assim, ignorando-se o conteúdo
das premissas e da conclusão, ou seja, sem considerar a verdade ou falsidade delas isoladamente,
por meio da análise da relação entre elas pode-se determinar se o argumento que as contém é válido
ou inválido.

Exemplo de forma válida Exemplo de forma inválida


Premissa 1 Todos os G são H Todo M é P
Premissa 2 Todos os F são G Nenhum M é S
Conclusão Logo, todos os F são H Logo, nenhum S é P

Estes esquemas não são argumentos, mas são formas que se convertem em argumentos
se as três letras (F, G e H num caso e S, M e P no outro) forem substituídas por objetos, tais como,
por cães, gatos, diamantes etc. É muito importante notar no exemplo de esquema válido que, se
todos os G são H, e se é verdade que todos os F são G, então deve ser necessariamente verdade que
todos os F são H.

Em conclusão:
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1) A verdade da proposição tem a ver com ela tomada isoladamente refletir objetiva e
congruentemente o caso tratado com a realidade fática. Então, é da máxima importância que
cada um traga as provas fortes de suas alegações, para que sejam reputadas verdadeiras, ou seja,
desincumbir-se do ônus da prova que lhe compete.

2) A validade do argumento está relacionada com a disposição estrutural das proposições e da


conclusão, em consequência da qual, se as premissas forem verdadeiras a conclusão
necessariamente será também. Logo, também é fundamental que o participante do debate faça
uso de formas válidas para que sua argumentação seja logicamente sustentável.

O debate desejável é aquele em que cada um argumente com premissas verdadeiras e


usando argumentos válidos.

2.4.1.1 O método do contraexemplo

O Método do Contraexemplo serve para identificar na prática argumento inválido por


meio de encontrar um caso – apenas um basta – que possua a mesma forma e, mesmo com
premissas verdadeiras, a conclusão é falsa. Inversamente, não é porque não se encontrou um
contraexemplo que o argumento seja válido, pois, pode ser que não tenhamos sido capazes de achá-
lo.

Suponhamos que seja apresentado o seguinte argumento:

P 1: Todos os cães ladram. (V)


P 2: Nenhum cão é peixe. (V)
C: Logo, nenhum peixe ladra. (V)

Como já se viu, argumento válido é aquele em que as premissas em sendo verdadeiras,


a conclusão é necessariamente verdadeira. No exemplo dado, aparentemente isso acontece. Porém,
adotando a mesma forma de argumento e trocando “ladrar” por “comer carne” temos um
contraexemplo que nos permite dizer que o argumento é inválido. Vejamos:

P 1: Todos os cães comem carne. (V)


P 2: Nenhum cão é peixe. (V)
C: Logo, nenhum peixe come carne. (F, tubarão é contraexemplo)

Tomando o mesmo argumento – a mesma forma de apresentar as premissas e a


conclusão, que já demonstramos ser inválido pelo método do contraexemplo – e trocando “cães”
por “águia”, “ladrar” por “voar” e “peixe” por “morcego” temos outro contraexemplo.

P 1: Toda águia voa. (V)


P 2: Nenhuma águia é morcego. (V)
C: Logo, nenhum morcego voa. (F, morcego é contraexemplo)

De todo modo, encontrado um contraexemplo, no qual as premissas sejam verdadeiras e


a conclusão falsa, está provado que aquela forma usada para argumentar é inválida.

Provada a invalidade, aquela forma de organizar as premissas e a conclusão,


independentemente da verdade ou falsidade das premissas e da conclusão de algum exemplo em
especial, não se converterá em válida. Assim, não é de se deixar confundir por argumento inválido
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que tenha premissas verdadeiras e conclusão verdadeira.

Para contra-argumentar, se o oponente utilizou uma forma válida de argumentar (na


qual as premissas forem verdadeiras, então, a conclusão é necessariamente verdadeira) tem-se de
passar a um segundo passo e tentar mostrar que alguma das premissas é falsa ou frágil. Provar que é
falsa pode ser às vezes muito difícil, o que não acontece para demonstrar fragilidade.

P1: Toda pintura modernista é artística. (falso)


P2: O quadro “O mau gosto visto de longe” é pintura modernista.
C: O quadro “O mau gosto visto de longe” é artístico.

No exemplo acima, o argumento é válido, mas a premissa 1 é claramente falsa porque


não basta jogar tinta na tela que será uma pintura artística, ou seja, não é possível encontrar caso de
usá-lo com premissas verdadeiras e alcançar conclusão falsa. Sendo assim, o argumento, tendo em
vista ter uma premissa falsa, não é correto.

No exemplo abaixo, o argumento é válido, mas a primeira premissa é incerta porque


engordar depende do que seja “comer muito”, que é uma designação vaga, e outros vários fatores.
Há profissionais que demandam tanta energia trabalhando e comem muito sem serem gordos, logo,
a primeira premissa sendo incerta, faz com que o argumento, tal como formulado seja inaceitável.

P1: Quem come muito é gordo (premissa incerta).


P2: Fulano come muito.
C: Fulano é gordo.

Existe uma regra importante: nada impede que o oponente reformule seu argumento.
Vejamos o argumento abaixo. É um argumento não-válido, embora saibamos que as três premissas
sejam verdadeiras.

P 1: Todos os cães ladram. (V)


P 2: Nenhum cão é peixe. (V)
C: Logo, nenhum peixe ladra. (V)

Vamos reformulá-lo usando uma forma válida para alcançar a mesma conclusão,
tornando-o correto:

P 1: Todo animal que ladra é cão. (V)


P 2: Peixe não é cão. (V)
C: Logo, nenhum peixe ladra. (V)

3. Descoberta e justificação

3.1. Descoberta

A descoberta está ligada à questão fundamental: “De que modo foi concebido?” Todas
as circunstâncias pertinentes à concepção estão dentro do contexto de descoberta. A descoberta é
um processo psicológico.

Newton viu uma maçã cair de uma árvore e teve a iluminada ideia de que objetos caem
ao solo por atração gravitacional, donde advém que as órbitas dos planetas, as marés, dentre outros,
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só assim acontecem na medida em que governados pela lei da gravidade.

3.2. Justificação

A justificação, por sua vez, está ligada à questão: “Que razões temos para aceitá-lo
como verdadeiro?” Todos os assuntos relacionados a esta questão cabem ao contexto da
justificação. A justificação de uma proposição é um argumento, englobando dois aspectos: 1)
verdade das premissas e 2) correção lógica.

Mostrar que uma justificação não é adequada consiste em revelar alguma fraqueza em
um desses dois aspectos, porque uma boa justificação depende de elementos de prova capazes de
dar suporte ela, apresentados de uma forma válida. Isto faz por impor a quem apresenta o
argumento prover as necessárias comprovações sob pena de vir a sofrer prejuízos na credibilidade
do que defende.

Tachar uma justificação de não adequada sob um ou outro desses dois aspectos não
equivale a simplesmente afirmar ou sugerir que ela seja inapelavelmente falsa, mas abala a verdade
das premissas ou a correção lógica do argumento que a apresenta. Assim sendo, corrói a
credibilidade da argumentação sem implicar na definitiva impossibilidade da elaboração de outra
justificação viável, desta vez suportada em boas e sólidas razões, capazes de levar à mesma
conclusão.

Para uma teoria científica ser aceita como provada, as experiências comprovadoras
podem ser reproduzidas e suas previsões devem funcionar em contextos diferentes e mediante
linhas de experimentações diversas. Por isso, a comunidade científica, de forma geral, tem como
método o questionamento sistemático das pesquisas e experiências usadas para dar suporte a
alguma teoria. Só para lembrar um exemplo emblemático: o último teorema de Fermat, que foi
conjecturado em 1637 só foi definitivamente solucionado em 1995, depois 358 anos de várias
demonstrações que não suportaram os questionamentos da comunidade dos matemáticos.

3.2.1. Do ônus da prova, da inversão do ônus da prova e da falácia da inversão do ônus da


prova

Num debate, cada um que faça a afirmação primária positiva tem o ônus de trazer as
respectivas provas, ou seja, quem alega tem de provar. Pode ser que – e isto é comum – que as
alegações de uma das partes sejam questionadas de maneira que o ônus da prova se inverta. São
casos em que as ponderações do outro participante são fracas, mas têm um conteúdo de
probabilidade que, se demonstrado, pode afastar cabalmente o primeiro argumento apresentado.
Assim, a quem fez a argumentação fraca é atribuído o ônus de prová-la. Nos debates
controvertidos, é muito comum, ao invés de provar que o argumento da parte contrária é não
aceitável, incoerente ou mesmo falso, mostrar que há margem para dúvidas razoáveis ou não há
suficiente sustentação, fazendo com que o ônus da prova sofra inversões. No trajeto de tentar
converter a outra parte para sua conclusão, o argumentador esforça-se por prová-la, oferecendo
provas.

Há dois tipos de provas que podem ser usados por quem alega desincumbir o ônus que
pesa sobre ele: a prova interna e a externa. Por prova interna, entende-se aquela inferida no curso
do diálogo a partir do que a outra parte admite. A prova externa acarreta a introdução de fatos
novos no diálogo por meio de consulta a opinião de experts, dados científicos ou fontes
especializadas.
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A lei processual civil reparte o ônus da prova da seguinte forma: ao autor da afirmação
quanto aos fatos constitutivos de seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor. Daí decorre um pormenor importante, quem alega em
oposição algum fato articulado para destruir situação já configurada pelo ex adverso, atrai para si o
ônus de prová-lo. Assim, se alguém exibe um título extrajudicial, por exemplo, e demanda pelo
pagamento e o suposto devedor alega não dever por já haver pagado, tem o ônus de provar que
pagou, que é um fato positivo.

Há casos em que o objetivo do diálogo deixa clara qual a conclusão a ser perseguida
por cada argumentador. Num julgamento criminal, a acusação tem que positivamente provar a
culpa do réu além de dúvida razoável e à defesa cabe rebater a argumentação da acusação,
buscando fazer concluir que as razões apontadas não são suficientes para provar a culpa do réu, ou
seja, que o argumento da outra parte é fraco ou não é suficientemente forte para condenar. Assim,
mesmo sem refutar vigorosamente a tese da acusação – estabelecer ser ela definitivamente falsa –
mas desbastando-a ao ponto de demonstrar haver margem razoável de dúvida (desacreditando as
testemunhas da acusação, introduzindo a possibilidade de algum outro suspeito, apontando
inconsistências nas provas da acusação, dentre outras), o advogado de defesa pode fazer por
absolver seu constituinte.

No direito brasileiro, excepcionalmente, há situações em que a lei estabelece a inversão


ônus da prova em favor da parte mais fraca da relação de consumo – o consumidor11 – e, de modo
mais geral, na redação do artigo que trata da distribuição do ônus da prova constante do Código de
Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015)12.

A falácia da inversão do ônus da prova consiste em transferir indevidamente à outra


parte a carga de apresentar provas que originalmente não lhe incumbiam. As inversões imotivadas
do ônus da prova não devem ser aceitas. Como orientação, o previsto no Código de Processo Civil
pode servir bem nas contendas da vida. A regra geral aponta no sentido de que cada parte deve
alegar o necessário e suficiente para fundamentar sua pretensão, escolhendo conforme lhe aprouver
os meios de prova e argumentos para bem desempenhar seu ônus. Então, transferências imotivadas
ou ampliações desnecessárias são desequilíbrios que podem acarretar tremenda desvantagem para
uma parte e corresponde desoneração sem fundamento para a outra.

O manejo de argumentos falaciosos nesta modalidade é bem comum em assuntos em


que provas estão fora do alcance do mortal comum e são extremamente polêmicos. Quem aceita
fica sempre mal, como, por exemplo, em: “Você é ateu, já sei. Então, se você não acredita na
existência de Deus, como explica a ordem existente no universo”. Sem querer entrar no debate, se
alguém afirma que a ordem existente no universo se deve a Deus, que o prove.

11
Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;
12
Lei 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o
encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo
diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi
atribuído.
(omissis)
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“Dizem que a casa da praia é mal-assombrada. As coisas lá são diabólicas à noite. Você
é corajoso e está duvidando, passe a noite lá para provar que não é”. Casos deste tipo envolvem
duas peculiaridades: a primeira é a inversão do ônus da prova e outro é que tal inversão acontece
acerca de fato negativo absoluto, qual seja provar que a casa não é mal-assombrada. E muito
cuidado deve ser tomado com fato negativo absoluto porque constitui o complemento para o
conjunto universo dos fatos positivos, a rigor um conjunto infinito. Para exemplificar provar que
maçã não é legume impõe compará-la com todos os tipos de legumes para, só então, excluí-la da
classe dos legumes. Se o fato positivo “a casa da praia é mal-assombrada” está em debate quem
deve prová-lo é a parte que o afirmou. A tentativa de promover a transferência ilícita do ônus de
provar que “não é mal-assombrada” está sendo encaminhada em desfavor de quem deveria ser o
destinatário da prova positiva e, ademais, não é ‘passando por lá’ uma prova aceitável de que não é
mal-assombrada a casa – fato negativo.

3.2.2. Sempre desafiar a tese “in totum”

O ser humano parece ter dentro de si um mecanismo que tende a procurar confirmação
da hipótese ao invés de negá-la. Em princípio, deve-se ver a tese como algo a ser desafiado e tentar
isentamente buscar evidências confirmadoras tanto quanto evidências não confirmadoras.

Um exemplo bem comum: um determinado político acredita que diminuindo a carga


tributária local causa queda na taxa de crimes. Então, o político envia pesquisadores para procurar
exemplos de locais onde a taxa de crimes caiu após a carga tributária ter sido diminuída. E sempre
se é capaz de encontrar dezenas de casos, o que encoraja o político pregar, acenando com os dados
compilados, que diminuída a carga tributária, a queda da taxa de crimes virá a seguir. Tivessem os
pesquisadores procurado computar todos os casos possíveis, ou seja, cruzar casos de diminuição,
manutenção ou aumento da carga tributária com a taxa de diminuição, manutenção ou aumento da
taxa de crimes. Se assim fizessem, poderiam ter achado também dezenas de casos contradizendo a
tese.

Como exemplo, sejam cartas com vogais ou consoantes escritas de um lado e um lado e
nos versos tenham números escritos, que podem ser pares ou ímpares. Então, suponham-se as
seguintes cartas sobre a mesa:

Problema: virar o número mínimo de cartas e provar que é verdadeira a afirmação


“carta com vogal de um lado tem número par escrito no outro”?

Normalmente, as pessoas apontam que as cartas com A e 2 devem ser viradas. Não são.
As cartas que devem ser viradas são as que têm escritos A e 1. A hipótese que governa a solução do
problema é carta com vogal escrita em qualquer dos lados. Preste-se atenção que nada foi dito
acerca da hipótese de haver consoante escrita em qualquer dos lados de qualquer das cartas, logo,
carta com consoante num lado pode ter número par ou ímpar no anverso sem invalidar a hipótese.
Assim, é inútil, para a finalidade de confirmar a afirmação, virar carta com o Z, porque se houver
escrito no verso qualquer número, seja par ou ímpar, não invalidará a hipótese sendo testada.
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Igualmente, a carta em que está escrito o 2 não precisa ser virada porque havendo vogal ou
consoante no anverso não invalidará a hipótese. Sobram duas cartas: A e 1. A carta com A escrito
tem de ser virada porque se houver no verso um número ímpar escrito ficará provado ser falsa a
afirmação que está sendo testada. Igualmente quanto à carta com 1 escrito, porque se houver vogal
escrita no verso provará ser falsa a afirmação.

3.3. Descoberta versus justificação

A distinção entre descoberta e justificação está ligada à diferenciação de inferência e


argumento. A atividade psicológica envolvida na formulação de uma inferência é um processo de
descoberta. Quem se envolve na descoberta parte de indícios que o conduzam a uma conclusão, ou
mesmo formula a conclusão e põe-se à procura de provas que a sustentem. Quando o processo de
descoberta termina, a inferência pode ser transformada num argumento e examinado sob o aspecto
da correção lógica, mas sem que este argumento seja descritor dos processos mentais que levaram à
conclusão.

Se existissem regras para nortear a formulação de inferências, seriam regras para


descobrir, obra que requer o livre jogo de imaginação e inteligência. A lógica não nos ensina a
inferir, mas nos dá critérios para analisar e aceitar ou não as inferências, ao tratar da respectiva
justificativa.

É um erro grave tratar problemas no contexto de descoberta como se pertencessem ao


contexto da justificação que recebe o nome de falácia genética.

3.3.1. Falácia genética

A falácia genética tem relação com confusão entre os contextos de descoberta e


justificação ao tratar problemas no contexto da descoberta como se pertencessem ao contexto da
justificação. No cometimento da falácia genética há um descolamento do exame do mérito do que é
afirmado por via de se conceder infundada importância a dados pertencentes ao contexto da
descoberta – gênese – para aferir, a partir daí, a verdade ou falsidade.

Esta falácia é comumente praticada para economizar esforço, pois, pode ser muito
menos árduo desfechar ataque à causa ou origem de um argumento do que se dar ao trabalho de
contrapor-se à substância do que se discute. O argumento falacioso pode persuadir através de um
processo psicológico de transferir uma atitude emocional de desaprovação em relação a uma pessoa
ou grupo de pessoas – nazistas, comunistas, capitalistas, imperialistas – convertendo-a em
desacordo para com o que está sendo dito ou sustentado. A conexão formada, sendo de índole
exclusivamente psicológica, não obedece à lógica e nem é substitutivo de provas. Pode, então,
acontecer que, naquele cenário, o pior canalha do mundo esteja dizendo a verdade e apresentando
comprovações congruentes.

Os nazistas condenaram a teoria da relatividade porque Einstein, seu autor, era judeu.
De fato, muito embora Einstein fosse judeu, suas origens nacionais ou religiosas nada interferiram
no contexto da descoberta da teoria da relatividade. A política nazista, ao dar relevo à origem do
descobridor, algo totalmente independente do contexto da justificação de uma teoria no campo da
física, para repudiar a teoria da relatividade deu exemplo do cometimento de falácia genética.

Pode acontecer haver itens no contexto da descoberta corretamente incorporados no


contexto de justificação quando há uma correlação objetiva entre esse aspecto e a verdade ou
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falsidade da conclusão, caso em que o argumento cobra uma premissa adicional que enuncie esta
correlação objetiva. Por exemplo, a anemia falciforme, doença hereditária caracterizada pela
alteração dos glóbulos vermelhos, tornando-os parecidos com uma foice, é mais comum em pessoas
da raça negra. Se é assim, esta correlação objetiva entre pessoas da raça negra e o evento anemia
falciforme não pode ser deixada à margem, sob pena de a pesquisa sobre a doença ficar
irremediavelmente comprometida, pois, privada de um detalhe fundamental.

Há tempos, nos idos da década de 80, foi bastante difundida a crença, que se mostrou
cientificamente incorreta, de que a AIDS tinha relação com homossexualismo. Esta crença de que a
doença estava relacionada com a homossexualidade, típico exemplo de falácia genética, gerou um
preconceito com reflexos negativos até os dias de hoje.

Muitos dos casos de cometimento da falácia genética têm instalados na base do


argumento uma forma de preconceito, assim entendido um conceito ou opinião, formado
antecipadamente e sem maior profundidade de análise dos fatos, mas, com base em certa
característica, levando a algum tipo de segregação em prejuízo do discriminado. A Constituição
Federal do Brasil veda expressamente, em nome da promoção do bem de todos, todas as formas de
discriminação.13 Mas não basta impingir ao oponente estar praticando preconceito como forma
expedita e rápida de afastá-lo e a seus argumentos do debate.

4. Argumentos dedutivos e argumentos indutivos

O argumento dedutivo é aquele no qual a conclusão está, ainda que implicitamente,


contida no conjunto de informações presente nas premissas. Ou conteúdo da conclusão de um
argumento dedutivo correto está presente nas premissas. Então, por outro ângulo, um argumento
dedutivo não pode ser logicamente aceitável se tem uma conclusão cujo conteúdo excede o das
premissas. No argumento dedutivo, cada passo é dado calcado em conclusão anterior, como em
uma cadeia. Assim, quando corretamente aplicada à sequência de argumentos, a lógica dedutiva
não deixa espaço aberto à controvérsia, porque as conclusões são inexoráveis. De forma reversa, se
as proposições são incoerentes, a lógica dedutiva deixa isto evidente. Os argumentos matemáticos
são dedutivos por excelência.

Já o argumento indutivo é diferente, pois, amplia o conteúdo das premissas, fazendo


com que o conhecimento seja expandido. Existe um salto entre constatar que “Todos os cavalos até
hoje observados tinham coração” e concluir que “Todos os cavalos que existem têm coração”.

A relação entre a generalização científica e a evidência observacional que lhe dá


sustentação é do tipo indutivo. O objetivo maior dos argumentos é estabelecer conclusões
verdadeiras com base em premissas verdadeiras. Tal como os argumentos dedutivos, os argumentos
indutivos também funcionam à base de premissas que, quão mais fortes são, mais aceitável tornam
a conclusão.

Os argumentos indutivos comportam graus de força, dependendo do conteúdo de


sustentação que as premissas fornecem à conclusão. Diferentemente do argumento dedutivo, a
conclusão do argumento indutivo é tão mais aceitável se, concomitantemente:

13
CF/88
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(omissis)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
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1) o argumento é formalmente correto e


2) as premissas são verdadeiras e
3) as premissas englobam todas as evidências relevantes observadas.

Considere-se o quadro comparativo abaixo sobre argumentos dedutivos e indutivos.

Dedutivos Indutivos
I Se todas as premissas são verdadeiras, a Se todas as premissas são verdadeiras, a
conclusão deve ser verdadeira. conclusão é provavelmente verdadeira, mas não
necessariamente verdadeira.
II Toda informação ou conteúdo na A conclusão contém informação não presente,
conclusão já estava contida nas premissas, mesmo implicitamente nas premissas.
pelo menos implicitamente.

5. Argumentos dedutivos

Em linhas gerais, o argumento dedutivo é uma forma de partir de verdade mais geral e
chegar a uma verdade menos geral ou singular.

5.1. Silogismo categórico

O silogismo foi definido por Aristóteles do seguinte modo: “O Silogismo é uma série
de palavras em que, sendo admitidas certas coisas, delas resultará necessariamente alguma outra,
pela simples razão de se terem admitido aquelas.”14

Silogismos categóricos, espécies de argumentos dedutivos, são aqueles cujos


argumentos são todos proposições categóricas. Uma proposição categórica usa conjuntos
categorias, ou grupos de objetos (reais ou imaginários) para substituir as variáveis em uma de
quatro formas gerais específicas (tipos A, E, I e O), que afirmam ou negam que alguma classe S
esteja incluída em alguma outra classe P. Dizer que a proposição é categórica significa que a
verdade ou falsidade dela não depende de parâmetros ou contextos. “Baleia é mamífero”, por
exemplo, é uma proposição categórica verdadeira, pois, toda e qualquer baleia em qualquer situação
seja não deixará de ser mamífero. Por outro lado afirmação “Carlos é alto” não é uma proposição
categórica porque o valor verdade depende da altura da pessoa a quem Carlos esteja sendo
comparado; se a pessoa for mais baixa, a proposição será verdadeira; se a pessoa for mais alta, a
proposição será falsa.

Se o contexto fizer variar a verdade ou falsidade, a proposição não pode ser classificada
como categórica. Para ilustrar, ainda que seja sobre guerrear, vale citar Sun Tzu15: “A ordem e a
desordem dependem da organização; a coragem e a covardia, das circunstâncias; a força e a
fraqueza, das disposições. Quando as tropas ocupam uma situação favorável, o covarde torna-se
bravo. Se estão perdidas, o bravo vira covarde. Na arte da guerra não existem regras fixas. Apenas
podem ser talhadas segundo as circunstâncias.” Ou seja, se for o caso do uso de enunciado não
categórico, atenção especial deve ser dada acerca da necessidade de provar que, naquele contexto, é
verdadeiro ou falso, bem como, explicitar que todas as conclusões que forem extraídas valem
somente naquele contexto específico. Alterado o contexto, nova demonstração porque de

14
L. Liard, Lógica, p. 42
15
TZU, Sun. A Arte da Guerra. Portugal: Publicações Europa América Lda. s/d. Tradução de Ricardo Iglésias da versão inglesa: The art of War. P.
74.
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verdadeira pode haver cambiado para falsa ou o contrário.

No silogismo categórico há duas premissas (espécies do gênero proposição) e uma


conclusão (também espécie do gênero proposição). As duas premissas têm, cada uma, seu sujeito –
pode ser distribuído ou não-distribuído – e predicado – pode ser distribuído ou não-distribuído – e,
dependendo da organização dos sujeitos e predicados, dividem-se em premissa maior e premissa
menor.

Tomada a proposição categórica que ocupa a posição de conclusão do silogismo


categórico, o sujeito é chamado termo menor e designado por S; o predicado da conclusão é
chamado termo maior e é designado por P.

O chamado termo médio, designado por M, é o elemento de ligação entre a premissa


maior e a menor, ou seja, o termo médio aparece nas duas premissas (menor e maior) e não na
conclusão.

A premissa maior é aquela na qual aparecem o termo médio – M – e o termo maior – P,


não necessariamente nesta ordem. A premissa menor, por sua vez, é aquela em que aparecem o
termo menor – M – e o termo menor – S, não necessariamente nesta ordem.

Resumindo:

1) Premissa maior: termo médio – M – e termo maior – P, mas não necessariamente nesta ordem;
2) Premissa menor: termo médio – M – e termo menor – S, mas não necessariamente nesta ordem;
3) Conclusão: termo menor – S – e termo maior – P –, nesta ordem;
4) A ordem habitual de apresentar o silogismo categórico é: primeiro se formula a premissa maior e
em segundo lugar vem a formulação da premissa menor e, por fim, a conclusão.

Atenção: premissa maior e premissa menor não são definidas pela posição em que
aparecem no silogismo categórico. O conhecimento das formas válidas de silogismo categórico é
de extrema importância para determinar qual das proposições é a conclusão de um argumento
quando não houver nenhuma palavra indicadora explícita (logo, então, etc.). Logo, quando há um
conjunto de proposições consistente com um argumento categórico e nenhuma das proposições é
evidentemente a conclusão, deve-se escolher como conclusão aquela proposição que torna o
argumento válido, o que é conhecido como “princípio da caridade”.

Os silogismos categóricos são classificados em quatro figuras, de acordo com as


diferentes possibilidades de posicionamento do termo médio nas premissas maior e menor. Nos
silogismos ditos de 1ª figura o termo médio é sujeito na premissa maior e predicado na menor; nos
de 2ª figura o termo médio é predicado em ambas as premissas; nos de 3ª figura o termo médio
ocupa posição de sujeito nas duas premissas e nos de 4ª figura o termo médio é predicado na
premissa maior e sujeito na menor. Obviamente, o termo menor sempre é o sujeito da
conclusão e o termo maior é sempre o predicado da conclusão. Veja a tabela a seguir.

1ª Figura 2ª Figura 3ª Figura 4ª Figura


Premissa Maior M-P P-M M-P P-M
Premissa Menor S-M S-M M-S M-S
Conclusão S-P S-P S-P S-P

5.2. Da validade dos silogismos categóricos


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O conhecimento e identificação das formas válidas de silogismo é de extrema


importância para determinar qual das proposições é a conclusão de um argumento quanto não há
nenhuma palavra indicadora explícita. Pelo Princípio da Caridade, num conjunto de proposições
consistente num argumento e nenhuma das proposições é a conclusão, deve-se escolher como
conclusão aquela proposição que torna o argumento válido.

Os escolásticos formularam oito regras para verificar a validade dos silogismos (L.
Liard, Lógica, p. 45):

1) Terá o silogismo três termos, o médio, o grande e o pequeno; “Terminus esto triplex, medius,
majorque, minorque”;

2) A conclusão nunca deve conter o termo médio; “Nequaquam medium capiat conclusio faz est”;

3) O termo médio deve ser tomado pelo menos uma vez em toda a sua extensão; “Aut semel aut
iterum medius generaliter esto”;

4) Nenhum termo deve ser mais extenso na conclusão do que nas premissas; “Latius hunc
(terminum) quam proemissae conclusio non vult”;

5) Se as duas premissas forem negativas, nada se poderá concluir; “Utraque si praemissa neget nil
inde sequetur”;

6) Duas premissas afirmativas não podem produzir uma conclusão negativa; “Ambae affirmantes
nequeunt generare negantem”;

7) A conclusão sempre acompanha a parte mais fraca: a premissa particular ou negativa; “Pejorem
sequitur semper conslucio partem”;

8) Nada se conclui de duas premissas particulares; “Nil sequitur geminis ex particularibus


unquam”.

Mais modernamente, identificaram-se três regras são bem mais simples e fáceis de
aplicar que as oito regras listadas acima. A validade dos silogismos categóricos também pode ser é
aferida pelo atendimento concomitante às três seguintes regras, que afastam os casos de possíveis
falácias existenciais (fazer afirmações particulares sobre coisas que não existem):

Regras para aferir a validade dos silogismos categóricos


1 O termo médio – M – deve estar distribuído uma vez
2 Nenhum termo extremo – tanto S quanto P – deve estar distribuído apenas uma vez
3 O número de premissas negativas deve ser igual ao número de conclusões negativas.

As regras acima foram montadas excluindo os casos que envolvem falácias existenciais.

Das 64 combinações possíveis apenas 15 formas de silogismo categórico são válidas


sem correr risco de falácia existencial. Outras 9 formas, tomadas cautelas adicionais, afasta-se a
possibilidade de falácia existencial e poderão ser usados de forma válida. Na primeira parte deste
estudo, não serão tratados os silogismos que exigem prova de que alguma classe (S, M ou P,
dependendo do caso) seja não vazia para funcionar validamente.
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5.2.1. Análise dos silogismos categóricos com Diagramas de Venn

Os “Diagramas de Venn” foram concebidos por volta de 1880 por John Venn (1834-
1923) e são usados para mostrar graficamente todas as possíveis relações entre uma finita coleção
de conjuntos. Por meio destes diagramas podem-se ilustrar exemplos simples de relações lógicas
por meio de curvas planas fechadas, de modo que cada uma representa um conjunto, tornando
possível visualizar graficamente as interseções, uniões, inclusões ou exclusões entre os conjuntos.
Cada elemento representado no interior de uma curva pertence ao conjunto definido por esta curva.
Assim, duas dessas curvas que não se tocam e estão fora uma da outra representam conjuntos que
não têm elemento comum; se não se tocam e uma está dentro da outra, simboliza que o conjunto
representado pela curva interna está contido no representado pela linha externa. Espaço
compartilhado por duas dessas curvas (interseção) contém elementos comuns aos dois conjuntos,
cada um representado por uma curva. Os diagramas de Venn, embora seja simples a construção
para dois ou três conjuntos, trazem crescentes dificuldades práticas quando se tenta usá-los para um
número maior.

A representação por diagramas de Venn é usada em vários campos científicos,


permitindo identificar visualmente as relações de pertença, continência ou disjunção entre
elementos dos conjuntos ou mesmo os conjuntos tomados em suas totalidades.

Os diagramas de Venn encontram campo de utilização na análise dos silogismos


categóricos por propiciarem uma visualização das relações lógicas e são, por este motivo, de valia
para a discriminação dos argumentos válidos dos inválidos.

Região “1”: não-P, S e não-M;


Região “2”: P, S e não-M;
Região “3”: P; não-S e não-M;
Região “4”: não-P, S e não-M;
Região “5”: P, S e M;
Região “6”: P; não-S e M;
Região “7”: não-P; não-S e M.

Será adotada a convenção de quando das premissas puder ser excluída a existência de
elemento em qualquer das regiões numeradas de “1” a “7”, a área correspondente será sombreada.
Outra convenção será usar um “x” para indicar que há pelo menos um ou algum elemento na área
onde colocado. Quando houver necessidade de marcar algum elemento e não houver certeza de
onde, colocar um “x” oscilante entre as duas regiões. Se uma região está sem sombreado e sem “x”
não será considerada um conjunto vazio, mas interpretada de modo a admitir a possibilidade de
haver algum elemento naquela área.

Tipo A Todo o conjunto “S” está inserido no


Todo “S” é “P” conjunto “P”. No exemplo, o conjunto das
“Toda baleia é mamífero” baleias está contido no conjunto dos
mamíferos.
Tipo E A interseção entre “S” e “P” é conjunto
Nenhum “S” é “P” vazio. No exemplo, de fato, não há baleia
“Nenhuma baleia é peixe” que seja peixe.
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30

Tipo I Existe pelo menos um elemento do


Algum “S” é “P” conjunto “S” que também faz parte do
“Alguma planta é comestível” conjunto “P”, designado por “x” no
diagrama. No exemplo, na interseção entre
o conjunto das plantas e o conjunto das
coisas comestíveis há, por exemplo, alface.
Tipo O Existe pelo menos um elemento do
Algum “S” não é “P” conjunto “S” que não pertence ao conjunto
“Alguma planta não é comestível” “P”, designado por “x” no diagrama. No
exemplo, cicuta é planta venenosa, logo,
não comestível.

5.2.2. Formas válidas de silogismos categóricos

Os escolásticos desenvolveram palavras artificiais para exprimir as 24 formas válidas,


sendo que para 9 delas será necessário admitir condição adicional para torna-las
inquestionavelmente válidas. A tabela abaixo mostra todas as formas válidas (15) e as que, ainda
que cobrando uma condição adicional para evitar a chamada falácia existencial, são também válidas
(9 formas). Essas 9 formas são válidas desde que fosse seja provado que as classes a que referem
não são conjuntos vazios, evitando que certos absurdos pudessem afirmados acerca de objetos que
não existem, tais como marcianos, unicórnios, cavalos alados e outros objetos mitológicos ou
quiméricos.

Nos nomes das figuras, as três primeiras vogais, por sua vez, indicam na ordem em que
aparecem os tipos dos enunciados – A, E, I ou O – da 1ª premissa, da 2ª premissa e da conclusão.
Nos exemplos, o termo médio, para facilitar entendimento, está em negrito.

1ª figura 2ª figura 3ª figura 4ª figura

Premissa maior MP PM MP PM

Premissa menor SM SM MS MS

Conclusão SP SP SP SP

Sem possibilidade BARBARA AAA-1 CESARE EAE-2 DATISI AII-3 CALEMES AEE-4
de falácia
CELARENT EAE-1 CAMESTRE AEE-2 DISAMIS IAI-3 DIMATIS IAI-4
existencial
DARII AII-1 BAROCO AOO-2 BOCARDO OAO-3 FRESISON EIO-4
FERIO EIO-1 FESTINO EIO-2 FERISON EIO-3

Com possibilidade BARBARI AAI-1 CAMESTROS AEO-2 DARAPTI AAI-3 BAMALIP AII-4
de falácia CESARO EAO-2
CELARONT EAO-1 FELAPTON EAO-3 CALEMOS AEO-4
existencial
FESAPO EAO-4

As formas com possibilidade de falácia existencial podem ser usadas validamente desde
que prova da existência, dependendo do caso, de algum S, M ou P.

5.2.2.1 Silogismos categóricos sem risco de falácia existencial


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BARBARA (AAA-1)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo M é P Md A Pnd 1 Ok
Todo S é M Sd A Mnd 2 Ok
Todo S é P Sd A Pnd 3 Ok
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em ‘4’ e
M – termo médio ‘7’. A 2ª premissa exclui a existência de elementos em
P – termo maior ‘1’ e ‘2’. Logo, o que sobra de S, a região ‘5’ é comum
com P, mostrando que o argumento é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os mamíferos são animais Md A Pnd 1 Ok
Todos os cães são mamíferos Sd A Mnd 2 Ok
Todos os cães são animais Sd A Pnd 3 Ok

CELARENT (EAE-1)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum M é P Md E Pd 1 Ok
Todo S é M Sd A Mnd 2 Ok
Nenhum S é P Sd E Pd 3 Ok
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos nas
M – termo médio regiões ‘5’ e ‘6’. A 2ª premissa exclui a existência de
P – termo maior elementos nas regiões ‘1’ e ‘2’. Logo, os conjuntos S e P
não têm elementos comuns, mostrando que o argumento
é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum molusco tem penas Md E Pd 1 Ok
Todo caramujo é molusco Sd A Mnd 2 Ok
Nenhum caramujo tem penas Sd E Pd 3 Ok

DARII (AII-1)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo M é P Md A Pnd 1 Ok
Algum S é M Snd I Mnd 2 Ok
Algum S é P Snd I Pnd 3 Ok
ARMADILHAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM
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S – termo menor A 1ª premissa faz por excluir a existência de


M – termo médio elementos nas áreas ‘4’ e ‘7’. Da premissa 2 tem-se
P – termo maior que há elemento em ‘5’, o que faz por confirmar a
conclusão.

Atentar que, como a 2ª premissa é do tipo I (afirmativa particular). Se for verdadeira está
confirmando a existência de algum elemento em S.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os cães têm pelo Md A Pnd 1 Ok
Alguns animais de estimação são cães Snd I Mnd 2 Ok
Alguns animais de estimação têm pelo Snd I Pnd 3 Ok

FERIO (EIO-1)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum M é P Md E Pd 1 Ok
Algum S é M Snd I Mnd 2 Ok
Algum S não é P Snd O Pd 3 Ok
S – termo menor Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas
M – termo médio áreas ‘5’ e ‘6’. Da premissa ‘2’ tem-se que há
P – termo maior elemento em ‘4’, confirmando a conclusão.

Atentar que, como a 2ª premissa é do tipo I (afirmativa particular). Se for verdadeira está
confirmando a existência de atividades.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum trabalho é brincadeira Md E Pd 1 Ok
Algumas atividades são trabalho Snd I Mnd 2 Ok
Algumas atividades não são brincadeira Snd O Pd 3 Ok

CESARE (EAE-2)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum P é M Pd E Md 1 Ok
Todo S é M Sd A Mnd 2 Ok
Nenhum S é P Sd E Pd 3 Ok
ARMADILHAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM
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S – termo menor A 1ª premissa faz por excluir a existência de elementos


M – termo médio nas áreas ‘5’ e ‘6’. Da 2ª premissa tem-se que não há
P – termo maior elemento em ‘1’ e ‘2’, o que faz por confirmar a
conclusão, pois os conjuntos S e M são disjuntos.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhuma aranha tem 6 patas Pd E Md 1 Ok
Todo inseto tem 6 patas Sd A Mnd 2 Ok
Nenhum inseto é aranha Sd E Pd 3 Ok

CAMESTRE (AEE-2) - (Notar a semelhança com CALEMES (AEE-4))

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo P é M Pd A Mnd 1 Ok
Nenhum S é M Sd E Md 2 Ok
Nenhum S é P Sd E Pd 3 Ok
S – termo menor A 1ª premissa faz por excluir a existência de
M – termo médio elementos nas áreas ‘2’ e ‘3’. Da premissa 2 tem-se
P – termo maior que não há elemento em ‘4’ e ‘5’, o que faz por
confirmar a conclusão, pois os conjuntos S e P são
disjuntos.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo rato é vertebrado Pd A Mnd 1 Ok
Nenhum molusco é vertebrado Sd E Md 2 Ok
Nenhum molusco é rato Sd E Pd 3 Ok

BAROCO (AOO-2)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo P é M Pd A Mnd 1 Ok
Algum S não é M Snd O Md 2 Ok
Algum S não é P Snd O Pd 3 Ok
S – termo menor A 1ª premissa faz por excluir a existência de
M – termo médio elementos nas áreas ‘2’ e ‘3’. Da 2ª premissa tem-se
P – termo maior que há elemento em ‘1’, pois a região ‘2’ já foi
eliminada. Logo, confirma-se a conclusão, pois há
objeto que não é ferramenta.

Atentar que, como a 2ª premissa é do tipo O (negativa particular). Se for verdadeira está
confirmando a existência de elemento em S.
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Premissas e conclusão Esquema Regras


Todas as ferramentas têm utilidade Pd A Mnd 1 Ok
Alguns objetos não têm utilidade Snd O Md 2 Ok
Alguns objetos não são ferramentas Snd O Pd 3 Ok

FESTINO (EIO-2)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum P é M Pd E Md 1 Ok
Algum S é M Snd I Mnd 2 Ok
Algum S não é P Snd O Pd 3 Ok
S – termo menor A 1ª premissa faz por excluir a existência de
M – termo médio elementos nas áreas ‘5’ e ‘6’. Da 2ª premissa tem-se
P – termo maior que há elemento em ‘4’, pois a região ‘5’ já foi
eliminada. Logo, confirma-se a conclusão, pois há
elemento na região ‘4’, que pertence a S e não
pertence a P.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum trabalho é brincadeira Pd E Md 1 Ok
Algumas atividades são brincadeira Snd I Mnd 2 Ok
Algumas atividades não são trabalho Snd O Pd 3 Ok

DATISI (AII-3)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo M é P Md A Pnd 1 Ok
Algum M é S Mnd I Snd 2 Ok
Algum S é P Snd I Pnd 3 Ok
S – termo menor A 1ª premissa faz por excluir a existência de
M – termo médio elementos nas áreas ‘4’ e ‘7’. Da premissa 2 tem-se
P – termo maior que há elemento em ‘5’, já que ‘4’ foi excluída pela
1ª premissa. E o elemento de ‘5’ está contido em P
também, confirmando a conclusão.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os cães têm pelo Md A Pnd 1 Ok
Alguns cães são animais de estimação Mnd I Snd 2 Ok
Alguns animais de estimação têm pelo Snd I Pnd 3 Ok

DISAMIS (IAI-3)
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Premissas e conclusão Esquema Regras


Algum M é P Mnd I Pnd 1 Ok
Todo M é S Md A Snd 2 Ok
Algum S é P Snd I Pnd 3 Ok
S – termo menor Da 1ª premissa, tem-se que pode haver elementos em
M – termo médio ‘5’ e ‘6’. Da segunda premissa, resta que não há
P – termo maior elementos em ‘6’ e ‘7’. Logo, há elemento em ‘5’,
confirmando a conclusão, que pertence a S e P ao
mesmo tempo.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Algumas plantas são comestíveis Mnd I Pnd 1 Ok
Todas as plantas são seres vivos Md A Snd 2 Ok
Alguns seres vivos são comestíveis Snd I Pnd 3 Ok

BOCARDO (OAO-3)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Algum M não é P Mnd O Pd 1 Ok
Todo M é S Md A Snd 2 Ok
Algum S não é P Snd O Pd 3 Ok
S – termo menor Da 1ª premissa, tem-se que pode haver elementos
M – termo médio em ‘4’ e ‘7’. A 2ª premissa faz por excluir a
P – termo maior existência de elementos nas áreas ‘6’ e ‘7’. Como a
região ‘7’ foi excluída, tem-se que há elemento em
‘4’, que pertence ao conjunto S e não pertence ao
conjunto P.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Alguns roqueiros não têm tatuagem Mnd O Pd 1 Ok
Todos os roqueiros são humanos Md A Snd 2 Ok
Alguns humanos não têm tatuagem Snd O Pd 3 Ok

FERISON (EIO-3)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum M é P Md E Pd 1 Ok
Algum M é S Mnd I Snd 2 Ok
Algum S não é P Snd O Pd 3 Ok
S – termo menor Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas
M – termo médio áreas ‘5’ e ‘6’. Da premissa ‘2’ tem-se que há
P – termo maior elemento em ‘4’, pertencente ao conjunto S e não
pertencente ao conjunto P.
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Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum trabalho é brincadeira Md E Pd 1 Ok
Alguns trabalhos são atividades Mnd I Snd 2 Ok
Algumas atividades não são brincadeira Snd O Pd 3 Ok

CALEMES (AEE-4)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo P é M Pd A Mnd 1 Ok
Nenhum M é S Md E Sd 2 Ok
Nenhum S é P Sd E Pd 3 Ok
S – termo menor A 1ª premissa faz por excluir a existência de
M – termo médio elementos nas áreas ‘2’ e ‘3’. Da 2ª premissa tem-
P – termo maior se que não há elemento em ‘4’ e ‘5’, o que faz por
confirmar a conclusão, porque os conjuntos S e P
são disjuntos.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo rato é vertebrado Pd A Mnd 1 Ok
Nenhum vertebrado é molusco Md E Sd 2 Ok
Nenhum molusco é rato Sd E Pd 3 Ok

DIMATIS (IAI-4)

Premissas e conclusão Esquema Regras


Algum P é M Pnd I Mnd 1 Ok
Todo M é S Md A Snd 2 Ok
Algum S é P Snd I Pnd 3 Ok
S – termo menor Da 1ª premissa, podemos concluir que, em tese, há
M – termo médio elementos em ‘5’ e ‘6’. A 2ª premissa faz por excluir a
P – termo maior existência de elementos nas áreas ‘6’ e ‘7’. Só pode
haver, então, elemento em ‘5’, que pertence aos
conjuntos S e P ao mesmo tempo, o que faz por
confirmar a conclusão.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Alguns animais de estimação são cães Pnd I Mnd 1 Ok
Todos os cães são providos de pelo Md A Snd 2 Ok
Alguns animais providos de pelo são de estimação Snd I Pnd 3 Ok

FRESISON (EIO-4)
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Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum P é M Pd E Md 1 Ok
Algum M é S Mnd I Snd 2 Ok
Algum S não é P Snd O Pd 3 Ok
S – atividades Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas
M – trabalho áreas ‘5’ e ‘6’. Da 2ª premissa tem-se que há
P – brincadeira elemento em ‘4’, fora do conjunto P, confirmando
a conclusão.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhuma brincadeira é trabalho Pd E Md 1 Ok
Alguns trabalhos são atividades Mnd I Snd 2 Ok
Algumas atividades não são brincadeira Snd O Pd 3 Ok

5.2.3. Exemplos analisados de silogismos categóricos

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os mamíferos são animais Md A Pnd 1 Ok
Todos os cães são mamíferos Sd A Mnd 2 Ok
Todos os cães são animais Sd A Pnd 3 Ok
S – cães A 1ª premissa exclui a existência de elementos em ‘4’
M – mamíferos e ‘7’. A 2ª premissa exclui a existência de elementos
P – animais em ‘1’ e ‘2’. Logo, como só os cães estão todos na
região “5” e esta região é comum com os mamíferos,
o argumento é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum molusco tem penas Md E Pd 1 Ok
Todo caramujo é molusco Sd A Mnd 2 Ok
Nenhum caramujo tem penas Sd E Pd 3 Ok
S – caramujo A 1ª premissa exclui a existência de elementos nas
M – molusco regiões ‘4’ e ‘7’. A 2ª premissa exclui a existência de
P – ter penas elementos nas regiões ‘1’ e ‘2’. Como não há
elementos nas regiões ‘2’ e ‘5’, realmente caramujo
não tem penas: o argumento é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os cães têm pelo Md A Pnd 1 Ok
Alguns animais de estimação são cães Snd I Mnd 2 Ok
Alguns animais de estimação têm pelo Snd I Pnd 3 Ok
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S – animais A 1ª premissa faz por excluir a existência de elementos


estimação nas áreas ‘4’ e ‘7’. Da premissa 2 tem-se que há
M – cães elemento em ‘5’, o que faz por confirmar a conclusão.
P – ter pelo Logo, o argumento é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum trabalho é brincadeira Md E Pd 1 Ok
Algumas atividades são trabalho Snd I Mnd 2 Ok
Algumas atividades não são brincadeira Snd O Pd 3 Ok
S – atividades Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
M – trabalho ‘5’ e ‘6’. Da premissa ‘2’ tem-se que há elemento em
P – brincadeira ‘4’, confirmando a conclusão. Logo, o argumento é
válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhuma aranha tem 6 patas Pd E Md 1 Ok
Todo inseto tem 6 patas Sd A Mnd 2 Ok
Nenhum inseto é aranha Sd E Pd 3 Ok
S – inseto A 1ª premissa faz por excluir a existência de
M – 6 patas elementos nas áreas ‘5’ e ‘6’. Da premissa 2 tem-se
P – aranha que não há elemento em ‘1’ e ‘2’, o que faz por
confirmar a conclusão, pois os conjuntos de insetos e
aranhas são disjuntos, fazendo com que o argumento
seja válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo rato é vertebrado Pd A Mnd 1 Ok
Nenhum molusco é vertebrado Sd E Md 2 Ok
Nenhum molusco é rato Sd E Pd 3 Ok
S – molusco A 1ª premissa faz por excluir a existência de
M – vertebrado elementos nas áreas ‘2’ e ‘3’. Da 2ª premissa tem-se
P – rato que não há elemento em ‘4’ e ‘5’, o que faz por
confirmar a conclusão, pois os conjuntos de moluscos
e ratos são disjuntos. Logo, o argumento é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os cães são mamíferos – notar que esta é a premissa menor Sd A Mnd 1 Ok
Todos os mamíferos são animais – notar que esta é a premissa maior Md A Pnd 2 Ok
Todos os cães são animais Sd A Pnd 3 Ok
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S – cães Da 1ª premissa exclui-se a existência de elementos


M – mamíferos nas áreas ‘1’ e ‘2’. Da 2ª premissa exclui-se a
P - animais existência de elementos nas áreas ‘4’ e ‘7’. Como só
há cães na região “5” e esta região é comum com os
mamíferos, o argumento é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os quacres são pacifistas Md A Pnd 1 Fura
Nenhum general é quacre Sd E Md 2 Fura
Nenhum general é pacifista Sd E Pd 3 Ok
S – general Da 1ª premissa exclui-se a existência de elementos nas
M – quacre áreas ‘4’ e ‘7’. Da 2ª premissa exclui-se a existência
P - pacifista de elementos nas áreas ‘4’ e ‘5’. Como a região ‘2’
não foi excluída, pode haver general pacifista. Logo, o
argumento é inválido.

Segue o contraexemplo: exatamente o mesmo argumento com premissas verdadeiras


e conclusão evidentemente falsa.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo aracnídeo tem 8 patas - V Md A Pnd 1 Fura
Nenhum crustáceo é aracnídeo - V Sd E Md 2 Fura
Nenhum crustáceo tem 8 patas - F Sd E Pd 3 Ok
Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o
S – crustáceo argumento é inválido.
M – aracnídeo
P – 8 patas

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os lógicos são matemáticos Pd A Mnd 1 Ok
Alguns filósofos não são matemáticos Snd O Md 2 Ok
Alguns filósofos não são lógicos Snd O Pd 3 Ok
Da 1ª premissa exclui-se a existência de elementos nas
S - filósofo áreas ‘2’ e ‘3’. Da 2ª premissa fica certo existir
M - matemático elemento ‘X’ na área ‘1’. Logo, há filósofo não lógico e
P - lógico o argumento é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todas as plantas verdes têm clorofila Sd A Mnd 1 Fura
Algumas coisas contendo clorofila são comestíveis Mnd I Pnd 2 Fura
Algumas plantas verdes são comestíveis Snd I Pnd 3 Ok
ARMADILHAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM
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S – plantas verdes Da 1ª premissa exclui-se a existência de elementos nas


M – clorofila áreas ‘1’ e ‘2’. Da 2ª premissa pode haver elemento ‘X’
P – comestível em ‘5’ e/ou ‘6’. O argumento é inválido porque não
restou excluída a possibilidade de todas as plantas
comestíveis estarem na região ‘6’ e a região ‘5’ ser
subconjunto vazio. Ou seja, não foi excluída a hipótese
lógica de que todas as plantas verdes estivessem em ‘4’
e fossem não comestíveis. Logo, o argumento é
inválido.

Segue o contraexemplo: exatamente o mesmo argumento com premissas verdadeiras e


conclusão evidentemente falsa.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todas os coelhos são animais velozes Sd A Mnd 1 Fura
Alguns animais velozes são cavalos Mnd I Pnd 2 Fura
Alguns coelhos são cavalos Snd I Pnd 3 Ok
S – coelhos Da 1ª premissa exclui-se a existência de elementos nas
M – animais velozes áreas ‘1’ e ‘2’. Da 2ª premissa pode haver elemento –
P – cavalos cavalo – ‘X’ em ‘5’ e/ou ‘6’. O argumento é inválido
porque não restou excluída a possibilidade de todos os
coelhos estarem na área ‘4’ – como de fato – e a região
‘5’ ser subconjunto vazio porque coelho não é cavalo.
Logo, o argumento não é válido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Alguns neuróticos não são ajustados Snd O Md 1 Ok
Alguns ajustados não são ambiciosos Mnd O Pd 2 Ok
Alguns neuróticos não são ambiciosos Snd O Pd 3 Fura
S - neuróticos Pela premissa 1, ‘X’ – neurótico – pode estar nas áreas
M – ajustados ‘1’ e/ou ‘2’. A premissa 2 diz que ‘Y’- ajustados – pode
P – ambiciosos estar nas áreas ‘4’ ou ‘7’. Para termos certeza da
conclusão, teria de haver com certeza algum elemento
nas regiões ‘1’. Mas, como não foi excluída a hipótese
lógica de os neuróticos todos estarem na área ‘2’, o
argumento é inválido.

Segue o contraexemplo: exatamente o mesmo argumento com premissas verdadeiras e


conclusão evidentemente falsa.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Alguns crustáceos não são comestíveis - V Snd O Md 1 Ok
Alguns comestíveis não têm 8 patas - V Mnd O Pd 2 Ok
Alguns crustáceos não têm 8 patas - F Snd O Pd 3 Fura
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S – crustáceos Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o


M – comestíveis argumento é inválido.
P – 8 patas

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todas as pinturas de real valor artístico são puros estudos de formas Sd A Mnd 1 Fura
Todas as pinturas abstratas são puros estudos de formas Pd A Mnd 2 Fura
Todas as pinturas que têm real valor artístico são abstratas Sd A Pnd 3 Ok
Da 1ª premissa exclui-se a existência de elementos nas
S – real valor áreas ‘1’ e ‘2’. Da 2ª premissa exclui-se a existência de
M – est. formas elementos nas áreas ‘2’ e ‘3’. Como a região ‘4’ não
P – abstratas está logicamente excluída, pode haver pintura com real
valor artístico e não ser abstrata, argumento é inválido.

Segue o contraexemplo: exatamente o mesmo argumento com premissas verdadeiras e


conclusão evidentemente falsa.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os cães são mamíferos -V Sd A Mnd 1 Fura
Todos os humanos são mamíferos - V Pd A Mnd 2 Fura
Todos os cães são humanos - F Sd A Pnd 3 Ok
Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o
S – cães argumento é inválido.
M – mamíferos
P – humanos

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os músicos profissionais de rock são cabeludos Md A Pnd 1 Fura
Nenhum presidente de banco é músico profissional Sd E Md 2 Fura
Nenhum presidente de banco é cabeludo Sd E Pd 3 Ok
S – Presidente de Da 1ª premissa tem-se que não há elemento nas áreas ‘4’
banco e ‘7’. Da 2ª premissa tem-se que não há elemento nas
M – Músico áreas ‘4’ e ‘5’. Logo, como a região “2” não está
profissional sombreada, pode haver presidente de banco que seja
P - Cabeludos cabeludo, o que confronta a conclusão. Logo, o
argumento é inválido.

Segue o contraexemplo: exatamente o mesmo argumento com premissas verdadeiras e


conclusão evidentemente falsa.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os aracnídeos têm 8 patas - V Md A Pnd 1 Fura
Nenhum crustáceo é aracnídeo - V Sd E Md 2 Fura
Nenhum crustáceo tem 8 patas - F Sd E Pd 3 Ok
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S - crustáceo Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo,


M - aracnídeo argumento inválido.
P - 8 patas

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os atos legítimos são atos que promovem o interesse geral Pd A Mnd 1 Ok
Nenhum ato que interfira na conduta motivada pelo interesse pessoal é um Sd E Md 2 Ok
ato que promove o interesse geral
Nenhum ato que interfira na conduta motivada pelo interesse pessoal é Sd E Pd 3 Ok
legítimo
S - Ato que interfira Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
na conduta motivada “2” e “3”. Da 2ª premissa tem-se que não há elemento
pelo interesse nas áreas ‘4’ e ‘5’. Logo, como não há elemento nas
pessoal áreas ‘2’ e ‘5’, o argumento é válido.
M - Interesse geral
P - Ato legítimo

Alterada a forma de organizar, mas usando os mesmos termos resta num argumento
inválido:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os atos que promovem o interesse geral são legítimos Md A Pnd 1 Fura
Nenhum ato que interfira na conduta motivada pelo interesse pessoal é um Sd E Md 2 Fura
ato que promove o interesse geral
Nenhum ato que interfira na conduta motivada pelo interesse pessoal é Sd E Pd 3 Ok
legítimo
S - Ato que interfira Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
na conduta motivada “4” e “7”. Da 2ª premissa tem-se que não há elemento
pelo interesse pessoal nas áreas ‘4’ e ‘5’. Logo, como a área “2” não está
M - Interesse geral sombreada, pode haver ato legítimo que interfira na
P - Ato legítimo conduta motivada pelo interesse pessoal, o que
confronta a conclusão. Logo, o argumento é inválido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Algumas pessoas com elevados proventos são sagazes investidores Mnd I Snd 1 Fura
Todos os atletas profissionais têm elevados proventos Pd A Mnd 2 Fura
Alguns investidores sagazes são atletas profissionais Snd I Pnd 3 Ok
S Sagazes Da 2ª premissa tem-se que não há elemento nas áreas ‘2’
investidores e ‘3’. Da 1ª premissa “x” pode estar na região “4” ou
M Elevados “5”. Só que não se pode excluir a possibilidade de todos
proventos investidores sagazes estarem todos na região “4”. Logo
P Atletas o argumento é inválido.
profissionais

Segue o contraexemplo: exatamente o mesmo argumento com premissas verdadeiras e


conclusão evidentemente falsa.
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Premissas e conclusão Esquema Regras


Alguns que seres aquáticos são peixes - V Mnd I Snd 1 Fura
Todas as baleias são seres aquáticos - V Pd A Mnd 2 Fura
Alguns peixes são baleias - F Snd I Pnd 3 Ok
S peixes Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o
M Seres aquáticos argumento é inválido.
P Baleias

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os cães são mamíferos - V Pd A Mnd 1 Fura
Todos os gatos são mamíferos - V Sd A Mnd 2 Fura
Todos os gatos são cães - F Sd A Pnd 3 Ok
S - Gatos É trivial: as premissas são verdadeiras e a conclusão é
M - Mamíferos falsa, logo, o argumento é inválido.
P - Cães Analisando o Diagrama, da 1ª premissa tem-se que não
há elemento nas áreas ‘2’ e ‘3’. Da 2ª premissa tem-se
que não há elemento em ‘1’ e ‘2’. Como a área ‘4’ não
foi eliminada, pode haver gato que não seja cão – o que
fato, o argumento é inválido.

Premissas e conclusão (exemplo extraído do Copi) Esquema Regras


Todos os artistas são ególatras Md A Pnd 1 Ok
Alguns artistas são pobres Mnd I Snd 2 Ok
Alguns pobres são ególatras Snd I Pnd 3 Ok
S - Pobres Da 1ª premissa: não há elementos nas áreas ‘4’ e ‘7’.
M – Artistas Da 2ª premissa há elemento “x” está na região “´5”, o
P – Ególatras que significa que há pobre ególatra e artista. Logo, o
argumento é válido.

Premissas e conclusão (exemplo extraído do Copi) Esquema Regras


Todos os grandes cientistas são formados em universidades Pd A Mnd 1 Fura
Alguns atletas profissionais são formados em universidades Snd I Mnd 2 Fura
Alguns atletas profissionais são grandes cientistas Snd I Pnd 3 Ok
S - Atleta Da 1ª premissa: não há elementos nas áreas ‘2’ e ‘3’.
M – Formados Da 2ª premissa pode haver elemento “x” nas áreas ‘4’
P – Cientista ou ‘5’. Logo, todos os “x” podem estar em “4” e não
haver atleta profissional grande cientista. Logo, o
argumento é inválido.

Segue o contraexemplo: exatamente o mesmo argumento com premissas verdadeiras e


conclusão evidentemente falsa.
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14jun21
44

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todos os peixes são seres aquáticos - V Pd A Mnd 1 Fura
Alguns mamíferos são seres aquáticos - V Snd I Mnd 2 Fura
Alguns mamíferos são peixes - F Snd I Pnd 3 Ok
S - Mamíferos Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o
M - Seres aquáticos argumento é inválido.
P - Baleia

Premissas e conclusão (exemplo extraído do Copi) Esquema Regras


Todo homem bem sucedido é profundamente interessado no seu trabalho Pd A Mnd 1 Ok
Nenhum homem que esteja profundamente interessado no seu trabalho se Md E Sd 2 Ok
distrai facilmente quando trabalhando
Nenhum homem que se distrai facilmente quando está trabalhando é um Sd E Pd 3 Ok
homem bem sucedido
S - Distrai facilmente Da 1ª premissa: não há elementos nas áreas ‘2’ e ‘3’.
M - Interessado Da 2ª premissa tem-se que não há elemento nas áreas ‘4’
P - Bem sucedido e ‘5’. Como há elementos em ‘2’ e ‘3’, não há homem
bem sucedido distraído, o argumento é válido.

5.2.4. Falácias relacionadas aos silogismos categóricos

5.2.4.1. Falácia dos quatro termos

Num silogismo categórico válido aparecem exatamente três termos – S, M e P –, cada


um dos quais deve ter o mesmo significado durante toda a elaboração do argumento. A conclusão
do silogismo categórico afirma uma relação entre dois termos – menor e maior – e é evidente que a
conclusão somente sustenta-se se cada um dos termos dela relaciona-se em bases iguais com o
terceiro termo – médio. Se as premissas não afirmassem esta relação estritamente, não seria lícito
estabelecer conexão pertinente entre os dois termos da conclusão e esta não estaria necessariamente
implicada.

A falácia dos quatro termos surge se um termo é empregado em diferentes sentidos num
mesmo argumento. Argumentos falaciosos deste gênero são bastante comuns e, geralmente, o
termo médio é o que figura com dois significados, um quanto relacionado com o termo maior na
primeira premissa e outro quando interagindo com o termo menor na segunda premissa. Notar que
há ambiguidade nos sentidos que a mesma expressão assume nas duas vezes em que aparece no
argumento.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Pernas curtas é sintoma de nanismo (doença) - V Md A Pnd 1 Ok
Toda mentira tem pernas curtas - V? Sd A Mnd 2 Ok
Portanto, a mentira tem sintoma de nanismo - F Sd A Pnd 3 Ok

É um silogismo aparentemente válido (verifique trocando S por cães; M por mamíferos


e P por animais). Diga-se aparentemente por que o significado da locução ‘pernas curtas’ muda. Na
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14jun21
45

1ª premissa é usada com o significado de ‘não ir longe’. Ou seja, a primeira premissa poderia ser
reescrita como: “toda mentira não vai longe”. Na 2ª premissa, a expressão ‘pernas curtas’ designa
membros inferiores menores que o normal. Observe-se que se for atribuído o mesmo sentido à
expressão ‘pernas curtas’ nas duas premissas, uma delas é falsa.

S - mentira Se a expressão “pernas curtas” fosse unívoca teríamos


M - pernas curtas um silogismo válido, por conta de a área 5 ser comum
P - sintoma de nanismo a “S” e “P”.

Trocando-se no argumento acima os termos ‘mentira’ por ‘cães’; ‘pernas curtas’ por
‘mamíferos’ e ‘sintoma de nanismo’ por ‘animais’ verifica-se que o silogismo, com a ambiguidade
extirpada, é válido.

Copi16 refere a um interessante exemplo de argumento japonês usado na década de 30


para a ‘pacificação’ da China.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todas as tentativas para pôr fim às hostilidades são esforços que devem Md A Pnd 1 Ok
ser aprovados por todas as nações - V
Todas as atividades atuais do Japão, na China, são tentativas para pôr fim Sd A Mnd 2 Ok
às hostilidades - V?
Portanto, todas as atividades atuais do Japão, na China, são esforços que Sd A Pnd 3 Ok
devem ser aprovados por todas as nações - V?
S - atividades atuais do Se a expressão ‘tentativas de pôr fim às hostilidades
Japão, na China fosse unívoca teríamos um silogismo AAA-1, por
M - tentativas de pôr conta de a área 5 é comum a “S” e “P”.
fim às hostilidades
P - esforços que devem
ser aprovados

É um silogismo aparentemente AAA-1, forma a priori válida. Entretanto, a expressão


“Tentativas para pôr fim às hostilidades” muda. Na 1ª premissa é usada com a acepção de negociar
paz para, de boa-fé colocar fim a conflitos; muito louvável. Na 2ª premissa, a expressão “Todas as
atividades atuais do Japão, na China” – vale dizer atividades beligerantes do Japão, na China – é
identificada inteiramente com “Tentativas para pôr fim às hostilidades” Observe-se que se for
atribuído o mesmo sentido à expressão “Tentativas para pôr fim às hostilidades” nas duas
premissas, uma delas é falsa.

5.2.4.2. Termo médio não distribuído

No silogismo categórico, o termo médio desempenha importante papel de relacionar o


termo maior com o termo menor. Daí é fundamental que o termo médio, pelo menos em uma das
duas vezes que aparece, deve estar distribuído para que o sujeito ou predicado da conclusão esteja
relacionado com toda a classe por ele designada. Caso contrário, cada um dos dois termos S e P,
tomado isoladamente, poderia estar relacionado com partes diferentes da classe definida pelo termo

16
Introdução à Lógica, p. 184
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M. Assim, para que o termo médio interligue as classes definidas pelos termos S e P, é necessário
que a totalidade da classe definida pelo termo M seja mencionada em pelo menos uma das
premissas de modo distribuído.

Tome-se, por exemplo, o silogismo abaixo, no qual, tanto as premissas quanto a


conclusão são verdadeiras. Entretanto, analisando-se melhor vê-se que é inválido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo inseto tem 6 patas - V Pd A Mnd 1 Fura
Todo besouro tem 6 patas - V Sd A Mnd 2 Fura
Logo, todo besouro é inseto - V Sd A Pnd 3 Ok
S – besouro Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas ‘2’ e
M – 6 patas ‘3’. Da premissa ‘2’ tem-se que não há elementos em ‘1’ e
P – inseto ‘2’. Na natureza, todos os besouros (insetos com 6 patas)
estão na área ‘5’. Entretanto, não está excluída a
possibilidade lógica, em função do tipo de argumento
usado, de haver elementos na área ‘4’, o que faz o
argumento ser inválido.

Alterando-se no argumento ‘besouro’ para ‘mosquito’, mantendo-se ‘6 patas’ como


termo médio e ‘inseto’ para ‘vespa’ tem-se um contraexemplo mostrando que o argumento é
inválido:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Toda vespa tem 6 patas - V Pd A Mnd 1 Fura
Todo mosquito tem 6 patas - V Sd A Mnd 2 Fura
Logo, todo mosquito é vespa - F Sd A Pnd 3 Ok
S – mosquito Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o
M – 6 patas argumento é inválido.
P – vespa

Alterando-se mais uma vez, agora ‘mosquito’ para ‘anarquista’, ‘6 patas’ para
‘revolucionário’ e ‘vespa’ para ‘comunista’ fica:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo comunista é revolucionário - V? Pd A Mnd 1 Fura
Todo anarquista é revolucionário - V? Sd A Mnd 2 Fura
Logo, todo anarquista é comunista - V? Sd A Pnd 3 Ok
S – anarquista Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
M – revolucionário ‘2’ e ‘3’. Da premissa ‘2’ tem-se que não há elementos
P – comunista em ‘1’ e ‘2’. Mas pode haver anarquista tanto em ‘4’
quanto em ‘5’. Se houver pelo menos um anarquista em
‘4’, ele não será comunista, o que leva a ser o
argumento inválido.

5.2.4.3. Ilícito maior


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Esta falácia formal está relacionada com violação à regra que diz: qualquer termo
distribuído na conclusão deve estar distribuído nas premissas. Uma proposição que apresenta um de
seus termos distribuído diz mais sobre a classe designada por esse termo que outra proposição que
uma que traz o mesmo termo não distribuído. A falácia do ilícito maior acontece quando o termo
maior está distribuído na conclusão, mas está não-distribuído na premissa maior, fazendo com que
a conclusão vá além do que contido na premissa maior, tornando o argumento inválido. E, então,
será um argumento inválido aquele em que a conclusão for além ou afirmar mais do que esteja
contido ainda que implicitamente nas premissas.

O silogismo categórico a seguir tem premissas e conclusão verdadeiras, mas analisado


mostrar-se-á ser inválido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Toda aranha é aracnídeo - V Md A Pnd 1 Fura
Nenhum crustáceo é aranha - V Sd E Md 2 Fura
Logo, nenhum crustáceo é aracnídeo - V Sd E Pd 3 Ok
S – crustáceo Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
M – aranha ‘4’ e ‘7’. Da premissa ‘2’ tem-se que não há elementos
P – aracnídeo em ‘4’ e ‘5’. Na natureza, como crustáceo não é
aracnídeo, fica implicado ser a área ‘2’ um
subconjunto vazio. Mas não está excluída a
possibilidade lógica de haver elemento na área ‘2’, o
que leva a ser o argumento inválido.

Alterando-se no argumento ‘crustáceo’ para ‘escorpião’, mantendo-se ‘aranha’ como


termo médio e mantendo-se ‘aracnídeo’ como termo maior tem-se um contraexemplo mostrando
que o argumento é inválido:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo aranha é aracnídeo - V Md A Pnd 1 Fura
Nenhum escorpião é aranha - V Sd E Md 2 Fura
Logo, nenhum escorpião é aracnídeo - F Sd E Pd 3 Ok
S – escorpião Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o
M – aranha argumento é inválido.
P – aracnídeo

Analise-se o contraexemplo a seguir, que usa a mesma forma de argumentar:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo paulista é brasileiro - V Md A Pnd 1 Fura
Nenhum mineiro é paulista - V Sd E Md 2 Fura
Logo, nenhum mineiro é brasileiro - F Sd E Pd 3 Ok
S – mineiro Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo
M – paulista o argumento é inválido.
P – brasileiro
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5.2.4.4. Ilícito menor

Esta falácia decorre de violação à mesma regra mencionada para o ilícito maior:
qualquer termo distribuído na conclusão deve estar distribuído nas premissas. Na falácia do ilícito
menor ocorre de o termo menor estar distribuído na conclusão e não-distribuído na premissa menor.
A conclusão, então e tal qual acontece na falácia do ilícito maior, afirmará além do que contido na
premissa menor, tornando o argumento inválido.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo inseto é animal - V Md A Pnd 1 Fura
Todo inseto é artrópode - V Md A Snd 2 Fura
Todo artrópode é animal - V Sd A Pnd 3 Ok
S – artrópode Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
M – inseto ‘4’ e ‘7’. Da premissa ‘2’ tem-se que não há elementos
P – animal em ‘6’ e ‘7’. Na natureza, todos os animais estão
distribuídos nas áreas ‘2’, ‘3’ e ‘5’, com o subconjunto
definido pela área ‘1’ sendo vazio. Mas, logicamente,
não está descartada a possibilidade de o subconjunto
definido pela área ‘1’ ser vazio, o que leva a ser o
argumento inválido.

Segue um contraexemplo, usando a mesma forma de argumentar:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo inseto tem 6 patas - V Md A Pnd 1 Fura
Todo inseto é artrópode - V Md A Snd 2 Fura
Todo artrópode tem 6 patas - F Sd A Pnd 3 Ok
S – artrópode Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o
M – inseto argumento é inválido.
P – 6 patas

Mais um contraexemplo:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo comunista é revolucionário - V? Md A Pnd 1 Fura
Todo comunista é opositor do capitalismo - V? Md A Snd 2 Fura
Todo opositor do capitalismo é revolucionário - V? Sd A Pnd 3 Ok
S – opositor ao capital Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
M – comunista ‘4’ e ‘7’. Da premissa ‘2’ tem-se que não há elementos
P – revolucionário em ‘6’ e ‘7’. Mas pode haver opositor ao capitalismo em
‘1’, o que leva a ser o argumento inválido.

5.2.4.5. Premissas exclusivas

Esta modalidade de falácia ocorre quando da violação à regra que diz: duas premissas
negativas sempre conduzem a uma inferência inválida. Qualquer premissa negativa – tipos E ou O
– promove a negação de uma inclusão de classe afirmando que todos ou alguns membros de uma
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classe estão excluídos da totalidade da outra classe. A premissa maior negativa opera a exclusão de
parte da classe referida pelo termo maior da classe referida pelo termo médio, ou vice versa; a
premissa menor negativa fará, mutatis mutandis, o mesmo com relação às classes referidas pelos
termos menor e médio. Então, a dedução de qualquer tipo de relação – afirmativa ou negativa –
entre os termos maior e menor torna-se impossível.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum aracnídeo tem 6 patas - V Md E Pd 1 Fura
Nenhum crustáceo é aracnídeo - V Sd E Md 2 Ok
Logo, nenhum crustáceo tem 6 patas - V Sd E Pd 3 Fura
S – crustáceo Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
M – aracnídeo ‘5’ e ‘6’. Da 2ª premissa tem-se que não há elementos
P – 6 patas em ‘4’ e ‘5’. Mas como a área ‘2’ não está excluída, o
silogismo é inválido. Na natureza a área ‘2’ é um
subconjunto vazio. O silogismo parece funcionar, mas é
inválido.

Segue um contraexemplo, usando a mesma forma de argumentar:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum mosquito é aracnídeo - V Md E Pd 1 Fura
Nenhum escorpião é mosquito - V Sd E Md 2 Ok
Logo, nenhum escorpião é aracnídeo - F Sd E Pd 3 Fura
S - escorpião Trivial: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Logo o
M - mosquito argumento é inválido.
P - aracnídeo

Outro contraexemplo:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhum brasileiro é argentino - V Md E Pd 1 Fura
Nenhum portenho é brasileiro - V Sd E Md 2 Ok
Logo, nenhum portenho é argentino - F Sd E Pd 3 Fura
S – portenho Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
M – brasileiro ‘5’ e ‘6’. Da 2ª premissa tem-se que não há elementos
P – argentino em ‘4’ e ‘5’. Mas como a região ‘2’ não está excluída
pode haver – a rigor, há – portenho argentino, o que
leva a ser o argumento inválido.

5.2.4.6. Premissas afirmativas / conclusão negativa

Esta falácia advém da violação da regra que afirma: duas premissas afirmativas não
podem produzir uma conclusão negativa. Assim é porque para haver exclusão de classes num
silogismo categórico é necessário que uma das premissas seja negativa. Se nas premissas
afirmativas os predicados – termo maior e termo menor, respectivamente – não estão distribuídos e
na conclusão negativa o predicado – termo maior – sempre está, tem-se que o termo maior na
conclusão é mais extenso que na premissa maior, fazendo com que a inferência categórica negativa
na conclusão não possa advir licitamente de duas premissas afirmativas, que sempre asseveram
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14jun21
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inclusão de classes.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo inseto tem 6 patas - V Md A Pnd 1 Ok
Todo mosquito é inseto - V Sd A Mnd 2 Fura
Logo, nenhum mosquito tem 6 patas - F Sd E Pd 3 Fura
Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
S - mosquito ‘4’ e ‘7’. Da 2ª premissa tem-se que não há elementos
M - inseto em ‘1’ e ‘2’. Então, todos os elementos do conjunto do
P - 6 patas termo menor – mosquito - estão em ‘5’, área
pertencente também ao conjunto dos animais que têm 6
patas. Logo, o argumento é inválido porque a conclusão
afirmativa – tipo E, no caso – é falsa.

Outro contraexemplo:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Todo inseto tem 6 patas - V Md A Pnd 1 Ok
Alguns artrópodes são insetos - V Snd I Mnd 2 Fura
Logo, nenhum artrópode tem 6 patas - F Sd E Pd 3 Fura
Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
S - artrópode ‘4’ e ‘7’. Da 2ª premissa tem-se que há pelo menos um
M - inseto elemento – X – na área ‘5’. Se há elemento na área ‘5’,
P - 6 patas a conclusão é falsa. Se a conclusão é falsa, o
argumento seja inválido. De fato, na natureza os insetos
estão todos na área ‘5’.

5.2.4.7. Premissa negativa / conclusão afirmativa

Uma premissa afirmativa diz que uma classe está total ou parcialmente contida numa
segunda classe. Assim, para implicar uma conclusão afirmativa as duas premissas têm de afirmar a
inclusão de classes e a inclusão de classes só pode advir de proposições afirmativas. Em resumo, a
conclusão sempre acompanha a parte mais fraca: a premissa negativa ou a particular e, se qualquer
das premissas do silogismo for negativa, a conclusão não poderá ser afirmativa, mas tão-somente
negativa também. Será, então, inválido o silogismo se afirmativa a conclusão advinda no caso em
que uma das premissas é negativa, pois, a premissa negativa quebra a inclusão de classe necessária
à produção de uma conclusão afirmativa.

Premissas e conclusão Esquema Regras


Toda pessoa honesta paga imposto - V Md A Pnd 1 Fura
Nenhuma pessoa honesta sonega - V Md E Sd 2 Fura
Logo, algumas pessoas que sonegam pagam imposto - V? Snd I Pnd 3 Fura
Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
S - sonegar ‘4’ e ‘7’. Da 2ª premissa tem-se que não há elementos
M - pessoa honesta em ‘4’ e ‘5’. Da forma como construído o argumento,
P - pagar imposto não está excluída a possibilidade de todas as pessoas
que sonegam estarem na região ‘1’, o que leva a ser o
argumento inválido.
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Outro contraexemplo:

Premissas e conclusão Esquema Regras


Nenhuma pessoa sorridente é mal paga - V Md E Pd 1 Ok
Todos os banqueiros são pessoas sorridentes -V Sd A Mnd 2 Fura
Logo, todos os banqueiros são mal pagos - F Snd A Pnd 3 Fura
Da 1ª premissa tem-se que não há elementos nas áreas
S - banqueiro ‘5’ e ‘6’. Da 2ª premissa tem-se que não há elementos
M - pessoa sorridente em ‘1’ e ‘2’. Da forma como construído o argumento,
P - mal pago os banqueiros estão distribuídos nas áreas ‘4’ e ‘7’ e
todos fora do conjunto dos mal pagos. Argumento
inválido.

5.2.4.8. Falácia existencial

Não é silogismo categórico sempre válido aquele que tenha duas premissas universais
convergindo em uma conclusão particular. Viu-se que alguns argumentos são considerados
inválidos por conta de que exigiam que as classes referidas pelos termos não fossem conjuntos
vazios.

Uma proposição particular (tipo I: “algum marciano é nascido em Marte” ou O: “algum


marciano não é nascido na Terra”) é interpretada como afirmando a existência efetiva de uma
classe particular (ao dizer que “existe algum marciano, podemos até dar nome a ele, mesmo não o
conhecendo pessoalmente). Por isto, em alguns silogismos para que sejam incontestavelmente
válidos, é preciso fazer uma premissa adicional no sentido de provar a existência de, pelo menos
um, elemento na classe. Já uma proposição universal (tipo A: “todo marciano é nascido em Marte”
ou E: “nenhum marciano é nascido na Terra”), por sua vez, pode ser interpretada como verdadeira
mesmo dispondo indistintamente sobre uma classe de objetos inexistentes.

Em matemática existe uma noção primordial: antes de qualquer coisa, sob pena de
haver definição autocontraditória, deve-se provar que existe algo que satisfaça à definição
envolvida em qualquer dedução. Por exemplo, suponha-se que ‘n’ é o ‘maior número natural’.
Então, ‘n’ só pode valer 1, pois, se assim não for, como ‘n2 > n’, temos contradição em relação à
afirmativa de que ‘n’ é o ‘maior número natural’. É falha irremediável usar qualquer propriedade de
‘n’, o ‘maior número natural’, até que se prove a existência dele. De fato, ‘n’, o ‘maior número
natural’ não existe.

Assim, inferir a existência de uma classe específica a partir de afirmações particulares


pode levar a concluir sobre algo que seja coisa nenhuma. Daí advém a regra que é silogismo
inválido aquele que tem conclusão particular inferida a partir de premissas universais.

São 9 os silogismos que podem levar a falácias existenciais, caso não se prove a
existência de algum elemento em alguma das classes, dependendo do caso.

Nesses 9 casos, há que se fazer prova de que existe pelo menos um elemento de alguma
classe (S, M ou P) e, caso tomada a adequada cautela, os silogismos serão válidos. É importante
deixar anotado que as três regras não serão usadas porque são aptas apenas quando não há
possibilidade de falácia existencial, que pode acontecer quando a conclusão é proposição do tipo I
ou O e as duas premissas são tipo A ou E.
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BARBARI (AAI-1)

Premissas e conclusão Esquema


Todo M é P Md A Pnd
Todo S é M Sd A Mnd
Algum S é P + prova da existência de pelo menos um elemento de S Snd I Pnd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em
M – termo médio ‘4’ e ‘7’. A 2ª premissa exclui a existência de
P – termo maior elementos em ‘1’ e ‘2’. Logo, se for provada a
existência de pelo menos um elemento na classe S
(pelo menos um elemento em ‘5’), estará afastada a
falácia existencial e o silogismo será válido.

Premissas e conclusão
Todo nascido em Marte é extraterrestre
Todo marciano é nascido em Marte
Algum marciano é extraterrestre (desde que haja marciano)

Premissas e conclusão
Todo nascido na Terra é terráqueo
Todo ser humano é ser nascido na Terra
Algum ser humano é terráqueo (desde que haja ser humano)

CELARONT (EAO-1)

Premissas e conclusão Esquema


Nenhum M é P Md E Pd
Todo S é M Sd A Mnd
Algum S não é P + prova da existência de pelo menos um elemento de S Snd O Pd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em ‘5’ e
M – termo médio ‘6’. A 2ª premissa exclui a existência de elementos em
P – termo maior ‘1’ e ‘2’. Logo, se for provada a existência de pelo
menos um elemento na classe S (pelo menos um
elemento em ‘4’), estará afastada a falácia existencial e
o silogismo será válido.

Premissas e conclusão
Nenhum nascido em Marte é terráqueo
Todo marciano é nascido em Marte
Algum marciano não é terráqueo (desde que haja marciano)

Premissas e conclusão
Nenhum terráqueo é marciano
Todo nascido na Terra é terráqueo
Algum nascido na Terra não é marciano (desde que haja nascido na Terra)
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CAMESTROS (AEO-2)

Premissas e conclusão Esquema


Todo P é M Pd A Mnd
Nenhum S é M Sd E Md
Algum S não é P + prova da existência de pelo menos um elemento de S Snd O Pd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em ‘2’ e
M – termo médio ‘3’. A 2ª premissa exclui a existência de elementos em
P – termo maior ‘4’ e ‘5’. Se for provada a existência de pelo menos um
elemento na classe S (pelo menos um elemento em ‘1’),
estará afastada a falácia existencial e o silogismo será
válido.

Premissas e conclusão
Todo nascido na Terra é terráqueo
Nenhum marciano é terráqueo
Algum marciano não é nascido na Terra (desde que haja marciano)

Premissas e conclusão
Todo nascido em Marte é marciano
Nenhum ser humano é marciano
Algum ser humano é não nascido em Marte (desde que haja ser humano)

CESARO (EAO-2)

Premissas e conclusão Esquema


Nenhum P é M Pd E Md
Todo S é M Sd A Mnd
Algum S não é P + prova da existência de pelo menos um elemento de S Snd O Pd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em ‘5’ e
M – termo médio ‘6’. A 2ª premissa exclui a existência de elementos em
P – termo maior ‘1’ e ‘2’. Logo, se for provada a existência de pelo
menos um elemento na classe S (pelo menos um
elemento em ‘4’), estará afastada a falácia existencial e
o silogismo será válido.

Premissas e conclusão
Nenhum terráqueo é nascido fora da Terra
Todo marciano é nascido fora da Terra
Algum marciano não é terráqueo (desde que haja marciano)

Premissas e conclusão
Nenhum terráqueo é marciano
Todo nascido em Marte é marciano
Algum terráqueo não é marciano (desde que haja terráqueo)

DARAPTI (AAI-3)
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Premissas e conclusão Esquema


Todo M é P Md A Pnd
Todo M é S Md A Snd
Algum S é P + prova da existência de pelo menos um elemento de M Snd I Pnd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em
M – termo médio ‘4’ e ‘7’. A 2ª premissa exclui a existência de
P – termo maior elementos em ‘6’ e ‘7’. Logo, se for provada a
existência de pelo menos um elemento na classe M
(Pelo menos um elemento em ‘5’), estará afastada a
falácia existencial e o silogismo será válido.

Premissas e conclusão
Todo marciano é extraterrestre
Todo marciano é nascido em Marte
Algum nascido em Marte é extraterrestre (desde que haja marciano)

Premissas e conclusão
Todo ser humano é terráqueo
Todo ser humano é nascido na Terra
Algum nascido na Terra é terráqueo (desde que haja ser humano)

FELAPTON (EAO-3)

Premissas e conclusão Esquema


Nenhum M é P Md E Pd
Todo M é S Md A Snd
Algum S não é P + prova da existência de pelo menos um elemento de M Snd O Pd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em ‘5’
M – termo médio e ‘6’. A 2ª premissa exclui a existência de elementos
P – termo maior em ‘6’ e ‘7’. Logo, se for provada a existência de pelo
menos um elemento na classe S (pelo menos um
elemento em ‘4’), estará afastada a falácia existencial e
o silogismo será válido.

Premissas e conclusão
Nenhum terráqueo é nascido fora da Terra
Todo marciano é nascido fora da Terra
Algum marciano não é terráqueo (desde que haja marciano)

Premissas e conclusão
Nenhum terráqueo é marciano
Todo nascido em Marte é marciano
Algum terráqueo não é marciano (desde que haja terráqueo)

BAMALIP (AAI-4)
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João Monteiro de Castro
14jun21
55

Premissas e conclusão Esquema


Todo P é M Md A Pnd
Todo M é S Md A Snd
Algum S é P + prova da existência de pelo menos um elemento de P Snd I Pnd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em
M – termo médio ‘2’ e ‘3’. A 2ª premissa exclui a existência de
P – termo maior elementos em ‘6’ e ‘7’. Logo, se for provada a
existência de pelo menos um elemento na classe M
(Pelo menos um elemento em ‘5’), estará afastada
a falácia existencial e o silogismo será válido.

Premissas e conclusão
Todo marciano é nascido em Marte
Todo nascido em Marte é extraterrestre
Algum extraterrestre é marciano (desde que haja marciano)

Premissas e conclusão
Todo ser humano é nascido na Terra
Todo nascido na Terra é terráqueo
Algum terráqueo é ser humano (desde que haja ser humano)

CALEMOS (AEO-4)

Premissas e conclusão Esquema


Todo P é M Pd A Mnd
Nenhum M é S Md E Sd
Algum S não é P + prova da existência de pelo menos um elemento de S Snd O Pd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em ‘2’
M – termo médio e ‘3’. A 2ª premissa exclui a existência de elementos
P – termo maior em ‘4’ e ‘5’. Se for provada a existência de pelo menos
um elemento na classe S (pelo menos um elemento em
‘1’), estará afastada a falácia existencial e o silogismo
será válido.

Premissas e conclusão
Todo terráqueo é nascido na Terra
Nenhum nascido na Terra é marciano
Algum marciano não é nascido na Terra (desde que haja marciano)

Premissas e conclusão
Todo marciano é nascido em Marte
Nenhum nascido em Marte é terráqueo
Algum terráqueo não é marciano (desde que haja ser terráqueo)

FESAPO (EAO-4)
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Premissas e conclusão Esquema


Nenhum P é M Pd E Md
Todo M é S Md A Snd
Algum S não é P + prova da existência de pelo menos um elemento de M Snd O Pd
S – termo menor A 1ª premissa exclui a existência de elementos em ‘5’
M – termo médio e ‘6’. A 2ª premissa exclui a existência de elementos
P – termo maior em ‘6’ e ‘7’. Logo, se for provada a existência de pelo
menos um elemento na classe M (pelo menos um
elemento em ‘4’), estará afastada a falácia existencial e
o silogismo será válido.

Premissas e conclusão
Nenhum terráqueo é nascido fora da Terra
Todo nascido fora da Terra é extraterrestre
Algum extraterrestre não é terráqueo (desde que exista nascido fora da Terra)

Premissas e conclusão
Nenhum marciano é nascido na Terra
Todo nascido na Terra é terráqueo
Algum terráqueo não é marciano (desde que haja nascido na Terra)

5.3. Falácias envolvendo confusão entre termos distribuídos e não-distribuídos

Lembrando os tipos – A, E, I e O – das proposições categóricas, é sempre necessário ter


em mente que, dependendo do caso o sujeito e o predicado podem ser universais e/ou particulares a
se ter em conta o que dizem a respeito de toda uma classe ou uma parte dela. Há casos em que
estarão referidos apenas alguns membros da classe e outros em que todos os integrantes estarão
englobados.

É preciso distinguir entre o uso coletivo e distributivo dos termos, o que às vezes
depende vitalmente do contexto. Ao se afirmar ‘os felinos são mamíferos’ normalmente interpreta-
se como ‘todo e qualquer felino é mamífero’, caso em que o termo ‘felinos’ está sendo usado
distributivamente, pois, uma propriedade está sendo atribuída a cada felino. Há, entretanto, felinos
existentes em alguns continentes que não ocorrem em outros. O tigre não existe na América do Sul,
por exemplo. Na frase ‘os felinos se distribuem por todo o planeta’ o termo ‘felinos’ está
designando uma propriedade da classe dos felinos, tomada como um todo, e não quer dizer que
todos os elementos da classe ‘felinos’ ocorrem em todas as partes do globo.

Existem propriedades das partes que também tonalizam o todo, mas não
necessariamente. Os planetas estão contidos na Via Láctea; os planetas fazem parte do Sistema
Solar, que está contido na Via Láctea. Então, a propriedade estar contido na Via Láctea é
compartilhada pelos planetas e pelo Sistema Solar. Uma máquina composta por peças leves nem
sempre pode ser reputada leve. Um carro gasta menos combustível que um ônibus, mas muito mais
combustível é gasto pelo conjunto dos carros que pelo conjunto dos ônibus. É fundamental, então,
analisar e avaliar caso a caso os argumentos, pois, a confusão entre argumentos distribuídos e não-
distribuídos pode levar à ocorrência de falácias de dois tipos: 1) das partes para com o todo, como
no exemplo das peças leves – partes – constituintes da máquina pesada – todo; 2) de um todo para o
conjunto dos todos, como no exemplo dos ônibus e automóveis quando tomados isoladamente e
quanto considerados conjuntamente.
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57

Pode acontecer o que é chamado de comportamento emergente ou propriedade


emergente quando as partes – individualmente – num sistema complexo não gozam de uma certa
propriedade que existe no todo funcionando coletivamente. O conjunto que apresenta a propriedade
emergente constitui um novo nível de evolução do sistema, pois, além de não ser a propriedade
emergente caracterizadora de qualquer das entidades em particular não pode ser prevista ou
deduzida a partir das entidades em nível mais baixo. As estruturas emergentes são encontradas em
muitos fenômenos naturais, do domínio físico ou biológico, sociais e culturais. A vida, que se
organiza a partir de átomos e converge para estruturas e processos extremamente organizadas, os
neurônios, individualmente não têm as propriedades da inteligência e consciência, que o cérebro
apresenta, a formação de preços no mercado de ações, as colônias de formigas, os enxames de
abelhas, as diversas formas assumidas pelos flocos de neve são, apesar dos níveis diferentes de
complexidade, exemplos de propriedades emergentes.

As falácias envolvendo confusão entre argumentos distribuídos e não-distribuídos


requerem cuidado especial porque existe um perigo embutido: não é raro que as premissas sejam
evidentemente verdadeiras. Entretanto, há casos em que sequer as premissas são verdadeiras,
pormenor a partir do qual se deve começar o ataque à falácia.

5.3.1. Falácia da divisão

Partindo-se do pressuposto correto de que certo espécime – ou determinado conjunto de


espécimes – tem uma determinada propriedade, conclui-se, nem sempre corretamente, que cada
parte do espécime – ou elemento do conjunto de espécimes, respectivamente – tem também esta
mesma propriedade. O erro é transferir sem maiores considerações algum atributo do todo às partes
componentes individualmente consideradas. Esta falácia está relacionada com falha no processo de
análise do todo, cuja decomposição é avaliada de forma incorreta.

Não é impossível que cada parte componente goze de alguma propriedade que seja
típica do todo. “Os humanos vivem no planeta Terra” e “Todo e qualquer humano vive no planeta
Terra” são duas afirmações perfeitamente corretas. Mas nem sempre assim acontece.

Quando se diz “O Congresso Nacional é uma organização de muito elevado prestígio”


não se autoriza concluir validamente que “Todo congressista é pessoa de elevado prestígio”.
Igualmente, é falso afirmar que “Se o cérebro humano é um conjunto de neurônios que tem as
propriedades inteligência e consciência”, então, “Todo neurônio tem inteligência e consciência”.

Alguém que diga “O bolo está com gosto de queimado porque foram usados
ingredientes com gosto de queimado” está desconsiderando a possibilidade de haver sido queimado
na hora de assar.

O questionamento apto deste tipo de argumento, quando falacioso, dá-se viavelmente


com o ataque da relação entre a afirmação e a conclusão alcançada. “A Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco produz os melhores graduandos no curso de Direito do Brasil; assim,
qualquer graduando da Faculdade de Direito do Largo de São é melhor que qualquer outro
graduando do país”. Será? É mais sensato pensar: não é porque o aluno é de boa escola – USP, no
caso – que só por isso melhor que todo e qualquer outro de outra escola. Isto sem querer ingressar
no mérito da premissa de que o Largo de São Francisco produz os melhores graduandos do Brasil.
Ou seja, sem atacar o mérito da premissa, o que poderia deixar o debate acalorado, é possível
questionar com sucesso a conclusão.
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58

Para afastar ocorrência da falácia da divisão deve-se, primeiramente, identificar


precisamente o que é o todo e quais as partes em questão; depois, mostrar que as partes não gozam
da propriedade exibida pelo todo. Dependendo do caso, uma boa saída é descrever com alguma
minúcia as partes e mostrar que nem todas as propriedades do todo estão presentes nelas.

5.3.2. Falácia da composição

Partindo-se do pressuposto correto de que as partes – constituintes de um todo ou um


conjunto específico – têm uma certa propriedade em comum, conclui-se, nem sempre corretamente,
que o todo – ou conjunto dos conjuntos específicos, respectivamente – também goza da dita
propriedade. É o inverso da falácia da divisão. Aqui o erro está em compor incorretamente, ou seja
relacionado com o processo de síntese.

Não dá para aceitar sem discutir coisas como ‘os padres fazem voto de pobreza e a
Igreja, sendo uma instituição que congrega padres, não deve, portanto, ter propriedades’ porque se
sabe que a Igreja é uma das instituições que mais propriedades tem.

Não dá para concluir que se ‘os ingredientes que estão sendo usados para fazer o bolo
são todos deliciosos, então, o bolo será delicioso também’.

Torcedores ficam exultantes quando seus times engrandecem a equipe fazendo vir
jogadores de escol. Não é raro ouvir antes do jogo algo como ‘como cada jogador do nosso time é
excelente, agora seremos imbatíveis’ e ver um monte de gente sair cabisbaixa do estádio após seu
time de astros ser fragorosamente derrotado.

A maneira de desmontar, mutatis mutandis é em essência a mesma sugerida para a


falácia da divisão.

6. Argumento indutivo

O objetivo maior dos argumentos – indutivos ou dedutivos – é estabelecer conclusões


verdadeiras com base em premissas verdadeiras.

Um detalhe fundamental, como já dito antes, é que os argumentos indutivos fornecem


conclusões que vão além do conteúdo das premissas. Tal como os argumentos dedutivos, os
argumentos indutivos também funcionam à base de premissas, que quão mais fortes são, mais
aceitável tornam a conclusão.

6.1. Indução por enumeração

É o tipo mais simples de argumento indutivo e consiste em concluir sobre todos os


elementos de uma classe à custa da elaboração de inferência sobre alguns elementos observados
dessa classe – uma amostra. Existem parâmetros técnicos para estabelecer a amostra que, mesmo
sendo numericamente muito menor que a classe de onde adveio, permite que conclusões possam ser
extraídas com elevada possibilidade de acerto. Evidentemente, como não foram observados todos
os elementos da classe descrita na conclusão, há probabilidade de serem obtidas conclusões falsas
partindo-se de premissas verdadeiras.

A regra da enumeração é a quarta das quatro regras explicitadas por René Descartes no
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59

livro O Discurso do Método para a investigação: fazer em toda parte enumerações tão completas e
revisões tão gerais, até atingir a certeza de nada omitir.

A forma geral da indução por enumeração é a seguinte:

Forma geral da indução por enumeração


P1 z% da amostra observada de F gozam da propriedade G
C Então, z% dos F apresentam a propriedade G

Quando a conclusão é tal que se propõe a descrever a totalidade da classe – “100% de F


goza da propriedade G” ou “0% de F gozam da propriedade G” – tem-se o que se chama
generalização universal. Por outro lado, quando a conclusão descreve um percentual diferente de
0% e de 100% tem-se a chamada generalização estatística.

Para ilustrar, suponha-se uma caixa cheia de bolas brancas e pretas, bastante
misturadas. Amostras são retiradas do topo, do meio e do fundo da caixa Admitamos duas
hipóteses:

1) Imaginemos que todas as bolas extraídas sejam pretas, caso em que o argumento pode ser
assim redigido nos termos de uma generalização universal:
Todas as bolas da amostra observada são pretas
Logo, todas as bolas da caixa são prestas

2) Imaginemos agora que 60% das bolas extraídas sejam pretas, caso em que o argumento pode
ser assim redigido nos termos de uma generalização estatística:
60% das bolas da amostra observada são pretas
Logo, 60% das bolas da caixa são pretas

Isto mostra que não pode ser afastado inteiramente que a indução por enumeração pode,
mesmo baseada em premissas verdadeiras – análise de amostra –, levar a conclusões falsas.
Existem técnicas estatísticas para minimizar a probabilidade da obtenção de conclusões falsas a
partir de premissas verdadeiras. Exemplificando grosseiramente: não se obterão resultados
confiáveis sobre o comportamento dos eleitores brasileiros se a amostra consistir de 10 pessoas,
entrevistadas na hora do almoço num restaurante caro. Salta aos olhos ser a amostra muito pequena
para ser exemplificativa da população do país. Mais, o país é grande e cheio de diversidades,
impondo dividir a amostra em homens e mulheres, por classe social, por faixa etária e as pessoas
consultadas escolhidas em várias cidades, não só as grandes, mas também as médias e pequenas,
sem excluir os habitantes de áreas rurais. Para se obter maior precisão, as entrevistas não podem ser
feitas só fora de casa, porque quem pouco sai de casa também vota, e nem num só horário, porque
as pessoas mais pobres têm horário rígido de trabalho e sequer saem para almoçar fora. Isto mostra
absoluta necessidade do correto dimensionamento e estratificação da amostra, bem como forma,
horário e local de inquirição dos elementos escolhidos, para se almejar obter da amostra resultados
congruentes com o universo acerca do qual se quer extrair conclusões.

6.2. O silogismo estatístico

Com base em observações de certos elementos da classe analisada, obviamente, não é


possível montar um argumento dedutivo, mas, adaptando-se o conceito, há como construir um
argumento indutivo denominado silogismo estatístico, em semelhança ao silogismo categórico que
pose ser representado da seguinte forma:
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Silogismo estatístico – forma


P1 z % de F gozam da propriedade G
P2 x pertence à classe F
C Logo, x goza da propriedade G

Inspecionando-se a forma do silogismo estatístico, vê-se que a força dele depende do


percentual de ‘z’, pois, o argumento é mais forte à medida que z aproxima-se de 100%.
Diferentemente do argumento dedutivo, a conclusão do argumento indutivo é tão mais aceitável se:

1) O argumento é formalmente correto;


2) As premissas são verdadeiras;
3) As premissas englobam todas as evidências relevantes observadas.

6.3. Falácias envolvendo argumentos estatísticos

Todo e qualquer argumento estatístico é baseado em pressupostos calcados sobre o


significado de certos termos. Deve-se prestar imensa atenção, pois, as definições utilizadas na
pesquisa podem introduzir impactos profundos nos resultados numéricos das estatísticas. Numa
pesquisa sobre desemprego, por exemplo, é fundamental descrever com muita precisão quem será
considerado desempregado. Pois é, a Constituição Federal de 1988 ao entrar em vigor trouxe o
seguinte dispositivo no artigo 7º: “XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre
aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de
aprendiz”. A Emenda Constitucional 20, de 1998, mudou a redação do dispositivo: “XXXIII -
proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a
menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”. É fácil
imaginar que a taxa de desemprego melhorou imediatamente – reduziu sem que um emprego sequer
precisasse ser criado – após a entrada em vigor da nova redação do inciso XXXIII, do artigo 7º, da
Constituição Federal.

Parcialidades podem ser introduzidas na amostra através de perguntas tendenciosas que


dirigem quem responde a alcançar certas conclusões, cuja prova se persegue através de uma “isenta
pesquisa estatística”. Por exemplo, numa pesquisa sobre armas de fogo é tendenciosa a pergunta
“Você é a favor da proibição da posse de arma de fogo para reduzir o índice de crimes violentos”
porque tende a obter respostas positivas das pessoas preocupadas com crimes violentos.

Perguntas do estilo “escolha uma das alternativas” restringem o espectro total das
possibilidades e não captam posições mistas, que não podem ser afastadas “a priori”. Estes tipos de
questionamentos tolhem as possibilidades de resposta do pesquisado, podendo dirigir a pesquisa se
contiverem falsos dilemas.

6.3.1. Falácia da evidência incompleta (amostra não representativa)

Os argumentos indutivos cujas premissas não englobam todas as evidências relevantes


observadas, requisito conhecido como evidência total, cometem a falácia da evidência incompleta.

A regra da evidência é a primeira das quatro regras explicitadas por René Descartes no
livro O Discurso do Método para a investigação: jamais dar alguma coisa por verdadeira que não
fosse evidentemente conhecida como tal, ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a
prevenção, para nada incluir que não se apresente tão clara e distintamente ao espírito, sem dar
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oportunidade de ser posta em dúvida.

Catalogar dados selecionados de forma que parecem confirmar a veracidade – ou


falsidade – de certa proposição e, ao mesmo tempo, ignorar ou excluir importante parcela de
informações que podem invalidá-la ou contradizê-la. Numa pesquisa, é crucial agir no sentido de
cumprir o requisito da evidência total: os parâmetros pesquisados são os aspectos e propriedades
efetivamente relevantes?

Muitas vezes as partes dedicam-se a uma discussão acalorada, mas estéril, sobre
detalhes envolvendo diferenças rigorosamente irrelevantes, sem atentar para o objeto como um
todo. Nunca se deve perder de vista que uma diferença é diferença somente se faz diferença.
Imagine-se uma pesquisa sobre aceitabilidade de cores cítricas para automóveis que inclui no
espaço amostral pesquisado pessoas cegas. Qualquer que seja o resultado poderá ser impingido de
questionável.

Deve ser sempre lembrado, quando a pesquisa é por entrevistas ou questionários é que
as perguntas formuladas são escolhidas entre todas as perguntas possíveis de serem feitas, as
repostas obtidas formam um subconjunto do universo das respostas possíveis e que os entrevistados
são uma amostra do grupo total pesquisado. Fácil fica ver que há possibilidade da incorporação de
erros em todas as fases, logo, os resultados obtidos devem ser analisados e ponderados com cautela
para tentar garantir que todas as particularidades do que se pesquisou esteja adequadamente nele
reproduzidas.

É comum ouvir generalidades vagas do gênero “A garota brasileira beija, em média,


setenta e nove homens antes de se casar”. Deixando de fazer maiores considerações do que
seria “beijar” e quem seria tido como “homem”, imagine-se alguém saindo às ruas para colher
entrevistas das “garotas brasileiras”, supondo até que se possa fazer uma síntese uniforme do que
seria uma “garota brasileira”. Esta pessoa abordaria mais facilmente as jovens bem vestidas vendo
vitrines num shopping center ou garotas maltrapilhas viciadas em drogas pedindo esmolas para
sustentar o vício? Existe uma tendência de se procurar as mais educadas, mais bonitas, mais bem
vestidas, ou seja, o estereótipo da que é mais típica e convencional, enfim. Isto sem dizer que
muitas “garotas brasileiras” moram em zonas rurais e de acesso mais complicado que as ruas das
grandes cidades e têm hábitos inteiramente diversos das urbanas. Isto deixa entrever, em resumo,
que para pesquisar o universo da “garota brasileira” não basta ir a uma praça de cidade grande ou
num shopping center porque várias jovens, também integrantes do conjunto “garotas brasileiras”,
estariam excluídas da pesquisa.

Em todas as pesquisas apresentadas em ocasiões nevrálgicas – eleições, por exemplo –


deveria ser rigorosamente obrigatório que a entidade responsável informasse detalhes mínimos para
permitir às pessoas avaliarem com algum conhecimento de causa a aceitabilidade do resultado17.
Assim, seria importante que fosse dado a conhecer, por exemplo: data das entrevistas; horário das
entrevistas; número de entrevistados; percentual de homens/mulheres; estratificação de classe social
da amostra; idade dos entrevistados; critério para definir classe social; local das entrevistas; mostrar
o questionário apresentado aos entrevistados; se os entrevistados receberam alguma coisa para
opinar e assim por diante.

6.3.2. Falácia da estatística insuficiente (conclusão apressada)

17
Disse o primeiro-ministro do Reino Unido Benjamin Disraeli (1804 – 1881): “There are three kinds of lies: lies, damned lies, and statistics.”
Tradução livre: Existem três tipos de mentiras: mentiras, mentiras deslavadas e estatísticas.
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É uma conclusão apressada tirada de um universo amostral quantitativamente


insuficiente para dar suporte à generalização. E para agravar, não raro a generalização advém de
dados validamente coletados acerca de um conjunto de itens e, então, a conclusão é formulada
alcançando um conjunto bem diferente.

A população pesquisada pode ser variada, caso em que maior deve ser a amostra
selecionada. É assim para haver satisfação do pressuposto da representatividade, pois, a amostra
selecionada tem de espelhar toda a população pesquisada quanto à distribuição qualitativa e
quantitativa. Na prática é dos problemas mais graves dos estatísticos assegurar a satisfação do
pressuposto da representatividade porque as populações reais podem ser menos homogêneas e mais
variadas do que se supôs originalmente. Num exame de sangue, por se saber cientificamente que a
composição química do sangue das pessoas não varia muito, uma pequena amostra é efetivamente
representativa do todo; mas, para saber o peso médio de uma manada de bois, composta de adultos
e filhotes, é preciso recorrer a um método mais elaborado. Neste caso, de pronto constata-se haver
dois estratos evidentes – adultos e filhotes com pesos médios muito diferentes – e a amostra a ser
selecionada deve representá-los equitativamente, o que obriga a escolha de uma amostra aleatória
estratificada, composta por amostras aleatórias independentes devem ser extraídas de cada estrato
da população pesquisada.

Stephen Campbell18 relata um caso emblemático. Pouco antes da eleição presidencial


americana de 1968 uma revista de larga tiragem, referindo-se a uma pesquisa conduzida por um
editor de Wisconsin, reportou que George Wallace estava favorecido na eleição na proporção de 5 a
3. E a reportagem continuava, se o Senador Eugene McCarthy não se tivesse retirado da corrida
presidencial, ele teria uma vantagem esmagadora. A revista descreveu os resultados da pesquisa
como intrigantes. E como a pesquisa fora conduzida? – perguntou-se. Parece que o dito editor de
Wisconsin tinha questionado oito – oito – homens num bar!! Evidentemente, inclusive para quem
não tem experiência em pesquisa de opinião ou estatística, uma amostra consistente de oito homens
meio bêbados num certo bar não tem a menor representatividade para espelhar a intenção de todo o
colégio eleitoral de todo os Estados Unidos.

A principal função dos procedimentos formais de estatística é auxiliar na produção de


inferências confiáveis sobre um agregado de itens de interesse, advindas de uma amostra escolhida
com critérios técnicos defensáveis. Quando regras técnicas cientificamente reconhecidas são
seguidas e precauções adequadas tomadas, as inferências produzidas podem desfrutar de alta
probabilidade de estarem corretas. Neste caso, podem ser úteis na contribuição para tomada de
decisões embasadas, com menor custo de dinheiro e tempo19.

6.3.3. Falácia da estatística tendenciosa (amostra insuficiente)

Se é importante dimensionar a amostra com um número suficiente de itens para tornar


possível uma generalização confiável, é também fundamental proteger a amostra da inclusão de
elementos que desvirtuem o resultado.

O mandamento básico é escolher uma amostra de itens aleatórios de tal forma que o
conjunto pesquisado tenda a apresentar aproximadamente as características básicas da população
inteira a ser alcançada pela generalização. Há várias técnicas científicas para orientar a forma de
escolha e dimensão numérica da amostra.

18
Flaws and Fallacies in Statistical Thinking, p. 135.
19
Flaws and Fallacies in Statistical Thinking, p. 136.
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Um dos casos mais divulgados de fiasco na escolha de amostra, segundo relato de


Stephen Campbell20, aconteceu na eleição presidencial americana de 1936. A revista “Literary
Digest”s”, que incidentalmente cessou de circular logo depois, postou 10.000.000 de cédulas e
2.300.000 retornaram. Com base nessa relativamente grande amostra, confiantemente, predisse que
Alfred M. Lanton ganharia a eleição com margem confortável. Abertas as urnas, Franklin D.
Roosevelt recebeu 60% dos votos. Tão grande discrepância entre os dados advindos da pesquisa e
os números da eleição deveu-se a que a revista enviou cédulas a nomes selecionados entre seus
assinantes, bem como de listas de proprietários de automóveis e telefones. A escolha dos
integrantes da amostra foi tal a prestigiar pessoas com maior renda, o que viciou inexoravelmente a
generalização para o eleitorado americano naquela eleição porque no ano de 1936, em meio da
Grande Depressão, havia um estreito relacionamento entre renda e preferência por partido. Detalhe
curioso: nas quatro eleições anteriores, a sepulta revista “Literaty Digest’s” usando expediente
similar havia acertado no resultado.

6.3.4. Falácia do jogador

Esta falácia ocorre quando se acredita que uma sequência de eventos, aleatórios e
independentes um dos outros, tem influência na probabilidade de acontecer o próximo evento da
série. Esta linha de pensamento é incorreta, muito embora tenha até raízes psicológicas, porque os
eventos passados não alteram a probabilidade de acontecer certo evento no futuro.

Uma moeda ‘honesta’ tem probabilidade de, quando jogada, 50% para ocorrer cara ou
coroa. Suponha uma série de 5 jogadas em que todas tenham ocorrido cara. A probabilidade de a
próxima jogada ser cara continua 50% independentemente da série anterior.

A falácia do jogador, no exemplo, envolve pensar que existe compensação entre caras e
coroas quando a série de sorteios é pequena e por isto as pessoas tendem a apostar errado no que
ocorreu menos; não é assim. A diferença entre caras e coroas tende para zero, mas quando o
número de jogadas tende para infinito.

Se a sequência anterior altera na probabilidade do próximo evento, não é o caso de se


pensar em falácia do jogador. Exemplo: sortear uma certa carta do baralho quando as sorteadas
anteriores não são repostas e nem é feito o embaralhamento das cartas restantes.

6.3.5. Outras armadilhas envolvendo referências a médias, percentuais, gráficos e


probabilidades

6.3.5.1. Médias

Existe uma piada conhecida dizendo que se você está numa espelunca tomando uma
cerveja e entra o Bill Gates para comprar um maço de cigarros, na média, instantaneamente, você
se converte em um milionário sem que um centavo sequer entre no seu bolso.

Ouve-se muito mencionar “salário médio” em publicidades, prospectos, folhetos de


vendas, sem maiores esclarecimentos de contexto ou sobre os indivíduos do grupo referido.
Primeiramente, não se mostra razoável supor que, se existe uma “média”, todos sejam iguais ou se
aproximem dela. Em segundo lugar, o termo, para ter aplicação consistente e fundamentada, deve
ser utilizado em conjunto com alguma propriedade quantificável e num contexto técnico bem

20
Flaws and Fallacies in Statistical Thinking, p. 148.
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64

definido. E, ainda que usado neste cenário, o termo “média” ainda é vago e pode conduzir a mal
entendidos graves porque, tecnicamente, há diversas modalidades de médias.

As modalidades de “média” mais comuns usadas em estatística são:


1) Média aritmética – obtida pela divisão da soma de todos os elementos de um conjunto
numérico pela quantidade de elementos. A média aritmética é o ‘centro de gravidade’ do
conjunto numérico, onde deveria ser apoiado para ficar em equilíbrio.

2) Mediana – uma vez ordenado o conjunto numérico, é o número que ocupa a posição central. Se
o número de elementos é ímpar, tanto abaixo da mediana quanto acima dela, tem-se (n – 1)/2
elementos. Se o número de elementos do conjunto é par, adota-se como mediana a média
aritmética dos dois elementos centrais e tanto, abaixo quanto acima, tem-se n/2 elementos. A
mediana é uma separatriz porque separa o conjunto numérico em duas partes, cada uma com o
mesmo número de elementos.

3) Moda – é o elemento do conjunto numérico que mais se repete. Um mesmo conjunto pode ter
mais de uma moda.

A tabela abaixo representa os gastos de um conjunto de clientes num determinado


shopping center. Observe-se como as inserções nos conjuntos – casos 1, 2 e 3 – dos clientes 6 e 7
produziram impactos substanciais cálculo da média aritmética.

Caso 1 Caso 2 Caso 3


Cliente 1 480,00 480,00 480,00
Cliente 2 480,00 480,00 480,00
Cliente 3 500,00 500,00 500,00
Cliente 4 600,00 600,00 600,00
Cliente 5 700,00 700,00 700,00
Cliente 6 - 3000,00 3000,00
Cliente 7 - - 22240,00
Média aritmética 552,00 960,00 4000,00
Mediana 500,00 550,00 600,00
Moda 480,00 480,00 480,00

Do exame dos casos 1, 2 e 3 pode-se concluir que a média aritmética dos gastos não é
adequada para ser tida como medida representativa dos três. No caso 1, em que se verifica uma
maior homogeneidade, a média aritmética, a mediana e a moda estão em patamares comparáveis. Já
nos casos 2 e 3, as introduções dos clientes 6 e 7 produzem desvios tão substanciais que
desqualificam a média aritmética como representativa. Donde se pode extrair que a média
aritmética é boa para representar o conjunto se os gastos dos clientes se distribuem mais ou menos
igualmente em torno dela. Se tal tendência central não existe, a média aritmética não serve para
representar o conjunto, tal como acontece fortemente no caso 2 e radicalmente no caso 3.

6.3.5.2. Percentuais

O percentual ou percentagem é um vocábulo advindo do latim “per centum”, cuja


tradução é “a cada centena”, e consiste numa fração com denominador 100 (cem), servindo como
modo de expressar uma relação entre dois valores, um sendo a parte e o outro o todo.

O valor percentual entre dois valores é obtido pela multiplicação da fração, cujo
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numerador é a parte e o denominador o todo, por 100 e acrescentando o sinal gráfico %. Por
exemplo, para calcular em percentual o que significa 12 pessoas num grupo de 200 pessoas: 12 /
200 x 100 % = 6%.

É muito importante quando se faz referência a algum valor percentual que se tenha uma
noção exata do que significa 100%, ou seja, o todo. Daí vem a regra de ouro para lidar com
percentuais: não adicionar, subtrair ou fazer média com percentuais a menos que esteja
absolutamente certo de que estejam relacionados todos com a mesma base. Outra particularidade é
que não é possível um decrescimento acima de 100% em situações onde as grandezas originais
sejam todas positivas.

Ano Preço (R$) Relação (%)


(2000 é o ano base)
2000 200 100
2001 300 150
2002 350 175
2003 400 200
2004 300 150
2005 200 100

Primeiramente, na tabela a terceira coluna é a relação percentual do preço anual


relacionado com o preço do ano 2000. Façamos alguns exercícios:

1) Calculemos a evolução do preço entre 2000 e 2003. Sendo o ano base 2000: (preço em 2003 –
preço 2000) / preço 2000 x 100% = (400 – 200) / 200 x 100% = 100%. Explicando: os preços
evoluíram a partir de 200 no ano base 2000 até o valor de 400, no ano de 2003. Tomando como
ano base 2000, pode-se subtrair os valores na terceira coluna da tabela para se obter a variação
percentual. É assim só porque a terceira coluna foi calculada tendo como base o valor do preço
no ano 2000.

2) Diferente será se for calculada a evolução de preço entre 2003 e 2005. Sendo o ano base 2003:
(preço em 2005 – preço 2003) / preço 2003 x 100% = (200 – 400) / 400 x 100% = –50%.
Explicando: os preços regrediram a partir de 400 no ano base 2003 para o valor de 200, no ano
de 2005. Observe-se que não é mais possível subtrair os valores apontados para os anos 2005 e
2003 da terceira coluna da tabela porque a base para calcular a variação de preços entre 2003 e
2005 é o valor de 2003 e a tabela foi construída com preço base aquele vigente no ano 2000.

3) Vamos supor que o preço caia para zero. Calculemos a evolução do preço entre esta data
hipotética e 2000: (preço na data hipotética – preço 2000) / preço 2000 x 100% = (0 – 200) /
200 x 100% = –100%. Explicando: não é possível um decrescimento acima de 100% em
situações onde as grandezas originais sejam todas positivas.

Confusões com o uso de percentuais são comuns e nem sempre usadas de boa fé por um
dos lados. Um aumento de juros de 10% para 15% não é um mero aumento de 5%, mas de: (15 –
10) / 10 x 100 % = 50%. Esta ambiguidade é evitada pelos especialistas por meio do uso da
expressão: “Os juros avançaram 5 pontos percentuais” ao invés de: “Os juros aumentaram em 5 por
cento”. Mas, convenha-se é uma sutileza bem distante do entendimento das pessoas comuns.

Existe um exemplo histórico de cálculo com percentuais, que mostra o perigo de não se
examinar com cautela a base usada para fazer as contas em contraste com a interpretação dos
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dados. O governo soviético da época de Stalin, no esforço para provar que o plano quinquenal fora
um sucesso, manejou o cálculo. Em 1928, a produção de aço da URSS era de 4,2 milhões de
toneladas. O plano quinquenal previa um aumento 6,1 milhões de toneladas, alcançando 10,3
milhões de toneladas ao final dos cinco anos. Entretanto, ao final dos cinco anos a produção
evoluiu só para magros 5,9 milhões de toneladas, ou seja, um aumento de apenas 1,7 milhões de
toneladas. Um fracasso? Não! Aprendemos a fazer “contas”.

Se o plano fosse cumprido e a meta integralmente atingida, o cálculo deveria ser feito
da seguinte maneira: (10,3 – 4,2) / (6,1) x 100% = 100%; explicando: o aumento de produção
alcançado (10,3 milhões de toneladas em 1933 menos os 4,2 milhões de toneladas de 1928)
calculado em relação ao aumento de produção pretendido (6,1 milhões de toneladas, meta de
aumento). O que foi efetivamente alcançado (5,9 milhões de toneladas em 1933 menos as 4,2
milhões de toneladas de 1928 = 1,7 milhões de toneladas de aumento) / (6,1 milhões de toneladas,
meta de aumento) x 100% = 27,9%; explicando: o aumento de produção alcançado nos cinco anos
(1,7 milhões de toneladas) em relação ao aumento de produção perseguido – 6,1 milhões de
toneladas.

O cálculo foi maquiado da seguinte forma: (5.9 / 10,3 x 100% = 57,3%); “explicando”:
tomaram como base a produção que pretendiam alcançar ao fim dos cinco anos e a usaram como
base (10,3 milhões de toneladas) e fizeram a conta com a produção que eles efetivamente
alcançaram (5,9 milhões de toneladas). Esta maneira de calcular leva a absurdos interessantes, pois,
se não houvesse qualquer aumento de produção, teríamos: (4,2 / 10,3 x 100% = 40,8 %). Suponha-
se que a produção tivesse regredido para 2,1 milhões de toneladas, feita a conta corretamente, teria
acontecido 50% de decréscimo: (2,1 – 4,2) / 4.2 x 100% = – 50%. Entretanto, pelo jeito de calcular
do Kremlin, ainda assim teriam alcançado algum sucesso no “cumprimento” do plano da ordem de:
2,1 / 10,3 x 100% = 20,4%; explicando: produção verificada (2,1 milhões de toneladas) dividida
pela meta fixada (10,3 milhões de toneladas) x 100%.

O uso de cálculos percentuais, mesmo feitos com critério, escondem certas


peculiaridades que cobram cautela. Observe-se a tabela abaixo envolvendo dados de dois hospitais:

Sexo Qtde operações Qtde mortes % mortes


Masculino 1500 57 3,8%
Hospital 1 Feminino 600 6 1%
Combinados 2100 63 3%
Masculino 200 8 4%
Hospital 2 Feminino 600 8 1,33
Combinados 800 16 2%

A tabela mostra resultados de cirurgias efetuadas e mortes a elas relacionadas. Qual


deles é o melhor? Conforme ficará claro, é uma decisão complicada por conta de um efeito que os
estatísticos conhecem como Paradoxo de Simpson, que é dito ocorrer quando uma tendência que
aparece em subgrupos de dados individualmente considerados e desaparece quando os subgrupos
são combinados, dando lugar a uma tendência reversa.

À primeira vista, tomando os dados consolidados – sem considerar os sexos dos


pacientes – vê-se que, em termos percentuais, o desempenho do Hospital 2 é melhor: 2% de mortes
no Hospital 2 contra 3% no Hospital 1. Entretanto, quando fracionados os grupos de pacientes por
sexo, a situação inverte-se. Considerando apenas homens, no Hospital 1 o índice de fatalidade foi
de 3,8% contra 4% no Hospital 2. Com as mulheres também: 1% de índice de fatalidade no
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Hospital 1 contra 1,33% no Hospital 2.

Nem tudo é tão técnico. Distorcer o debate com argumentos mencionando percentuais
impertinentes é comum. Um argumento bem jocoso por todos: “O Rio de Janeiro é muito menos
violento que o paraíso. Temos 6 milhões de habitantes e há 6000 homicídios por ano. No paraíso,
havia quatro habitantes. Quando Caim matou Abel, o índice de homicídios chegou a 25% da
população.” (José Siqueira da Silva, então secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro)21

6.3.5.3. Gráficos

Hoje em dia é rara uma apresentação sem gráficos: recursos cujo uso foi popularizado
pela existência de vários softwares no mercado, todos muito fáceis de serem obtidos e utilizados,
algumas vezes com a impropriedade de quem não sabe tratar tecnicamente o conjunto de dados
retratados das mais variadas e coloridas formas: pizzas, barras, linhas etc. Os gráficos podem
esconder ciladas e são potencialmente perigosos porque estimulam visual e rapidamente a plateia,
em detrimento das atividades mentais de comparação, avaliação e cálculo, mais lentas e exigentes
de conhecimentos mais aprofundados. Em função da beleza das formas e multiplicidade das cores e
efeitos, os gráficos tendem a ser autoexplicativos, podendo gerar conclusões apressadas e
direcionadas, nem sempre levando em consideração todo o conjunto de evidências disponível,
corretamente avaliado e ponderado. Nossos olhos funcionam mais depressa que nossa capacidade
de digerir e interpretar as informações e, principalmente, calcular e comparar. E pior, uma pessoa
ignorante não é capaz de tratar tecnicamente uma tabela de dados e a partir de sua análise – às
vezes árida – extrair o necessário para tomar uma decisão fundamentada, porém, é mais do que apta
a visualizar o comportamento ‘retratado’ e a partir dele posicionar-se.

A escala dos gráficos tem um papel primordial na análise e não pode ser escolhida de
maneira a, por si só, introduzir distorções nos dados apresentados. O gráfico abaixo é a variação da
inflação brasileira em percentuais, desde 1980 até 200922. Imediatamente após 1993, houve o Plano
Real que implicou no desabamento da inflação. Após este período, a escala do gráfico não permite
uma avaliação adequada da inflação. Depois de 1993, continuou havendo inflação, mas a variação
dela perde significado ante os índices enormes anteriores. Assim, este gráfico dá uma ideia boa do
que era antes de 1993, mas a escala precisa ser alterada.

O gráfico a seguir mostra a variação dos índices inflacionários após 1999 e permite a

21
As Melhores Frases em Veja, organizador: Julio Cesar de Barros, São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 73.
22
Os gráficos foram obtidos no site www.ipeadata.gov.br, pesquisa feita em 03/ago/2014.
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identificação de períodos em que a inflação cresceu ou decresceu. Salta aos olhos que houve um
‘pico’ inflacionário no segundo semestre de 2002, algo que é retratado, mas praticamente passa
despercebido no gráfico anterior.

Os três gráficos23 a seguir mostram exercícios em cima do mesmo período. Em resumo,


retratam que no ano de 2002 houve um ‘pico’. Trabalhando na escala horizontal, pode-se induzir o
leitor a pensar que a variação foi mais radical ou não. Ao aumentar a escala horizontal, sente-se que
as variações parecem mais brandas. Detalhe: é o mesmo gráfico. Ademais, o gráfico parou no ápice
da variação inflacionária, deixando quem vê pensar que a situação assim permaneceu. Não foi
assim e, ao mesmo tempo, comparando-se com o gráfico do histórico mais completo, vê-se que,
logo no ano seguinte a situação foi controlada. Ou seja, os três gráficos abaixo não são isentos.

Igualmente, não isentos são os três gráficos seguintes. Eles tendem a mostrar que o
violento aumento inflacionário foi tratado e debelado. Sem discutir a maneira de retratar o eixo
horizontal, mostrar somente a queda e não dar noção do que houve depois, é tão parcial como só
mostrar o aumento.

23
Os gráficos foram obtidos no site www.ipeadata.gov.br, pesquisa feita em 03/ago/2014
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O gráfico a seguir mostra a evolução do salário mínimo real do Brasil retratando a


evolução desde 1999 até 2013. Pode-se ver que há uma corrosão inflacionária até o próximo
aumento.

Caso haja interesse em realçar a variação, em função da corrosão inflacionária, entre


um aumento do salário-mínimo e outro, uma das maneiras e selecionar o intervalo específico, sem
dar ideia do todo. Então, uma pequena variação parece ser enorme e isto nem sempre é verdade.
Veja os gráficos a seguir, que são montagens a partir do gráfico do salário-mínimo real do Brasil,
em que a variação retratada é só de R$300,00 a R$500,00. Os dois gráficos mostram exatamente as
mesmas informações e foi aplicado o efeito de estreitar ou alargar o eixo horizontal para acentuar a
aparência das variações, artifício já mostrado no conjunto de gráficos mostrados anteriormente.
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6.3.5.4. Probabilidades

Pelo Teorema de Bayes fica revelado que a probabilidade de um evento A ocorrer se


outro evento B ocorreu não é necessariamente à probabilidade de B ocorrer se A ocorreu.
Confundir estas duas probabilidades gera toda uma constelação de erros, sendo o caso de falso
positivo em exame médico24 bastante típico e ilustrativo.

Com a evolução da medicina e a introdução de meios de alta tecnologia para detecção


da presença de doenças graves no organismo das pessoas, a problemática da análise do resultado
positivo toma ares de gravidade por conta da existência de resultado falsamente positivo, assim
entendido o exame afirmar erroneamente que a pessoa tem determinada doença. A alma do
problema é confundir duas probabilidades:
1) A probabilidade de o exame dar positivo se a pessoa estiver doente;
2) A probabilidade de a pessoa estar doente se o exame der positivo.

Para ilustrar suponhamos uma doença – que poderia ser AIDS – infectando 1 pessoa a
cada grupo de 10.000 pessoas. Suponhamos também as seguintes características para o exame que a
detecta: i) 999 resultados positivos a cada 1.000 pessoas doentes (verdadeiros positivos); ii)
praticamente zero resultado negativo avaliando pessoas doentes (falsos negativos); iii) 1 resultado
positivo a cada 1.000 pessoas não doentes (falso positivo).

Então, a cada grupo de 10.000 pessoas há uma doente e, neste mesmo grupo, há 10
pessoas sãs que se examinadas receberão o resultado positivo (falsos positivos). A probabilidade de
a pessoa não estar doente se o resultado for positivo é o número de falsos positivos dividido pelo
número de positivo, ou seja, 10/11 (aproximadamente 91%). Isto quer dizer que a probabilidade de,
no nosso exemplo, o exame dar positivo e a pessoa não estar doente é de aproximadamente 91%.
Ou seja, só 9%, aproximadamente, de probabilidade de a pessoa estar doente se o exame der

24 Para mais detalhes, consultar o capítulo 6 de O andar do Bêbado, Leonard Mlodinow, editora Zahar.
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positivo.

No nosso exemplo, então, a probabilidade é 999/1000 (99,9%) de o exame dar positivo


se a pessoa estiver doente e de 1/11 (9%, aproximadamente) de a pessoa estar doente se o exame
der positivo. É tenebrosa a confusão entre as duas probabilidades.

O caso seria bastante diferente se a incidência da doença fosse, por exemplo, 1


infectado a cada 100 pessoas da população. No grupo de 10.000 pessoas haveria 100 infectados e
ainda os 10 falsos positivos. Neste caso, a probabilidade de a pessoa não estar doente se o exame
desse positivo cairia para 10/110 (9,1% aproximadamente). Isto mostra que a taxa de incidência da
doença na população é muito importante para avaliar a gravidade de um resultado positivo.

Há mais, em exames – de imagem, por exemplo – em que a taxa de falsos negativos não
é desprezível, a situação fica mais nebulosa ainda.

6.3.5.5. Correlação não é causa

Correlação não é causa é uma sentença famosa para cientistas, ao ponto de receber uma
sigla em inglês (CINAC – correlation is not a cause), mas é raramente aplicada na linguagem do
dia a dia. Não é um conceito fácil de entender. Para tanto, há um exemplo: imagine-se num
aeroporto e vê muitas pessoas chegando, praticamente ao mesmo tempo, e se aglomerando num
certo portão de embarque, que vai ficando lotado. Então, o avião chega e os preparativos para
embarque começam. Vêm, então, as perguntas: o acúmulo de pessoas é causa de o avião chegar? A
chegada do avião é causa de as pessoas se aglomerarem no portão? A resposta a ambas as
perguntas é não, porque tanto a aglomeração de pessoas no portão, quanto a chegada do avião
dependem da tabela de partidas de aviões daquele portão.

Se os fenômenos A e B se correlacionam, então, quatro situações podem ocorrer: A


pode causar B; B pode causar A; A e B podem ser causados por uma outra causa comum C
(conforme nosso exemplo introdutório); ou a correlação pode ser um acaso estatístico, ou seja, não
é uma correlação.

A ocorrência de correlação tem grande valia como evidência científica nos mais
diversos campos da ciência, tais como: medicina, psicologia, sociologia e outros. Supor que um
fenômeno é causa de outro porque há correlação entre eles é uma falácia, assim como é falácia
descartar a correlação liminarmente como se não pudesse haver a relação de causalidade entre os
mesmos fenômenos, fazendo com que grande quantidade de evidências científicas importantes não
fossem objeto de mais detida investigação, até porque muitas evidências científicas podem ocorrer
concomitantemente.

Entender que correlação não é causa pode fazer elevar o nível do debate. O exemplo
mais notável e importante de correlação, mas a prova da causa nebulosa dizia respeito, nos anos
1950, à conexão entre tabagismo e câncer de pulmão. As estatísticas apontavam que houvera um
aumento de seis vezes na taxa de câncer de pulmão nos vinte anos anteriores. Muitos cientistas
argumentavam que o aumento da incidência de câncer de pulmão poderia ter sido resultado de
técnicas mais precisas de diagnóstico; mais poluição do ar ou mais carros nas ruas e estradas
produzindo gases nocivos; poderia ser que pessoas geneticamente predispostas a fumar fossem
mais susceptíveis a desenvolver câncer. Ninguém contestava a correlação, mas provar,
definitivamente, que o tabagismo era causa de câncer de pulmão foi tarefa árdua.
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Ou seja, a correlação, por si só, não pode ser usada como evidência para uma relação
de causa e efeito entre fenômenos, sendo esse é um dos erros mais corriqueiros, porque é fácil ceder
à conclusão prematura com base na aparência preliminar. O fato é que, identificada a correlação,
deve ser mais profundamente investigada porque pode – mas não necessariamente – haver relação
de causa e efeito entre os fenômenos.

7. Argumentos analógicos

Grande parte das inferências cotidianas são feitas com base em analogia, por meio da
qual, baseando-se em alguns aspectos – propriedades compartilhadas – de objetos diferentes,
conclui-se – inferência analógica – que são semelhantes também em outros aspectos. Ou seja, pela
analogia busca-se uma semelhança imperfeita entre dois objetos ou fenômenos diferentes.

A estrutura lógica da analogia é a seguinte:

Analogia
P1 ‘P’ e ‘Q’ são similares com relação às propriedades ‘a’, ‘b’ e ‘c’
P2 Observou-se no objeto ‘P’ também a propriedade ‘d’
C Logo, ‘Q’ também desfruta da propriedade ‘d’

Três consequências decorrem. Primeira, o argumento analógico não tenciona ser


matematicamente exato, pois, o que se quer dele é que tenha uma conclusão com alta probabilidade
de estar certa; ou seja, a conclusão de um argumento analógico nunca pode ser taxativa. Segunda, o
argumento analógico não pode ser classificado com válido ou inválido. Em terceiro lugar, é crucial
agir no sentido de cumprir o requisito da evidência total: os objetos que estão sendo comparados
são similares nos aspectos e propriedades efetivamente relevantes?

Muitas são as modalidades que se pode revestir o raciocínio analógico. Vejamos


algumas: da semelhança da função à semelhança do órgão – processo usado na biologia comparada
que revelou a semelhança entre as asas do pássaro, as barbatanas dos peixes e as pernas dos
quadrúpedes; de certa semelhança entre os efeitos à semelhança entre as causas; da semelhança na
forma exterior à semelhança entre as qualidades.

Existem três modalidades de analogia:


- “a pari”, por razão semelhante. Ex: Fulano respondeu mal à questão e recebeu nota baixa. Logo,
Beltrano, que também respondeu mal, receberá nota baixa.
- “a fortiori”, por razão mais forte. Ex: O abuso de bebidas alcóolicas é nocivo aos adultos, que
têm o organismo já formado. Logo, por razão mais forte ainda, é nocivo aos adolescentes., cujo
organismo está em desenvolvimento.
- “a contrario sensu”, por razão contrária. Ex: A falta de exercício físico (sedentarismo) é
prejudicial à saúde. Logo, exercitar-se faz bem para a saúde.

Em lógica, existe a expressão “a maiore ad minus” para designar casos em que se pode
fazer uma inferência óbvia acerca de algo precedente mais forte, em maior quantidade ou de
ordem geral para uma mais fraca ou mais limitada. Há vários casos:
- Do geral para o particular: o que vale para todas as pessoas, vale também para uma certa pessoa
em particular;
- Do maior para o menor: num canal portuário que passa cargueiro de grande porte, pode passar
também navios de pequeno porte;
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- Do todo para a parte: o artigo 1.858, do Código Civil prevê que: “O testamento é ato
personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo”, logo, se todo o testamento pode ser
alterado, com mais fundamento uma certa cláusula pode ser modificada pelo testador.
- Do mais forte para o mais fraco: uma corda de alpinista que suporta pessoas adultas de até 150
Kg pode ser usada com crianças de até 60 Kg.

Os argumentos com suporte na analogia são uma forma plausível de raciocinar e têm
grande força de persuasão porque veiculam, acerca de algo “a priori” desconhecido, comparação
com coisas que os destinatários conhecem bem ou a respeito da qual tem sentimento positivo.

Algumas vezes, as analogias são usadas de formas não-argumentativas, como por


exemplo, metáforas criadoras ou enriquecedoras de imagens literárias ou para explicar coisa pouco
conhecida comparando-a com outra mais conhecida. Exemplificando, quando alguém diz “É um
segredo guardado a sete chaves”, o interlocutor lida com a imagem comparativa de algo fechado
com várias fechaduras para entender que o assunto é tratado com extrema reserva.

Então, a boa escolha a ser feita dos aspectos similares a serem comparados assume
fundamental importância para estabelecer a força de uma analogia, que, assim, aumenta
proporcionalmente na exata medida da pertinência e relevância deles. Não só, o número de
semelhanças relevantes entre as situações deve ser de tal monta que autorize a extração da
conclusão natural e razoavelmente. De todo modo, se a analogia conduzir a absurdo, deve ser
imediatamente descartada.

Num argumento envolvendo analogia deve ser preocupação saber qual é exatamente o
conjunto de proposições contidas na situação conhecida e quanto as duas situações relacionadas são
plausivelmente similares para, a partir de uma delas, concluir-se algo a respeito da outra. Os
argumentos analógicos têm um viés indutivo, pois começam com a premissa de que uma coisa goza
de uma determinada propriedade e que uma segunda e outra terceira também e assim por diante até
alcançar a conclusão de que uma “n-ésima” coisa daquele conjunto provavelmente também terá a
mesma propriedade. Exemplo: sabe-se de várias pessoas cujos carros tiveram a correia dentada do
motor do automóvel arrebentada entre 50 e 60 mil quilômetros; então, é de bom alvitre decidir
trocar a correia do carro antes de 50 mil quilômetros para evitar o atropelo de vê-la arrebentar com
o carro em movimento.

O bom uso da analogia transfere à outra parte o ônus de afastá-la ou criticá-la. Há três
maneiras básicas de questionar os argumentos fundados em analogia. A primeira é questionar a
premissa principal, ou seja, da situação original e conhecida não é plausível que advenha a
conclusão apontada. O debatedor diz: “Tal qual foi feito na crise de 199325, devemos aumentar os
juros para segurar a inflação” e o outro questiona que não foi o aumento de juros que segurou a
inflação, mas um conjunto muito mais complexo associado a condições favoráveis do mercado
internacional.

Uma segunda maneira é apontar que a analogia não funciona porque a premissa da
analogia não funciona para o caso em análise. Algo mais ou menos na direção de dizer que no
presente, diferentemente de 1993, não há mais espaço para o aumento de juros porque já estão em
patamares estratosféricos e só medidas estruturais vão funcionar.

A terceira maneira é propor uma contra analogia. Numa discussão sobre liberação de

25
O Plano Real foi introduzido na economia brasileira em 1993.
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verbas, por exemplo, alguém pode dizer: “O lado A deve ser beneficiado porque se compara aos
heróis que lutaram pela nossa independência” ao passo que o oponente diz: “O lado B deve ser
beneficiado porque é tal qual os mártires da revolução, que morreram em batalha para o bem do
país.” No curso do debate, ambas as partes podem fazer analogias no sentido de endossar, cada um,
a sua conclusão perseguida e, ao mesmo tempo, contestar a analogia do oponente, transferindo de
volta o ônus argumentativo para a outra parte.

No direito brasileiro, a analogia desempenha importante papel. Vejamos alguns


exemplos:

Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução às Normas do


Direito Brasileiro
“Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.”

Código Tributário Nacional


“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a
legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
(...)
§1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em
lei.
(...)”

Código de Processo Penal


“Art. 3o A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica,
bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.”

No campo penal, a analogia é sistematicamente vedada em todo caso que venha ser
desfavorável ao réu em função de vigorar o princípio "nullum crimen, nulla poena sine lege",
estampado no inciso XXXIX, do art. 5º, da Constituição Federal nos seguintes termos: “XXXIX -
não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Ou seja, só se
pode reputar crime a conduta expressamente descrita como tal em lei que exista previamente à
prática dela e, se houver crime, a pena a ser eventualmente aplicada deve estar dentre as previstas
em lei para punir aquele específico fato típico.

Na biologia, um exemplo bem conhecido está no trecho a seguir, tirado do livro A


Origem das Espécies, de Charles Darwin, quando construindo a teoria da evolução:

“A analogia me faz dar um passo a mais, a saber, o que leva à crença de que todos os
animais e plantas descenderam de algum protótipo. A analogia pode, contudo, ser um
guia enganoso. Mesmo assim, todas as coisas vivas têm muito em comum... Por
conseguinte, devo inferir, a partir da analogia, que provavelmente todos os seres
orgânicos que já viveram nesta terra descenderam de alguma forma primordial única, na
qual a vida foi pela primeira vez infundida.”

7.1. Falácias relacionadas com a analogia

7.1.1. Falácia da falsa analogia


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Estabelecer paralelo entre objetos e situações por meio de propriedades que não podem
ser tomadas como parâmetros de comparação leva à produção da falácia da falsa analogia. A
cautela manda que se preste muita atenção nas comparações feitas na vida cotidiana. Quanta gente
já saiu catastroficamente ferida com arrazoados parecidos ao que se segue: “O cãozinho da Flávia é
semelhante a este: mesma raça, porte e olhar atento; o cãozinho da Flávia é dócil; logo, este cão é
dócil também”.

A má escolha das propriedades a serem comparadas produz as conclusões mais


absurdas. Com base no conhecido modelo do átomo com elétrons girando em torno de um núcleo
mais pesado e comparando-se com o sistema solar que afirma os planetas girando em torno do sol,
conclui-se: “Como os elétrons podem mudar de um orbital para outro os planetas, similarmente,
podem pular de uma órbita para outra”.

Como proteção contra a falácia da falsa analogia, além do questionamento das


premissas, não se deve deixar também de avaliar a amostra escolhida pelo proponente para fazer as
comparações, se tem dimensionamento adequado. Se na minha cidade, o vento noroeste é sempre
indício de tempestade, não é porque estou numa cidade diferente e começa a soprar o vento
noroeste que posso concluir pela tempestade iminente. Mas não basta, é necessário que o número
de propriedades semelhantes escolhidas para comparar não destrua as possibilidades de fazer
alguma analogia segura e fundamentada. Se escolher cor apenas, pode-se fazer analogia entre
cegonha e leite, ambos brancos. Por fim, as semelhanças eleitas para serem comparadas devem ser
relevantes. Se assim não for, quem teve uma decepção amorosa com uma namorada que enfeitava o
cabelo com uma flor, pode pensar que outra moça, por quem está interessado e que também enfeita
o cabelo uma flor, pode vir a ser sua desgraça.

Falsas analogias insustentáveis não são raras e são defendidas ardorosamente à revelia
de algum detalhe fundamental. Imagine-se um aluno levantando polêmica para defender consulta a
material acadêmico ou mesmo não acadêmico durante as provas. Defende ele: “Se os advogados e
juízes consultam seus códigos e livros para elaborarem suas manifestações no processo; os
engenheiros, mestres de obras e pedreiros recorrem às plantas para erguerem os prédios; os médicos
levam as radiografias e exames para auxiliá-los durante as cirurgias. Então, durante o curso tenho
direito a fazer minhas provas sempre com consulta a todo tipo de material”. Contrastando-se as
situações apontadas como termo de comparação, salta aos olhos que diferem de tal monta que
tornam a analogia absolutamente insustentável. Os profissionais usam meios auxiliares para melhor
aplicarem uma técnica que já dominam. Mas, detalhe fundamental, o estudante, por sua vez, está
em processo de aprendizado e domínio das competências próprias da atividade profissional,
objetivando o desenvolvimento para o exercício da profissão. Então, ao querer se comportar como
quem já domina a técnica, está extrapolando de sua peculiar e transitória condição de aluno.

7.1.2. Descida escorregadia ou cunha

A descida escorregadia tem início ao se reconhecer que duas ou mais coisas são
diferentes por uma insignificância. Dado este primeiro e convidativo passo, fica insustentável negar
aceitação a terceiro caso como também sendo ligeiramente diferente dos dois anteriores,
desaguando num processo sequencial e incontrolável que pode conduzir a uma conclusão absurda e
inaceitável. Com relação às regras morais e legais, a vagueza de certos conceitos e as nuances
envolvidas nos casos concretos dão margem a múltiplas interpretações, algumas levando a
resultados imprevistos e indesejados na medida em que o manejo de norma ou justificação para um
tipo de ação pode, se considerada naquele caso isolado, ser moralmente aceitável, mas se
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generalizada inadvertidamente pode dar suporte a atos “similares”, de todo inaceitáveis ou até
mesmo desastrosos.

A descida escorregadia é um dos argumentos manejados contra a permissão da


eutanásia para abreviar sofrimentos de pessoas doentes em estágio terminal, enfim, uma aplicação
“apropriada” por motivos humanitários. Para os opositores, a legalização da eutanásia, ante a
possibilidade da descida escorregadia, da ainda tacanha evolução do gênero humano e de várias
outras ordens de argumentos de índoles legal, social, religiosa, moral, éticos, dentre outros, dá
sinais de mais periculosidade que adequabilidade, pois, partindo de casos em que até poderia ser
defensável sua aplicação, poderia haver um incontido alargamento do conjunto de candidatos e
chegar-se à eliminação de seres humanos sãos e aptos em consequência de alguma característica
que os tornasse “uma carga” para a sociedade. No limite, os opositores acenam com a possibilidade
de surgirem pressões decorrentes da alocação – qualitativa e quantitativa – dos recursos de saúde
alcançando hipóteses – casos que, inexoravelmente, com o tempo convergirão para terminais, mas
devorando antes uma enormidade de recursos escassos – a ela passíveis de serem submetidas. O
único meio, então, de evitar a descida escorregadia é recusar a permissão à eutanásia em todo e
qualquer caso.

Muitas vezes as leis fazem opções fundadas em critérios técnicos, como limites de
velocidades, por exemplo. Mas, deixar o policial de aplicar multa àquele que foi flagrado dirigindo
a 81 Km/h, num local onde o máximo é 80 Km/h, sob o argumento de que não é adequado multar
por algo tão insignificante – 1 Km/h –, pode levar a que se aceite 82 Km/h, 83 Km/h e assim por
diante até, de pouco em pouco, chegar-se velocidades absurdas. O contra-argumento do policial é,
até concordando que 1 Km/h é praticamente insignificante, que o limite da lei pode ser arbitrário,
mas incide genericamente para todos os motoristas e, como foi desrespeitado, não há opção senão
multar. A própria legislação já prevê os casos em que a diferença das situações é relevante a ponto
de configurar-se, à luz de racionalidade, caso excepcional, a exemplo de alguém que suplanta a
velocidade máxima permitida para a via quando transportando alguém que deve ser socorrido com
urgência.

Saber negar é tão importante quanto conceder e, às pessoas que estão em posição de
mando, considerar sempre eventual negação é indispensável. Não se pode, entretanto, confundir a
negação com o modo de pronunciá-la. Em nome do dever de urbanidade, a negação deve ser
motivo de prévia reflexão e deve ser pronunciada com firmeza, mas de modo cortês para evitar se
tornar por si uma ofensa e causar mágoa desnecessária.

7.1.3. Paradoxo de Sorites

Em que momento um monte de areia deixa de sê-lo quando se removem grãos de um


em um? No sentido comum, dois ou três grãos de areia não perfazem um monte. E quatro, também
não. Por indução, se “n” grãos de areia não configuram um monte, “n+1” tampouco. Dois milhões
de grãos de areia, sim, é um monte de areia; da mesma forma, dois milhões menos um grão ainda
continua sendo um monte de areia. Igualmente por indução, se “n” grãos de areia é um monte de
areia, “n-1” grãos não deixa de continuar sendo um monte de areia. Não se pode notar que estas
situações, alcançadas por indução, são contraditórias.

Este tipo de situação recai no que é conhecido como Paradoxo Sorites. Este tipo de
paradoxo aparece quando se usa conceitos vagos. No exemplo, o paradoxo acontece porque não há
uma delimitação clara e objetiva a partir da qual certa quantidade de grãos de areia configura um
monte.
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Do mesmo modo, arrancando-se um fio de cabelo de alguém cabeludo não faz dele um
careca. Mas, dada continuidade ao processo de arrancar cabelos, em algum momento a pessoa
passará a ser qualificada de careca. Um homem de um metro e meio é baixo; é igualmente baixo
um homem com um metro, cinquenta centímetros e um milímetro. Ou seja, de modo geral, a falta
de limite claro nos termos vagos que cria a chamada “zona cinzenta” e faz da descida escorregadia
um perigo por não existir um momento específico em que possa haver a detenção do processo e
recusa em aceitar o próximo passo indutivo.

7.1.4. Efeito dominó

Nesta esteira existe também o argumento de efeito dominó que, sob a alegação da
possibilidade ou da ameaça da ocorrência de possível descida escorregadia, serve para
desaconselhar primeiros passos, sendo geralmente utilizado para obstar propostas incluindo
novidades ou modernizações, configurando uma modalidade de tática defensiva ou obstativa.

Neste tipo de argumento, as premissas são apenas prováveis, mas enunciadas como se
fossem certezas, ocultando o fato de a conclusão ser ainda menos provável que cada uma das
premissas, pois, a probabilidade de uma série de acontecimentos encadeados é sempre menor que a
probabilidade isolada de cada acontecimento. Ou seja, o que pode vir a se desenvolver não é certo
que vá efetivamente acontecer e, se assim for colocado, é que temos a falácia do efeito dominó.
Exemplificando: “Se você beber um copo de vinho, vai pedir mais um; bebidos dois copos, o
terceiro virá também; quem bebe três copos, bebe quatro e não fica em quatro; logo, se você tomar
o primeiro copo, tornar-se-á alcóolatra”.

O efeito dominó é falacioso porque acena com o estabelecimento de uma relação causal
– que não existe necessariamente – entre as premissas que convergem para a “tenebrosa”
conclusão. Na prática da vida, muitos tomam o primeiro copo e ficam nele; outros, não. Ou seja,
não é tomar o primeiro copo que fará de alguém alcoólatra, se outros componentes não estiverem
agregados. Claro que o abstêmio não corre o risco de se tornar alcoólatra, mas isto é outra conversa.

8. Proposições com operadores lógicos

Em lógica, duas proposições podem ser juntadas por meio de operadores lógicos – ou
conectivos lógicos – para formar uma proposição composta, cujo valor verdade dependerá apenas
da verdade das proposições componentes. Na linguagem natural é comum o uso de frases que
compostas por meio de conectivos lógicos formam outras, novas, diferentes e gramaticalmente
válidas. Na linguagem natural, os operadores lógicos mais usados são: “e” (conjunção), “ou”
(disjunção), “se, então” (implicação) e “se e só se” (equivalência).

Exemplificando:

1) “André entrou no carro” é afirmação pura e simples.


2) “André foi direto para casa” é afirmação pura e simples.
3) “André entrou no carro e foi direto para casa.” As proposições “1” e “2”, acima, estão
conectadas por “e”.
4) “O cardápio dizia “bebida ou sobremesa””. Se escolheu sobremesa ficou excluída a bebida e
vice-versa. Tal como redigido o cardápio uma escolha exclui a outra.
5) “Se você fizer todos os exercícios de matemática, então, poderá ir jogar bola com seus amigos.”
A recompensa ir jogar bola com os amigos está subordinada a que todos os exercícios sejam
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feitos. E se não foi jogar bola com os amigos, então, é o caso de que não fez todos os exercícios.
6) “Um número é múltiplo de cinco se e só se terminar em zero ou cinco” é exemplo de necessário
e suficiente. Se um número é múltiplo de cinco, então, termina em zero ou cinco. Se um número
termina em zero ou cinco, então é múltiplo de cinco.

8.1. Proposição conjuntiva

A forma do enunciado conjuntivo é geralmente expressa por: “p . q”, onde “p” e “q”
são proposições completas. O ponto “.” colocado entre p e q é traduzível na linguagem coloquial
por “e”.

Quanto ao enunciado conjuntivo:

1) A expressão “p . q” será verdadeira se tanto p quanto q o forem cada um isoladamente;


2) Se “p” não for verdadeiro o resultado da expressão é falso;
3) Se “q” não for verdadeiro o resultado será falso;
4) Igualmente falso será o resultado se “p” e “q” forem falsos.

p q p.q
v v v
v f f
f v f
f f f

Note, então, que “p” e “q” combinados pela forma conjuntiva formam um terceiro
enunciado independente que para ser verdadeiro tanto “p” quanto “q” devem ser verdadeiros.

Além do usual “e”, palavras como “mas”, “todavia”, “embora”, “contudo” servem para
enunciar uma conjunção e realçar o contraste entre as proposições componentes. Se dissermos
“Lincoln foi assassinado em Washington, mas Kennedy foi morto em Dallas”, verificamos que o
significado lógico é o mesmo que se tivéssemos dito, “e” ao invés de “mas”.

A conjunção simbolizada pelo “.” não tem o significado coloquial tradicional de “e


então” como acontece ao ser dito “Renata ficou grávida e casou”, caso em que “e” empregado na
construção tem um conteúdo que sugere sequência temporal dos fatos engravidar e casar.

Esta conjunção tem enorme utilidade no pensamento organizado para fazer análise
lógica de casos e suposições. O raciocínio humano, para tratar os acontecimentos do mundo, faz
uso dele para produzir uma árvore de possibilidades para depois tomar as mais variadas decisões.

Nos exemplos a seguir, suponha-se que alguém ao fazer afirmações minta na 2ª feira, 3ª feira e 4ª
feira e diga a verdade nos demais dias da semana26. Então, esta pessoa faz duas afirmações: 1) “Eu
menti ontem” e 2) “Eu mentirei amanhã”. Pergunta-se: em que dia da semana, partindo-se da
suposição, pode tal pessoa fazer estas duas declarações? No tratamento do problema há que se
montar uma árvore de possibilidades e analisá-las para afastar aquelas que não cumprem as
premissas e determinar o conjunto completo de soluções. A tabela a seguir retrata todos os casos
possíveis.

26
Problema adaptado a partir de “What is The Name of This Book”, p. 47.
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Situação Eu menti ontem Eu mentirei amanhã


Domingo fala verdade Falou verdade ontem e fala verdade hoje. Sim, mentirá amanhã. Pode ser
Contradição
2ª feira mente Falou verdade ontem e diz que mentiu. Mentirá amanhã e mente hoje. Contradição
Pode ser
3ª feira mente Mentiu ontem e mente hoje. Não pode falar Mentirá amanhã e mente hoje. Contradição
verdade. Contradição
4ª feira mente Mentiu ontem e mente hoje. Não pode falar Falará a verdade amanhã e mente hoje. Pode
verdade hoje. Contradição ser
5ª feira fala verdade Mentiu ontem e diz a verdade hoje. Pode Falará verdade amanhã e fala verdade hoje.
ser Contradição
6ª feira fala verdade Disse a verdade ontem e tem de falar Falará verdade amanhã e fala verdade hoje.
verdade hoje. Contradição Contradição
Sábado fala verdade Disse a verdade ontem e tem de falar Falará verdade amanhã e fala verdade hoje.
verdade hoje. Contradição Contradição

Pela tabela, que mostra todos os dias da semana, a pessoa só pode fazer a primeira
afirmação na 2ª feira (dia em que mente, pois, falou a verdade ontem – domingo) e na 5ª feira (dia
em que fala verdade e porque mentiu mesmo ontem – 4ª feira). Por outro lado, só na 4ª feira (dia
em que mente e falará verdade amanhã – quinta-feira) e nos domingos (dia em que fala verdade e
mentirá amanhã – segunda-feira) pode a pessoa fazer a segunda afirmativa. Assim, compostas as
soluções parciais, verifica-se que não há dia da semana que esta pessoa poderá fazer as duas
afirmativas simultaneamente sem incorrer em contradição com as premissas apresentadas.

A situação muda inteiramente se, mantida a suposição – mentira 2ª feira, 3ª feira e 4ª


feira e verdade nos demais dias da semana27 – pergunta-se: em que dia da semana alguém pode
fazer a seguinte afirmação: “Eu menti ontem e mentirei amanhã?” Note-se que não são mais duas
afirmações isoladas que são compostas. Isto muda tudo. A conjunção ligando as partes da
afirmação é que faz mudar tudo, pois, se qualquer uma delas é falsa o conjunto é falso.

Situação Eu menti ontem e mentirei amanhã


Domingo fala verdade Falou verdade ontem (falso) e falará verdade amanhã (falso). No todo a
frase é falsa e ele fala verdade hoje. Contradição
2ª feira mente Falou verdade ontem (mentiu hoje) e mentirá amanhã (verdade). No
todo a frase é mentirosa. Pode ser
3ª feira mente Mentiu ontem (verdade) e mentirá amanhã (verdade). A frase no todo é
verdadeira, como mente hoje, não pode falar verdade. Contradição
4ª feira mente Mentiu ontem (verdade) e falará verdade amanhã (falso). No todo a
frase é mentirosa. Pode ser
5ª feira fala verdade Mentiu ontem (verdade) e mentirá amanhã (falso). No todo a frase é
mentirosa. Contradição
6ª feira fala verdade Disse a verdade ontem (falso) e falará verdade amanhã (falso). No todo
a frase é falsa. Contradição.
Sábado fala verdade Disse a verdade ontem (falso) e falará verdade amanhã (falso). No todo
a frase é falsa. Contradição

Na 2ª feira a pessoa mente, falou verdade ontem – domingo – e mentirá amanhã – 3ª


feira – fazendo com que a afirmação composta seja falsa, o que condiz com a condição de
mentiroso dele no dia. O único dia da semana que mentiu ontem – 2ª feira – e mentirá amanhã – 4ª
feira – é 3ª feira, dia em que ele mente. Logo, não pode ser 3ª feira porque estaria fazendo
afirmação verdadeira em dia da semana que mente. Na 4ª feira a pessoa mentiu ontem – 3ª feira –,
mente hoje – 4ª feira – e falará verdade amanhã – 5ª feira –, fazendo com que a afirmação composta
seja falsa (mentira). Logo, na 4ª feira a afirmação pode ser feita. Na 5ª feira a afirmação não pode
ser feita porque a pessoa fala verdade hoje, mentiu ontem – 4ª feira – falará verdade amanhã – 6ª
feira – fazendo com que a afirmação seja falsa, o que não condiz com falar a verdade. Na 6ª feira e
27
Problema adaptado a partir de “What is The Name of This Book”, p. 47.
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no sábado ele fala verdade no dia, na véspera e no dia seguinte. Logo, a afirmação pode ser feita
tanto na 2ª feira quanto na 4ª feira.

8.1.1. Incoerência

Há incoerência num conjunto de proposições quando advém uma dedução de


contradição através de argumentos válidos, entendendo-se contradição como uma conjunção de
uma proposição e sua negação28.

A regra na negação informa que dadas duas proposições “p” e “não-p”, se uma delas é
verdadeira a outra é falsa. Ou seja, se “p” é verdadeira, sua negação “não-p” tem ser é falsa; se “p”
é falsa, sua negação “não-p” tem de ser verdadeira.

Fixados as noções de conjunção, negação, vê-se que a contradição traduzida pela


proposição “p” e “não-p” é necessariamente falsa. Então, em termos de conclusão se um conjunto
incoerente de proposições contém uma contradição – e esta contradição há de ser sempre falsa –,
então, o conjunto incoerente de proposições não tem como ser totalmente verdadeiro.

Daí advém uma importante regra: um conjunto de proposições contendo incoerência


pode até conter algumas proposições verdadeiras, mas pelo menos uma tem que ser falsa e, mesmo
que não saibamos identificar qual das proposições é a incoerente, o conjunto resta maculado,
podendo ser descartado liminarmente.

Para evitar incoerência entre leis válidas, o Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de


1942, agora chamada Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, prevê no § 1o, do art. 2o,
que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Logo, se
houver incompatibilidade – incoerência – entre a lei nova e a lei antiga, esta reputa-se revogada.

Com o advento do Art. 42229 do Código Civil de 2002, houve a imposição aos
contratantes guardar os princípios da lealdade e boa-fé. Objetivamente, o princípio da boa-fé diz
respeito ao conjunto de deveres exigidos nos negócios jurídicos, com destaque especial quanto aos
contratos, e tem por escopo regular a conduta dos contratantes, sob os prismas de honradez,
honestidade e probidade. Daí decorre o princípio que veda o “venire contra factum proprium”, este
consistindo na contraposição de duas atitudes diferidas no tempo e advindas da mesma pessoa,
lícitas isoladamente, mas causadoras de prejuízos às expectativas despertadas na outra parte por
serem incoerentes entre si. Ou seja, o “venire contra factum proprium” ocorre nas situações em que
uma das partes, por certo tempo, comporta-se de uma determinada maneira, gerando assim certas
expectativas na outra, mas a partir de certo momento desvia-se desse comportamento inicial,
modificando-o por outro, contrário, quebrando a confiança depositada pela outra parte no
andamento do negócio. Vários são os exemplos jurisprudenciais.30

28
A incoerência tem estreita relação com a prova “reductio ad absurdum” que a matemática usa bastante. Exemplo: ‘A soma de dois números é 75.
O primeiro é maior que o segundo por 15. Provar que o segundo número é 30’. Solução: suponha que o segundo número não é 30. Caso 1. O
segundo número é maior que 30. Então, o primeiro número é maior que 45 (maior que 30 + 15), fazendo que com a soma do primeiro (maior que
45) com o segundo número (maior que 30) seja maior que 75, contrariando a premissa. Caso 2. O segundo número é menor que 30. Então, o
primeiro número é menor que 45 (menor que 30 + 15), fazendo com que a soma do primeiro (menor que 45) com o segundo (menor que 30) seja
menor que 75 (menor que 45 + menor que 30). Logo, o segundo número não pode ser outro senão 30.
29
Código Civil de 2002, Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios
de probidade e boa-fé.
30
“Indenização - Dano moral - Negativação no Serasa e constrangimento caracterizado pela recusa do cartão de crédito, cancelado pela ré
(administradora) - Boa-fé objetiva - Venire contra factum proprium - Administradora que aceitava pagamento das faturas com atraso, cobrando
os encargos da mora e que, repentinamente, invoca cláusula contratual para considerar o contrato rescindido, a conta encerrada e o débito
vencido antecipadamente Simultaneamente providencia a inclusão do nome do titular no Serasa - Inversão do comportamento anteriormente
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O princípio do direito civil que veda alegar a própria torpeza em benefício próprio,
contido no brocardo de origem latina "nemo turpitudinem suam allegare potest”, também entra no
leque de proibição de comportamento incoerente.

Mais um exemplo de vedação de comportamento contraditório, derivado dos princípios


da lealdade e boa-fé, é o “duty to mitigate the loss”, constante do Enunciado nº 169 da III Jornada
de Direito Civil: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do
próprio prejuízo”. Assim, se o titular do direito – credor – tanto nas obrigações contratuais quanto
extracontratuais, não agir para minimizar a extensão do prejuízo a ser composto pelo devedor,
responderá pelo acréscimo originado de sua negligência. Ou seja, o credor deve, se e quando
possível, agir para deter o agravamento da situação, não lhe sendo lícito ficar inerte diante da
ampliação do prejuízo, cuja composição deverá ser feita pela parte originalmente faltosa, que, nesse
caso, poderá pedir a redução das perdas e danos, no valor da perda que poderia ter sido evitada.

8.1.2. Falácia da pergunta complexa

A chamada falácia da pergunta complexa “plurium interrogationum” está relacionada


ao uso abusivo – ilegítimo e disfarçado – do conectivo lógico “e” em casos em que dois assuntos
não relacionados são tratados de modo conjugado numa mesma proposição. Dependendo de como
formulada a pergunta, a resposta afirmativa – ou negativa – implica concordância com o os dois
assuntos amalgamados na mesma pergunta. Uma pergunta assim formulada não admite resposta
elementar com “sim” ou “não” para o conjunto de indagações combinadas.

Quando alguém responde uma pergunta, forçosamente, adere a certos pressupostos,


assim entendidos como proposições às quais fica vinculado pelo simples fato de produzir uma
resposta direta. Numa pergunta como: “O leite é branco?”, o pressuposto mais importante é a
disjunção: o leite é branco ou não é; na pergunta: “Porque o ferro é mais pesado que o ar?”, parte-
se do pressuposto é que o ferro é mais pesado que o ar; na pergunta: “Fulano está vivo ou morto?”,
o pressuposto mais importante é que uma das alternativas é verdadeira. Ou seja, nas perguntas mais
inocentes há pressupostos que não necessariamente são problemáticos nem indiquem que a
pergunta formulada seja, de alguma forma, capciosa ou falaciosa.

No caso de perguntas complexas, pode haver dois ou mais pressupostos principais, o


que nem sempre é um problema. Porém, pode ocorrer que uma mesma pergunta – chamada
capciosa ou falaciosa – contenha pressupostos que configurem comprometimentos indesejáveis
para quem vai responder. Se a pessoa que vai responder não pode fazê-lo diretamente sem se
comprometer, então esta pergunta pode ser considerada falaciosa.

Existe uma anedota sobre um interrogador impaciente que insistia em que o interrogado
respondesse com “sim” ou “não” às indagações feitas. O interrogado tentava explicar suas respostas
e era atalhado pelo interrogador impaciente que insistia nas respostas com “sim” ou “não”. O
interrogado, então, propôs que se o interrogador impaciente respondesse com “sim” ou “não” a uma
pergunta que ele faria, todas as demais indagações a ele dirigidas seriam respondidas também com

adotado e exercício abusivo da posição jurídica - Inviabilidade de considerar o contrato vencido antecipadamente e simultaneamente negativar o
nome do autor, quando a fatura do mês ainda não estava vencida e não havia, na comunicação de cancelamento, prazo parar quitação do débito -
Indenizatória procedente - Recurso improvido - Recurso do autor, buscando aumento da indenização, também improvido. (TJSP, Apelação com
Revisão n° 174.305.4/2-00, 3a Câmara de Direito Privado, Relator: Enéas Costa Garcia, 16/12/2005)
“SOCIEDADE EMPRESÁRIA. ADMINISTRAÇÃO. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Sócio estrangeiro, com visto temporário, impedido
de administrar as sociedades (art. 99 da Lei nº 6.815/80). Apelantes que aceitaram o encargo de administrador, com posterior outorga de
procuração ao sócio estrangeiro para atos de gestão bancária. Pretensão de se isentarem de eventual responsabilidade pelos atos de gestão.
Inadmissibilidade. Alegação da própria torpeza. Aplicação do princípio venire contra factum proprium. Precedentes. Sentença mantida. (TJSP, 2ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação nº 0225357-77.2009.8.26.0100, Relator: Tasso Duarte de Melo, 17/02/2014)
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“sim” ou “não”. O interrogador aceitou e foi abatido pela seguinte pergunta: “O senhor continua
deixando de sustentar seus filhos?” Observar que, tanto a resposta afirmativa quanto a negativa, não
conseguem afastar a informação implícita de o interrogador deixava de sustentar – no passado – ou
deixa de sustentar – no presente.

Só que as perguntas capciosas não estão restritas a anedotas. Algumas não são
inocentes nem inofensivas, podendo, em certos casos, englobar argumentos embutidos nos
pressupostos. Mesmo não sendo as perguntas proposições, podem conter pressupostos e acabar por
definir um conjunto de proposições. Então, se alguém responde uma pergunta dessas de maneira
direta, compromete-se decisiva e automaticamente com um conjunto de proposições que pode ser
desfavorável. No caso do exemplo acima, o pressuposto mais importante embutido na pergunta
capciosa formulada é que no passado o interrogador deixava de sustentar os filhos.

Ademais, não é possível proibir totalmente as perguntas conjuntivas, disjuntivas ou


condicionais sob pena de empobrecer o cardápio da argumentação e tolhendo a possibilidade de
serem feitos questionamentos legítimos e importantes para o esclarecimento de detalhes
semanticamente complexos e que podem estar sendo manejados validamente durante o diálogo.

Em audiência, não é raro os advogados – ou mesmo o promotor criminal – formularem


perguntas capciosas para confundir ou mesmo incriminar. Notar nas perguntas exemplificativas a
seguir, parte-se do pressuposto que o indagado e outros não determinados roubaram o dinheiro e o
aplicaram: “Onde foi aplicado o dinheiro que vocês roubaram?”; “O que você usou para limpar
suas impressões digitais deixadas na arma do crime?”; “Quanto tempo você gastou para planejar o
roubo?”.

Agitadores para incitar a turba não raro recorrem a perguntas capciosas. No exemplo a
seguir parte-se do pressuposto implícito de que há intromissão – em que consiste? – imperialista –
sem especificar? – nos assuntos nacionais – que assuntos? – internos: “Até quando vamos suportar
a intromissão imperialista estrangeira nos assuntos internos da nossa nação?”.

Em reuniões, as perguntas complexas são perigosas. Existe uma situação relativamente


recorrente em que alguém propõe uma solução e para forçá-la ser escolhida, no caso de ser
levantado algum pormenor inconveniente ou mesmo problemático, formula, num tom de desafio,
uma pergunta complexa do tipo: “O Senhor, por acaso, tem solução melhor?”. Notar que esta
indagação contém implícita uma afirmação tácita – que não contorna por si só os inconvenientes
identificados, obviamente – de que a solução proposta é, no mínimo, boa. A resposta afirmativa
impõe oferecer, de chofre, uma solução melhor, o que nem sempre é fácil de ser alcançado num
caso que não foi estudado com a profundidade e calma necessária por quem obtemperou. E, pior, às
vezes a mecânica dos pronunciamentos inviabiliza a concessão de tempo para maiores explicações
do indagado. A resposta negativa do indagado, por sua vez, pode levar ao acolhimento da solução
ofertada sem maiores considerações. Pode ser até armadilha para os demais participantes da
reunião, pois, quem fez a objeção por tê-lo feito em função de ajuste adrede combinado, justamente
para fazê-los aceitar sem maiores considerações a solução proposta ou para constrangê-los a não
manifestar abertamente suas críticas.

As campanhas eleitorais fornecem bons exemplos do gênero, como por exemplo:


“Quem quer mais quatro anos de alto desemprego e aumento de impostos? Votem em mim: na
renovação!”. As expressões ‘alto desemprego’ e ‘aumento de impostos’ sempre geram repulsa –
sentido amplo – no povo, que sempre sonha com emprego bom, salário alto e impostos modestos,
então, associá-las com o candidato adversário transfere a ele – adversário – essa aversão emocional.
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Nas declarações para os meios de comunicação, são extremamente comuns ‘trombadas’


cometidas por autoridades que querem mostrar firmeza, mas acabam por admitir inconveniências.
Não é raro, diante de um determinado incidente, envolvendo suposta violência policial, ainda não
devidamente esclarecido quanto a antecedentes, autoria, materialidade e consequências, ver um
mais ou menos o mesmo diálogo sequencial repetir-se diante das telas. O repórter pergunta: “O que
será feito com os policiais responsáveis?” ao que a autoridade, tentando impressionar fazendo-se
passar por eficiente despeja algo como: “Os responsáveis serão punidos exemplarmente”.
Primeiramente, a pergunta parte do pressuposto que houve ‘policial responsável’, logo policial que
teria praticado irregularidade. A autoridade deveria explicar – mas isto não daria uma boa
‘reportagem’ e talvez nem seria divulgado – que os fatos serão apurados e que ainda é cedo para
dizer sobre o ocorrido e seus desdobramentos.

Existe um exemplo emblemático patrocinado por ninguém menos que Madeleine


Albright, diplomata traquejada, à época embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, e que foi
bastante divulgado na imprensa pelo impacto indesejado das palavras proferidas com alcance mal
calculado. A diplomata em entrevista foi indagada por Lesley Sthal31 (entrevistadora): “Nós temos
ouvido que meio milhão de crianças morreram. Isso é mais crianças do que as mortas em
Hiroshima. É um preço que vale a pena?” ao que a embaixadora respondeu: “Eu acho que é uma
escolha muito difícil, mas o preço, pensamos, o preço vale a pena”32.

Para escapar das consequências embutidas na questão complexa, a manobra elementar é


não responder tal como foi colocada e desafiar os desdobramentos indesejados. Para um
encaminhamento adequado da questão complexa, é fundamental não responder num contexto de
concordar ou discordar pura e simplesmente. Depois, é preciso analisar como fica a relação entre os
componentes conjugados da pergunta complexa e avaliar cada um deles isoladamente,
principalmente o implícito. Se houver insistência, deve-se desafiar quem indaga de cumprir o ônus
da prova.

Voltando ao exemplo do interrogador impaciente, qualquer resposta para a pergunta:


“O Senhor continua deixando de sustentar os filhos?” não pode restringir-se a ‘sim’ ou ‘não’. Uma
possível resposta sintética seria: “Eu nunca deixei de sustentar meus filhos”. Ainda assim, uma
interpretação maliciosa, em função do verbo usado no passado, pode levar a ficar subentendido que
não está negando o presente, ou seja, sustentou antes, mas não o faz agora. Então, algo envolvendo
o passado e o presente como: “Eu sempre sustentei e sustento mesmo filhos”, bastante descritivo,
pode funcionar melhor. Além do mais, para infernizar, o que é mesmo ‘deixar de sustentar’?

Outra maneira de atacar perguntas complexas é por via do desdobramento. A resposta


trivial – enunciar o nome de uma Igreja – para a pergunta: “Que Igreja você e sua família
frequentam?” comporta várias pressuposições, algumas podendo ser falsas ou controvertidas: você
tem uma família; você frequenta alguma Igreja; a sua família frequenta alguma Igreja e você e sua
família frequentam a mesma Igreja. Então, dependendo do contido implicitamente no
questionamento, é necessário desdobrar a pergunta complexa tanto quanto necessário para
possibilitar um processamento que evite tomar como verdadeiras pressuposições falsas ou
controvertidas. Imagine-se respondendo uma pergunta do gênero: “Cada membro da família
frequenta uma Igreja diferente ou mesmo algum é ateu?”
31
Trecho de entrevista concedida ao programa “60 Minutes”, em 12 de maio de 1996.
32
Tradução livre de:
Lesley Stahl: "We have heard that a half million children have died. I mean, that is more children than died in Hiroshima. And, you know, is the
price worth it?" Madeleine Albright: "I think that is a very hard choice, but the price, we think, the price is worth it." Pesquisa em 12/set/2013
em: http://www.youtube.com/watch?v=FbIX1CP9qr4
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João Monteiro de Castro
14jun21
84

Algumas pessoas são muito hábeis, na detecção e pronto afastamento, com elegância,
de perguntas complexas, como no exemplo a seguir, proporcionado por Mahatma Gandhi:33
repórter: “O que você acha da civilização ocidental?”, ao que Gandhi despejou: “Eu acho que seria
uma boa ideia”. Ao lidar com a pergunta complexa, Mahatma Gandhi questionou muito
elegantemente a premissa implícita, pois, se a civilização ocidental seria uma boa ideia, no futuro
do pretérito, então, não é, até o momento, uma realidade concreta.

Uma saída habitual para pergunta complexa é respondê-la com outra pergunta, com a
vantagem de, sem responder, colocar o questionador na posição de ter de dizer mais, o que pode por
fazê-lo trair a posição. Mas, este tipo de resposta pode atrair a alegação de que está usando de
evasiva para não dar resposta direta ou, então, receber de volta algo sintético como ‘a sua pergunta
não responde a minha’. Pergunta ‘respondendo’ pergunta pode esconder muitas sutilezas. Alguém
indaga: “Dizem que você ganhou na loteria, é verdade?” Pergunta direta e típica. Imaginando-se
devolvida uma observação na forma de pergunta: “Quem foi que anda dizendo isso?” pode trazer
encoberta a sugestão de que o fato ocorreu e que houve inconfidência de alguém, levando a
audiência suspeitar que a observação possa ser verdadeira e que não deveria ter sido revelada. Mas,
note-se bem, a rigor a pergunta não foi respondida.

Pode ser que a pergunta complexa não configure uma falácia, no caso em que as
pressuposições relevantes forem legitimamente assumidas pelas partes. Perguntar “Onde foi
aplicado o dinheiro que vocês roubaram?”, após o interrogado haver admitido que ele e comparsas,
de fato, surrupiaram o dinheiro não é falaciosa.

A pergunta complexa também pode ser inserida numa fala, fazendo com que o ouvinte
se imagine numa posição e dali tire conclusões não estritamente calcadas nos fatos, mas nos
aspectos emocionais, como por exemplo: “Este homem é um assassino, um facínora, alguém
pernicioso que praticou um crime hediondo. E facínora que é não pode ser libertado para voltar ao
convívio dos homens bons, honestos e trabalhadores, porque eles não ficarão seguros com alguém
tão mau à solta. Pense: será a próxima vítima dele?”

Vale advertir para um tipo de pergunta capciosa: aquela que independentemente das
circunstâncias a resposta não muda. Dependendo de como pode a resposta ser tirada do contexto,
complicações podem surgir para quem as responde incautamente. Exemplificando: pessoa do
governo, defendendo uma medida política polêmica, numa coletiva de imprensa, no encerramento
recebe a seguinte pergunta: “Alguém pode questionar essa proposta do governo em juízo?” Se, de
modo incauto, responder “Sim” sem maiores explicações pode ter o dissabor de ser tirado do
contexto e ler no dia seguinte estampado no jornal: “Fulano de tal acha que a política de estado ‘X’
pode ser questionada em juízo”. Explicando: o direito de ação é dito ser subjetivo de ordem pública
e nenhum caso pode ser subtraído da apreciação do Poder Judiciário. Só que os leigos não sabem da
possibilidade de o juiz extinguir, sem apreciação do mérito, os absurdos por sentenças terminativas,
pondo fim ao processo no nascedouro. Só que ação houve.

8.2. Proposição disjuntiva

O conectivo verofuncional disjuntivo é geralmente traduzido pelo vocábulo “OU”, que


33
Tradução livre de:
Reporter: “What do you think of Western civilization?”
Mahatma Gandhi: “I think it would be a very good idea.”
(The 776 Nastiest Things Ever Said, Ross and Kathryn Petras, HarperPerenical, NYC, p.28)
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tem dois significados distintos.

Tomado no sentido exclusivo o conectivo disjuntivo significa “um ou outro, mas não
ambos”. Ou seja, se as duas proposições unidas pelo conectivo disjuntivo forem verdadeiras ao
mesmo tempo, a sentença como um todo será falsa.

Tomado no sentido inclusivo, a proposição é verdadeira se uma das proposições que a


compõem for verdadeira, assim como se ambas as proposições componentes forem verdadeiras
simultaneamente. As duas modalidades são retratadas na tabela a seguir:

p q “ou” “ou”
exclusivo inclusivo
v v f v
v f v v
f v v v
f f f f

Para exemplificar com um caso de ‘ou’ exclusivo: nos países onde a bigamia é proibida,
dizer que “Fulano é casado com Beltrana ou Cicrana” não se admite a possibilidade de Fulano ser
casado concomitantemente com Beltrana e Cicrana.

p Q “ou”
Fulano casado com Beltrana Fulano casado com Cicrana exclusivo
v v f
v f v
f v v
f f f

Um outro exemplo que acontece amiúde é o significado da “sopa ou salada”


encontradiça em cardápios. Se a pessoa resolver tomar sopa e depois comer salada, pagará uma
delas separadamente.

Para exemplificar com um caso de ‘ou’ inclusivo, suponha que a bolsa de estudos seja
concedida de acordo com o seguinte: “Para pleitear bolsa o candidato tem de ter mestrado em física
ou mestrado em matemática”, obviamente quem tem mestrado em física e em matemática pode se
candidatar viavelmente.

p q “ou”
mestrado em física mestrado em matemática exclusivo
v v v
v f v
f v v
f f f

Outro bom exemplo de uso de ‘ou’ inclusivo aparece com a assinatura em cheques no
caso de a conta bancária ser do tipo conjunta – designada por “e/ou” – caso em que o título vale
quando há uma assinatura – de qualquer um dos dois correntistas – ou as assinaturas dos dois
correntistas.
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De todo modo, um pormenor importante: se acontece de a afirmação “p ou q” é


verdadeira e se souber que “p” é falso, então, “q” será necessariamente verdadeiro, porque pelo
menos um dos dois, “p” ou “q”, tem de ser verdadeiro. Então, por exemplo, se for verdadeiro que
“Está ventando ou chovendo” e não está ventando, forçosamente estará chovendo.

Muito embora não seja incomum na vida cotidiana haver situações em que o “ou” seja
tomado na modalidade exclusiva, em lógica, sempre se considera a modalidade de conjunção
inclusiva e o “ou” é usualmente representado por uma cunha “v”.

8.2.1. Do dilema e da falácia do falso dilema

O dilema verdadeiro acontece das seguintes formas e funciona com o ‘ou exclusivo’:
P1 p ou q Hoje é 2ª feira ou 3ª feira
P2 não-p Hoje não é 2ª feira
C então, q Então, hoje é 3ª feira

P1 p ou q Este ano de 2020 é bissexto ou não é bissexto


P2 p=>r Se 2020 é bissexto, então, tem 366 dias
P3 q=>s Se 2020 não é bissexto, então, tem 365 dias.
C então, r ou s Então, 2020 tem 366 ou 365 dias

Dilemas existem quando as opções apresentadas são contraditórias. Mas, sobretudo,


para ser verdadeiro dilema as opções enunciadas são todas as alternativas possíveis e são, de fato,
disjuntivas, isto é, a escolha de uma inviabiliza as outras.

Vejamos alguns exemplos de dilemas verdadeiros:

ADCT da CF/88: Art. 29. (...) “§ 2º - Aos atuais Procuradores da República, nos
termos da lei complementar, será facultada a opção, de forma irretratável, entre as
carreiras do Ministério Público Federal e da Advocacia-Geral da União. (...)”

“Amanhã, você estará vivo ou morto.”

“A validade de um enunciado dedutivo se qualifica completamente ou falha


absolutamente, ou seja, não existe graduação da validade dedutiva.”

A confusão de considerar duas afirmativas contrárias – ou nem mesmo contrárias –


como sendo contraditórias pode fazer surgir esta falácia. Lembrando: duas afirmativas contrárias
não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, mas podem ser concomitantemente falsas; duas
afirmativas contraditórias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e nem falsas ao mesmo
tempo.

O falso dilema é uma falácia originada do uso abusivo de enunciado disjuntivo, porque
resta ferida a regra básica que manda sempre considerar a eventual existência de situações
intermediárias não passíveis de serem desprezadas34 entre as opções oferecidas como
aparentemente as únicas aplicáveis ao caso. Houve no passado um slogan famoso: “Brasil, ame-o
ou deixe-o”. Obviamente, há toda uma gama de situações intermediárias perfeitamente acomodadas

34
Lembrar que uma diferença só é diferença se faz diferença.
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à cidadania e que não podem ser ignoradas para dar sustentação ao propagandístico mote. E
também não pode passar despercebido que os verbos envolvidos ‘amar’ e ‘deixar’ admitem várias
acepções, fazendo sobressair um viés de ambiguidade no sentido do slogan.

Contra uma sentinela que não deu alarme quando o inimigo chegou: “Ou tu estavas em
teu posto ou não; se lá estavas, e não gritaste, atraiçoaste; se não estavas, faltaste ao dever; em
qualquer dos dois casos mereces a morte”. Há uma terceira hipótese: suponha-se que estava no
posto e fora dominado.

Ou um libelo contra a atuação de advogado para defender – suponham-se falhas


técnicas no processo que o tornem nulo para sobressair a extrema importância e necessidade da
defesa técnica – o acusado: “O réu é inocente ou culpado. Se é inocente não precisa de advogado.
Se é culpado não merece advogado”. O advogado, pelo princípio do devido processo legal, além de
trabalhar com os fatos deve velar para que o processado seja prestigiado com defesa técnica, pois,
se for condenado deve sê-lo com a obediência das leis. Ou seja, até mesmo o réu confesso pode ser
imensamente beneficiado com defesa técnica propiciada pelo trabalho do advogado.

Existe um argumento apresentado por Grotius contra o emprego da tortura que é apontado
como falso dilema: “Ou o réu submetido à tortura é forte o bastante para poder resistir ou tão fraco
que sucumbe facilmente à dor. Se for forte, zombará da tortura. Se for fraco, mentirá para escapar à
dor. Em nenhum dos dois casos chegar-se-á à confissão da verdade por meio da tortura. Logo, em
nenhuma das hipóteses a tortura é justificada.” Consiste num falso dilema porque pode ser que o
valente torturado em algum momento sucumba à dor e fale a verdade. Pode também acontecer de o
covarde culpado admitir sua culpa tão logo lhe sejam exibidos os instrumentos de suplício.

8.3. Proposição condicional

Proposição condicional ou hipotética é composta por dois enunciados componentes que


se ligam por meio de conectivo “SE ... ENTÃO”, simbolizado por uma ferradura – ⊃ – ou por
uma seta – => – sendo também conhecida pela designação implicação material.

Na expressão verofuncional “p => q” a primeira proposição – “p” – é conhecida como


“antecedente” e a segunda – “q” – é chamada de “consequente”. Não é importante se o “se” aparece
em primeiro ou segundo lugar, mas o primordial é que o “se” sempre precede o antecedente da
proposição verofuncional. Igualmente, a proposição que segue o “então” é o consequente. A
expressão afirma que sempre que ocorrer o antecedente “p”, ocorrerá também o consequente “Q”;
nada afirmando sobre o espectro de possibilidades de “q”. O “se” refere-se ao antecedente e faz
uma afirmação peremptória sobre o consequente, fazendo com que haja uma única maneira de a
proposição condicional ser falsa: quando verdadeiro o antecedente e falso o consequente.

Para facilitar o entendimento, é melhor reestruturar a expressão localizando o “se” e


colocando a proposição que o segue em primeiro lugar – antecedente – e a segunda proposição fica
junto do “então”, fazendo a sentença toda encaixar-se na expressão verofuncional “p => q”.

Existe uma gama de sentenças equivalentes ao “se, então”: “no caso de p, então, q”;
“supondo que p, então q”; “toda vez que p, então q”; “todos os casos em que p, então q”; “sempre
que p, então q”; “qualquer vez que p, então q”; “em qualquer caso de p, então q”; “dado p, então q”;
“desde que p, então q”; “sob a condição de p, então q”; dentre outros. Cada uma destas estruturas
pode ser traduzida pela expressão “p => q”.
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O uso deste conectivo desempenha um papel fundamental na vida diária. “Se você não
pode convencê-los, confunda-os”35 (Harry S. Truman, Presidente dos EUA, 1884-1972) equivale a
“Se você não pode convencê-los, então confunda-os”; “A diferença entre azar e calamidade é esta:
se Gladstone caísse no Tâmisa, seria um azar. Mas se alguém arrastá-lo para fora, seria uma
calamidade”36 (Benjamin Disraeli, primeiro ministro do Reino Unido, 1804-1881) equivale a “...
Mas se alguém arrastá-lo para fora, então seria uma calamidade”.

A proposição condicional é vulgarmente utilizada para acenar com recompensa ou


prêmio após a execução de alguma tarefa: “Se você se comportar bem a semana inteira, então
poderá ir para a praia no fim de semana com o carro”. Serve para ameaças: “Você será colocado
para fora da sala se continuar conversando”, que pode reestruturado como: “Se continuar
conversando, então será colocado para fora da sala”. Outra utilidade é para fazer conjecturas:
"Alguém me disse: 'Se cinquenta por cento dos especialistas de Hollywood dissessem que você não
tem talento e que você deveria desistir, o que você faria?’ Minha resposta foi, então, e ainda é ‘Se
cem por cento me dissessem isto, então todos (cem por cento) estariam erados errados’”37.

Este tipo de enunciado obedece ao seguinte:

1) É verdadeiro qualquer condicional que tenha antecedente verdadeiro e consequente verdadeiro.


Exemplo: “Se marte é um planeta, então os diamantes são compostos de carbono”;

2) Se o antecedente é falso, independentemente do consequente ser falso ou verdadeiro, o


condicional é tido como verdadeiro. Em outras palavras, qualquer condicional material com
antecedente falso é automaticamente verdadeiro. São verdadeiras as seguintes sentenças: “Se um
é igual a dois, então, o carvão é negro” e “Se um é igual a dois, então, o carvão não é negro.

3) Qualquer condicional material com consequente verdadeiro é verdadeiro independente de o


antecedente ser verdadeiro ou falso. Em outras palavras: qualquer condicional material com
consequente verdadeiro é automaticamente verdadeiro. São igualmente verdadeiras as seguintes
sentenças: “Se os gatos ladram, então dois e dois é igual a quatro” e “Se Beethoven era um
compositor, então dois e dois é igual a quatro”;

4) Importante: o condicional material só é falso se tem antecedente verdadeiro e consequente falso;

Estas propriedades garantirão a validade de formas básicas de argumentação


condicional: afirmação do antecedente e a negação do consequente.

A tabela verdade para todas as possibilidades das premissas p – antecedente – e q –


consequente – é apresentada a seguir:

p q p => q
v v v
v f f
f v v
f f v
35
Tradução livre de: “If you can’t convince them, confuse them.”
36
Tradução livre de: “The difference between a misfortune and a calamity is this: If Gladstone fell into the Thames, it would be a misfortune. But if
someone dragged him out again, that would be a calamity.”
37
Tradução livre de: “Someone said to me, 'If fifty percent of the experts in Hollywood said you had no talent and should give up, what would you
do?' My answer was then and still is, 'If a hundred percent told me that, all one hundred percent would be wrong.'” Marilyn Monroe
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Dado um condicional “p => q”, que, para efeitos didáticos será chamado condicional
original, derivam-se três outros que recebem nomes especiais e contam com propriedades
importantes:

1) Condicional contrapositivo de “p => q” é “não-q => não-p”, obtido tomando-se o condicional


original e montando-se um outro com a negação do consequente e a negação do antecedente. O
condicional contrapositivo “não-q => não-p” tem a mesma tabela verdade que o condicional
original “p => q”. Esta propriedade é absolutamente fundamental.

não-q não-p não-q => não-p


f f v
v f f
f v v
v v v

2) Condicional converso de “p => q” é “q => p”, obtido pela troca do antecedente com o
consequente. A tabela verdade do condicional converso “q => p” é diferente da tabela verdade
do condicional original “p => q”:

q p q => p
v v v
f v v
v f f
f f v

3) O condicional inverso de “p => q” é “não-p => não-q”, obtido pelas negações tanto do
antecedente quanto do consequente. A tabela verdade do condicional inverso “não-p => não-q”
(abaixo) é diferente da tabela verdade do condicional original “p => q”. Entretanto,
comparando-se a tabela condicional inverso “não-p => não-q” com a do condicional converso,
ou seja, “q => p”, verifica-se que são iguais.

não-p não-q não-p => não-q


f f v
f v v
v f f
v v v

Das tabelas verdade, pode-se verificar que valem as seguintes


propriedades:

1) Um condicional é equivalente lógico ao seu contrapositivo;


2) O converso de um condicional é equivalente lógico ao inverso deste mesmo condicional;
3) Um condicional não é equivalente lógico de seu inverso;
4) Um condicional não é equivalente lógico de seu converso.

A aplicação deste conectivo pode levar a perplexidades. Suponha o debate a seguir. O


Promotor afirma: “Se o réu é culpado, então ele agiu com um cúmplice”; o Advogado de Defesa no
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afã e apressado replica: “Isto é falso”. Assim fazendo, o Advogado de Defesa está complicando a
vida do seu cliente. Identificando na afirmação do Promotor serem p “réu é culpado” e q “agiu com
cúmplice” e lembrando que a proposição condicional só é falsa se p for verdadeiro e q for falso,
tem-se que o Advogado de Defesa está indiretamente admitindo que o réu é culpado (p verdadeiro)
e que agiu sem cúmplice (q falso). Logo, a afirmar, no exemplo, que o Promotor disse falsidade é
problemática para defesa.

8.3.1. Argumentos condicionais válidos e falácias relacionadas

8.3.1.1. Afirmação do antecedente (modus ponens)

Neste tipo de argumento, a primeira premissa é a condicional “se P, então Q” e a


segunda é P, justamente o antecedente da condicional que é a primeira premissa. Numa
aproximação, nada mais se tem que afirmar o já afirmado. É um tipo de argumento largamente
utilizado na vida social.

Modelo de afirmação do antecedente


P1 Se p, então, q
P2 p
C Então, q

Já sabemos: para um argumento ser válido, sempre que as premissas forem verdadeiras,
a conclusão deve também sê-lo-á. Assim, se um argumento é válido e as premissas são verdadeiras
o argumento é dito ser sólido. Na nossa vida social, de boa fé, perseguimos as situações deste tipo.
Em contraposição, o argumento estará instável se numa forma válida houver haver uso de
premissas falsas. Donde se conclui que o argumento precisa ser considerado apenas nos casos em
que a forma é válida (premissas verdadeiras implicam em conclusão verdadeira) e apenas com
premissas verdadeiras. Qualquer outro caso, estará fora do campo em que o argumento funciona de
forma sólida.

Quando alguém diz ‘se eu retornar para São Paulo antes das 6H00, então, vou encontrá-
lo na saída do trabalho’, duas situações se colocam: 1) cheguei em São Paulo antes da 6H00 e 2)
cheguei em São Paulo depois das 6H00. O argumento é para ser tomado em termos estritos,
devendo, então, ser considerada apenas a hipótese para a qual foi construído, a ‘1’. Entretanto, a
hipótese ‘2’, embora não afastada das possibilidades de ocorrência fática não é a que está cuidada
no argumento. Tanto é assim que: a) como não cheguei antes das 6H00, não vou encontrá-lo ou b)
mesmo tendo chegado depois das 6H00, resolvo ir encontrá-lo na saída do trabalho. E qualquer
uma das duas ‘a’ e ‘b’, caso aconteçam, não colide com a o argumento condicional original: ‘se eu
retornar para São Paulo antes das 6H00, então, vou encontrá-lo na saída do trabalho’.

A afirmação do antecedente é uma forma válida e muito importante de argumentar e


está intimamente relacionada com a falácia da afirmação do consequente, para a qual se chama a
atenção desde já. As premissas da afirmação do antecedente são “p => q” e “p”, cujos padrões são
dados na tabela verdade abaixo. Nela, a linha 1 é a única em que ambas as premissas têm valor “v”
e, nessa linha, a conclusão também tem o valor “v”. Conclui-se, assim, que a afirmação do
antecedente é forma válida porque não existe como possam ser atribuídos valores de verdade que
apresentem premissas verdadeiras e conclusão falsa. Notar na tabela verdade dada a seguir, há
somente uma alternativa – linha 1 – em que as premissas P1 e P2 são verdadeiras, a conclusão
também é verdadeira:
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P1 P2 Conclusão
p => q p q
v v v Ok
f v f
v f v
v f f

Afirmação do antecedente - exemplo


P1 Se a torneira ficar aberta, então vazará água no chão
P2 A torneira ficou aberta
C Logo, há água no chão

Tirando o caso em que o argumento é sólido (1ª linha da tabela: torneira aberta e água
no chão) e o caso em que a primeira premissa é desrespeitada (2ª linha da tabela), sobram dois
casos em que a premissa 1 é mantida: linha 3 – torneira fechada e água no chão e linha 4 – torneira
fechada e chão seco. No caso da torneira fechada e água no chão, nada impede, sem acontecer
qualquer incompatibilidade, que alguém tenha colhido água, fechado a torneira e, depois, deixado
água cair no chão. Ou seja, nada pode ser garantido – se torneira aberta ou fechada – se a situação
for analisada com base na existência de água no chão; o certo é que se a torneira for deixada aberta,
haverá água no chão. Fica patente a instabilidade do argumento no caso de excetuada a 1ª linha da
tabela.

Pode haver uma variação na afirmação do antecedente

Modelo de afirmação do antecedente - variação


P1 Se p, então não-q
P2 p
C Então, não-q

Nessa variação da afirmação do antecedente temos que a premissa 1 é “p => não-q” e a


premissa 2 é “p”. A conclusão será “não-q”. É preciso notar que a tabela verdade de “p => q” é
diferente de “p => não-q”.

Na tabela verdade da variação de afirmação do antecedente mostrada abaixo, a linha 2 é


a única em que ambas as premissas têm valor “v” e, nessa linha, a conclusão também tem o valor
“v”. Conclui-se, assim, que a variação da afirmação do antecedente é forma válida porque não
existe como possam ser atribuídos valores de verdade para as premissas P1 e P2 e conclusão falsa.

P1 P2 Conclusão
p => não-q p Não-q
f v f
v v v ok
v f f
v f v

afirmação do antecedente – variação - exemplo


P1 Se o aluno é aprovado, então não é jubilado da escola por mau desempenho
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P2 O aluno foi aprovado


C Logo, não será jubilado por mau desempenho

8.3.1.2. Negação do consequente (modus tollens)

A negação do consequente também é forma válida de argumentar. As premissas da


negação do consequente são “p => q” e “~q” e a conclusão é “não-p”. Na tabela verdade abaixo na
linha 4 ambas as premissas se apresentam verdadeiras e a conclusão também é verdadeira. Mais
uma vez, não há como as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Lembremos que “se p,
então, q” é equivalente lógico a “se não-q, então, não-p”, seu contrapositivo.

Modelo de negação do consequente – forma válida de argumento


P1 Se p, então q
P2 Não-q
C Então, não-p

A tabela verdade para a negação do consequente é dada a seguir. Notar que na hipótese
em que as premissas P1 e P2 são verdadeiras (linha 4), a conclusão também é verdadeira:

P1 P2 Conclusão
p => q não-q não-p
1 v f f
2 f v f
3 v f v
4 v v v Ok

Negação do consequente
P1 Se o automóvel pega, então há gasolina no tanque de combustível
P2 Não há gasolina no tanque de combustível
C Logo, o carro não pega

Usando que (p => não-q) é contrapositivo de (q => não-p), existe uma


outra variante para a negação do consequente:

Modelo de negação de variante de negação do consequente – forma válida de


argumento
P1 Se p, então não-q
P2 q
C Então, não-p

A tabela verdade para a variante da negação do conseqüente é dada a seguir. Notar que
na hipótese em que as premissas P1 e P2 são verdadeiras (linha 3), a conclusão também é
verdadeira:

P1 P2 Conclusão
p => não-q q não-p
1 f v f
2 v f f
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3 v v v ok
4 v f v

Exemplo de negação do consequente – variante – forma válida de argumento


P1 Se eu tivesse estado na reunião de acionistas, então não teria perguntado o que aconteceu
P2 Eu perguntei o que aconteceu
C Eu não estive na reunião de acionistas

8.3.1.3 Silogismo hipotético

Este silogismo, também chamado regra da cadeia, é um argumento causal e tem um


papel fundamental e se apresenta da seguinte forma:

Modelo de silogismo hipotético – forma válida de argumento causal


P1 Se p, então, q
P2 Se q, então, r
C Então, se p, então r

A tabela verdade tem de envolver 8 linhas porque temos três variáveis (p, q e r) e como
cada um dentre p, q e r tem duas possibilidades (v ou f), a tabela terá 8 linhas (2 x 2 x 2 = 8).
Partindo de uma tabela auxiliar mostrando as implicações materiais e, a seguir, montar a tabela do
argumento:

p q r p => q q => r p => r


1 v v v v v v
2 v v f v f f
3 v f v f v v
4 v f f f v f
5 f v v v v v
6 f v f v f v
7 f v v v v v
8 f f f v v v

Montando na forma de argumento, tem-se:

P1 P2 Conclusão
p => q q => r p => r
1 v v v ok
2 v f f
3 f v v
4 f v f
5 v v v ok
6 v f v
7 v v v ok
8 v v v ok

Observar que nas linhas 1, 5, 7 e 8 tem-se que, para cada linha, as premissas são
verdadeiras e a conclusão também. Observar também que não há linha em que as premissas são
verdadeiras e a conclusão falsa. Logo, este argumento é válido em caso como o seguinte.
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Silogismo hipotético (argumento válido)


P1 Se há pasto farto, então, há gnus.
P2 Se há gnus, então, os leões têm alimento.
C Logo, se há pasto farto, então, os leões têm alimento.

Atenção porque este argumento tem de ser lido da seguinte forma: p causa q; q causa r;
então, p causa r. Ou seja, não se aplica quando não houver necessariamente relação de causa e
efeito que não seja transitiva, como no seguinte caso: Alexandre é amigo de Bernardo e Bernardo é
amigo de Carlos, não necessariamente Alexandre é amigo de Carlos.

8.3.2 Falácias relacionadas aos argumentos condicionais

8.3.2.1. Falácia da afirmação do consequente

A afirmação do consequente é uma falácia. Vejamos, as premissas são “p => q” e “q”,


colunas 7 e 2 da tabela. Observe-se que ambas têm valor v nas linhas 1 e 3, entretanto, na linha 3
“p” – conclusão – tem valor f. Daí vê-se que é possível montar caso em que as premissas sejam
verdadeiras e a conclusão falsa. Logo a forma afirmação do consequente não é válida, até porque
uma proposição condicional não é equivalente lógico de seu converso.

Modelo da falácia da afirmação do consequente – forma inválida de argumento


P1 Se p, então q
P2 q
C Então, p

A tabela verdade para a afirmação do consequente é dada a seguir. Notar que na 1ª


hipótese (linha 1) em que as premissas P1 e P2 são verdadeiras, a conclusão também é verdadeira.
Entretanto, na linha 3 as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa, o que invalida este tipo de
argumento.

P1 P2 Conclusão
p => q q p
1 v v v Ok
2 f f v
3 v v f Fura
4 v f f

Exemplo de falácia da afirmação do consequente – forma inválida de argumento


P1 Se a torneira ficou aberta, então vazará água no chão
P2 Há água no chão
C Logo, a torneira ficou aberta

Veja os próximos exemplos, mais enganadores ainda:

Exemplo de falácia da afirmação do consequente – forma inválida de argumento


P1 Se Marco está feliz, então ele vai jogar futebol
P2 Marco está jogando futebol
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C Logo, Marco está feliz

Exemplo de falácia da afirmação do consequente – forma inválida de argumento


P1 Se Cristina é mais alta que Márcia, então Márcia é de baixa estatura
P2 Márcia é de baixa estatura
C Logo, Cristina é mais alta que Márcia

8.3.2.2. Falácia da negação do antecedente

A negação do antecedente é uma falácia. Neste caso premissas são: “p => q” e “não-p”;
a conclusão “não-q”.

Modelo de falácia da negação do antecedente – forma inválida de argumento


P1 Se p, então q
P2 Não-p
C Então, não-q

A tabela verdade para a negação do antecedente é dada a seguir. Notar que na linha 3 as
premissas P1 e P2 têm valor v e a conclusão tem valor f, o que invalida o tipo de argumento. Daí
vê-se que é possível montar caso em que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. O fato
de na linha 4 serem as duas premissas verdadeiras e a conclusão também verdadeira, por causa do
ocorre na linha 3, não tem o condão de validar o tipo de argumento. Isto acontece porque, como já
visto, um condicional não é equivalente lógico de se converso.

P1 P2 Conclusão
p => q não-p não-q
1 v f f
2 f f v
3 v v f Fura
4 v v v Ok

Exemplo de falácia da negação do antecedente – forma inválida de argumento


P1 Se Ricardo está disposto a depor, então ele é inocente
P2 Ricardo não está disposto a depor
C Logo, Ricardo não é inocente

O exemplo vincula a inocência de Ricardo à sua disposição para depor. O argumento


nada expressa para o caso de ele não estar disposto a depor, hipótese não abarcada.

Exemplo de falácia da negação do antecedente – forma inválida de argumento


P1 Se a torneira ficou aberta, então vazará água no chão
P2 A torneira não ficou aberta
C Logo, não há água no chão

Mais uma vez, o argumento funciona para o caso de a torneira ficar aberta e não quando
a torneira não ficou aberta.

8.3.3 Variações de argumentos condicionais


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Existe um variações aplicando o argumento condicional. Segue tabela comparativa:

Conectivo Como se apresenta no texto Inferência válida


Se Se p, então, q não-q => não-p
Quando Quando p, então, q não-q => não-p
Toda vez Toda vez que p, então, q não-q => não-p
Somente se Somente se p, então, q Não-p => não-q
A menos que A menos que p, então, q Não-q => p
Caso contrário p, caso contrário, q Não-q => p

Os argumentos com “se”, “quando p, então, q” e “toda vez que p, então, q” funcionam
identicamente. Logo, a tabela verdade deles é a mesma que a já estudada “p => q” que é
contrapositivo de “não-q => não-p”.

8.3.3.1. Argumento “somente se p, então, q”

São de bastante uso afirmações como “Somente se a combinação estiver correta é que o
cofre abrirá”. Há uma distinção fundamental entre as expressões “se” e “somente se”, porque têm
relevâncias comunicacionais bem diversas. A ideia transmitida é que se não acontecer a primeira
parte (combinação certa), a segunda parte (cofre abre) também não acontecerá. Há uma convenção
a ser obedecida: o “se” sempre é seguido pelo antecedente e, assim como o “então”, o “somente se”
vem atrelado ao consequente. Assim, para facilitar na avaliação deste tipo de argumento deve-se
sempre colocar o conectivo funcional no começo da primeira premissa e tratar o “somente se p, q”
como seu equivalente lógico “se não-p, então não-q”.

Segue a tabela verdade auxiliar e depois a tabela verdade do argumento:

não-p não-q não-p => não-q


f f v
f v v
v f f
v v v

P1 P2 Conclusão
não-p => não-q não-p não-q
1 v f f
2 v f v
3 f v f
4 v v v ok

Usando o contrapositivo de (não-p => não-q) que é (q => p), o argumento “somente se
p, então, q” pode ser transformado em “se q, então p” mantendo a validade da forma de argumentar.
Vejamos:

q p q => p
v v v
f v v
v f f
f f v
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P1 P2 Conclusão
q => p q p
1 v v v ok
2 v f v
3 f v f
4 v f f

No exemplo dado: “Somente se a combinação estiver correta é que o cofre abrirá”.

p = a combinação está certa;


não-p = a combinação está errada;
q = o cofre abre;
não-q = o cofre não abre.

somente se p, q Somente se a combinação estiver certa, o cofre abre


não-p => não-q Se combinação estiver errada, então, o cofre não abre
q => p (contrapositivo) Se o cofre abre, então, a combinação está certa

8.3.3.2 Argumento com “a menos que p, então, q”

Existe outra expressão bastante usada envolvendo proposições verofuncionais, que é “a


menos que p, então, q”, como, por exemplo: “A menos que o Ministério Público prove os fatos
articulados contra o réu, a denúncia deve ser julgada improcedente”. O sentido é de que se não
acontecer a segunda parte da afirmação, então terá acontecido a primeira parte. A expressão “a
menos que” tem o mesmo efeito que “se não” e, lembrando que o “se” sempre indica o antecedente
do enunciado condicional, assim também acontece com o “se não”.

Na legislação temos exemplos: a) Código Civil: Art. 1.809. Falecendo o herdeiro


antes de declarar se aceita a herança, o poder de aceitar passa-lhe aos herdeiros, a menos
que se trate de vocação adstrita a uma condição suspensiva, ainda não verificada; b)
Código Civil: Art. 899. O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na falta de indicação, ao
emitente ou devedor final. (...) § 2º Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a
obrigação daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de forma.

As sentenças usando “a menos que” normalmente aparecem no seguinte formato: “a


menos que p, então, q”. Trocando o “a menos que” por “se não” tem-se: “se não-p, então q”.
Trocando-se “se não-p, então, q” pelo contrapositivo, finalmente temos: “se não-q, então, p”. Fica
então demonstrado que “a menos que p, então, q”, ou seja, (não-p => q), é equivalente lógico a “se
não-q, então p, (não-q => p).

não-p q não-p => q


f v v
f f v
v v v
v f f

P1 P2 Conclusão
não-p => q não-p q
v f v
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v f f
v v v ok
f v f

Similarmente, pelo contrapositivo de (não-p => q) que é (não-q => p), tem-se que o
argumento também é válido apresentado de outra forma:

não-q p não-q => p


f v v
v v v
f f v
v f f

P1 P2 Conclusão
não-q => p não-q p
v f v
v v v Ok
v f f
f v f

Não pode passar despercebido que a tabela verdade do “a menos que p, então, q” é a
mesma que a do “ou inclusivo”, motivo pelo qual são equivalentes lógicos.

Na tabela a seguir, considerando-se:

p = “Ministério Público deve provar os fatos articulados contra o réu”


não-p = “Ministério Público não provou a culpa do réu”
q = “a denúncia será julgada improcedente”
não-q = “denúncia será julgada procedente”

A menos que p, então, q A menos que o Ministério Público prove os fatos articulados
contra o réu, então, a denúncia deve ser julgada improcedente
não-p => q Se o Ministério Público não provar os fatos articulados contra o
réu, então, a denúncia deve ser julgada improcedente
Não-q => p Se a denúncia foi julgada procedente, então, o Ministério Público
(contrapositivo) provou a culpa do réu

George Bush, quando concorria pela presidência dos EUA contra Michael Dukakis, em
1988 usou duas vezes esta forma de enunciado condicional, compondo-as num enunciado
conjuntivo: “Meu oponente tem um problema. Ele não será eleito a menos que as coisas piorem e
as coisas não piorarão a menos que ele seja eleito”38. Analisando-se a primeira proposição
condicional reescrita: ‘meu oponente não será eleito’ a menos que ‘as coisas piorem’.
Considerando, para simplificar:

p = “coisas pioram”
não-p = “coisas não pioram”
q = “meu oponente não será eleito”

38
Tradução livre de: “My opponent has a problem. He won’t get elected unless things get worse – and things won’t get worse unless he gets
elected.”
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não-q = “meu oponente será eleito”

1) A frase 1: “Ele não será eleito a menos que as coisas piorem” = “A menos que as coisas piorem,
meu oponente não será eleito” = “Se as coisas não pioram, então meu oponente não será eleito =
(não-p => q). Aplicando o contrapositivo (não-p => q) = (não-q => p) e reescrevendo, temos:
“Se meu oponente for eleito, então coisas pioram”.

frase 1
não-q p não-q => p
f v v
v v v
f f v
v f f

2) A frase 2: “As coisas não piorarão a menos que ele seja eleito” = “A menos que meu oponente
seja eleito, as coisas não piorarão” = “Se meu oponente não for eleito, então, as coisas não
piorarão” (q => não-p).

frase 2
q não-p q => não-p
v f f
f f v
v v v
f v v

3) A frase 1 (“Se meu oponente for eleito, então coisas pioram”) está ligada à frase 2 “Se meu
oponente não for eleito, então, as coisas não piorarão”) pelo conector verofuncional ‘e’. Será
preciso fazer a tabela verdade para verificar se o argumento composto é válido e em casos as
premissas são verdadeiras:

frase 1 frase 2 ‘frase 1’ ‘e’ ‘frase 2’


não-q => p q => não-p (não-q => p) . (q =>não-p)
v f f
v v v
v v v
f v f

As hipóteses tratadas nas linhas 2 e 3 contêm ‘frase 1’ verdadeira e ‘frase 2’ verdadeira,


implicando em (‘frase 1’ ‘e’ ‘frase 2’) verdadeiro:
- Linha 2: não-q (verdadeiro) = meu oponente eleito; p (verdadeiro) = coisas pioram;
- Linha 3: não-q (falso) = meu oponente não eleito; p (falso) = coisas não pioram.

8.4. Proposição bicondicional

A proposição bicondicional é composta por dois enunciados componentes que se ligam


por meio de conectivo “se e somente se”, simbolizado por uma barra tripla – ≡ – ou também –
<=> – conhecido pela designação ou equivalência material.

A equivalência material pode ser considerada como uma combinação de duas


implicações materiais: “p <=> q” significa o mesmo que “(p => q) . (q => p)”.
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Uma proposição bicondicional é tida como verdadeira se ambos os componentes


tiverem o mesmo valor de verdade. Exemplos em que ambos os componentes verdadeiros: “O
candidato torna-se presidente se e somente se vence as eleições”; “O time é campeão da Copa se e
somente se ganha o jogo final”; “Terra é um planeta habitável se e somente se os oceanos
contiverem água”. Exemplo em que ambos os componentes são falsos: “A lua brilha com luz
própria se e somente se Machado de Assis era alemão”.

A proposição bicondicional será tida como falsa se os enunciados componentes tiverem


diferentes valores de verdade. Exemplo: “Um triângulo é retângulo se e somente se (cateto 1)2 +
(cateto 2)2 > (hipotenusa)2”. A equivalência material pode também ser lida como: para acontecer p
“é necessário e suficiente” ocorrer q.

p q p <=> q
v v v
v f f
f v f
f f v

P1 P2 C
p <=> q p q
1 v v v Ok
2 f v f
3 f f v
4 v f f

P1 P2 C
p <=> q q p
1 v v v Ok
2 f f v
3 f v f
4 v f f

Exemplo de bicondicional – forma válida de argumento


P1 Um número é divisível por 3 se e somente se a soma dos dígitos do número é divisível por 3
P2 A soma dos dígitos de 81 é divisível por 3
C Logo, 81 é divisível por 3

Exemplo de bicondicional – forma válida de argumento


P1 Um número é divisível por 3 se e somente se a soma dos dígitos do número é divisível por 3
P2 81 é divisível por 3
C Logo, a soma dos dígitos de 81 (igual a 9) é divisível por 3

Outro exemplo:

Exemplo de bicondicional – forma válida de argumento


P1 Hoje é segunda-feira se e somente se ontem foi domingo
P2 Hoje é segunda-feira
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C Logo, ontem foi domingo

Exemplo de bicondicional – forma válida de argumento


P1 Hoje é segunda-feira se e somente se ontem foi domingo
P2 Ontem foi domingo
C Logo, hoje é segunda-feira

Vejamos um exemplo de proposição bicondicional infelizmente falsa: “Sou professor se


e somente se sou regiamente pago”. Este enunciado pode ser lido das seguintes maneiras, tornando
muito mais fácil concluir pela falsidade dele, porque os valores de verdade dos componentes são
falsos: 1) “Lecionar é necessário e suficiente para que eu seja regiamente pago”; 2) “Para que eu
seja regiamente pago é necessário e suficiente eu lecionar”. O fato é que há quem leciona e ganha
pouco e, por outro lado, há quem ganha pouco e leciona.

No plano jurídico, sendo “O” obrigatório, “V” vedado e “P” permitido e “c” conduta.
Com base no Princípio da Legalidade, tem-se: “Ninguém é obrigado fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”. Logo, vale o seguinte:

O(c) <=> V(não-c) <=> não-P(não-c)


V(c) <=> O(não-c) <=> não-P(c)
P(c) <=> não-O(não-c) <=> não-V(c)
P(não-c) <=> não-O(c) <=> não-V(não-c)

8.5. Argumentos com operadores lógicos e verificação de equivalência

Quando se afirma “Se gosto de correr, então, gosto de escalar”, tem-se a seguinte tabela
verdade:

correr escalar Se gosto de correr, então, gosto de escalar


1 v v v
2 v f f
3 f v v
4 f f v

Partindo-se da proposição “Se gosto de correr, então, gosto de escalar”, vamos analisar
os casos a seguir para ver se algum deles é logicamente equivalente à afirmativa inicial:

a) “Se não gosto de correr, então, não gosto de escalar”

não correr não escalar Se não gosto de correr, então, não gosto de escalar
f f v
f v v
v f f
v v v

Comparando com a tabela verdade de “Se não gosto de correr, então, não gosto de
escalar” com a tabela verdade da proposição inicial vemos que não são iguais, logo não são
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102

proposições logicamente equivalentes.

b) “Gosto de correr e gosto de escalar”

correr escalar Gosto de correr e gosto de escalar


v v v
v f f
f v f
f f f

As tabelas são diferentes, logo não são equivalentes.

c) “Não gosto de correr ou gosto de escalar”

Não correr escalar Não gosto de correr ou gosto de escalar


f v v
f f f
v v f (ou exclusivo); v (ou inclusivo)
v f v

Note que as tabelas de “gosto de correr e gosto de escalar” e de “não gosto de correr ou
(exclusivo) gosto de escalar” são iguais, logo, são expressões equivalentes lógicas. Observe-se que
se for adotado o ou inclusivo, não serão equivalentes.

Porém, tomado o “ou inclusivo” as tabelas de “se gosto de correr, então, gosto de
escalar” e “não gosto de correr ou (inclusivo) gosto de escalar” são iguais, logo, são equivalentes
lógicos.

d) “Gosto de escalar ou não gosto de correr”

escalar não correr Gosto de escalar ou não gosto de correr


v f v
f f f
v v f (ou exclusivo); v (ou inclusivo)
f v v

As proposições “Gosto de escalar ou (inclusivo) não gosto de correr” e “se gosto de


correr, então, gosto de escalar” são equivalentes. Notar que não altera se for “Não gosto de correr
ou gosto de escalar” porque com o conector e a ordem não altera o resultado a aplicação dele.

e) “Gosto de escalar e não gosto de correr”

escalar não correr Gosto de escalar e não gosto de correr


v f f
f f f
v v v
f v f

f) “Gosto de correr ou gosto de escalar


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correr escalar Gosto de correr ou gosto de escalar


v v f (ou exclusivo); v (ou inclusivo)
v f v
f v v
f f f

9. Quantificadores

Sem entrar em muitos detalhes para não ingressar ramo da lógica que usa uma notação
que vai além do que se pretende nesta introdução, existem dois quantificadores:

1) Quantificador universal – a propriedade vale para qualquer objeto “x” da classe; exemplo: “x” é
baleia, então “x” é mamífero;
2) Quantificador existencial – existe pelo menos um objeto “x” que ostente a propriedade;
exemplo: existe um número “a” de modo que a + b = b, ou seja, o elemento neutro da adição, o
zero.

9.1. Falácia de “cada” e “todos”

Em argumentos que envolvem mistura de quantificadores universais e existenciais, a


ordem em que aparecem é fundamental para o significado do argumento. Não prestar atenção a este
princípio pode levar ao cometimento de uma falácia muito comum, chamada de “falácia de ‘cada’ e
‘todos’”.

Quando se diz: “Cada jogador do time de futebol tem uma bola para praticar” e não é
lícito concluir: “Logo, há uma bola com a qual todos os jogadores do time de futebol praticam”. A
premissa estabelece uma relação entre integrantes de dois conjuntos – jogadores do time e bolas
para praticar. Diz ainda mais a premissa: que existe relação entre cada elemento do primeiro
conjunto com algum – não especificamente um somente – elemento do segundo conjunto. A
conclusão extraída reafirma outro tipo de relação entre os integrantes dos dois conjuntos –
jogadores do time e bolas para praticar – dizendo que cada um dos elementos do primeiro conjunto
tem relação com apenas um elemento do segundo conjunto. Observe-se a figura abaixo. Apenas
para constar, está exemplificado no ‘caso 1’ uma – há outras – das possibilidades aventadas pela
premissa ‘cada jogador do time de futebol tem uma bola para praticar’, na qual cada jogador tem a
sua bola para praticar. Já o “caso 2” mostra a conclusão incorreta de que há uma bola com a qual
todos os jogadores praticam.

Caso 1 Caso 2
Cada elemento de A Cada elemento de A
está relacionado com está relacionado com
um elemento diferente apenas um elemento de
de B. B.

A maneira de organizar a relação de distribuição entre as palavras que expressam a


quantificação pode levar a ambiguidade, pois, tem-se uma interpretação coletiva implicando um
sentido ou uma interpretação distributiva com sentido inteiramente outro. A frase “Todos os
náufragos comeram dois pedaços de pão” pode ser entendida de duas maneiras. Tomada no sentido
coletivo, os náufragos – todos – comeram dois pedaços de pão como um todo. Na interpretação
distributiva, cada um dos náufragos comeu dois pedaços de pão.
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10. Outras falácias

Irving M. Copi39 define falácia como uma forma de raciocínio que parece correta, mas
que, quando examinada cuidadosamente, não o é. Mais um aluno: “Tomemos a fração 16/6440;
agora, para simplificar, vamos cancelar o algarismo seis do numerador com o algarismo seis do
denominador e, então, chegamos ao resultado igual a ¼”; o professor interrompe: “Espere um
segundo! Você não pode cancelar o seis desse jeito!”; ao que o aluno concluiu sepultando os
esforços educativos do mestre: “Ah, então o senhor quer dizer que 16/64 não é igual a 1/4?”.

As falácias são acompanhantes permanentes na nossa vida social por conta de grandes
similaridades no padrão de comportamento das pessoas em geral. As pessoas se baseiam – não
deveria ser assim, mas é! – nas aparências para formar um juízo e o fazem de acordo com a própria
experiência pregressa, por boa ou ruim que seja. Isto faz com que exista uma marcante tendência a
generalizações a partir de um conjunto relativamente pequeno e setorizado de eventos e, de maneira
geral, observados, num dado momento histórico, por alguém – ou grupo de pessoas – pertencente a
certo grupo socioeconômico-cultural, produzindo uma imagem distorcida da realidade por não
considerar fatores com prevalências diferentes nas várias camadas da população em geral.

O olhar das pessoas também sofre distorção advinda dos preconceitos e outras cargas
emocionais, derivados de fatores tais como religião, profissão, classe social, dentre outros. Então,
alguns argumentos têm uma receptividade alterada, pois, as pessoas têm menor resistência a crer no
que elas querem emprestar crédito e no que evoluíram acreditando, tornando-as muitas vezes
incapazes de distinguir o que é relevante do que não é relevante. Simetricamente, as pessoas são
enormemente resistentes a aceitar influências oriundas dos grupos aos quais acreditam “não
pertencer”, até porque neste plano raramente agem racionalmente e seguindo padrões consistentes,
evitando até mesmo a preocupação de analisar as evidências disponíveis com mais profundidade e
trabalhar para alcançar conclusões mais sensatas. Assim, pensando de modo seletivo e polarizado,
as pessoas tendem a julgar prestigiando mais as superficialidades, as aparências e dando
prevalência extraordinária a aspectos de índole eminentemente subjetiva, em detrimento da
substância, que o devido senso de observação objetiva dos fatos levaria a distinguir.

Por outra banda, as pessoas são ouvintes particularmente seletivos e frequentemente só


ouvem o que querem e, muitas vezes, até onde estão preparadas para ouvir. Mais que isso, perdidas
agem com ânsia para encontrar razões – nem sempre sensatas – que deem suporte a soluções
habituais dadas a problemas usuais, sem sequer tentar ir além dos modelos consagrados,
sucumbindo entre o mundo das ideias e o mundo dos fatos, sem identificar, analisar, sopesar e
discriminar com critério as evidências à disposição. As pessoas, assim desorientadas, sequer
percebem todo um conjunto de circunstâncias e problemas que também estão no mundo e que, por
passar despercebido, acaba por não existir plenamente para elas. Este estado mental de não alcançar
percepção congruente e ampla do mundo produz uma tendência a visualizar os assuntos como
sendo muito menos complexos e sem interligações do que de fato são.

E afastar-se da conclusão racional e objetiva, leva à criação e alimentação de soluções


simplistas, carregadas de preconceitos, interpretando mal as situações e produzindo erros crassos.

39
Introdução à Lógica, p. 73
40
O mesmo acontece com 19/95 = 1/5, mas não se anime muito.... O professor só não pode querer expressar a nota do aluno, tentando valer-se da
mesma metodologia, com a fração 100/10, porque neste caso o aluno pode querer fazer a conta certa e querer nota 10, argumentando que não
pode ficar zero – nada? – no denominador.
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105

Nos dias de hoje, em que a forma politicamente correta de expressar ganhou um


patamar exorbitante, com a forma suplantando a substância e com foco somente em escolhidas
particularidades, o vulgo aceita muito mais facilmente algumas bandeiras em detrimento de outras,
que são tachadas de politicamente incorretas. Sempre pega bem falar em preservação absoluta do
meio ambiente, sustentabilidade, reciclagem, direitos sociais, ações afirmativas, dentre outros. O
expressar politicamente correto não faz sumir os problemas, mas cria uma redoma em torno deles
para que pareçam mitigados e compreendidos com mais “humanidade” e não proceder assim é
conduta preconceituosa e ofensiva. Na realidade, a imposição do discurso politicamente correto
obstrui o prosseguimento da argumentação porque impede a livre expressão do pensamento. Se as
ideias que conflitam com o discurso politicamente correto são tão absurdas e impertinentes, como
querem fazer impor os cultores da doutrina da expressão politicamente correta, então é fácil
arrazoar contra elas e afastá-las. Se não é assim, o que está havendo é fuga do debate e tentar
impingir no contendor a pecha de que tudo que ele vai falar a seguir é tão preconceituoso e
descabido quanto o que falara antes. Não se deve é confundir liberdade de expressão com discurso
de ódio, mas é coisa muito diferente e que igualmente fere a liberdade de expressão porque tende a
ameaçar e tolher a outra parte.

É bem recorrente a divisão das falácias em dois grandes grupos: as formais e as não-
formais.

As falácias formais são aquelas que tendem a serem confundidas com padrões válidos
de argumentar e, por isso, são estudadas em conexão com eles (v.g. afirmação do consequente,
negação do antecedente, dentre outras).

Já as falácias não-formais são erros de raciocínio em que se pode cair por vários
motivos, conforme se verá. A doutrina subdivide as falácias não-formais em dois tipos: falácias de
relevância e falácias de ambiguidade. Nas falácias de relevância, as premissas são irrelevantes para
alcançar a conclusão pretendida e, portanto, incapazes de estabelecer a verdade desta conclusão. A
irrelevância é lógica e não psicológica, porque, neste plano, pode turvar o raciocínio e colher,
porque tivesse o contendor o cuidado de avaliar criteriosamente os argumentos falaciosos faria por,
inexoravelmente, revelar-lhes as falhas, afastando-os. E porque isso não acontece? Neste tocante,
não se pode deixar de revelar o papel desempenhado, isolada ou conjuntamente, por fatores como
emoção, contexto, medo, negligência, descuido, pressa, preguiça, necessidade, falta de
conhecimento, dentre outras causas.

Existe uma expressão latina atribuída a Augusto, “festina lente”, cujo significado é algo
como que “apressa-te devagar”41 muito útil para diferenciar rapidez e pressa. Fazer algo com
rapidez não é de modo algum desenvolver a tarefa atabalhoadamente tentando conclui-la sem
maiores considerações de qualidade. Rapidez não é pressa, é precisão, atenção e cautela
perseguindo um resultado de boa qualidade. Aliada ao raciocinar, é muito importante fazer uma
análise acurada de todas as facetas do argumento em contraste com a situação prática para não cair
em alguma simplificação indevida ou deixar de levar em consideração pormenores fundamentais.

É erro básico confundir velocidade de pensar com velocidade de agir. Perseguir sempre
velocidade faz com que negligenciemos a riqueza dos fatos. Pensar para agir é um processo prévio
à ação e se houver erro no processo de decidir bem o que, porque, onde, quando, de que modo e
quem pode levar a uma decisão comprometida, no mínimo, pela consideração de um conjunto
insuficiente de informações e sem levar em conta pormenores fundamentais.
41
A expressão é exemplo da figura de linguagem chamada oximoro ou paroxismo por relacionar conceitos contrários forçando o leitor a encontrar
um sentido metafórico para a aplicação conjunta deles.
ARMADILHAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM
João Monteiro de Castro
14jun21
106

Aliada à pressa está a falta de atenção por qualquer seja o motivo, porque as situações
são cambiantes e uma solução boa num cenário, pode ser nefasta em outro. Uma história vale por
mil palavras. Um soldado casou-se e logo partiu para a guerra, ficando dois anos fora de casa. Ao
retornar, esperava-o toda linda e maravilhosa sua amada esposa. Tão logo a viu, beijou-a e foram
para um hotel. A farra foi boa e os dois praticamente desfaleceram, tão tórrida foi a noite de amor.
De manhã, são os dois acordados por vigorosas batidas na porta. O homem, acorda repentinamente
e ainda assonado, pergunta meio assustado para a mulher: “Será que é o seu marido?” A mulher,
também assonada responde acalmando-o: “Pode ficar tranquilo, meu marido está a cinco mil milhas
de distância”. E os dois acordaram de uma vez logo depois.

Uma regra de ouro no caminho de bem raciocinar é imaginar alternativas. Muitas


falácias ingressam pela senda de não serem identificadas, com a rapidez necessária, as alternativas
perniciosas: premissas capciosas, argumentos inválidos parecendo válidos ou mesmo má escolha de
linha de persuasão racional. Não só isso, é preciso imaginação para escolher, entre as alternativas
que se colocam, a linha de persuasão mais adequada e plausível à audiência. O contexto é elemento
de fundamental consideração. Num quartel em prontidão para entrar em combate, é de se considerar
que as armas estão todas carregadas; mas ignorar a alternativa da opção de as armas estarem
descarregadas pode ser um erro mortal para os combatentes. Outro cenário: numa situação normal,
quem vê uma arma que está sendo limpa e azeitada, presume-a sem munição. Entretanto, tanto num
caso quanto no outro, as hipóteses residuais contrárias não podem ser excluídas ou ignoradas
completamente e é prova disso muita gente já haver morrido por confusão entre armas
descarregadas e carregadas, em tempos de guerra ou paz. Então, quanto maior a capacidade de
imaginar hipóteses com que tratamos os contextos e as possibilidades argumentativas, mais dados
ingressam no universo de análise, o que acaba por subsidiar uma postura mais congruente e eficaz
frente à situação como um todo.

Nem sempre as premissas vêm organizadas – premissa maior, premissa menor e


conclusão. A conclusão é aquela que, normalmente, vem sinalizada pelas palavras ‘então’ ou
‘logo’, mas, se assim não for, ainda com base na regra que manda usar a imaginação, é de se aplicar
o chamado ‘princípio da caridade’, que manda melhor escolher como conclusão a proposição que
torna o argumento mais forte. E, lembrando, argumento dedutivo válido é aquele em que as
proposições verdadeiras levam a conclusão também verdadeira.

E o processo de pensar – tanto quanto agir – tem de prever folgas para acomodar
imponderabilidades e fatores não considerados – por pressa ou mesmo por ignorância – e que sejam
importantes ou mesmo vitais. Quem se atreve a pensar um plano de atravessar um deserto sem
dimensionar a quantidade de água com folga? Quem quer conquistar uma montanha gelada numa
antes escalada, tem como calcular com exatidão a quantidade de comida que vai gastar? Certo é que
quem, em casos como estes, não lida com folga, faz por aumentar exponencialmente os riscos de a
expedição terminar em tragédia. O processo de agir interferindo positiva ou negativamente no
mundo, põe em curso uma série enorme de mecanismos, alguns de difícil compreensão e apreensão
pelo intelecto, mas que não deixam de funcionar em respeito à nossa ignorância.

A emoção faz parte da forma de comportar dos humanos, está amalgamada no espírito
deles e age fortemente sobre alguns parâmetros relevantes nas tomadas de decisões, principalmente
porque tem elevado potencial poluidor e comprometedor da capacidade de raciocinar e criticar
coerentemente. Então, se não é possível humanamente eliminar completamente a emoção quando
estamos no processo de avaliar as situações e decidir, há que não se permitir que ela não impeça
que as cogitações e perguntas necessárias sejam feitas.
ARMADILHAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM
João Monteiro de Castro
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107

Nunca se deve desprezar o efeito da emoção contaminando a capacidade de ação. Um


bom exemplo é proporcionado por Millôr Fernandes42 dando instruções para matar baratas e numa
delas, muito divertida por sinal, ele descreve o comportamento adotado por baratas moribundas: “9
– Às vezes elas tentam outro truque sentimental. Atingidas de leve elas vão se arrastando
tristemente, de vez em quando olhando para você com um olhar que lhe dilacera o coração, como
quem diz: “Seu malvado, viu o que você fez?” Antes de começar a chorar bata até matar. Depois
chore.”

Schopenhauer43, no estratagema 8 expõe: “Provocar raiva no adversário, pois, tendo


raiva, ele não estará em posição de julgar corretamente nem perceber a própria vantagem. Para
deixá-lo com raiva é preciso ser injusto com ele. De modo declarado, atormentando-o e
comportando-se, em geral, com impudência”. Mais adiante o mesmo autor volta ao tema no
estratagema 27: “Se o adversário inesperadamente se zanga diante de um argumento, devemos
insistir energicamente nele: não apenas porque é bom provocar-lhe a ira, mas também porque é de
se supor que tenhamos tocado o lado fraco do seu raciocínio e que poderemos provavelmente
atingi-lo nesse ponto ainda mais do que se pode entrever num primeiro momento”.

A importância da emoção incidir fazendo descontrolar o espírito dos seres humanos,


levando-os à pratica de ações tipificadas, é tão corriqueira que o Código Penal coloca como
atenuante o agente praticar o crime movido por violenta emoção, advinda de ato injusto ou
provocação da vítima (art. 65, III, c; art. 121, § 1º e 129, § 4º).

10.1. Argumentum ad baculum (apelo à força)

Também conhecido como apelo à força, apelo ao medo, é uma modalidade de


argumentação falaciosa com grande força de persuasão uma vez falidos os meios tradicionais44 de
convencimento racional, uma das partes sugere – ou mesmo apela para a força – que consequências
desagradáveis advirão se não obtiver concordância dos demais para com sua conclusão, tudo meio
ao estilo ‘aos amigos tudo, aos inimigos a lei’. Esta postura é contrária aos objetivos e métodos
consagrados para, civilizadamente, iniciar e manter um diálogo racional, pois, os argumentadores
devem ter liberdade para avaliar, questionar, criticar os diversos argumentos contrários e favoráveis
para, ao final do debate, aceitar ou não uma conclusão proposta, com base exclusivamente nos
méritos dos argumentos colocados pelas partes envolvidas. Então, a falácia acontece por via de
transgressão e ruptura dos procedimentos do diálogo racional, mediante a inserção de ameaça de
uso da força no âmbito do debate, configurando-se num artifício diversionista não-pertinente e de
elevada carga emocional, manejado para desviar o foco da verdadeira questão tratada no debate, por
via de influência ilícita operada no espírito de envolvido na argumentação. Não se pode deixar de
anotar que o manejo do argumento de força para impor alguma conclusão resistida restringe as
possibilidades e alternativas do diálogo livre.

A política é um inesgotável estoque de exemplos deste tipo de falácia que encontra eco
até na política internacional com ameaça de guerra, boicote e outras restrições. Exemplos:

42
Lições de Um Ignorante, José Álvaro Editor, Rio de Janeiro, 1967, pág. 113
43
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: exposta em 38 estratagemas. 3ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. Páginas
34 e 37.
44
“In a war of ideas it is people who get killed” (Stanisław Jerzy Lec; 1909 – 1966)
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1) “The world is ruled by force, not by opinion; but opinion uses force.” (Blaise Pascal; 1623 -
1662); tradução livre: “O mundo é regido pela força, não pela opinião; mas a opinião usa a
força”;
2) “In the Soviet army it takes more courage to retreat than advance.” (Joseph Stalin; 1878 – 1953);
tradução livre” “No exército soviético é preciso mais coragem para retroceder do que para
avançar”.
3) “The Pope? How many divisions has he got?” (Joseph Stalin; 1878 – 1953); tradução livre: “O
Papa? Quantas divisões ele tem?”
4) “Speak softly and carry a big stick; you will go far” (Theodore Roosevelt; 1858 – 1919);
tradução livre: “Fale suavemente e carregue um porrete; você vai longe”.

Imagine-se ingressar na sala de um chefe, conhecido pelos vigorosos e particularmente


convincentes métodos para colher a concordância sem ponderações ou objeções dos subordinados,
e deparar-se com uma placa, colocada em um lugar de realce sobre a mesa, onde esteja escrito:
“There are two sides, my side and outside” (tradução livre: “Há dois lados, o meu ou rua.”) O
subordinado ficará, no mínimo, desencorajado em interpor alguma opinião em contrário ou
formular sugestão que possa trazer alguma alteração na posição esposada pelo chefe.

Existem legislações que impõem penalidades severas a algumas condutas ao ponto de


parecerem enveredar pelo recurso do uso enérgico da força ou intervenção indevida na vida das
pessoas e nem por isso podem ser tachadas de irracionais. Existe espaço para argumentar que, em
nome da utilidade pública e benefício da comunidade, são leis justas e necessárias, não
configurando falácia a utilização delas em peças publicitárias, por meio das quais se divulgam as
pesadas consequências civis, administrativas e penais passíveis de serem aplicadas aos
transgressores. Argumento favorável à existência e manutenção destas leis é que só foram
colocadas para vigorar após debate público e aprovação pelo Poder Legislativo, depois de feitas as
ponderações contra e a favor do estabelecimento de limitações ao comportamento das pessoas. São
exemplos as leis contra dirigir alcoolizado, porte ilegal de arma de fogo, dentre outras.

A ameaça, tomada estritamente, não é um argumento, mas influencia, minando e


submetendo, a capacidade de livre posicionamento do outro. Observe-se o trecho a seguir, da lavra
de Jorge Amado45, notando que quando o Horácio – o coronel – apresenta o jagunço Zé Comó a
Menezes nada mais está fazendo que uma ameaça velada absolutamente independente de qualquer
argumento tendente a convencer o tabelião:

“- Vou te dizer uma coisa, Menezes. Conheci teu pai, era um homem direito. Foi
meu amigo, eu fui amigo dele. Por isso te arranjei este cartório, te dei ele. Podia dar pra
outro. Mas se tu não fizer o que tou te dizendo eu esqueço que tu é filho do velho
Menezes...
Gritou chamando o capataz. Seu grito foi repetido através das roças pelos
trabalhadores que estavam na barcaça. O capataz veio apressado. Horácio ordenou:
- Mande Zé Comó aqui...
O escrivão olhava com medo. Medo de fazer o caxixe, aquele processo era perigoso,
medo de se negar ao que o coronel queria. O preto forte apareceu, vindo pela estrada, a
repetição no ombro.
- Boa-tarde, coronel...
- É só pra tu ver aqui seu Menezes. Guarda o rosto dele que pode ser que eu mande
tu levar um recado a ele em Itabuna... É um amigo meu... Pode ser...

45
São Jorge dos Ilhéus, 50ª edição, 1987, Rio de Janeiro: Editora Record. p. 223
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João Monteiro de Castro
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O negro riu, Menezes empalidecia:


- Trato feito, coronel. (...)”

Este tipo de argumentação baseada em força da posição encontra eco em muitos chefes
que com falsa cortesia fazem ameaças veladas, como por exemplo: “Há bons argumentos para
explicar a decisão de que este trabalho deve ser feito hoje. Estou ciente de suas ressalvas e até estou
disposto a ouvir suas sugestões, bem como discutir o assunto com maior profundidade antes de
você ir para sua mesa fazer a tarefa. Entretanto, pense bem por que se o trabalho não ficar pronto
ainda hoje a culpa não será minha e haverá consequências.”

Desmontar esta falácia, que tem inegável força psicológica, implica em identificar a
ameaça embutida nas afirmações falaciosas impingidas na audiência e, corajosamente, conseguir
realçar o estado lastimável da falta de argumentos racionais de quem está apelando para tão baixo
meio de coerção. Identificar exatamente qual o argumento que está sendo impingido pela ameaça
de força é necessário porque pode, em certos casos, não envolver irracionalidade.

10.2. Argumentum ad hominem (argumento contra a pessoa)

A expressão latina Argumentum ad hominem pode ser traduzida como


argumento dirigido contra a pessoa. É um gênero de falácia que comporta três espécies (ofensivo,
circunstancial, ‘poço envenenado’) e uma modalidade de réplica: tu quoque e, de modo geral, o
argumento – que não é enfrentado quanto ao mérito – é rejeitado em função de alguma
característica irrelevante – irrelevante para analisar o mérito do argumento – de seu autor.
Basicamente, a falácia consiste em dois passos: ataque lançado contra o autor do argumento com
base em características físicas, religião, raça, caráter, origem ou outro; e o ataque é tomado como
evidência para rejeitar o argumento.

Há hipóteses em que o Argumentum ad hominem pode ser usado


validamente, como, por exemplo, no art. 40546, do Código de Processo Civil, caso em que certas
circunstâncias pessoais das testemunhas levam a serem reputadas legalmente suspeitas. Mas, nem
por isso, estarão necessariamente mentindo.

Como avaliação geral, em todas as suas espécies, os argumentos


contra a pessoa trazem implícito o perigo de serem tomados, caso não sejam recebidos criticamente
pela plateia, por muito mais contundentes e perturbadores que efetivamente são. Os ataques
pessoais feitos com vivacidade e malícia, muitas vezes não passando de simples sugestão de
incoerência pessoal47, levam a impacto emocional potencializado muito mais amplo do que uma
criteriosa análise lógica poderia conceder.

10.2.1. Argumento contra a pessoa ofensivo

46
Código de Processo Civil
Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.
(...)
§ 3o São suspeitos:
I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença;
II - o que, por seus costumes, não for digno de fé;
III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo;
IV - o que tiver interesse no litígio.
§ 4o Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados
independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.
47 As ofensas embutidas em argumentos contra a pessoa podem vir a serem consideradas crimes contra a honra. Então, muitos
argumentadores assacam-nas sutilmente e à base de indagações e sugestões para fugir à eventual configuração de crime.
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João Monteiro de Castro
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A modalidade dita ofensiva ou abusiva consiste em, ao invés de enfrentar o argumento


diretamente, atacar a pessoa que fez a afirmação, questionando seu caráter, seus motivos ou mesmo
recorrer à injúria, difamação ou calúnia. O ataque pessoal pode versar fatos – ou suposições de
fatos – passados ou presentes e não ser sequer verdadeiro. Materialmente, o ataque pode
concentrar-se em: preferências, ligações ou afiliações políticas, preconceitos de toda ordem (raça,
cor, origem, credo, preferência sexual etc.), falta de moral ou ética, desonestidade, falta de
integridade, ignorância e a lista prossegue.

O objetivo do ataque é, por via da agressão direta à pessoa, seus motivos, seu caráter e
sua integridade criar uma atitude de desaprovação em relação a quem lançou o argumento e, por via
de uma contaminação emocional, alcançar desacordo da audiência em relação ao mérito do que a
pessoa teria defendido. No limite pode-se sugerir que o argumentador é louco ou mentalmente
desequilibrado, tornando-o não digno de fé ou que se lhe preste atenção.

Exemplos:

1) Alguém replica argumentação favorável ao aborto: “Você se diz a favor da legalização do


aborto, mas todo mundo sabe que abandonou sua mulher e filhos à míngua”. Os argumentos a
favor ou contra a legalização do aborto existem por si e independentemente das características
pessoais de seus defensores.
2) Alguém apresentando sinais de gripe aconselhado pelo porteiro do prédio onde mora: “O
porteiro do meu prédio recomendou que eu tomasse GRIPAX para melhorar da gripe. Mas o que
é que um pateta ignorante daqueles entende de remédio para gripe?” Só que a experiência
pessoal do porteiro pode indicar corretamente o diagnóstico e o remédio sem que ele deixe de
ser pessoa de parcos conhecimentos. Então, a ofensa não desmerece ou favorece a pertinência –
ou não – do conselho.
3) O contido em http://www.youtube.com/watch?v=ZPauNhdLsgA48, veiculado durante a
campanha para Presidente da República de 1989, identifique e explique a falácia que está
descrita.
4) Embate entre Rui Xavier e Orestes Quércia no Roda Viva: https://www.youtube.com/watch?v=-
n8BrMe1RCs49, ocorrido em 1994.

10.2.2. Argumento contra a pessoa circunstancial

A variante circunstancial do Argumentum ad hominem consiste em, ao invés de


enfrentar o argumento, apontar relações entre a afirmação e circunstâncias pessoais de quem a
formula, indiretamente o acusando de ser tendencioso, pois movido pelo egoísmo ou algum
interesse pessoal inconfessável. É algo como impingir ao argumentador: ‘você não pratica o que
prega’; ou o acusa de doutrinar com base em ‘faça o que eu falo, não o que eu faço’.

Exemplos:

1) Diálogo entre médico e paciente: médico: “O Senhor precisa parar de fumar”; paciente: “Doutor,
como pode o senhor dizer isto se fuma também”. Não há incompatibilidade na conduta do
médico fumante recomendar ao paciente parar de fumar porque, tecnicamente, os malefícios do
fumo são patentes e não é porque o médico não consegue se controlar e fuma que o cânone
profissional está afastado. Inclusive, é dever profissional de qualquer médico recomendar aos
pacientes práticas saudáveis, aí se inclui abandonar o cigarro. Portanto, o médico – fumante ou
48 Pesquisado em 08/08/20.
49 Pesquisado em 03/05/21.
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João Monteiro de Castro
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não – deve recomendar ao paciente que largue o hábito – vício – de fumar. Logo, o ataque
proporcionado pelo paciente não retira a pertinência da recomendação do profissional da
medicina.

2) Palestrante atacando a caça esportiva é questionado por alguém da plateia com argumentação
absolutamente desvinculada do mérito do que se discute, mas voltada contra peculiaridade
pessoal do expositor: “Pelos motivos apresentados, a caça esportiva não é defensável porque
implica num sacrifício desnecessário de animais apenas para divertimento humano”; plateia:
“Porque, então, o senhor usa sapato, pasta e cinto feitos do couro de inocentes reses que
perderam a vida para serem enfeites?” É de se indagar: se o expositor estivesse pelado o mérito
da argumentação dele seria diferente.

10.2.3. “Poço envenenado”

Esta modalidade de argumento contra a pessoa consiste em atacar a imparcialidade do


argumentador, imputando-lhe uma pauta oculta, um preconceito inconfesso, interesse econômico,
enfim, um motivo de natureza pessoal que o torna tendencioso, logo propenso a favorecer um dos
lados do argumento em prol do outro. Exemplos:

1) Alguém atacando a isenção de um parlamentar defensor de aumento de pena para delitos contra
a honra: “Como o nobre deputado Nicodemos tem imunidade parlamentar, é natural que ele
defenda aumento de pena para delitos contra a honra”. Primeiro, o mérito do conjunto dos
argumentos a favor do aumento da pena não foi sequer resvalado. Depois, a afirmação feita
coloca em dúvida a isenção do deputado no debate e, consequentemente, tachando suas razões
como viciadas porque advindas de pessoa que só as sustenta por não responder pelas regras que
entende deverem ser endurecidas.

2) Certo estudioso apresentando resultado de pesquisa é interrompido: “Podemos ignorar os


argumentos do Aparício porque sabemos que ele é patrocinado pela indústria petroquímica”. ‘A
priori’ não é porque o estudioso é financiado pela indústria petroquímica que, inexoravelmente,
seus argumentos não são cientificamente sustentáveis. Mas o ataque, tal como desferido, não
ingressa no mérito da argumentação e pode levar à mera supressão da discussão quanto ao
mérito técnico dos argumentos. Esta linha de ataque não raro facilita ilicitamente a vida de quem
defende a teses contrárias, porque espancar razões técnicas apresentadas por especialista nem
sempre é fácil. Então, se a plateia enveredar por ignorar os argumentos do adversário, sem
ingressar no mérito deles, quem interrompeu fica poupado de um trabalho às vezes árduo e de
sucesso nem sempre possível.

10.2.4. Réplica “tu quoque”

Consiste em fazer notar – reação de igual índole: ataque pessoal – que a pessoa que
lançou o primeiro argumento fundado no ataque pessoal não pratica o que diz ou há alguma
inconsistência com algo dito ou apresentado anteriormente. Diferencia-se da falácia “red herring”
porque a réplica é, em si, um ataque autônomo e independente contra a figura do acusador.

O risco da réplica “tu quoque” é levar à deterioração da argumentação racional e


descambar para a altercação. De todo modo, esta modalidade de réplica é fraca porque um segundo
erro não justifica o primeiro, ou seja, dois erros não fazem um acerto, pois, não é porque o chefe
possa vir a ter um gênio difícil para com terceiros que algum subordinado pode arvorar-se a, com
base nesta suposição, tratar mal clientes. São dois os problemas que devem ser atacados e
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resolvidos isoladamente, mas no cenário da relação chefe-subordinado, o chefe tem o dever de


chamar a atenção do subordinado para com seus deveres.

Mesmo sendo uma tática diversionista, por voltar-se diretamente contra a pessoa que
fez a acusação inicial, a réplica “tu quoque” leva o acusador para uma posição defensiva, tirando-
lhe o ímpeto e, muito frequentemente, compelindo-o à defesa. Exemplo:

Chefe: “O senhor precisa ser mais cortês, moderar na forma que trata os clientes, que
merecem toda a nossa atenção e delicadeza.”
Subordinado: “Algum cliente pode até ter reclamado de eu ter modos rudes para tratá-
los. Mas eu já ouvi outros empregados da companhia reclamar da maneira grosseira
como são tratados pelo senhor. Logo, não é o senhor a pessoa mais indicada para
censurar-me.”

10.3. Argumentum ad ignorantiam (argumento da ignorância)

A expressão latina Argumentum ad ignorantiam significa “argumento da ignorância”. A


falácia do argumento da ignorância ocorre quando algo é reputado verdadeiro simplesmente porque
não provaram o contrário; ou, mutatis mutandis, quando se disser que algo é falso porque não
provaram ser verdade. Importante realçar que admitir que algo é falso até que se prove o contrário
não é a mesma coisa que afirmar peremptoriamente. As leis, por exemplo, descrevem os
indivíduos como não penalmente culpados até que se prove o contrário50.

As proposições podem ser verdadeiras ou falsas. As proposições verdadeiras


subdividem-se em verdadeiras já demonstradas verdadeiras – conhecimento já adquirido – e as
verdadeiras ainda não assim provadas – medida de nossa ignorância. Similarmente as proposições
falsas subdividem-se em falsas já provadas falsas – conhecimento já adquirido – e as falsas ainda
pendentes de serem assim provadas – medida de nossa ignorância. Assim, em função do nosso
conhecimento ou ignorância a verdade ou falsidade das proposições não mudam.

A ignorância humana é um fator limitante que nada implica, além da incapacidade de


provar a veracidade ou falsidade de algo, não pode ser parâmetro para estabelecer verdade ou
falsidade. Então, não é de se aceitar proposição ser reputada falsa porque ainda ninguém não a
provou verdadeira; similarmente, não há como afirmar ser a proposição verdadeira porque ninguém
ainda não a provou falsa.

“Óbvio que Deus existe. Ninguém pôde provar o contrário”. Existem dois defeitos
nestas proposições. Primeiro, o que existe, existe por si. Ou seja, para dizer que algo existe, o
necessário é provar que existe e lidar com provas depende muito do estado da técnica. Campos
elétricos, raios cósmicos, magnetismo existem, apesar de não visíveis a olho nu, e foi preciso
acontecer a evolução da ciência para constatar a existência física dessas grandezas. Nada impede
que haja outras coisas ainda não descobertas na natureza. O certo é que a partir da constatação da
existência delas a ciência alcançará meios de aferi-las qualitativa e quantitativamente. Segundo,
sempre se pode questionar o que seria a prova da inexistência. Este método para ser aceito –
suposição para argumentar – imporia que toda e qualquer prova deveria ser tentada antes para

50
CF/88
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
(...)
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concluir pela inexistência. Aceitar argumento do tipo do apresentado pode implicar na ‘prova’ da
existência de toda e qualquer coisa, existente ou inexistente: unicórnios, grifos, elefantes, bichos de
pelúcia etc.

Outra face desta mesma linha de argumento: “A tão decantada telepatia não existe
mesmo. Ninguém jamais foi capaz de provar sua existência”. Ainda não existe certeza científica da
existência ou inexistência da telepatia, mas não é porque ninguém ainda conseguiu provar a
existência de algo que se autoriza concluir que esta coisa não exista. Houve tempo em que os
homens não detinham a técnica de provar a existência dos raios ultravioletas, por exemplo, e nem
por isso deixavam de ser queimados por eles. Por este tipo de argumento, é possível provar que as
coisas que existem e ainda não foram descobertas não existem.

O argumento da ignorância é frequentemente aplicado pelos opositores de mudanças


com base na alegação de que a segurança do que se pretende adotar não está suficientemente
provada. É de se alertar que tal prova, em tese impossível de obter “a priori” pois a mudança não
foi ainda tentada, e a observação, tal como feita, abre espaço para a ignorância misturar-se com o
medo em vista dos “perigos desconhecidos” embutidos na proposta, ganhando o argumento
contrário força extra.

Nada impede, similarmente, que mudanças de posturas não possam ser alicerçadas em
argumento de ignorância e que, diante de uma pergunta difícil de ser atacada, é feita uma afirmação
do gênero: “não há evidência neste sentido, mas, também não há no sentido contrário”.

Nas investigações científicas, investigadores qualificados podem saber se um evento


ocorreu ou não pela presença de certas evidências concretas. Então, se as investigações apropriadas
foram feitas e não se logrou provar a existência do evento, é de se tomar tais provas como da não
existência do evento. Entretanto, não encontrar provas da existência, pressupondo-se feitas as
devidas investigações, significa concluir a não existência do evento baseando-se do limite do nosso
conhecimento51. Claro que esta certeza não é absoluta porque não encontrar vestígios do evento e
concluir pela não ocorrência dele não é prova cabal de que não houve o evento, mas que –
improvável pelo estado da técnica – tenha ocorrido sem deixar vestígios.

O Princípio do “in dubio pro reo” é uma das salvaguardas jurídicas modernas contra a
aplicação do “Argumentum ad ignorantiam” pela acusação. O dilema apresentado a seguir em
função da sistemática legal imposta pelo ordenamento jurídico penal é resolvido em prol do réu:
Acusador: “Como o réu não provou sua inocência, é culpado”; Defensor: “Como a acusação não
provou que o meu cliente é culpado, ele deve ser absolvido.”

No processo penal, há uma opção legislativa no sentido de que a acusação é quem tem o
ônus de provar os fatos imputados ao acusado para lograr a condenação. A defesa, por sua vez, tem
de, no mínimo, desgastar a acusação e introduzir dúvidas acerca da culpabilidade do acusado para
lograr absolvição. Existe uma opção legislativa em prol da defesa e, então, à míngua de provas que
suportem condenar, o réu deve ser absolvido, ainda que sob o fundamento da falta ou insuficiência
de provas.

51
Código Civil
Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações,
devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
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João Monteiro de Castro
14jun21
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Nem sempre houve a opção em prol do réu. No direito antigo existia uma prova
judiciária, chamada ordália ou ordálio, a que se submetia o acusado para demonstrar sua inocência
– ou, indiretamente, culpa – por meio de testes envolvendo elementos da natureza e cujo resultado
era visto como Juízo de Deus (judicium Dei), como, por exemplo, mergulhar mãos e braços em
água fervente ou caminhar sobre um tapete de carvão em brasa e similares.

No processo civil, em certos casos, se o réu não apresentar defesa no prazo e forma que
a lei prevê, há situações em que se presumem verdadeiros fatos alegados pelo autor não
impugnados na defesa.

10.4. Argumentum ad misericordiam (apelo à piedade)

A falácia acontece quando, para que a audiência aceite certa conclusão sem maiores
indagações e sem verificar os fundamentos do pleito, é feito apelo à piedade ou à compaixão. Uma
análise não emocional da situação colocada implica reconhecer que o apelo à piedade não é
evidência pertinente para dar suporte à conclusão proposta, que, até por outros motivos pode ser –
ou não – verdadeira. Mas, muito importante, nem todo apelo à piedade é impertinente.

O Argumentum ad misericordiam, pelo seu inafastável efeito psicológico e emocional, é


largamente utilizado no direito – principalmente no penal – para tentar a extração de conseqüência
favorável sem suporte nos fatos da causa à custa da sensibilização da parte contrária ou do júri, isto
sem mencionar o juiz.

Alunos nem sempre se conformam com as avaliações recebidas: “Professor, o senhor


tem de melhorar a minha nota porque eu estudei 16 horas por dia na última semana para conseguir
tirar nove na sua matéria e ser aceito no programa de pós-graduação”. Só que com base neste
argumento, poucos são os professores que se sentem à vontade para aumentar o grau atribuído ao
aluno. Atendo-se exclusivamente ao enfoque acadêmico, o aluno ao expor sua situação ao professor
sequer se insurge contra a nota que lhe fora atribuída. A rigor, o aluno não tem causa de pedir, o
que só haveria se ele afirmasse que a nota não foi congruente com o desempenho que ele julgou ter
tido. Só por isso o pleito não encontra fundamento razoável para acolhimento, porque se assim
fosse o professor estaria rendendo-se a um argumento de índole exclusivamente subjetiva para
atribuir nota aos alunos, o que não se aceita.

Exemplo, um caso real de “argumentum ad misericordiam” proporcionado por um


aluno, via e-mail, o novo meio de comunicação contemporâneo:

“Querido professor, boa tarde. Meu nome é Jundiá dos Palmares52 e sou seu aluno de
quinta-feira na P.... Venho, por este e-mail, questionar quanto a dois assuntos da aula: o
primeiro é se o senhor possui o esquema de aula e o material da matéria já ministrada
(ou pelo menos uma orientação de estudos). Minha esposa está grávida e estou com
alguns problemas pessoais graves (a gravidez dela é de risco e estou com problemas de
saúde). Assim sendo, tenho a segunda pergunta: se o senhor faz chamada e se reprova
por falta. Usualmente não questiono este tipo de informação por e-mail, mas devido à
minha situação atual neste último semestre da faculdade, não tive outra escolha.
Pretendo, obviamente, ir em sua aula o máximo de vezes possível, mas com esse
problema pessoal, a situação está delicada não só com sua matéria, mas com todas as

52
Este email foi, de fato, recebido por um professor meu amigo. O autor, para homenagear José Cândido de Carvalho e evitar expor a tão
depauperada situação do aluno lamuriento, resolvi trocar o nome dele por um dos personagens do saudoso autor de ‘O Coronel e o Lobisomem’
(Vide p. 14, da obra Os Mágicos Municipais).
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João Monteiro de Castro
14jun21
115

demais. Aproveitando a oportunidade, gostaria de saber se já há uma prova marcada e


qual será o conteúdo - ou se o senhor avalia por trabalhos como os demais professores
das matérias optativas. Caso necessário, posso levar uma cópia do laudo do ultrassom
de minha esposa. Muito obrigado pela abertura e oportunidade. Espero ouvir do senhor
em breve. Atenciosamente, Jundiá dos Palmares”

É preciso ter muito cuidado ao tratar do desmonte do apelo à piedade para a audiência
não ficar com a impressão de crueldade quanto a quem está confrontando a afirmação falaciosa.
Psicologicamente, a audiência pode vir a inclinar-se da seguinte forma: “Esse é um desalmado e
está dando vazão à pura maldade, então esta vítima da sorte merece nossa compreensão.”

Pode haver a situação inversa: “Como esta quase criança pode ser condenada? Vejam a
pobre mãe dele chorando ali na primeira fileira. Só a mãe de um inocente chora assim.” Detalhe
fundamental: nunca, nunca mesmo, despreze a “compreensão” indulgente da audiência.

Há vários casos do uso válido do argumento ad misericordiam, quando o objetivo do


argumento se restringe a limites razoáveis e a pessoa que o usa ostente ou esteja em estado de
particular fragilidade – pobreza, por exemplo – para ganhar benesses. A legislação brasileira prevê
casos de hipossuficiência de recursos como pressuposto para conceder gratuidade.53

10.5. Argumentum ad populum (apelo à multidão)

É a falácia em que, à falta de argumentos sólidos, dirige-se um apelo emocional “ao


povo” ou à “galeria”, despertando entusiasmo e paixões, visando ganhar adesão a certa conclusão.
É o expediente predileto dos demagogos, populistas, publicitários e messiânicos, que consagra
definitivamente a ideia de que a veracidade de uma questão não é determinada pela opinião
popular.

Como bem coloca Irving M. Copi: “Diante da tarefa de mobilizar o sentimento público
a favor de uma determinada medida, ou contra ela, o propagandista54 evitará o laborioso processo
de reunir e apresentar provas e argumentos racionais, recorrendo a métodos mais rápidos do
argumentum ad populum. Se a medida proposta introduz uma mudança, e ele está contra essa
mudança, expressará suas suspeitas sobre as “inovações arbitrárias” e elogiará a sabedoria da
“ordem existente”. Se estiver a favor da mudança, falará das “virtudes do progresso” e opor-se-á
aos “preconceitos antiquados”.”55

A massa majoritária, entendendo em certo sentido, tende a impor sua opinião aos
minoritários. Como bem coloca D. Q. McInerny:56 “Se a maioria das pessoas de uma sociedade tem
53
Código de Processo Civil
Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se
o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
(...)
§ 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.
Código Civil
Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua celebração.
Parágrafo único. A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas
cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
54
No Brasil, usam-se indistintamente os vocábulos propaganda e publicidade, muitas vezes confundindo os dois. Publicidade e propaganda
guardam, no sentido jurídico, diferenças marcantes. A propaganda respeita a propagação de princípios, ideias, conhecimentos ou teorias de cunho
ideológico, religioso, filosófico, político, econômico ou social. A publicidade, por sua vez, é a arte de exercer uma ação psicológica sobre o
público com fins comerciais ou políticos. De modo geral, a publicidade é paga, identifica o anunciante, o que nem sempre ocorre com a
propaganda. A diferença fundamental é que a publicidade visa o benefício do anunciante em decorrência da preferência do público, ao passo que,
quase sempre, a propaganda tenta moldar a opinião, entretanto excluindo a ideia do benefício econômico imediato.
55
Introdução à Lógica, p. 80
56
Use a Lógica, p. 140.
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João Monteiro de Castro
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a opinião de que preto é branco e branco é preto, meus pêsames para a opinião da maioria das
pessoas dessa sociedade. Se alguma coisa é preta ou branca, não é questão de opinião subjetiva,
mas um fato objetivo. Assim, deve-se reconhecer que, em um nível emocional, a falácia
democrática pode ser muito persuasiva. Como muitas grandes figuras da história descobriram, não
é fácil levantar-se contra uma multidão quando esta acredita que o preto é branco e o branco é
preto.”

Muitas pessoas são sensíveis e, simplesmente porque a maioria entende num certo
sentido, diminuem a resistência e passam a assim acreditar também. As prévias de intenção de voto
antes das eleições constituem verdadeiras lutas entre institutos de pesquisas, tudo para dar margem
ao político pedir voto sob o “argumento” de que a maioria está com ele porque suas propostas são
as melhores. E este combate pelo voto, obviamente, é feito sem que o candidato se veja na difícil
posição de explicar concretamente quais seriam suas ‘excelentes propostas’. A prática mostra que
as pessoas indecisas tendem a posicionar-se de acordo com a maioria. Entretanto e
fundamentalmente, uma atitude consagrada pela aceitação popular não é necessariamente
verdadeira ou mesmo razoável. Exemplo: “Eu, assim como toda a massa de pessoas sensatas que
querem evitar que os filhos fiquem intoxicados pelos venenos alopatas, sempre tratei meus filhos
com remédios homeopáticos; são os melhores.”

“A priori” não se pode dizer que o apelo ao sentimento popular está errado. O mundo
está repleto de exemplos de pessoas confiando nas outras com base no puro instinto. Num mundo
competitivo passa-se necessariamente pela etapa de chamar a atenção da massa – consumidores ou
eleitores – para as boas qualidades do que estiver sendo divulgado, produto, serviço, campanha
eleitoral ou outro. Mas uma vez, obtida a atenção do público, devem cessar os apelos emocionais e
a divulgação prosseguir com base em argumentos objetivos e informativos para persuadir e obter a
adesão dos destinatários. Isto sem falar que, às vezes, o conjunto vem aliado a um apelo disfarçado
à autoridade.

A publicidade também adora colocar no cardápio argumentos ad populum, mas um


produto não é bom porque é o preferido dos consumidores. O que não falta também é produto cuja
“prova de qualidade” é dada pela multidão de mulheres e homens bonitos que o usam ou inclinam-
se voluptuosamente para o(a) usuário(a). Quando permitidas, as publicidades de cigarros e bebidas
eram tradicionais exemplos. A seguir alguns exemplos de publicidade de produtos que acenam com
o “argumento” da liderança de preferência para captar mais consumidores:

1) “... o perfume preferido das celebridades”;


2) “G..... o carro mais vendido do Brasil”;
3) “venha para a C.... você também”;
4) “cerveja B...., a número um”;
5) “C... total 12, a marca número 1 na recomendação dos dentistas”.

10.6. Argumentum ad verecundiam (apelo à autoridade)

“A priori”, o apelo à autoridade não é uma falácia, pois, às vezes é apropriado


mencionar a opinião de uma autoridade sobre o assunto para corroborar certo posicionamento. É
comum as partes contratarem especialistas – assistentes técnicos57 ou pareceristas – para
57
Lei 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil
Art. 466. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso.
§ 1o Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou suspeição.
§ 2o O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia
comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.
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João Monteiro de Castro
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acompanhar o andamento do caso, a produção de provas periciais, analisar pormenores e oferecer


subsídios técnicos ou arrazoados para subsidiarem suas alegações. A anuência à opinião da
autoridade, sobre o assunto em que ela seja versada, vem do respeito e acatamento que as pessoas,
de modo geral, deferem a tais especialistas que, normalmente, podem oferecer argumentos
fundamentados em seus pareceres ajudando a aclarar o cenário do caso em análise e até mesmo
indicando pormenores relevantes. Importante realçar que, embora não prove cabalmente a
conclusão, o expert pode oferecer razões relevantes no sentido em que opinam.

Discorrendo sobre o argumento de autoridade, muito usado nas lides judiciárias, assim
se expressa Carlos Maximiliano58: “Sempre se usou nas lides judiciárias, com excessiva frequência,
bombardear o adversário com as letras de arestos e nomes de autores, como se foram argumentos.
O Direito é ciência de raciocínio; curvando-nos ante a razão, não perante o prestígio profissional de
quem quer que seja. O dever do jurisconsulto é submeter a exame os conceitos de qualquer
autoridade, tanto a dos grandes nomes que ilustram a ciência, como a das altas corporações
judiciárias. Estas e aquelas mudam frequentemente de parecer, e alguns têm a nobre coragem de o
confessar; logo seria insânia acompanhá-los sem inquirir os fundamentos de seus assertos, como se
eles foram infalíveis. Nullius addictus jurare in verba magistri: “ninguém está obrigado a jurar nas
palavras de mestre algum.” (...) A facilidade em achar autoridades pró e contra, sobretudo nas
questões sérias, demonstra a fraqueza de semelhante modo de persuadir e vencer. Repitam-se as
razões, não os nomes apenas; afirmações, sem justificação expressa, podem ser o fruto de
inadvertência. Quando os argumentos são fracos, insuficientes, ou nem existem sequer, diminuída
há de ser a confiança na doutrina, embora de alto tribunal, ou de grande jurisconsulto. Excetuam-se
os assertos relativos a questões pacíficas, os quais os escritores repetem sem justificar. Há um caso
em que o argumento de autoridade se torna muito forte; é se ele se reveste de característicos da boa
jurisprudência, isto é, se traduz um parecer uniforme e constante. “Quando a doutrina dos escritores
aparece como um feixe compacto, um bloco, melhor ainda quando é unânime, constitui uma
autoridade muito positiva, que, sem excluir absolutamente o critério profissional do intérprete, lhe
impõe grande prudência para romper de frente, contra o que a mesma lhe sugere”. Apesar da
fraqueza do argumento de autoridade, não deve abandoná-lo, em absoluto, o profissional. Faz efeito
na multidão; e o advogado, ou polemista, não pode desprezar esse fator de prestígio e êxito.
Convém invocá-lo para contrabalançar o triunfo resultante de citações de autores e arestos pelo
contraditor.”

A citação feita acima é exemplo de argumento de autoridade aceitável, pois, extraído de


um dos livros brasileiros mais bem escritos e profundos sobre a interpretação e aplicação do direito.

Só que ninguém é campeão em tudo. É muito comum serem vistas citações, sobre os
mais variados assuntos, atribuídas a Albert Einstein, um dos maiores físicos de todos os tempos;
físico. Ou seja, numa discussão sobre física relativística, a opinião de Albert Einstein sobre o
assunto era verdadeiramente relevante. Entretanto, é preciso tomar com muita reserva suas opiniões
sobre política internacional e pacifismo porque nestes campos tão particulares ele não desfrutava de
autoridade da mesma estatura que tinha quando o assunto era física relativística.

Um recurso publicitário muito comum é o “testemunho” de alguma celebridade, ator de


cinema, jogador de futebol instando os consumidores a fumar certa marca de cigarro, comprar certa
marca de jeans ou sapato, sob o argumento – ou sugerindo – de que usa o produto ou serviço. Só
para lembrar, Leonel Brizola (https://www.youtube.com/watch?v=i4KshBdhwc8 pesquisado em
26/jun/17), Paulo Maluf (https://www.youtube.com/watch?v=NTKdCj7JrC4 pesquisado em

58
Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª edição, Forense: Rio de Janeiro, 1981. p. 272.
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João Monteiro de Castro
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26/jun/17) e Vicente Matteus (https://www.youtube.com/watch?v=v675-2vmP-g pesquisado em


26/jun/2017) deram “testemunhos”, como se fossem usuários, da qualidade do famoso sapato
popular Vulcabras 752. É mesmo! Há muitos anos, Paulo Maluf disse na televisão que o sapato
Vulcabras 752 era o melhor sapato do mercado para quem andasse muito e quisesse um produto de
bom preço. Muita gente, influenciada pela fama de esperteza das celebridades, dois ex-
Governadores e um conhecido dirigente de clube esportivo, deve ter adquirido um par para si. “A
priori”, nada impede que uma pessoa comum tenha opinião congruente e fundamentada sobre certo
assunto. No assunto sapato para andar o dia inteiro, algum carteiro, por mais desconhecido que seja,
é muito mais categorizado para informar que celebridade milionária. O que não se pode deixar
acontecer é deixar ser alçado à altura de especialista em certo tipo de conhecimento alguém que não
o seja efetivamente, porque será caso de falácia.

Resumindo, há a falácia do apelo à autoridade quando a pessoa cuja opinião é invocada:

1) Não é autoridade qualificada no assunto tratado; Exemplo conhecido é uma frase atribuída ao
excepcional jogador de futebol Pelé: “Brasileiro não sabe votar.”;

2) Mesmo que a pessoa opinante seja autoridade no assunto tratado não está agindo de forma
isenta; Exemplo: médico pesquisador de reconhecido renome técnico, porém, subsidiado pela
indústria do tabaco, dando opinião mitigada sobre os malefícios do fumo no organismo humano;

3) Os conhecedores do assunto divergem profundamente acerca do ponto tratado; Exemplo: teorias


sobre a criação e evolução do universo;

4) A autoridade fazendo piada ou por outro modo privada da seriedade necessária e senso –
embriaguez, por exemplo – quando faz comentário não pertinente sobre assunto de seu âmbito
de conhecimento. Exemplo famoso e que causou tensão no cenário internacional foi
proporcionado por Ronald Reagan, ex-Presidente do EUA de 1981-1989, por dizer, no dia
11/ago/1084, o seguinte a título de piada, quando testava o funcionamento do microfone, antes
de um pronunciamento oficial: ''My fellow Americans, I'm pleased to tell you today that I've
signed legislation that will outlaw Russia forever. We begin bombing in five minutes.” (Ronad
Reagan, 11/08/1984); tradução livre: “Meus compatriotas americanos, tenho o prazer de dizer
hoje que eu assinei a legislação que vai proibir a Rússia para sempre. Nós começamos a
bombardear em cinco minutos.” (https://www.youtube.com/watch?v=bN5wL1nw7XA
pesquisado em 26/06/17).

5) O assunto não é uma área do conhecimento legítimo, reconhecida ou válida. Exemplo: opinião
de um “especialista” em ufologia sobre a aparição do ET de Varginha ou sobre as Figuras de
Nazca ou sobre a construção das Pirâmides do Egito.

10.7. Dicto simpliciter

Há dois tipos: acidente – “a dicto simpliciter ad dictum secundum quid”59 – tentar


aplicar regra geral a caso específico que configura exceção; e acidente convertido – “a dicto
secundum quid ad dictum simpliciter”60 – tentar inferir regra geral a partir de casos excepcionais.

Muito embora o ideário popular diga que “Toda regra tem exceção” e que “A exceção
confirma a regra”, estas duas máximas devem ser vistas com muita reserva.
59
Tradução livre: "da asserção não qualificada para a qualificada";
60
Tradução livre: "da asserção qualificada para a não qualificada";
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João Monteiro de Castro
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De modo mais rigoroso, deve-se considerar para lidar com regras e exceções o seguinte:
- A exceção – se houver – não se submete à regra;
- A exceção não faz a regra.

10.7.1. Acidente

Comete a falácia do acidente quem, num caso que comporta exceção, aplica
indiscriminadamente uma regra geral sem maiores considerações. A sabedoria popular consagra
esta falácia com a máxima que, a rigor, é falsa: “A exceção confirma a regra”.

Alguma coisa não é universalmente verdadeira porque é geralmente verdadeira.


Algumas limitações, circunstâncias e contextos alteram as situações da vida e muitas
generalizações são, às vezes e incorretamente, enunciadas sem restrições. É assim porque as
condições que restringem a aplicabilidade não são totalmente conhecidas ou porque as
circunstâncias que as tornam inaplicáveis são tão raras que são, na prática do dia a dia, ignoradas.
Mas, em todo caso as exceções não podem ser ignoradas.

Tomados de modo absoluto, os aforismos, os princípios morais, as generalizações


empíricas são deste tipo de falácia: “Quem avisa amigo é” não exclui a possibilidade de inimigo
avisar; “Para o bom entendedor meia palavra basta” desde que ele, na situação específica, esteja
atento; “Quem ama o feio, bonito lhe parece” e mas há aqueles que sabem amar pessoa feia; “Deus
dá o frio conforme o cobertor” não pode ser dito a quem está prestes a morrer de frio.

A publicidade também é boa fonte de exemplos:

1) “O tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus continua numa boa”;


2) “Nacional, o banco que está ao seu lado”; “Se o bar é bom o chopp é Brahma”.

No direito são muito comuns exceções que devem ser aplicadas em razão de
pormenores do caso em pauta. Quanto aos dispositivos legais, todos que contenham expressões
como “salvo”, “exceto” e outros restritivos trazem exceção ao princípio geral. No arrazoado:
“Matar as pessoas é sempre um crime odioso; logo, todos que matam deveriam ser exemplarmente
punidos com a morte” cabem vários comentários, todos suportados na lei brasileira:

1) A pena de morte para civis não é permitida em tempos de paz;


2) Podem restar configuradas excludentes: casos em que o agente pratica o fato em legítima defesa,
estado de necessidade ou em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito;
3) Pode ocorrer também a exceção do parágrafo único, do artigo 23, do Código Penal, caso de estar
prevista a punição nas hipóteses de excesso, culposo ou doloso.

Nem sempre ferir as pessoas é lesão corporal, pois, se assim fosse: “Os médicos
cirurgiões ferem as pessoas seriamente quando fazem operações; logo, os médicos cirurgiões são
uns criminosos” colocaria na ilegalidade qualquer cirurgia feita em benefício dos pacientes. Mas,
sabiamente, a lei trata as lesões corporais consentidas pelo paciente – ou por quem de direito – e
perpetradas pelo médico ao tratá-lo como exercício legal da profissão de médico.

Ignorar as exceções pode levar a argumentações visivelmente infundadas. Imagine-se o


aluno que, incluindo na igualdade jurídica a igualdade de desempenho acadêmico, tenha ido muito
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João Monteiro de Castro
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mal nas provas e recebido nota abaixo da média de aprovação, pudesse manejar viavelmente o
seguinte linha para advogar pela aprovação: “Professor, a Constituição diz que todas as pessoas são
iguais, então, como o desempenho dos meus colegas foi considerado suficiente para aprovação,
esforcei-me muito para ser reprovado; logo, exijo, em nome do princípio da igualdade, ser
aprovado também”.

Uma grande variedade de exemplos, desde manifestações verbais até publicidades,


pode ser citada. “Quem disse que o importante é competir, certamente perdeu” não contou com a
possibilidade de alguém haver competido e, sem ser daqueles que valorizam a vitória
exclusivamente, haver saído da contenda enriquecido com a experiência adquirida, ganhando ou
perdido. O slogan da prestigiosa Rede Globo: “O que é bom está na Globo” não autoriza a
suposição pueril de que a emissora não possa veicular algo ruim. Dizer que “Se o Brasil é uma
verdadeira democracia, então, crianças, analfabetos, criminosos, dementes, todos enfim, deveriam
votar” não condiz com a seriedade do que deve ser a eleição de representantes para cargos que
dirigirão os destinos da nação e que precisam ser escolhidos pelo povo. Mas, para a eleição refletir
ao máximo a opinião daqueles com consciência da realidade e de seus deveres, a lei estabelece
critérios para definir qual o estrato da população que comporá o colégio eleitoral. Por expressas
previsões legais ficam excluídos do colégio os loucos, que não têm noção coerente das coisas do
mundo e as crianças por inexperiência e formação incompleta. Igualmente, há outros que, por
alguma peculiaridade, a lei estabelece a exclusão, também com base em critérios de razoabilidade e
proporcionalidade.

10.7.2. Acidente convertido (generalização apressada)

É uma modalidade da estatística insuficiente quando apenas são considerados casos


excepcionais na pesquisa e resta produzida uma generalização só a eles aplicável. Aqui a base
pesquisada não é totalidade do conjunto, motivo pelo qual difere das falácias da divisão e da
composição, casos em que se chega à conclusão incorreta mesmo considerando no universo
amostral analisado todos os dados de modo impróprio, tal como supor leve uma máquina pesada só
porque constituída por grande número de peças unitariamente leves.

Uma afirmação do gênero "Se em toda guerra é sempre lícito matar, então é sempre
lícito matar" comporta uma série de questionamentos. O primeiro é que não é lícito, mesmo em
estado de guerra, matar indiscriminadamente. Se assim fosse, coitados dos inimigos pessoais...
Depois, mesmo os combatentes inimigos não podem ser mortos sem critério, pois, se matar fosse
lícito absolutamente, numa análise puramente econômica, é mais barato e simples executar
liminarmente os prisioneiros, ao invés de gastar recursos mantendo-os aprisionados. A exceção não
faz a regra. A guerra há sempre de ser tratada como um período verdadeiramente excepcional que
cobra muitos sacrifícios e revisão de valores, impondo aos súditos de um Estado uma cruzada pela
sobrevivência, não só pessoal, mas também em conjunto, como nação. E eventualmente, os
combatentes podem vir a matar algum inimigo em situação de combate.

Os preconceitos encontram campo fértil na generalização apressada: “Uau! Você viu


aquele jovenzinho atravessar aquele sinal vermelho? Os jovens são mesmo uns loucos no volante”.
Tomados os conjuntos ‘jovens’ e ‘loucos no volante’ quatro são os subconjuntos: ‘jovens e loucos
no volante’, ‘jovens não loucos no volante’; ‘não jovens loucos no volante’ e ‘não jovens não
loucos no volante. A vida diária mostra que nenhum destes quatro subconjuntos é vazio. Ou seja,
tomar um elemento de qualquer um dos subconjuntos e generalizar para os outros três não é
razoável e nem pertinente. Inclusive, no exemplo, pelo contexto da afirmação parece que quem a
fez é não jovem, não permitindo ser excluído, em tese, da hipótese de pertencer ao subconjunto dos
ARMADILHAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM
João Monteiro de Castro
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‘não jovens loucos no volante’.

10.8. Falsa causa (Non causa pro causa)

O princípio da razão suficiente informa: tudo que existe no universo físico tem uma
explicação para existir, sugerindo que coisa alguma há que se autoexplique ou é a causa de si
mesma.

No Novo Dicionário da Língua Portuguesa61 causa é “termo relacionado com efeito que
se concebe de maneiras diversas, que se compreendem a partir de dois enfoques fundamentais: a)
relação entre um ser inteligente e o ato que ele praticou voluntariamente e pelo qual é responsável;
b) vínculo que correlaciona os próprios fenômenos e que faz com que um ou vários deles apareçam
como condição de existência de outros”.

Diz-se haver relação de causalidade entre o evento A (causa) e B (efeito) quando o


segundo evento é consequência do primeiro. A maneira mais estrita de dizer da relação de
causalidade é “se não acontecer A, então, B não acontecerá”. Observe-se que a implicação que
relaciona causa e efeito é (não-p => não-q) e não (p => q) porque um determinado evento pode ser
causado por várias causas diferentes, dentre elas p (suponha-se, por exemplo, dois interruptores de
luz ligados em paralelo; qualquer um deles acionado é causa do acendimento da lâmpada). Causa
necessária é aquela em que o evento resultado não ocorre na ausência dela; causa suficiente é única,
é aquela que se ocorrer sozinha o evento resultado ocorrerá inexoravelmente.

Os eventos na natureza não ocorrem sem mais nem menos, mas apenas sob
determinadas condições, assim entendidos os antecedentes necessários sem os quais o efeito não
ocorre. E causa difere de condição. A condição é dita necessária quando é absolutamente
imprescindível para o surgimento de determinado resultado, que não ocorrerá se não for preenchida
(não-p => não-q equivale a q => p); várias podem ser as condições necessárias. Condição
suficiente, por sua vez, é aquela que se ocorrer garante necessariamente a existência do efeito
condicionado. Suprida a condição suficiente o resultado ocorrerá (p => q).

Alguns exemplos de condições:


1) Condição necessária, mas não suficiente: (i) “Para um número maior que 2 seja primo é
necessário que seja ímpar.” (9, por exemplo, é ímpar, maior que 2 e não é primo); (ii) “É
necessário ter idade mínima de trinta e cinco anos para poder ser eleito Presidente da
República” (art. 14, §3º, VI, a, CF/88) (além de tudo o mais, há de ser eleito); (iii) “Sexo
feminino é condição necessária para engravidar”.
2) Condição suficiente, mas não necessária: (i) “É suficiente que o número seja divisível por 4
para que seja par.” (2, por exemplo, é par e não é divisível por 4); (ii) “Ser um ser humano é
condição suficiente para algo ser animal. (baleia, por exemplo, não é ser humano e é animal)”.
3) Condição necessária e suficiente: (i) “É necessário e suficiente que o número seja divisível por
2 para ser par.” (ii) “É necessário e suficiente que a soma dos algarismos de um número seja
divisível por 3 para o número seja múltiplo de 3”; “É necessário e suficiente que hoje seja
segunda-feira para ontem haver sido domingo”.

Na vida cotidiana, o que normalmente chamamos causa é, então, uma causa necessária.
Acionar o interruptor do farol do automóvel é algo necessário para o farol acender, mas não uma

61
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. P.
299.
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João Monteiro de Castro
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122

causa suficiente porque o farol não acenderá se a lâmpada estiver queimada, ou a bateria estiver
sem carga ou se não houver lâmpada etc.

Em direito é importante identificar o incidente ou ação que, em presença das condições,


efetivamente define finalmente a diferença entre a não-ocorrência e a ocorrência do evento
pesquisado. Neste caso, surge uma divisão entre as causas62 em próximas e remotas. Existe sempre
uma cadeia de vários eventos até culminar no resultado: A causa B; que causa C; que causa D e D
causa o efeito final E. A ocorrência mais próxima do evento é dita ser a causa próxima (no caso D)
e as outras são cada vez mais causas remotas do evento E (B, C e A, nessa ordem no exemplo).
Numa investigação de incêndio, por exemplo, é muito insuficiente dizer que a causa foi a existência
de oxigênio no ar (uma causa bem remota); já descobrir que Fulano derramou uma lata de gasolina
no chão e ateou fogo na casa (causa próxima do incêndio) define sobre a autoria de uma morte em
decorrência de incêndio legalmente classificado como criminoso.

Descobrir a cadeia de eventos que levaram, efetivamente, a certo resultado é das tarefas
mais instigantes, complexas e absorventes. Esta investigação dedicada é absolutamente necessária à
produção do conhecimento, até porque o fato de haver correlação positiva entre dois eventos é um
indício de que pode haver relação causal entre eles. Mas, a correlação inicial entre os
acontecimentos deve dar início a pesquisas para excluir outras possíveis causas até sobrar
argumentos fortes em prol de uma relação causal.

Existe um princípio atribuído a William de Ockham (1287 – 1347), conhecido como


Navalha de Ockham, pelo qual, deve-se, para explicar qualquer fenômeno, fazer as suposições
estritamente necessárias, extirpando-se as que não causariam diferença na avaliação e evitando-se a
introdução das desnecessárias. Assim, entre teorias que predigam igualmente bem a cadeia de
eventos, deve-se optar pela que imponha a admissão da menor quantidade de suposições.

Para exemplificar a aplicação da Navalha de Ockham, duas hipóteses:


1) Há no fundo do jardim, em conjunto com as plantas, seres invisíveis, intangíveis e imateriais;
2) Não há qualquer ser invisível, intangível e imaterial no fundo do jardim, apenas plantas.

Tudo o que se pode observar do fundo do jardim se adequa igualmente às duas


hipóteses, pois, afinal, se há seres no fundo do jardim são indetectáveis porque invisíveis,
intangíveis e imateriais. O racional, então, é adotar a hipótese mais simples e entender pela não
existência de seres invisíveis, intangíveis e imateriais no fundo do quintal. Para que aumentar a
complexidade introduzindo seres invisíveis, intangíveis e imateriais no fundo do quintal se não há
qualquer evidência concreta da existência deles? Frente a duas hipóteses competindo uma com a
outra, no mínimo é melhor considerar a explicação mais simples do que sair considerando
alternativas fantasiosas.

Para investigar as relações entre causas e efeitos, David Hume propôs alguns critérios
empíricos:
1) A causa e o efeito devem ser próximos no espaço e no tempo.
2) A causa deve ser anterior ao efeito.
3) Deve haver uma união constante e consequencial entre causa e efeito. É, principalmente, essa
qualidade que constitui a relação de causalidade.

62
Código Civil: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Código Penal: Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a
ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
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4) A mesma causa sempre produz o mesmo efeito e o mesmo efeito nunca surge senão da mesma
causa.
5) Onde várias causas diferentes sempre produzem o mesmo efeito, deve ser por meio de alguma
qualidade que se revela comum entre eles.
6) A diferença nos efeitos de duas causas similares deve advir daquele particular que diferencia as
duas.
7) Quando qualquer efeito aumenta ou diminui com o aumento ou a diminuição de sua causa, isto
deve ser visto como um efeito composto, derivado da união de vários efeitos diferentes que
surgem das diversas partes da causa.
8) Um objeto, que existe em qualquer momento em sua plena perfeição sem qualquer efeito, não é
a única causa daquele efeito, mas exige ser auxiliado por algum outro princípio, que pode
encaminhar sua influência e operação.

Inferências causais erradas podem advir porque a correlação – ou associação – entre


ocorrências repetidas de acontecimentos pode ser mera coincidência impactando sobre espíritos
atemorizados ou apressados.

A falácia da falsa causa está intimamente ligada à ignorância e à superstição, não sendo
raro pessoas atribuírem a certa sequência de palavras, fatos ou pensamentos a característica de
antecipação de acontecimentos nefastos. O erro básico embutido na falsa causa está em
negligenciar outros fatores, além da correlação positiva anteriormente detectada, que podem
desempenhar papel importante na avaliação causal de dois acontecimentos.

São vários os tipos de erros na identificação da relação causal entre dois ou mais
eventos correlacionados. Vejamos alguns:

1) O número averiguado de correlações positivas entre os acontecimentos é pequeno demais para


afastar a possibilidade de coincidências. Exemplo: “As duas últimas vezes que saí com terno
marrom choveu, então, sairei com terno cinza para evitar a chuva”.

2) Apesar de dois eventos estarem correlacionados, ambos podem ser causados por um terceiro
evento. Exemplo: o barulho do chuveiro elétrico fica mais forte e a água sair quente são, ambos,
causados pelo acionamento do registro diminuindo a vazão de água.

3) Às vezes a cadeia de eventos é mais complexa do que aparenta. Pode ser que a relação fique
mais evidente quando toda a cadeia de eventos seja mais bem explicitada. Exemplo: ao frear o
automóvel, acontece um barulho que começa embaixo do carro, na parte de trás, e vem
deslocando-se para frente. Melhor investigando, descobriu-se que havia um parafuso solto
dentro da longarina. A frenagem causa o barulho, mas não é a causa direta.

4) A maneira de definir ou identificar as variáveis da relação causal pode influenciar na conclusão.


Exemplo: a melhoria de sobrevida em casos de câncer pode ser questionada por vários motivos:
aumento aparente pode ser resultado de diagnósticos cada vez mais precoces, sendo que a
evolução da doença não ser detida pelo tratamento; com a melhoria dos métodos de diagnóstico,
doente de câncer passou a englobar pessoas vitimadas por tumores pequenos e inofensivos;
aumento de comunicação de casos não fatais como curas por parte dos médicos; dentre outros.

5) A relação causal pode ser entendida em sentido contrário. Exemplo: o antigo slogan publicitário
de biscoito: “Tostines é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?”
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6) Na relação causal às vezes a proporção entre a causa e o efeito não pode ser ignorada porque
pode mudar o efeito. A chuva é boa para as colheitas, mas muita chuva provoca a perda e falta
de chuva tem igual efeito nefasto.

Vale anotar que apresentar hipóteses de relações causais não é, em si, incorreto ou
falacioso, desde que haja abertura na formulação do argumento para haver revisão e correções em
face de investigações e novas provas. A ciência evolui assim.

Schopenhauer63 sugere no estratagema 33: “‘Isto pode ser correto na teoria; na prática
falso.’ Com esse sofisma admitem-se os fundamentos, porém negam-se suas consequências, em
contradição com a regra “a ratione ad rationatum valet consequentia” [de uma ração ao seu efeito
vigora a consequência]. A afirmação citada gera uma impossibilidade: o que é correto na teoria
deve valer também na prática: se isso não se confirma é porque há alguma falha na teoria; algo
passou despercebido e não foi levado em consideração e, por conseguinte, é falso também na
teoria.”

O Princípio de Pareto, também conhecido como Princípio 80/20, é um permanente


alerta sobre a relação desproporcional entre causas e efeitos, dispondo que, na maioria dos
fenômenos, 20% das causas governam mais de 80% das consequências. Na vida pessoal, por
exemplo, menos de 20% das nossas contas engolem mais de 80% do nosso orçamento; nos
negócios, menos de 20% dos clientes proporcionam mais de 80% dos lucros. E esta
desproporcionalidade pode ser maior ainda: uma parcela ínfima da população mundial detém a
maioria esmagadora da riqueza do planeta.

Nos vários campos do direito o nexo de causalidade tem de ser investigado e


concretamente provado para possibilitar o prosseguimento viável de vários tipos de pretensão. Na
responsabilidade civil subjetiva, para procedência de pleito reparador é preciso que o autor prove
ação ou omissão culposas, dano e nexo de causalidade. Suponha-se que um automóvel dirigido em
alta velocidade atravesse um cruzamento movimentado com o sinal de trânsito fechado. Por sorte
não há colisão entre quaisquer veículos e nem atropelamento. Entretanto, do outro lado da rua,
alguém curioso, andando pela calçada vira-se para olhar o acontecido e bate com o rosto num poste,
ferindo-se. Houve ação culposa, sim; houve dano sim; só que não houve nexo de causa e efeito
entre eles. Eventual pedido de indenização do curioso contra o motorista infrator não procede, pois,
não é a coincidência temporal dos eventos que faz configurar o nexo de causalidade entre eles.

No direito penal, “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é


imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não
teria ocorrido” (art. 13, CP) e para limitar o alcance, no art. 18, CP, o crime é classificado como
doloso (o agente quis o resultado ou assumiu o risco dele) ou culposo (o agente deu causa ao
resultado por imprudência, negligência ou imperícia), sendo que há punição da modalidade culposa
só nos casos especificados em lei.

São apenas dois exemplos da extrema relevância da correta análise e determinação da


relação entre causa e efeito na seara jurídica, isto sem ingressar no mérito das várias teorias que
tratam do tema.

Habitualmente, a falsa causa, tomada como gênero de falácia relacionada a se tomar


como causa de certo evento algo que não é a sua causa real – provada – é tradicionalmente

63
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: exposta em 38 estratagemas. 3ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. P. 48.
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subdivida em duas espécies: cum hoc ergo propter hoc e post hoc ergo propter hoc.

10.8.1. Cum hoc ergo propter hoc64

Por conta de dois eventos acontecerem concomitantemente, quem comete a falácia


entende, ignorando outros fatos que podem ser a causa efetiva, que haja relação de causa e efeito
entre eles.

As pessoas, muitas vezes, agem como se forças desconhecidas militam contra elas:
“toda vez que me proponho a lavar o carro, começa a chover”. Ou então, os supersticiosos de
plantão: “minha orelha começou a arder, sinal de quem está falando mal de mim”. A mera
concomitância de eventos não revela “a priori” haver uma causa comum determinando-os.

Mas, nem sempre, os argumentos vêm amalgamados em torno de ideias e fatos que
precisam ser previamente esclarecidos. Uma afirmação como “Os americanos são sempre
favoráveis às soluções bélicas porque é começar a guerra e eles lucram incrivelmente” comporta
várias instâncias de questionamentos prévios, que colocam em xeque haver uma causa comum ao
eventual lucro dos americanos com a guerra. Um primeiro e trivial é: os americanos são mesmo
sempre favoráveis às soluções bélicas? É uma generalização descabida porque há americanos e
americanos. Outra indagação é: se a solução bélica for dentro do território dos Estados Unidos será
que eles lucrarão com ela? O que é lucrar incrivelmente? Não será que, pelo perfil empresarial dos
americanos, eles sempre lucrem incrivelmente? Estes questionamentos são importantes porque
colocam dúvidas que precisariam ser antes resolvidas, amortecendo a força peremptória do
argumento e dando um contorno mais específico na afirmação, para, se o caso e oportunamente,
ingressar no mérito para rebatê-lo, vale dizer, desmontar a suposta relação de causa e efeito
embutida no argumento.

10.8.2. Post hoc ergo propter hoc65

Esta falácia é cometida quando um fato que aconteceu antes é tomado sem maiores
cautelas como causa de um segundo fato superveniente. O erro amalgamado no argumento post
hoc reside na negligência de outros fatores – além da correlação positiva incorretamente apontada –
que podem ser importantes na avaliação causal entre os acontecimentos.

“Quando sua orelha está quente, é porque – já sabemos – alguém andou falando mal de
você. Vá dizendo o nome dos suspeitos, quando a orelha parar de arder, é esse”. Uma
peculiaridade: quem fez afirmação não é quem está com a orelha quente. Então, não pode ser
descartada a hipótese de o interlocutor estar caçoando do destinatário, este sim que pode achar
haver a relação de causa e efeito entre sua orelha quente e alguém falando mal dele. Outro detalhe:
que prova há de situação anterior de orelha quente do destinatário ocorreu por conta de que alguém
estaria falando mal dele. Mais: que correlação causal há entre orelha da pessoa esfriar se o nome de
quem estaria falando mal dela fosse pronunciado. Isto sem dizer que a afirmação pode ser um
engodo para que o destinatário desfie publicamente o rol de quem ele considera falar mal dele.

A política é rica em exemplos de argumentos de efeito brilhantemente sacados à custa


da ignorância do povo para denegrir a posição adversária: “Toda vez que o partido Democrata
assume o poder seguem-se anos de crises, recessão e desemprego. Não será surpresa se a eleição do
candidato democrata vier acompanhada de uma nova catástrofe, pois as administrações deles
64
Tradução livre: “com isso, logo por causa disso”
65
Tradução livre: "depois disso, logo causado por isso"
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parecem chamar por elas”. Nas complexidades administrativas de qualquer país, sempre há crises e
desemprego e, considerados certos setores, recessão também; idem, quanto a catástrofes, estas
podem ir desde as climáticas até as econômicas. Então, trocando-se na afirmação ‘partido
Democrata’ por ‘partido Republicano”, a afirmação genérica e pouco específica – vaga – continua
retórica, mas operacional na mente dos desavisados.

Alguns exemplos triviais:

1) “O sol só nasce depois que o galo canta”. Não é porque a sequência se apresenta nesta ordem é
que o primeiro fato é causa do segundo;
2) “Todo dia, lá pelas 18H00 eu mando o sol se por e em minutos sou obedecido”. Mandando
alguém ou não, depois das 18H00 o sol se põe porque a natureza assim o determina.

10.9. Petitio principii (petição de princípio)

A designação desta falácia, petitio principii, é a tradução para o latim da expressão


cunhada de Aristóteles, que é habitualmente vertida para o português com o conteúdo de pedir o
que está na questão em pauta. É também conhecida como falácia do raciocínio circular, pois, ao
tentar estabelecer a veracidade de uma determinada proposição, o contido nesta mesma proposição
– que se pretende concluir ao final da argumentação – é inserido como premissa, direta ou
indiretamente, explícita ou implicitamente. Ora, se as premissas são elementos a estabelecer
sustentação para a conclusão, é inaceitável ser a própria premissa oferecida como prova de si
mesma.

Esta falácia tanto pode ser cometida escancaradamente, usando até mesmo as mesmas
palavras, como de modo sutilmente disfarçado, em casos onde a conclusão é uma paráfrase
convenientemente construída de alguma das premissas. Alguém que diz ‘matar não é certo, logo,
não se deve matar’ está cometendo uma petição de princípio fácil de identificar. Mas, por paráfrase,
o argumento parece diferente e continua o mesmo: ‘matar seres humanos não é moral e nem
eticamente aceitável; logo, matar pessoas fere os mais elevados valores da personalidade’, só que
com uso de palavras diferentes e uma construção gramatical diferente.

Como coloca Copi66: “Se a proposição é aceitável sem argumento, nenhum argumento é
necessário para estabelecê-la; e se a proposição não é aceitável sem argumento, então nenhum
argumento que exija a sua aceitação como premissa terá possibilidade de levar alguém a aceitar sua
conclusão. Em qualquer argumento de tal natureza, a conclusão só afirma o que foi afirmado nas
premissas e, daí, o argumento embora perfeitamente válido, é totalmente incapaz de estabelecer a
verdade da sua conclusão.”

Exemplos:
1) Severino: “Deus existe.”
Virgolino: “Como você sabe?”
Severino: “Porque a bíblia diz.”
Virgolino: “Porque nós deveríamos acreditar em tudo o que a bíblia diz?”
Severino: “Porque a bíblia foi escrita sob inspiração direta de Deus.”
2) Eu: “Gente, vocês sabem, eu nunca minto!”
Eu, de novo: “Então, quando estou dizendo que o mundo vai acabar, estou dizendo a verdade.

66
Introdução à Lógica, p. 84.
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Preparem-se!”
3) “As mulheres escrevem as melhores novelas românticas porque os homens não escrevem
novelas tão bem.”

Esta falácia, uma vez detectada, pode ser rebatida com relativa facilidade, mostrando
que se aceitas as premissas, automaticamente, já estaria acolhida a conclusão. Entretanto,
dependendo do assunto tratado, muitas vezes relacionado a dogmas, preconceitos e crenças
sedimentadas, erigem-se barreiras severas e inflamadas, especialmente se o auditório é o que se
pode chamar hostil e não está preparado para o debate em termos razoáveis e, para não dizer,
lógicos. Ou seja, as ponderações destruindo a falácia podem ser recebidas como conversa sobre
corda em casa de enforcado.

Insistindo em que, numa argumentação, as palavras e definições têm força persuasiva,


vale destaque para as definições propostas por uma das partes que, com base nelas, tenciona
prosseguir na construção de seu arrazoado e, por aí, conseguir fazer prevalecer a conclusão que
perseguia. Como há casos em que as palavras, definições e frases são engendradas por uma das
partes do debate para desgastar, enfraquecer ou mesmo derrotar a outra parte. Há casos que as
definições assim introduzidas podem encobrir justamente o que seria conseguido se bem fosse
desempenhado o trabalho de argumentar em abono ao mérito da tese almejada, ou seja, podem
conter petição de princípio. Então, concordar com elas pode ser ingressar inadvertidamente num
tipo de descida escorregadia. Inclusive, Schopenhauer67, no estratagema 22 expõe: “Se o adversário
exigir que admitamos alguma coisa da qual imediatamente resultaria o problema em litígio,
devemos recusá-la, fazendo-a passar por uma petitio principii; pois ele e os ouvintes facilmente
considerarão idêntica ao problema uma proposição estreitamente afim: e assim nós lhe subtraímos o
seu melhor argumento.”

Alguém que pede a concordância com a premissa de que “Deus tem todas as virtudes”
consegue provar que Deus tem qualquer virtude em espécie, pois, “se a benevolência é uma
virtude”, é inevitável concluir que “Deus é benevolente”.

A existência de petição de princípio falaciosa não quer dizer automaticamente que a


conclusão seja falsa. Nada impede que, por outros meios, possa ser demonstrada. A falácia ocorre,
pura e simplesmente, porque a conclusão é travestida e usada como premissa.

Existem sequências circulares de perguntas e respostas quanto a comportamentos


humanos que não são casos falaciosos de petição de princípio. Alguém pergunta: ‘Porque Clarice
gosta de Alfredo’ e obtém a resposta: “Porque Alfredo gosta dela”. É, de fato, uma estrutura
circular não falaciosa de petição de princípio, pois, pode ser que Clarice e Alfredo sejam pessoas
sensíveis à afeição recíproca, pessoas que gostem de quem gosta deles, o que não é raro no gênero
humano.

Até pouco tempo, serviços secretos e serviços militares de vários países usavam um
argumento estruturado como petição de princípio para excluir quem tivesse opções sexuais diversas
das ditas tradicionais. A lógica do argumento era (e em alguns países ainda é): “Homossexuais não
devem ocupar cargos de governo. Qualquer servidor público que revelar sua homossexualidade
perde o emprego. Isto faz com que os homossexuais tendam a esconder sua opção sexual, o que os
torna passíveis de serem chantageados. Justamente por serem passíveis de chantagem não podem
ser admitidos em cargos de governo”.68
67
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: exposta em 38 estratagemas. 3ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. P. 34.
68
Ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Sexual_orientation_and_military_service, pesquisado em 02/set/13.
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10.10. Ignoratio elenchi (conclusão irrelevante)

A falácia da conclusão irrelevante é cometida quando se afirmar – ou negar – que certa


conclusão é reputada obtida de um argumento quando, na verdade, as premissas apresentadas levam
não propriamente àquela conclusão em disputa ou, pior, conduzem a conclusão diferente. No
sentido amplo, toda falácia pode ser enquadrada nesta modalidade porque se houvesse conexão
entre as premissas e a conclusão não haveria falácia. Também é conhecida como falácia da
conclusão não-pertinente ou falácia de ignorância da questão.

Uma maneira prática que quase sempre funciona para detectar rapidamente falácia desta
modalidade é se perguntar: se as premissas fossem falsas, estaria implicado que a conclusão seria
falsa também? No caso negativo – a conclusão continua verdadeira – as premissas são irrelevantes
para a conclusão atingida.

Também de modo prático, é difícil, no meio do debate, perceber para onde se volta
finalmente a argumentação do outro participante. Pode ser que, em continuação, haja um
realinhamento de argumentos em prol de demonstrar a conclusão perseguida. Esta peculiaridade
impõe cautela ao acusar o outro participante de estar incidindo na falácia igonoratio elenchi antes
que ele termine a exposição, sob pena de enfrentar alegação de tentar perturbar a argumentação ou
que “Aguarde um pouco e logo entenderá o ponto”, eventualmente, alertando o adversário para
melhorar sua linha de apresentação.

Existem algumas variedades de ignoratio elenchi que receberam nomes especiais.

10.10.1. Straw man (homem de palha, espantalho)

Como a metáfora sugere, quem comete a falácia straw man distorce o real argumento
em debate e ataca o argumento distorcido, naturalmente escolhido muito mais fraco que o original.
Obviamente, atacar o straw man é demonstração de fraqueza argumentativa porque quem debate
usa seus melhores argumentos contra as fraquezas do argumento adversário.

O que acontece nesta falácia é o seguinte:


1) Pessoa A defende a posição P;
2) Pessoa B ataca a posição P1 (que é a posição P distorcida) e
3) Pessoa B então conclui que P é falsa ou incorreta.

A política, de novo e sempre: “Quero protestar contra os que dizem que o governo Lula
é inoperante. Em oito meses, o presidente construiu uma churrasqueira no Palácio da Alvorada e
está inaugurando seu escritório em São Paulo. Obras fundamentais para o desenvolvimento do
Brasil.” (Gedel Vieira Lima, deputado federal do PMDB baiano). Qual a pauta mesmo? Este tipo
de intervenção leva a discussão – emocionalmente – entre adeptos e defensores para assunto
inteiramente diverso, afastando-se da pauta.

10.10.2. Falácia red herring

O sugestivo nome da falácia vem da caça à raposa, esporte muito praticado no Reino
Unido, por conta de um arenque defumado – que tem cor vermelha – arrastado ao longo da trilha
para que os cães farejadores, assim estimulados, mantenham-se em perseguição. Consiste na
inserção de um argumento irrelevante, mas instigante ou polêmico, para distrair a plateia e desviar a
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atenção do verdadeiro tema em pauta.

Numa reunião de condomínio, onde estava sendo discutida a planilha de custos para
estabelecer o valor do condomínio para o próximo ano, alguém pede a palavra e solta: “Eu não sei
por que pensar em aumentar o valor do condomínio para pagar empregado limpar xixi de cachorro
dentro do elevador e na garagem?”. Todos os presentes que têm cães em casa entram na defesa da
alegação que nunca, nunca mesmo, houve cachorro fazendo xixi no elevador, no hall do prédio e
nem na rua... O assunto importante, previsão orçamentária, fica relegado a segundo plano e a
intenção que motivou o agendamento da reunião fica ameaçada de deterioração, a menos que
alguém ponha ordem e faça a solenidade retomar seu curso, mas isto depois de algum acalorado
debate. Se houver descuido de quem estiver presidindo, a reunião acaba em altercação porque as
animosidades afloram.

10.10.3. Falácia “dois erros fazem um acerto”

É o caso de a pessoa tentar justificar uma ação asseverando que alguém – na maioria
dos casos a vítima – já a praticou ou praticaria se estivesse na mesma situação. A falha no
argumento é que se algo é errado não é porque alguém o praticou ou praticaria que o
comportamento estaria legitimado. Mais, fazer o errado não é medida preventiva para evitar um
suposto segundo erro.

Um exemplo é a pessoa que após sair da loja, percebe que o caixa deu troco a mais e
resolve ficar com o dinheiro sob o pretenso argumento de que se tivesse pago a mais não teria o
dinheiro de volta.

Como justificar um ataque terrorista contra uma estação de metrô lotada de gente indo e
voltando do trabalho? O terrorismo tem oferecido como ‘justificativa’ para atacar civis a conduta
política, econômica, social ou religiosa adotada por algum país repudiado pelo grupo extremista. E
para arrepiar nada impede que o atentado, para fins mais alcançar o propósito aterrorizador ou
mesmo para chamar atenção para a ‘causa’, seja perpetrado em país diverso, como ocorrido nas
Olimpíadas de Munique.

10.11. Falácias de ambiguidade

Os termos podem ser unívocos, equívocos e análogos. Unívoco é o termo, conceito ou


atributo que, dentro de um mesmo raciocínio, aplica-se a objetos diferentes com o mesmo sentido.
Nas proposições “Marcos é homem” e “Lucas é homem” o termo homem, nas duas, é usado de
modo unívoco por ter o mesmo sentido, a mesma compreensão. Equívocos são os termos, conceitos
ou atributos que, dentro do mesmo raciocínio, se aplicam a objetos distintos com sentidos também
distintos. São os chamados termos homônimos pela gramática. O termo “ursa” na proposição “Uma
das principais constelações do hemisfério norte é a ursa” é homônimo do mesmo termo usado na
proposição “A ursa é uma fêmea que defende ferozmente seus filhotes”, pois, são usados com
sentidos inteiramente diferentes. Por análogos69 entendem-se os termos, conceitos ou atributos que,
no mesmo raciocínio e nos sentidos de suas totalidades, se aplicam a objetos diferentes, com
sentidos diferentes, mas que guardam certas semelhanças entre si. Os dois vocábulos “pés” na
proposição a seguir são usados analogamente porque traduzem certa semelhança funcional: “O

69
A figura de estilo conhecida como metáfora, ao transferir uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto designado
fundamentando-se em semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado, busca suporte em analogias. Exemplos: “Um beijo seria
uma borboleta afogada em mármore." (Cecília Meireles); "Meu pensamento é um rio subterrâneo" (Fernando Pessoa); “Amor é fogo que arde
sem se ver” (Camões).
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homem tem dois pés ao passo que esta mesa tem quatro pés”. Os termos análogos, nos quais a
semelhança é parcial, e os equívocos, de semelhança nenhuma, são englobados numa só categoria e
conhecidos como ambíguos.

Sinônimas são duas palavras diferentes que indicam o mesmo conceito e, mesmo entre
vocábulos que ‘a priori’ têm o mesmo significado, há algumas discrepâncias levando a conotações
diferentes. Mulher jovem pode ser designada pelos vocábulos sinônimos ‘moça’ e ‘rapariga’,
entretanto, em alguns lugares o significado toma cores diferentes. Um dos cuidados que se deve ter
em falar línguas é escolher com critério e conforme os costumes consagrados no local as palavras
para expressar-se adequadamente sem incidir em algum erro que traga constrangimento.

Homonimia e polissemia ocorrem quando conceitos diferentes são designados pela


mesma palavra. A diferença entre uma e outra é que nos conceitos homônimos os vários sentidos
do vocábulo não estão relacionados, enquanto na polissemia pode-se estabelecer uma relação entre
si. Há casos em que a palavra pode ser homônima em relação a um sentido e polissêmica em
relação a outros.

Consultando o Novo Dicionário da Língua Portuguesa70 e escolhendo, para


exemplificar as dificuldades advindas da homonímia e polissemia, algumas acepções do adjetivo
profundo: 1) Que tem fundo muito distante da superfície ou da borda: O poço é profundo; 2) Que
tem grande extensão, considerado desde a entrada até o extremo oposto: O salão é mais profundo
que largo; 3) Afastado da superfície do solo ou da água: A terra tremia em suas camadas mais
profundas; 4) Que tem grande espessura: A camada de gelo era pouco profunda; 5) Muito marcado:
Profundas mudanças se operam na cidade; 6) Que penetra muito: A incisão era profunda; 7) Diz-se
de cor escura, carregada: O tom do verde era profundo; 8) De grande intensidade; muito forte,
pesado: Sono profundo; 9) Entranhado: Ódio profundo; 10) Grave: Voz profunda; 11) Que vem ou
parece vir do íntimo: Seu suspiro foi profundo; 12) Enorme, desmedido, demasiado: Profunda
ignorância; 13) De grande alcance; muito importante: A lei trouxe profundas modificações; 14)
Que tem grande saber; sagaz, perspicaz: O palestrante era profundo conhecedor da teoria
evolucionista; 15) Difícil de compreender: Exigia conhecimento de filosofia clássica para entender
a profunda aula ministrada pelo professor. Alie-se a todas estas acepções a possibilidade de tomar o
vocábulo profundo como substantivo.

O caso geral é que o contexto, ao tratar do encadeamento de fatos ou ideias em que um


vocábulo é aplicado, acrescenta informações que não estão explícitas, eliminando a vagueza, ou
permite especificar entre os vários possíveis sentidos, dentre os quais apenas um deve ser
selecionado, eliminando a ambiguidade. Então, tanto frente à vagueza quanto ambiguidade, o
contexto funciona como fonte de informações que fazem por compor o quadro geral da situação
descrita delimitar o sentido ou especificando significado. A ambiguidade quando não for passível
de ser resolvida com os elementos informativos advindos do contexto leva à falácia do equívoco. A
vagueza persistente pode desaguar na falácia da descida escorregadia, pois, não há um ponto divisor
concreto em que se torna necessário começar a se defender do próximo passo indutivo.

Ambiguidade não se confunde com vagueza. Há palavras que são ambíguas, mas não
são vagas, como ‘perna’, definição aplicável tanto para membro como para parte de mesa. Por outro
lado, a marca identificadora da vagueza é que o termo não está claramente incluído ou excluído da
extensão do conceito tratado. Quando se diz que ‘Fulano é gordo’ não há ambiguidade, mas o
predicado não quantificado é vago.
70
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. P.
1.143.
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Dependendo do padrão de exigência utilizado para lidar com conceitos vagos o


enunciado pode tomar valor de verdade ou de falsidade. Tudo que pode ser medido ou
parametrizável é passível de ser relativizado e, assim, dificuldades podem surgir. Alguém quando
diz: “Fulano é excelente jogador”, por exemplo, pode estar-se referindo a um jogador veterano de
clube ou a jogador de seleção. Então, este Fulano, jogador de fim de semana em clube de várzea,
dificilmente poderá ser considerado um excelente jogador se o padrão de julgamento foi o de
jogador de seleção, tornando, neste caso, o enunciado falso. Entretanto, o mesmo Fulano pode ser
facilmente considerado ‘excelente jogador’ se o padrão de julgamento for o de amigos que, aos
quase 50 anos, são adeptos de uma ‘pelada’ de fim de semana, no clube e antes de um churrasco,
pois, conseguiu marcar vários gols, levando a uma afirmação verdadeira.

A ambiguidade – vocábulo ou grupo de vocábulo associados a mais de um significado –


pode se manifestar de várias formas.

A primeira modalidade é conhecida como ambiguidade lexical e decorre da dupla


interpretação do sentido de um vocábulo (item lexical), jogando com a homonímia e a polissemia.
A ambiguidade lexical manifesta-se de diferentes maneiras, como por exemplo: 1) “Ela foi para o
banco encontrá-lo” apresenta o vocábulo banco como ambíguo porque não é possível se refere-se a
instituição bancária ou um lugar para sentar; 2) “O quadro de Leonardo é de muito elevada
qualidade técnica”, em função do uso da preposição ‘de’ não permite diferenciar se: Leonardo
pintou; Leonardo é o proprietário ou se Leonardo está retratado.

Outra modalidade de ambiguidade, chamada de sintática, decorre de que dependendo


como agrupadas as palavras em diferentes estruturas sintáticas interpretações distintas surgem.
Quais são os sentidos possíveis da seguinte frase: “Homens e mulheres inteligentes conseguem os
melhores empregos?” Não é possível determinar se o adjetivo ‘inteligentes’ está modificando
‘homens e mulheres’ ou apenas ‘mulheres’.

Ambiguidade também pode surgir quando houver pronomes seguindo diversos


antecedentes. Em “O juiz sentenciou o caso do Pedro com sua própria caneta” duas são as
interpretações possíveis, pois, o pronome ‘sua’ pode estar ligado tanto ao juiz quanto a Pedro. Ou
seja, a caneta usada para sentenciar era do juiz ou de Pedro?

Um terceiro tipo de ambiguidade surge a partir da relação de sentido que certos verbos
assumem com o sujeito e seus complementos, como nos casos de verbos em que existe
possibilidade de o agente praticar pessoalmente a ação ou alguém praticar esta ação por ele. Em “O
doutor João fez o transplante de cabelos” o verbo fazer admite atribuir-se os papéis de agente e
beneficiário da ação à mesma pessoa. Ou seja, o doutor João foi o médico que fez o transplante de
cabelos em algum paciente ou o doutor João submeteu-se a transplante de cabelos?

10.11.1. Equívoco

A maior parte das palavras tem mais de um sentido e se, num mesmo argumento faz-se
uso, involuntário ou não, destes diferentes significados está sendo cometida a falácia do equívoco.

A falácia dos quatro termos, anteriormente referida, ocorre quando um mesmo vocábulo
é usado com sentidos diferentes. Veja o exemplo a seguir, caso em que o vocábulo ‘fim’ foi
utilizado em duas acepções diferentes: “O fim de uma coisa é a perfeição. A morte é o fim da vida.
Então, a morte é a perfeição da vida”.
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Mas há casos em que há maior dificuldade em identificar a existência disfarçada da


falácia. Analise-se, então, o seguinte exemplo: “O cumprimento da lei é obrigatório; deixar de fazer
o obrigatório é moralmente errado; logo, é moralmente errado deixar de cumprir a lei”. Existem
peculiaridades jurídicas que importam muito para avaliar o argumento. Vejamos: 1) para haver
título de crédito, por exemplo, alguns requisitos são objetivamente impostos pela lei como
obrigatórios e não colidem com qualquer regra moral. A lei pode alterar estes requisitos e sempre o
fará sem violar qualquer regra moral; 2) há casos e prática da prostituição é um exemplo, que não
há proibição legal, mas alta reprovação de cunho moral; 3) há casos em que o direito não dá suporte
em que moralmente a outra parte continua obrigada. A dívida prescrita, por exemplo, é obrigação
natural que o credor não tem direito de exigir pagamento, mas, moralmente, o devedor continua
devedor. Então, constata-se a existência de atos englobados pela moral que a lei não torna
obrigatórios e vice versa. Observando a primeira premissa, constata-se que o vocábulo ‘obrigatório’
quer dizer efetivamente ‘legalmente obrigatório’ porque não é dado às pessoas optar por cumprir ou
não a lei71; já na segunda premissa o mesmo vocábulo tem o significado de ‘moralmente
obrigatório’. Como o significado de ‘obrigatório’ não é o mesmo nas duas premissas, tem-se um
equívoco.

Não é incomum uma das partes do debate insistir num significado de algum termo que
lhe é benéfico, motivo pelo qual a definição das palavras-chave quase sempre pode e deve ser
questionada e combinada. Em linha geral, o ônus da prova da ambiguidade ilícita cabe a quem
originalmente impugnou o argumento como sendo falacioso. Se uma das partes firmar posição de
atribuir definição a termo controverso de modo a sustentar seu lado do argumento em prejuízo do
argumentador contrário, a disputa para a terminologia ou o debate pode descambar para a mera
altercação. No limite, aceitar a definição imposta poderá fazer o argumento, em tese falacioso,
convergir para algo assemelhado à petição de princípio porque nos limites da definição admitida a
conclusão está insinuada.

O uso do verbo “deixar”72 cobra atenção por conta da multiplicidade de sentidos. Em


“O acusado deixou a região empobrecida” não dá para saber se o acusado fez a região ficar
empobrecida ou se foi embora da região que era empobrecida.

71 Constituição Federal de 1988: “Art. 5º (omissis) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(omissis)”
72 Deixar dei.xar (lat laxare) vtd 1 Largar, não continuar a reter, soltar. vtd 2 Interromper, suspender: Às 18 horas deixava o trabalho. vtd 3
Desistir, prescindir de, renunciar a. vtd 4 Demitir-se de: Deixar um emprego. vtd 5 Ceder: Deixou-me o seu lugar e saiu. vtd 6 Não insistir em:
Deixemos esse assunto. vtd 7 Abandonar, desamparar. vtd 8 Desistir de, optar ou trocar por outro: Deixou o estudo. Deixou a Medicina pelo
Direito. vtd 9 Desabituar-se de: Deixa de vez a bebida. vtd 10 Produzir, dar: Deixar um lucro de 30%. vtd 11 Instituir: Deixou os enteados por
herdeiros de suas propriedades. vtd 12 Ausentar-se de: Deixou a pátria, logo que atingiu a maioridade. vtd 13 Separar-se de: Deixou a
sociedade e abriu sua própria empresa. vtd 14 Legar: Deixa-lhes um nome e riquezas. vtd 15 Comunicar, imprimir, infundir, transmitir: Esta
cerveja deixa um sabor muito amargo. Esta cena deixou na memória uma lembrança indelével. vtd 16 Poupar, respeitar: Os assaltantes
levaram o dinheiro mas deixaram as relíquias. "Sem Deus e sem pátria deixa-lhes ao menos a sua tristeza" (Alexandre Herculano). vtd 17
Consentir, permitir: Não o deixem fugir. vtd 18 Omitir: Não o expôs cabalmente, pois deixou os pormenores. vtd 19 Dar lugar a, facultar, tornar
possível: O crepúsculo vespertino mal deixava entrever os objetos. vtd 20 Esperar: Não saia já, deixe melhorar o tempo. vtd 21 Adiar: Deixo
por hoje esta questão. Deixemos a viagem para melhor oportunidade. vti 22 Abster-se: Por estar suado, deixou de beber. vpr 23 Consentir, não
evitar, prestar-se: Deixar-se enganar. vtd 24 Desviar-se de: Deixou a calçada e seguiu pelo meio da rua. vtd 25 Fazer ficar (alguém) em (algum
lugar) e ir-se embora: Ela deixou os filhos em casa dos avós. vtd 26 Não ocupar: Deixar espaço. vti 27 Cessar: Deixar de estar em vigor. vtd 28
Fazer com que (alguém ou alguma coisa) fique em algum estado particular: Deixar (alguém) satisfeito, contente, ou (algo) em suspenso, em
curto-circuito, em branco etc. vtd 29 Confiar: Deixou a escolha a seu assessor. Deixa disso!: fala para impedir ato indébito ou inconveniente,
geralmente briga. Deixar a máscara: deixar de fingir; largar a máscara. Deixar à sepultura: olvidar. Deixar atrás: a) exceder, suplantar; b)
omitir, não mencionar. Deixar a vida: morrer. Deixar barato, gír: não se importar, não ligar. Deixar claro1: pôr espaços em branco em lugares
que depois se preencherão com clichês, títulos ou composição. Deixar claro2: esclarecer, elucidar, clarear. Deixar como está para ver como fica:
ironia para sugerir não interferência em. Deixar correr: não fazer caso de. Deixar em meio: deixar incompleto. Deixar em paz: não importunar,
não molestar. Deixar estar: deixar ficar como está, não empreender nada. Deixar o coração ao largo: ter ânimo nas adversidades. Deixar o
mundo: morrer. Deixar passar: não impedir a passagem de; admitir, tolerar. Deixar-se levar pelo nariz: seguir os ditames de outrem. Deixar
ver: fazer ver, mostrar. (http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=deixar, pesquisado em
18/fev/15)
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O verbo “ficar”73 também tem vários sentidos o pode levar a equívoco: “Depois da
negociação, a solução amigável restou configurada: a empresa brasileira ficou com a empresa
alemã”. Pergunta sem resposta específica: a empresa brasileira foi vendida para a empresa alemã ou
a empresa brasileira adquiriu a empresa alemã?

Deixar progredir o debate sem pedir imediatamente os esclarecimentos pertinentes pode


abrir uma zona cinzenta na comunicação com prejuízos posteriores às vezes de difícil remediação,
pois, é característica humana, entender as coisas segundo o prisma pessoal da maior conveniência,
só que isto muda de uma pessoa para outra.

10.11.2. Anfibologia

A falácia da ambiguidade, na modalidade tradicionalmente denominada anfibologia,


manifesta-se quando um enunciado não é claro, com palavras combinadas de forma confusa. Na
frase “Trabalhar para quem é pobre é gostar de penitência” não dá para saber ao certo se dispõe
sobre patrão pobre ou empregado pobre.

A língua portuguesa, assim como todas as línguas, pode ser traiçoeira e, por vezes,
certas supressões podem fazer por diminuir a precisão em casos em que esta é requerida com
necessidade absoluta. O exemplo a seguir fala por si.

“O diretor geral de um banco ficou preocupado com a alteração repentina de


comportamento de um jovem e promissor gerente que, depois de haver trabalhado
algum tempo junto dele, sem parar sequer para almoçar, começara, sem maiores
73
Ficar fi.car (lat vulg *figicare, freq de figere) vti e vint 1 Conservar-se em algum lugar; estacionar: Ficara na rua. Saímos; eles porém
ficaram. vlig e vpr 2 Permanecer em tal ou qual situação ou disposição de espírito: Fiquei sozinho. O candidato ficou perturbado. Ficaram-se
em paz. vpr 3 Não dar mais um passo; deter-se: Os companheiros marcharam, eu porém fiquei-me. vint 4 Estar situado: O hospital fica à
direita. vint 5 Ser deixado ou abandonado: Que saudade dos que lá ficaram! vti e vint 6 Restar, sobejar, sobrar: Disso só ficou a lembrança. "Já
não fica na aljava seta alguma" (Luís de Camões). "Isso é resto de carniça que por aí ficou" (Coelho Neto). vint 7 Sobreviver: Ninguém ficou,
todos pereceram. vint 8 (seguido de infinitivo com a preposição a ou de gerúndio) Demorar-se, quedar-se: Ficamos a olhá-la, admirados.
Ficara contemplando o panorama. vlig 9 Continuar como era ou estava: "O que é torto fica sempre torto" (Séguier). vint 10 Durar, permanecer,
subsistir: Ele se foi, mas sua lembrança ficou. vti 11 Ser adiado, transferido: Estes pontos ficam para a próxima aula. vti 12 Adquirir por
compra, doação etc.: Ficarei com o último bilhete. vti e vint 13 Fixar-se, imprimir-se indelevelmente: Ficou-lhe na memória a imagem. Era
uma figura invulgar, dessas que ficam. vti 14 Ajustar-se, bem ou mal: Este vestido lhe fica muito bem. vti 15 Estar sob a responsabilidade: A
despesa ficará por minha conta. vint 16 Ajustar, convocar: Então, em que ficamos? vlig 17 Converter-se em, reduzir-se a: Com a doença,
emagreceu tanto que ficou um palito. vlig 18 Ganhar certa qualidade: Já vai ficando competente. 19 Exprime negação e denota que não se fez a
ação indicada pelo verbo no infinitivo: O último capítulo ficou por fazer (ou: ficou sem fazer-se). 20 Usado como auxiliar: Fiquei esperando.
Pois fique sabendo. Tudo ficou dito. vlig 21 Tornar-se: Ficar encabulado. Ficar à mercê: ficar abandonado ao arbítrio de; ficar na dependência
de. Ficar à mostra: ficar a descoberto; ficar exposto. Ficar atrás: não alcançar; ser inferior a outro; ser tido em menos ou por menos. Ficar a ver
navios: não conseguir o que deseja; não ser contemplado. Ficar bem: ser conveniente; agradar; ter boa aparência (pessoa). Ficar com: reter,
conservar em seu poder, conservar no corpo (vestido), na cabeça (chapéu). Ficar com cara de pau, gír: sofrer uma desilusão. Ficar com Deus:
ficar entregue à proteção de Deus. Ficar debaixo: ser vencido. Ficar de bem: fazer as pazes. Ficar de boca aberta: ficar pasmado. Ficar de
fora: não entrar; ser excluído. Ficar de mal: ficar de relações cortadas. Ficar de nariz torcido: agastar-se; mostrar despeito. Ficar de pé;
subsistir. Ficar de queixo na mão: quedar admirado. Ficar de remissa: ficar adiado. Ficar de tanga, gír: perder tudo; ficar na miséria. Ficar de
venta inchada: ficar amuado. Ficar em: importar em, montar a, chegar a. Ficar em água de bacalhau, pop: ficar em nada; frustrar-se (negócio,
plano etc.). Ficar em branco: não perceber nada do que foi dito. Ficar em jejum: não entender uma coisa; estar completamente ignorante a
respeito dela. Ficar em meio: ficar incompleto; não chegar a concluir-se. Ficar em pano verde: ter perdido todo o dinheiro que havia posto
sobre a mesa de jogo. Ficar em paz: ficar sossegado, tranquilo. Ficar engasgado: ficar enleado, confundido, perturbado, sem poder falar. Ficar
estúpido: ficar embatucado. Ficar fulo: encolerizar-se. Ficar limpo, pop: perder ou gastar todo o dinheiro. Ficar na mão, pop: ser ludibriado;
ter prejuízo total. Ficar na mesma: não ter esclarecimento; não entender. Ficar na rua: não obter casa para morar. Ficar nas embiras: ficar
completamente pobre. Ficar na várzea sem cachorro: ficar no mato sem cachorro. Ficar no campo de batalha: morrer em combate. Ficar no
choco, pop: ficar na cama; ficar em casa. Ficar no mato sem cachorro, pop: ficar desajustado. Ficar no papel: não passar de projeto; ser letra
morta. Ficar no porco: desapontar-se, envergonhar-se. Ficar no tinteiro: não ser dito ou escrito, por esquecimento. Ficar nos ares: ficar
abalado, perturbado. Ficar num pinto: ficar molhado como um pinto ao sair da casca. Ficar olhando para a Lua: ficar na miséria. Ficar para a
retaguarda: deixar passar os outros para diante; ficar para trás. Ficar para semente: ser escolhido ou reservado para a reprodução. Ficar para
tia, pop: não casar, ficar solteirona. Ficar para trás: ficar atrás. Ficar pronto, gír: ficar sem dinheiro. Ficar reduzido a zero: a) perder todos os
seus haveres (falando de pessoas); b) abortar, desmoronar-se, ficar sem valor algum (falando de planos, desígnios, argumentos etc.). Ficar
responsável: comprometer-se, obrigar-se a cumprir ou a dar conta. Ficar sapateiro, pop: perder as vezes ao jogo. Ficar sem mel nem cabaça:
arriscar uma coisa entre duas para ganhar, e perder ambas; ficar sem nada. Ficar senhor do campo: a) pôr o inimigo em debandada; b) não ter
concorrentes. Ficar sujo, gír: perder a cotação, desmerecer no conceito de alguém. Ficar vendido: ficar contrariado ou desapontado por um
acontecimento que não se esperava, ou que se supunha ou se havia afirmado sucederia de modo diferente.
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=ficar, pesquisado em 18/fev/15)
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explicações, a ausentar-se ao meio-dia e voltar às duas horas da tarde. Pensando que o


subordinado pudesse estar cometendo algo irregular, chamou o investigador do bando e
disse-lhe:
- Siga o Sebastião durante uma semana e veja se ele está envolvido em alguma
irregularidade?
O investigador, passado uma semana, retornou para informar e disse:
- Senhor diretor, o Sebastião sai do banco pontualmente ao meio-dia, pega seu carro,
vai à sua casa almoçar, faz amor com usa mulher, fuma um dos seus excelentes cubanos
e regressa ao trabalho às duas horas.
- Ah, bom, antes assim, não há mal algum nisso. Disse o diretor aliviado.
O investigador, mostrando alguma inquietação, querendo se fazer mais bem entendido,
pergunta ao diretor:
- Perdão, senhor, posso tratá-lo por tu?
- Sim, claro! Respondeu o diretor apreensivo com a aparentemente impertinente
pergunta.
- Bom, então, então vou repetir meu relato. O Sebastião sai do banco pontualmente ao
meio-dia, pega seu carro, vai à tua casa almoçar, faz amor com tua mulher, fuma um
dos teus excelentes cubanos e regressa ao trabalho às duas horas.
Pano, rápido.”

O pronome pessoal da segunda pessoa do singular – ‘tu’ – está meio em desuso, pois,
substituído generalizadamente pelo pronome pessoal da terceira pessoa do singular – ‘ele’. Mas, o
‘tu’ dirige-se a segunda pessoa especificada – o ouvinte –, ao passo que o ‘ele’ traz em voga uma
terceira pessoa qualquer – o assunto, por assim dizer – pertencente a um conjunto que, a rigor,
exclui a segunda pessoa. Então, o uso da terceira pessoa ao invés da segunda pessoa para se dirigir
à segunda pessoa, faz por forçar a inserção dela num conjunto, ao qual a princípio não a continha,
podendo causar confusões.

De modo geral, o uso de pronome possessivo na terceira pessoa do singular ou plural –


seu, seus, sua, suas, dele, deles, dela, delas – cobra atenção quanto ao uso para evitar criação de
ambiguidade. Na frase “O agressor foi até a casa da vítima em seu carro” não é possível saber qual
foi o carro utilizado pelo agressor e num processo criminal esta particularidade pode assumir
importância crucial no deslinde dos fatos. Em ocasiões cruciais, é melhor repetir palavras do que
deixar algum ponto importante obscuro: “O agressor foi até a casa da vítima usando o próprio
carro” ou “O agressor foi até a casa da vítima usando o carro dela – vítima”. Outro exemplo: “A
razão que ela deu para eu ingressar em sua associação só me fez desconfiar mais ainda dela”. A
associação é ‘dela’ ou do destinatário da mensagem? Desconfiar de quem: dela, da associação ou da
razão dada?

Outro caso acontece quando posição relativa entre sujeito – em terceira pessoa do
singular – está posposto a verbo transitivo direto. Na frase: “Ameaçou o acusado a testemunha” o
sujeito – ele, terceira pessoa do singular – está posposto ao verbo ‘ameaçar’ – transitivo direto –
conduzindo à indagação: quem ameaçou quem? E como ameaça é, em tese, uma conduta tipificada
como crime no art. 147, Código Penal, é muito importante saber quem ameaçou quem, pois, define
a autoria. No exemplo, seria mais claro dizer: “O acusado ameaçou a testemunha” ou “A
testemunha ameaçou o acusado” para identificar com clareza o autor da ação.

Ao fazer comparações, é necessário prestar atenção porque, caso contrário, fica-se sem
saber se houve equiparação ou oposição: “Na década de 50 contribuintes brasileiros não levavam o
Imposto de Renda a sério, como acontecia com os franceses”. Não é possível saber se houve uma
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equiparação entre os contribuintes brasileiros e franceses: ambos não levavam o Imposto de Renda
a sério ou a intenção era fazer uma oposição: os contribuintes brasileiros não levavam o Imposto de
Renda a sério, ao passo que os contribuintes franceses levavam o Imposto de Renda a sério. Em
casos assim, é de, sem muitas preocupações com o estilo, fracionar e isolar as afirmativas: “Na
década de 50 os contribuintes brasileiros não levavam o Imposto de Renda a sério; igualmente
acontecia com os contribuintes franceses” ou “Na década de 50 os contribuintes brasileiros não
levavam o Imposto de Renda a sério, ao contrário dos contribuintes franceses”.

Há casos em que a preposição “de” entre dois substantivos cuja utilização desavisada
pode gerar equívoco: “Onde está a vaca da sua mãe?” Nestes tempos complicados em que crianças
até cometem crime – ato infracional mais tecnicamente – uma pergunta destas pode custar uma
vida, porque mesmo sendo o caso de a vaca – mamífero que gera bezerros e dá leite – esteja
desaparecida a indagação pode ser entendida como ofensa. Mais prudente usar uma construção do
tipo: “Onde está a vaca pertencente à sua mãe?”

“Um ladrão roubou o automóvel do estrangeiro que estava perto do banco” deixa sem
precisar quem estava perto do banco, o automóvel ou o estrangeiro. Isto acontece em certos casos
em que há mais de um substantivo num mesmo adjunto adnominal. Melhor teria sido optar entre:
“Um ladrão, que estava perto do banco, roubou o automóvel do estrangeiro” ou “Um ladrão roubou
o automóvel, que estava perto do banco, do estrangeiro”.

Há construções que deixam dúvida acerca de quem ou o que é o referido por certo
termo: “César discutiu ferozmente com Brutus sentado na cadeira”. Quem estava sentado na cadeira
enquanto discutia com o outro: César ou Brutus? Melhor teria sido dizer; “César, sentado na
cadeira, discutiu ferozmente com Brutus” ou “César discutiu ferozmente com Brutus, que estava
sentado na cadeira”.

Alguns adjuntos adverbiais conectando duas orações podem levar a equívoco:


“Contribuintes que desobedecem às leis tributárias frequentemente são autuados”. Ficam as
indagações: 1) contribuintes desobedecem às leis tributárias frequentemente? ou 2) são autuados
frequentemente? Melhor seria: “Contribuintes que frequentemente desobedecem às leis tributárias
são autuados” ou “Contribuintes que desobedecem às leis tributárias são autuados frequentemente”.

Outra fonte de equívoco é o uso incorreto do “que”: “Fulano é o autor do crime que
deixou a população tão apreensiva”. O pronome relativo “que” tanto pode referir-se ao Fulano
quanto ao crime, gerando uma construção ambígua que poderia ficar mais clara optando-se por uma
das seguintes formas que identificam quem teria deixado a população apreensiva: “Fulano é o
autor, cujo crime, deixou a população tão apreensiva” ou “Fulano, que deixou a população tão
apreensiva, é o autor do crime”.

Enfim, vale uma regra de ouro: melhor sacrificar o estilo que a clareza. Uma frase feia
com um sentido apenas é muito melhor que um verso poético ambíguo porque as pessoas assumem
o sentido que mais lhe convenha.

Por outro lado, a vigilância é importante para esclarecer o que está sendo referido
porque se uma pessoa entende diferente da outra a comunicação não está cumprindo um papel
básico e isto pode trazer prejuízos que extrapolam o plano do debate.

11. Outras armadilhas


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11.1. A insinuação

As palavras que usamos numa afirmação podem esconder alguma outra afirmação –
conotação sugerida – implícita, com um risco grande de contagiar e, no limite, fazer com que o
receptor incorpore a ideia insinuada como se dele fosse. Ou seja, uma insinuação inserida bem
posicionada, no momento certo, com palavras bem escolhidas e no tom de voz adequado pode
funcionar como um convite à inferência dirigida. A insinuação pode advir até de um piscar de olhos
com intencionalidade.

Muita gente não consegue – ou não se esforça, pouco importa – expressar direta e
claramente suas pretensões, ideias, sentimentos e vontades, requerendo permanente atenção74 do
interlocutor para o correto entendimento, no contexto, no tempo e no espaço, da totalidade do que
está subjacente ao que insuficientemente comunicado de modo expresso. Por outro lado, muitas são
as situações que requerem o uso da dica para testar a posição do outro quanto a um assunto ou
mesmo para não haver desgaste ou comprometimento inadequado de uma pessoa em relação à
outra. Serve também para, discretamente, avisar sobre assuntos que se sabe não serem adequados
para serem tratados por aquela pessoa diretamente.

A insinuação pode dar-se desde o modo grosseiramente escancarado até o


ardilosamente sutil, mas, desde que usada com foco nas peculiaridades subjetivas do receptor, não
raro atinge seu objetivo. Existe um conhecido provérbio latino, “verbum sat sapienti (est)”75 ou
como geralmente é usado encurtado para “verbum sat” ou “verbum sap”, comumente usado para
indicar não ser o caso de dizer expressamente algo inconveniente ou desnecessário.

O casal está saindo junto e o rapaz pergunta: “você não gostaria de ir para o meu
apartamento, onde poderemos ficar mais confortáveis?” Dependendo de como for a resposta – ‘não’
firme; hesitação para responder; aceitação vivaz; concordância ansiosa – quem formulou o convite
se sentirá mais confiante – ou não – quanto às futuras liberdades ou até mesmo quanto ao
prosseguimento do encantamento recíproco. Neste caso, a sugestão propiciou um teste de terreno
sem fazer qualquer avanço concreto. A dica pode auxiliar na identificação e posicionamento no
conflito entre a consciência e o instinto. Para a garota também a dica tem utilidade, ela sabe do
interesse do rapaz e pode administrar a evolução do namoro, ou seja, aumentar a escalada de
intimidade da relação ou ser mais conservadora.

Outro casal passa diante de uma joalheria e a esposa, embasbacada, exclama diante de
uma gargantilha maravilhosa: “Que maravilha!!! A mamãe sempre disse que minha avó, nos bons
tempos, teve uma joia magnífica como esta”. Pode ser que ela queira muito ganhar a joia, mas
esteja relutante em pedir ao marido por saber que o orçamento está apertado ou porque eles
gastaram as economias do casal emprestando dinheiro para o irmão dela pagar o aluguel atrasado.
O comentário dela dá abertura para o marido – agora sabedor de que ela adorou a joia – tomar a
iniciativa de brindá-la com o presente, mas evita que ela seja magoada com a possibilidade de ele
repelir liminarmente a pretensão dela.

A insinuação pode também se usada com intuito malicioso como na história do


comandante do navio que escreveu no livro de bordo “O imediato hoje não parecia sóbrio”, pois, o
imediato havia tomado uns tragos a mais na noite anterior e não havia se apresentado tão bem
disposto para o trabalho como habitualmente. Ao ler o comentário do capitão, o imediato ficou

74
Existe um adágio popular muito conhecido – “Para bom entendedor meia palavra basta.” – que já ajudou que fossem tiradas muitas – algumas,
óbvio falsas – conclusões apressadas.
75
Tradução: uma palavra (é) suficiente para o sábio.
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furioso e dias depois se vingou dele – capitão – escrevendo no diário de bordo “O capitão hoje
estava sóbrio”. De modo geral, quem lê a anotação do imediato é conduzido a pensar emocional e
erroneamente que nos demais dias o capitão não se apresenta sóbrio para o trabalho. Entretanto,
analisando-se mais sensata e calmamente o comentário do imediato vê-se não ser incompatível com
o capitão apresentar-se, hoje e sempre, sóbrio para o trabalho; só que também não é incompatível
com o caso de o capitão só hoje não se estar apresentando sóbrio para o trabalho. A preferência do
destinatário da comunicação tende a, perigosamente, ignorar todas as possibilidades interpretativas,
peculiaridade que, muitas vezes, é explorada por pessoas formulando, com sucesso, comentário
insinuante e mal intencionado, que é recepcionado somente quanto a esta faceta.

Baltazar Gracián76: “XXXVII Conhecer e saber usar farpas. É o ponto mais sutil do
trato humano. São elas lançadas para sondar os ânimos, e com elas se faz o mais dissimulado e
penetrante tenteio do coração. Outras há maliciosas, audaciosas, tocadas pela erva da inveja,
untadas pelo veneno da paixão, raios imperceptíveis para derribar da graça e da estima. Perderam
muito a privança superior e inferior, feridos por um leve dito desse, a quem toda uma conjuração de
murmuração vulgar e de malevolência individual não foram bastantes para causar a mais leve
trepidação. Outras farpas, ao contrário, obram como favoráveis, apoiando-se e confirmando-se na
reputação. Mas com a mesma destreza com que a atenção as arroja, há de se recebê-las a cautela e
esperá-las a atenção, pois a defesa está resguardada no conhecer, e sai sempre frustrado o tiro
previsto.”

11.2. Acentuação de alguma palavra da afirmação

Ao entoar as palavras, pode-se frisar ou dar especial realce a algumas


delas. Assim, dependendo da parte especialmente enfatizada ou realçada em um enunciado ao
pronunciá-lo pode produzir marcante diferença na maneira como a audiência o recebe e entende.
Vejamos:

1) “Eu nunca soneguei ao fazer minha declaração de imposto de renda” sugere que quem
pronuncia não sonega, mas outros podem fazê-lo;
2) “Eu nunca soneguei ao fazer minha declaração de imposto de renda” sugere que quem fez a
afirmação em caso nenhum sonegou;
3) “Eu nunca soneguei ao fazer minha declaração de imposto de renda” sugere que pode ter
acontecido de inadvertidamente haver cometido erro na declaração;
4) “Eu nunca soneguei ao fazer minha declaração de imposto de renda” sugere que não sonegou
quando fez a dele;
5) “Eu nunca soneguei ao fazer minha declaração de imposto de renda” sugere que sonega em
outras áreas.

Um pormenor importante: quando impressa a frase não é passível de ser distorcida pelo
acentuar de uma ou outra palavra.

11.3. Seleção de palavras ou assunto

O escopo da afirmação pode restar distorcido dependendo de como a pessoa escolher a


forma de expressar-se. Tanto as palavras como o assunto podem ser escolhidos conforme a
situação, tempo e lugar de forma a evitar detalhe importante. E o contorno do detalhe importante
pode dar a impressão de que os fatos ocorreram de modo bem diferente.
76
GRACIÁN, Baltazar. A Arte da Prudência. SP: Editora WMF Martins Fontes, 2ª edição, 2009. P. 46
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Uma mãe, preocupada com o desempenho do filho na escola, pergunta a ele: “Filho,
como você está indo em matemática?” O filho responde: “Tirei 9,0 na prova da última 4ª feira”.
Mas, se o fato foi que o rapaz foi pego ‘colando’ na prova da 6ª feira e vai ficar com média 4,5 no
bimestre, a mãe vai ficar incorretamente pensando que o filho está indo bem, quando a verdade é
inteiramente diferente. Não dá nem para excluir a hipótese de que 9,0 da 4ª feira tenha sido obtido
por meios escusos.

A sequência de palavras pode ser vital para a forma como o outro recebe a mensagem.
Imagine-se o mais isentamente possível um fato: professor entra no banheiro, encontra um aluno
fumando e vai levar o assunto ao conhecimento do diretor da escola. Maneira 1: “Tenho uma
notícia desagradável para dar. Sabe o João Carlos, aquele aluno que só tira conceito A? Pois é,
passei pelo banheiro e o vi lá dentro fumando.” Aqui, o terreno foi preparado e as palavras
escolhidas para minimizar o incidente. Ao identificar o aluno pelo nome e dando a qualidade das
notas dele, o professor constrói um ambiente favorável para o diretor receber a notícia e posicionar-
se de modo mais brando. Maneira 2: “Acabei de flagrar o Joca fumando no banheiro”. A notícia é
levada cruamente, sem rodeios. O aluno não é o João Carlos é o Joca, um qualquer. O verbo flagrar
já traduz por si a transgressão.

11.4. Tom de voz

O tom de voz pode trair nossa atitude: insegurança, temor, hesitação, raiva, segurança,
amabilidade, dentre outras. Também pode preparar o espírito do interlocutor para pior ou para
melhor. Então, expressar-se com voz suave, pausada, em tom baixo e sereno cria um ambiente
favorável a que o assunto seja tratado com mais racionalidade. Por outro lado, expressar-se de
modo inflexível, ríspido, entrecortado, duro, gritado, rápido, urgente, etc., faz o espírito do ouvinte
ficar preparado ansiosamente para uma situação desagradável.

Imagine-se, no exemplo do aluno pego fumando no banheiro, que o professor use tons
de voz bem diferentes para dar a notícia. Na primeira maneira, o professor apresenta o assunto com
voz calma e serena. Fica, aos olhos do diretor, bastante abrandada a conduta do aluno fumante. Na
maneira 2, somando-se à escolha de passar a notícia de forma expressa, nua e crua, para o diretor,
em tom de voz ríspido, duro e severo, o caminho fica meio andado para colher a prevenção contra o
infrator e granjear-lhe uma punição agravada.

Em geral, o tom de voz é congruente com o contexto. Um dos motivos que tiram a
credibilidade da comunicação é alguém usar tom de voz que trai disposição psicológica de
conteúdo diverso quando comparada com a situação vivenciada, boa ou ruim. Mais comum em
situações difíceis ou embaraçosas. Se, diante do perigo, alguém trêmulo de medo e com os olhos
esbugalhados diz com voz mansa: “Podemos ficar tranquilos”, ninguém fica tranquilo. Mas, na
boca do líder nato que, mesmo enfrentando seus medos e fraquezas, supera-os para guiar o grupo
para fora da situação perigosa, a mesmíssima frase transmite tranquilidade.

11.5. Fraseologia

A escolha das palavras e da ordem em que utilizadas na frase pode ser muito sugestiva.
Exemplo: “Você é firme” – parece algo ponderado; “Você é obstinado” – já não é tão bom assim;
“Você é cabeça dura” – encerra um demérito, sugerindo falta de sensibilidade para particularidades
importantes e pouca disposição ante argumentos razoáveis de mudar de opinião.
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Emocionalmente há diferença enorme em dizer “Você não entendeu” ao invés cortês e


educadamente “Eu expressei-me mal”. Vale apontar que para a audiência o efeito no segundo caso
é de preservar a figura da segunda pessoa e dá chance ao emissor de explicar novamente.

Há até a história do aluno que não parava de perguntar as maiores banalidades, de modo
meio hostil e travando o andamento da aula. Com a paciência chegando nos limites, o professor
adotou a tática de explicar com minúcia e calma uma dúvida elementar apresentada pelo indigitado
aluno. Ao terminar, perguntou para o aluno insistente “Você entendeu?”. O aluno respondeu que
“Sim” e o professou arrematou: “Então, se você entendeu tenho certeza que a turma toda entendeu
também”.

Uma “garrafa meio cheia” não deixa de ser uma “garrafa meio vazia”, entretanto, o
efeito psicológico é muito diferente e vale como alerta para quem vai apresentar-se diante de uma
plateia. Adotar a linha da “garrafa meio cheia” é mais empolgante e capta o otimismo da plateia,
porque as pessoas não gostam dos arautos da escassez. Então, cuidados especiais são necessários
para trazer os temas ao ritmo de “garrafa meio vazia”, pois, psicologicamente pode traduzir
pessimismo, ao estilo “urubu no ombro”.

11.6. Justaposição

Dois enunciados, sem estarem conectados expressamente, uma vez colocados


fisicamente próximos podem levar a que uma relação entre eles seja feita.

Se numa primeira página de jornal há duas manchetes: “GOVERNADOR DESISTE


DE CONCORRER À REELEIÇÃO” e, mais abaixo: “Estado à beira do colapso impõe rolagem da
dívida para com Governo Federal”, o leitor menos avisado pode ser levado a relacionar as duas
manchetes e pensar que o Governador deixou as finanças do Estado chegarem a ponto tão
calamitoso que o levou a desistir de concorrer à reeleição.

Os meios de comunicação sensacionalistas não perdem oportunidade de divulgar,


justapondo – no tempo ou no espaço – informações ou notícias sobre assuntos diferentes, deixando
porta aberta a que relações não apropriadas sejam feitas. Este tipo questionável de divulgação vale-
se de que poucas pessoas acompanham o curso dos acontecimentos com a atenção e método
necessários ou mesmo abusando do pouco conhecimento dos receptores.

11.7. Linguagem pomposa

O uso de linguagem pomposa ou rebuscada faz um assunto trivial ou mundano parecer


importante. Um simples par de “chifres” pode ser descrito como um par de “apêndices duros e
recurvados que guarnecem a fronte de certos animais”. A colcha de retalhos de nossas avós vira
“patchwork” nas revistas de decoração, mas não deixa de ser um conjunto de retalhos de pano
costurados de forma criativa.

Expressões como “grupo de teste”, “estudo controlado”, “pesquisa junto a


especialistas” são usadas para impressionar e funcionarem como base para extração de
generalizações das mais variadas ordens e às vezes com objetivos inconfessáveis. Podem até serem
expressões sonantes, mas até terem seu conteúdo bem esclarecido não devem ser consideradas
aceitas sem questionamentos porque, sem fundamentação técnica, são ocas.

Nas audiências judiciais, é comum haver o uso de palavras técnicas durante oitivas de
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testemunhas, que às vezes são pessoas simples, sem conhecimento técnico-jurídico do que sejam
‘partes’, ‘contradita’, ‘autor’, ‘réu’, ‘quantum debeatur’, etc. Os operadores do direito têm de tomar
enorme cuidado para que quem esteja sendo ouvido – autor, réu, perito, assistente técnico, ou outro
– entenda perfeitamente o que está sendo perguntado, sob pena de haver desastrosos mal entendidos
nas respostas. Existe até um dispositivo no Estatuto da Advocacia77 concedendo o direito de o
advogado interromper sumariamente a solenidade para esclarecer eventual equívoco.

11.8. Pontuação

A pontuação na língua portuguesa obedece a critérios sintáticos e não por variações de


altura, intensidade, tom, duração ou ritmo da fala. A pontuação incorreta pode mudar inteiramente o
sentido de uma oração. Há casos em que frases sem pontuação ficam ininteligíveis. Vejamos dois
exemplos:

1) “Um fazendeiro comprou uma vaca e a filha do fazendeiro é também o pai da bezerra.”
“Um fazendeiro comprou uma vaca e a filha; do fazendeiro é também o pai da bezerra.”

2) “Quando Maria toma banho sua Mãe diz ela não gosto de tomar banho.”
“Quando Maria toma banho sua. Mãe, diz ela, não gosto de tomar banho.”

Na pontuação, a vírgula é sobremaneira perigosa porque parece simples mas não é. Há


confusões desastrosas advindas do mau uso da vírgula – inserção, falta ou má localização – levando
a prejuízos inapeláveis à clareza do texto, pois, pode introduzir desde ambiguidades até mudar
completamente o sentido. Em resumo, a vírgula é um sinal de pontuação que indica a falta ou
quebra de ligação sintática (regente + regido, determinado + determinante) no interior das frases78.

A campanha publicitária79 em comemoração aos 100 anos da Associação Brasileira de


Imprensa – ABI traz uma sequência muito bem montada de mudanças de sentido dependendo de
como se insere a vírgula e é um exemplo esplêndido: “Vírgula pode ser uma pausa......ou não. Não,
espere. Não espere.”; “Ela pode sumir com seu dinheiro. 23,4. 2,34.”; “Pode ser autoritária. Aceito,
obrigado. Aceito obrigado.”; “Pode criar heróis. Isso só, ele resolve. Isso só ele resolve.”; “E
vilões... Esse, juiz, é corrupto. Esse juiz é corrupto.”; “Ela pode ser a solução. Vamos perder, nada
foi resolvido. Vamos perder nada, foi resolvido.”; “A vírgula muda uma opinião. Não queremos
saber. Não, queremos saber.”; “Uma vírgula muda tudo.”

Imagine-se que alguém rico faleceu enquanto fazia seu testamento. O falecido escreveu
a frase a seguir, mas morreu antes de pontuá-la: “DEIXO A MINHA FORTUNA PARA O MEU
IRMÃO NÃO PARA O MEU SOBRINHO JAMAIS PARA MEU ADVOGADO NADA PARA
OS POBRES”. Quem primeiro chegou foi o irmão do falecido e produziu a seguintes pontuações:
“DEIXO A MINHA FORTUNA PARA O MEU IRMÃO. NÃO PARA O MEU SOBRINHO.
JAMAIS PARA MEU ADVOGADO. NADA PARA OS POBRES.” O sobrinho do morto chegou
logo depois e propôs a seguinte maneira de pontuar a frase: “DEIXO A MINHA FORTUNA PARA
O MEU IRMÃO? NÃO! PARA O MEU SOBRINHO. JAMAIS PARA MEU ADVOGADO.
NADA PARA OS POBRES.” Para tentar colocar alguma ordem no entendimento da mensagem do
falecido seu advogado entendeu por pontuar da seguinte forma: “DEIXO A MINHA FORTUNA
PARA O MEU IRMÃO? NÃO! PARA O MEU SOBRINHO? JAMAIS! PARA MEU
77
Lei 8.906/94: Art. 7º São direitos do advogado: (...) X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção
sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para
replicar acusação ou censura que lhe forem feitas; (...)
78
LUFT, Celso Pedro. A vírgula. 2ª edição. São Paulo: Ática, 1997. P. 9.
79
https://www.youtube.com/watch?v=uWKpx5Ls1zg Pesquisado em 08/08/20.
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ADVOGADO. NADA PARA OS POBRES.” O defensor da causa dos pobres não perdeu sua
oportunidade: “DEIXO A MINHA FORTUNA PARA O MEU IRMÃO? NÃO! PARA O MEU
SOBRINHO? JAMAIS? PARA MEU ADVOGADO? NADA! PARA OS POBRES.”

Um marcante exemplo prático do mau uso da vírgula foi o convite oficial elaborado
para a festa de celebração de 2 anos do governo de Michel Temer, cuja redação, considerada
desastrosa pela assessoria, provocou crise interna e implicou em alteração de última hora. A
redação “O Brasil voltou, 20 anos em 2” foi considerada ambígua porque, se suprimida a vírgula
após o verbo, passa a mensagem de que o País regrediu 20 anos sob a gestão do atual Presidente.
(vide jornal OESP, 15/05/18, A8).

11.9. Meia verdade

A rigor, a meia verdade é uma mentira porque, quem cala a verdade sobre ponto acerca
o qual tinha ou devia manifestar-se, está criando um cenário falso, pois, privando os destinatários
da mensagem do conhecimento de pormenor que poderia esclarecer os fatos integralmente. O
Código Penal trata do tema no tipo penal falso testemunho ou falsa perícia: “Art. 342. Fazer
afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou
intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”.

Este caso é mais grave que a mera escolha de palavras ou assunto porque, no limite,
pode configurar a prática de crime.

O exemplo a seguir é autoexplicativo. Uma testemunha presencial, depondo sobre


acidente ferroviário, ocorrido à noite e atribuído ao fato de o maquinista haver desconsiderado
sinais luminosos e acionado os freios, fazendo parar a composição a tempo, afirma que “Agitara a
lanterna de sinalização sobre a cabeça e vigorosamente de um lado para o outro”. Conclusão neste
cenário é que a culpa pelo acidente seria do maquinista. Mas, qual seria o convencimento do juiz se
tomasse ciência que, em verdade, a testemunha sacudira vigorosamente a lanterna sinalização
apagada? Como lanterna de sinalização apagada não é visível à distância à noite, ao maquinista não
poderia ser atribuída culpa pelo acidente porque não soube da necessidade de parar o trem para
evitá-lo. O detalhe de a lanterna de sinalização estar apagada quando foi utilizada para dar sinal ao
maquinista muda tudo; tudo mesmo.

11.10. Não mencionar detalhe fundamental

Uma perigosa armadilha ao conteúdo da comunicação é a existência de pessoas que,


pelos mais variados motivos, deixam de mencionar detalhe fundamental que, uma vez conhecido da
outra parte, daria um curso diferente aos acontecimentos. Este fenômeno pode ir desde a
ignorância, pressa ou mesmo estupidez até o dolo.

Há pessoas que por qualquer motivo não são atentas – alguns não percebem mesmo –
para os verdadeiros fatores que governam os acontecimentos. E não se pode ser iludido por essas
pessoas. Para ilustrar, uma anedota. Dois praticantes de salto de paraquedas encontram-se no ar,
durante o trajeto avião-solo. Um deles, de paraquedas e sem capacete; o outro, sem paraquedas,
mas com capacete na cabeça. Ao ver o amigo sem capacete diz o infeliz sem paraquedas, mas com
a cabeça guarnecida por um reluzente capacete: “Meu Deus, você esqueceu-se de colocar o seu
capacete! Não pode saltar sem!”.
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No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) atribui explicitamente ao


fornecedor, o partícipe mais poderoso e sábio da relação de consumo, o dever de informar o
consumidor, partícipe mais fraco e ignorante da relação. Detalhe importante: impõe uma conduta
ativa ao fornecedor, pois, mesmo não havendo manifestação do consumidor procurando haver a
informação, é dever do fornecedor ministrá-la. Na legislação brasileira é direito básico do
consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e
preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. A preocupação com a informação ao
consumidor vai além, pois, o fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou
perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua
nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso
concreto. 80 Então, não cabe a defesa do fornecedor alegar que não informou sobre este ou aquele
pormenor porque o consumidor não perguntou.

12. Algumas sugestões para elaboração de proposições

As proposições devem ser elaboradas, preferencialmente, de modo coerente e


sustentável. Assim, alguns cuidados mínimos são sugeridos:

1) Subentendido não é necessariamente entendido. Logo, não há que se supor o entendimento da


audiência acerca de algo não explicitado claramente.

2) Nada de achar que a audiência possua o conhecimento – técnico ou prático – necessário à


compreensão do assunto em pauta. Se necessário, faça uma recapitulação.

3) Use frases sintéticas, congruentes e completas. Nada melhor que o “sujeito”, “verbo” e
“objeto”. As pessoas são simples, querem saber quem fez o quê. Pesquisas mostram que o
sujeito deve vir no começo da frase e o verbo preferencialmente deve aparecer não mais do que
seis palavras depois, para evitar que o destinatário tenha se esquecido do sujeito quando o
verbo vier.

4) As pessoas são melhores para entender o assunto quando certa pessoa é mencionada. Assim,
além de apresentar o sujeito logo, nomear uma pessoa específica provoca mais interesse da
audiência que uma coletividade impessoal (“João e Maria”, ao invés de “as crianças”, por
exemplo); objetos tangíveis ganham mais atenção que os abstratos (“a escola”, ao invés de “a
lei”, por exemplo) e quão mais abstrato o sujeito menos interesse desperta.

5) Para melhor entendimento use sempre o mesmo sujeito, evitando substituições no correr do
pronunciamento, para que a audiência não precise vasculhar o cérebro para entender de quem
se está falando. Evitar designar a mesma pessoa (José, por exemplo) de autor da ação numa
ocasião, reclamante em outra, peticionário numa terceira e assim por diante.

6) Lembre-se: a ação está no verbo e os destinatários da mensagem nele a procuram. Não se deve
sepultar a ação na substantivação: é muito mais direto e claro dizer “o Tribunal indeferiu o
pedido de liminar” ao invés de “o indeferimento pelo Tribunal do pedido de liminar”.

80
Art. 6º, inciso III e art. 9º, Lei 8.078/90.
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7) No geral, deve-se utilizar a voz ativa, que coloca o sujeito da frase no palco dos fatos, “A bola
atingiu o rosto de Mariana” é uma maneira simples e direta de descrever a mecânica de um
acidente que vitimou Mariana. O uso da voz passiva é útil para despertar os sentimentos da
plateia, ao chamar a atenção dela para sujeito paciente da ação praticada pelo agente da
passiva. Então, dizer “O rosto da Mariana foi atingido pela bola”, usando voz passiva,
emocionalmente chama atenção para a garota. Em termos de generalização, usar
prioritariamente a voz ativa; somente se deve usar a voz passiva quando decidir que o foco será
colocado em quem sofre a ação praticada. O uso da voz passiva é indicado em alguns casos
típicos. Quando não se quer revelar o autor da ação, o uso da voz passiva é útil: “Erros foram
praticados”, quando não se quer nomear quem da equipe errou. Quando se quer ser formal ou
autoritário: “Estacionar nesta vaga é rigorosamente proibido” ao invés de “Você não pode
estacionar nesta vaga”. Quando não se sabendo o sujeito da ação e não há utilidade em nominá-
lo genericamente: “Na briga de torcidas de ontem uma pessoa foi morta”, ao invés de
“Membros de torcida organizada não identificados mataram um torcedor numa briga ontem”.

8) Ser parcimonioso com adjetivos e advérbios, deixando na frase apenas as palavras necessárias
para transmitir a exata ideia que quer ver externada. Quem enche a frase de adjetivos e
advérbios não encontrou o verbo ou substantivo que indique precisamente a ação que quer ver
expressada: “falar alto” é “gritar”; “apêndice duro e recurvado que guarnece a fronte de certos
animais” é “chifre”.

9) Não tratar proposições que combinam dados objetivos e considerações subjetivas – avaliações
– como se fossem proposições tratando de fatos objetivos unicamente. Comparem-se, por
exemplo: 1) “Fulano mora na Rua Alfa, número x”; 2) “Fulano é baixo e feio”; 3) Fulano, o
baixinho feioso que mora na Rua Alfa, número x”.

10) Não usar duas negativas na mesma frase, embora, em português vulgar, usualmente tenham o
efeito conjunto de intensificar a negativa. Cuidado porque, a rigor, “não ter nada” é “ter alguma
coisa”.

11) Use linguagem compatível com o entendimento da audiência. Para a comunicação funcionar e
cumprir seu papel, o emissor deve ser compreendido pelos receptores das mensagens.

12) Evite linguagem ambígua usando, tanto quanto possível, termos unívocos, com sentido
determinado e inconfundível. Termos ambíguos são compatíveis com mais de um significado.
Exemplos: “Ama o pai o filho”; “A pedido de Fulano a reunião será em seu escritório”.

13) Evite palavras vagas usando termos mais precisos e focados, tendo em mente que quanto mais
geral a palavra, mais vaga é. Uma palavra é vaga se existem objetos que não estejam
explicitamente incluídos e nem excluídos na sua extensão. Exemplo: “São todos uns ingratos”.

14) As pessoas são, no geral, ouvintes impacientes. Coloque de início o ponto a ser defendido e, a
seguir passe para a argumentação, de preferência intercalando um “porque”. Introduções
maçantes deixam a plateia desinteressada. Há pessoas que começam uma explanação para uma
plateia especializada fazendo introitos elementares e sem utilidade para dirigir a atenção dos
destinatários da mensagem. É muito mais preciso e objetivo, ao invés de explicar o que é
cláusula contratual e fiança para advogados, dizer logo: “A cláusula de fiança existente no
contrato é inválida porque a esposa do fiador não assinou concordando com ela”.

15) Cuidado com o vocábulo ‘não’ intercalado nas frases porque dependendo de onde a vírgula for
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colocada – ou pronunciada –, o sentido muda completamente. Exemplo: 1) “Não quero saber.”;


2) “Não, quero saber”.

16) Não seja evasivo; diga exata e diretamente o que tem em mente, pois, caso contrário a
audiência pode enganar-se – ou ser enganada – ao captar a mensagem, o senso de realidade das
pessoas pode restar distorcido.

17) Muitos debates – políticos, como um exemplo que vale por todos – são travados em ambiente
impregnado por ideologias onde as palavras têm um significado peculiar para cada uma das
partes. Na época da Guerra Fria, por exemplo, à palavra “coexistência” eram atribuídos
significados diferentes pelas partes envolvidas. Assim, cuidado com termos do gênero:
“revolução cultural”, “reeducação”, “pacificação”, dentre outros.

18) Não deixe espaço para que sua posição seja “entendida” como mais extrema do que
efetivamente seja. É um truque usual em debates, o adversário desonesto distorcer o
entendimento da posição contrária, para algo um tanto mais extremo que originalmente. Este
estratagema traz enormes chances de fracasso se o declarante a incorporar e se arvorar a
defendê-la. Cair nesta armadilha pode levar o declarante ao ridículo e falhar fragorosamente
em sua argumentação, muitas vezes inicialmente correta e pertinente. Schopenhauer81, no
estratagema 1 expõe: “A expansão. Levar a afirmação do adversário para além de seu limite
natural, interpretá-la da maneira mais genérica possível, tomá-la no sentido mais amplo
possível; inversamente, concentrar a própria afirmação no sentido mais limitado, no limite mais
estrito possível: pois, quanto mais genérica se torna uma afirmação, a mais ataques ela fica
exposta.”

19) Não há segunda chance para causar uma primeira boa impressão. A plateia sempre aguarda seu
melhor argumento enunciado em primeiro lugar82. Então, não deixe seu melhor tiro para o
final, até porque a audiência pode pensar que você não soube identificá-lo como o mais
convincente. No mínimo, perderá em persuasão e, no máximo, a plateia pensará que não está
compreendendo em profundidade o assunto tratado.

20) A utilização da linguagem impessoal em manifestações faladas ou escritas é sempre indicada,


pois, dificulta que certo trecho, pronunciado num contexto, seja citado fora do contexto em
outra ocasião, trazendo dificuldade ou desconforto. Quem nunca viu os meios de comunicação
transcrever pequenos trechos entre aspas que nem sempre refletem inteira e exatamente a visão
de quem os pronunciou, em época até por vezes incerta e numa situação bem diversa da qual a
citação está sendo extraída?

13. Conclusão

Num debate sobre assunto controverso, a questão que se põe ao crítico não é demolir o
argumento do outro, lançando a pecha de falacioso, mas demonstrar que a argumentação do
adversário dá margem razoável de dúvida ou não tem sustentação suficiente para ser acatada sem
maiores considerações. Ou seja, questionar o argumento, apesar de não ter a força destrutiva do
desmonte, é suficiente para suspender o envolvimento do público a quem o argumento está sendo
dirigido. Preste-se atenção que, de modo simples e educado, colocar em xeque um argumento tem
81
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: exposta em 38 estratagemas. 3ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. P. 17.
82
“If you have an important point to make, don't try to be subtle or clever. Use a pile driver. Hit the point once. Then come back and hit it again.
Then hit it a third time - a tremendous whack.” Winston Churchill. Tradução livre: ”Se você tem um ponto importante a estabelecer, não tente ser
sutil ou inteligente. Use um bate-estacas. Toque o ponto uma vez. Então, volte e toque-o outra vez. Então, bata uma terceira vez – uma tremenda
pancada”.
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duas vantagens fundamentais: cobra um esforço e uma precisão muito menores e dá ao oponente
uma saída honrosa.

Conhecer os tipos de argumentos, sabendo diferenciar os válidos dos inválidos, e


instruir-se sobre os vários tipos de falácias usualmente aplicadas auxilia o crítico a questionar
fundamentadamente posições contrárias às suas, avaliar com critério as falhas e erros existentes na
posição adversária. Esta tática faz por garantir ao crítico hábil uma posição privilegiada no debate
permitindo a correta e adequada defesa do seu ponto de vista, sem prejuízo de ter meios para
apreciar o mérito da argumentação do opositor.

A cada dia alguém cunha um nome novo para argumento falacioso, alguns com nomes
em latim. E é assim mesmo porque as situações da vida são da mais variada nuance. Normalmente,
o argumento falacioso se enquadra em mais de uma espécie porque o debate é um todo que
transcorre como uma torrente.

Para argumentar bem é preciso conhecer-se e controlar-se emocionalmente. Muita gente


debate provocando, para tirar o adversário do prumo emocional por meio de achincalhes que devem
ser prontamente desprezados, com educação e firmeza, pois, se aceitos levam o debate à altercação
pretendida pelo ofensor. Às vezes a estratégia perseguida pelo oponente é inviabilizar o debate.

Conhecer também o adversário, porque muito da evolução do debate depende das


atitudes e reações dele.

Mas, se o debate tiver curso, o importante mesmo é que se deve estar atento para, diante
de um argumento que comporta questionamento identificá-lo e não ficar inerte. Examinar o
argumento desde a forma em que apresentado, quem lançou, os termos utilizados, a possível
relatividade das premissas, a amplitude da conclusão, a qualidade da relação entre as premissas e a
conclusão, as provas apresentadas, todas as particularidades enfim, para ficar habilitado a fazer os
questionamentos certos e focados com vistas a atacá-lo amplamente com precisão cirúrgica em suas
– do argumento – falhas e fraquezas.

Só superada esta fase preliminar, que na maioria das vezes tira quase ou toda a força do
argumento do adversário, é que vem o ataque ao mérito. Observadas as cautelas de praxe na fase
preliminar, quando vier o exame do mérito, o argumento do oponente estará bem delimitado e
exposto à plateia. As argumentações falsas e falaciosas muito raramente resistem ao escrutínio
proposto bem executado na fase dita preliminar.

E neste processo, não descuidar nunca da plateia, sempre tendente a responder


emocionalmente.

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