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CADERNOS

DO MERCADO
DE VALORES
MOBILIÁRIOS

Nº 72

• BUY THE RUMOUR, SELL THE NEWS –


COMENTÁRIO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
DE 15 DE MARÇO DE 2022, M. A CONTRA AMF, C 302/20

• PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO –


EM ESPECIAL, O DEVER DE QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO
DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

• CONSULTORIA FINANCEIRA ROBÓTICA

• DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

• A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

• A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

• A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS


SUSTENTÁVEIS
CADERNOS
DO MERCADO
DE VALORES
MOBILIÁRIOS
Nº 72
Agosto 2022
CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Índice
EDITORIAL 4

ARTIGOS

• BUY THE RUMOUR, SELL THE NEWS – COMENTÁRIO DO 9


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
DE 15 DE MARÇO DE 2022, M. A CONTRA AMF, C 302/20

FREDERICO MACHADO SIMÕES

• PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO - 24


EM ESPECIAL, O DEVER DE QUALIDADE DE INFORMAÇÃO
A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

VERA LÚCIA ANTUNES

• CONSULTORIA FINANCEIRA ROBÓTICA 39

MIGUEL RESENDE ELVAS

• DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS 65

FILIPA SANTOS ROCHA

• A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES 95

ALEXANDRE BRANDÃO DA VEIGA

• A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS 175

FILIPA VILA NOVA, INÊS SOARES SIMÃO e


JOANA FERNANDES

• DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA 190


INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

VICTOR MENDES

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Editorial

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Editorial

N
este número dos Cadernos apresen- pica, em nome da liberdade de im-
tam-se seis textos de natureza jurí- prensa e das finalidades jornalísticas
dica e um de natureza económica. da atividade desenvolvida. Um caso
O crime de abuso de informação muito interessante, uma espécie de
privilegiada, apesar de ter na matéria remake do célebre caso histórico Us
da proibição um núcleo factual esta- versus Carpenter (USA, 1987), trinta
bilizado de casos, continua a suscitar e cinco anos depois, agora passado
problemas interpretativos, desig- em França, com outro quadro regu-
nadamente na aplicação do regime latório e outras questões envolvidas.
acolhido no Regulamento do Abuso Para além de uma análise lúcida e
de Mercado de 2014. Numa análi- bem fundamentada, o Autor identi-
se breve, mas profunda, Frederico fica os efeitos concretos desta deci-
Machado Simões analisa os funda- são do TJUE sobre a compreensão ao
mentos e a repercussão da solução âmbito material da incriminação do
acolhida no Acórdão do Tribunal de insider trading em Portugal, contri-
Justiça da União Europeia (TJUE), de buindo assim para a delimitação ma-
15 de março de 2022, na compreen- terial do tipo incriminador.
são do Direito nacional. Em duas ma- No segundo estudo, Vera Lúcia
térias fundamentais: por um lado, o Antunes destaca a importância eco-
problema de saber se os rumores po- nómica do papel comercial enquan-
dem ou não ser tratados como «in- to instrumento de financiamento
formação precisa» para efeitos do das empresas e debate o problema
tipo incriminador do insider trading; da qualidade da informação a prestar
e, por outro, a questão de saber se a na colocação das emissões desse va-
divulgação de rumores por um jor- lor mobiliário. Mais especificamente,
nalista numa coluna de imprensa a Autora enfrenta o problema de sa-
(mas com transmissão prévia do seu ber que deveres de informação estão
conteúdo a outras pessoas que ne- associados às emissões de papel co-
gociaram com base nesses elemen- mercial e quem responde pela quali-
tos e nos seus efeitos sobre o mer- dade da informação divulgada, con-
cado) está abrangida pelo âmbito do cluindo, de forma consistente e bem
crime de abuso de informação pri- fundamentada, pela vinculação ju-
vilegiada ou fora da sua previsão tí- rídica do emitente, do intermediário

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financeiro colocador e do patrocina- eventual responsabilidade por viola-


dor da operação. Um entendimento ção de deveres legais e profissionais.
que reforça a autonomia e o âmbito O quarto texto deste núme-
de tutela do regime sobre a qualida- ro é baseado no trabalho vencedor
de de informação, previsto no artigo do Prémio José Luís Sapateiro 2021.
7.º do Código dos Valores Mobiliários. Neste artigo, Filipa Santos Rocha
A inteligência artificial tem sido estuda os contratos derivados so-
usada (pelo menos) há mais de duas bre ações próprias, em particular a
décadas nos serviços financeiros, de questão da aplicabilidade por analo-
formas distintas e cada vez mais ela- gia do regime da aquisição de ações
boradas, surgindo quer autonoma- próprias a esses contratos. Partindo
mente, quer em articulação com a da constatação de que tais contratos
intervenção humana. Num texto tão não caem no âmbito de aplicação do
importante quanto inovador, Miguel Código das Sociedades Comercias, a
Resende Elvas apresenta um elen- Autora enfrenta um problema jurí-
co (muito substancial) de serviços dico pertinente, que cruza o Direito
de consultadoria financeira presta- societário com a natureza e efeitos
dos com recurso a modelos informá- de um instrumento financeiro, o que
ticos automatizados (sejam modelos constitui uma questão de especial re-
híbridos, com intervenção humana, levância para a regulação e a supervi-
sejam modelos totalmente automa- são dos mercados financeiros.
tizados), identificando repercussões Por seu turno, Alexandre Brandão
diversas na qualidade dos serviços da Veiga trata a questão da indepen-
prestados – designadamente, em dência dos auditores, entidades que
função do cruzamento rápido entre exercem funções de interesse público.
a informação dos mercados e as de- Para o Autor, ser independente signi-
cisões de investimento, com a frieza fica que se é independente de quais-
dos algoritmos imunes à emoção hu- quer interesses que não sejam os pú-
mana. Mas, para além das vantagens blicos, pelo que, enquanto exercem
desta forma de prestação de serviços, aquelas funções, mais nenhum inte-
o texto identifica igualmente os ris- resse deve ser tido em conta. Sendo a
cos e as limitações da consultado- independência um dever, ela é igual-
ria financeira robótica, quer para os mente uma qualidade e um requisi-
investidores, quer para os próprios to, no que respeita aos seus efeitos,
prestadores de serviços. O Autor con- pelo que a sua presença ou ausência
clui, de forma prospetiva, sobre a ne- têm consequências jurídicas, que são
cessidade de avaliar a adequação do analisadas neste texto.
quadro regulatório nacional nesta Filipa Vila Nova, Inês Soares
matéria, quer no domínio das con- Simão e Joana Fernandes estudam o
dições para o exercício das ativida- regime jurídico aplicável à inamovi-
des de intermediação financeira, quer bilidade do Revisor Oficial de Contas
no plano da vinculação jurídica e da (ROC) designado para o exercício da

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revisão legal de contas de sociedades no que respeita à sua disponibilida-


comerciais, nomeadamente as so- de para abdicar de lucro em benefício
ciedades anónimas e por quotas. As de uma maior sustentabilidade am-
Autoras analisam as funções de in- biental. O Autor procura identificar
teresse público exercidas pelo ROC as características dos indivíduos que
bem como a questão dos respetivos os possam levar a manifestar prefe-
mandatos, em particular no que res- rência por sustentabilidade e em si-
peita ao período temporal, temas de multâneo a preterir a rentabilidade, e
particular acuidade naqueles tipos avalia igualmente o impacto das fon-
societários. tes e tipos de informação, bem como
No último artigo deste número de outros fatores não económicos,
dos Cadernos, Victor Mendes aborda utilizados por investidores e não in-
a questão de saber se os Portugueses vestidores na tomada de decisão.
estão sensibilizados para as questões
de sustentabilidade, nomeadamente Boas leituras!

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Artigos
lBUY THE RUMOUR, SELL THE NEWS – COMENTÁRIO DO ACÓRDÃO
DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA DE 15 DE MARÇO DE 2022,
M. A CONTRA AMF, C 302/20

FREDERICO MACHADO SIMÕES

PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO -


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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

BUY THE RUMOUR,


SELL THE NEWS:
COMENTÁRIO
DO ACÓRDÃO DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DA UNIÃO EUROPEIA
DE 15 DE MARÇO
DE 2022, M. A CONTRA
AMF, C 302/20

FREDERICO MACHADO SIMÕES 1

1
Mestre em Direito Penal e Ciências Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Advogado
no Departamento Jurídico da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Assistente Convidado no Grupo de
Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Todas as opiniões emitidas neste texto
são exclusivamente pessoais, não podendo de modo algum ser imputadas à Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

I. INTRODUÇÃO

M.
A era um jornalista britânico que es- públicas sobre a Hermès e a Maurel
crevia sobre rumores de mercado & Prom e que essas pessoas teriam
para o Daily Mail. No dia 8 de junho de emitido ordens de compra das ações
2011, M. A publicou no Mail Online um dessas sociedades imediatamente
artigo dando conta de uma possível antes da publicação dos artigos e que
oferta pública de aquisição das ações teriam vendido essas ações no mer-
da Hermès pela LVMH, pelo preço de cado imediatamente após a publica-
€ 350 por ação, o que representava ção dos artigos, beneficiando da su-
um prémio de 86% relativamente à bida nas cotações que se verificou.
cotação de fecho dos títulos nesse dia. M. A viria a ser condenado pela
No dia 12 de junho de 2012, M. A pu- AMF no pagamento de uma sanção
blicou um outro artigo no qual rela- pecuniária no valor de € 40.000 pela
tava que as ações da Maurel & Prom divulgação de informação privilegia-
poderiam vir a ser alvo de uma ofer- da sobre a iminência da publicação
ta pública de aquisição, pelo preço de dos seus artigos no Mail Online, em
€ 19 por ação, o consubstanciava um violação dos artigos 622.º-1 e 622.º-
prémio de 80% relativamente à últi- 2 do règlement général del’Autorité des
ma cotação de fecho, o que viria a ser marchés financiers, que proíbem a co-
desmentido pela sociedade. Os títulos municação de informação privilegia-
da Hermès e da Maurel & Prom apre- da. Inconformado, M. A impugnou a
sentaram subidas nas suas cotações decisão da AMF e, no decurso da ad-
nas sessões imediatamente a seguir à judicação do processo, o cour d’appel
publicação dos artigos. de Paris suspendeu a instância e sub-
A Autorité des marchés financiers meteu ao Tribunal de Justiça da União
(“AMF”), na sequência de um inqué- Europeia (“TJUE”), em síntese, as
rito, viria a dar como provado que M. seguintes questões prejudiciais:
A comunicou a duas pessoas a publi- — O artigo 1.º, ponto 1, da Diretiva
cação iminente dos artigos onde dava 2003/06/CE do Parlamento
conta dos rumores acerca das ofertas Europeu e do Conselho, de 28 de

2
Disposição correspondente ao atual artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.º 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014.

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JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA DE 15 DE MARÇO DE 2022, M. A CONTRA AMF, C 302/20

janeiro de 20032 deve ser interpretado no considerada como sendo realizada para
sentido de que uma informação sobre a “fins jornalísticos”?
publicação iminente de um artigo de im- — Os artigos 10.º e 21.º do RAM devem ser
prensa que dá conta de um rumor de mer- interpretados no sentido de que o cará-
cado é suscetível de constituir informação ter (i)lícito da divulgação de informação
“precisa” para efeitos da qualificação des- privilegiada por um jornalista para fins
sa informação como “privilegiada”? jornalísticos depende de saber se tal di-
— O artigo 21.º do Regulamento (UE) vulgação foi feita no âmbito do normal
n.º 596/2014 do Parlamento Europeu exercício da sua profissão?
e do Conselho, de 16 de abril de 2014 As respostas do TJUE a estas interroga-
(Regulamento Abuso de Mercado – ções oferecem, assim, orientações relevantes
“RAM”) deve ser interpretado no sentido sobre, por um lado, o conceito de informação
de que a revelação da publicação iminente “precisa” e, por outro, a interpretação do ar-
de um artigo que dá conta de um rumor de tigo 21.º do RAM, suscitando ainda a questão
mercado por um jornalista a uma das suas de perceber como devem ser enquadradas es-
fontes de informação habituais pode ser tas orientações no Direito português.

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II. OS CRIMES DE ABUSO DE INFORMAÇÃO E A NATUREZA


“PRECISA” DA INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA

O
artigo 378.º, n.º 1, do CVM estabelece n.º 28/2017, de 30 de maio –, prevê
o tipo fundamental do abuso de in- o crime de abuso de informação pri-
formação privilegiada ao prever que: vilegiada relativa a licenças de emis-
«Quem disponha de informação são, dispondo que:
privilegiada: «Quem disponha de informação
a) Devido à sua qualidade de titu- privilegiada:
lar de um órgão de administração, a) Devido à sua qualidade de ti-
de direção ou de fiscalização de um tular de um órgão de administra-
emitente ou de titular de uma par- ção, de direção ou de fiscalização
ticipação no respetivo capital; ou de um participante no mercado de
b) Em razão do trabalho ou do ser- licenças de emissão ou de titular de
viço que preste, com caráter per- uma participação no respetivo ca-
manente ou ocasional, a um emi- pital; ou
tente ou a outra entidade; ou b) Em razão do trabalho ou do ser-
c) Em virtude de profissão ou fun- viço que preste, com caráter per-
ção pública que exerça; ou manente ou ocasional, a um par-
d) Que, por qualquer forma, tenha ticipante no mercado de licenças de
sido obtida através de um facto ilí- emissão ou a outra entidade; ou
cito ou que suponha a prática de c) Em virtude de profissão ou fun-
um facto ilícito; ção pública que exerça; ou
e a transmita a alguém fora do d) Que, por qualquer forma, tenha
âmbito normal das suas funções sido obtida através de um facto ilí-
ou, com base nessa informação, cito ou que suponha a prática de
negoceie ou aconselhe alguém a um facto ilícito;
negociar em valores mobiliários ou e a transmita a alguém fora do
outros instrumentos financeiros ou âmbito normal das suas funções
ordene a sua subscrição, aquisição, ou, com base nessa informação,
venda ou troca, direta ou indire- negoceie ou aconselhe alguém a
tamente, para si ou para outrem, negociar em leilões de licenças de
é punido com pena de prisão até 5 emissão, em instrumentos finan-
anos ou com pena de multa». ceiros relacionados com licenças de
Por seu turno, o artigo 378.º-A, emissão ou produtos nelas basea-
n.º 1, do CVM – introduzido pela Lei dos, ou apresente, altere ou cancele

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licitação que lhes diga respeito, direta ou in- um investidor médio ideal»5.
diretamente, para si ou para outrem, é pu- Relativamente à sua estrutura típica, os
nido com pena de prisão até 5 anos ou com crimes de abuso de informação podem ser
pena de multa». decompostos em três elementos fundamen-
Os supracitados enunciados normativos tais: (i) o conceito de “informação privile-
transpõem para o Direito nacional a proibição giada”, (ii) as condutas típicas – transmis-
de abuso e de transmissão ilícita de informa- são e utilização – e (iii) o dolo do agente6.
ção privilegiada, estatuída no artigo 14.º do Concretamente, o elemento que nos ocupa
RAM e complementada pelos artigos 7.º, 8.º e neste comentário é o conceito de “informação
10.º do mesmo diploma. privilegiada”, previsto no n.º 4 do artigo 378.º
O bem jurídico protegido pelos crimes e no n.º 3 do artigo 378.º-A do CVM. De acordo
de abuso de informação, à semelhança dos com os aludidos preceitos, a qualidade “pri-
crimes de manipulação de mercado, é a in- vilegiada” da informação depende da verifi-
tegridade do mercado3. Com efeito, o abuso cação cumulativa de quatro características:
de informação e a manipulação de merca- (i) o seu caráter não público; (ii) a sua preci-
do representam formas distintas de ataque são; (iii) a sua especificidade; e (iv) a sua ca-
ao mesmo bem jurídico: no caso dos crimes pacidade de influenciar de maneira sensível o
de abuso de informação, o desvalor típico da preço no mercado dos valores mobiliários ou
ação corresponde ao aproveitamento ilegíti- instrumentos financeiros a que diga respeito7.
mo da assimetria informativa inerente à pos- A primeira questão que ocupou o TJUE na
se pelo agente de informação não-pública4 e, decisão sob comentário foi a de saber se um
no caso dos crimes de manipulação de mer- rumor pode ser considerado “preciso”, para
cado, esse desvalor reside na prática de atos efeitos da qualificação de uma informação
suscetíveis criar «uma situação de erro para como “privilegiada”8.

3
Neste sentido e com maiores desenvolvimentos, vide o nosso, «Manipulação do Mercado e o Princípio da Legalidade», in Anatomia do Crime, n.º 5, janeiro-junho 2017, pp. 146-148.
4
Vide FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, «Os crimes contra o mercado: âmbito material e significado político-criminal após a reforma de 2017», in Revista de Direito Financeiro e dos Mercados

de Capitais, vol. 1, n.º 5, 2019, p. 479 e 483-484.


5
FREDERICO MACHADO SIMÕES, «Manipulação do Mercado…», p. 152.
6
Neste sentido, FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, «Os crimes contra o mercado…», p. 484.
7
Neste sentido, por todos, vide FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, «Os crimes contra o mercado…», p. 484. Na jurisprudência do TJUE, vide os acórdãos de 28 de junho de 2012, Geltl, C-19/11, §25,

de 11 de março de 2015, Lafonta, C-628/13, §24, e M. A contra AMF, §33.


8
Na doutrina nacional, os rumores tendem a ser excluídos da noção de “informação precisa” no âmbito do crime de abuso de informação privilegiada por FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, O

Novo Regime dos Crimes e Contra-Ordenações no Código dos Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 76-77; TIAGO GERALDO, «Insider trading e ofertas públicas de aquisição: alcance do tipo e

condutas penalmente irrelevantes», in Novos Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito Penal (coord. Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias, Paulo de Sousa Mendes), Coimbra, Almedina,

2020, p. 181; JOSÉ DE FARIA COSTA, MARIA ELISABETE RAMOS, O crime de abuso de informação privilegiada (insider trading). A informação enquanto problema jurídico-penal, Coimbra, Coimbra Editora,

2006, pp. 47-48; PEDRO VERDELHO, «Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro», in Comentário das Leis Penais Extravagantes (org. Paulo Pinto de Albuquerque, José Branco), vol. 2, Lisboa, Universidade

Católica Editora, 2011, p. 171; A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2018, p. 395; FÁTIMA GOMES, Insider Trading, Valadares, APDMC,1996, pp.

88-89; MARIA AMÁLIA PEREIRA DOS SANTOS, «Crimes Contra o Mercado de Capitais», in Temas de Direito Bancário e Valores Mobiliários (coord. Maria Emília Teixeira), vol. I, Coimbra, Almedina, 2022, p.121..

Esta opinião é partilhada, além-fronteiras, por KLAUS TIEDEMANN, Manual de Derecho Penal Económico. Parte general y especial, Valencia, Tirant lo Blanch, 2010, p. 385. Todavia, o caráter “preciso” do

rumor é admitido, nalguns casos, por PAULO CÂMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2018, pp. 801-802.

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Na sua abordagem, o Tribunal no de detalhes como a identidade do alvo de uma


Luxemburgo começou por esclarecer que o oferta pública de aquisição, a identidade do
caráter “preciso” da informação depende da adquirente e o preço de aquisição dos valores
verificação de dois requisitos cumulativos: (i) mobiliários, pelo que uma exclusão apriorís-
«deve fazer referência a um conjunto de circuns- tica desta classe de informações não pode ser
tâncias existentes ou razoavelmente previsíveis aceite. Ademais, o agente que sabe de ante-
ou a um acontecimento já ocorrido ou razoavel- mão que um rumor será divulgado num meio
mente previsível»; e (ii) deve «permitir retirar de comunicação social encontra-se inequivo-
uma conclusão quanto ao eventual efeito desse camente numa posição de vantagem sobre os
conjunto de circunstâncias ou acontecimentos investidores que não têm conhecimento dessa
nos preços dos instrumentos financeiros ou dos divulgação – reza o adágio «compra o rumor,
instrumentos financeiros derivados com eles re- vende a notícia» (“buy the rumour, sell the
lacionados»9. Tendo presentes estes requisi- news”) –, pelo que a transmissão desse rumor
tos, o TJUE, acompanhando as conclusões da a terceiros acarreta o desvalor típico da ação
advogada-geral, começou por assinalar que do crime de abuso de informação privilegiada.
«o facto de um investidor ter conhecimento da Nesta senda, podemos ainda acrescentar
publicação iminente de um rumor pode, em de- dois argumentos àqueles que foram mobili-
terminadas circunstâncias, bastar para lhe con- zados pelo TJUE.
ferir uma vantagem relativamente aos outros Primo, o artigo 17.º, n.º 7, do RAM esta-
investidores»10. A partir desta constatação, o belece que a informação privilegiada cuja pu-
TJUE concluiu que não é admissível rejeitar blicação haja sido diferida deve ser publica-
a priori o caráter preciso de determinada in- mente divulgada o mais rapidamente possível
formação apenas por se tratar de um rumor11, quando surja um rumor que diga explicita-
sendo necessário avaliar casuisticamente o mente respeito a essa informação e tal rumor
grau de precisão do conteúdo do rumor e ain- «seja suficientemente preciso para indicar que
da a credibilidade da fonte que o relatou12. a confidencialidade da informação já não está
A conclusão do TJUE não nos merece qual- assegurada»13. Nesta medida, o próprio RAM
quer reparo. Efetivamente, a circunstância de admite que os rumores não são necessaria-
uma determinada informação ser um rumor e, mente imprecisos por natureza, podendo as-
como tal, estar sujeita a um grau de incerte- sumir precisão suficiente para gerar deveres
za, não deixa de ser passível de conferir uma de divulgação.
vantagem ao agente que atua com base na Secundo, a alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º
mesma, especialmente quando – como suce- do RAM, qualifica a «divulgação de rumores»
deu no caso em apreço – esse rumor dá conta como um ato passível de consubstanciar uma

9
M. A contra AMF, §36, Lafonta, §§27 e 28, e Geltl, §29.
10
M. A contra AMF, §44.
11
M. A contra AMF, §46
12
M. A contra AMF, §48.
13
Neste sentido, PAULO CÂMARA, Manual…, pp. 801-802.

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manipulação de mercado, isto é, como um ato mor ou da divulgação do mesmo permite ao


idóneo a afetar o preço de um instrumento fi- agente tomar partido dessa mesma manipu-
nanceiro. Consequentemente, se um rumor lação ou, pelo menos, resguardar-se contra
pode ser utilizado para manipular o mercado, ela, de uma forma que não está ao alcance dos
então o conhecimento antecipado de um ru- demais intervenientes no mercado. l

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III. A DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA PARA


“FINS JORNALÍSTICOS”

A. A função e o conceito donde se divisa uma tripla função in-


de “fins jornalísticos” terpretativa subjacente ao artigo 21.º

O
do RAM.
artigo 21.º do RAM dispõe o seguinte: A primeira função, que corres-
«Para efeitos do disposto nos arti- ponde ao objeto da primeira ques-
gos 10.o, 12.o, n.o 1, alínea c), e 20.o, tão prejudicial, refere-se à parte final
no caso de ser divulgada ou difun- do artigo 10.º, n.º 1, §1, do RAM, que
dida informação e de serem ela- estabelece:
boradas ou difundidas recomen- «Para efeitos do presente regula-
dações para fins jornalísticos ou mento, existe transmissão ilícita
outra forma de expressão nos meios de informação privilegiada quan-
de comunicação social, essa divul- do uma pessoa dispõe de infor-
gação ou difusão de informação é mação privilegiada e a transmite
avaliada tendo em conta as regras a qualquer outra pessoa, exceto se
relativas à liberdade de imprensa e essa transmissão ocorrer no exercí-
à liberdade de expressão em outros cio normal da sua atividade, da sua
meios de comunicação social e as profissão ou das suas funções».
regras ou os códigos que regulam a Neste contexto, o artigo 21.º de-
profissão jornalística, a menos que: limita o escopo da exceção do «exer-
a) As pessoas em causa ou pessoas cício normal da sua atividade, da sua
estreitamente relacionadas com profissão ou das suas funções», funcio-
elas obtenham, de forma direta ou nando como uma norma interpreta-
indireta, uma vantagem ou bene- tiva do requisito da “normalidade”
fício resultante da transmissão ou no exercício da atividade jornalística
difusão da informação em causa; ou para efeitos da exclusão de tais ativi-
b) A divulgação ou difusão seja feita dades do âmbito da proibição de abu-
com a intenção de induzir o merca- so de informação privilegiada.
do em erro no que respeita à oferta, A segunda função, referente ao
à procura ou ao preço dos instru- artigo 12.º , n.º 1, alínea c), do RAM,
mentos financeiros». estabelece um critério de aferição do
O preceito em causa começa com dever de saber que as informações
o inciso «[p]ara efeitos do disposto nos divulgadas são falsas ou engano-
artigos 10.º, 12.º, n.º 1, alínea c), e 20.º», sas, apontando o intérprete-aplica-

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JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA DE 15 DE MARÇO DE 2022, M. A CONTRA AMF, C 302/20

dor para «as regras ou os códigos que regulam a prudencial, o TJUE considerou que o termo
profissão jornalística» para avaliar se o agente “fins jornalísticos” deve ser interpretado de
atuou com a diligência devida. forma ampla15, englobando, não só a publica-
A terceira função, relativa ao artigo 20.º ção de informação na imprensa, mas também
do RAM, passa pela definição de um critério as divulgações «que se inserem no processo que
de avaliação da suficiência das medidas des- conduz a essa publicação»16, como «a recolha de
tinadas a garantir a objetividade das informa- informações e as atividades de investigação de
ções e a divulgação de interesses e conflitos um jornalista»17, na medida em que tais atos
de interesses em sede de recomendações de «são inerentes à liberdade de imprensa»18.
investimento.
O cerne da questão a decidir pelo TJUE B. Os limites das alíneas a) e b) do artigo
prendia-se com saber se os “fins jornalís- 21.º do Regulamento Abuso de Mercado
ticos” referidos no artigo 21.º do RAM abar-
cam apenas o ato de divulgação de informação Não obstante a interpretação dos limites das
ao público, isto é, a publicação de uma peça alíneas a) e b) do artigo 21.º não ter sido abor-
jornalística, ou se, diversamente, também dada no acórdão sob comentário, cremos que
abrange divulgações realizadas no decurso da um tratamento mais cabal do problema da di-
elaboração de uma peça, nomeadamente, a di- vulgação de informação privilegiada por jor-
vulgação de informação junto de fontes para nalistas impõe um pequeno excurso sobre es-
confirmação. tes limites.
Cumpre aqui salientar que, conforme si- Começando pela alínea a), esta exclui do
nalizado pelo considerando 77 do RAM, o arti- campo de aplicação do artigo 21.º do RAM as
go 21.º desse diploma representa um exercício divulgações realizadas quando «[a]s pessoas
de compatibilização entre, de uma banda, a em causa ou pessoas estreitamente relacionadas
integridade do mercado e, de outra, os direitos com elas obtenham, de forma direta ou indireta,
à liberdade de imprensa e à liberdade de ex- uma vantagem ou benefício resultante da trans-
pressão, reconhecidos pelo artigo 11.º da Carta missão ou difusão da informação em causa». A
dos Direitos Fundamentais da União Europeia, teleologia deste limite é clara: a existência de
donde resulta a necessidade de interpretar um interesse económico na divulgação da in-
esta norma em harmonia com o acervo ju- formação privilegiada torna suspeita a fina-
risprudencial europeu relativo a estes direi- lidade jornalística da divulgação e, como tal,
tos, incluindo a jurisprudência do Tribunal quem divulga tal informação com um inte-
Europeu dos Direitos Humanos (“TEDH”)14. resse económico concorrente aos fins jorna-
Em conformidade com esse acervo juris- lísticos não beneficia da proteção do direito à

14
M. A contra AMF, §67. Sobre a compatibilização entre o direito de informar e a tutela penal da informação privilegiada na doutrina nacional, vide Frederico de Lacerda da Costa Pinto, «O direito de

informar e os crimes de mercado», in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 2, primeiro semestre 1998, pp. 104-107.
15
M. A contra AMF, §66, invocando, por analogia, o acórdão do TJUE de 14 de fevereiro de 2019, Buivids, C-345/17, §51.
16
M. A contra AMF, §64.
17
M. A contra AMF, §67.
18
M. A contra AMF, §68, invocando os acórdãos do TEDH de 25 de abril de 2006, Dammann c. Suíça, §52, de 27 de junho de 2017, Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finalândia, §128.

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liberdade de imprensa. Aqui importa, todavia, coerentes com o entendimento do TEDH que
chamar a atenção para o facto de o jornalismo, apenas estende a proteção do direito à liber-
enquanto atividade profissional, ser remune- dade de expressão e imprensa a jornalistas que
rado19, pelo que uma interpretação estritamen- atuem em boa-fé e de acordo com a ética pro-
te literal e descontextualizada deste preceito fissional20. Mais concretamente, estes limites,
poderia levar a concluir que o jornalista que é a nosso ver, representam situações em que,
remunerado por redigir uma peça na qual é di- apesar de ser possível identificar um fim jor-
vulgada informação privilegiada estaria a atuar nalístico, tal fim encontra-se subordinado a
à margem das proteções concedidas ao jorna- um outro interesse, o que acarreta um perigo
lismo. Tal conclusão, seria, todavia, contrá- abstrato de violação do dever de informar com
ria ao objetivo de garantia da liberdade de im- rigor e isenção, estabelecido no artigo 14.º, n.º
prensa inerente ao artigo 21.º do RAM, por isso, 1, alínea a), do Estatuto do Jornalista, aprovado
para preservar o sentido útil dessa disposição, pela Lei n.º 1/99, de 1 de janeiro.
apenas deverão ser consideradas relevantes
para a verificação da alínea a) aquelas vanta- C. O teste da proporcionalidade
gens que sejam alheias ao exercício do jorna- da divulgação
lismo, isto é, devem ter-se por irrelevantes as
vantagens ou benefícios resultantes do exer- Uma vez estabelecido que a divulgação de in-
cício da própria atividade de jornalismo, como formação privilegiada foi realizada na prosse-
ordenados, bónus, promoções ou prémios. cução de fins jornalísticos, para concluir pela
No que tange à alínea b) do artigo 21.º do legitimidade dessa divulgação, é ainda neces-
RAM, não será tida como divulgação para “fins sário que tal divulgação se mostre proporcio-
jornalísticos” «[a] divulgação ou difusão seja nada, conforme vem sendo assinalado pela ju-
feita com a intenção de induzir o mercado em erro risprudência europeia21.
no que respeita à oferta, à procura ou ao preço dos Neste conspecto, os fatores para aferir
instrumentos financeiros», ou seja, aquelas di- da proporcionalidade da divulgação para fins
vulgações que tenham como fim a manipula- jornalísticos identificados pelo TJUE são os
ção do mercado não beneficiam de proteção, seguintes:
por corresponderem a uma forma de abuso do — A indispensabilidade da divulgação para
direito à liberdade de imprensa. o cumprimento do dever de verificação da
22
Estes limites ao artigo 21.º do RAM são informação ;

19
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 1 de janeiro, «[s]ão considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada,

exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos,

pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão» (sublinhado nosso).
20
Neste sentido, ver o acórdão do TEDH de 20 de maio de 1999, Bladet Tromsø e Stensaas c. Noruega, §65.
21
Acórdão do TJUE de 22 de novembro de 2005, Grøngaard e Bang, C 384/02, §§31 e 34. Este exercício de ponderação, de resto, é tributário da metodologia de análise que vem sendo desenvolvida pelo

TEDH a propósito das restrições ao direito à liberdade de expressão, consagrado no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Sobre esta metodologia, reafirmando e sumariando a

jurisprudência anterior, vide o acórdão do TEDH de 20 de outubro de 2015, Pentikäinen c. Finlândia, §87.
22
M. A contra AMF, §§82 e 83.

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— Se a proibição de divulgação restringe ex- tais normas não seja condição suficiente
cessivamente a liberdade de imprensa em para concluir pela proporcionalidade da
relação ao prejuízo causado à integrida- divulgação)25; e
de dos mercados23, incluindo o poten- — A suscetibilidade de o abuso da informa-
cial efeito dissuasor (chilling effect) dessa ção privilegiada divulgada pelo jornalis-
proibição sobre a atividade jornalística24; ta prejudicar outros investidores e, a mé-
— O cumprimento das normas deontológicas dio prazo, levar à perda de confiança nos
da profissão (ainda que o cumprimento de mercados financeiros26. l

23
M. A contra AMF, §84.
24
M. A contra AMF, §85.
25
M. A contra AMF, §86.
26
M. A contra AMF, §87.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

IV. REFLEXOS NO DIREITO NACIONAL

C
hegados aqui, a questão que cumpre mação privilegiada, sujeitando-os a
responder é em que medida esta juris- uma análise casuística do seu caráter
prudência do TJUE afeta o Direito por- “preciso”28.
tuguês? Em particular, como pode a Em segundo lugar, o artigo 378.º
decisão do TJUE afetar a interpreta- do CVM, à semelhança do disposto no
ção e aplicação dos crimes de abuso artigo 10.º do RAM, condiciona a res-
de informação, previstos e punidos ponsabilidade do agente pela trans-
nos artigos 378.º e 378.º-A, do CVM, missão de informação privilegiada à
que, recordamos, transpõem para o ausência de uma situação de norma-
Direito português os artigos 7.º, 8.º, lidade funcional dessa transmissão,
10.º e 14.º do RAM. ou seja, as situações de normalidade
Em primeiro lugar, visto que a ju- profissional da transmissão da infor-
risprudência nacional, na esteira de mação privilegiada recortam negativa-
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA mente o tipo de ilícito de abuso de in-
PINTO, tem entendido que o rumor formação. Assim sendo, o elemento
não é “preciso” por definição27, do- típico da “normalidade profissional”
ravante o intérprete-aplicador por- da divulgação da informação que se
tuguês – em obediência ao princípio encontra nos artigos 378.º e 378.º-A
uniformidade na aplicação do Direito do CVM deve ser lido em articulação
da União Europeia – deverá de inter- com o artigo 21.º do RAM, que den-
pretar o n.º 4 do artigo 378.º e o n.º sifica o que deve ser entendido como
3 do artigo 378.º-A do CVM no sen- a normalidade profissional da jorna-
tido de admitir a possibilidade de, lista, nessa medida, devem ser con-
pelo menos em abstrato, os rumo- sideradas atípicas as divulgações de
res poderem consubstanciar infor- informação privilegiada para fins

27
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de março de 2018, proferido no processo 1288/15.8JDLSB.L1-3 (JORGE RAPOSO), dispo-

nível em dgsi.pt.
28
Poder-se-ia também reequacionar o critério utilizado para aferir do caráter “preciso” da informação, no entanto, o critério avançando por FREDERICO DE LACERDA

DA COSTA PINTO e acolhido pela supracitada jurisprudência não nos parece substancialmente distinto dos dois requisitos empregues pelo TJUE, pese embora a

abordagem do TJUE apresente uma decomposição analítica mais fina.

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jornalísticos que cumpram com o disposto estão verificadas; e


neste preceito, conforme interpretado pelo — Aferir se a divulgação em causa foi pro-
TJUE. porcional, tendo em conta (i) a sua indis-
Esta interpretação, devidamente adap- pensabilidade, (ii) o potencial efeito dis-
tada à realidade portuguesa, passa por, suasor da punição do jornalista, (iii) o (in)
cumulativamente: cumprimento dos deveres previstos no
— Aferir se o ato de divulgação tem como artigo 14.º do Estatuto do Jornalista e (iv)
objetivo, ainda que mediato, comunicar o prejuízo potencial para os investidores
informações ao público; individuais e para a confiança nos merca-
— Aferir se alguma das exceções presentes dos em geral.
nas alíneas a) e b) do artigo 21.º do RAM

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

V. CONCLUSÕES

1.ª
O bem jurídico protegido pelos cionalidade da divulgação para
crimes de abuso de informação é fins jornalísticos são: (i) a indis-
a integridade do mercado. pensabilidade da divulgação para
o cumprimento do dever de ve-
2.ª Nos crimes de abuso de infor- rificação da informação; (ii) se a
mação, o desvalor típico da ação proibição de divulgação restrin-
corresponde ao aproveitamen- ge excessivamente a liberdade
to da assimetria informativa de imprensa em relação ao pre-
inerente à posse de informação juízo causado à integridade dos
não-pública. mercados, incluindo o potencial
efeito dissuasor (chilling effect)
3.ª Segundo o TJUE, o termo “fins dessa proibição sobre a atividade
jornalísticos” deve ser interpre- jornalística; (iii) O cumprimen-
tado de forma ampla, engloban- to das normas deontológicas da
do, não só a publicação de infor- profissão (ainda que o cumpri-
mação na imprensa, mas também mento de tais normas não seja
as divulgações que fazem par- condição suficiente para con-
te do processo que conduz à cluir pela proporcionalidade da
publicação. divulgação); e (iv) a suscetibili-
dade de o abuso da informação
4.ª Na interpretação da alínea a) do privilegiada divulgada pelo jor-
artigo 21.º do RAM, apenas de- nalista prejudicar outros inves-
verão ser consideradas relevan- tidores e, a médio prazo, levar à
tes aquelas vantagens que sejam perda de confiança nos mercados
alheias ao exercício do jornalismo, financeiros.
isto é, devem ter-se por irrele-
vantes as vantagens ou benefí- 6.ª O intérprete-aplicador português
cios resultantes do exercício da terá, doravante, de interpretar o
própria atividade de jornalismo, n.º 4 do artigo 378.º e o n.º 3 do
como ordenados, bónus, promo- artigo 378.º-A do CVM no senti-
ções ou prémios. do de admitir a possibilidade de,
pelo menos em abstrato, os ru-
5.ª Os fatores para aferir da propor- mores poderem consubstanciar

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JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA DE 15 DE MARÇO DE 2022, M. A CONTRA AMF, C 302/20

informação privilegiada, sujeitando-os o artigo 21.º do RAM, que densifica o que


a uma análise casuística do seu caráter deve ser entendido como a normalidade
“preciso”. profissional do jornalista, devendo, nessa
medida, ser consideradas atípicas as di-
7.ª O elemento típico da “normalidade pro- vulgações de informação privilegiada para
fissional” da divulgação da informação fins jornalísticos que cumpram com o dis-
que se encontra nos artigos 378.º e 378.º- posto neste preceito, conforme interpre-
A do CVM deve ser lido em articulação com tado pelo TJUE.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

PAPEL COMERCIAL
E DEVERES DE
INFORMAÇÃO –
EM ESPECIAL, O
DEVER DE QUALIDADE
DE INFORMAÇÃO
A CARGO DO
INTERMEDIÁRIO
FINANCEIRO
COLOCADOR

VERA LÚCIA ANTUNES 1

1
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Advogada no Departamento Jurídico
da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Todas as opiniões expressas neste texto são exclusivamente
pessoais, não podendo de modo algum ser imputadas à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

I. INTRODUÇÃO

O
papel comercial é um instrumento de turidade curto4, que, entre nós, não
dívida de curto prazo, cujo regime le- pode ir além dos 397 dias.
gal se encontra atualmente previsto A emissão de papel comercial
no Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de pode ter lugar através de emissão
março (alterado sucessivamente pelo simples ou programa de emissões,
Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de podendo a sua oferta ter lugar através
março, pelo Decreto-Lei n.º 29/2014, de oferta pública ou particular (arti-
de 25 de fevereiro e pelo Decreto-Lei gos 7.º e 12.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º
n.º 77/2017, de 30 de junho)2. 69/2004, de 25 de março).
O artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-lei O papel comercial pode ser ad-
n.º 69/2004, de 25 de março, na re- mitido à negociação em mercado re-
dação dada pelo Decreto-Lei n.º gulamentado ou em qualquer outra
77/2017, de 30 de junho, define “pa- plataforma de negociação (artigo 16.º
pel comercial” como “valores mobi- do Decreto-lei n.º 69/2004, de 25 de
liários representativos da dívida emi- março).
tidos por prazo igual ou inferior a 397 Considerando o seu prazo de ma-
dias”3. turidade curto e a sua grande liqui-
O papel comercial constitui, as- dez, o papel comercial tem sido vis-
sim, um valor mobiliário de nature- to, designadamente pelo legislador
za monetária, que se carateriza por se português da reforma operada pelo
tratar de um valor representativo de Decreto-Lei n.º 77/2017, de 30 de ju-
dívida e apresentar um prazo de ma- nho, como uma alternativa de finan-

2
Para uma breve noção da evolução histórica deste instrumento em Portugal vide MAFALDA MIRANDA BARBOSA E JOSÉ LUÍS DIAS GONÇALVES, Instrumentos

Financeiros – Valores mobiliários. Valores monetários. Derivados de crédito. Produtos de bancassurance, Gestlegal, 1.ª Edição, setembro 2020, p. 179 e s.
3
Antes da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 77/2017, de 30 de junho, eram considerados papel comercial os valores mobiliários representativos de dívida

emitidos por prazo inferior a um ano. O Decreto-Lei n.º 77/2017, de 30 de junho veio, assim, alterar o prazo de 1 ano para 397 dias, procurando-se, como resulta do

preâmbulo do referido diploma, a flexibilização do quadro jurídico em vigor.


4
V. PAULO CÂMARA, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2011, 2.ª Edição, p. 220 e 221, e AMADEU JOSÉ COSTA FERREIRA, Valores Mobiliários Escriturais

– Um Novo Modo de Representação e circulação de Direitos, Almedina, Janeiro 1997, p. 49.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

ciamento das micro, pequenas e médias em- CdVM deve também ser observado no âmbito
presas relativamente ao crédito bancário de da comercialização de papel comercial e, em
curto prazo5. caso afirmativo, por quem. Colocam-se, as-
Neste contexto de manifesta vontade de sim, as seguintes questões a que se pretende
alargamento da utilização deste instrumento dar aqui resposta: Que deveres de informa-
de financiamento, assumem particular rele- ção devem ser observados no âmbito da co-
vância os deveres de informação a que se en- mercialização do papel comercial? Quem são
contram sujeitos os vários intervenientes na os destinatários desses deveres de informa-
organização e na comercialização do papel ção? O intermediário financeiro que desem-
comercial, em especial os que recaem sobre o penha a função de colocador de papel comer-
intermediário financeiro colocador do papel cial encontra-se adstrito ao cumprimento de
comercial. deveres de informação? Se sim, que deveres
O regime jurídico do papel comercial, es- de informação lhe cabem? Em concreto, o in-
tabelecido no Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 termediário financeiro colocador de papel
de março, prevê um conjunto de deveres re- comercial junto dos seus clientes está adstri-
lacionados com a informação a prestar aos to ao cumprimento do dever de qualidade da
subscritores de papel comercial. Importa per- informação previsto no artigo 7.º do CdVM?
ceber, especialmente, se os deveres de infor- Que lugar ocupa o dever de qualidade da in-
mação a prestar aos subscritores de papel co- formação consagrado no artigo 7.º do CdVM
mercial se restringem aos que se encontram no contexto da comercialização do papel co-
previstos naquele regime ou se o artigo 7.º do mercial? l

5
Na verdade, a institucionalização do papel comercial teve sempre em vista proporcionar aos emitentes legitimados a emitir este valor mobiliário uma forma alternativa de financiamento face ao

crédito bancário. Esse objetivo foi sendo prosseguido desde o regime legal anterior fixado pelo Decreto-Lei n.º 181/92, de 22 de agosto, desde logo, através do alargamento do leque de entidades emi-

tentes (veja-se que a alteração produzida pelo Decreto-Lei n.º 231/94, de 14 de setembro a este diploma veio permitir que entidades com sede ou direção efetiva fora do território nacional pudessem

emitir papel comercial). Sobre este tema v. CRISTINA SOFIA DIAS, “Notas e Questões sobre a Lei Aplicável à Emissão de Instrumentos de Dívida de Curto Prazo (Papel Comercial) por Sociedade com Sede

e Administração Efectiva em Portugal”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 12, dezembro 2001, p. 106 e 107. Já o legislador da revisão de 2014 ao atual regime instituído pelo Decreto-lei n.º

69/2004, de 25 de março procedeu a uma revisão dos requisitos de emissão de papel comercial com valor unitário inferior a 50 000,00 €, passando a ser possível emitir papel comercial, sem limites

à obtenção de fundos e independentemente do nível de capitais próprios, quando a estrutura de capitais do emitente permita assegurar, depois da emissão, um rácio de autonomia financeira consi-

derado adequado; conferiu maior flexibilidade nos requisitos que se referem à garantia e à avaliação do risco da emissão; e introduziu a figura do patrocinador da emissão, com o intuito de apoiar o

recurso à emissão de papel comercial por parte de emitentes com menor capacidade de organização (cf. preâmbulo do respetivo diploma e atual artigo 4.º do regime). O legislador da revisão de 2017,

por sua vez, procurou cumprir o mesmo desiderato através da ampliação do prazo de maturidade máximo para 397 e do aperfeiçoamento do regime da figura do patrocinador de emissão, introduzida

pelo legislador da revisão de 2014 (cf. preâmbulo do respetivo diploma e atuais artigos 1.º, n.º 2 e 17.º, n.º 2).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

II. ÂMBITO DA INFORMAÇÃO A PRESTAR


NA OFERTA DE PAPEL COMERCIAL

A
oferta de papel comercial tem de II.a. Nota informativa de papel
cumprir um conjunto de deveres comercial
informativos, os quais se encon-
tram previstos no Decreto-Lei n.º O Título IV do Decreto-Lei n.º 69/2004,
69/2004, de 25 de março, bem como de 25 de março tem como epígra-
no Regulamento da CMVM n.º 2/2014. fe “deveres de informação”. Logo o
O dever de natureza informativa primeiro artigo daquele título (artigo
que mais se destaca no regime jurídi- 17.º) prevê e regula a nota informativa,
co do papel comercial é a exigência da prescrevendo que qualquer emissão
elaboração de uma nota informativa, e oferta de papel comercial – seja ela
da qual deve constar – consideran- na modalidade de emissão simples ou
do o prazo curto de maturidade deste com programa de emissão, seja ela na
tipo de instrumento – essencialmen- modalidade de oferta pública ou par-
te informação sobre a situação patri- ticular – exige a elaboração pelo emi-
monial e financeira e as caraterísticas tente, de uma nota informativa. A nota
da emissão, e que deverá ser divul- informativa de papel comercial é, de
gada aos investidores. facto, o elemento central de divulga-
A partir da alteração operada pelo ção da informação legalmente exigida
Decreto-Lei n.º 29/2014, de 25 de fe- aos subscritores do papel comercial.
vereiro, o regime jurídico do papel Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, a
comercial passou a consagrar ain- elaboração da nota informativa en-
da outros deveres informativos que contra-se a cargo do emitente e dela
se prendem com informação privile- devem constar: a) informação sobre a
giada relacionada com a situação fi- situação patrimonial, económica e fi-
nanceira do emitente e que poderá nanceira, individual e consolidada da
influir na capacidade do mesmo efe- emitente, bem como do grupo em que
tuar o reembolso do papel comercial, se insere; b) as caraterísticas da emis-
aplicável também aos casos em que o são, com o conteúdo indicado no mo-
papel comercial não se encontre ad- delo de nota informativa constante do
mitido à negociação em mercado re- Anexo do Decreto-Lei n.º 69/2004, de
gulamentado. Vejamos. 25 de março6.

6
Para efeitos de introduzir maior certeza na fase de preparação da emissão e comparabilidade no processo de análise pelos investidores, a alteração introduzida

pelo Decreto-Lei n.º 29/2014, de 25 de fevereiro veio definir e prever, em anexo ao Regime Jurídico do Papel Comercial, o modelo de nota informativa que deve ser

apresentado com cada emissão ou programa de emissão.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

Estipula o artigo 17.º, n.º 2 que, quando apenas está sujeita a aprovação da CMVM
o papel comercial se destinar a ser adquiri- quando esteja em causa uma oferta pública
do por entidades sujeitas ao disposto na al. c) de papel comercial dirigida especificamente
do n.º 6 do artigo 172.º do Regime Geral dos a pessoas com residência ou estabelecimento
Organismos de Investimento coletivo (ou seja, em Portugal (artigo 12.º, n.º 2)7.
quando o papel comercial se destine a ser ad-
quirido para as carteiras dos organismos de II.b. Outros deveres de informação
investimento coletivo em valores mobiliários
sem observância do limite de 10% previsto no Para além da informação constante da nota
artigo 172.º, n.º 7, do RGOIC), a nota informa- informativa, que constitui o principal veícu-
tiva de papel comercial não admitido à nego- lo de prestação de informação do emitente
ciação em mercado regulamentado deve in- de papel comercial ao investidor, o Decreto-
cluir, para além das informações exigidas no Lei n.º 69/2004, de 25 de março prevê outros
n.º 1 do mesmo artigo, um parecer elaborado deveres de informação, constantes do Título
por intermediário financeiro, pelo patrocina- IV ou dispersos por este diploma, tal como o
dor da emissão ou por revisor oficial de contas, Regulamento da CMVM n.º 2/2014.
em qualquer caso, desde que não sujeito a ins- Desde logo, o artigo 20.º-A do Decreto-lei
truções do emitente, que deverá ter por obje- n.º 69/2004, de 25 de março consagra outros
to a verificação das informações nela contidas. deveres de informação a cargo do emiten-
Caso esteja em causa um programa de te de papel comercial. Assim, o n.º 1 do arti-
emissão de papel comercial, o emitente deve go 20.º-A8 prevê deveres de divulgação de in-
elaborar, previamente a cada emissão, uma formação privilegiada ao mercado. Estipula o
informação complementar na medida do ne- referido artigo que o emitente deverá prestar
cessário para individualização da mesma (ar- informação (i) sobre qualquer facto ou infor-
tigo 17.º, n.º 3), devendo conter os requisi- mação precisa de que tome conhecimento, (ii)
tos previstos no artigo 8.º do Regulamento da que não sejam públicos, (iii) suscetíveis de in-
CMVM n.º 2/2014. fluenciar de maneira sensível o preço do papel
A existência de um prospeto válido que in- comercial. Sendo que, nos termos do n.º 2 do
clua a possibilidade de emissão de papel co- referido artigo 20.º-A, considera-se informa-
mercial, dispensa a elaboração de nota in- ção suscetível de influenciar de maneira sen-
formativa desde que contenha informação sível o preço do papel comercial a informação
equivalente à prevista no Anexo referido su- que afete de modo previsível e significativo a
pra (artigo 17.º, n.º 7). capacidade do emitente de proceder ao reem-
9
A nota informativa de papel comercial bolso da emissão .

7
O artigo 4.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2014 prevê os termos em que deve ser realizada a instrução do pedido de aprovação de nota informativa de oferta pública junto da CMVM.
8
O artigo 20.º-A foi aditado pelo Decreto-Lei n.º 29/2014, de 25 de fevereiro, “na linha da credibilização do instrumento e da proteção do respetivo investidor”, como pode ler-se no respetivo preâm-

bulo deste diploma.


9
O artigo 10.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2014 acrescenta à capacidade de o emitente proceder ao reembolso da emissão “a capacidade do emitente assegurar o pagamento da remuneração”.

E, particularizando informações suscetíveis de afetar de modo previsível e significativo a capacidade do emitente de proceder ao reembolso da emissão ou de assegurar o pagamento da remuneração,

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

Prevê ainda o n.º 3 do referido artigo 20.º- tigo 9.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2014,
A que, enquanto não tiver sido integralmen- o qual prevê que o mesmo deve conter infor-
te reembolsada uma emissão ou estiver válido mação relevante para aferir o valor, o desem-
um programa de emissão, o emitente de papel penho e a capacidade de reembolso do papel
comercial deve divulgar o respetivo relatório e comercial, devendo conter o conteúdo indi-
contas relativos ao exercício mais recente, nos cado no modelo de relatório anexo ao referido
casos em que papel comercial tenha sido admi- regulamento10.
tido à negociação em mercado regulamentado, O artigo 11.º, n.º 1 do Regulamento da
através do seu sítio na internet e sem prejuí- CMVM n.º 2/2014 prevê ainda que o emiten-
zo da possibilidade de divulgação através do te de papel comercial objeto de oferta públi-
sistema de difusão de informação da CMVM. ca de distribuição – quer tenha sido admiti-
Quando a emissão de papel comercial não se do à negociação em mercado regulamentado
destinar a ser admitida à negociação, tais in- ou em outra qualquer plataforma de nego-
formações deverão ser comunicadas pelo emi- ciação – informa o público sobre os resulta-
tente diretamente aos respetivos titulares do dos da oferta e de rateio, caso este exista. Tal
papel comercial (artigo 20.º-A, n.º 4). informação é imediatamente disponibilizada
Dispõe o artigo 15.º, n.º 7 que, no caso de ao público por um intermediário financeiro ou
se tratar de papel comercial não admitido à em sessão especial de mercado regulamenta-
negociação em mercado regulamentado, o in- do, consoante aplicável, através do sistema de
termediário financeiro ou o patrocinador da difusão de informação da CMVM e nos locais
emissão publicam um relatório semestral so- onde a nota informativa de oferta pública ti-
bre o papel comercial emitido. Tal relatório ver sido divulgada (artigo 11.º, n.º 2 do referi-
semestral encontra-se regulamentado no ar- do Regulamento). l

refere: a) situações de incumprimento em operações de financiamento e; b) recurso do emitente ao processo de insolvência, incluindo os planos de recuperação e os processos especiais de re-

vitalização, apresentação de pedido de declaração de insolvência, bem como as sentenças emitidas no âmbito desses processos. Tal informação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 10.º do

Regulamento da CMVM n.º 2/2014, deve ser imediatamente divulgada ao mercado pelo emitente através do sistema de difusão de informação da CMVM e enviada para a entidade gestora de mercado,

devendo o emitente guardar segredo sobre a existência e conteúdo dessa mesma informação até à respetiva divulgação, após o que a informação poderá ser divulgada através de outros meios de

comunicação (artigo 10.º, n.º 4 do referido Regulamento da CMVM).


10
Ainda nos termos do disposto no artigo 9.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2014: (i) “Nas situações de ofertas públicas lançadas de acordo com o artigo 12º, nº 4 do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de

março e de ofertas particulares emitidas por entidade sem certificação legal de contas ou auditoria às contas efetuada por um revisor oficial de contas ou por uma sociedade de revisores oficiais

de contas, o intermediário financeiro ou o patrocinador de emissão, conforme aplicável, deve garantir a produção e a divulgação do relatório semestral” (n.º 3); (ii) “Nos casos de ofertas particulares

emitidas por entidade sem certificação legal de contas ou auditoria às contas efetuada por um revisor oficial de contas ou por uma sociedade de revisores oficiais de contas, o relatório semestral,

apenas, tem que ser divulgado aos respetivos titulares” (n.º 4); (iii) “Nas situações de ofertas particulares emitidas por entidade com certificação legal de contas ou auditoria às contas efetuada por

um revisor oficial de contas ou por uma sociedade de revisores oficiais de contas fica dispensada a apresentação do relatório semestral” (n.º 5).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

III. DESTINATÁRIOS DO DEVER DE QUALIDADE


DA INFORMAÇÃO

D
epois de termos percorrido, em ter- do CdVM, não sendo exceção a infor-
mos necessariamente breves, o regi- mação divulgada no contexto de uma
me jurídico do papel comercial, ana- oferta de papel comercial.
lisando os deveres de informação a O primeiro destinatário do dever
que a oferta de papel comercial se en- de qualidade da informação é o emi-
contra sujeita, importa perceber se e tente. Ao emitente compete, desde
em que medida o dever de qualida- logo, elaborar a nota informativa de
de da informação previsto no artigo papel comercial, que constitui o prin-
7.º do Código dos Valores Mobiliários cipal meio de divulgação de informa-
se aplica à informação divulgada no ção aos investidores. Mas compete
âmbito da oferta de papel comercial. também divulgar a informação pri-
Determina, no n.º 1 do artigo 7.º vilegiada respeitante a qualquer facto
do CdVM que “a informação respei- ou informação precisa e não pública
tante a instrumentos financeiros, a suscetível de afetar previsível e sig-
formas organizadas de negociação, às nificativamente a sua capacidade de
atividades de intermediação finan- proceder ao reembolso da emissão, o
ceira, à liquidação e à compensação de relatório e contas relativos ao exercí-
operações, a ofertas públicas de valo- cio mais recente, enquanto não tiver
res mobiliários e a emitentes deve ser ser sido integralmente reembolsada
completa, verdadeira, atual, clara, uma emissão ou estiver em curso um
objetiva e lícita”. Sendo que, dispõe programa de emissão, e o resultado
o n.º 2 do mesmo artigo, tal dever se da oferta e do rateio (caso este exis-
aplica a qualquer meio de divulgação, ta), no caso de estar em causa uma
daí resultando que tal dever aplica-se oferta pública de papel comercial.
nomeadamente à nota informativa de Para além do emitente, são tam-
papel comercial. Na verdade, toda a bém destinatários do dever de quali-
informação divulgada, por qualquer dade da informação o intermediário
meio, no mercado financeiro, deve financeiro e o patrocinador da emis-
obedecer ao dever de qualidade de in- são11 intervenientes no processo de
formação, consagrado no artigo 7.º emissão e oferta de papel comercial.

11
A figura do patrocinador da emissão foi introduzida pela alteração produzida pelo Decreto-Lei n.º 29/2014, de 25 de fevereiro com o objetivo de incentivar o

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

O Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de mar- ta de papel comercial não admitido à negocia-


ço (artigo 15.º) exige a intervenção de inter- ção em mercado regulamentado, devem pu-
mediário financeiro a) nas ofertas públicas blicar um relatório semestral sobre o papel
de papel comercial, prestando, pelo menos, o comercial emitido (artigo 15.º, n.º 7), e ainda
serviço de assistência e colocação e os serviços – no caso de a mesma se destinar a entidades
financeiros decorrentes da emissão, incluindo sujeitas ao disposto na al. c) do n.º 6 do arti-
o pagamento, por conta e ordem do emitente; go 172.º do Regime Geral dos Organismos de
b) nas ofertas particulares de papel comercial Investimento coletivo – elaborar um parecer
emitido por entidade sem certificação legal de que será parte integrante da nota informativa
contas ou auditoria às contas efetuada por um e terá por objeto a verificação das informações
revisor oficial de contas ou por uma socieda- nela contidas (artigo 17.º, n.º 2).
de de revisores oficiais de contas. Neste último O intermediário financeiro e o patrocina-
caso, o patrocinador da emissão poderá ser dor da emissão surgem, deste modo, como as-
uma alternativa ao intermediário financeiro. sistentes e garantes do emitente no cumpri-
Dispõe o artigo 15.º, n.º 6 que o interme- mento dos deveres de informação a que este
diário financeiro ou o patrocinador da emis- se encontra sujeito, mas também como dire-
são, conforme for o caso, garantem a produ- tamente destinatários de deveres de infor-
ção e a divulgação de informação ao mercado, mação, incluindo do dever de qualidade da
por parte do emitente, através do sítio da in- informação.
ternet desta, observando-se o disposto no ar- Neste conspecto, importa aquilatar, em
tigo 7.º do CdVM. especial, que deveres de informação recaem
O intermediário financeiro ou o patroci- sobre o intermediário financeiro que assu-
nador da emissão, consoante o aplicável, são me a função de colocador do papel comercial
diretamente destinatários do dever de qua- e em que termos o mesmo se encontra sujeito
lidade da informação na medida em que os ao cumprimento do dever de qualidade da in-
mesmos, no caso de estar em causa uma ofer- formação. l

recurso ao papel comercial por parte de emitentes com menor capacidade de organização. O patrocinador da emissão, para além do compromisso de retenção de uma parte da emissão, terá como

principais funções a criação de mercado e a assistência no cumprimento dos deveres de informação por parte do emitente, reforçando, deste modo, também a proteção dos investidores.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

IV. O DEVER DE QUALIDADE DE INFORMAÇÃO


A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO QUE ASSUME
A FUNÇÃO DE COLOCADOR DO PAPEL COMERCIAL

V
imos, anteriormente, que é obrigató- termediário financeiro (ou de patro-
ria a intervenção de intermediário fi- cinador da emissão) -, mas em que o
nanceiro como colocador nas ofertas intermediário financeiro intervenha
públicas de papel comercial. Vimos (facultativamente) como colocador.
também que é obrigatória a inter- Aqui chegados, mostra-se perti-
venção de intermediário financeiro nente questionar: o intermediário fi-
(ou, em alternativa, de um patroci- nanceiro que prestar o serviço de co-
nador de emissão) nas ofertas par- locação do papel comercial junto dos
ticulares de papel comercial emitido investidores encontra-se obrigado
por entidade sem certificação legal ao cumprimento do dever de quali-
de contas ou auditoria às contas efe- dade da informação? Se sim, em que
tuada por um revisor oficial de con- circunstâncias?
tas ou por uma sociedade de revisores No caso das ofertas públicas de
oficiais de contas, sendo que, nes- papel comercial e no caso das ofertas
te caso, a lei não impõe que o mesmo particulares de papel comercial emi-
preste os serviços de assistência e co- tido por emitente sem certificação
locação e os serviços financeiros de- legal de contas ou auditoria às con-
correntes da emissão referidos supra, tas efetuada por um revisor oficial de
antes exigindo que a sua intervenção contas ou por uma sociedade de re-
se destine à verificação dos requisitos visores oficiais de contas, determina
de emissão, previstos no artigo 4.º o artigo 15.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º
do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de 69/2004, de 25 de março que o inter-
março, se aplicáveis. mediário financeiro fica responsável
Pode dar-se, no entanto, o caso por garantir a produção e a divulga-
de estar em causa uma oferta parti- ção de informação ao mercado, por
cular de papel comercial emitido por parte do emitente, observando o arti-
entidade sem ou com certificação le- go 7.º do CdVM. Tratando-se de ofer-
gal de contas ou auditoria às con- tas públicas de papel comercial ou de
tas efetuada por um revisor oficial de ofertas particulares de papel comer-
contas ou por uma sociedade de revi- cial emitido por emitente sem certi-
sores oficiais de contas – sendo que, ficação legal de contas ou auditoria às
relativamente a esta última situação, contas efetuada por um revisor oficial
a lei não impõe a intervenção de in- de contas ou por uma sociedade de

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

revisores oficiais de contas, o intermediário mento do dever de qualidade da informação,


financeiro colocador está obrigado, assim, a na medida em que, não se encontrando obri-
garantir a produção e divulgação de informa- gado à verificação da qualidade da informa-
ção ao mercado por parte da emitente, cum- ção, se tiver conhecimento que a informação
prindo o dever de qualidade da informação, divulgada, nomeadamente na nota informati-
consagrado no artigo 7.º do CdVM. va, não respeita os requisitos de qualidade da
No caso das ofertas particulares de papel informação, deve abster-se de divulgar tal in-
comercial emitido por emitente com certifica- formação, sob pena de violar o dever de qua-
ção legal de contas ou auditoria às contas efe- lidade da informação consagrado no artigo 7.º
tuada por um revisor oficial de contas ou por do CdVM.
uma sociedade de revisores oficiais de contas, Questiona-se também se, consideran-
o intermediário financeiro colocador parece do que o artigo 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º
não estar obrigado ao dever de garantir a pro- 69/2004, de 25 de março determina que a
dução e divulgação de informação ao mercado elaboração da nota informativa de papel co-
por parte da emitente. mercial cabe ao emitente, o intermediário fi-
Colocam-se, então, as seguintes questões: nanceiro colocador é destinatário do dever de
no caso de recair sobre o intermediário finan- qualidade da informação. A resposta é igual-
ceiro colocador o dever de garantir a produ- mente afirmativa: o intermediário financeiro
ção e divulgação de informação ao mercado, colocador de papel comercial é destinatário do
este dever implica uma verificação da quali- dever de qualidade de informação. Com efeito,
dade de informação? Não estando o interme- estão em causa deveres de informação dife-
diário financeiro colocador sujeito ao dever de rentes: o dever previsto no artigo 17.º, n.º 1 do
garantir a produção e divulgação de informa- Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de março cor-
ção ao mercado por parte do emitente, estará responde ao dever de elaborar a nota informa-
dispensado de cumprir o dever de qualidade de tiva com as informações que nele se encon-
informação perante os investidores? tram descritas; o dever previsto no artigo 7.º
Diremos que o dever de garantir a produ- do CdVM corresponde ao dever de qualidade
ção e a divulgação de informação ao mercado da informação, que tem por destinatários to-
pressupõe a verificação da informação divul- dos os que atuam no mercado de valores mo-
gada por parte do intermediário financeiro, na biliários e prestam informação respeitante a
medida em que o mesmo deverá assegurar que instrumentos financeiros, a formas organiza-
essa informação obedece ao dever de qualida- das de negociação, às atividades de interme-
de, consagrado no artigo 7.º do CdVM (i.e., a diação financeira, à liquidação e à compensa-
informação deverá ser completa, verdadeira, ção de operações, a ofertas públicas de valores
atual, clara, objetiva e lícita), de acordo com a mobiliários e a emitente e através de qualquer
informação que o intermediário dispõe e pode meio de divulgação, ainda que a informação
dispor. seja inserida em conselho, recomendação,
Do mesmo modo, consideramos que o mensagem publicitária ou relatório de nota-
facto de o intermediário financeiro colocador ção de risco.
não ser sujeito do dever de garantir a produção Isto é, se o intermediário financeiro pres-
e divulgação de informação ao mercado por ta informação aos seus clientes sobre um de-
parte do emitente não o exonera do cumpri- terminado instrumento financeiro e respetivo

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

emitente, deve prestá-la de forma verdadei- MENEZES CORDEIRO14, “a obrigação de atuar


ra, completa, clara, objetiva e lícita, indepen- sempre no interesse do beneficiário da rela-
dentemente, por exemplo, de a elaboração das ção e a colocação dos interesses deste último
notas informativas de papel comercial se en- à frente dos seus próprios interesses não afeta
contrar a cargo do emitente. a atividade comercial da intermediação finan-
A exigência da observância do dever de ceira, do mesmo modo que não afeta a ativi-
qualidade de informação pelo intermediá- dade dos advogados, agentes ou promotores,
rio financeiro colocador, em cada momento, o que não significa, evidentemente, que não a
prende-se com a função fulcral que este de- limite”.
ver desempenha no mercado financeiro e com O intermediário financeiro colocador
a especial relação fiduciária que se impõe en- de papel comercial é, assim, em qualquer
tre o intermediário financeiro e os respetivos caso, destinatário do dever de qualidade da
clientes. informação.
Na verdade, por um lado, a eficiência do
mercado financeiro e a proteção dos investi- IV.a. O artigo 7.º do CdVM enquanto
dores apenas são alcançadas com a divulga- norma de dever autónoma
ção, em cada momento, de toda a informação
conhecida e disponível, de forma completa, O problema de saber em que termos o inter-
verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita12. Por mediário financeiro colocador de papel co-
outro lado, a especial relação de fidúcia exis- mercial é destinatário do dever de qualidade
tente entre o intermediário financeiro e os da informação, consagrado no artigo 7.º do
respetivos clientes, pressupondo que aquele CdVM, acarreta frequentemente a dúvida, que
atua sempre no interesse destes13, obriga a que tem vindo a ser discutida nos nossos tribu-
sempre que o intermediário financeiro preste nais, sobre se este artigo consagra uma norma
informação aos seus clientes, o faça de forma de dever15 autónoma ou se, ao invés, se trata
verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. E não da previsão de um mero critério ou princípio
se diga que a posição fiduciária do interme- geral da qualidade da informação, necessi-
diário financeiro põe em causa a sua ativida- tando de concretização de outra norma dever.
de comercial e, em consequência, a prossecu- A questão não é de somenos importância,
ção do lucro. Como refere ANTÓNIO BARRETO na medida em que quem defende que o arti-

12
Como refere PAULO CÂMARA, op. cit., p. 785, “(…) a um tempo, as regras informativas constituem um instrumento de proteção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de

ganhos e de perdas ligados ao seu investimento se estão permanentemente informados sobre o mesmo, podendo, em consequência, agir mais eficientemente na defesa dos seus interesses. (…) A outro

tempo, os deveres de prestação de informação salvaguardam o regular e eficiente funcionamento dos mercados. Com efeito, e em primeira linha, cumprem o objetivo de assegurar uma igualdade de

oportunidades na realização de decisões de investimento, para que a informação relevante seja acessível a todos em termos imediatos e paritários, contribuindo para a redução do risco de utilização de

informação privilegiada. Além disso, a informação procura contribuir para uma adequada formação dos preços (…)”.
13
Cf. artigo 304.º, n.º 1 do CdVM: “Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.”
14
Cf. Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2018, 2.ª Edição, p. 621.
15
Norma de dever ou, como refere FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, norma de ilicitude. Segundo este autor, “uma contra-ordenação integra (pelo menos) a norma de ilicitude, a norma de culpa e

a norma sanção (cf. “As garantias do Estado de Direito e a evolução do direito de mera ordenação social”, Scientia Iuridica – Tomo LXVI, 2017, n.º 344, p. 250).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

go 7.º do CdVM não corresponde a uma nor- entidade emitente), a tendência será a de de-
ma de dever autónoma, entende também que sinvestir. Os preços no mercado tenderão, por
o agente não pode ser responsabilizado con- isso, a reflectir a informação disponível no
traordenacionalmente com base na violação mercado no tocante à avaliação dos valores
deste artigo. mobiliários”18.
A informação é essencial no mercado de Não basta, contudo, impor deveres de in-
valores mobiliários, de tal forma que o mes- formação, garantindo que a mesma seja di-
mo sobrevive e funciona com base na infor- vulgada ou prestada, é necessário que a mes-
mação que é conhecida e divulgada pelos vá- ma tenha qualidade19. Com efeito, ao mercado
rios agentes deste mercado. Neste conspecto, não interessa qualquer informação, mas in-
como refere PAULO CÂMARA16 “é recorren- formação que tenha qualidade, devendo para
te afirmar-se que a teleologia dos deveres de o efeito respeitar determinados requisitos. A
informação em mercado se prende com dois par dos deveres de informação, deve existir,
objectivos fundamentais17: dirige-se ao es- assim, um dever de qualidade da informação.
clarecimento das decisões de investimento, Entre nós, este dever encontra-se consagrado
pretendendo que os investidores tenham in- no artigo 7.º do CdVM.
formação suficiente para que possam tomar Dispõe o n.º 1 do artigo 7.º do CdVM que
decisões de investimento racionais; e procu- “a informação respeitante a instrumentos fi-
ra alcançar uma formação regular dos preços. nanceiros, a formas organizadas de negocia-
(…) Esta ligação entre informação e preços, ção, às atividades de intermediação financei-
reveladora da eficiência alocativa dos merca- ra, à liquidação e à compensação de operações,
dos, resulta do funcionamento das leis econó- a ofertas públicas de valores mobiliários e
micas da oferta e da procura. Em termos mui- a emitentes deve ser completa, verdadeira,
to simplificados: se a informação colhida pelo atual, clara, objetiva e lícita”. O artigo 7.º, n.º
investidor o conduz à conclusão de que deter- 1 do CdVM prevê, assim, seis requisitos cumu-
minado valor mobiliário está subavaliado, ha- lativos para que a informação divulgada pos-
verá uma tendência para a aquisição daquele sua qualidade: completude, veracidade, atua-
ativo, na perspetiva de uma futura valoriza- lidade, clareza, objetividade e licitude.
ção. Inversamente, se a informação induz no Veja-se que o disposto no artigo 7.º, n.º 1
sentido de que certos valores mobiliários es- do CdVM estende-se a todo o ramo do Direito
tão sobreavaliados (em virtude, por exem- dos Valores Mobiliários: “bens mobiliários,
plo, de uma deficitária situação financeira da situações mobiliárias e sujeitos mobiliários”20.

16
Cf. “Os deveres de informação e a formação de preços no mercado de valores mobiliários”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 2, 1998, p. 86 e 87.
17
Apesar de estes serem os dois grandes objetivos fundamentais, é de realçar ainda que o cumprimento dos deveres de informação permite o exercício da supervisão do mercado de valores mobiliários.
18
Por exemplo, “Estando o valor das acções dependente da expectativa das rendibilidades futuras, toda a informação que leve a uma alteração desta expectativa vai ter um impacto directo na valo-

rização destes títulos.” Cf. JOÃO DUQUE e INÊS PINTO, “O Impacto da Divulgação dos Factos Relevantes no Mercado de Capitais Português”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 22, Dezembro

de 2005, p. 50.
19
V. PEDRO BULLOZA GONZALEZ, “Qualidade da Informação”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 49, CMVM, Lisboa, 2014, p. 2.
20
Cf. ANTÓNIO BARRETO MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 101.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

O que se pretende é que toda a informação di- formação (por exemplo, o emitente de papel
vulgada ou prestada por todos os agentes do comercial está obrigado a elaborar uma nota
mercado de valores mobiliários seja simulta- informativa, fazendo constar da mesma in-
neamente completa, verdadeira, atual, clara, formação sobre a sua situação patrimonial,
objetiva e lícita, pois só assim se cumprem os económica e financeira, individual e consoli-
dois grandes desideratos subjacentes aos de- dada, e do grupo em que se insere, e as carac-
veres de informação: a proteção dos investi- terísticas da emissão, com o conteúdo indica-
dores e a formação regular dos preços, contri- do no anexo ao Decreto-lei n.º 69/2004, de 25
buindo para um eficiente funcionamento do de março), outra diferente é o agente prestar
mercado21. ou contribuir de alguma forma para a pres-
Perfilhamos, assim, o mesmo enten- tação de determinada informação sem qua-
dimento de PEDRO BULLOZA GONZALEZ22 lidade (por exemplo, contribuindo para fa-
quanto à questão que formulámos supra: zer constar de uma nota informativa de papel
“não obstante o artigo 7.º se encontrar entre comercial informação que se revela não ser
as disposições gerais do CdVM, é claramen- completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e
te uma norma de dever, de aplicação imediata lícita, sendo tal facto do seu conhecimento, ou
aos destinatários, naturalmente sem prejuí- divulgando, na qualidade de colocador, uma
zo da possibilidade de aplicação conjunta com nota informativa com informação que tem
qualquer outra norma concretizadora também conhecimento não ter a qualidade legalmente
aplicável. Significa isto que não estamos pe- exigida). Neste último caso, estamos perante a
rante um princípio geral ou uma norma me- violação do dever de qualidade da informação,
ramente orientadora que careça de concreti- consagrado no artigo 7.º do CdVM.
zação. (...) Significa isto que os destinatários A autonomia do artigo 7.º do CdVM en-
da norma estão obrigados a cumprir com os quanto norma de dever é confirmada pela res-
deveres aí prescritos quando divulguem in- petiva norma sanção, o artigo 389.º, n.º 1, al.
formação, independentemente de estarem a), do CdVM, que dispõe o seguinte “[c]ons-
ou não obrigados a divulgar a informação em titui contraordenação muito grave: a) A co-
causa.” municação ou divulgação, por qualquer pes-
O dever de prestar determinada informa- soa ou entidade, e através de qualquer meio,
ção não se confunde, assim, com o dever de de informação que não seja completa, verda-
qualidade da informação. Uma coisa é o agen- deira, atual, clara, objetiva e lícita”. O artigo
te estar obrigado a prestar determinada in- 389.º, n.º 1, al. a), do CdVM tem perfeita cor-

21
Sobre este ponto, em especial sobre os deveres de informação a cargo dos intermediários financeiros, veja-se José Engrácia Antunes, in “Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro -

Alguns aspetos”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 56, 2017, p. 37 e 38: “Os deveres de informação dos intermediários financeiros (…) têm como “ratio” fundamental a proteção dos inves-

tidores e a proteção do próprio mercado de capitais: a crescente complexidade dos instrumentos financeiros e as naturais assimetrias informativas entre oferta (emitentes) e procura (investidores)

neste mercado tornou imperioso o reforço da informação e transparência por mor da proteção dos investidores, a parte informativamente mais débil das atividades de intermediação financeira,

necessária para a tomada de decisões de investimento livres, esclarecidas, conscientes e adequadas; além de que apenas a existência e disponibilização de informação tão objetiva, clara e completa

quanto possível pode assegurar o regular funcionamento dos próprios mercados e a indispensável confiança dos agentes nesse funcionamento.”
22
Op. cit., p. 4.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PAPEL COMERCIAL E DEVERES DE INFORMAÇÃO – EM ESPECIAL, O DEVER DE
QUALIDADE DE INFORMAÇÃO A CARGO DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO COLOCADOR

respondência com o artigo 7.º do CdVM. Note- n.º 1, al. a), ambos do CdVM, resulta que quem
se, aliás, que a norma sanção refere “qualquer – pessoa singular ou coletiva – comunicar ou
pessoa ou entidade”, demonstrando que o ar- divulgar, através de qualquer meio informa-
tigo 7.º não necessita de qualquer outra nor- ção que não seja completa, verdadeira, atual,
ma, nomeadamente para concretização dos clara, objetiva e lícita pode ser responsabili-
respetivos destinatários do dever. Na verda- zado contraordenacionalmente pela violação
de, da leitura conjunta dos artigos 7.º e 389.º, do dever de qualidade de informação23. l

23
Veja-se que o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade da contraordenação prevista nos termos dos artigos 7.º, 388.º, n.º 1, al. a) e 389.º, n.º 1, al. a),

todos do CdVM (cf. Acórdãos n.os 500/21 e 85/2012), tendo concluído que a mesma não padece de qualquer inconstitucionalidade, designadamente pela violação do princípio da tipicidade, enquanto

subprincípio do princípio da legalidade, previsto no artigo 29.º da CRP, tendo no Acórdão n.º 85/2012 referido o seguinte: “Essa norma estabelece um dever de qualidade de informação a cargo das

entidades que atuam no mercado de valores mobiliários”.

Também o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.07.2022, admitindo que o artigo 7.º do CdVM – quando está causa a atividade de intermediação financeira – pode ser complemen-

tado com o disposto nos artigos 304.º e 312.º do CdVM, validou o tipo de ilícito contraordenacional resultante da conjugação do disposto nos artigos 7.º e 389.º, n.º 1, al. a), ambos do CdVM. No referido

Acórdão, pode ler-se o seguinte: “(…) o dever de divulgar informação com qualidade, previsto no artigo 7.° do CdVM, aplica-se a qualquer pessoa ou entidade que divulgue aquele tipo de informação,

respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores

mobiliários e a emitentes, isto é, impõe-se a todos os sujeitos envolvidos na prestação daqueles serviços (…). (…) o art. 7° do CdVM deve ser articulado com os arts. 389° e 388° do CdVM que consa-

gram, respectivamente, a qualificação como contraordenação da violação do dever de informação e a sanção correspondente à prática desse ilícito de mera ordenação social de natureza especial.

Segundo o art. 389° n° 1 al. a) do CdVM constitui contraordenação muito grave a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação, que não seja

completa, verdadeira, atual, clara, objectiva e lícita (especificando quem é o destinatário do dever, qual o dever violado e qual a forma que pode assumir essa violação). (…)

Assim sendo, toda e qualquer pessoa ou entidade que comunica ou divulga informação sem qualidade, nomeadamente sobre instrumentos financeiros, atividades de intermediação financeira e emi-

tentes, comete a infração que resulta da conjugação do artigo 7.° com a alínea al do n.° 1 do artigo 389.° do CdVM (…)”.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

V. SÍNTESE CONCLUSIVA

O
papel comercial tem merecido es- ceiro colocador recai o dever de qua-
pecial atenção do legislador desde a lidade da informação, na medida em
sua institucionalização por ser visto que este se encontra obrigado a pres-
como um instrumento de financia- tar aos seus clientes subscritores do
mento, sobretudo para as pequenas e papel comercial informação comple-
médias empresas, em alternativa ao ta, verdadeira, atual, clara, objetiva
crédito bancário. e lícita, mesmo que a elaboração da
As alterações recentes ao regime nota informativa se encontre a cargo
jurídico do papel comercial instituí- do emitente.
do pelo Decreto-Lei n.º 69/2004, de Ao dever de qualidade da infor-
25 de março revelam, por um lado, mação estão, na verdade, sujeitos to-
uma intenção de flexibilização do re- dos os agentes que atuem no mercado
gime e de alargamento dos emiten- de valores mobiliários e que prestem
tes elegíveis, e, por outro, um reforço ou divulguem informação por qual-
dos deveres de informação a prestar, quer meio.
mormente do dever de qualidade da
informação, que deverá ser garantido
pelo intermediário financeiro ou pelo
patrocinador da emissão interve-
nientes na oferta de papel comercial.
Os deveres de informação, em
especial o dever de qualidade da in-
formação, assumem, assim, também
na oferta de papel comercial, como
em todo o mercado de valores mobi-
liários, um papel fundamental. Se a
informação é o motor do funciona-
mento do mercado financeiro, os de-
veres que lhe estão subjacentes tam-
bém o são, contribuindo para a sua
eficiência.
No âmbito da oferta de papel co-
mercial, sobre o intermediário finan-

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

CONSULTORIA
FINANCEIRA
ROBÓTICA
1

MIGUEL RESENDE ELVAS 2

1
O presente texto corresponde, na sua essência, ao trabalho intitulado “Consultoria Robótica – Automation in
Financial Advice”, apresentado, em 2017, pelo signatário, no âmbito da II Pós-Graduação Avançada em Direito
Bancário (curso 2016/2017), organizada pelo Centro de Investigação de Direito Privado (Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa), no qual, para efeitos da presente publicação, se procederam a alterações pontuais
no respetivo texto e estrutura, bem como à atualização de alguma da informação e bibliografia constante do
mesmo.
2
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola de Lisboa).
Advogado no Departamento Jurídico da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Todas as opiniões
expressas neste texto são exclusivamente pessoais, não podendo de modo algum ser imputadas à Comissão
do Mercado de Valores Mobiliários.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

I. INTRODUÇÃO

N
um passado recente, o elevado cus- teração humana – pela cobrança de
to associado a serviços de consulto- comissões mais baixas do que as nor-
ria financeira, a que, não raras vezes, malmente praticadas pelos consulto-
acrescia o estabelecimento de valores res tradicionais e/ou pela inexistên-
mínimos (de carteira ou de investi- cia de valores mínimos de conta.
mento) para efeitos de acesso a esse O sucesso de tais ferramentas foi
tipo de serviços, tornava-os inaces- exponencial e, como seria de esperar,
síveis ou, pelo menos, indesejados a pressão competitiva rapidamente
por um conjunto alargado de inves- se fez sentir, tendo, no plano inter-
tidores, cujas necessidades de acon- nacional, sido vários os gestores de
selhamento financeiro foram ficando ativos que, quando confrontados com
por servir. esta tendência, procuraram alterar os
Com o progressivo reconheci- seus modelos de negócio tradicionais,
mento da capacidade de máquinas de forma a neles incorporar a presta-
para executar, com notável autono- ção automatizada de alguns dos seus
mia, as várias tarefas pressupostas na serviços.3
prestação desses serviços, não tardou Robo Advisors ou Automated
a que a indústria financeira vislum- Advisors são duas das expressões que,
brasse naqueles investidores terre- coloquialmente, têm vindo a ser uti-
no fértil para uma nova oportunidade lizadas para designar essa nova for-
negócio: a disponibilização, direta- ma (automatizada) de prestação de
mente ao público, de ferramentas de serviços de consultoria financeira,
aconselhamento e/ou de gestão de cujos contornos e algumas das suas
ativos, total ou parcialmente, auto- principais vantagens e riscos procu-
matizadas, caracterizadas – a par raremos, ao longo do presente texto,
com uma reduzida ou inexistente in- delimitar. l

3
Se no final de 2016, a plataforma Personal Adviser Services criada, em 2015, pela Vanguard – que providenciava serviços de aconselhamento automatizado, comple-

mentados por aconselhamento humano - tinha já sob a sua gestão ativos que ascendiam a 51 mil milhões de USD, outros gestores de relevo optaram por seguir estra-

tégias semelhantes: ainda em 2015, a BlackRock adquiriu a Future Advisor, um robo-advisor outrora independente; em 2016, a Fidelity Investments lançou o serviço de

aconselhamento automatizado Fidelity Go; em 2017, a Merril Lynch lançou o Merril Edge Guided Investing, um serviço de aconselhamento automatizado complementado

por aconselhamento humano; e, também em 2017, tanto a Wells Fargo como o Goldman Sachs anunciaram planear lançar robo-advisors, plano esse que, relativamente

à primeira, se veio a concretizar com o lançamento da plataforma Intuitive Investor – Cfr. MEGAN JI, Are Robots Good Fiduciaries? Regulating Robo-Advisors Under the

Investment Advisers Act of 1940, 2017, Columbia Law Review, Vol. 117, No. 6, p. 1561, e IPSOS, Robo-advisors: the rise of automated financial advice, p. 5.

Na Europa, o fenómeno tem, contudo, vindo a registar um crescimento mais lento, conforme se constatou em setembro 2018, no Joint Committee Report on the resul-

ts of the monitoring exercise on ‘automation in financial advice, elaborado pelas três Autoridades de Supervisão Europeias (ESMA, EBA e EIOPA) – Cfr. Joint Committee

Report on the results of the monitoring exercise on automation in financial advice, 2018, p. 9.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

II. DELIMITAÇÃO CONCEPTUAL

O
s robo-advisors consistem, grosso A ausência de um modelo comer-
modo, em interfaces/plataformas di- cial comum faz, assim, com que seja
gitais que oferecem serviços de con- difícil avançar uma definição de au-
sultoria financeira caracterizados tomated advice que englobe, com ri-
pela ausência, total ou parcial, de in- gor, o fenómeno nas suas várias
tervenção humana. manifestações.
O tipo de serviço oferecido por Tal definição é, ademais, dificul-
essas plataformas é, por sua vez, co- tada pelos seguintes fatores:
mummente apelidado de robo-advice i) Ausência de consenso sobre o
ou automated financial advice. que deva entender-se por «automa-
A consultoria financeira não se tização», designadamente no âmbi-
confunde com a consultoria para inves- to da prestação de serviços de con-
timento (v.g. mobiliário), constituindo sultoria financeira – não existe uma
esta apenas uma das suas possíveis di- definição dessa realidade na legisla-
mensões.4 Os serviços disponibiliza- ção sectorial relevante dos serviços
dos por tais plataformas tendem, por financeiros;5
isso, a variar, o mesmo se verificando ii) Ausência de uma defini-
com os modelos de automatização que ção de «aconselhamento» que seja
podem suportar o seu funcionamento. transversal aos vários regimes sec-
Diferentes tipos e níveis de interação toriais (Banca, Bolsa e Seguros) em
humana poderão também, como vere- que a automatização se tem vindo
6
mos, ser encontrados. manifestar.

4
Conforme sinalizam TOM BAKER / BENEDICT DELLAERT, as competências dos consultores financeiros, que os robo-advisors têm progressivamente vindo a assistir ou

a substituir, não se esgotam na mera capacidade de fazer corresponder determinados produtos a determinados clientes. Um consultor financeiro pode fazer muito

mais pelos seus clientes, como seja, ajudá-los a decidir sobre quanto e como poupar (i.e. criar planos de poupança), e prestar aconselhamento contínuo sobre como

atingir os respetivos objetivos financeiros - Cfr. TOM BAKER E BENEDICT G. C. DELLAERT, Regulating Robo Advice Across the Financial Services Industry, Iowa Law Review,

Vol. 103, Forthcoming; U of Penn, Inst for Law & Econ, Research Paper No. 17-11, pp. 16-17.
5
Cfr. ESMA/EBA/EIOPA (ESA´S), Report on automation in financial advice, 2016, p. 19. Nas últimas guidelines emitidas pela ESMA em matéria de suitability requirements,

consignou-se, contudo, que por robo-advice deve entender-se “[t]he provision of investment advice or portfolio management services (in whole or in part) through an

automated or semi-automated system used as a client-facing tool” – Cf. ESMA. Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, p. 33.
6
Cfr. Idem, ibidem.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS CONSULTORIA FINANCEIRA ROBÓTICA

iii) Multiplicidade de modelos/níveis de ficativamente amplo e diversificado. Versões


automatização e de serviços de investimento menos sofisticadas podem limitar-se a dispo-
que, em face das indefinições sinalizadas nas nibilizar aos seus utilizadores informação so-
alíneas anteriores, poderão considerar-se in- bre determinados produtos financeiros, per-
cluídos nos termos Robo, Automated e Advice, mitir-lhes simular custos ou, eventualmente,
respetivamente.7/8 fornecer informação sobre determinadas me-
Tendo este cenário como pano de fun- tas de planeamento financeiro associadas a
do, acompanhamos ANTÓNIO BARRETO diferentes idades e perfis de risco.
MENEZES CORDEIRO quando, a propósito do Versões um pouco mais avançadas incor-
tema, refere que se justifica uma análise foca- poram já tecnologia que lhes permite recolher
da não no conceito (de consultoria automati- informação sobre os investidores e definir,
zada), mas no seu conteúdo. Pelo que será essa com base nessa informação, um determinado
a análise que, nas páginas que seguem, procu- perfil de investimento, a partir do qual caberá
raremos fazer. depois a um consultor humano prestar acon-
Ora, conforme acima procurámos eviden- selhamento nos moldes tradicionais.9 Outras
ciar, a consultoria automatizada pode assumir ainda vão um passo mais longe e disponibili-
múltiplas configurações. Consoante o mode- zam, por exemplo, aos seus clientes uma lista
lo de negócio adotado, dois aspetos em que os de ações, de fundos de investimento ou, even-
robo-advisors tendem a divergir são: a) tipo de tualmente, de carteiras-modelo, todos asso-
serviços prestados e/ou oferecidos, e b) o nível ciados a determinado perfil de risco, para que,
de envolvimento humano na prestação desses com base nessa informação, e de acordo com
serviços. Vejamos em que termos: respetivo apetite de risco, os investidores de-
cidam no que investir.10
a) Espectro de serviços oferecidos Todavia, as que melhor se encaixam na
designação robo-adviser, são as que oferecem,
O leque de ferramentas digitais de suporte a sem necessidade de intervenção de um con-
investimento atualmente disponíveis é signi- sultor tradicional, aconselhamento financei-

7
O que explica, por exemplo, que, sob a capa da expressão, possamos encontrar referências a serviços de intermediação financeira que vão desde a mera prestação de informação (guidings, na gí-

ria anglo-saxónica), ao aconselhamento simplificado (figura não tipificada entre nós, mas que no Reino Unido assume a designação de simplified advice), à consultoria para investimento, e à gestão

discricionária de carteiras, passando ainda pelo relativamente recente fenómeno da automated social trading, que, na sua essência, se traduz em replicar, de forma automática, na carteira de um

cliente, a estratégia de investimento seguida por determinado trader de referência – Cfr. THE BOARD OF THE INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS (“IOSCO”), Update on the Report

on the IOSCO Automated Advice Tools Survey – Final Report, dez. de 2016, pp. 5, 7-8, e FINANCIAL SERVICES AUTHORITY (“FSA”), Finalised Guidance – Simplified Advice. BAFIN, FinTechs: Young IT companies

on the financial market, 2016.


8
A este propósito vale a pena notar que, na primeira vez que as três Autoridades Europeias de Supervisão (ESA´S -ESMA, EBA e EIOPA) se debruçaram, sob a forma de um discussion paper, sobre os

riscos associados ao automated advice, fizeram-no da perspetiva de plataformas totalmente automatizadas, i.e., sem qualquer tipo de intervenção humana associada. A identificação, pelos respon-

dentes, de modelos híbridos, caracterizados por alguma intervenção humana, levaria a que, no final report sobre o tema, o mesmo fosse também abordado nesta sua outra “dimensão” – Cfr. ESA´S,

Report on automation in financial advice, 2016, p. 10.


9
Cfr. FINANCIAL INDUSTRY REGULATORY AUTHORITY (“FINRA”), Report On Digital Advice, 2016, p. 2-3.
10
Cfr. MELANIE FEIN, Robo-Advisors: a closer look, 2015, pp. 2-3.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS CONSULTORIA FINANCEIRA ROBÓTICA

ro verdadeiramente personalizado, o que é diação.13 Outras procuram ainda acrescentar


conseguido através da aplicação de algorit- valor ao serviço “principal” por si prestado,
mos11 que analisam e assumem decisões de garantindo aos seus clientes a execução au-
investimento com base em informação pre- tomatizada de funções de natureza comple-
viamente fornecida pelos clientes, relativa às mentar, de que constituem exemplos para-
respetivas características e/ou circunstâncias digmáticos o reajustamento de carteira14 e o tax
pessoais e objetivos de investimento. A estas, loss harvesting15.
somam-se ainda as plataformas que, a par ou Atento o exposto, expressões como «con-
não com serviços de aconselhamento perso- sultores automatizados» ou «robo-advisors»
nalizado, oferecem, também de forma auto- passarão, de ora em diante, a ser utilizadas no
matizada, serviços de gestão discricionária seu sentido mais estrito, abrangendo apenas
de carteiras.12 Em qualquer dos casos, muitas estas formas mais avançadas de automatiza-
dessas plataformas prestam também serviços ção na prestação de serviços de consultoria.16
de receção e execução de ordens, centralizan- Apenas estas serão, por isso, objeto de análise
do, assim, em si, toda a cadeia de interme- no presente texto.

11
Os quais podem variar entre um algoritmo simples que construa um único portfólio, a um algoritmo complexo que analise milhares de instrumentos financeiros e possíveis cenários com vista a

construir um portfólio agregado, que releve também os atuais ativos do investidor, horizonte de investimento pretendido e respetiva tolerância ao risco - Cfr. BLACKROCK, Digital Investment Advice:

Robo Advisors Come of Age, set. de 2015, p. 3.


12
Cfr. IOSCO, Update on the Report…, pp. 7-8.
13
Cfr. IOSCO, Update on the Report…, p. 10, e FINRA, Report On Digital Advice, p. 2.
14
Função que visa assegurar que os pressupostos e/ou objetivos (v.g. em termos de risco e/ou rendibilidade) com base nos quais seja definida a composição de determinada carteira não são com-

prometidos por eventuais alterações, seja na composição da carteira (v.g. em virtude de ser atingida a maturidade de determinados ativos), seja no seu desempenho – Cfr. MEGAN JI. Are robots good

fiduciaries…, p. 1559. Algumas das formas através das quais esse reajustamento pode ser efetuado, bem como algumas das suas implicações, podem ser encontradas em FINRA, Report On Digital

Advice, p. 11.
15
Estratégia que consiste em vender instrumentos financeiros com perdas associadas em determinados momentos temporalmente estratégicos, com o objetivo de realizar compensações entre mais

e menos valias. Depois de vender um instrumento financeiro para esse efeito, um consultor de investimento substituirá o mesmo por um ativo semelhante, de forma a preservar a alocação original.

A dificuldade inerente a essa tarefa e, daí, a potencial vantagem comparativa dos robo-advisors na sua execução, reside no seguinte: de acordo com uma regra fiscal em vigor nos Estados Unidos

(coloquialmente designada por wash-sale rule), os investidores não podem declarar menos valias na venda de um determinado instrumento financeiro se, nos trinta dias anteriores ou posteriores à

data da venda, tiverem adquirido outro instrumento substancialmente idêntico. Esta regra dificulta, assim, naturalmente, a estratégia do tax loss harvesting. Contudo, fazendo uso da tecnologia, os

robo-advisors conseguem identificar com maior facilidade, por exemplo, um ETF que, apesar de estar altamente correlacionado com o que tenha sido vendido, não seja, do ponto de vista técnico,

substancialmente idêntico (v.g. eventualmente por ter outro índice como referência). Ao usar algoritmos, os robo-advisors podem, assim, capturar, de forma mais consistente do que os consultores

tradicionais, oportunidades de tax loss harvesting – Cfr. MEGAN JI, Are robots good fiduciaries…, p. 1559.
16
A automatização, enquanto característica da consultoria financeira automatizada deve, pois, ser entendida cum grano salis. Como bem nota A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, a utilização de algorit-

mos e de software específico, seja com o propósito de redução de custos, seja com vista a melhorar a qualidade e fiabilidade dos serviços prestados, tem acompanhado, desde sempre, o crescimento

das instituições financeiras, não se concebendo que, à luz da realidade contemporânea do sector financeiro, possam ser prestados serviços sem ajuda não humana. Cfr. ANTÓNIO BARRETO MENEZES

CORDEIRO, Inteligência Artificial e Consultoria Robótica, FinTech, Desafios da Tecnologia Financeira, p. 206. No mesmo sentido, FINRA, Report On Digital Advice, p. 2: “[f]inancial professionals have used

digital investment advice tools for years. These tools help financial professionals (…) for example, to develop an investor profile, to prepare proposals and sales materials, to develop an asset allocation or

to recommend specific securities to an investor”. Também reconhecendo que a utilização de ferramentas digitais como forma de recolha de informação sobre clientes, designadamente para efeitos de

cumprimento do dever de Know Your Costumer, não é uma realidade recente, vide THE BOARD OF INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS (IOSCO), Update to the Report on the IOSCO

Automated Advice Tools Survey, Final Report, 2016, p. 1.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS CONSULTORIA FINANCEIRA ROBÓTICA

b) Nível de envolvimento humano através de procedimentos automatizados20, é


na prestação do serviço comum distinguir entre:
a) Modelos híbridos de consultoria au-
Os robo-advisors nem sempre disponibilizam tomatizada: o modelo/forma mais comum de
o “toque humano” que alguns profissionais consultoria automatizada, e que se caracte-
da indústria acreditam ser essencial para a re- riza pela existência de interação humana (v.g.
lação cliente-consultor. entre clientes e consultores financeiros, atra-
O modelo de negócio e, decorrentemente, vés de chat, telefone ou, eventualmente, reu-
o nível de automatização envolvido na presta- niões), quer por iniciativa dos clientes, com
ção de serviços de consultoria financeira ro- vista a colocar questões e/ou esclarecer dúvi-
bótica, diferem amplamente, o que conduz a das que possam surgir, quer por iniciativa do
que o grau de interação humana disponível prestador do serviço, com vista por exemplo,
para os investidores possa, por sua vez, tam- a solicitar informação adicional aos respe-
bém variar de uma plataforma para outra. tivos utilizadores ou, em modelos mais con-
Ao passo que algumas plataformas po- servadores, a validar determinados resultados
dem providenciar a oportunidade de entrar gerados pelas plataformas (v.g. perfis de in-
em contato com consultores financeiros (seja vestimento, alocação de ativos e/ou opções de
através de e-mail, por telefone ou presencial- investimento selecionadas)21;
mente) ou, mesmo, impor esse contacto como b) Consultoria totalmente automatiza-
norma17, outras podem apenas disponibilizar da: que se caracteriza pela ausência, como
suporte (humano) de cariz técnico.18 Nalguns norma, de qualquer interação humana (en-
casos, o nível de interação humana oferecida tre clientes e consultores financeiros), mui-
aos clientes pode também variar em função do to embora a mesma possa existir para efeitos
valor da conta (i.e. dos ativos em carteira) ou de resolução de assuntos técnicos, apresentar
do montante investido.19 reclamações e, eventualmente, clarificar con-
Em função do tipo e nível de interação dições contratuais. l
humana envolvidos na consultoria prestada

17
Cfr. FINRA, Report On Digital Advice, p. 3: “The degree of human involvement in client-facing tools varies substantially. Some firms rely on a purely digital interaction with clients while others provide

optional or mandatory access to a financial professional”. Dando também nota de que, em determinados casos, pode ser imposta a intervenção de um consultor humano para fechar a venda de um

produto, TOM BAKER / BENEDICT G. C. DELLAERT, Regulating Robo Advice…”, p. 27.


18
Cfr. ESMA, Consultation Paper Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2017, p. 12. IOSCO, Update on the Report…, p. 6. Sobre os modelos de interação adotados nos Estados Unidos,

por alguns dos principais robo-advisors, vide MEGAN JI, Are Robots Good Fiduciaries? Regulating Robo-Advisors Under the Investment Advisers Act of 1940, 2017, Columbia Law Review, Vol. 117, n º. 6. p. 1560.
19
Cfr. ESMA, Consultation Paper Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2017, p. 12.
20
Para uma visão global sobre alguns dos modelos já autorizados e em utilização, designadamente, na Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Austrália, vide IOSCO, Update on the Report…,

p. 5-6, e ESA´S, Joint Committee Discussion Paper…, p. 17.


21
Cfr. ESA´S, Report on Automation…, p. 9, e IOSCO, Update on the Report…, p. 5-6. De referir que, no Canadá, pelo menos até dezembro de 2016, apenas modelos híbridos estavam autorizados a prestar

serviços de consultoria financeira automatizada, podendo, contudo, a prestação desses servições ser efetuada através de um de dois possíveis modelos de atividade: o call model e o no call model.

No primeiro modelo, um consultor registado deveria sempre entrar em contacto com o cliente (v.g. através de e-mail, chat, telefone, etc.) com vista a assegurar que a informação recolhida sobre o

mesmo (v.g. através de questionário on-line) era suficiente e adequada. No segundo modelo, esse tipo de interação só teria de ter lugar ante questões que fossem colocadas pelo cliente. Às empresas

que operassem sob o modelo “no call” era, contudo, exigida capacidade de demonstração de que as mesmas dispunham de um sistema eficaz de identificação de circunstâncias que exigissem, ante

a sua verificação, contacto com o cliente – Cfr. IOSCO, Update on the Report…, p. 6.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

III. VANTAGENS E RISCOS

O
recurso à automatização na prestação sociados à prestação dos serviços, o
de serviços de consultoria financeira que, por sua vez, acaba por se refletir
comporta, como não poderia deixar num menor custo de acesso aos mes-
de ser, vantagens e riscos. A estes so- mos. O valor das comissões cobra-
mam-se ainda os desafios que qual- das pelos consultores automatizados
quer realidade nova, dinâmica e em tende, por isso, a ser inferior ao prati-
evolução, como é o caso da automa- cado pelos consultores tradicionais.22
tização na prestação de serviços de Por outro lado, é usual os consul-
consultoria financeira, sempre con- tores tradicionais estabelecerem va-
cita do ponto de vista de compliance, lores mínimos de conta como con-
regulação e supervisão. dição de acesso aos seus serviços.
Muitos consultores automatizados
III.1. VANTAGENS não estabelecem esse tipo de limita-
ções.23 Outros fazem-no, mas por va-
(i) De um modo geral, as principais lores tendencialmente inferiores aos
vantagens comumente associadas normalmente praticados pelos con-
aos modelos automatizados de con- sultores tradicionais.24
sultoria financeira, são, relativa-
mente aos clientes / investidores, as b) Maior disponibilidade,
seguintes: comodidade e facilidade de acesso

a) Redução dos custos e de A natureza digital permite aceder às


limitações de acesso aos serviços plataformas a partir de qualquer lo-
cal, e a qualquer momento (dispo-
A substituição da força humana qua- nibilidade 24 horas por dia, 7 dias
lificada por procedimentos automa- por semana). O mais fácil acesso a
tizados permite reduzir os custos as- serviços transfronteiriços também

22
Cfr. MEGAN JI, Are Robots Good Fiduciaries? ..., p. 1554, e MELANIE FEIN, Robo-Advisors: a closer look, p. 3.
23
Cfr. MELANIE FEIN, Robo-Advisors: a closer look, p. 3.
24
Cfr. JILL FISH E JOHN A. TURNER, Robo Vs Humans…, p. 13.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS CONSULTORIA FINANCEIRA ROBÓTICA

pode constituir uma vantagem, desde logo vel de escolaridade superior ao efetivamente
pelo maior leque de consultores a que poderá detido). Noutros casos, razões de vaidade po-
recorrer-se.25 derão também conduzir a uma sobrevaloriza-
Essas vantagens encontram-se, por sua ção da experiência e conhecimentos efetiva-
vez, associadas a uma outra: um menor con- mente detidos, por exemplo, relativamente a
sumo de tempo. investimentos em instrumentos financeiros,
c) Maior proteção decorrente de uma me- quando tal informação seja presencialmente
nor inibição em divulgar informação relevante solicitada.
A qualidade dos resultados gerados pelos Neste enfoque, a automatização do pro-
consultores automatizados depende, em larga cesso de recolha de informação pode funcio-
medida, da qualidade, rigor e integridade da nar como um incentivo à disponibilização de
informação que suporta o seu funcionamen- informação relevante para efeitos de aconse-
to, entre a qual, a informação relativa aos seus lhamento em matéria de investimento, como
clientes.26 seja a definição adequada do perfil do investi-
É comum as pessoas sentirem-se pou- dor, e, afinal, redundar numa maior proteção
co à vontade quando, por alguma razão, lhes deste último.27
é pessoalmente solicitado para informarem Em qualquer caso, a consciência dos in-
sobre situações com as quais não se sentem vestidores acerca da importância e implicações
confortáveis. Falamos, por exemplo, do nível da informação que lhes esteja a ser solicitada
de escolaridade, quando o mesmo é nulo ou será sempre fundamental. Para tanto, haverá
inferior ao razoavelmente expectável. Ou da que procurar sempre alertá-los para esse fac-
situação financeira quando, por exemplo, se to, qualquer que seja o modo de recolha da in-
está altamente endividado. formação. Na consultoria automatizada essa
A experiência demonstra que, na falta de consciencialização será tanto mais importan-
discernimento acerca do verdadeiro propósi- te, quanto maior for a dependência do serviço
to e/ou implicações da informação solicitada, relativamente à informação recolhida por via
o resultado tenderá, nessas situações, a ser de processos automatizados – recorde-se que,
um de dois: se possível, a informação “com- nalguns casos (modelos totalmente automati-
prometedora” será omitida (nada dizer, por zados) essa pode mesmo ser a única informa-
exemplo, sobre o valor de endividamento); ção que será considerada para efeitos quer da
não o sendo, a verdade poderá ser deturpa- definição do perfil investidor do cliente, quer
da (informando, por exemplo, ter-se um ní- para efeitos de aconselhamento.

25
Cfr. ESA´S, Joint Committee Discussion Paper…, p. 17.
26
Sinalizando a importância da capacidade dos robo-advisors (ditada pela eficiência dos algoritmos que utilizem) para interpretar e categorizar, de forma adequada e correta, a informação que serve

de suporte ao seu funcionamento, designadamente, enquanto do pressuposto da consistência e qualidade dos resultados que se pretendam obter por via da sua utilização, vide IRIS H. CHIU, Fintech and

Disruptive Business Models in Financial Products, Intermediation and Markets- Policy Implications for Financial Regulators, Journal of Technology Law and Policy, 21, 55-112, pp. 88-89.
27
Sinalizando a menor inibição associada em confidenciar informação pessoal a uma máquina, enquanto fator potenciador de uma maior disponibilidade dos investidores para acederem a serviços

automatizados de consultoria, vide A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, op.cit. p. 208.

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d) Potencial melhor qualidade cisões (caso o serviço prestado seja de gestão


do serviço prestado de carteiras) e/ou recomendações de inves-
timento que por si tenham sido efetuadas ou
Os consultores automatizados operam, es- estejam ainda por efetuar. Para os consultores
sencialmente, através da aplicação de algorit- humanos será sempre mais desafiante estar
mos incorporados no software que suporta o constantemente atualizado sobre os mais re-
respetivo funcionamento. centes desenvolvimentos de mercado suscetí-
Um algoritmo bem desenvolvido tenderá a veis de terem impacto na situação financeira
ser mais consistente do que o cérebro huma- de cada um dos seus clientes.30
no na execução de determinadas tarefas, ne- Neste enfoque, as ferramentas de aconse-
cessária ou possivelmente, compreendidas na lhamento automatizado podem, em benefício
prestação de aconselhamento financeiro.28 Tal dos seus utilizadores, permitir superar certas
verificar-se-á, sobretudo, quando estejam em limitações e fragilidades inerentes à natureza
causa processos de natureza complexa e cuja humana e, nessa medida, evitar o risco asso-
análise e/ou decisão possa, de algum modo, ciado a erros (de análise e/ou de julgamento),
ser negativamente influenciada por fatores por ação ou omissão, que daí possam decorrer.
emocionais e/ou de julgamento humano.29 Por outro lado, um algoritmo bem desenvol-
Importa notar que os robo-advisors mais vido poderá também assegurar um tratamen-
sofisticados incorporam tecnologia capaz de to mais equitativo entre os investidores, de-
processar de forma automática, rápida e numa signadamente, por via da maior consistência
base contínua, informação bastante vasta e e uniformidade do aconselhamento prestado a
complexa, como sejam dados de mercado (v.g. indivíduos com características semelhantes.31
variações de preços e liquidez). Isso permite- Uma menor exposição dos investidores
-lhes avaliar e reavaliar, com base em infor- aos conflitos de interesses tradicionalmente
mação permanente atualizada, todas as de- presentes nas relações de intermediação fi-

28
A realização de previsões, designadamente com base em informação prospetiva, a par com a execução de tarefas de natureza não só complexa mas também repetitiva, têm sido avançadas como

exemplos – Cfr. ESA´S, Joint Committee Discussion Paper on automation in financial advice, p. 17.
29
Como bem colocam em evidência JILL FISH / JOHN A. TURNER, Robo Vs Humans…, p. 3: “[i]n some areas where problems are complex and decisions may be affected by human emotions or cognitive biases,

computers may make better decisions than people. Complexity can have two basic dimensions. A problem can be complex for each individual person (the intensive margin), and it can be complex because of

differences across individuals (the extensive margin). When problems are complex at the intensive margin, it is difficult for people to make decisions, and they tend to turn to experts for advice. When problems

are complex on both margins, even experts may be challenged. In addition, complexity can be a factor on both the demand and supply sides of the market for advice. Arguably, financial markets have become

more complex, with more different types of investments available. Computers may be better than humans in dealing with complexity, especially when both aspects of complexity occur at the same time. That

is arguably the case for financial advice. Financial advice is complex for an individual in part because of changes over time as people age in the ability and willingness to bear risk, and in part because of the

inherent complexity of structuring a well-diversified portfolio. Providing financial advice is a complex problem across individuals because of differences in whether a person participates in a defined benefit

plan or in any pension plan, whether a person is married and has a spouse that works, and numerous other factors.”.
30
O recurso a tecnologia de ponta, designadamente a que serve de base aos robo-advisors disponibilizados ao público, poderá, contudo, mitigar parte das dificuldades que se colocam.
31
Como sinalizam JILL FISH / JOHN TURNER, Robo Vs Humans…, p. 17-18: “[w]ith robo advisers, the advice is not just from one person, but rather reflects the collective wisdom of the company”. A este pro-

pósito vale também a pena relembrar que, entre nós, nos termos do disposto no artigo 309.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, “(…) o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos

seus clientes um tratamento transparente e equitativo”.

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nanceira, decorrentes, designadamente, do dutivelmente, a máquina assim o fará. Ao eli-


modelo de remuneração dos intermediários minar-se da cadeia de intermediação, por via
financeiros e, em particular dos seus funcio- da automatização, sujeitos permeáveis, pela
nários32, também tem vindo a ser apontada sua natureza, a esses incentivos (como é o
com um fator de potencial maior qualidade caso dos funcionários das instituições finan-
dos serviços oferecidos pelos robo-advisors. ceiras), elimina-se também, pela mesma via,
Na base desse entendimento, está a ideia qualquer desalinhamento de interesses que
de que os robo-advisors não são influenciáveis dali pudesse resultar.34
pelos fatores emocionais que, tradicional- Todavia, tal não significa, nem pode sig-
mente, podem conduzir os consultores finan- nificar, que o risco humano esteja sempre to-
ceiros a dar prevalência aos seus interesses talmente afastado, na medida em que, como
próprios, em detrimento dos interesses dos bem nota A. BARRETO MENEZES CORDEIRO35,
seus clientes (nomeadamente, mediante re- “[o]s algoritmos irão incorporar as conceções
comendação de produtos comparativamente dos seus criadores”. 36
mais caros do que outros igualmente disponí- Importa, com efeito, não esquecer que os
veis – e igualmente adequados aos objetivos conflitos de interesses não se esgotam na re-
do clientes –, com vista a obter um beneficio lação entre os funcionários das instituições
em proveito próprio, por via do maior comis- financeiras e os seus clientes. As instituições
sionamento associado esses produtos).33 financeiras são titulares e prosseguem inte-
Em parte, o argumento pode ser verda- resses próprios, de natureza patrimonial, que
deiro. Se os algoritmos incorporados num não se confundem com os dos respetivos fun-
consultor automatizado forem, de facto, pro- cionários. Todavia, ambos podem, com igual
gramados para ignorar determinado tipo de grau de intensidade, ser incompatíveis com
“incentivos”, não temos dúvidas de que, irre- os legítimos interesses dos clientes.37 E, em

32
Evidenciando a estrutura remuneratória dos intermediários financeiros enquanto fonte de conflitos de interesses, vide PAULO CÂMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 1.ª Edição, Coimbra,

2009.p. 371-372. Sinalizando a circunstância de a consultoria para o investimento constituir veiculo privilegiado para os intermediários financeiros prosseguirem interesses pessoais, quando habilita-

dos a negociar de carteira própria, a emitir valores mobiliários, a produzir ou fornecer certos instrumentos financeiros ou a ser remunerados para o fazer, vide SOFIA LEITE BORGES, A Consultoria para

o Investimento e o Regime dos Benefícios no Código dos Valores Mobiliários e na segunda Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF II), Revista de Direito das Sociedades, Ano VIII, n.º 2, 2016,

p. 297.
33
Cfr. MEGAN JI, Are Robots Good Fiduciaries? ..., p. 1572-1573.
34
Sinalizando que, nos modelos híbridos, a interação humana em determinadas fases do processo de aconselhamento pode desvirtuar esta vantagem, consoante a estrutura de incentivos que seja

implementada pelas empresas de investimento, FINRA, Report On Digital Advice, p. 6.


35
Cfr. A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 209.
36
Defendendo, a nosso ver com razão, que os consultores automatizados não são imunes ao desalinhamento de interesses que historicamente afeta os intermediários financeiros, e que seria ingénuo

assumir, simplesmente, que estes escolherão sempre os algoritmos e estruturas de decisão que mais favoreçam os consumidores, e não as que sejam melhores para si, vide TOM BAKER / BENEDICT

G. C. DELLAERT, Regulating Robo Advice, p. 19.


37
Esta estrutura dos conflitos de interesses, no âmbito da consultoria para investimento (mobiliário), é bem evidenciada por SOFIA LEITE BORGES, quando refere que “[o] risco associado à consul-

toria para o investimento decorre da possibilidade do intermediário financeiro não prestar conselhos objetivos, isentos, diligentes e leais, na medida em que tenha interesse em aconselhar o cliente

a realizar operações sobre valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros motivado por razões ou interesses alheios à situação do cliente aconselhado, o que pode suceder relativamente a

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caso de conflito, estes últimos deverão sem- de consultoria financeira por via digital.
pre prevalecer.38 Esta é, porém, uma “vantagem” que ape-
A automatização pode, assim, resolver nas indiretamente poderá beneficiar os in-
uma face do problema (conflitos entre os in- vestidores, designadamente, por via de uma
teresses dos funcionários das instituições fi- maior eficácia da supervisão que seja levada a
nanceiras e os interesses dos respetivos clien- cabo, sobre essas entidades, pelas autoridades
tes), mas deixar a outra por resolver (conflitos reguladoras e de supervisão.
entre os interesses próprios das instituições
financeiras e os interesses dos respetivos e) Existência de um registo histórico de
clientes).39 A maior ou menor capacidade dos atividade mais completo e consistente,
consultores automatizados para prestarem designadamente para efeitos de auditoria
um aconselhamento isento dependerá, por interna ou de supervisão
isso, sempre, da maior ou menor “honestida-
de” que os respetivos criadores40, consciente A prestação de serviços de aconselhamento
41
ou inconscientemente , decidam incorporar através de meios digitais implica que, por de-
nos algoritmos que lhes sirvam de suporte.42 finição, toda a atividade desenvolvida (e, em
A capacidade de avaliar, não só ex ante, particular, os perfis de investimento atribuí-
mas também ex post, essa “honestidade”, por dos, e as recomendações de investimento e
via da análise dos algoritmos em que se en- transações que sejam feitas) tenha um regis-
contre incorporada, poderá, contudo, permitir to histórico digital. A natureza desse registo
uma mais fácil demonstração de situações de permite que o mesmo possa ser rápida e fa-
conflitos de interesses e, decorrentemente, de cilmente acedido, recuperado e/ou analisa-
infração das normas que obrigam, quer à sua do, não só pelo prestador do serviço (v.g. para
mitigação, quer a que se dê sempre prevalên- efeitos de auditoria interna e/ou para cum-
cia aos interesses dos clientes. Facilidade essa primento dos deveres de conservadoria que se
que, numa perspetiva ex post, resultará tam- mostrem aplicáveis), mas também pelo pró-
bém reforçada da maior consistência do regis- prio cliente e pelas autoridades reguladoras e
to histórico associado à prestação de serviços de supervisão.

valores mobiliários por si emitidos, que tem em carteira ou por cuja distribuição é remunerado, através de um contrato de distribuição ou por via do pagamento de retrocessões ou outros benefícios,

independentemente da sua qualidade.” – Cfr. SOFIA LEITE BORGES, op. cit., pp. 297-298.
38
Dever que, entre nós, encontra consagração expressa no artigo 309.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários, onde se dispõe que “[o] intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses

do cliente, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de sociedades com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos

sociais ou dos de agente vinculado e dos colaboradores de ambos.”.


39
Neste sentido, MEGAN JI, Are Robots Good Fiduciaries? ..., p. 1572-1573.
40
Que poderão, aliás, não coincidir, sequer, com as instituições financeiras que deles façam uso.
41
Como bem nota MEGAN JI, Are Robots Good Fiduciaries?..., p. 1573: “[e]ven when not done intentionally, the humans who design robo-advisor algorithms may be influenced by firm incentives, and this

could cause them to subconsciously bias algorithms to reflect firm–client conflicts”.


42
A class action intentada em 2017, junto de Tribunal Federal do Illinois, contra (entre outros) a Morning Star Inc. relacionada, precisamente, com um alegado desempenho, em detri-

mento dos melhores interesses dos clientes, de um robo-advisor, designado GoalMaker, é visivelmente enfática do que se deixa exposto. Sobre o tema, vide https://advisorhub.com/

investor-sues-prudential-morningstar-bad-choice-retirement-robo/

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(ii) Relativamente às instituições financeiras, res tradicionais poderão, por sua vez, permitir
as vantagens associadas à automatização, to- chegar a um público ainda por servir e, para
tal ou parcial, dos serviços de consultoria que além disso, valer como vantagem competiti-
por si sejam prestados, não são muito diferen- va (relativamente aos investidores que já re-
tes daquelas que beneficiam os seus clientes, corriam a serviços de consultoria nos moldes
constituindo, nalguns casos, apenas o verso tradicionais).43
da mesma medalha. Com efeito: A maior disponibilidade do serviço, as-
sim como a maior comodidade e facilidade de
a) Redução de custos acesso ao mesmo, também poderão constituir
fortes vantagens competitivas. Acresce que o
Apesar de poder envolver um investimento mercado passa a ser global: todos os inves-
inicial de valor significativo, a substituição, tidores que utilizem a internet passam a ser
total ou parcial, da força humana qualifica- clientes potenciais.44
da por procedimentos automatizados permi-
te, em princípio, numa perspetiva de médio/ c) Melhor qualidade e maior consistência
longo prazo, reduzir os custos associados à do serviço prestado
prestação dos serviços de consultoria finan-
ceira, designadamente por via de economias Conforme acima assinalado, a automatização
de escala. de tarefas tipicamente envolvidas no processo
de consultoria permite, em teoria, assegurar
b) Alargamento do leque de clientes e uma maior consistência dos resultados per-
outras vantagens competitivas cebidos pelos investidores, seja pela ausência
de certas limitações inerentes à natureza hu-
A redução dos custos associados à prestação mana, seja pela redução do número de erros e
dos serviços através de procedimentos au- falhas a que essa natureza, por vezes, inevita-
tomatizados permite, por sua vez, praticar velmente conduz, ou, pelo menos, não permi-
valores de comissionamento inferiores aos te, mesmo sem culpa, evitar.
normalmente praticados pelos consultores Por outro lado, a automatização também
tradicionais. Os valores de comissionamen- pode permitir eliminar ou, pelo menos, miti-
to e montantes mínimos de adesão inferiores gar, o risco associado a eventuais comporta-
aos normalmente praticados pelos consulto- mentos desviantes dos funcionários das pró-

43
Neste sentido, vide ACCENTURE, The Rise of Robo-Advice Changing the Concept of Wealth Management, 2015, p. 2 e 7: [m]uch of the initial uptake and interest in robo-advice is coming from the “mass-

-affluent, delegator” market segment, which has traditionally been underserved. We expect discount brokers to use robo-advice to push further into advice delivery while leveraging their traditional direct

engagement model; similarly, full-service advisors are looking at robo-advice as a way to serve smaller accounts and increase advisor productivity (…) Part of the excitement surrounding robo-advice

services is their appeal to non-traditional clients, especially younger clients with fewer assets to manage. Robo-advice fills a void for millennials”. No mesmo sentido vide também BLACKROCK, Digital

Investment Advice: Robo Advisors Come of Age, 2015, p. 6: “[d]igital advisors may provide an effective way to engage consumers who have not considered using traditional investment management services

or who have been discouraged by the costs associated with obtaining personalized investment advice. For a large segment of the investing public, digital advisory services have the potential to provide

affordable and accessible services”.


44
Neste sentido, vide A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 209.

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prias instituições financeiras, assegurando, ser humano (com base num julgamento que,
por exemplo, que o aconselhamento é exclu- em função das circunstâncias, alegue ter sido
sivamente prestado e executado com base nos o seu).
pressupostos e procedimentos que as ins-
tituições financeiras considerem ser os que III.2. RISCOS
melhor cumprem com as exigências legais e/
ou regulamentares aplicáveis45 e, em ultima Os principais riscos que têm vindo a ser apon-
análise, melhor prosseguem os interesses dos tados aos modelos automatizados de consul-
seus clientes. Trata-se de uma virtualidade toria financeira são os seguintes:
relevante, na medida em que as instituições
financeiras são, por definição, responsáveis III.2.1. RISCOS RELACIONADOS COM A
pelos atos praticados pelos seus funcionários INCAPACIDADE DOS INVESTIDORES
no exercício das respetivas funções.46 PARA COMPREENDEREM A INFORMAÇÃO
QUE LHES SEJA DISPONIBILIZADA E/OU
d) Existência de um registo histórico de SOLICITADA
atividade mais completo e consistente
a) Disponibilização de informação
Por definição, os algoritmos atualmente apli- insuficiente e/ou de difícil perceção
cados pelos consultores automatizados são
desenvolvidos com base em determinados (i) Conforme já foi referido supra, nem todos
modelos e árvores de decisão que aderem a os consultores automatizados oferecem aos
uma lógica facilmente explicável e examiná- seus clientes a possibilidade de colocar ques-
vel.47 A documentação desses elementos per- tões a uma pessoa (maxime, a um consul-
mite que os mesmos sejam facilmente revistos tor financeiro), mesmo quando aqueles nis-
e monitorizados pelas instituições financei- so tenham interesse ou sintam necessidade.
ras (v.g. pelos respetivos departamentos de Nesses casos, a informação disponibilizada
Compliance, Risco e Auditoria). on-line pelas plataformas será, pois, o único
Numa perspetiva ex post, poderá também meio à disposição dos investidores para es-
ser mais fácil avaliar decisões assumidas por clarecer eventuais dúvidas que possam surgir,
uma ferramenta automatizada, que execute qualquer que seja a sua pertinência, relevância
tarefas e processos de forma altamente con- e/ou complexidade.
sistente, com base em pressupostos pré-de- Se a informação disponibilizada pela pla-
terminados, do que decisões tomadas por um taforma for, por alguma razão, insuficiente ou

45
Por exemplo, em matéria de deveres de informação dos intermediários financeiros perante os seus clientes, ou de avaliação da adequação de investimentos recomendados ao respetivo perfil (de

investidor), caso o serviço prestado se reconduza à consultoria para investimento (cfr. artigo 294.º do Código dos Valores Mobiliários).
46
Seja perante os seus clientes, para efeitos, por exemplo, de responsabilidade civil, seja “perante” as autoridades reguladoras ou de supervisão, para efeitos, designadamente, de responsabilidade

contraordenacional (Cfr., no âmbito do Direito dos Valores Mobiliários, o disposto no artigo. 401.º, n.º 2 do Código dos Valores Mobiliários).
47
Assentes, designadamente, em juízos pré-formulados de adequação de determinados produtos de investimento a investidores com determinadas características – Cfr. TOM BAKER / BENEDICT G. C.

DELLAERT, Regulating Robo Advice…, p. 21.

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dificilmente percetível48, tal poderá condu- com o mesmo parcialmente incompatí-


zir os investidores a tomarem, de forma não veis e que poderiam e/ou deveriam alterar
esclarecida, decisões de vária ordem49. Essas o resultado final desejado;50
situações tenderão a ser tanto mais graves b) não se aperceberam de eventuais impre-
quanto mais relevante for o assunto a que res- cisões na informação que tenham presta-
peite a informação em falta ou obscura, a qual do. O que poderá acontecer, por exemplo,
tanto poderá estar relacionada, por exemplo, se o investidor não compreender corre-
com pequenos detalhes relacionados com as tamente a informação que lhe está a ser
condições contratuais apresentadas, como solicitada (como sejam, a diferença entre
envolver incertezas relativas à natureza e/ou rendimento anual líquido e bruto, ou as
termos do serviço prestado, incluindo sobre o características de determinados produtos
produtos e/ou instrumentos financeiros cuja que lhe sejam apresentados como opções
subscrição seja recomendada. onde estaria disposto a investir). Ou ain-
Por outro lado, os consultores automati- da quando as questões sejam colocadas de
zados dependem, em larga medida, da infor- forma excessivamente subjetiva, levando
mação que recolhem sobre os investidores, o cliente a ter que efetuar uma autoavalia-
respeitante, designadamente, aos seus níveis ção, por exemplo, do seu perfil de risco.51
de literacia, conhecimentos e experiência em Neste contexto, cremos que alguns dos
matéria de investimentos, objetivos de inves- procedimentos recomendados por alguns re-
timento e situação financeira. guladores para assegurar um adequado cum-
Sendo essa informação recolhida sem primento, por parte dos intermediários fi-
qualquer tipo de interação – e, em particular, nanceiros, do dever de Know Your Client no
validação – humana, existirá, naturalmente, contexto da prestação desses serviços nos
um maior risco de os investidores: moldes tradicionais, serão particularmen-
a) poderem não compreender de que forma te relevantes quando se trate de assegurar o
alguma da informação por si prestada será cumprimento desse mesmo dever no contexto
utilizada no contexto do serviço a prestar. da prestação dos mesmos serviços sem qual-
Por exemplo, compreender se o consultor quer – ou mesmo com reduzida – intervenção
automatizado apenas considerou um dos humana.
objetivos de investimento indicados pelo Destarte, de forma a mitigar o risco de au-
investidor (como seja, poupança-refor- toavaliação, os seguintes procedimentos po-
52
ma), em eventual detrimento de outros derão, por exemplo, fazer a diferença:

48
Dando nota de que as empresas que oferecem serviços de aconselhamento automatizado muitas vezes não usam linguagem que os clientes possam facilmente entender, utilizando, ao invés, jargão

e explicações potencialmente enganosas, vide FINANCIAL SERVICES CLIENT PANEL (“FSCP”), Online investment and advice services – the consumer experience, Consumer Panel, 2016.
49
Que poderão ir desde a contratação do próprio serviço, à opção por e/ou realização de determinados investimentos com base no aconselhamento prestado.
50
Neste sentido, vide ESA´s, Joint Committee Discussion Paper…, p. 22.
51
Neste sentido, vide ESA´s, Joint Committee Discussion Paper…, p. 22.
52
Cfr. ESMA, Consultation Paper Guidelines…, p. 48, e Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, pp. 43-44.

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a) Ao invés de perguntar a um cliente se o os clientes:


mesmo compreende determinadas noções a) Evitar linguagem enganosa, confusa, im-
de risco (v.g. risk-return, risk-trade off, ris- precisa ou excessivamente técnica, asse-
co de diversificação e/ou concentração), gurando, por essa via, uma maior clareza e
apresentar exemplos práticos de situações mais fácil compreensão do questionário53;
que podem ocorrer, por exemplo através b) Elaborar cuidadosamente o layout do
de gráficos ou cenários (positivos e nega- questionário de forma a evitar orientar as
tivos), e solicitar ao cliente qual seria, em escolhas dos investidores (v.g. através da
sua opinião, o correto e/ou real; fonte, espaçamento entre linhas, organi-
b) Ao invés de perguntar a um cliente se o zação das questões, etc....)54;
mesmo se sente suficientemente habilita- c) Evitar recolher, através de uma única per-
do e experiente para investir em determi- gunta, várias informações que possam,
nados produtos, perguntar, por exemplo, isoladamente, ter impacto no resultado do
quais os tipos de produtos com os quais o questionário55;
mesmo cliente está familiarizado e quão d) Evitar questionários que permitam que a
recente e frequente é a sua experiência resposta "sem resposta" possa ser dada
com os mesmos; relativamente a questões tendentes à
c) Ao invés de perguntar se o cliente acredita obtenção de informação relevante (por
ter fundos suficientes para investir, soli- exemplo, quando estejam em causa infor-
citar informações factuais sobre a situa- mações tendentes a aferir a situação fi-
ção financeira do cliente; nanceira do investidor)56;
d) Ao invés de perguntar se um cliente se e) Testar se os clientes compreendem as im-
sente confortável com determinados ris- plicações das escolhas que vão fazendo à
cos, perguntar, por exemplo, qual o nível medida que progridem no processo on-
de perda, durante um determinado perío- -line (por exemplo, através de pergun-
do de tempo, que o cliente está disposto tas intercalares ou especificando o que a
a aceitar, seja num investimento indivi- está a ser concretamente assumido sobre
dualmente considerado, seja ao nível da o cliente)57;
totalidade da sua carteira. Para além dos procedimentos supra des-
Por outro lado, os seguintes procedimentos critos, cremos que a existência de mecanis-
poderão ser igualmente relevantes quan- mos de controlo e/ou resolução de incoerên-
do se trate de assegurar a consistência e cias e/ou inconsistências entre as respostas
fiabilidade da informação recolhida sobre e/ou informação que sejam fornecidas pelos

53
Cfr. ESMA, Consultation Paper Guidelines…, p. 11, e Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, p. 37.
54
Relevando a importância e o impacto da arquitetura das escolhas (i.e. a organização do contexto em que as pessoas tomam decisões) no âmbito da prestação de serviços de consultoria automa-

tizada, vide TOM BAKER / BENEDICT G. C. DELLAERT, Regulating Robo Advice…, p. 27.
55
ESMA, Consultation Paper Guidelines…, p. 11, e Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, p. 37.
56
Cfr. ESMA, Consultation Paper Guidelines…, p. 11, e Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, p. 37.
57
Cfr. DELOITTE, The next frontier, The future…, p. 18.

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clientes58 terá também, neste contexto, um Cremos, porém, que tais riscos existem,
papel fundamental. Tal controlo poderá ser com igual intensidade, qualquer que seja a
feito, por exemplo, através da codificação, forma de prestação de serviços de consultoria
nos algoritmos que suportem a plataforma, de para investimento.
“caminhos de saída” que assegurem que, em
tais situações, não haverá lugar à atribuição III.2.2. RISCOS RELACIONADOS COM
de qualquer perfil de investidor e/ou à emissão INSUFICIÊNCIAS OU FALHAS NO
de qualquer recomendação de investimento, e FUNCIONAMENTO DAS PLATAFORMAS
que o cliente é redirecionado para alguma for-
ma de interação humana tendente a resolver a) Risco de desconsideração de
as inconsistências detetadas. necessidades e/ou especificidades
(ii) Um outro risco que, a propósito da ade- individuais dos investidores
quada perceção dos investidores de particula-
ridades possivelmente envolvidas na presta- (i) Independentemente da forma – presencial
ção de serviços de consultoria automatizada, ou automatizada – pela qual seja prestado,
tem também vindo a ser sinalizado, está rela- qualquer aconselhamento financeiro que se
cionado com o facto de os investidores pode- pretenda personalizado envolverá, necessa-
rem não se aperceber de determinados custos riamente, a um tempo, a recolha e análise de
(v.g. desnecessários e, como tal, excessivos), informação sobre o cliente, e, a outro tempo,
ocultados por via da sua incorporação no pre- a seleção de opções de investimento que, face
ço dos produtos por si adquiridos ou nas co- à informação que tenha sido recolhida, se re-
missões por si pagas pela execução das suas velem mais adequadas e eficazes na prossecu-
ordens.60 O mesmo valendo para eventuais be- ção dos objetivos de investimento que tenham
nefícios / inducements que possam ser perce- sido declarados.62
bidos pelos consultores automatizados (ma- A qualidade e, em particular, a adequação
xime, pelas entidades responsáveis pela sua do aconselhamento prestado dependerão, as-
gestão e funcionamento).61 sim, por um lado, da qualidade e completu-

58
O que se verificará, por exemplo, se um cliente informar, a um tempo, que tem poucos conhecimentos ou experiência, e, a outro tempo, revelar uma atitude agressiva em relação ao risco. Ou se o

cliente manifestar uma atitude conservadora em relação ao risco, mas informar (ou resultar da informação por si prestada) ter objetivos de investimento ambiciosos.
59
Sinalizando a importância da existência de tais mecanismos, vide FINRA, Report On Digital Advice, p. 8.
60
Situações que, naturalmente, apenas se colocam relativamente aos robo-advisors que centralizem em si toda cadeia de intermediação, prestando, para o efeito, serviços de receção, transmissão

ou execução de ordens.
61
Cfr. ESA´S, Joint Committee Discussion Paper…, p. 23. MELANIE FEIN, Robo-Advisors: a closer look, pp. 12-15.
62
De todo o modo, importa não olvidar que embora essa necessidade se apresente como corolário da natureza personalizada do serviço a prestar, ela poderá também decorrer da própria lei, como,

aliás, se verifica, entre nós, com particular intensidade, no Código dos Valores Mobiliários, cujos artigos 314.º e 314.º-A, não só estabelecem o dever do intermediário financeiro recolher determinada in-

formação sobre os seus clientes (cfr. artigo 314.º, n.º 1 e 314.º-A, n.º 1 e 2), como ainda determinam que o intermediário financeiro não poderá recomendar operações aos seus clientes caso não logre ob-

ter a informação em causa (cfr. artigo 314.º-A, n.º 3). O objetivo é assegurar, em beneficio da proteção do investidor, que o intermediário financeiro obtém toda a informação necessária para compreen-

der todos os factos essenciais relacionados com o cliente de modo a que, tendo em conta a natureza e o âmbito do serviço prestado, possa considerar que: a) a operação específica a recomendar ou a

iniciar corresponde aos objetivos de investimento do cliente em questão; b) o cliente pode suportar financeiramente quaisquer riscos de investimento conexos, em coerência com os seus objetivos de

investimento; e c) a natureza do cliente assegura que este dispõe da experiência e dos conhecimentos necessários para compreender os riscos envolvidos na operação (ou na gestão da sua carteira).

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de da informação que seja recolhida sobre o toria financeira (e/ou de gestão de carteiras)
cliente, que deverá, por isso, desejavelmen- seja prestado através de procedimentos au-
te, ser suficiente para espelhar os respetivos tomatizados, pode suceder que o questioná-
níveis de literacia (incluindo financeira, tra- rio com base no qual seja recolhida informa-
duzida, por exemplo, nos seus conhecimentos ção sobre o cliente não seja suficientemente
e experiência em matéria de investimentos), abrangente para contemplar toda a informa-
perfil de risco, situação financeira63 e objeti- ção que, de um modo geral, deva considerar-
vos de investimento. -se indispensável a uma correta delimitação
Por outro lado, da qualidade, completude do respetivo perfil de investimento, situação
e atualidade da informação de que se dispo- financeira ou objetivos de investimento (em
nha relativamente às opções de investimento particular, quando sejam vários os objetivos
disponíveis (em mercado). E, por último, da visados).
capacidade do consultor para analisar e sele- Noutros casos, o cliente pode apresentar
cionar as opções de investimento que, dentre determinadas características e/ou necessida-
as disponíveis, se revelem não só as mais ade- des cujas particularidades impliquem que o
quadas ao perfil e objetivos de investimen- questionário utilizado, embora adequado para
to do cliente, mas também que melhor vão ao a generalidade dos investidores, não se ade-
encontro dos seus interesses (por terem, por que ao seu caso concreto.
exemplo, menores custos associados – i.e., Em ambos os casos, a ausência de intera-
preço, comissões, benefícios fiscais, etc.).64, 65 ção humana ou, pelo menos, da possibilidade
Ora, nos casos em que o serviço de consul- de o cliente prestar informação distinta da-

63
A este propósito vale a pena ter em consideração que, de acordo as orientações da ESMA relativas aos procedimentos que as empresas de investimento deverão observar com vista a assegurar

um adequado cumprimento do dever de adequação – consagrado, primeiro, na DMIF I, e recentemente reforçado pela DMIF II –, a avaliação da adequação deverá incluir informação diversificada sobre

elementos suscetíveis de afetar, nomeadamente, a análise sobre a situação financeira do cliente (incluindo sua capacidade de suportar perdas) ou dos seus objetivos de investimento (incluindo a

sua tolerância ao risco), podendo, nesse contexto, os seguintes elementos ser relevantes: i) estado civil (onde poderá relevar a capacidade jurídica do cliente para comprometer bens que pertençam

também ao seu cônjuge, por força do regime de comunhão); ii) situação familiar (as evoluções na situação familiar de um cliente podem afetar sua situação financeira, por exemplo, um novo filho, ou

um filho prestes a entrar para a universidade); iii) idade (que é principalmente importante para garantir uma avaliação correta dos objetivos de investimento e, em particular, do nível de risco finan-

ceiro que o investidor está disposto a assumir, bem como o horizonte de investimento pretendido); iv) situação laboral (o facto de que um cliente poder ter perdido seu emprego ou aproximar-se da

reforma pode afetar sua situação financeira ou seus objetivos de investimento); v) necessidade de liquidez em determinados investimentos relevantes.

De acordo com a mesma autoridade europeia, também será importante que as empresas avaliem a literacia financeira do cliente e a capacidade de compreensão, pelo mesmo, de noções básicas

como, por exemplo, de risco de investimento (incluindo o risco de concentração). Para esse fim, as empresas deverão considerar, a um tempo, utilizar exemplos facilmente compreensíveis de níveis

de perda e/ou retorno que possam surgir em função do nível de risco assumido e, a outro tempo, avaliar a resposta do cliente a tais cenários – Cfr. ESMA, Consultation Paper Guidelines…, p. 43, e Final

Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, pp. 37-39.
64
Dando nota de que a circunstância de um produto ser adequado ao perfil de um investidor não implica, necessariamente, que o mesmo vá ao encontro dos seus melhores interesses, e que a regra

da adequação não esgota o conteúdo do dever fiduciário dos intermediários financeiros perante os seus clientes, vide BENJAMIN P. EDWARDS, The Rise of Automated Advice: Can Robo-Advisers Rescue

the Retail Market?, Chicago-Kent Law Review, 2017, p. 10.


65
No sentido de que no estabelecimento de procedimentos com vista a dar cumprimento ao dever de adequação (tal como consagrado na DMIF II), as empresas de investimento deverão assegurar

a consideração, designadamente, todas as características materiais dos investimentos considerados na avaliação de adequação, incluindo todos os riscos relevantes e quaisquer custos diretos ou

indiretos para o cliente, ESMA, Consultation Paper Guidelines…, p. 57.

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quela que lhe é solicitada, poderão levar a que pois não decorrem da automatização que ca-
o mesmo não se aperceba do impacto das li- racteriza esses serviços –, a verdade é que,
mitações existentes, confiando na suficiên- nesse âmbito, contrariamente ao que se ve-
cia da informação questionada, para efeitos, rifica na consultoria dita tradicional, pode-
designadamente, da prestação de um acon- rá não existir qualquer tipo de validação, por
selhamento talhado às suas características e um profissional qualificado, do resultado do
objetivos pessoais. Já relativamente às em- questionário e, em particular, da adequação
presas de investimento, tais circunstâncias desse questionário à concreta situação do in-
poderão, por sua vez, redundar na prestação vestidor que o preencheu, o que, obviamente,
de um aconselhamento que não seja inteira- irá potenciar o risco de definição de um perfil
mente adequado ao perfil de risco e/ou obje- de investidor inadequado (quer em termos de
tivos de investimento do seu cliente ou, pelo conhecimentos e/ou experiência, quer em ter-
menos, que não vá de encontro dos seus me- mos de risco ou de objetivos de investimento).
lhores interesses.66
A este propósito parece-nos relevante su- (ii) Por último, poderá também suceder que
blinhar que têm vindo a ser apontadas várias o aconselhamento prestado por meios auto-
falhas aos questionários utilizados por ro- matizados esteja limitado, por via do algorit-
bo-advisors, nomeadamente no que se refe- mo que suporta o seu funcionamento, a certas
re à suficiência da informação recolhida para hipóteses ou categorias pré-determinadas de
efeitos de avaliação da adequação dos inves- opções de investimento e/ou modelos de alo-
timentos ao perfil dos investidores.67 Sendo cação de ativos, que não se revelem aptas a dar
certo que tais falhas não serão exclusivas dos resposta a necessidades mais específicas de
questionários usados pelos robo-advisors – alguns investidores.68

66
O aconselhamento poderá, é certo, vir a revelar-se, ainda assim, adequado. Porém, entre nós, e na medida em que o serviço prestado possa ser reconduzido ao de consultoria para investimento

(cfr. artigo 294.º, do Código dos Valores Mobiliários), a instituição financeira dificilmente conseguirá, nesses casos, demonstrar ter cumprido alguns dos seus mais relevantes deveres perante os seus

clientes, como seja o dever obter informação sobre os conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos de investimento do cliente, e de avaliar o caracter adequado dos investimentos

recomendados à luz dessa informação (cfr. artigos 314.º e 314.º-A do Código dos Valores Mobiliários).
67
Especificamente no que se refere aos robo-advisors, um estudo relativamente recente analisou os questionários utilizados por alguns robo-advisors a operar na Alemanha, Estados-Unidos e Reino-

Unido, tendo constatado que, em regra, para além de o número de questões colocadas pelos robo-advisors ser reduzido (em média, dez questões), apenas uma parte das mesmas (em média, 60%)

tem efetivamente impacto no aconselhamento prestado – Cfr. MICHAEL TERTIL/PETER SCHOLZ, To Advise, or Not do Advise – How Robo-Advisors Evaluate the Risk Preferences of Private Investors, junho

de 2017, p. 12-15. A idêntica conclusão chegou, em 2018, a FCA, que concluiu que, em muitos casos, os robo-advisers não aferiam de forma apropriada os conhecimentos e experiência dos clientes

em matéria de investimentos, nem os seus objetivos de investimento ou tolerância a perdas, tendo mesmo constatado casos em que não era sequer solicitada informação sobre os conhecimentos e

experiência dos clientes, por se entender que o serviço prestado era adequados a qualquer tipo de investidor, independente da sua experiência e conhecimentos em matéria de investimentos – Cfr.

FCA, Automated investment services - our expectations. 2018, disponível em Automated investment services - our expectations | FCA. A simplicidade que caracteriza muitos dos questionários utilizados

por robo-advisors também já foi destacada pela FINRA, in Report On Digital Advice, p. 9.
68
Cfr. ESA´S, Joint Committee Discussion Paper on automation in financial advice, 2015, p 25. Dando nota de que alguns dos consultores automatizados limitam-se a fazer corresponder investidores com

determinado perfil a determinadas carteiras de ativos pré-concebidas (por exemplo, investidores com perfil conservador são alocados a carteiras consideradas conservadoras), e que, de um conjunto

de plataformas por si analisadas, a maior parte estabelecia apenas entre cinco a oito perfis de investimento, pelo que a avaliação das características com base nos quais se considere determinada

carteira de ativos adequada a investidores com determinado perfil assume particular relevância, vide FINRA, Report On Digital Advice, p. 6.

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Tal poderá suceder, por exemplo, se o al- dos clientes ou, no pior caso, de mis-selling71.
goritmo for concebido para considerar ape- Compreensivelmente, não só as instituições
nas um conjunto limitado de opções de inves- financeiras (desde logo, por motivos reputa-
timento, dentro de um leque de alternativas cionais), mas também, e sobretudo, os inves-
disponíveis.69 A este propósito vale a pena re- tidores (que, serão, aliás, quem primeiramen-
lembrar que o aconselhamento prestado por te sairá prejudicado) quererão evitar que tal se
alguns consultores automatizados pode estar verifique.
limitado ou, pelo menos, privilegiar deter- Os algoritmos e estruturas de decisão
minado tipo de produtos financeiros em de- que suportam o funcionamento dos consul-
trimento de outros.70 Nesses casos, os con- tores automatizados podem variar, quer em
sumidores poderão não estar cientes de que o termos de complexidade, quer em termos de
resultado final do aconselhamento automa- sofisticação.72
tizada poderá não refletir corretamente suas Algoritmos mais complexos poderão ge-
necessidades, mesmo que informação corre- rar um aconselhamento financeiro mais di-
ta e suficiente para avaliar corretamente estas versificado e, nessa medida, potencialmente
últimas tenha sida disponibilizada. mais ajustável às necessidades específicas dos
clientes/investidores.73 Porém, quanto maior
b) Falhas no algoritmo de suporte ao a sua complexidade, maior tenderá, também,
funcionamento das plataformas a ser a probabilidade de se incorrer em erros
aquando do respetivo desenvolvimento, que
O fator chave de sucesso para qualquer mo- se refletirão, depois, necessariamente, num
delo de aconselhamento automatizado resi- primeiro momento, na qualidade dos resulta-
de na qualidade e consistência do algoritmo dos gerados e, num segundo momento, na di-
que o sustente. Falhas no seu design, ou a sua ficuldade de avaliar o que correu mal.74
inadequada gestão e/ou monitorização po- Noutros casos, o algoritmo poderá fun-
derão, muito facilmente, redundar em situa- cionar corretamente mas, ainda assim, não
ções generalizadas de aconselhamento que produzir resultados adequados. Tal sucede-
não vá ao encontro dos melhores interesses rá, por exemplo, quando os pressupostos em

69
Neste sentido, vide IOSCO, Report on Financial Technologies (Fintech)”, 2017, p. 33.
70
A circunstância de os robo-advisors, mesmo os mais sofisticados, tenderem a oferecer aos seus clientes uma gama de opções de investimento mais restrita do que os consultores para investi-

mento tradicionais (muitas vezes limitadas a Exchange Traded Funds/ETF´s e fundos-monetários), tem vindo a ser assinalada – Cfr. JILL FISH, Robo Vs Humans…, p. 15-16, IOSCO, Update On the Report…,

p. 9, MELANIE FEIN, Robo-Advisors: a closer look, p. 3.


71
Neste sentido, vide IOSCO, Research Report on Financial Technologies (Fintech), 2017, p. 33. Sinalizando a possibilidade de eventual risco sistémico, vide TOM BAKER / BENEDICT G. C. DELLAERT,

Regulating Robo Advice…, pp. 29-30: “[i]f the models underlying competing robo-advisors are sufficiently alike, there a is risk of highly correlated losses that could even pose systemic risk”.
72
Neste sentido, vide BLACKROCK, Digital Investment Advice: Robo Advisors Come of Age, set. 2015, p. 3: [d]igital advisors have a number of different investment philosophies, methods, and strategies.

The algorithms fueling digital advice vary in terms of sophistication. Algorithms can range from a simple or pre-packaged algorithm that builds a single portfolio to a complex multi-strategy algorithm that

reviews thousands of instruments and scenarios in order to construct an aggregate portfolio based on an individual’s current holdings, investment horizon, and risk tolerance”.
73
Cfr. IOSCO, Research Report on Financial Technologies (Fintech), 2017, p. 33.
74
Cfr. ESA´S, Joint Committee Discussion Paper…, p. 26.

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que se baseie não estejam corretos ou sejam b) Efetuar e documentar testes robustos
insuficientes (v.g. em virtude, respetivamen- aos algoritmos, sempre num ambien-
te, de não avaliarem corretamente determina- te não-real, antes do início da prestação
da informação relevante sobre os clientes, ou do serviço e, após esse início, numa base
eventuais possíveis cenários). continuada76;
Por último, mesmo um algoritmo que es- c) Considerar, numa primeira fase, a imple-
teja perfeitamente desenvolvido, não será, mentação e aplicação dos algoritmos de
naturalmente, imune a falhas informáticas forma gradual (ou seja, para um número
(inclusive com origem externa, como sejam as limitado de clientes), de forma a assegu-
provocadas por hackers) suscetíveis de colo- rar que os resultados obtidos são consis-
car em causa o seu correto funcionamento. tentes com o esperado77;
O risco associado à possibilidade de ocor- d) Assegurar a revisão e, se necessário, a
rência de tais erros e/ou situações poderá, atualização dos algoritmos ante a deteção
contudo, ser mitigado através da adoção de de quaisquer fatores suscetíveis de afe-
robustos procedimentos de carácter preventi- tar os seus pressupostos e/ou resultados
vo, destinados a assegurar a qualidade e con- (v.g. alterações de mercado ou de natureza
sistência do out-put gerado pelas plataformas, regulatória)78;
quer previamente à sua entrada em funciona- e) Criar mecanismos de controlo de deteção
mento (i.e., disponibilização ao público), quer de erros de funcionamento, e implemen-
posteriormente (e de forma contínua). Neste tar procedimentos que permitam, em face
conspecto, as seguintes medidas têm vindo a dessa deteção – e se tal se revelar neces-
ser apontadas como relevantes: sário e/ou prudente – suspender, a pres-
a) Assegurar que um consultor financeiro tação de aconselhamento. Caso tal venha a
qualificado está sempre envolvido no pro- verificar-se, poderá justificar-se uma re-
cesso de design/conceção dos algoritmos, visão manual de qualquer recomendação
assumindo a responsabilidade pela com- que tenha sido emitida antes do erro ter
preensão dos pressupostos e da lógica in- sido detetado79;
corporados nos mesmos, relativamente a f) Assegurar que eventuais comités de go-
cada cenário potencial, e avaliando, numa vernance que sejam incumbidos de su-
base contínua, os resultados gerados75; pervisionar os sistemas automatizados

75
Cfr. DELOITTE, The next frontier, The future…, p. 20. FINRA, Report On Digital Advice, pp. 5-6. ESMA, Consultation Paper Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements”, 2017, p. 60,

e Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, p. 53.
76
Cfr. DELOITTE, The next frontier, The future…, p. 20. FINRA, Report On Digital Advice, pp. 5-6. Evidenciando a pertinência desta documentação dever incluir uma explicação sobre o alcance dos tes-

tes realizados, incluindo planos de testes, resultados, eventuais defeitos detetados e resolvidos, bem como os resultados finais dos testes que tenham sido efetuados, vide ESMA, Consultation Paper

Guidelines…, p. 60, e Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, p. 53.
77
Cfr. DELOITTE, The next frontier, The future…, p. 20.
78
Cfr. FINRA, Report On Digital Advice, pp. 5-6. ESMA, Consultation Paper Guidelines…, p. 60, e ESMA. Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II suitability requirements, 2018, p. 53.
79
Cfr. DELOITTE, The next frontier, The future…, p. 20. FINRA, Report On Digital Advice, p. 5-6, ESMA, Consultation Paper Guidelines…, p. 60, e Final Report Guidelines on certain aspects of the MiFID II sui-

tability requirements, 2018, p. 53.

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incluem uma combinação de conheci- riscos associados à utilização de algorit-


mentos de compliance e inovação tecno- mos, estabelecer as métricas a incorporar
lógica, e que os respetivos membros com nos testes e nas avaliações de qualidade,
competências executivas dispõem de for- assim como rever regularmente o desem-
mação que lhes permita compreender os penho dos sistemas.

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IV. CONCLUSÕES

A
revolução tecnológica permitiu ele- nando com emissão de determinada
var, no sector financeiro, a auto- recomendação de investimento (ou,
matização dos serviços de consul- eventualmente, de desinvestimento).
toria financeira a um nível outrora A utilidade e eficiência dessas
impensável. ferramentas explicam, pelo menos
Facto é que hoje máquinas são em parte, que, atualmente, muitos
capazes de executar, com total au- consultores façam uso das mesmas
tonomia, tarefas e funções que, num como coadjuvantes na prestação dos
passado recente, apenas consulto- seus serviços (nos modelos tradicio-
res financeiros qualificados conse- nais). O seu sucesso explica, por sua
guiriam executar. E, se corretamente vez, que muitos consultores finan-
programadas, poderão mesmo fazê- ceiros e gestores de ativos de renome
-lo de forma mais rápida e eficiente tenham optado por combinar os seus
do que qualquer humano.80 modelos tradicionais de negócio com
Exemplo disso é a capacidade, os mais recentes avanços tecnológi-
hoje assente, de determinadas plata- cos registados na área da automati-
formas automatizadas executarem, zação de serviços de aconselhamento
com total autonomia, as várias etapas em matéria de investimento.
tipicamente compreendidas na pres- Dificilmente assistiremos a uma
tação de serviço de consultoria para reversão do atual estágio de desen-
investimento (mobiliário), que vão, volvimento tecnológico dos mer-
desde a recolha inicial de informação cados, de que a automatização dos
sobre o cliente, à atribuição ao cliente serviços de consultoria financeira
de um determinado perfil de investi- constitui exemplo. As recentes ma-
mento (e, em particular, de risco), nifestações do fenómeno permitem
à seleção de instrumento/s finan- antecipar que as profundas implica-
ceiro/s ou portfólio/s considerado/s ções da mutação em curso assenta-
adequado/s ao perfil definido, culmi- rão, primeiramente, na substituição

80
Neste sentido, vide TOM BAKER E BENEDICT G. C. DELLAERT, Regulating Robo Advice…, p. 12, “(…) at least for mass-market consumer financial products, a well desig-

ned robo advisor will outer perform most humans in terms of competence and suitability, while being as honest as the most honest humans”.

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da força humana e, progressivamente, da sua parência (cfr. artigo 304.º, n.ºs 1 e 2 do CdVM).
inteligência e julgamento. Estas novas formas de prestação de ser-
Porém, e apesar dos passos dados nesse viços de consultoria e/ou de gestão de ativos
sentido serem já notáveis, cremos que o está- comportam, pois, especificidades e riscos que
gio atual de desenvolvimento das plataformas são já suficientes palpáveis para justificar uma
de consultoria automatizada não é ainda ca- análise aturada sobre a capacidade de respos-
paz de, sem intervenção humana, atender e/ ta do quadro regulatório atualmente aplicá-
ou dar resposta adequada às concretas neces- vel (em particular, em Portugal, à atividade de
sidades de todo e qualquer investidor que de- intermediação financeira) para prevenir a sua
las pretenda fazer uso. materialização, designadamente, mas não só,
O que, a nosso ver, constitui um forte obs- na esfera dos investidores. A essa análise nos
táculo à afirmação da capacidade de tais má- dedicaremos, contudo, noutro texto, onde, com
quinas para, com total autonomia (i.e., sem a profundidade que se crê ser necessária para
qualquer intervenção humana, no contexto conferir-lhe alguma utilidade, procuraremos
da prestação do serviço), darem cabal cum- dar resposta a algumas das várias e interes-
primento a alguns dos mais relevantes deve- santes questões que ali se colocam, quer numa
res dos intermediários financeiros perante os ótica prudencial (i.e. de cumprimento de requi-
seus clientes, como é o caso do dever de ade- sitos para o exercício da atividade de interme-
quação (nas suas várias vertentes) e do dever diação financeira e, em concreto, de consultoria
de atuar no sentido da proteção dos legítimos para investimento), quer numa ótica compor-
interesses dos clientes, e de acordo com ele- tamental (i.e. de cumprimento dos vários deve-
vados padrões de diligência, lealdade e trans- res aplicáveis ao exercício daquela atividade).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS CONSULTORIA FINANCEIRA ROBÓTICA

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

DERIVADOS
SOBRE AÇÕES
PRÓPRIAS
FILIPA SANTOS ROCHA*

*Assistente Convidada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Este estudo corresponde, com
pequenas alterações, ao trabalho apresentado a concurso para o prémio José Luís Sapateiro, no ano de 2021,
ao qual foi atribuído esse mesmo prémio.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1. INTRODUÇÃO

O
fenómeno de aquisição, por parte da Contudo, a aquisição direta por
sociedade, das suas próprias ações parte da sociedade das suas próprias
não é recente, tendo já muitos auto- ações, regulada nos artigos 316.º e
res se pronunciado sobre o tema1. De seguintes do Código das Sociedades
uma inicial fase de desconfiança e de Comerciais (CSC), não é a única forma
incerteza, onde se propugnava pela de a sociedade adquirir a sua titulari-
total proibição desta figura2, pas- dade. Casos há em que através de ou-
sou-se, após a Directiva 77/91/CEE tros meios a sociedade se torna titu-
(Segunda Diretiva), para uma outra lar de ações próprias, podendo, dessa
em que a verificação das inúmeras forma, colocar em risco aquilo que o
vantagens que aquela poderia tra- regime dos artigos 316.º e seguintes
zer levou à harmonização da regula- do CSC visa justamente tutelar.
mentação da aquisição de ações pró- Para além da tradicional for-
prias. Desta forma, a aquisição por ma de aquisição de ações a sociedade
parte das sociedades das suas pró- pode, por exemplo, adquirir as suas
prias ações encontra-se, hoje, re- próprias ações mediante a celebra-
gulada em muitos dos ordenamen- ção de contratos derivados cujo ati-
tos jurídicos, prevendo-se os casos vo subjacente sejam aquelas mesmas
da licitude da sua aquisição e as suas ações. Ainda que a sua aquisição não
especificidades3. seja feita de forma direta, o resultado

1
Cfr., entre outros, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, II, Almedina, Coimbra, 2007, p. 669; ANTÓNIO CAEIRO, “Aumento do capital e acções

próprias”, in Temas de Direito das Sociedades, Coimbra, 1984, p. 287; MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código

das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 1994, pp.47 ss; RAÚL VENTURA, Estudos vários sobre sociedades anónimas. Comentário ao Código das Sociedades

Comerciais, Almedina, Coimbra, 1992, pp. 358 ss; e ainda JOSÉ CARLOS VAZQUEZ CUETO, Regime jurídico de la autocartera, Madrid, 1995, pp. 226 e ss.
2
Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, II, cit., p. 669.
3
No que no ordenamento jurídico português diz respeito, a matéria encontra-se hoje regulado nos artigos 316.º a 325-B.º do CSC.
4
Sobre a matéria referente aos instrumentos financeiros derivados, veja-se, entre outros, JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Instrumentos financeiros, Almedina, Coimbra,

2014, pp. 113 ss; ID - Inovação financeira e produtos derivados, in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 45 (2009), pp. 187 ss; JOSÉ OLIVEIRA

ASCENSÃO, "Derivados", in Direito dos Valores Mobiliários (itálico), vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2003; ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance,

Almedina, Coimbra, 2017, pp. 182 ss; PAULO CÂMARA, Manual de direito dos valores mobiliários, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 204 ss.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

a que se chega - pelo menos quando se trate se se impõe a aplicação analógica do regime
de contratos derivados de liquidação física - é constante dos artigos 316.º e seguintes do CSC
o mesmo que aquela primeira forma de aqui- aos contratos derivados cujo ativo subjacente
sição. A celebração de contratos derivados so- sejam as ações da própria sociedade.
bre ações próprias é apta a prosseguir certas Deve, porém, delimitar-se com precisão
vantagens que, tipicamente, estão associadas o âmbito deste estudo, uma vez que o mes-
à tradicional forma de aquisição das ações. Por mo não incide sobre todos os contratos de-
esta mesma razão, a contratação de derivados rivados e, muito menos, sobre todas as nor-
deste tipo merece especial atenção, especial- mas do regime da aquisição de ações próprias.
mente quando se conclua que estes não caem Pretendemos apenas analisar aquelas que,
no âmbito de aplicação do regime do CSC refe- tendo em conta os perigos subjacentes à aqui-
rente à aquisição de ações próprias. A expan- sição pela sociedade das suas próprias ações,
são que este tipo de contratação teve ao lon- poderão ter um maior impacto na mitigação
go dos últimos 15 anos levou a que inúmeros ou eliminação desses mesmo perigos. Desta
autores, principalmente nos ordenamentos forma, abordaremos as normas constantes
jurídicos italiano e estadunidense5, desenvol- dos artigos 317.º, n.os 1 e 4, bem como do ar-
vessem estudos relativos a essa matéria. Esta tigo 319.º, n.º 1, do CSC. A apreciação sobre a
prática começou de forma muito pouco pro- aplicabilidade ou não aplicabilidade destas
nunciada na Alemanha6, onde, em 2004, ape- normas, mutatis mutandis, aos contratos deri-
nas existiam menos de uma dezena de socie- vados dependerá, ainda, do concreto contra-
dades que se socorriam deste mecanismo de to em questão celebrado entre a sociedade e a
aquisição de ações7. Todavia, este tipo de con- sua contraparte, divergindo as soluções da sua
tratação ganhou um relevo exponencial, in- aplicabilidade consoante se trata de contratos
tegrando, hoje, em centenas de sociedades, derivados de liquidação física ou de liquida-
um dos mecanismos para a aquisição de ações ção financeira. Analisar-se-ão, neste âmbito,
próprias daquelas. apenas os contratos de opção, futuros e swaps,
Não obstante, a celebração destes contra- salientando-se que as soluções a que se chega
tos derivados não cai no âmbito de aplicação neste estudo podem ou não ser transponíveis
do regime de aquisição de ações próprias, co- para outros contratos derivados, dependendo
locando-se, deste modo, a questão de saber das suas concretas características. l

5
Veja-se, entre outros, ALAN N. RECHTSCHAFFEN, Capital markets, dirivatives and the law, Oxford University Press, 2009.
6
Cfr, entre outros, CARSTEN KRUCHEN, “Risikoabsicherung aktienbasierter Vergütungen mit eigenen Aktien”, in Die Aktiengesellschaft, 2014, 655-662, pp. 657 e ss.
7
Cfr., por todos, TIM JOHANNSEN-ROTH, “Der Einsatz von Eigenkapitalderivaten beim Erwerb eigener Aktien nach § 71 Abs. 1 Nr. 8 AktG”, in ZIP 2011, p. 407.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

2. AQUISIÇÃO DE AÇÕES PRÓPRIAS

Vantagens e interesses das sociedades anónimas desde que


prosseguidos com a aquisição respeitando os limites impostos pela
de ações próprias legislação em vigor.

A
Ultrapassada a discussão relativa
possibilidade de aquisição, pela so- à possibilidade desta aquisição, o de-
ciedade anónima8, das suas próprias bate, nas últimas décadas, virou-se
ações não é um fenómeno recen- para a utilidade, para as vantagens
te, remontando, aliás, já ao sécu- e perigos dete tipo de operações.12/13.
lo XIX9. A grande questão desde cedo O mecanismo de aquisição de ações
que se prendeu com a possibilida- próprias pode apresentar-se como
de de uma sociedade ser “sócia de si um meio de realização de numerosos
própria”10, divergindo, até à Directiva interesses sociais, estando associado
77/91/CEE, no tratamento desta a si, por isso, inúmeras vantagens.
questão, os principais ordenamen- Entre as vantagens que têm sido
tos jurídicos europeus11. Por efeito da realçadas contam-se, desde logo, o
Segunda Directiva Comunitária sobre facto de a aquisição de ações próprias
Sociedades as legislações europeias permitir uma redução voluntária e
encontram-se harmonizadas, per- mais simples do capital social exube-
mitindo, desta forma, todas elas, a rante, conferindo deste modo, maior
aquisição de ações próprias por parte flexibilidade à sociedade para distri-

8
Este trabalho tem em vista essencialmente as sociedades anónimas, não querendo, contudo, dizer que, com as devidas adaptações, o mesmo não poderá valer

para os restantes tipos societários.


9
Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, II, cit., p. 669.
10
Cfr. ANTÓNIO CAEIRO, “Aumento do capital e acções próprias”, cit., p. 287.
11
Sistematizando estas diferenças veja-se, MIGUEL BRITO BASTOS, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias pelas sociedades anónimas”, in RDS, 2009,

n.º 1, p. 186, n. 4. Para um desenvolvimento mais aprofundado, veja-se MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código

das Sociedades Comerciais, cit., pp.47 ss e ainda JOSÉ CARLOS VAZQUEZ CUETO, Regime jurídico de la autocartera, cit., pp. 226 e ss.
12
Cfr., entre outros, RAÚL VENTURA, Estudos vários sobre sociedades anónimas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, cit., pp. 358 ss; MARIA VICTÓRIA

RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., pp. 34-47.
13
Cfr. por todos, JOÃO GOMES DA SILVA, “Acções próprias e interesses dos accionistas”, in ROA, 2000, p. 1222. Veja-se, ainda, RAÚL VENTURA, “Auto-participação da

sociedade: as acções próprias”, in ROA, ano 38, I e II, 1978, pp. 234 ss.

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buir certos valores aos acionistas14. Por outro indesejáveis ou desconhecidos. Além do mais,
lado, através desta operação permite-se que esta pode mostrar-se necessária para que a
as sociedades aumentem a sua alavancagem sociedade possa levar a cabo tanto planos de
financeira, uma vez que, tendo a empresa uma remuneração dos seus administradores com
maior capacidade de endividamento, a aqui- recurso a stock options, como os chamados
sição das suas próprias ações pode permitir ESOPs (“Employee Stock Ownership Plans”).18.
dotar a sociedade de uma estrutura de capi- Aponta-se ainda, entre outras vantagens, a
tal mais desejável, aumentando a sua rentabi- idoneidade da aquisição de ações próprias
lidade15. Para além disto, a aquisição de ações como medida legítima e eficaz de defesa con-
próprias pode prosseguir finalidades de mer- tra OPAs19.
cado, ou seja, pode constituir uma forma de Mas se é certo que mediante a aquisição de
a sociedade influenciar as relações de oferta ações próprias se pode prosseguir certas van-
e procura das suas ações, funcionando como tagens, também o é o facto de algumas dessas
mecanismo de sinalização de que as ações da vantagens poderem ser prosseguidas median-
sociedade podem estar subvalorizadas16 - re- te a contratação de instrumentos financeiros
fere-se, por norma, o facto de a aquisição derivados que não caem no âmbito de aplica-
de ações próprias poder servir “objetivos de ção do rigoroso regime de aquisição de ações
mercado”, nomeadamente o reequilíbrio das próprias previsto nos artigos 316.º e seguin-
cotações17 e o fomento da procura das ações da tes do CSC. Demonstrado que fique que a cele-
sociedade pelo mercado. A aquisição de ações bração de contratos derivados cujo ativo sub-
próprias poderá ainda prosseguir finalida- jacente sejam as próprias ações da sociedade,
des de controlo societário, podendo funcio- haverá que indagar se, alcançando as mesmas
nar como meio de evitar a entrada de sócios vantagens, se deverá aplicar analogicamente

14
É importante notar que a sociedade é livre de decidir, dentro dos limites impostos pela lei – nomeadamente no que diz respeito ao regime de distribuição de bens aos sócios (artigos 31.º e seguintes

do CSC) e ao regime de distribuição de lucros do exercício (artigo 294.º do CSC) - de que forma pretende restituir bens aos acionistas. Esta tem sido das principais vantagens apontadas para a aqui-

sição de ações próprias, apresentando-se como uma solução alternativa para devolver bens aos acionistas, mas com efeitos distintos daqueles que resultariam da simples distribuição das reservas

disponíveis. Por todos, EILÍS FERRAN, Principles of corporate finance law, Oxford, 2008, pp. 191 ss. Como salienta o autor, “a sociedade pode estar numa posição cujos ativos se encontram em excesso

face às necessidades da empresa. […] A redução de capital é um dos métodos para uma sociedade restituir o excesso aos acionistas. Uma das formas de restituir valores aos acionistas são os share

buy-backs e os dividendos especiais”.


15
Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance, cit., pp. 215-216.
16
É facto conhecido que muitas vezes as bolsas de valores apresentam, por alguma razão, cotações que não correspondem ao valor real das ações (Para um desenvolvimento sobre as razões que

levam a esta subvalorização - MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., pp.108-109, n. 226.
17
Cfr. MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., pp.108-109.
18
Cfr. MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., pp.118-119, salienta as virtualidades deste mecanismo para “criar entre

o trabalhador e a sociedade ligações mais significativas para além das estabelecidas no quadro das relações de trabalho subordinado, traduzidas num maior bem-estar do organismo produtivo e de

quem nele participa”. Vide, ainda FRANCESCO CARBONETTI, L’acquisto di azioni proprie, Milano, 1988, p. 19.
19
Cfr. AUGUSTO TEIXEIRA GARCIA, OPA – da oferta pública de aquisição e seu regime jurídico, Almedina, Coimbra, 1995, pp. 225 ss. Como salienta o autor, “ a detenção pela sociedade de acções próprias

diminui o número de acções que podem ser adquiridas por um potencial atacante e, logo, diminui as possibilidades de uma OPA hostil”. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance, cit.

pp. 211-212. E ainda, IAN RAMSAY/ ASJEET S. LAMBA, “Share buy-backs: na empirical investigation”, cit., p. 3.

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àqueles o regime referente à aquisição dire- da para aqueles casos, impõem-se a aplica-
ta de ações pela sociedade. Na medida em que ção analógica dessas mesmas normas ao caso
a razão justificativa das suas normas proce- omisso. l

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3. OS CONTRATOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS:


FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

A
s vantagens acima enumeradas po- Não obstante os contratos deri-
dem, pelo menos algumas, ser pros- vados sobre ações próprias prosse-
seguidas através da celebração de guirem algumas das vantagens as-
contratos derivados sobre ações pró- sociadas, tipicamente, ao regime
prias; – pense-se, por exemplo, no da aquisição de ações próprias, es-
caso da alavancagem financeira me- tes contratos não caem no âmbito de
diante a contratação destes instru- aplicação do regime do CSC. Este re-
mentos20. A possibilidade de aquisição gime visa apenas a tradicional forma
derivada de ações por via da celebra- de aquisição, mediante a celebração de
ção destes contratos tem sido mui- um negócio entre a sociedade e o sócio
to discutida em ordenamentos jurídi- que queira alienar as suas ações.
cos estrangeiros, nomeadamente no Pergunta-se, assim, à semelhan-
alemão21 com destaque para as mo- ça do que é feito em outros ordena-
nografias de MARTIN KNIEHASE e mentos jurídicos, se será de aplicar
NORBERT WIEDERHOLT, no italia- analogicamente o regime da aquisição
no22 pelo estudo de SILVIA VANONI e de ações próprias aos contratos deri-
no estadunidense23 onde proliferam vados sobre ações próprias. Para que
artigos sobre o tema. tal se imponha é necessário indagar se

20
A título de exemplo veja-se as seguintes atas de deliberações em assembleia geral: “Proposta cinco da ordem do dia da assembleia geral anual de 19 de Abril de

2017”, pelo Conselho de Administração da IMPRESA – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., disponível em https://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/

CONV63566.pdf; “Extrato da ata n.º 34” da Assembleia geral Anual de Acionistas da Sociedade NOS, SGPS, S. A., disponível em https://www.nos.pt/institucional/PT/

assembleia-geral/Documents/Extrato_Ata_AG_NOS_SGPS_SA_maio_2015.pdf; ou ainda, deliberação da Assembleia Geral Anual de 23 de Abril de 2014, da Sociedade

ZON OPTIMUS, SGPS, S. A., disponível em https://www.nos.pt/institucional/PT/assembleia-geral/convocatorias/Documents/2014-abril/Ponto%206_aquisicao%20

acoes%20proprias.pdf.
21
Cfr., entre outros, MARTIN KNIEHASE, Derivate auf eigene Aktien, Duncker & Humblot, Berlim, 2005; NORBERT WIEDERHOLT, Rückkauf eigener Aktien (§ 71 AktG) unter

Einsatz von Derivaten, Tectum Verlag, Marburg, 2006; HUBERT SCHMID/FELIX MÜHLHÄUSER, “Rechtsfragen des Einsatzes von. Aktienderivaten beim Aktienrückkauf”,

in Die Aktiengesellschaft, 46, 2001, 493- 503; GRIGOLEIT/RACHLITZ, §71, in Münchener Kommentar zum Aktiengesetz, 2. Auflage, 2020, §71, n. m. 51; TIM JOHANNSEN-

ROTH, “Der Einsatz von Eigenkapitalderivaten beim Erwerb eigener Aktien nach § 71 Abs. 1 Nr. 8 AktG”, cit., pp. 407 e ss.
22
Cfr. SILVIA VANONI, Azioni proprie e contratti derivati, G. Giappichelli editore, Torino, 2008.
23
Cfr., entre outros, ALASTAIR HUDSON, The Law on Financial Derivatives, Sweet & Maxweel, 2018; CARLOS L. ISRAELS, “Limitations on the Corporate Purchase of Its Own

Shares, in SMU Law Review, vol. 22, 5, article 4, 1968.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

as razões justificativas subjacentes às normas que regula uma situação idêntica a uma situa-
referentes à aquisição de ações próprias proce- ção que é regulada por uma norma que integra
dem, ou não, para os casos em que são celebra- o sistema à partida estaremos perante uma
dos contratos derivados cujo ativo subjacente lacuna. A chave para constatar a existência de
são as ações da própria sociedade. A resposta lacunas com base no princípio da igualdade
não poderá ser dada sem mais. Aliás, o regime reside, porém, na identificação do critério pe-
da aquisição de ações próprias é composto por rante o qual deve ser aferido o que é «igual»26.
diversas normas, cujas razões justificativas são Na verdade, as duas mesmas situações tan-
também elas distintas. Deste modo, ter-se-á to podem ser consideradas iguais ou diferen-
de analisar norma a norma, ratio a ratio, deter- tes consoante o critério em função do qual
minando a sua procedência ou não, nos casos as duas situações sejam comparadas. Como é
em que se celebram contratos derivados sobre evidente, para que duas situações sejam juri-
ações próprias. Se estas razões procederem es- dicamente consideradas como idênticas o cri-
taremos perante um caso omisso que deve ser tério de comparação deve ser um critério de
regulado como os casos que caem no âmbito comparação juridicamente relevante27. Mais
de aplicação daquele regime, existindo, assim, precisamente, relevante é aqui que a situa-
uma lacuna do sistema, a integrar nos termos ção omissa seja análoga a uma situação regu-
do artigo 10.º do Código Civil. lada pela lei, sendo o critério de comparação
Recorde-se que existe uma lacuna quando aquele que é estabelecido no artigo 10.º, n.º 2,
existe uma “incompletude do sistema contrá- do Código Civil: a situação omissa será análo-
ria ao seu próprio plano de regulação”24. Assim, ga a uma situação regulada na lei, quando as
para que uma situação seja lacunar não é sufi- razões justificativas desta lei procedam igual-
ciente que a mesma não seja regulada pelo di- mente naquela situação omissa.
reito: é necessário que, à luz das próprias va- Nestes casos, estaremos perante uma la-
lorações que lhe são internas, a sua regulação cuna a integrar nos termos gerais. Mais pre-
seja exigida pelo sistema. Ora, a concretização cisamente, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do
do que é exigido pelo “plano de regulação” do Código Civil, haverá que aplicar a norma que
próprio sistema remete, em primeira linha, regula o caso análogo regulado pela lei ao caso
para os princípios do próprio sistema. omisso28.
Entre estes, como salienta CANARIS, des- É este o problema que pretendemos tratar.
taca-se o princípio da igualdade, segundo o Contudo, dada a heterogeneidade dos contra-
qual o sistema deve tratar de forma idêntica tos derivados, este trabalho apenas incidirá so-
as situações que forem materialmente idênti- bre os contratos de opção cujo ativo subjacente
25
cas . Isto significa que se não houver norma seja as ações da própria sociedade, os futuros

24
Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao direito, Almedina, Coimbra, 2016, p. 397.
25
Cfr. CLAUS-WILHELM CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1992, pp. pp. 176 e ss.
26
Cfr. CLAUS-WILHELM CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, cit., p. 177.
27
Cfr. CLAUS-WILHELM CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, cit., p. 241.
28
Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao direito, cit., p. 402.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

e os swaps. Deixar-se-á, assim, de fora desta analógica de algumas normas do regime da


análise todas as outras modalidades de contra- aquisição de ações próprias, nomeadamente as
tos derivados. Há ainda que salientar que ape- normas constantes dos artigos 317.º, n.º 2 e 4 e
nas se atenderá à suscetibilidade de aplicação 319.º, n.º 1, do CSC. l

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

4. A NECESSIDADE DE DELIBERAÇÃO
DE AQUISIÇÃO POR PARTE DA ASSEMBLEIA GERAL
DE ACIONISTAS: O ARTIGO 319.º, N.º 1, DO CSC

N
os termos do artigo 319.º, n.º 1, do Mantendo-se inalterada esta
CSC, a aquisição de ações próprias ideia e onde não existisse a norma
depende de deliberação da assem- constante do artigo 324.º, n.º 1, al.
bleia geral, salvo a exceção estabele- a), do CSC, no caso em que a socieda-
cida no n.º 3 do mesmo preceito. Esta de adquirisse as suas próprias ações,
necessidade de deliberação por parte esta poderia exercer todos os direitos
da assembleia geral está, como vere- que às ações estão associados: des-
mos, intimamente ligada com a me- de a possibilidade do órgão de admi-
dida de participação de cada sócio na nistração poder votar em assembleia
sociedade. geral, até ao recebimento dos divi-
Nas relações internas, o capital dendos correspondentes às ações de-
social desempenha uma função es- tidas. Mas, tal como disposto no ar-
trutural, que tradicionalmente se de- tigo 324.º, n.º 1 al. a), do CSC, estes
signa por função organizativa ou de efeitos estão impedidos dada a sus-
participação29. Basta atendermos ao pensão de todos os direitos ineren-
facto de que a generalidade dos direi- tes às ações adquiridas pela socieda-
tos inerentes às ações é proporcional de. Deste modo, por força deste efeito
à fração do capital da sociedade que suspensivo, o problema que se coloca
estas representam. Assim, constitui já não se prende com os que acima fo-
uma medida que serve para definir a ram referidos, mas sim com a altera-
sua posição jurídica, determinando a ção da proporção da participação so-
proporção em que participam na so- cial de cada sócio.
ciedade, quer economicamente, quer A ratio do artigo 319.º, n.º 1, do
30/31
em termos de direitos sociais . CSC, não será, pois, a possibilidade

29
Cfr. PAULO DE TARSO DOMINGUES, Variações sobre o capital social, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 1215 e ss.
30
Cfr. PAULO DE TARSO DOMINGUES, Variações sobre o capital social, cit., pp. 1215 e ss e 556, onde o autor refere que “ao capital social imputa-se o desempenho de

uma função de organização, com o que se pretende traduzir a ideia de que ele se assume como um instrumento moderador e regulador dos direitos e deveres dos

sócios, desde logo porque estes são, por princípio, fixados e delimitados em função da medida em que cada sócio participa no capital social”.
31
Atente-se, por exemplo, ao direito ao lucro. No que respeita aos direitos patrimoniais, os sócios participam, por via de regra, nos lucros e nas perdas da sociedade

proporcionalmente às “respectivas participações no capital” (cfr. artigo 22.º CSC).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

de exercício dos direitos inerentes às ações, te, no nosso caso, através de contratos de op-
mas antes a causa da exigência de delibera- ção, futuros ou swaps. Procedendo a ratio sub-
ção por parte da assembleia geral encontra-se jacente à norma constante do artigo 319.º, n.º
nos efeitos que a aquisição produz na estrutu- 1, do CSC, que justifica a necessidade de deli-
ra da sociedade. A necessidade de deliberação beração de aquisição destas ações por parte da
de aquisição de ações próprias pela assembleia assembleia geral, impor-se-á a aplicação ana-
geral, presente no artigo 319.º, n.º 1, do CSC, lógica desta norma, mutatis mutandis, no caso
cujo texto representa uma reprodução quase em que a sociedade venha a adquirir as suas
textual do artigo 19.º, alínea a), da 2.ª Diretiva, próprias ações através de contratos derivados.
justifica-se pelo facto de a aquisição de ações
próprias provocar uma modificação do equilí- 4.1 A suscetibilidade de aplicação
brio interno da sociedade, através da alteração analógica da norma constante do artigo
da correlação de forças entre os diversos gru- 319.º, n.º 1 CSC aos contratos derivados
pos de acionistas, o que pode ter uma decisiva de liquidação física
influência no futuro da sociedade32. Se os di-
reitos inerentes às ações detidas pela socieda- Os contratos de opção de liquidação física, na
de se encontram suspensos torna-se eviden- medida em que as suas atribuições são execu-
te que quanto mais elevada for a percentagem tadas mediante a transmissão da titularidade
de títulos que a sociedade adquire, tanto me- do ativo subjacente contra o respetivo paga-
nor será a percentagem necessária para deter mento do preço, podem, efetivamente, levar,
o poder e o controlo da assembleia. Como sa- se exercida a opção, à aquisição das ações da
lienta RAÚL VENTURA, “a administração não própria sociedade. Deste modo, a partir do
pode atingir esse nível de afectação da própria momento em que a sociedade se torne titular
estrutura relativa das participações sociais”33. das suas próprias ações, dá-se uma verdadei-
A questão que se coloca é, pois, se a ra- ra modificação na estrutura interna da socie-
zão justificativa subjacente à norma do artigo dade – ficam suspensos os direitos inerentes
319.º, n.º 1, do CSC procede para os casos em às ações que a sociedade adquiriu, alterando-
que as ações próprias sejam adquiridas através -se a correlação de forças entre os diferen-
de contratos derivados, mais especificamen- tes acionistas que veem um “ajuste” nas suas

32
Importa notar que, frequentemente, imputa-se ainda à norma que exige a autorização da assembleia o fim de tutelar os sócios quanto às suas expectativas de receção de dividendos, uma vez

que os fundos destinados à aquisição (onerosa) de ações próprias devem corresponder a bens disponíveis: assim, sendo a assembleia competente para deliberar a distribuição dos lucros de exercí-

cio entende-se que também o deve ser para autorizar a aquisição de ações próprias, pois essa aquisição implica um “congelamento dos lucros” – neste sentido, cfr. MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ

FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 196 e ainda MARGARIDA COSTA ANDRADE, Anotação ao artigo 316.º, in Código das Sociedades Comerciais

em Comentário, vol. V, coord. Jorge Coutinho de Abreu, Almedina, Coimbra, 2018, p. 451 onde a autora refere que “Mas outros fatores contribuem para justificar esta regra: por um lado, a contrapartida

deste negócio poderia ser distribuída entre os sócios, pois é dos bens partilháveis que há-de ser retirada, razão pela qual eles têm todo o interesse a que lhes seja atribuída tal decisão”. Contudo,

na realidade, todos os negócios realizados pela sociedade podem implicar uma alteração do seu património livre e portanto uma aplicação dos fundos excedentes, que poderiam ser destinados à

distribuição de dividendos: mas nem por isso deixam de ser competência exclusiva dos administradores, pelo que não parece razoável ver aqui a teleologia da imposição de autorização prévia – cfr.

MIGUEL BRITO BASTOS, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias pelas sociedades anónimas”, cit, p. 195, n. 23.
33
Cfr. RAÚL VENTURA, “Auto-participação da sociedade: as acções próprias”, cit. p. 271

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participações sociais. Por força da suspensão é a de saber se a aplicação analógica, mutatis


de direitos que atinge as ações em autocartei- mutandis, deste preceito aos contratos de op-
ra, durante o período de detenção destas re- ção se efetua logo aquando da celebração do
força-se a medida de participação represen- contrato derivado ou se, pelo contrário, ape-
tada por cada uma das ações em circulação, nas a partir do momento em que for exercida
podendo, através desta modificação da situa- a opção38 - portanto, que negócio ou ato deve
ção proporcional das ações, ser alterada a po- ser tido em consideração para a sua aplicação.
sição jurídica dos acionistas34. Neste sentido, a Isto porque, através da celebração do contra-
razão justificativa da norma constante do ar- to derivado sobre as ações próprias, a socie-
tigo 319.º, n.º 1 CSC, procede, pelo menos nos dade não adquire o direito pleno sobre as suas
casos em que são celebrados contratos de op- próprias ações, ficando apenas habilitada ou
ção de liquidação física. vinculada a adquirir futuramente as suas pró-
Cumpre, no entanto, à semelhança do que prias ações. Na medida em que a parte titular
é feito nos ordenamentos jurídicos alemão35 e do direito potestativo de exercer ou não a op-
italiano36, distinguir entre os casos em que é ção, não a exerça, nunca haverá a transmissão
celebrado um contrato de call option, em que destas participações sociais.
a sociedade adquire o direito potestativo de De acordo com o critério do controlo da
exercício da opção, e os casos em que é cele- aquisição, desenvolvido na Alemanha, por
brado, pelo contrário, um contrato de put op- JÜRGEN OECHSLER39, o que será relevante
tion, em que a sociedade assume a obrigação para determinar a que ato ou negócio40 se deve
de comprar as suas próprias ações quando um aplicar por analogia o disposto no artigo 319.º,
terceiro decidir exercer o direito potestati- n.º 1, do CSC será a declaração negocial da so-
vo de exercício da opção para a venda destas. ciedade que leva, ou pode levar, à transmis-
Consequentemente, tal como tem vindo a ser são das participações sociais para a sua esfe-
discutido nos ordenamentos acima indica- ra. Para determinar o ato ou negócio que leva
dos37, a questão que se coloca, tendo já visto à vinculação da sociedade ter-se-á, pois, de
que a ratio subjacente ao art. 319.º, n.º 1 CSC atender ao tipo de contrato de opção celebra-
procede para este tipo de contrato derivado, do pela sociedade e a posição em que esta se

34
A título exemplificativo, tomemos o exemplo de FRANCESCO CARBONETTI, L’acquisto di azioni proprie, cit., p. 39, n. 47-48. Imagine-se uma sociedade anónima com o capital repartido entre os sócios

nas seguintes proporções: o sócio A detém 43% de participação; o sócio B 26%; o sócio C 7%; o sócio D 9%; o sócio E 10% e o sócio F 5% (que perfaz um total de 100%). Imagine-se agora que a so-

ciedade adquire as participações do sócio E e F, adquirindo, portanto, um total de 15% das participações. Esta aquisição por parte da sociedade vai provocar modificações substanciais na estrutura

organizativa e na relação de poder entre os acionistas. Deste modo, o sócio A passa a deter a maioria absoluta (50,59%) porque a nova base para medir as relações de força é de 85 (100-15). O sócio D

passa a poder exercer os direitos que a lei só conceda aos sócios que possuam pelo menos 10% do capital social já que, com esta modificação, passa a deter 10,58% da participação.
35
Cfr. JÜRGEN OECHSLER, in Münchener Kommentar zum Aktiengesetz, C. H. Beck, 2008, § 71, n. m. 58.
36
Cfr., por todos, SILVIA VANONI, Azioni proprie e contrati derivati, ob. cit, pp. 150 e ss.
37
Idem.
38
Cfr. MARTIN KNIEHASE, Derivate auf eigene Aktien, cit., p. 212.
39
Cfr. JÜRGEN OECHSLER, Die Änderung der Kapitalrichtlinie und der Rückerwerb eigener Aktien, in ZHR, 2006, pp. 72-89, p. 78.
40
Neste caso, o contrato de opção ou o ato de exercício da opção.

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encontra na relação contratual. Só após a ve- traparte, a sociedade assumiu a obrigação de


rificação da posição relativa da sociedade será comprar as suas próprias ações, colocando-se
possível determinar a partir de que momen- num estado de sujeição e, por isso, vinculada à
to é que a sua declaração negocial a colocou compra das mesmas.
numa posição a que levará, ou poderá levar, à Já nos casos em que seja celebrado um
aquisição das suas próprias ações. contrato de call option, onde se atribua à so-
Nos casos em que a sociedade celebra um ciedade o direito potestativo de exercer a op-
contrato de put option nos termos acima des- ção, a declaração negocial emitida pela socie-
critos, a celebração do próprio contrato de dade dirigida à transmissão da titularidade
opção colocou já a sociedade numa posição das ações, apenas ocorrerá se e quando a so-
de sujeição em que, exercida a opção, estará ciedade decidir exercer a opção. Deste modo,
obrigada à compra das referidas ações. Daqui a sociedade não se encontra vinculada desde
resulta que, de acordo com o critério do contro- a celebração do contrato de opção, mas sim a
lo da aquisição41, nos casos de put options, não é partir do momento em que a decidir exercer,
ao ato de exercício da opção que se fará a apli- produzindo esta os seus efeitos: só aqui, ten-
cação analógica da norma constante do artigo do em conta o critério do controlo da aquisição
319.º, n.º 1, do CSC, mas sim à celebração do é a que a sociedade ficará vinculada a adqui-
próprio contrato de opção. Isto porque, o que é rir as suas próprias ações e não num momento
relevante nestes casos é a declaração negocial anterior43.
da sociedade que pode levar, caso a contra- Desta forma, a sindicância do momento
parte exerça o seu direito potestativo, à trans- relevante para a aplicação analógica, muta-
missão das participações sociais para a esfera tis mutandis, do artigo 319.º, n.º 1, do CSC, não
da sociedade. Ora, nos casos das put options, a será já o da celebração do contrato de opção,
sociedade, no momento do exercício da op- mas sim o ato mediante o qual se exerce a op-
ção, já se encontrará vinculada à obrigação de ção: é com a declaração negocial da socieda-
adquirir aquelas ações, desde o momento em de no momento do ato de exercício da opção
que emitiu a sua declaração negocial: declara- que a sociedade se encontrará vinculada, pro-
ção emitida aquando da celebração do contra- duzindo-se os efeitos deste exercício que con-
to de opção42. Com a celebração do contrato de sistem na transmissão negocial da titularida-
44
opção, ainda que sem prever a possibilidade de das ações para a esfera da sociedade .
ou não de exercício da mesma pela sua con- Pelo contrário, nos contratos de futuros ou

41
Cfr. JÜRGEN OECHSLER, Die Änderung der Kapitalrichtlinie und der Rückerwerb eigener Aktien, cit., p. 78.
42
De acordo com este entendimento se encontra a doutrina maioritária na Alemanha - vide, por todos, MARTIN KNIEHASE, Derivate auf eigene Aktien, cit., p.212; JÜRGEN OECHSLER, Die Änderung

der Kapitalrichtlinie und der Rückerwerb eigener Aktien, cit., p. 78; CARSTEN KRUCHEN, “Risikoabsicherung aktienbasierter Vergütungen mit eigenen Aktien”, cit., pp. 2 e ss. Contra, ANDREAS CAHN,

in Grosskommentar zum Aktiengesetz, Hrsg. Martin Henssler, C. H. Beck, München, 2022, §71, n. m. 209; HUBER SCHMID/ FELIX MÜHLHÄUSER, “Rechtsfragen des Einsatzes von Aktienderivaten beim

Aktienrückkauf”, cit., p. 495; TIM JOHANNSEN-ROTH, “Der Einsatz von Eigenkapitalderivaten beim Erwerb eigener Aktien nach § 71 Abs. 1 Nr. 8 AktG”, cit., p. 409.
43
Cfr. JÜRGEN OECHSLER, Die Änderung der Kapitalrichtlinie und der Rückerwerb eigener Aktien, cit., p. 78; NORBERT WIEDERHOLT, Rückkauf eigener Aktien (§71 AktG) unter einsatz von Derivaten, cit., p. 65.
44
Contra este entendimento, considerando que não se poderá aplicar por analogia o § 71 I 8 aos contratos derivados porque estes não transmitem a titularidade da ação para a esfera da sociedade,

mas apenas atribuem essa possibilidade, cfr., NORBERT WIEDERHOLT, Rückkauf eigener Aktien (§71 AktG) unter einsatz von Derivaten, cit., p. 65.

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swaps, a estrutura do próprio contrato apre- À partida, analisando os efeitos dos con-
senta-se distinta por não atribuir um qualquer tratos derivados de liquidação financeira, em
direito potestativo a uma das partes. Tanto a que o que existe é o pagamento de um diferen-
celebração de contratos de futuros – como cial, a razão justificativa subjacente à norma
contratos a prazo padronizados pelos quais as constante do artigo 319.º, n.º 1, do CSC, não
partes adquirem o direito de comprar ou ven- procederá uma vez que nestes casos não se ve-
der um determinado ativo (no caso, as ações da rifica uma verdadeira transmissão da titulari-
sociedade) por um preço prefixado numa data dade das ações para a esfera da sociedade, não
futura – como swaps – contratos pelos quais se modificando, deste modo, as posições dos
duas partes trocam posições jurídicas, finan- sócios nem a força correlativa entre si.45
ceiras ou instrumentos financeiros -, logo Até hoje, na Alemanha, a discussão acer-
aquando da celebração do contrato as partes ca dos derivados de liquidação financeira so-
ficam investidas na obrigação de comprar ou bre ações próprias tem-se centrado na sua
de vender determinado ativo em data futura. A qualificação como «direito de participação»
obrigação – e, logo, a vinculação – existe des- (Genussrecht), nos termos do § 221 III da AktG46,
de o momento da celebração do contrato, não isto é, se estes conferem pretensões obrigacio-
dependendo, ao contrário do que se procede nais correspondentes a direitos patrimoniais
nas opções, mais especificamente no caso das típicos da posição acionista47. Certa doutri-
call options, do exercício de um direito potes- na, encontra paralelo neste tipo de derivados
tativo para a aquisição das ações. Com efeito, com as obrigações convertíveis em ações, en-
e procedendo a ratio da norma contante do ar- tre nós reguladas no art. 366.º CSC. Ao ver nos
tigo 319.º, n.º 1, do CSC também para estes ca- contratos derivados de liquidação financeira
sos, aplicar-se-á, mutatis mutandis, a norma uma forma de conferir pretensões obrigacio-
por analogia aos casos em que a sociedade ce- nais correspondentes a direitos patrimoniais
lebre um contrato de futuro ou swap cujo ativo típicos dos acionistas, alguns autores têm pro-
subjacente seja as suas próprias ações. pugnado pela aplicação analógica, não do § 71 I
8 da AktG – referente à necessidade de delibe-
4.2 A suscetibilidade de aplicação ração para a aquisição por parte da assembleia
analógica da norma constante do artigo geral -, mas sim do § 221 III da AktG – cor-
319.º, n.º 1, do CSC aos contratos derivados respondente, em parte, ao artigo 366.º do CSC
de liquidação financeira – aos contratos derivados de liquidação finan-
ceira dada a posição relativa em que colocam a
Quanto aos contratos de liquidação financeira contraparte em face à sociedade.
a solução é de mais fácil compreensão. A ratio subjacente às normas decorrentes

45
No mesmo sentido se pronuncia a maioria da doutrina alemã - veja-se, entre outros, Andreas Cahn, in Grosskommentar zum Aktiengesetz, cit., §71, n. m. 210.
46
Walter Paefgen, "Eigenkapitalderivate bei Aktienrückkäufen un d Managementbeteiligungsmodellen, Zugleich ein Beitrag zur Entwicklung einer allgemeinen Systematik für die aktienrechtliche

Beurteilung von Calls und Puts als Instrumente der Unternehmensfinanzierung", in Die Aktiengesellschaft, 1999, Heft 2, pp. 67-74, p. 71.

Torsten Buch, "Busch, Bezugsrecht und Bezugsrechtsausschluss bei Wandel- und Optionsanleihen", in Die Aktiengesellschaft, 1999, pp. 58-66, p. 65.
47
Claus Luttermann, in KolnerKommentar, § 57, n.º 40, apud. MARTIN KNIEHASE, Derivate auf eigene Aktien, cit., pp. 163 e ss.

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do artigo 366.º CSC, prende-se com a possi- ção acionista, de uma detenção efetiva de uma
bilidade de conversão das obrigações em par- participação social. No caso da celebração de
ticipações sociais, sendo que se justifica por a um contrato derivado de liquidação financei-
emissão de obrigações convertíveis implicar a ra, aquilo que ocorre é somente o desembolso
potencial alteração da estrutura acionista da do saldo ou diferencial pecuniário entre o pre-
sociedade. Deste modo, a razão justificativa ço do ativo fixado na celebração do contrato e
subjacente às normas do artigo 366.º do CSC apurado no vencimento do mesmo, ou seja, no
é a mesma que aquela subjacente às normas momento do exercício da opção49. O terceiro
constantes do artigo 319.º do CSC. A diferen- contraente não fica, de nenhum modo, numa
ça encontra-se no facto de, no caso do arti- posição semelhante a um acionista, na medi-
go 366.º do CSC, ainda não se estar verdadei- da em que, por um lado, não adquire uma ação
ramente perante ações da própria sociedade, e, por isso, por outro lado, não tem qualquer
mas sim, de obrigações que se irão converter direito patrimonial associado a esta: apenas
em ações dessa sociedade. São, portanto, para receberá, ou não, um valor no momento do
todos os efeitos, ainda obrigações. É dada esta exercício da opção totalmente independente
circunstância que alguns autores48 qualifi- de uma qualquer participação social. O título
cam os contratos derivados como Genussrecht, atributivo de um qualquer direito patrimonial
à semelhança do que aconteceria nas obriga- existente a que este terceiro contraente terá
ções convertíveis em ações. O argumento, po- ou não direito será totalmente independen-
rém, não procede. Vejamos: te de uma participação na sociedade, estando
Juridicamente, os direitos patrimoniais apenas ligado a um negócio com esta celebra-
atribuídos pelos contratos derivados de li- do. Não se poderá dizer, portanto, tal como
quidação financeira são muito diferentes dos discutido na doutrina alemã, que os contra-
direitos patrimoniais conferidos pelas ações tos derivados de liquidação financeira sobre
aos sócios. Como direitos patrimoniais típicos ações próprias conferem pretensões obriga-
da posição de acionista, compreendem-se os cionais correspondentes a direitos patrimo-
direitos de preferência na subscrição de novas niais típicos da posição acionista50.
ações e o direito a participar nos lucros e/ou Desta feita, para além de ser de rejeitar a
na quota da liquidação da sociedade. Para que aplicação analógica das normas constantes
um contrato derivado seja qualificado como do artigo 366.º do CSC, será também de rejei-
Genussrecht deve atribuir pelo menos um des- tar a aplicação analógica daquelas constantes
ses direitos patrimoniais. Mas os contratos do artigo 319.º, n.º 1, do CSC referente à ne-
derivados de liquidação financeira não atri- cessidade de deliberação para a aquisição das
buem nenhum destes direitos. O direito ao di- ações. Sendo o contrato de opção de liquida-
videndo pressupõe a existência de uma posi- ção financeira – procedendo o mesmo racio-

48
Entre outros, CLAUS LUTTERMANN, in KolnerKommentar, § 57, n.º 40, apud. MARTIN KNIEHASE, Derivate auf eigene Aktien, cit., pp. 163 e ss.
49
Cfr. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Instrumentos financeiros, cit. p.141.
50
A maioria da doutrina entende que o § 221 III da AktG não se aplica aos contratos derivados sobre ações próprias com liquidação financeira. Neste sentido, cfr. MARTIN KNIEHASE, Derivate auf eigene

Aktien, cit., p. 163; contra este entendimento CLAUS LUTTERMANN, in KolnerKommentar, § 57, n.º 40, apud. MARTIN KNIEHASE, Derivate auf eigene Aktien, cit., pp. 163 e ss.

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cínio para um contrato de futuros ou de swap ção da correlação de forças entre os diversos
- um contrato que se caracteriza por não ha- grupos de acionistas. Em suma, quanto aos
ver a transmissão das participações sociais contratos derivados de liquidação financeira,
para a esfera da sociedade, a ratio deste pre- a questão relativa à necessidade de delibera-
ceito não procede na medida em que, ape- ção por parte da assembleia geral não se co-
nas existindo o pagamento de um diferencial, loca, não havendo, consequentemente, lugar
não existe qualquer modificação do equilí- à aplicação analógica desta norma a este tipo
brio interno da sociedade, através da altera- de contratos.

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5. A CONTRAPARTIDA DA AQUISIÇÃO
DE AÇÕES PRÓPRIAS: O ARTIGO 317.º, N.º 4,
DO CSC E OS BENS DISTRIBUÍVEIS PELOS SÓCIOS

C
omo se apurou anteriormente, a nor- outro lado, tolera-se a aquisição de-
ma constante do artigo 316.º, n.º 1, do rivada das ações da própria sociedade
CSC proíbe, às sociedades, a subscri- já que, neste caso, o que está ora em
ção das suas ações e a aquisição de- causa, é a conservação do capital so-
rivada das mesmas, na ausência de cial ou a sua integridade no desenvol-
norma especial que o permita. No vimento da sociedade.
seguimento deste preceito, o artigo Deste modo, o segundo proble-
317.º do CSC, cuja epígrafe se refere ma que cumpre analisar prende-se
aos “casos de aquisição lícita de ações com a necessidade de a contraparti-
próprias”, vem disciplinar as condi- da pela aquisição de ações próprias se
ções em que é admitida a aquisição referir que sejam, nos termos dos ar-
derivada de ações próprias. O carác- tigos 32.º e 33.º do CSC, distribuíveis
ter absoluto da proibição de adquirir aos sócios, devendo ainda o valor dos
originariamente as ações contrasta bens distribuíveis ser, pelo menos
com a natureza relativa da proibição igual ao dobro do valor a pagar pelas
de aquisição derivada. Tal conside- ações – é isto que decorre do artigo
ração traduz-se num regime jurídico 317.º, n.º 4, do CSC. O legislador esta-
que se apresenta diferente para estas beleceu, assim, duas limitações dis-
duas situações, já que o fundamen- tintas no que toca à contrapartida da
to da própria lei também é diferente: aquisição de ações próprias.
estipula-se a proibição da subscri- O primeiro limite imposto pelo
ção de ações próprias porque está em legislador visa impedir que a socie-
jogo, primordialmente, o princípio da dade use, na aquisição das suas pró-
exata formação do capital social51. Por prias ações, bens que comprometam

51
Para que haja uma exata formação do capital social é necessário assegurar, entre outros aspectos, que o acordo dos subscritores não seja fictício e que, conse-

quentemente, a subscrição corresponda a uma efetiva entrada de capital. Para além do mais, e como salienta MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA,

Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 129, “No momento da constituição da sociedade, a proibição tem escassa relevância prá-

tica. Se a constituição é imediata, é inconcebível, sequer, que a sociedade subscreva directamente as suas acções. Com efeito, nesse caso a sociedade só pode

surgir como tal depois de subscrita a totalidade das acções, não possuindo personalidade jurídica antes desse momento. A personalidade jurídica só surge com o

registo que, por sua vez, pressupõe a subscrição pelos fundadores de todas as acções”.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

a soma do capital social com as reservas obri- económica da empresa, mas já não para a res-
gatórias e que sejam necessários para proce- tituição aos acionistas das quantias por estes
der ao pagamento de prejuízos transitados. entregues à sociedade, a não ser que estejam
A doutrina maioritária salienta que se trata, salvaguardados os direitos dos credores ou em
desta forma, de vetar que a sociedade faça re- caso de liquidação, depois de todos os credo-
tornar aos sócios os valores que estes lhe en- res terem sido satisfeitos55.
tregaram a título de entrada, o que equivale- Mas, se assim é, nos casos em que a con-
ria a uma encoberta redução do capital social e traparte não seja um sócio, não se colocará
consequente violação do princípio da intangi- qualquer problema, dado o princípio da intan-
bilidade52/53. Consequentemente, a razão jus- gibilidade do capital social ter por pressupos-
tificativa desta norma será a tutela do capital to que é aos sócios – enquanto sócios – que
social, na medida em que aos sócios não po- não poderão ser atribuídos bens nem valores
derão ser atribuídos bens nem valores que se- que sejam necessários à cobertura do capital
jam necessários à cobertura deste, visando-se social56.
impedir que se desça, em virtude dessa distri- Apurada a ratio da norma constante do ar-
buição, abaixo da cifra correspondente ao ca- tigo 317.º, n.º 4, do CSC cumpre averiguar se
pital social, que funciona como garantia mí- na celebração de contratos derivados a mes-
nima dos credores da sociedade54. A ideia geral ma procede, sendo, por isso, suscetível de
é, assim, a de que o capital subscrito pelos só- aplicação analógica, mutatis mutandis, a estes
cios se encontra disponível para a atividade contratos.

52
Cfr., por todos, MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., pp. 168 e ss.
53
Não parece ser de concordar com esta visão sem mais. Na verdade, poder-se-á dizer, tal como salienta MARGARIDA COSTA ANDRADE, que na grande maioria dos casos não se pode, com certeza,

afirmar tal intenção, “porque, para o alienante, é completamente indiferente quem adquire as ações, não conhecendo sequer muitas vezes a quem é que elas serão vendidas depois de dar a ordem

ao intermediário financeiro; enquanto que a sociedade, a não ser no especifico caso de redução do capital social, não tem pré-delineado objetivo de reembolsar os sócios, mas sim de concretizar as

varias vantagens que a aquisição de participações próprias comporta. Ou seja, o problema inerente à aquisição está, não na intenção da sociedade, mas, objetivamente, no facto de, sendo a operação

de compra comutativa (a sociedade paga e recebe algo em troca), ter por objeto um bem que reclama especiais cautelas para a salvaguarda do capital social” – cfr. MARGARIDA COSTA ANDRADE, Código

das Sociedades Comerciais em Comentário – Anotação ao artigo 316.º, cit, p. 426


54
O capital social desempenha, no direito societário um papel fundamental no regime da distribuição de bens aos sócios. Resulta do artigo 15.º, n.º 1 al. a) da Directiva do Capital que os fundos des-

tinados à cobertura do capital social não podem, em circunstância alguma, ser distribuídos pelos sócios. Consagra-se desta forma aquilo que ficou conhecido como o princípio da intangibilidade do

capital social. Ao referir-se ao capital social como intangível, quer-se com isso significar que aos sócios não poderão ser atribuídos bens nem valores que sejam necessários à cobertura do capital

social. Importante é notar que isto não significa que o valor do património social não possa descer abaixo da cifra do capital. Visa-se apenas impedir que se desça abaixo dessa cifra em virtude da

atribuição aos sócios – enquanto sócios – de valores de qualquer natureza. Não se visa, portanto, prevenir que tal aconteça em consequência das perdas resultantes da atividade empresarial da so-

ciedade. Assim, a razão justificativa deste regime prende-se, em última medida com a tutela dos credores da sociedade – cfr., por todos, PAULO DE TARSO DOMINGUES, Variações sobre o capital social,

cit. pp. 250 e ss. Refere ainda RAÚL VENTURA, Estudos vários sobre sociedades anónimas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, cit., pp. 439 e ss, que a restituição é proibida por afetar a

parte do património que serve de garantia mínima aos credores. Ora, se a sociedade não possui reservas livres, a aquisição onerosa de ações próprias, dada a situação de auto-referencia que cria,

significa realmente que parte do património pode deixar de estar sujeito à ação dos credores, pelo que se traduz, potencialmente, numa ilícita e disfarçada redução de facto do capital social. Também

assim FÁTIMA GOMES, O direito aos lucros e o dever de participar nas perdas nas sociedades anónimas, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 252 e ss.
55
Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance, cit., p. 199.
56
Cfr. PAULO DE TARSO DOMINGUES, Variações sobre o capital social, cit., p. 250.

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5.1 A suscetibilidade de aplicação favor dos sócios em situações em que poderia


analógica da norma constante do artigo ser necessário para a satisfazer os credores da
317.º, n.º 4, primeira parte do CSC aos sociedade. A ser assim, a distribuição de bens
contratos derivados de liquidação física não poderá ser vista apenas como uma dis-
tribuição que beneficie um sócio atual, mas
Nos casos de contratos de opção de liquida- também aquelas em que se beneficiem sócios
ção física, à partida, a contraparte da socie- futuros57. Pense-se no caso, a propósito dos
dade será um sócio. No entanto, pode suceder contratos de opção, em que a sociedade ce-
que seja celebrado um contrato de opção sobre lebra um contrato de opção com um tercei-
ações próprias com um não sócio. A questão ro, que há data da celebração do contrato não
que se coloca é a de saber se, mesmo a socie- é acionista da sociedade, mas vem a sê-lo no
dade não celebrando o contrato de opção com momento do exercício da opção.
um sócio, haverá ou não casos em que a ra-
zão justificativa da norma procede. Desta for- 5.1.1 A sindicabilidade da contrapartida
ma, na medida em que o contrato seja celebra- da aquisição de ações próprias
do com um autêntico terceiro face à sociedade,
a razão não procederá, não ficando o contra- Questão diferente é aquela que se prende com
to sujeito à norma ora em análise. Contudo, a determinação dos montantes a pagar pelas
casos há em que a contraparte da sociedade ações adquiridas. Nesta medida, há que ave-
ainda não é um sócio, mas se apresenta como riguar se este valor corresponde apenas ao
um potencial sócio da sociedade. Pergunta- preço a pagar pelas referidas ações ou se, pelo
se, deste modo, se a ratio subjacente ao artigo contrário, relevarão ainda outros montantes
317.º, n.º 4, do CSC também abrange os sócios que tenham sido transferidos do património
futuros, ou apenas os sócios à data da celebra- social. Retomando a ideia de que a razão jus-
ção do contrato. tificativa da norma constante do artigo 317.º,
Estando em causa a conservação do capi- n.º 4, do CSC se justifica pela tutela do capi-
tal social, embora a lei não proteja os credo- tal social, não será correto afirmar que ape-
res da sociedade de quaisquer variações pa- nas relevarão como montantes a pagar pelas
trimoniais, esta protege-os perante reduções ações aqueles referentes ao preço das mes-
do património da sociedade em benefício dos mas. Para este efeito, importarão, ao invés,
sócios – é este, como vimos, o conteúdo es- todos os bens que saiam do património social,
sencial do princípio da intangibilidade do ca- só assim se garantindo, efetivamente, uma
pital social. Se a sociedade, de alguma forma, tutela do capital social. Caso contrário, seria
utilizar os seus fundos para beneficiar um só- possível conceber um cenário em que as par-
cio o património social está a ser alocado em tes acordavam um preço das ações muito bai-

57
Desta forma, ainda que a propósito da matéria relativa à assistência financeira, cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance, cit., p.226. No mesmo sentido, MARTIN KNIEHASE,

Derivate auf eigene Aktien, cit., p. 254, onde o autor refer que, enquanto futuro acionista da sociedade, o terceiro contraente reconduz-se ao âmbito de aplicação do § 57 I, sendo que, por conseguinte,

os contratos derivados celebrados em condições que não são as de mercado, serão nulos por violação desse preceito.

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xo e, consequentemente, um prémio, no caso exercício da opção e não a própria celebração


dos contratos de opção, muito superior de do contrato de opção que apenas coloca as
forma a compensar aquilo que seria poupa- partes numa relação “direito potestativo/su-
do no pagamento do preço das ações. Por isto jeição”. Decorre do exposto que é este ato que
mesmo, relevarão para aferição dos montan- tem de ser válido para que se produzam os
tes a pagar, todos os bens que saiam do pa- efeitos típicos de aquisição das ações contra
trimónio social o que, no caso dos contratos o pagamento do preço, sendo que, se o mes-
de opção, será o montante a pagar a título de mo for contrário à lei, será nulo nos termos
prémio, bem como o preço a pagar pelas ações do artigo 295.º do CC que por sua vez remete
a adquirir. para o artigo 280.º do CC.
Delimitado o montante relevante como É a este ato de exercício da opção que se
“valor a ser pago pela ação”, um segundo ní- deverá aplicar por analogia o disposto no ar-
vel de problemas se coloca: tratando-se de tigo 317.º n.º 4, do CSC já que a razão justifica-
um contrato de opção (seja uma put option tiva subjacente a esta norma é procedente nos
ou uma call option) - o problema não se co- casos em que seja exercida a opção que levará
loca com os futuros nem com os swaps uma à aquisição das ações. Quando a parte titular
vez que o montante a pagar é previamente fi- do direito potestativo de exercício da opção a
xado na celebração do contrato - a determi- exerça e esta conduza à violação do disposto
nação do valor a pagar só poderá ser apurada no artigo 317.º, n.º 4, do CSC, o mesmo será
no momento do exercício da opção, quando o nulo por violação da disposição legal.
juízo de validade do negócio jurídico em cau-
sa tem de ser feito no momento da própria 5.1.2 A nulidade do ato de exercício
celebração do negócio. No momento em que da opção e a impossibilidade jurídica
o contrato de opção é celebrado, não é pos- do aproveitamento da atribuição
sível saber ainda qual o valor que este mes- correspondente ao direito potestativo
mo contrato implica para a sociedade, dado de exercício da opção
ser característica deste instrumento finan-
ceiro derivado a não prefixação do valor a pa- Exercida a opção, levando à aquisição das
gar aquando do exercício da opção. No entan- ações, em violação do disposto no artigo
to, a analogia entre o contrato de aquisição 317.º, n.º 4, do CSC, que se aplica por analo-
de ações próprias não é feita com o contra- gia ao ato de exercício da opção, tornando o
to de opção celebrado entre a sociedade e a ato nulo, garante-se, de facto, a conservação
sua contraparte. Este último apenas atribui do capital social, tal como visado pela nor-
um direito potestativo – de opção – contra ma em causa, mas coloca-se um problema
o pagamento de um prémio. Pode, assim, o na relação com a contraparte do contrato já
contrato de opção ser celebrado sem que este que o pagamento do prémio foi logo à parti-
direito potestativo nunca venha a ser exer- da efetuado.
cido, não havendo, desta forma, a produção Entre o pagamento do prémio e a atribui-
dos seus efeitos e, consequentemente, nun- ção da possibilidade de exercer a opção, exis-
ca chegando a haver a aquisição das ações. O te uma relação sinalagmática. Isto pressupõe
ato que produz os efeitos típicos de aquisição que nas relações sinalagmáticas, como entre
contra o pagamento de um preço é o ato de nós defendem MARIA DE LURDES PEREIRA e

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

PEDRO MÚRIAS58, um vínculo entre obriga- à atribuição cujo exercício é frustrado – não
ções é um vínculo que existe entre todas as subsista, de acordo com o princípio da inter-
atribuições que sejam conferidas se e para. É dependência entre a prestação e contrapres-
certo que o regime do incumprimento dos tação, próprio dos contratos sinalagmáticos2.
contratos sinalagmáticos está pensado ape- A regra que ordena a extinção do dever de
nas para o incumprimento de obrigações59. No efetuar a contraprestação que se achava a car-
entanto, o regime do incumprimento dos con- go da contraparte da prestação tornada im-
tratos sinalagmáticos deve ser aplicado por possível não estatui como escreve MARIA DE
analogia, se necessário, mutatis mutandis, a LURDES PEREIRA “mais do que uma con-
situações em que exista a perturbação de atri- sequência – em todo o caso, não prevista no
buições de uma outra espécie que também in- contrato – ajustada ao reconhecimento de que
tegrem sinalagmas contratuais60. cada uma das partes não se obriga puramen-
Desta forma, a nulidade do ato de exercício te à prestação, mas antes à prestação contra a
da opção implica que o titular do direito po- realização simultânea da contraprestação”63.
testativo de exercício da opção fica impossibi- Assim, a extinção do direito à contrapresta-
litado de a exercer. Estamos, pois, perante um ção prevista no artigo 795.º, n.º1, do CC, visa
caso de impossibilidade jurídica do aproveita- evitar a deturpação, num momento posterior,
mento da atribuição correspondente ao direi- do sentido originário do contrato sinalagmá-
to potestativo de exercer a opção61. A nulida- tico. A eficácia exoneratória da obrigação de
de do ato de exercício da opção implica, deste realizar a contraprestação por impossibilida-
modo, a frustração de uma das atribuições de superveniente é, deste modo, automática,
sinalagmaticamente acopladas: a atribuição ou seja, opera aqui a figura da caducidade64,
do direito potestativo de exercício da opção. sendo, por tanto, que a liberação do credor,
Por consequência, a restituição da integrida- perante a contraprestação que lhe incumbe,
de do sinalagma exige que a contraprestação opera por si mesma.
– a atribuição sinalagmaticamente acoplada Atendendo à segunda parte do artigo

58
Cfr. MARIA DE LURDES PEREIRA/ PEDRO MÚRIAS, Sobre o conceito e a extensão do sinalagma, in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Almedina, Coimbra, 2008 , pp. 379-430.
59
Cfr. MARIA DE LURDES PEREIRA/ PEDRO MÚRIAS, Sobre o conceito e a extensão do sinalagma, cit., p. 381. Neste sentido, vide também, MARGARIDA LIMA REGO, Contrato de seguro e terceiros. Estudo de

Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2010 , p. 390.


60
Deste modo, MARIA DE LURDES PEREIRA/ PEDRO MÚRIAS, Sobre o conceito e a extensão do sinalagma, cit., p. 386, onde os autores consideram que a atribuição deve abranger, por exemplo, os direitos

potestativos com as correspondentes sujeições e a extinção deste par direito potestativo/sujeição.


61
Cfr. CATARINA MONTEIRO PIRES, Impossibilidade da prestação, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 213 e ss.
62
Veja-se a doutrina dominante em Portugal. Neste sentido, MANUEL DE ANDRADE, Teoria geral das obrigações, Almedina, Coimbra, 3.ª ed. 1966, pp. 426-427; INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das

obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 464 ss; ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, II, Almedina, Coimbra, 2017 p. 84; JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das obrigações, I, Almedina,

Coimbra, 2014, p. 237; LUÍS MENEZES LEITÃO, O enriquecimento sem causa no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2005, p. 493; MARIA DE LURDES PEREIRA, Conceito de prestação e destino da contrapresta-

ção, Almedina, Coimbra, 2001, p. 110 ss; NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 126 e ss; CATARINA MONTEIRO PIRES, Impossibilidade da prestação,

cit., pp. 581 ss.


63
Cfr. MARIA DE LURDES PEREIRA, Conceito de prestação e destino da contraprestação, cit., p. 111.
64
Veja-se, como lugar paralelo, o artigo 1051.º, e), em que o contrato de locação caduca pela perda da coisa locada, estando aqui subjacente a mesma ideia. No sentido da caducidade do contra-

to, veja-se, entre outros, ANTUNES VARELA, Das Obrigações, II, cit., p. 84; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da cessação do contrato, Almedina, Coimbra, 2017, p. 42; INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

795.º, n.º1, do CC quando a contraprestação contratos derivados de liquidação física com


já tenha sido realizada, a impossibilidade to- terceiros, a razão justificativa da norma cons-
tal não imputável a qualquer das partes im- tante do artigo 317.º, n.º 4, do CSC não pro-
põe que a mesma seja restituída, determinan- cede, não sendo suscetível de aplicação ana-
do este preceito que esta restituição opere de lógica. A celebração de um contrato de opção,
acordo com as regras do enriquecimento sem futuro ou swap de liquidação financeira com
causa e não de acordo com as regras da resolu- um terceiro não põe em causa o princípio da
ção, como sucede nos casos de impossibilida- intangibilidade do capital social, dado que os
de superveniente imputável ao devedor (artigo bens que sairão, eventualmente, do patrimó-
801.º, n.º 2, do CC)65. O recurso a este institu- nio social não se destinam a um sócio, sendo
to tem sido justificado com base no carácter a sociedade livre de alocar o seu património à
consumado da situação bem como na tutela do sua atividade económica, sem qualquer res-
inadimplente por impossibilidade não culposa. trição, ainda que os negócios se afigurem des-
vantajosos e o património social desça abaixo
5.2 A suscetibilidade de aplicação analógica da cifra do capital social66.
da norma constante do artigo 317.º, n.º Diferentemente, nos casos em que o con-
4, primeira parte do CSC aos contratos trato seja celebrado com um sócio da socieda-
derivados de liquidação financeira de, ter-se-á de verificar, tal como se fez para
os contratos de liquidação física, se a razão
No caso dos contratos derivados de liquida- justificativa subjacente à norma constante do
ção financeira o cenário afigura-se distin- artigo 317.º, n.º 4, do CSC é procedente, apli-
to caso a contraparte seja um sócio da socie- cando-se, mutatis mutandis, a estes contratos.
dade. Quando a contraparte da sociedade não Nestes casos, não existe analogia com uma
seja um sócio, tal como vimos para os casos de aquisição de ações próprias. Num contrato de

obrigações, cit., p. 466; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, IX, Almedina, Coimbra, 2017, cit., p. 341. Contra esta posição NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, cit.,

pp. 834 e ss, onde critica a tese da exclusão automática da contraprestação, entendendo que esta orientação implicaria, nos casos em que o devedor exigisse a contraprestação, que o credor tivesse

de provar que a prestação se tinha tornado impossível e assim se mantinha e que a mesma não seria imputável ao devedor. Assim, o credor poderia invocar os remédios sinalagmáticos dos artigos

428.º ou 801.º, n.º 1 e 802.º, mas, se não o fizesse, o tribunal não poderia atender à relação sinalagmática para negar o cumprimento. Deste modo, defendeu o autor a aplicação do artigo 801.º, n.º 2,

aos casos de impossibilidade, fosse ela ou não imputável ao devedor. Ao sustentar a aplicação deste artigo estar-se-ia, apesar de impor ao credor uma manifestação de vontade, a trazer-lhe também

vantagens, na medida em que deixaria de ter o ónus de alegar e de provar que a impossibilidade em apreço não seria imputável ao devedor. Deste modo, para o autor, o artigo 795.º «deveria dizer e

deve interpretar-se como se dissesse que, quando no contrato bilateral, uma das prestações se tornar impossível, o credor pode resolver o contrato», não operando, por isso, aqui, o mecanismo da

caducidade que leva à extinção automática da contraprestação. Com a devida vénia, não se pode concordar com esta última posição. Atendendo à ratio do artigo 795.º, este dispõe sobre os «contra-

tos bilaterais», leia-se sinalagmáticos. Ora, estando em causa contratos sinalagmáticos e atendendo a este vínculo que estabelece um nexo existente entre duas atribuições contratuais que exprime

que a vinculação de cada parte se constitui e persiste se e porque a contraparte se vincula reciprocamente, se a prestação se extingue, deixa de haver razão para que a contraprestação persista.
65
Cfr. JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, A resolução do contrato no direito civil – do enquadramento e do regime, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp.127-128.
66
Na doutrina alemã, em sentido contrário, MARCUS LUTTER, in Aktiengesetz Kommentar, 4. Auflage, 2020, §57, n. m. 40, defende que este preceito deve ser também aplicado àqueles sujeitos que,

tal como aqueles que são formalmente acionistas, suportam o risco da atividade societária. Desta forma, sustenta o autor que, em virtude da celebração do negócio, apesar de a contraparte da so-

ciedade não ser titular de ações sociais, este torna-se um acionista de facto e, por isso, fica sujeito ao regime do § 57 (1). Não parece ser de concordar com esta posição. Desde logo, a proibição do

§ 57 I 1 da AktG apenas se aplica, de acordo com a sua letra, à atribuição bens a acionionistas quando estes não se apresentem como terceiros na celebração daquele negócio. A dificuldade está é

em estabelecer o critério mediante o qual se apura que o sócio se apresenta como sócio ou terceiro. Parece-nos todavia que se o negócio apenas foi celebrado com aquele sujeito porque (porque

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

liquidação financeira não existe um pagamen- Em primeira linha, surge a questão sobre
to de um preço contra a aquisição de uma ação. o que se considera como “distribuição de bens
O que sucede é apenas a possibilidade de, se aos sócios”. Quanto à “distribuição de bens”
se tratar de um contrato de opção - dado que é pacífico na doutrina que esta abrange quer a
com os futuros e swaps chegada a data fixada distribuição de bens propriamente ditos, quer
far-se-á a venda ou compra -, exercida a op- a distribuição de quantias pecuniárias68. Deste
ção, se receber o diferencial entre o preço do modo, toda e qualquer distribuição, incluindo
ativo fixado na celebração do contrato e apu- aquela que tenha por objeto dinheiro, terá de
rado no vencimento do mesmo, não haven- respeitar a regra constante do artigo 32.º, n.º
do, portanto, a transmissão da titularidade 1, do CSC. Questão mais complicada será a de
das ações. Assim, a razão justificativa da nor- saber o que significa “distribuição aos sócios”.
ma constante do artigo 317.º, n.º 4, do CSC não Desta forma, questiona-se se está abrangida
procede para os casos em que seja celebrado pelo regime apenas a distribuição direta, a tí-
um contrato derivado de liquidação financei- tulo de lucros ou de compra de ações – a ser o
ra, ainda que a contraparte da sociedade seja caso, os contratos derivados de liquidação fi-
um seu sócio67. No entanto, apesar de a situa- nanceira não estariam abrangidos pelo âmbito
ção não ser análoga à aquisição de ações pró- desta norma -, ou se, por outro lado, também
prias, existe também neste caso a atribuição estão abrangidas as situações de distribuição
de bens do património societário a um sócio, indireta69. Atendendo à teleologia do precei-
através de um pagamento unilateral corres- to, apesar de as distribuições aos sócios tipi-
pondente ao diferencial entre os dois valores camente assumirem a forma de dividendos ou
acima descritos. Não havendo analogia com a de compra de ações próprias, este deverá ser
aquisição de ações próprias, não se aplicando, aplicado por analogia aos casos em que se dê
por isso, analogicamente o disposto no artigo a diminuição do património da sociedade, por
317.º, n.º 4, do CSC mas existindo efetivamente exemplo, pela celebração de um negócio com
uma alocação de bens do património societá- acionistas. Esta distribuição pode, portan-
rio para a esfera de um sócio, ter-se-á, pare- to, ser feita de forma indireta. Como escreve
ce-nos, de se ponderar a aplicação do regime ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, “para além
geral de distribuição de bens a sócios, nos ter- do efeito económico ser substancialmente o
mos dos artigos 32.º e seguintes do CSC. mesmo, à distribuição é equiparado, em sede

em itálico) ele é um sócio da sociedade, este cairá nas malhas do §57 AktG (valendo mesmo para os artigos 31 e seguintes do CSC). Poder-se-ia falar do critério das condições de mercado, mas este

apenas funcionará como um critério indiciário de que o negócio visou beneficiar o sócio contraparte da sociedade. Casos há em que, todavia, os negócios são celebrados a cima das condições de

mercado, mas também o seriam assim celebrados, naquelas mesmas circunstâncias, com um sujeito não sócio da sociedade. Se o que se visa é a proibição de bens a sócios em detrimento dos cre-

dores, apenas se vedará a possibilidade desta alocação quando se os distribua bens da sociedade a sócios, porque aqueles são sócios da sociedade. A atribuição de bens a terceiros encontra-se, por

definição, fora do âmbito desta proibição. A celebração de negócios com terceiros em condições excessivamente vantajosas para estes pode constituir uma violação dos deveres de lealdade pelos

administradores, mas não viola o § 57 I 1 da AktG. Para mais, a equiparação dos terceiros aos acionistas parece despropositada pelas razões já acima elencadas – neste sentido, por todos, MARTIN

KNIEHASE, Derivate auf eigene Aktien, cit. P. 159 e ss.


67
Neste sentido pronuncia-se a maioria da doutrina alemã – cfr. MARTIN KNIEHASE, Derivate auf eigene Aktien, cit., p. 159 e ss.
68
Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance, cit., pp. 200 e ss.
69
Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance, cit., p. 201.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

de regime de restituição, “qualquer facto que nulos quando tenham como implicação que o
faça beneficiar o património das referidas pes- património líquido da sociedade se torne infe-
soas dos valores indevidamente atribuídos” rior à soma do capital social e das reservas exi-
(art. 34.º/5), o que aponta para a possibilida- gidas à sociedade – é isto que decorre do artigo
de de a distribuição ocorrer a títulos diversos e, 32.º, n.º1, do CSC.
porventura, também em termos indiretos. Daí Retira-se do exposto que, no caso em que o
que, para serem efetivas, as regras sobre li- contrato de opção de liquidação financeira con-
mites às distribuições têm de abranger outras duza a uma situação que, de acordo com o crité-
formas diretas e indiretas de distribuição”. O rio contabilístico, leve a que haja uma diminui-
que é necessário, então, é que haja uma dimi- ção do património social em favor do sócio, nos
nuição do património da sociedade em benefí- termos do art. 32.º, n.º 1 CSC, o contrato será
cio do sócio e em detrimento dos credores. nulo, aplicando-se o disposto neste preceito.
Recortado o âmbito de aplicação do artigo Contrariamente, no caso em que o contrato de
32.º do CSC, há que determinar o critério pelo opção de liquidação financeira não conduza a
qual se valora a diminuição do património da uma situação de diminuição do património so-
sociedade. Não serão todas as situações que fa- cietário porque o valor da atribuição do sócio
çam diminuir o património social que se consi- para a sociedade é igual ou superior ao valor da
derarão distribuições aos sócios. Basta pensar- atribuição da sociedade para o sócio72, o contra-
-se que se a sociedade celebrar um negócio com to já não será nulo, produzindo os seus efeitos,
um sócio, em que exista a atribuição de bens do ainda que tenha saído património da sociedade
património societário ao sócio, este poderá não em benefício do sócio. Note-se ainda, que esta
cair no âmbito de aplicação do artigo 32.º, n.º 1, diminuição do património da sociedade é aferi-
do CSC, se o valor da atribuição do sócio à so- da logo no momento da celebração do contrato.
ciedade for superior ao valor da atribuição da Desta forma, no caso de um contrato de opção,
sociedade ao sócio. O que importa, para se con- o momento para a apuração da diminuição do
siderar que existe uma efetiva distribuição de património social é o momento da própria ce-
bens aos sócios, é que o valor da atribuição do lebração do contrato de opção. Ao contrário do
sócio para a sociedade seja inferior ao valor da que se poderia pensar é possível aferir esta di-
respetiva contrapartida. Valerá aqui um crité- minuição sem se esperar pelo exercício da op-
rio contabilístico71 para a valoração da existên- ção dado que a própria possibilidade de exer-
cia de uma distribuição efetiva de bens aos só- cício da opção que poderá levar à aquisição das
cios. De acordo com este critério, os negócios ações já tem um valor em si, mesmo que poste-
celebrados entre a sociedade e os sócios70 serão riormente a opção não venha a ser exercida. l

70
Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance, cit., p. 204. A autora refere a existência de dois critérios: o critério contabilístico – vigente no ordenamento jurídico português – e o

critério da redução do património real. Este último surgiu no ordenamento jurídico alemão e determinava que não bastaria a manutenção formal do balanço; o empréstimo (ou outro qualquer negócio)

diminuiria por natureza o património líquido da sociedade, já que representaria a trica de meios líquidos por meios menos líquidos. O próprio ordenamento jurídico alemão já não consagra esta teoria,

tendo adoptado posteriormente o critério contabilístico para a valoração da existência de distribuição de bens a acionistas.
71
O tema da distribuição de bens aos sócios, em especial através da celebração de negócios entre a sociedade e os seus sócios, não pode, por razões que se compreendem, ser tratado neste estudo.
72
Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de corporate finance, cit., p. 204.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

6. A CONTRAPARTIDA DA AQUISIÇÃO DE AÇÕES


PRÓPRIAS: O ARTIGO 317.º, N.º 4, DO CSC
E A NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DE RESERVA

C
omo vimos, o artigo 317.º, n.º 4, do mais precisamente, a conservação
CSC impõe dois limites à contrapar- do "capital social, neutralizando-se
tida da aquisição de ações próprias. o valor económico das ações detidas
Analisado o primeiro, cumpre fazer- em autocarteira e contabilizadas no
-se uma breve referência ao segundo: ativo, desativando o valor previa-
que o valor dos bens distribuíveis não mente ativado no balanço, de for-
seja inferior ao dobro do contravalor ma que a aquisição seja efetivamen-
a prestar pela aquisição das ações. te financiada com bens disponíveis,
A doutrina tem vindo a relacionar impedindo que o primeiro requisito
esta limitação com a exigência da re- imposto pelo n.º 4 do artigo 317.º do
serva legal apontada no artigo 324.º, CSC se converta numa ilusão após a
n.º 1 al. b), do CSC. Deste modo, esta aquisição75".
seria uma medida destinada a evi- De facto, o artigo 22.º, n.º 1 al. b),
tar que as ações73 adquiridas figuras- da Diretiva 77/91/CEE estabelece que,
sem no balanço como se se tratasse caso os Estados-membros permitam
de mais um elemento integrando o a aquisição de ações próprias pelas
património social. RAÚL VENTURA, sociedades e essas ações devam ser
afirma que o legislador pretendeu, contabilizadas no ativo do balanço,
com este limite, que existam reser- deve ser criada no passivo uma reser-
vas livres no montante necessário va indisponível de montante igual,
para o pagamento a efetuar pela so- pretendendo-se com isto evitar a
ciedade e ainda a criação da reserva criação de ativos fictícios. Na vigência
presente no artigo 324.º, n.º 1 al. b), do Plano Oficial de Contas (doravan-
74
do CSC . A existir estes valores, não te POC) vigente à altura da aprova-
se criaria um ativo fictício, garan- ção do CSC – vigorava o POC aprova-
tindo-se, tal como subjacente à ratio do pelo Decreto-lei n.º 47/77, de 7 de
da norma, a tutela do capital social, Fevereiro – as ações próprias eram

73
Cfr. MARGARIDA COSTA ANDRADE, Anotação ao artigo 316.º, cit., p. 427.
74
Cfr. RAÚL VENTURA, Estudos vários sobre sociedades anónimas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, cit., pp. 368-369.
75
Cfr. MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 265.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

inscritas no ativo do balanço da sociedade ad- sidade da constituição da reserva legal “desa-
quirente, razão pela qual o artigo 324.º, n.º 1 parece também a necessidade desse dobro”78.
al. b), do CSC exige que enquanto as ações per- Assim, a segunda parte do artigo 317.º, n.º 4,
tencerem à sociedade, esta deva tornar indis- pugna, na visão destes autores, por uma in-
ponível uma reserva de montante igual àque- terpretação corretiva79.
le por que elas estejam contabilizadas, sendo Contudo, e à semelhança do que escreve
que a imposição decorrente do artigo 317.º, MIGUEL BRITO BASTOS, “as normas decor-
n.º 4, do CSC, segunda parte se destina clara- rentes dos preceitos citados continuam em vi-
mente a permitir a constituição desta reser- gor, não dando os seus enunciados absoluta-
va. Contudo, desde a aprovação do novo POC mente qualquer margem para interpretações
(pelo Decreto-lei n.º 238/91, de 2 de Março), o que deles não retirem as imposições referidas
valor das ações próprias passou a ser contabi- (cfr. artigo 9.º, n.º 2 CC)” sendo que, continua,
lizado como passivo da sociedade. Será, deste “ainda que a solução legal possa não ser a de-
modo, possível dizer que a Segunda Diretiva sejável, não há interpretação possível se não
não exige a manutenção do artigo 324.º, n.º a de entender que a contrapartida da aquisi-
1 al. b), do CSC, e, consequentemente, da se- ção de acções próprias não pode ser superior
gunda parte do artigo 317.º, n.º 4, do CSC. a metade do valor dos bens distribuíveis nos
Neste sentido, CARLOS OSÓRIO DE CASTRO76 termos dos artigos 32.º e 33.º CSC”80.
na esteira de COUTINHO DE ABREU77, susten- Desta feita, mantendo-se a norma em vi-
ta que a partir do momento da entrada em vi- gor, a aplicação analógica deste preceito aos
gor do novo POC se extinguiram as exigências contratos derivados, tanto de liquidação física
dos artigos 324.º, n.º 1 al. b), e 317.º, n.º 4, se- como de liquidação financeira, serão as mes-
gunda parte do CSC. Desaparecendo a neces- mas acima apontadas. Para lá remetemos. l

76
Cfr. CARLOS OSÓRIO DE CASTRO, A contrapartida da aquisição de acções próprias, in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1988, pp. 249 e ss.
77
Cfr. JORGE COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, II, Coimbra, 2007, pp. 390-391.
78
Cfr. RAÚL VENTURA, Estudos vários sobre sociedades anónimas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 396.
79
Neste sentido, CARLOS OSÓRIO DE CASTRO, A contrapartida da aquisição de acções próprias, cit., p. 270; COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, cit., p. 392; MARGARIDA COSTA ANDRADE,

Anotação ao artigo 316.º, cit., p. 427. Contra este entendimento, MIGUEL BRITO BASTOS, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias pelas sociedades anónimas”, cit., p. 194, n. 22, que,

apesar de criticamente, refere que “as normas decorrentes dos preceitos citados continuam em vigor, não dando os seus enunciados absolutamente qualquer margem para interpretações que deles

não retirem as imposições referidas (cfr. artigo 9.º, n.º 2 CC)” sendo que, continua, “ainda que a solução legal possa não ser a desejável, não há interpretação possível se não a de entender que a con-

trapartida da aquisição de acções próprias não pode ser superior a metade do valor dos bens distribuíveis nos termos dos artigos 32.º e 33.º CSC”; ainda JOÃO LABAREDA, Das ações das sociedades

anónimas, Lisboa, 1988, p. 89; PEDRO DE ALBUQUERQUE, Anotação ao artigo 317.º, in Código das sociedades comerciais anotado, coord., António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2022, p. 1091. E

ainda MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 179 e 182, que embora não questione a aplicabilidade desta norma,

sempre conclui dizendo “apenas podemos afirmar que, sem necessidade que o justifique, o legislador pretendeu dificultar a aquisição neste ponto, originalidade criticável que não tem paralelo em

nenhuma das legislações por nós estudadas, mesmo as mais restritivas”.


80
Cfr. MIGUEL BRITO BASTOS, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias pelas sociedades anónimas”, cit., p. 194, n. 22.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

7. O LIMITE DE 10% IMPOSTO PELO ARTIGO 317.º,


N.º 2, DO CSC

P
or fim, cumpre analisar o disposto no afirmativo, à aplicação analógica,
artigo 317.º, n.º 2, do CSC, relativo à mutatis mutandis, desta norma a estes
imposição de um limite de 10% para a contratos.
aquisição de ações próprias.
Segundo o artigo 317.º, n.º 2, do 7.1 A suscetibilidade de aplicação
CSC, a sociedade não poderá adquirir analógica da norma constante
ou deter ações próprias representa- do artigo 317.º, n.º 2, do CSC
tivas de mais de 10% do seu capital, aos contratos derivados de
constituindo, assim, o primeiro limi- liquidação física
te quantitativo à aquisição de ações
próprias pela sociedade. Também No que concerne aos contratos de op-
aqui, à semelhança das considerações ção de liquidação física, havendo, no
tecidas a propósito do artigo 319.º, n.º momento do exercício da opção, a
1, do CSC, a ratio subjacente ao artigo transmissão das participações so-
317.º, n.º 2, do CSC, se prende com o ciais, a priori, poder-se-ia pensar que
facto de a aquisição de ações próprias a razão justificativa do artigo 317.º,
provocar uma modificação do equilí- n.º 2, do CSC, procederia já que, se
brio interno da sociedade, através da com o exercício da opção se procede
alteração da correlação de forças en- à transmissibilidade das ações, a so-
tre os diversos grupos de acionistas. ciedade deteria estas mesmas ações,
Estabelecendo-se um limite máximo suspendendo-se os direitos inerentes
para o volume permitido de autocar- às mesmas, provocando-se uma mo-
teira, mais contidos se apresentam dificação no equilíbrio interno da so-
os efeitos desta operação no plano da ciedade. E de facto, é isto que sucede:
organização societária. a partir do momento do exercício da
No caso de um contrato derivado opção, haverá efetivamente a trans-
sobre ações próprias, cumpre apurar missão das participações sociais, mo-
se a razão justificativa subjacente à dificando-se a correlação de forças
norma constante do artigo 317.º, n.º entre os diversos grupos de acionis-
2, do CSC, que impõe um limite máxi- tas. A razão justificativa subjacente
mo de aquisição de detenção de 10% ao artigo 317.º, n.º 2, do CSC proce-
das ações da sociedade pela mesma, de nestes casos, sendo de se aplicar,
procede ou não, levando, em caso por analogia, mutatis mutandis, esta

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

norma, aos contratos de opção de liquidação tine à sociedade, num contrato de put option
física. onde se atribua à contraparte da sociedade o
Mas o mesmo raciocínio que se fez aquan- direito potestativo de exercício de uma opção,
do da análise do artigo 319.º, n.º 1, do CSC, não vai ser a este ato que se aplicará por ana-
deve ser feito aqui. A aplicação analógica da logia o disposto neste artigo. Contudo, a cele-
norma constante deste preceito não será feita bração do próprio contrato de opção colocou já
ao mesmo ato ou negócio, consoante se trate, a sociedade numa posição de sujeição em que,
mais uma vez, de uma call option ou de uma exercida a opção, estará obrigada à compra das
put option. referidas ações. Daqui resulta que nos casos de
Atendendo mais uma vez ao critério do put options, não é o momento do exercício da
controlo da aquisição81, impor-se-á a seguin- opção que fará espoletar a aplicação analógica
te solução: da norma constante do artigo 317.º, n.º 2, do
Antes de mais, a proibição constante do CSC, mas sim a celebração do próprio contrato
artigo 317.º, n.º 2, do CSC é uma proibição di- de opção. Nos casos das put options, como vi-
rigida à sociedade e não a um terceiro que com mos, a sociedade, no momento do exercício da
ela contrate82. Na medida em que a razão jus- opção, já se encontrará vinculada à obrigação
tificativa subjacente a esta norma se pren- de adquirir aquelas ações, desde o momento
de com uma aquisição, por parte da socieda- em que emitiu a sua declaração negocial.
de, das suas próprias ações, que modificaria Já nos casos em que seja celebrado um con-
o equilíbrio interno de forças entre os dife- trato de call option, onde se atribua à sociedade
rentes grupos de acionistas, a mesma já não o direito potestativo de exercer a opção, a de-
procederá quando caiba a um terceiro a pos- claração negocial emitida pela sociedade diri-
sibilidade de, de acordo com um seu direito, gida à transmissão da titularidade das ações,
alterar esta mesma estrutura interna. Aliás, apenas ocorrerá se e quando a sociedade deci-
assim o demonstra a própria responsabilida- dir exercer a opção. Assim, a sociedade não se
de dos administradores, cominada no artigo encontra vinculada desde a celebração do con-
323.º, n.º 4, do CSC, onde se prevê a respon- trato de opção, mas sim a partir do momen-
sabilidade pelos prejuízos sofridos pela socie- to em que decidir exercer, produzindo os seus
dade, os seus credores ou terceiros por cau- efeitos, a opção: só aqui, tendo em conta o cri-
sa da aquisição ilícita de ações, da anulação tério do controlo da aquisição é a que a socieda-
de ações prescritas nesse artigo ou da falta de de ficará vinculada a adquirir as suas próprias
83
anulação delas . Não prevendo a norma cons- ações e não num momento anterior84. A sindi-
tante do artigo 317.º, n.º 2, do CSC, um limite cância do momento relevante para a aplicação
de 10% para os casos em que esta não se des- do limite constante do artigo 317.º, n.º 2, do

81
Cfr. JÜRGEN OECHSLER, Die Änderung der Kapitalrichtlinie und der Rückerwerb eigener Aktien, cit., p. 78.
82
Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, II, cit., pp. 675 e ss.; MARGARIDA COSTA ANDRADE, Código das Sociedades Comerciais em Comentário – Anotação ao artigo 316.º, cit,

p.418; MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., pp. 197 e ss.
83
Cfr. MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 305; MARGARIDA COSTA ANDRADE, Código das Sociedades Comerciais

em Comentário – Anotação ao artigo 316.º, cit, p. 464.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

CSC não será já o da celebração do contrato de não se coloca, não havendo, assim, a aplicação
opção, mas sim o ato mediante o qual se exerce analógica desta norma a este tipo de contratos.
a opção: é com a declaração negocial da socie-
dade no momento do ato de exercício da opção 7.3 A consequência da violação
que a sociedade se encontrará vinculada, pro- do limite de 10% imposto pelo artigo 317.º,
duzindo-se os efeitos deste exercício que con- n.º 2, do CSC
sistem na transmissão negocial da titularidade
das ações para a esfera da sociedade. Por fim, De acordo com o artigo 21.º da Segunda Diretiva
quando se trate da celebração de um contrato “as ações adquiridas com violação dos artigos
de swap ou futuro, o momento relevante será 19.º e 20.º devem ser alienadas no prazo de um
o da própria celebração do contrato dado que ano a contar da data da sua aquisição. Se não
é com a celebração que as partes se vinculam forem alienadas nesse prazo, aplicar-se-á o n.º
mediante a sua declaração negocial a comprar 3 do artigo 20.º”. Transposta esta solução para
ou vender as ações. a legislação nacional, o legislador consagrou,
no artigo 323.º, n.º 2, do CSC que “as ações ili-
7.2 A suscetibilidade de aplicação citamente adquiridas pela sociedade devem ser
analógica da norma constante do artigo alienadas dentro do ano seguinte à aquisição,
317.º, n.º 2, do CSC aos contratos derivados quando a lei não decretar a nulidade desta”.
de liquidação financeira As normas que estabelecem limites à aqui-
sição de ações próprias proíbem determina-
Quanto aos contratos derivados de liquidação dos comportamentos: a celebração de atos
financeira, retomando as considerações fei- aquisitivos de ações próprias – tendo, deste
tas aquando da análise do artigo 319.º, n.º 1, modo, carácter injuntivo. Desta forma, à par-
do CSC, a questão é de simples resolução: sen- tida, a regra geral no ordenamento jurídico
do os contratos derivados de liquidação finan- português é a de que quando a celebração de
ceira, contratos que se caracterizam por não um negócio jurídico atenta contra uma nor-
haver a transmissão das participações sociais ma injuntiva, esse negócio será nulo (artigo
para a esfera da sociedade, a razão justificati- 294.º do CC). Contudo, aquilo que decorre do
va do artigo 317.º, n.º 2, do CSC não procede, na artigo 323.º, n.º 2, do CSC, ao cominar o de-
medida em que, apenas existindo o pagamento ver de alienar as ações que foram adquiridas,
de um diferencial, não existe qualquer modifi- não é a nulidade do negócio aquisitivo dessas
cação do equilíbrio interno da sociedade, atra- ações. Como nota MIGUEL BRITO BASTOS, “ao
vés da alteração da correlação de forças entre cominar o dever de alienar as acções adquiri-
os diversos grupos de acionistas. Desta forma, das [o art. 323.º, n.º 2 CSC] pressupõe, natu-
quanto aos contratos de opção de liquidação fi- ralmente, que a sociedade seja sua titular, ou
nanceira, a questão relativa à imposição do li- seja, que o efeito translativo pretendido com
mite de 10% para a aquisição de ações próprias a celebração do negócio aquisitivo se haja

84
Cfr. JÜRGEN OECHSLER, Die Änderung der Kapitalrichtlinie und der Rückerwerb eigener Aktien, cit., p. 78; ver ainda NORBERT WIEDERHOLT, Rückkauf eigener Aktien (§71 AktG) unter einsatz von Derivaten,

cit., p. 65.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DERIVADOS SOBRE AÇÕES PRÓPRIAS

verificado. Ao pressupor a eficácia do negócio do essa aquisição é ilícita, é assim qualificada


jurídico aquisitivo, a norma em questão afas- como irregular, de onde resulta que, não sen-
ta, portanto, o desvalor da nulidade, quebran- do prejudicada a eficácia do contrato, serão,
do, assim – como diz DOLMETTA – “o binó- no entanto, cominados à sociedade deveres
mio violação de lei injuntiva-nulidade””85. cujo cumprimento anula os efeitos indeseja-
Consequentemente, “o desvalor dos negócios dos da aquisição de ações próprias: a aliena-
jurídicos aquisitivos de ações próprias quan- ção das ações adquiridas”86. l

85
Cfr. MIGUEL BRITO BASTOS, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias pelas sociedades anónimas”, cit., p. 197. Da mesma forma, RAÚL VENTURA, Estudos vários sobre sociedades

anónimas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 384, afirma que “[…] é de elementar lógica que, sendo as acções licitamente detidas durante um ano e devendo ser alienadas, sob

pena de serem anuladas, o acto da sua aquisição é válido, pois se fosse nulo, a sociedade não as teria adquirido, não poderia possuí-las nem aliená-las e a anulação seria despropositada”. Ainda, no

mesmo sentido FRANCESCO CARBONETTI, L’acquisto di azioni proprie, cit., p. 105; JOSÉ CARLOS VAZQUEZ CUETO, Regime jurídico de la autocartera, cit., p. 390; e ainda MARIA VICTÓRIA RODRIGUES VAZ

FERREIRA DA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código das Sociedades Comerciais, cit., p. 277.
86
Cfr. MIGUEL BRITO BASTOS, “As consequências da aquisição ilícita de acções próprias pelas sociedades anónimas”, cit., p. 197.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A INDEPENDÊNCIA
DOS AUDITORES

ALEXANDRE BRANDÃO DA VEIGA*

*CMVM. As opiniões expressas neste texto são as do autor, não vinculando a CMVM.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

ÍNDICE

A. PREMISSAS GERAIS E. A CONFIGURAÇÃO NORMATIVA


B. RESENHA HISTÓRICA DA INDEPENDÊNCIA
C. REGIMES PARALELOS E.1. Os bens jurídicos
C.1. Responsabilidade a) Âmbito
C.2. Competência b) Tipo de perigo
C.3. Adequação a normas c) A dimensão temporal dos interesses
C.4. Reputação E.2. A estrutura das condutas
C.5. Objectividade a) Âmbito
C.6. Cepticismo profissional b) Autores e comparticipantes
C.7. Qualidade do trabalho c) Acção e omissão

D. REGIMES DE SEGURANÇA F. OS EFEITOS


D.1. Controlo
a) Segundo a natureza do controlador G. REGIMES ESPECIAIS
b) Segundo a função G.1. Âmbito
c) Segundo a estrutura da conduta G.2. Controlos
d) Segundo a fenomenologia da auditoria G.3. Incompatibilidades
D.2. Incompatibilidades G.4. Benefícios
a) Âmbito de aplicação G.5. Contratação
b) Os círculos do auditor e do auditado G.6. Limites temporais
c) Tipos de incompatibilidades G.7. Bens jurídicos.
D.3. Benefícios G.8. Estrutura das condutas
a) Honorários G.9. Efeitos
c) Ofertas
d) Serviços distintos de auditoria H. CONCLUSÕES
D.4. Contratação
D.5. Limites temporais

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

SIGLAS:

1
1) Cd.VM – Código dos Valores Mobiliários ; 8) I SCQ - Normas Internacionais de Controlo de
7
2) CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários; Qualidade ,actualmente de qualidade de gestão
2 8 9
3) CSC – Código das Sociedades Comerciais ; ISQM 1 e ISQM 2 ;
3 10
4) DA - Directiva da Auditoria ; 9) REA – Regulamento Europeu da Auditoria ;
4
5) EIP – Entidades de interesse público ; 10) ROC – Revisor Oficial de Contas;
11
6) EOROC – Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais 11) RJSA – Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria ;
5
de Contas ; 12) SROC – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.
6
7) ISA – Normas Internacionais de Auditoria ;

1
Aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13 de Novembro ::: DL n.º 486/99, de 13 de Novembro (pgdlisboa.pt).
2
::: DL n.º 262/86, de 02 de Setembro (pgdlisboa.pt).
3
DIRECTIVA 2006/43/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 17 de Maio de 2006, relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas, que altera as Directivas 78/660/CEE e 83/349/CEE

do Conselho e que revoga a Directiva 84/253/CEE do Conselho EUR-Lex - 02006L0043-20140616 - EN - EUR-Lex (europa.eu).
4
Definidas no 3º RJSA «Artigo 3.º Entidades de interesse público Para efeitos do presente regime jurídico e do Regulamento (UE) n.º 537/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014,

são qualificadas como entidade de interesse público as seguintes entidades: | a) Os emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado situado ou a funcionar em

Portugal; | b) As instituições de crédito; | c) (Revogada.) | d) (Revogada.) | e) (Revogada.) | f) (Revogada.) | g) (Revogada.) | h) As empresas de seguros e de resseguros; | i) As entidades cuja atividade principal

consiste na aquisição de participações sociais com maioria de direitos de voto em instituições de crédito; | j) As sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de

participação de seguros mistas; | k) Os fundos de pensões que financiam um regime especial de segurança social, nos termos dos artigos 53.º e 103.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro; | l) (Revogada).»

De acordo com o REA: «Artigo 3.o Definições Para efeitos do presente regulamento, são aplicáveis as definições constantes do artigo 2.o da Diretiva 2006/43/CE, com exceção do termo «autoridade com-

petente» previsto no artigo 20.o do presente regulamento.»

O artigo 2º da Directiva da Auditoria reza: «13. «Entidades de interesse público»: | a) Entidades regidas pelo direito de um Estado-Membro, cujos valores mobiliários são admitidos à negociação num

mercado regulamentado de qualquer Estado-Membro na aceção do artigo 4.o, n.º 1, ponto 14, da Diretiva 2004/39/CE; | b) Instituições de crédito, tal como definidas no artigo 3.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva

2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho ( 17 ), que não as referidas no artigo 2.o dessa diretiva; | c) Empresas de seguros, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 91/674/CEE do Conselho; ou | d)

Entidades designadas pelos Estados-Membros como entidades de interesse público, por exemplo, entidades de relevância pública significativa em razão da natureza das suas atividades, da sua dimensão

ou do seu número de trabalhadores».


5
Aprovado pela Lei nº 140/2015, de 7 de Setembro ::: Lei n.º 140/2015, de 07 de Setembro (pgdlisboa.pt).
6
Para a versão em inglês ver International Standard on Auditing Standards & Pronouncements | IFAC (iaasb.org). A versão nacional consultada foi a portuguesa distribuída pela OROC.
7
Para a versão em inglês ver INTERNATIONAL STANDARD ON QUALITY CONTROL Microsoft Word - A007 2010 IAASB Handbook ISQC 1 (ifac.org). A versão consultada foi a portuguesa distribuída pela OROC.
8
International Standard on Quality Management (ISQM) 1, Quality Management for Firms that Perform Audits or Reviews of Financial Statements, or Other Assurance or Related Services

Engagements | IFAC (iaasb.org).


9
IAASB-Quality-Management-ISQM-2-Engagement-Quality-Reviews.pdf (ifac.org).
10
Regulamento (UE) N.º 537/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho - de 16 de Abril de 2014 REGULAMENTO (UE) N.o 537/•2014 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO - de 16 de abril de 2014

- relativo aos requisitos específicos para a revisão legal de contas das entidades de interesse público e que revoga a Decisão 2005/•909/•CE da Comissão - TÍTULO ITÍTULO IITÍTULO IIITÍTULO

IVCAPÍTULO ICAPÍTULO IICAPÍTULO IIICAPÍTULO IV (europa.eu).


11
Aprovado pela Lei nº 148/2015, de 9 de Setembro ::: Lei n.º 148/2015, de 09 de Setembro (pgdlisboa.pt).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A. PREMISSAS GERAIS

P
ara compreendermos a independên- um conjunto cumulativo de deveres
cia dos auditores devemos partir de aos auditores, e é do seu conjunto que
premissas gerais que serão a base do se pode perceber o sentido da regula-
seu estudo mais aprofundado. ção. Um estudo poderia ter por centro
A primeira força-nos a reconhe- a objectividade, ou o cepticismo pro-
cer que há dois erros que são igual- fissional. Seria igualmente legítimo,
mente críticos para a compreensão e reverteria os papéis. O que é aqui a
de qualquer figura: diluí-la na sua figura central, a independência, se-
banalidade, como uma figura entre ria naturalmente nesse estudo figura
outras, ou considerá-la apenas na paralela.
sua especialidade, esquecendo o que A terceira é a de que a indepen-
tem de comum com outras. A inde- dência não é um princípio isolado. O
pendência dos auditores tem contor- legislador não se basta em criar re-
nos específicos, mas muitos dos seus gras de independência. Cria regras
desenvolvimentos têm paralelos em de segurança, de protecção da mes-
figuras como os impedimentos da ma. Controlos, incompatibilidades,
Administração Pública ou magistra- regras sobre benefícios, em regi-
dos, e mais em geral a ideia de impar- mes especiais mesmo limites tempo-
cialidade12 i. Por isso, não podemos rais peremptórios para os manda-
afastar a hipótese de haver elementos tos. Todos eles são usados como
destes regimes, ou do seu desenvol- regimes de protecção instrumental
vimento periférico, que nos possam da independênciaiii.
ii
ser úteis nesta sede . A quarta é a de que os auditores
A segunda é a de que a indepen- exercem funções de interesse públi-
dência é neste estudo o centro da co. A DA deixa-o bastamente claroiv.
atenção, mas não tem um privilégio O REA igualmentev. No EOROCvi exis-
hierárquico no regime. O Direito impõe tindo mesmo uma secção dedicada

12
Repare-se que a imparcialidade tem significado e âmbitos muito diferentes consoante se fala de imparcialidade da Administração Pública, de um magistrado

do Ministério Público ou de um juiz. Não é a sua variação de significados que impede um tronco comum. Da mesma forma, não é por a independência ser algo de

inequivocamente diverso da imparcialidade que não pode com ela ser cotejada.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

à matéria («CAPÍTULO III Âmbito de atua- iv) e que é aplicável ao EOROC, salvo disposi-
ção dos revisores oficiais de contas, SECÇÃO ção em contrário (191º-A EOROC).
I Funções, SUBSECÇÃO I Funções de interes- A quinta é a de que a independência é uma
se público») (artigos 41º a 47º) e sendo defi- figura negativa. Como o seu contraponto, a
nidas as funções que não de interesse públi- imparcialidade, caracteriza-se pela negação.
co (48º)vii, os deveres no âmbito das funções A dimensão positiva é a tutela de bens públi-
de interesse público (52º), a formação con- cos. Tanto a in-dependência como a im-par-
tratual (53º/2), os deveres de reporte à OROC cialidade visam afastar algo, a dependência, a
(55º, 57º), os honorários (59º), o controlo de parcialidade. Algo que afastam como perigo
qualidade pela OROC (69º/2), a organização para o interesse público que visam defender.
do trabalho (75º/4, 10), o prazo de conserva- A sexta é que a independência aparece
ção de documentos (76º), a referência obri- como conceito caracterizador de uma deter-
gatória a registo na CMVM (82º/3), o segredo minada espécie de auditoresxi. Historicamente
profissional (84º/6), a responsabilidade civil existem auditores internos, no sentido em que
(115º, 136º, 137º), a aplicabilidade do regime fazem parte da tecnoestrutura dos auditados15,
aos sócios de SROC não revisores oficiais de externos, no sentido em que estão completa-
contas (118º/6), a assinatura dos documentos mente fora, seja da tecnoestrutura, seja dos
(128º), a comunicação de liquidação da SROC órgãos do auditado16, e um terceiro tipo, que
(143º/2), o registo na CMVM (147º/3, 4), o re- por enquanto não nominamos, que pode es-
gime de estágio (159º/5), a suspensão de re- tar ou não dentro de órgãos do auditado, mas
gisto (166º), a comunicação da OROC (186º), não em qualquer caso na sua tecnoestrutura. É
o dever de denúncia de crimes pela OROC a este terceiro tipo que se chama de auditores
(190º). independentes, ou por antonomásia, auditores
No RJSA acolhe-se uma definição formal (1 ISA 200)xii. Isto não significa que existe uma
de funções de interesse público13, que tem im- relação hierárquica entre este princípio da in-
pacto na definição de atribuições da CMVM dependência e os restantes, mas indica-nos
(4º/2/a)viii, no registo junto da CMVM (6º)ix, na que a independência é o centro de gravidade
finalidade do registo (8º)14 x, no registo de enti- do seu regime. É por serem caracterizados por
dade de auditoria de Estado-membro (15º/2), esta marca negativa, por não estarem depen-
no controlo de qualidade pela CMVM (40º/2, dentes de outro interesse que o público, que
41º/1/e), nas contra-ordenações (45º/2, 3/a/ podem ser chamados de auditores no pleno

13
«Artigo 2.º Definições 1 - Para efeitos do disposto no presente regime jurídico, entende-se por: (…) j) «Funções de interesse público»: | i) Aquelas em que é prevista, em lei ou regulamento, nacional ou da

União Europeia, a intervenção obrigatória ou facultativa de auditor; | ii) A auditoria às contas».


14
«Artigo 8.º Finalidades do registo | O registo na CMVM nos termos do presente regime jurídico tem como finalidade assegurar o controlo prévio dos requisitos para o exercício de funções de interesse

público e permitir a organização da supervisão.»


15
4 ISA 610: «4. Independentemente do grau de autonomia e objectividade da função de auditoria interna, tal função não é independente da entidade, como se exige do auditor externo quando expressa

uma opinião sobre as demonstrações financeiras. O auditor externo tem a responsabilidade exclusiva pela opinião de auditoria que expressa, responsabilidade essa que não é reduzida pelo facto de usar

o trabalho dos auditores internos.» Ver, na versão em inglês revista os 16, 27, 28 ISA 610.
16
Era a figura consagrada nos artigos 100º, 341º/1/d, 2/c, 342º/6, 578º/1/e, 605º/1/e do Código do Mercado dos Valores Mobiliários Decreto-Lei n.º 142-A/91 | DRE.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

sentido: são organicamente independentes, gera um dilema: ou trabalhamos só com a ver-


funcionalmente independentes, devem por são portuguesa, mais perceptível para lusófo-
isso actuar de forma independente17 xiii. nos, e com conceitos mais facilmente cotejá-
A sétima dimensão a ter em conta é a da veis com os das fontes nacionais, mas com o
diversidade das fontes. Que haja fontes eu- risco de estarem desactualizadas, ou traba-
ropeias (DA, REA) e nacionais (RJSA, EOROC, lhamos com as versões inglesas e corremos
CD.VM) é hoje em dia trivial. Mas no caso inter- os riscos inversos. A opção foi a de trabalhar
vêm também as normas internacionais de au- com as fontes em língua portuguesa e só re-
ditoria que, por força do artigo 45º/9 EOROC, ferir a versão inglesa quando disso vinha pro-
por opção do legislador nacional, se aplicam veito inequívoco para a economia deste es-
todas directamente em Portugal, mesmo que tudo. A tradução portuguesa utilizada é a das
não haja norma europeia que as acolha. ISA que entraram em vigor em 2009, tendo
Isto tem quatro implicações de monta. sido objecto de revisão posterior as ISA 22018,
Ao contrário das normas europeias, em 60019, 61020, 70021, 80022, 80523 e 81024, pen-
que a sequência das versões normativas segue sando apenas nas ISA com algum impacto na
os padrões públicos normais, as várias versões independência, e independentemente de te-
das ISA não são indexadas sequencialmente. rem tido tradução portuguesa posteriorxiv.
Por exemplo o RJSA é um só e as suas várias Especial problema coloca o ISQC 1 em con-
versões são aprovadas por diplomas cada um fronto com o ISQM 1. Este último, aprovado em
com o seu número sequencial. As várias ver- Dezembro de 2020, vem substituir o primeiro
sões das ISA são datadas, é certo, mas a sua . Também aqui podia adoptar-se como solu-
fonte não tem identificação sequencial. ção esquecer o ISQC 125. Mas mantive a refe-
A segunda implicação é a de que, ao con- rência a ambos os documentos por várias ra-
trário dos diplomas europeus, que são publi- zões. O ISQC 1 está aculturado há muitos anos
cados em simultâneo nas várias línguas ofi- entre os auditores. Torna-se, assim, mais fá-
ciais da União, as ISA são divulgadas na versão cil de reconhecer as normas, e, por outro lado,
inglesa e só posteriormente são traduzidas, e evita a escusa da novidade. Quando um auditor
mesmo assim não a um ritmo uniforme. Isto pretendesse invocar a novidade do regime (e

17
Antecipando uma objecção meramente verbal: qualifico um auditor como independente e depois digo que deve ser independente, parecendo que caio em paralogismo. É simples a solução. Uma

coisa é a tipologia: chama-se, denomina-se, como independente o auditor que a lei espera que seja independente. Outra o regime das consequências jurídicas: por isso, tem o dever de ser indepen-

dente, esteja ou não integrado em órgãos da entidade.


18
Com relevância para a independência ver na versão inglesa as seguintes normas da ISA 220: 16, 17, 18, 19, 20, 21, 41, A6, A13, A20, A24, A38, A40, A43, A44, A48.
19
Com relevância para a independência ver na versão inglesa as seguintes normas da ISA 600: 25, 27, 45, A59, A69, A70, A144, Appendix 1, Appendix 3.
20
Com relevância para a independência ver na versão inglesa as seguintes normas da ISA 610: 11, 34, A30, A39, A40.
21
Com relevância para a independência ver na versão inglesa as seguintes normas da ISA 700: 21, 28, 39, 49, A15, A30, A31, A33, A34, Appendix.
22
Com relevância para a independência ver na versão inglesa as seguintes normas da ISA 800: A9, Appendix.
23
Com relevância para a independência ver na versão inglesa as seguintes normas da ISA 805: A5, Appendix 2.
24
Com relevância para a independência ver na versão inglesa as seguintes normas da ISA 810: 16, A17.
25
Para a independência ver no ISQM 1 as seguintes normas: 22, 22, 29, 34, A29, A35, A36, A62, A64, A65, A66, A99, A112, A113, A118, A126, A204.

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já sabemos que este argumento em geral vale ISQC 1), c) e as ISA. Quando em acréscimo es-
bem pouco), sempre se pode argumentar que tas são a EIP, aplica-se igualmente um quarto
é apenas a continuação de regime bem mais tipo de diploma, o REA. Quando não estamos
antigo. Mas há outro fundamento que nos leva perante demonstrações financeiras, quando
a manter o cotejo. O ISQM 1 prova que a ten- não há funções de interesse público, aplica-
dência não é a de facilitar o regime, mas, bem -se o EOROC, e aplica-se, quando elas estão a
pelo contrário, de o reforçar, reconhecendo ser exercidas, em acréscimo a DA, o RJSA e o
em acréscimo o papel das tecnologias da in- ISQM 1, ou o REA, mas as ISA continuam a ter
formação no trabalho do auditor, que facili- um papel integrador dos deveres gerais. Ou
tam o tratamento da informação, e permitem seja, quando há funções de interesse público
por isso o tratamento de dados bem mais nu- que não a auditoria às contas, embora não se
merosos e muito mais rigor na apreciação de apliquem directamente as ISA, estas podem
riscos. As referências ao ISQM 2 apenas mos- ter um papel integrador dos deveres geraisxvii.
tram como houve reforço de regras de segu- O problema dos concursos não termina
rança26 xvi. nestas considerações. Como veremos ao lon-
A terceira implicação é a de que existem go do presente estudo há concursos com regi-
concursos de normas que resultam desta va- mes paralelos e com regimes de segurança da
riedade de fontes. Em termos simples: mais variada natureza. Temos de estudar cada
a) O EOROC abrange todas as actividades dos um deles para verificar se se trata de concur-
auditores, mesmo as que não são de inte- sos aparentes ou efectivos.
resse público. A quarta implicação é que temos de traba-
b) A DA e o RJSA (da mesma forma, o ISQC 127 lhar com técnicas de redacção anglo-america-
e actualmente o ISQM 128) abrangem ape- nas, com os problemas consabidos e que me-
nas funções de interesse público, abran- recerão referência ao longo deste estudoxviii.
gendo o RJSA todas elas. A análise das fontes mostra alguns aspec-
c) O REA abrange apenas as funções de inte- tos que não são em geral ressaltados. Umas
resse público junto de EIP. ISA referem a independência, nem que seja la-
d) As ISA abrangem apenas as auditorias a teralmente (por exemplo, quando o Apêndice
demonstrações financeiras, mesmo que 2 da ISA 240 refere auditores «independen-
xix
com finalidade delimitada. tes») . Mas nem todas as ISA referem a in-
Quando estamos perante auditoria a de- dependência. Não podemos ter a esperança de
monstrações financeiras temos pois três ti- encontrar critérios uniformes que tenham le-
pos de diplomas que intervêm: a) o EOROC, b) vado à presença ou à ausência da figura da in-
a DA, o RJSA e actualmente o ISQM 1 (antes o dependência. Seria pressupor um espírito sis-

26
Para a independência ver no ISQM 2 as seguintes regras: 18, 20, 25, A11, A13, A44.
27
«1. Esta Norma Internacional de Controlo de Qualidade (ISQC) aborda as responsabilidades de uma firma pelo seu sistema de controlo de qualidade para auditorias e revisões de demonstrações financei-

ras e para outros trabalhos de garantia de fiabilidade e serviços relacionados.»


28
International Standard on Quality Management (ISQM) 1, Quality Management for Firms that Perform Audits or Reviews of Financial Statements, or Other Assurance or Related Services

Engagements | IFAC (iaasb.org).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

temático que nem sempre guia a elaboração trativa dos mesmos.


destas normas. Mas encontram-se algumas Não ajuda igualmente neste cenário o fac-
linhas de força. A independência aparece so- to de as normas partirem de um ambiente an-
bretudo em ISA que se referem a: glo-americano. Com todos os méritos des-
a) Enquadramento geral (ISA 200, ISA 220); ta família de Direito, nomeadamente o da sua
b) relações com outras pessoas, seja no au- plasticidade, não têm, salvo alguma influên-
ditado, os seus agentes, gestão, peritos, cia continental europeia, a tradição da redac-
auditores internos (ISA 210, ISA 260, ISA ção acusmática das normas. Estas tendem por
610, ISA 620), subcontratados (ISA 402), isso a ser prolixas, rebarbativas, cheias de de-
auditores de componentes (de grupos so- finições circulares, inconsistentes sob o ponto
cietários, sobretudo) (ISA 600); de vista lógicoxxi.
c) ou aspectos críticos na elaboração da au- Mas podemos fazer forças destas fraque-
ditoria: fraude (ISA 240), planeamen- zas. Se a tendência tem sido para a exegese, a
to (ISA 300), prova (ISA 500), início de descrição, a desglosa, ou um discurso entre o
trabalhos (ISA 510), opinião e relato (ISA jurídico e o de gestão, algo de bom pode ser
700), auditorias especiais (ISA 800, ISA retirado deste contexto. Alguns trabalhos sem
805, ISA 810). pretensão jurídica podem, mesmo sem disso
Em oitavo lugar, temos de ter consciência ter consciência, revelar elementos importan-
que o Direito da Auditoria tem uma dogmática tes da independência. E assim contribuir para
incipiente. Durante décadas foi cultivado por a sua dogmática.
não juristas, que não tinham os instrumentos Finalmente, temos de ter em conta que a
metodológicos para lidar com sistemas, muito independência é um conceito indeterminado.
menos os sistemas abertos associados a con- A técnica de concretização é bem testada: em
ceitos indeterminados, ou com noções funda- sistema aberto recolher índices na periferia do
mentais da teoria dos bens jurídicos como os sistema, fazer redução tipológica e daí fazer a
de normas de aptidão e o seu típico comple- redução dogmática. A questão é que a periferia
mento, normas de segurança. do sistema neste caso não será tanto, como é
Mesmo quando cultivado por juristas, es- costume, obtida através de jurisprudência ju-
tes vêm em geral do Direito Privado, estando dicial, que no caso é pobre em ocorrênciasxxii,
por isso menos apetrechados para lidar com as mas das próprias ocorrências da independên-
implicações de Direito Público resultantes dos cia e das suas implicações, nomeadamente
novos regimes de auditoria. Penso, nomeada- nos regimes de segurança, nas várias fontes
mente nas dimensões infraccional e adminis- do instituto.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

B. RESENHA HISTÓRICA

E
scusado seria dizer que não se pre- çõesxxxii, nas incompatibilida-
tende descrever uma História, nem desxxxiii, no regime dos revisores
que sintética, dos vários regimes em europeusxxxiv.
matéria de auditoria. Apenas se ten- 4) Em 16 de Novembro de 1999, o
tam descrever os passos mais impor- Estatuto da Ordem dos Revisores
tantes, por forma a que se possa per- Oficiais de Contasxxxv é aprova-
ceber como a independência foi sendo do, e o dever de independência
configurada pelo legislador. é consagrado em 2008 no artigo
1) Em 3 de Janeiro de 1972 é consa- 68º-A.
grada a regulamentação das acti- 5) Em 15 de Novembro de 2000, a
vidades dos revisores oficiais de Comissão Europeia emite uma
contas e das sociedades de revi- Recomendação relativa ao con-
soresxxiii. Nesta, a independên- trolo de qualidade da revisão ofi-
cia aparece como preocupação no cial de contas na União Europeia:
preâmbulo , mas não é consagra- requisitos mínimosxxxvi.
da directamente no articulado, 6) Em 16 de Maio de 2002, a
embora esteja plasmada no regi- Comissão Europeia emite uma
me de incompatibilidades , e em Recomendação sobre a indepen-
parte no da diligência devidaxxvi. dência dos revisores oficiais de
2) Em 29 de Dezembro de 1979, é contas na UE: Um conjunto de
xxxvii
aprovado o Estatuto dos Revisores princípios fundamentais .
xxvii
Oficiais de Contas que logo no 7) Em 17 de Maio de 2006 a DA vem
seu preâmbulo salienta a preocu- dar nova ênfase à independência,
pação de independênciaxxviii, no na sua versão original e nas suas
exercício das suas funçõesxxix, e alterações subsequentes, tanto
nas incompatibilidadesxxx. no seu preâmbuloxxxviii quanto no
3) Em 30 de Dezembro de 1993, um articulado: na formação profis-
novo regime jurídico de revisores sional (8º)xxxix, é consagrado au-
oficiais de contas é aprovadoxxxi. tonomamente o princípio da in-
Embora não contenha um princí- dependência (22º)xl, bem como
pio geral de independência, esta um conjunto de regras de segu-
é critério rector em várias nor- rança, como as relativas à con-
mas: no exercício das suas fun- tratação pelas entidades audita-

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

das de antigos revisores oficiais de contas (39º/6/e).


ou de empregados de revisores oficiais de 8) Em 20 de Novembro de 2008, pelo
contas ou de sociedades de revisores ofi- Estatuto do CNSAxlii o registo dos audito-
ciais de contas (22º-A), à preparação para res no CNSA depende da sua independên-
a revisão legal de contas e avaliação das cia (16º/2/d)xliii, o controlo de qualidade
ameaças à independência (22º-B), à in- deve apreciá-la (20º)xliv, e consagra uma
dependência e objectividade dos revisores contra-ordenação de violação da inde-
oficiais de contas que realizam a revisão pendência (22º/1/a)xlv.
legal das contas por conta de sociedades 9) Em 7 de Setembro de 2015 o EOROC con-
de revisores oficiais de contas (24º), à or- sagra o princípio nos seus artigos 61º/2 e
ganização interna dos revisores oficiais de 71º.
contas e das sociedades de revisores ofi- 10) Em 9 de Setembro de 2015 o RJSA consagra
ciais de contas (24º-A), à organização do o sancionamento contra-ordenacional da
trabalho (24º-B), aos honorários (25º)xli, independência no seu artigo 45º.
aos princípios do sistema de controlo de Na perspectiva da independência, é a DA
qualidade (29º/1/f), à designação dos re- o momento de grande mudançaxlvi. As altera-
visores oficiais de contas ou das socieda- ções na lei portuguesa (seja no EOROC, seja
des de revisores oficiais de contas (37º/1, no Estatuto do CNSA, seja no RJSA) são a sua
2) e à fiscalização da independência dos consequência e a sua organização dentro do
auditores pelo comité de auditoria nas EIP Direito português. l

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

C. REGIMES PARALELOS

N
ão tem sentido exaurir todos os deve- Que as normas deverais substan-
res dos auditores. Muitos deles, em- tivas estejam no EOROC não nos pode
bora possam ter conexões longínquas causar estranheza. O RJSA tem uma
com a independência, não são prin- função protectiva em sede de super-
cípios substantivos, mas resultam de visão, sanção de um regime substan-
se integrarem numa Ordem e estarem tivo que se concentra no EOROC. Por
integrados num contexto social29. isso, embora alguns destes conceitos
Os artigos 61º/2, 74º/1 e 75º/1 se encontrem no RJSA, são consagra-
EOROC contém o elenco dos deveres dos sob o ponto de vista instrumental.
estruturantes dos auditores: É o caso da independência, da com-
a) Independência (61º/2, 74º/1, petência, que aparece sob a forma de
75º/1 EOROC; 14 ISA 200); qualificação técnica31; a adequação
b) Responsabilidade (61º/2 EOROC); a normas e a reputação têm paralelo
c) Competência (61º/2, 75º/1 EOROC); parcial na idoneidade32; a objectivi-
d) Adequação a normas (61º/2 dade33 e a qualidade34 são igualmente
EOROC); referidas.
e) Reputação (61º/2 EOROC);
f) Objectividade (74º/1 EOROC); C.1. Responsabilidade
g) Cepticismo profissional (70º
EOROC, 15 ISA 200xlvii) A responsabilidade (61º/2 EOROC)
h) Qualidade do trabalho (75º/1 não é definida pelo legislador.
EOROC). O primeiro significado que apa-

29
É o caso da urbanidade, do respeito dos colegas e da Ordem previstos no 61º/2 EOROC, mas também do de outros deveres instrumentais previstos nos artigos

62º a 69º EOROC.


30
No cancelamento ou suspensão do registo (13º/2 RJSA), registo de auditores e entidades de auditoria autorizadas a exercer a actividade de revisão de contas em

país terceiro (16º/2/c, 17º/1/g, 2/i, 3 RJSA), no controlo de qualidade (41º/1/e RJSA) nas contra-ordenações (45º/1/d RJSA).
31
No artigo 13º/2 RJSA.
32
No artigo 13º/2 RJSA.
33
No registo de auditores e entidades de auditoria autorizadas a exercer a actividade de revisão de contas em país terceiro (16º/1/c, 17º/1/g, 2/i, 3, RJSA).
34
Quanto à monitorização e ao controlo de qualidade e suas implicações (4º/2/b, 4/a, b, 16º/6, 17º/1/g, 2/i, 19º/1, 21º/3, 25º/7, 8, 27º/2, 4/d, 37º/3, 39º, 40º-43º, 44º/1/e,

j, 45º/3/a RJSA).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

rece na lei é o trivial de responsabilidade por ce bastamente no ISCQ 1 (29 vezes) nas ISA
factos ilícitos e seus desenvolvimentos. São (614 vezes) no sentido de funções, deveres. É
assim referidos o seguro de responsabilidade um caso mais em que a gíria técnica foi ver-
civil profissional (87º, 183º/2/d EOROC, nº 19 tida na lei, mas pouco acrescenta aos restan-
preâmbulo DA), a responsabilidade discipli- tes princípiosxlviii. Um auditor competente, ou
nar (92º-109º EOROC), a responsabilidade ci- seja, que produza valor, aja com adequação
vil (115º, 136º, 137º EOROC, 30º/2 DA), e res- a normas, objectividade, cepticismo e tenha
ponsabilidades em geral (178º/1 EOROC), bem qualidade do trabalho é responsável. A utiliza-
como a responsabilidade contra-ordenacional ção residual possível deste princípio seria de
(45º-50º RJSA, 30º/2, 30º-B/b DA). Nenhuma pretender consagrar uma atitude responsável.
destas referências nos permite desenhar um Mas a mera atitude num Estado de Direito não
princípio que destaque a profissão de auditor pode por si só conformar condutas. Por isso,
da actividade de qualquer outra pessoa. Estar acaba por se mostrar um princípio vazio sob o
sujeito a responsabilidade, civil, contra-orde- ponto de vista normativo.
nacional, ou mesmo disciplinar, não caracte-
riza nenhuma profissão em especial.
Noutros casos, o conceito de responsabi- C.2. Competência
lidade aparece próximo do seu sentido na ges-
tão, como de clara divisão / definição de res- A competência consta dos artigos 61º/2 e 75º/1
ponsabilidades: na revisão legal das contas EOROC.
consolidadas (46º/1/a EOROC, nº 15 de preâm- A competência e a independência são bens
bulo DA), na referência às responsabilidades diversos, mas podem-se cruzar. A competên-
do auditor perante a auditada (74º/4 in fine), cia é a capacidade de criar valor. Por isso po-
na responsabilidade pelo sistema de controlo dem dar-se várias situações:
de qualidade interno da SROC (74º/7 EOROC, a) Alguém muito competente, no sentido
24º-A/1/g DA), no dever de conservação que que tem muito conhecimentos e capa-
(76º/2/b EOROC), na subcontratação (24º-A/1 cidade de os aplicar, e o fez efectivamen-
DA), nas informações prestadas às autorida- te35, deixa-se seguir por interesses diver-
des competentes pertinentes (19º DA). Sob o sos dos públicos: viola a independência,
xlix
ponto de vista jurídico, traduz-se na figura de mas não a competência ;
definição dos titulares dos deveres. Mais uma b) Um auditor pode ser muito incompetente,
vez nada de novo e distintivo sob o ponto de mas ser completamente hermético em re-
vista dogmático pode existir nestas normas. lação a interesses estranhos aos públicos;
Em todos os regimes há titulares de deveres. c) Um auditor pode ser ao mesmo tempo in-
O conceito de responsabilidade apare- competente e dependente, independen-

35
Ver o A88 ISQM 1, que tem um conceito mais vasto que este, por, além de incluir a aplicação dos conhecimentos, integrar elementos éticos na competência: «A88. Competence is the ability of the

individual to perform a role and goes beyond knowledge of principles, standards, concepts, facts, and procedures; it is the integration and application of technical competence, professional skills, and

professional ethics, values and attitudes. Competence can be developed through a variety of methods, including professional education, continuing professional development, training, work experience or

coaching of less experienced engagement team members by more experienced engagement team members».

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

temente da permeabilidade a outros in-


teresses ter potenciado, ter sido campo O dever de reputação está estatuído no artigo
fértil, ou não, da intrusão de interesses 61º/2 EOROC.
que não o público. Enquanto regime de aptidão, de perigo, a
São assim possíveis vários tipos de con- independência tem uma dimensão de reputa-
cursos efectivos entre as várias violações des- ção. Não basta ser independente, é necessário
tes deveres. A violação de um não consome parecer independente36 lii. Por isso, o concur-
forçosamente a violação de outrol. so entre estas duas figuras pode ser complexo:
a) Se alguém viola não apenas a indepen-
dência como a reputação de independên-
C.3. Adequação a normas cia, a violação da independência consome
a da reputação37;
A adequação a normas consta do artigo 61º/2 b) Se alguém viola a independência, e a re-
EOROCli. putação de violar outras normas, já pode-
A adequação a normas é regime subsidiá- rá existir concurso efectivo entre as duas
rio. A adequação ao regime de independência é violações.
também uma adequação a normas, por defini-
ção. Por isso, numa mesma situação, um audi- C.5. Objectividade
tor pode violar:
a) Ambos os deveres, mas a violação da in- O dever de objectividade está consagrado no
dependência consome a adequação a artigo 74º/1 EOROC.
normas; Também a relação entre a objectividade
b) Ambos os deveres, sendo que a inadequa- e a independência pode ser complexa, mas a
ção, a outras normas que não a da inde- ausência de uma não significa forçosamente a
pendência, violação autónoma. ausência de outra:
a) Por exemplo um auditor pode ser não ob-
C.4. Reputação jectivo, mas independente. É o caso de

36
A18 ISA 200: «A18. No caso de um trabalho de auditoria, é do interesse público e, por conseguinte, exigido pelo Código do IESBA, que o auditor seja independente da entidade sujeita a auditoria. O Código

do IESBA descreve a independência como compreendendo não só a independência da mente como a independência na aparência. A independência do auditor em relação à entidade salvaguarda a sua

capacidade para formar uma opinião de auditoria sem ser afetado por influências que possam comprometer essa opinião. A independência aumenta a capacidade do auditor para agir com integridade,

ser objetivo e manter uma atitude de ceticismo profissional.». O 4.1.13 do Código de Ética da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (CodigoEtica2011.pdf (oroc.pt)) cosngar também a destrinça inde-

pendência na mente e na aparência.

A reputação aparece, em relação a terceiros ao auditor, como um factor relevante nos A68, A107 ISQM 1.
37
Esta é a consequência de a independência ser a independência, não só na substância, mas também na aparência. É evidente que se poderia defender uma outra tese, a de que haveria dois tipos

de aparência, a generalizada, a reputação, e a não generalizada, a aparência em sentido estricto, e só quando houvesse violação da segunda haveria violação da independência, mas quando houvesse

violação da primeira haveria violação do dever de reputação. E haveria consequências substantivas para a distinção. É que quem violasse o regime da independência seria sancionado nos termos

do 45º/1/d RJSA, com uma contra-ordenação muito grave, enquanto quem violasse a reputação preencheria o 45º/3 RJSA, uma meramente grave. O problema é que esta tese, que se pode pretender

justa, peca por excesso de subtileza. Em primeiro lugar, a destrinça entre aparência generalizada e restricta é indeterminada, demasiado fluida. E segundo lugar, levaria a resultados absurdos: quem

tivesse uma reputação negativa generalizada seria sancionado com menos gravidade que quem tivesse uma reputação negativa restricta.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

alguém que tem fortes pré-juízos in- forçosamente não tem de ser analisada, ou
fundamentados numa matéria, indepen- se achar exactamente o inverso, que todas
dentemente de para quem trabalha. Terá as operações que passam por off-shore
sempre uma visão enviesada da realida- são criminosas. Ou então um auditor que
de, não será objectivo, sem que viole a in- pense que tudo o que é tramitado informa-
dependência. Alguém que entenda que se ticamente é de confiança, ou o inverso38.
uma operação passa por uma off-shore b) Da mesma forma pode ser objectivo, mas

38
Como é típico de uma matéria incipiente sob o ponto de vista dogmático as fronteiras entre conceitos aparecem nos textos dos standards algo misturados. Por exemplo o ISQM 1 reza no seu ponto

«A78. Professional skepticism supports the quality of judgments made on an assurance engagement and, through these judgments, the overall effectiveness of the engagement team in performing the as-

surance engagement. Other pronouncements of the IAASB may address the exercise of professional judgment or professional skepticism at the engagement level. For example, ISA 220 (Revised)13 provides

examples of impediments to the exercise of professional skepticism at the engagement level, unconscious auditor biases that may impede the exercise of professional skepticism, and possible actions that

the engagement team may take to mitigate such impediments.» Os pré-conceitos estão associados ao cepticismo profissional neste texto, e não à objectividade. A questão é que pode haver falta de

objectividade por falta de cepticismo, mas pode haver falta de objectividade sem que tenha havido ausência de cepticismo. O concurso é demasiado complexo para ser aqui desenvolvido. A verdade

é que temos lugares paralelos em matéria de objectividade como o artigo 7º Cd.VM que nos dão orientação para este concurso. As normas que se citam parecem ir no sentido que o cepticismo se

centra mais no método (análise de prova, documentos, factos) e a objectividade no resultado, no trabalho realizado.

Por exemplo, o A8 ISQM 2 associa a falta de cepticismo à falta de competência: «A8. A lack of appropriate competence or capabilities affects the ability of the engagement quality reviewer to exercise

appropriate professional judgment in performing the review. For example, an engagement quality reviewer who lacks relevant industry experience may not possess the ability or confidence necessary

to evaluate and, where appropriate, challenge significant judgments made, and the exercise of professional skepticism, by the engagement team on a complex, industry-specific accounting or auditing

matter.»

Já o A42 ISQM 2 volta a associar a ausência de cepticismo a preconceitos «A42. For audits of financial statements, ISA 220 (Revised)15 provides examples of the impediments to the exercise of professional

skepticism at the engagement level, unconscious auditor biases that may impede the exercise of professional skepticism, and possible actions that the engagement team may take to mitigate impediments

to the exercise of professional skepticism at the engagement level».

O cepticismo profissional aparece no 7 ISA 200. É definido no 13 ISA 200 «(b) Ceticismo profissional – Atitude que inclui uma mente interrogativa, alerta para condições que possam indicar uma possível

distorção devido a erro ou a fraude, e uma apreciação crítica da prova.» O 15 é norma central: «15. O auditor deve planear e executar uma auditoria com ceticismo profissional, reconhecendo que podem

existir circunstâncias que originaram que as demonstrações financeiras estejam materialmente distorcidas.»

Na ISA 200: «A20. O ceticismo profissional inclui estar alerta para, por exemplo: | • Prova de auditoria que contradiga outra prova de auditoria obtida. | • Informação que ponha em causa a fiabilidade de

documentos e de respostas a indagações a serem usados como prova de auditoria. | • Condições que indiquem possível fraude. | • Circunstâncias que sugiram a necessidade de procedimentos de audi-

toria adicionais, para além dos exigidos pelas ISA. | A21. É necessário manter o ceticismo profissional durante toda a auditoria se o auditor quiser, por exemplo, reduzir os riscos de: | • Não dar conta de

circunstâncias não usuais. | • Generalizar em excesso quando extrai conclusões de observações de auditoria. | • Usar pressupostos não apropriados ao determinar a natureza, oportunidade e extensão dos

procedimentos de auditoria e ao avaliar os respetivos resultados. | A22. O ceticismo profissional é necessário para a avaliação crítica da prova de auditoria. Isto inclui questionar as provas de auditoria

contraditórias e a fiabilidade de documentos e respostas a indagações e de outras informações obtidas do órgão de gestão e dos encarregados da governação. Também inclui a consideração da suficiência

e apropriação da prova de auditoria obtida à luz das circunstâncias, como, por exemplo, no caso em que existem fatores de risco de fraude e em que um único documento, de uma natureza que seja susce-

tível de fraude, é a única prova de suporte para uma quantia material da demonstração financeira. | A23. O auditor pode aceitar registos e documentos como genuínos, salvo se tiver razões para acreditar

no contrário. Apesar disso, exige-se que o auditor considere a fiabilidade da informação a ser usada como prova de auditoria. Em caso de dúvida acerca da fiabilidade da informação ou de indicações de

possível fraude (por exemplo, se houver condições identificadas durante a auditoria que levem o auditor a acreditar que um documento pode não ser autêntico ou que os termos de um documento podem

ter sido falsificados), as ISA exigem que o auditor aprofunde a sua investigação e determine que modificações ou incrementos são necessários aos procedimentos de auditoria para resolver o assunto. |

A24. Não se espera que o auditor descure a experiência passada da honestidade e integridade do órgão de gestão da entidade e dos encarregados da governação. | Apesar disso, a crença de que o órgão de

gestão e os encarregados da governação são honestos e íntegros não liberta o auditor da necessidade de manter ceticismo profissional nem permite que o auditor se contente com uma prova de auditoria

menos persuasiva para obter garantia razoável de fiabilidade».

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

não independente. No limite, todo o traba- a) Alguém pode ter sido independente, não
lho feito por um auditor pode ter sido ob- se ter guiado senão pelo interesse público,
jectivo, mas pode ter aceite do seu cliente mas ter pecado por falta de sentido crítico40;
ou de terceiro que, caso certas operações b) Alguém pode ter tido todo o sentido crí-
ou montantes aparecessem no âmbito da tico, percebeu por exemplo a fragilidade
sua auditoria, eles seriam apagados, ou da versão que lhe contam, mas aceitou-a
treslidos. Por sorte não apareceram tais para obnubilar problemas do auditado;
operações ou montantes no caso con- c) Alguém pode violar ambos os deveres, por
creto. O que significa que a auditoria foi ter sido permeável a interesses que não os
objectiva no caso. Mas o auditor não foi públicos e ao mesmo tempo não ter tido
independente. visão crítica da informação prova ou re-
c) E finalmente pode ser não objectivo e não sultados obtidos41.
independente, quando o seu trabalho não
foi orientado pelo interesse público nem C.7. Qualidade do trabalho
pela realidadeliii.
O dever de qualidade encontra o seu assento
C.6. Cepticismo profissional no artigo 75º/1 EOROC. O dever de qualidade é
um dever de resultado. A competência costu-
O cepticismo profissional tem consagração ma abranger a qualidade42, mas neste contex-
no artigo 70º EOROC, e igualmente no 15 ISA to visa destacar um dos seus aspectos. A com-
20039. Este tem elementos comuns com a in- petência significa aqui que um auditor tem de
dependência, no sentido em que todas as fases ser e agir com competência, ou seja, conhe-
do trabalho do auditor têm de ser atravessadas cendo o que está a fazer. O dever de qualida-
pelo cepticismo (a organização, o planeamen- de exige que o resultado desse trabalho tenha
to, a execução, os resultados finais). Mas a in- qualidade. Ter qualidade implica igualmente
dependência respeita ao que está fora do tra- adequação a normas, objectividade, cepticis-
balho do auditor, aos interesses que o rodeiam. mo profissional. O requisito de qualidade é por
O cepticismo respeita ao objecto do seu traba- isso aqui subsidiário. Aplica-se apenas aos ca-
lho, às informações que recebe, às provas que sos em que os restantes requisitos se preen-
liv
obtém, aos resultados a que chega . Por isso cheram, mas o resultado final não tem a pro-
também aqui pode haver concursos efectivos: fundidade ou a acuidade necessárias. l

40
A168 ISQM 1: «The firm may identify that engagement teams performing audits of financial statements are failing to obtain sufficient appropriate audit evidence on accounting estimates where mana-

gement’s assumptions have a high degree of subjectivity. While the firm notes that these engagement teams are not exercising appropriate professional skepticism, the underlying root cause of this issue

may relate to another matter, such as a cultural environment that does not encourage engagement team members to question individuals with greater authority or insufficient direction, supervision and

review of the work performed on the engagements.»

25 ISQM 2 «(c) Based on the information obtained in (a) and (b), review selected engagement documentation relating to the significant judgments made by the engagement team and evaluate: (Ref: Para.

A39–A43) (i) The basis for making those significant judgments, including, when applicable to the type of engagement, the exercise of professional skepticism by the engagement team».
41
Esta solução do concurso é meramente operatória, provisional, e deve ser vista com reserva de melhor estudo do cepticismo profissional.
42
O 12º/1/c RJSA reza: «c) Não estiverem preenchidos os requisitos relativos à idoneidade, qualificação, experiência profissional e adequação de meios humanos, materiais, financeiros e organizacionais

exigíveis para o exercício da atividade», distribuindo aspectos relativos à competência por diferentes conceitos, mostrando mais uma vez um legislador que oscila nos seus conceitos.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

D. REGIMES DE SEGURANÇA

N
ão são apenas os deveres paralelos D.1. Controlo
que servem de sustento à indepen-
dência (e que por sua vez esta susten- As tipologias de controlo são várias
ta). Há deveres que são consagrados e cada uma tem a sua legitimidade.
com a finalidade de salvaguardar a Não se pretende esgotar as tipologias.
independência. Ou seja, em vez de se- Mas apenas as que resultam da lei em
rem deveres que existem por si mes- matéria de independência ou tornam
mos, e em paralelo com a indepen- mais clara a sua leitura. Este exercí-
dência, são deveres que recebem o cio tem, pois, dois limites assumidos:
seu sentido da independência. há controlos previstos expressamen-
A diversidade destes deveres ape- te na lei, mas como não são referidos
nas pode ser compreendida caso seja directamente à independência, são
enquadrada numa tipologia. Bem sa- aqui em geral omitidos; há controlos
bemos que qualquer tipologia pode que são implicação do princípio geral
ser substituída por outra. Por isso, o da independência e que igualmente
critério que nos vai orientar apenas não são aqui referidos.
poderá ser o de dar a maior clareza
possível ao regime. a) Segundo a natureza
A lei protege a independência de do controlador
várias formas:
a) Exigindo o controlo da activi- O primeiro passo a tomar é o da dis-
dade do auditor. tinção entre controlos realizados pe-
b) Estabelecendo incompatibili- los auditores e controlos realizados
dades entre actividades do auditor . por outras entidades, essencialmente
c) Regulando os seus benefícios. entidades públicas, como a OROC e a
d) Conformando a sua contrata- CMVM43.
ção. No entanto, o regime de indepen-
e) Estabelecendo limites tempo- dência que ora nos ocupa é o que es-
rais para a actividade do auditor. tatui deveres para os auditores. Por

43
Ver 6º/b, 41º, 69º EOROC, 13º/2, 16º/2/c, 17º/1/g, i, 3, 41º/1/e, 45º/1/d RJSA.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

isso, interessam-nos particularmente os de- b) Segundo a função


veres de controlo pelos auditores. Neste sen- Uma das tipologias, a mais clássica, é a que di-
tido pode-se falar de44: vide os controlos entre de detecção, preventi-
a) Deveres de autocontrolo – cada pessoa vos, de mitigação e de correcção. Tem toda a
que trabalha em auditoria tem o dever de razão de ser, e é fecunda em muitos contextos46
se autocontrolarlvi. lviii
. No entanto, em sede de independência pode
b) Deveres de heterocontrolo. São, por exem- exigir repetições. Cada um estes tipos de con-
plo, os deveres que o sócio responsável trolos existe em cada uma das dimensões do
tem em relação à sua equipa, que o audi- trabalho do auditor. E, por isso, para se com-
tor de um grupo tem relação aos auditores preender a sua especificidade, seria necessário
dos componentes (46º/1/d EOROC), ou em repetir a descrição dos mesmos controlos.
relação a peritos. Por exemplo, há controlos de detecção,
c) Deveres de controlo sistemático ou na or- tanto na celebração de contratos entre o au-
ganização (por parte da SROC). Estes de- ditor e o cliente, como durante a execução do
veres são de auto-controlo, no sentido em trabalho, como na obtenção dos resultados fi-
que a SROC tem o dever de se controlar a si nais. O mesmo se poderia dizer em relação aos
mesma, mas de heterocontrolo igualmen- controlos preventivos, e assim por diante.
te, no sentido em que a SROC tem deveres Em alguns casos há mesmo regras para
de controlo de auditores de componentes, alguns destes controlos. Por exemplo diz-se
peritos, e, mesmo nos deveres que são de que os procedimentos de avaliação de inde-
auto-controlo, agora no sentido em que a pendência têm de estar terminados antes de
SROC se controla a si mesma, há hetero- se começarem trabalhos significativos de au-
controlos, no sentido em que uma pessoa ditoria (A7 ISA 30047).
física ou uma unidade orgânica da SROC
controla outralvii. c) Segundo a estrutura da conduta
Há também um regime de heterocontrolo
pelos auditados na designação dos auditores Esta tipologia é bem mais elucidatória na me-
(50º EOROC, nº 22 do preâmbulo à DA, 37º/1 dida em que define condutas devidas pelos
DA) e no seu acompanhamento (39º/6/e DA45, auditores. As condutas de controlo podem ter
48
420º/2, 423º-F/1/o, 441º/1/o CSC). várias estruturas :

44
Esta tipologia não é equivalente, mas é próxima da que consta o A22 ISA 260: «(b) Salvaguardas criadas pela profissão, legislação ou regulação, salvaguardas na própria entidade e salvaguardas dos

sistemas e procedimentos da própria firma de auditoria».


45
Ver o artigo 3º/3 Lei nº 148/2015, de 9 de Setembro.
46
Uma tipologia próxima aparece no 71º/5 EOROC: «5 - Os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de contas criam mecanismos de organização interna adequados e eficientes

para a prevenção, identificação, eliminação ou gestão e divulgação de quaisquer ameaças à sua independência».
47
No 41 ISA 220 revisto na versão inglesa «41. In applying ISA 230,11 the auditor shall include in the audit documentation: (…) (c) If the audit engagement is subject to an engagement quality review, that the

engagement quality review has been completed on or before the date of the auditor’s report.»
48
Há estruturas de conduta que ficam de fora desta análise, porque são condutas da supervisão e não dos próprios auditores, como a verificação da evidência e a apreciação do cumprimento pre-

vistas no artigo 41º/1/e RJSA.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

a) Documentação em sentido latolix: tualmente os 22, 34, A64, A112, A113, A126
1) elaborar documentos: registo nos do- ISQM 1), à CMVM (77º/6 EOROC), aos ór-
cumentos de trabalho (71º/6 EOROC), re- gãos de fiscalização do auditado (78º/2/a,
gisto infraccional (75º/5 EOROC, 24º-B/3 c, 3 EOROC); há comunicações dos sócios
DA), elaboração de relatório anual (75º/6 responsáveis à SROC (22/a ISQC 1, actual-
EOROC), pedido de parecer a perito (75º/7 mente ver os 14, A123 ISQM 1), dos colabo-
EOROC), registo de clientes (75º/8 EOROC, radores à SROC (22/b ISQC 1, actualmen-
24º/4 DA), registo das queixas (75º/12 te o A 64 ISQM 1), às pessoas adequadas
EOROC, 24º-B/6 DA), registo de ameaças (22/c, 23 ISQC 1, actualmente ver os A112,
à independência (71º/6 EOROC, 22º/3 DA), A 113 ISQM 1), ao pessoal da SROC so-
comunicação com a gestão (20 ISA 260); bre confirmações escritas (A11, A65 ISQC
2) juntar documentos – parecer de perito 1, actualmente o 34, A29 ISQM 1), sobre
(75º/7 EOROC), confirmações escritas da ameaças à independência (A3 ISA 22051),
independência pelo pessoal da SROC (24 entre auditores e gestão (a ISA 260), res-
ISQC 1, actualmente o ISQM 149); peitante a matéria de planeamento (A40
3) arquivar (organizar documentos em ISA 260)lx.
dossier, preservar os documentos) – por c) Avaliação e obtenção de informação: «as-
cada revisão legal ou voluntária de con- segura a coerência» (nas contas conso-
tas (75º/9 EOROC, 24º-B/5 DA), por ou- lidadas - 46º/1/d EOROC), «identificar e
tras funções de interesse público (75º/10 avaliar quaisquer interesses ou relações
EOROC); e mesmo garantir o arquivo atuais ou recentes» (71º/9 EOROC, 22º/6
por terceiro pertencente à mesma rede DA, 21/b ISQC 1, actualmente o ISQM 1),
(77º/13, 14º EOROC); antes de aceitar trabalho (73º EOROC –
4) em geral (antes da aceitação de traba- 78º/1 para EIP, 22º-B DA, A65 ISQC 1,
lho - 73º EOROC, 22º-B DA), das políticas actualmente o A113 ISQM 1 em relação à
e procedimentos (74º/12 EOROC, A73 ISQC rede), observações e indagações (A17 ISA
1, actualmente o A204 ISQM 1), nas ques- 200), sobre ameaça à independência (A3
tões de conformidade com normas (22 ISA ISA 22052), apreciação (6/b ISA 300).
220 50. d) Debate: com os órgãos de fiscalização
b) Comunicação: «dando comunicações» (nas (78º/2/b, 3 EOROC) obter e avaliar infor-
53 lxi
contas consolidadas 46º/1/d EOROC), são mação (11 ISA 220 ), com outros audi-
comunicadas aos trabalhadores e agentes tores (Apêndice 2 ISA 240).
políticas e procedimentos e factos rele- e) Criação de regras e sua execução (proce-
vantes (74º/12, 15 EOROC, 21/a ISQC1, ac- dimentos, políticas) (74º, em especial nº 5

49
Na versão inglesa actual 34, A29 ISQM 1, A24, A40 ISA 220, 25 ISA 600.
50
Na versão inglesa actual ver o 41 ISA 220.
51
Ver na actual versão em inglês A24 ISA 220.
52
Ver na actual versão em inglês A24 ISA 220.
53
Ver na actual versão em inglês 41 ISA 220.

112 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

EOROC, 24º-A DA, 21, A67 ISQC1, actual- sos disciplinares tramitados pelos próprios
mente o 34, A112 ISQM 1, 18, 20 ISQM 254). auditores57.
f) Formação (A25, A65 ISQC 1, actualmente
os A88, A90, A93 ISQM 155). d) Segundo a fenomenologia da auditoria
g) Usar sistemas informáticos de contro-
lo (esta é uma das novidades, não tanto Para que haja uma descrição mais clara dos
por serem novos estes sistemas, mas por controlos ligados a independência previstos
as normas internacionais lhes darem ex- na lei tem grande utilidade aderir à própria fe-
presso papel – A64, A99 ISQM 1, A6 ISA nomenologia da auditoria58 lxiv, e assim tentar
220, na actual versão em inglêslxii). descrever os controlos que estão previstos:
h) Condutas adequadas (que é conceito aber- a) Transversalmente:
to): «assegura a coerência» (nas contas 1) Assegurar coerência entre requisitos
consolidadas - 46º/1/d EOROC), «medi- dos auditores de componentes (46º/1/d
das adequadas» (71º/2 EOROC), «medidas EOROC);
necessárias» para pôr termo a conflitos de 2) Tomar medidas adequadas (71º/2, 3
interesse (71º/10 EOROC, 25/a ISQC 1, ac- EOROC, 22º/1 DA);
tualmente o 34 ISQM 1), «acção apropria- 3) Registo das ameaças (71º/6 EOROC,
da» (A17 ISA 200), «tomar as acções apro- 22º/3 DAlxv) e infracções (75º/5 EOROC),
priadas» (11 ISA 220), «acção apropriada» clientes (75º/8 EOROC) e queixas (75º/12
(A3 ISA 220)56. EOROC);
Tem de ser sublinhado que esta tipolo- 4) Documentação (74º/12, 75º/7
gia não é fechadalxiii. Foi construída a pen- 59
EOROC) ;
sar nas normas mais directamente implica- 5) Arquivo (75º/9, 10, 11 EOROC);
das na independência. Mas não exclui outro 6) Comunicação e avaliação (74º/12, 15
tipo de medidas gerais em sede protecção de EOROC; 21, 22, 23 ISQC 1, actualmente o
bens jurídicos, como por exemplo, os proces- ISQM 1, A3 ISA 220, 4, 17, 20, A22, A40 ISA

54
Ver na actual versão em inglês 17-19, A13, A24, A40, A43 ISA 220, A69, Appendix 3 ISA 600.
55
Ver na actual versão em inglês A6 ISA 220.
56
Ver na actual versão em inglês 34 ISQM 1, 18, 20 ISA 220, A101 ISA 600.
57
Ver na actual versão em inglês A93 ISQM 1.
58
Esta fenomenologia é acolhida em boa parte no próprio RJSA nos seus artigos 2º/2/e/ii, v e 45º/3/a/i, ii.
59
«Entre as irregularidades detetadas constam as seguintes situações: | INDEPENDÊNCIA | (i) Serviços de contabilidade prestados às entidades auditadas por entidade controlada pelo sócio responsável

pelos trabalhos de auditoria; | (ii) Inexistência de documentação nos dossiês de auditoria de todas as ameaças relevantes que pudessem comprometer a independência do Auditor, | bem como das medidas

de salvaguarda aplicadas para as mitigar; | (iii) As políticas e procedimentos implementados pelo Auditor subjacentes à decisão de continuação do relacionamento com clientes e de trabalhos não exigiam

uma análise de independência; | (iv) Inexistência de avaliação ao efeito combinado das ameaças em NEIP decorrentes da prestação de múltiplos serviços distintos de auditoria a um cliente de auditoria

por parte do Auditor e da sua rede, bem como do envolvimento profundo do Auditor e da sua rede nas atividades, processos e procedimentos da entidade auditada (incluindo em processos conducentes e

de suporte à tomada de decisão) sem que tal fosse identificado, devidamente avaliado e endereçado como uma eventual ameaça à independência do Auditor; | (v) Inexistência de evidência de aplicação

de medidas de salvaguarda suficientes e apropriadas subjacentes à cedência de recursos a entidade auditada; | (vi) Prestação de serviços, por peritos do Auditor, de implementação de norma contabilís-

tica na entidade auditada (NEIP), o que constitui uma ameaça de auto-revisão; e | (vii) Derrogação de controlos internos implementados pelo Auditor subjacentes à salvaguarda da independência, sem que

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

260, 40 ISA 60060); de independência pelo sócio responsável


7) Designação de sócio responsável (75º (A17 ISA 200, 11 ISA 22067, A7 ISA 300) e
EOROC); tomar medidas apropriadas (11 ISA 22068);
8) Confirmação escrita pelo pessoal da 15) Obter o acordo da gestão de que reco-
firma sobre independência (24, A11, A65, nhece e compreende a sua responsabili-
A73 ISQC 1, actualmente ISQM 161); dade pelo controlo interno (A17 ISA 210);
9) Rotação do pessoal sénior (A12, A 13 16) Procedimento de controlo de qualida-
ISQC 1, actualmente ISQM 162); de (3 ISA 22069);
10) Revisão de controlo de qualidade de 17) Dever de documentação (22 ISA 22070);
trabalho (A12, A13 ISQC 1, actualmente 18) Análise de independência de auditor
ISQM 163); anterior (A4 ISA 510), de auditor de com-
11) Formação (A25, A65 ISQC 1, actual- ponente (41 Apêndice 4 ISA 60071), do am-
mente A88 ISQM 164); biente regulador (A36 ISA 60072);
12) Disponibilização de documentos de 19) Análise da auditada nas aquisições e
trabalho ao cliente pode ser limitada (A63 fusões (71º/9 EOROC, 22º/6 DA).
ISQC 1, actualmente ISQM 165); b) Na organização do auditorlxvi:
13) Inspecções feitas dentro do próprio 1) Registo de contrato de ROC em SROC
auditor (A67 ISQC 1, actualmente ISQM na OROC (49º/4 EOROC);
166); 2) Políticas e procedimentos (74º EOROC,
14) Análise e indagações e confirmação 21, 22, 23, 25 ISQC1, actualmente ISQM 1,

existissem controlos ao nível da firma que prevenissem ou detetassem tal situação e sem que o ROC responsável pela auditoria tenha detetado e suprido esses incumprimentos» (CMVM, Resultados Globais

do Sistema de Controlo de Qualidade da Auditoria - Ciclo 2020/2021, p. 43 (CMVM - Relatório de Supervisão de auditoria_2020_2021.pdf)) (sublinhados meus).
60
Ver na actual versão em inglês 22, 34, A64, A112, A113, A118, A126 ISQM 1, A38, A40 ISA 220, 45, A69, A144, Appendix 3 ISA 600, 39, Appendix ISA 700, Appendix ISA 800, Appendix 2 ISA 810.
61
Ver na versão inglesa actual 34, A29 ISQM 1, A24, A40 ISA 220.
62
Ver na versão inglesa A63 ISQM 1.
63
Ver na versão actual em inglês A29, A36 ISQM 1, 13, 18, 20, 25, A11, A13 ISQM 2, 41, A20 ISA 220, 34, 39, A40 ISA 610.
64
Ver na versão actual em inglês A30 ISA 220, mas também o A202 ISQM 1.
65
O actual ISQM 1 não tem regras sobre a «ownership of engagement documentation», ao contrário do A 63 ISQC 1 «Ownership of engagement documentation A63. Unless otherwise specified by law or

regulation, engagement documentation is the property of the firm. The firm may, at its discretion, make portions of, or extracts from, engagement documentation available to clients, provided such disclo-

sure does not undermine the validity of the work performed, or, in the case of assurance engagements, the independence of the firm or its personnel.», embora tenha várias regras sobre a «engagement

documentation» (16/b, 31/f, A83-A85 ISQM 1). Esta omissão é um sinal de maturidade jurídica. Embora seja sempre difícil dizer alguma coisa sobre as motivações numa área em que os trabalhos prepa-

ratórios não são facilmente acessíveis, perante a complexidade dos regimes na matéria de titularidade de dados fez muito bem o ISQM 1 em nada dizer sobre a matéria.
66
V.g. ver 34 ISQM 1.
67
Ver 20 ISQM 1.
68
Ver 30 ISQM 1, e, na actual versão em inglês 18, 20 ISA 220, A101 ISA 600.
69
Actualmente a ISQM 2 dedica-se a esta matéria. Ver também no ISQM 1 as normas 22, 22, A35, A65, A99, A113, A126.
70
A204 ISQM 1, e, na actual versão em inglês 41 ISA 220.
71
Ver na versão actual em inglês 25 ISA 600.
72
Ver na versão actual em inglês A59 ISA 600.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

A17 ISA 20073 lxvii). lo que indique claramente que se trata do


c) Na celebração do contrato entre o auditor relatório de um auditor independente (21,
e o auditado: A15 ISA 700, 14/a, A11 ISA 81077).
1) Só pode aceitar designação por órgão
competente (50º/1 EOROC); D.2. Incompatibilidades
2) Análise e documentação (73º EOROC,
22º-B DA); a) Âmbito de aplicação
3) Análise de decisões de aceitação e con- O regime das incompatibilidades é prolixo
tinuação de relacionamento com clientes e por vezes pouco escorreito na sua expressão.
(A65 ISQC 1, actualmente ISQM 1; A5 ISA Se em parte isto se deve às normas que o ins-
80574); piram, de matriz anglo-americanas, sempre
4) Recusa de trabalhos que não garantam dadas a alguma redundância, o trabalho do le-
independência (A1 ISA 210); gislador europeu e nacional não foi o suficien-
5) Comunicações (A40 ISA 260). te para as limar.
d) Na fase do planeamento: O primeiro tema que gera complexidade é
1) Comunicações (A40 ISA 260); o do âmbito de aplicação deste regime.
2) Avaliação (6, A6 ISA 300); As regras relativas à independência, e
3) Análise dos auditores dos componen- mais especificamente às incompatibilidades,
tes (19, Apêndice 5 ISA 60075). são de aplicação territorial, sendo aplicáveis
e) Na fase da execução: aos ROC da EU e do EEE (178º EOROC)lxviii.
1) Avaliação antes de execução de outras Muito mais complexa é a questão de saber
actividades significativas do trabalho (A7 se, e em que casos estas regras são gerais, ou
ISA 300); quando se aplicam apenas à situação em que
2) Obter prova da independência de au- se fazem auditorias a contas. Nesta sede vê-se
ditor de organização de serviços (13 ISA que o EOROC e o RJSA ainda obedecem a lógi-
402); cas diversas:
3) Avaliação do auditor de organização a) O RJSA centra-se nas funções de interes-
de serviços depende de avaliação (A19 ISA se público (2º/1/j, 4º/2/a, 6º, 8º, 15º/2,
402); 40º/2, 41º/1/e, 45º/2, 3/a/iv, RJSA), seja
76
4) Reexecução (A20 ISA 500 ). quais forem, e as auditorias às contas
f) Na fase dos resultados finais: são apenas uma das modalidades destas
1) O relatório do auditor deve ter men- funções.
ções legais (45º-47º, 52º/2 EOROC);
2) O relatório do auditor deve ter um títu- b) Embora o EOROC contenha também o

73
Ver na versão actual em inglês 34, A112 ISQM 1, 18, 20 ISQM 2, 17-19, A13, A24, A40, A43 ISA 220, A69, Appendix 3 ISA 600.
74
Ver na versão actual em inglês 41, A6 ISA 220. Mas também o A134 ISQM 1 para a situação especial de conflito entre auditada e anterior auditor.
75
Ver na versão actual em inglês 25 ISA 600.
76
Ver também na versão actual em inglês A30 ISA 610.
77
Ver na versão actual em inglês 21, A15 ISA 700, 16, A17 ISA 810.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

conceito de funções de interesse públi- ção de base, temos de ver que implicações isto
co (41º, 47º, 52º/2, 3, 53º/2, 55º/1, 57º, tem para o âmbito de aplicação das regras de
59º, 69º/2, 75º/4, 10, 76º, 82º/3, 84º/6, incompatibilidades:
115º/1, 118º/6, 128º/1, 2, 136º, 137º, 143º/2, a) Há regras que inequivocamente se apli-
147º/3, 159º/5, 166º/1, 186º, 190º EOROC cam apenas às auditorias às contas. Estão
- o 48º EOROC estabelece as funções ex- neste caso os 71º/1, 3, 4, 5, 7, 9, 11, 89º/1,
cluídas do conceito), este é menos vasto 2, 3, 6, 91º/2, 4, 5, 7 EOROC. A consequên-
que o do RJSA (41º EOROC se cotejado com cia é evidente, mas tem de ser enfrentada:
o 2º/1/j RJSA)78 e grande parte das normas não se aplicam a funções que não sejam de
se centra na auditoria às contas (6º/b, m, interesse público, e não se aplicam a fun-
n, q, 41º/1/a, 42º, 45º, 53º/1, 3, 89º/1, 2, 3, ções de interesse público que não sejam
91º/2, 4, 5, 151º, 159º/4, 5 EOROC). de auditoria às contas (v.g. intervenção
Esta centralidade da auditoria às contas de um auditor na avaliação de um activo).
tem motivos sérios: Mais uma vez não quer dizer que sejam ir-
a) É o que resulta de uma inércia histórica, relevantes nos âmbitos mais alargados.
na medida em que os auditores começam Mas não se aplicam directamente. Podem,
a existir, como figura jurídica, para audi- quando muito, ter uma função de integra-
tar contas; ção do conceito indeterminado «indepen-
b) É o que resulta igualmente do Direito eu- dência», valem como ocorrência periféri-
ropeu, que se tem preocupado em primei- ca do dever.
ro lugar com as funções historicamente b) Há regras que são gerais e se aplicam a to-
mais comuns dos auditores. das as actividades dos auditores, sejam
Mas tem igualmente custos. E um deles ou não de funções públicas. É o caso das
é o da abstracção. Muitos regimes estão ain- constantes dos artigos 71º/79, 88º, 90º,
da demasiado determinados pela auditoria 91º/1, 3 EOROC.
às contas sem que haja motivo bastante para c) Há por outro lado, outras normas em que o
o efeito. Seja como for, e verificada a situa- âmbito de aplicação é duvidoso, pelo me-

78
No RJSA basta que a lei ou regulamento preveja a intervenção de auditor, mesmo que facultativa, enquanto no 41º EOROC só há funções de interesse público para além da auditoria às contas, as que

exijam a intervenção de auditor ou sejam actos exclusivos de auditores: «Artigo 41.º Atos próprios dos revisores oficiais de contas e sociedade de revisores oficiais de contas no exercício de funções de

interesse público | 1 - Constituem atos próprios e exclusivos dos revisores oficiais de contas e das sociedades de revisores oficiais de contas os praticados no exercício das seguintes funções de interesse

público: | a) A auditoria às contas, nos termos definidos no Artigo seguinte; | b) O exercício de quaisquer outras funções que por lei exijam a intervenção própria e autónoma de revisores oficiais de contas

sobre determinados factos patrimoniais de empresas ou de outras entidades. | 2 - Constituem também atos próprios dos revisores oficiais de contas e das sociedades de revisores oficiais de contas os

inerentes a quaisquer outras funções de interesse público que a lei lhes atribua com carácter de exclusividade. | 3 - Os únicos responsáveis pela orientação e execução direta das funções de interesse

público contempladas no presente Estatuto devem ser revisores oficiais de contas nos termos do n.º 1 do artigo 49.º».
79
O argumento sistemático é legítimo e expectável. Dado que se integra num artigo que consagra sobretudo regras para auditorias às contas, pelo contexto não deveria ser considerado norma ge-

ral. No entanto, uma interpretação deste tipo seria fazer homenagem ao espírito sistemático do legislador. Não apenas a letra não impede a sua aplicação para além das auditorias às contas, mas

também o legislador poderia referir estas expressamente como o faz nos restantes números do 71º, e não o faz. Sobretudo, é esquecer a natureza dogmaticamente incipiente do Direito de Auditoria.

Neste, como em muitos outros casos, deparamo-nos com situações frustes sob o ponto de vista sistemático, e tem de ser o intérprete a tentar revelar as luzes de sistema que subjazem à legislação.

O artigo 91º EOROC é bom exemplo disso, em que o 91º/2 se dedica à auditoria às contas, mas notoriamente os números 1 e 3 são gerais.

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nos na aparência. São esses os casos dos de contas tomam todas as medidas neces-
artigos 71º/6, 10 e 91º/6 EOROC. sárias para pôr termo a quaisquer interesses
1) O 71º/6 reza «6 - Os revisores oficiais ou relações atuais suscetíveis de comprome-
de contas e as sociedades de revisores ofi- ter a sua independência, adotando, sempre
ciais de contas devem registar nos documen- que possível, medidas de salvaguarda para
tos de trabalho da auditoria todas as amea- minimizar qualquer ameaça à sua indepen-
ças relevantes que possam comprometer a dência decorrente de interesses e relações
sua independência, bem como as medidas prévios e atuais». Mais uma vez o contexto
de salvaguarda aplicadas para as mitigar.» do artigo iria no sentido de se referir ape-
Já sabemos que o argumento sistemáti- nas à auditoria às contas. No entanto, pe-
co é equívoco: a solução mais fácil é a de las mesmas razões que o 71º/2, apenas se
dizer que se aplica apenas à auditoria às pode concluir que é regra geral.
contas, porque os restantes números do 3) O 91º/5 EOROC estatui o seguinte: «6 -
71º respeitam na sua maioria às auditorias Os revisores oficiais de contas e os sócios de
às contas. Ora, bem sabemos que existem sociedades de revisores oficiais de contas que
«a contrario» válidos a este argumento. exerçam funções em entidades de interes-
Por outro lado, o único lugar paralelo des- se público estão impedidos de celebrar con-
ta expressão «documentos de trabalho da tratos de trabalho com essas sociedades, du-
auditoria» encontra-se no artigo 84º/8 rante o período do mandato e até três anos
EOROC, que respeita apenas à auditoria às após a sua cessação». No âmbito do EOROC,
contas. Mais genericamente, a expressão em relação a EIP o exercício de funções
«documentos de trabalho» aparece igual- que está previsto é o de «funções de revi-
mente no artigo 46º/7 e 9, que se referem são legal das contas» (54º/2, 3) (embora
a auditoria a contas consolidadas. O arti- seja também referido «trabalho de revi-
go 73º/b EOROC sobre registo de ameaças são legal das contas» no 78º/1),e «fun-
à independência refere-se apenas à au- ções de revisão ou de auditoria às con-
ditoria às contas . É verdade que existem tas» (91º/2/a). As funções relativas a EIP,
deveres de documentação gerais no âmbi- quando são especificadas, respeitam ape-
to de funções de interesse público (75º/10 nas a auditorias às contas. Por isso, tem de
EOROC80 76º EOROC, v.g.). No entanto, o se entender que este artigo respeita ape-
feixe de índices antes indicados vai no nas à auditoria às contas.
sentido de que se aplica apenas à revisão Este exercício, se nos demonstrou algo, é
às contas. o de que os conceitos usados pelo legislador
2) Nos termos do 71º/10: «10 - No prazo são flutuantes, pouco rigorosos, e que por isso
máximo de três meses, o revisor oficial de existe um longo trabalho de simplificação e
contas ou a sociedade de revisores oficiais reforço dogmático a fazer nesta área.

80
Pela epígrafe parece que se refere apenas à «revisão legal das contas», mas depois o seu corpo reza «trabalho de revisão ou auditoria».
81
«10 - No exercício de quaisquer outras funções de interesse público, os revisores oficiais de contas organizam um arquivo de toda a documentação de suporte ao trabalho realizado e às conclusões

obtidas.»

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b) Os círculos do auditor e do auditado gulares cujos serviços estejam à sua dispo-


sição ou sob o seu controlo e que estejam
Por outro lado, nem o auditor nem o audita- diretamente envolvidas nas atividades de
do vivem sozinhos no mundo. Estão rodeados revisão legal das contas, bem como as pes-
de círculos de pessoas, e estas podem de uma soas estreitamente relacionadas» (71º/4, 5,
forma ou de outra influenciar o trabalho de 7, 8 EOROC);
auditoria. A questão é que o legislador pode- e) De tipo V: «os sócios de sociedade de reviso-
ria dado uma definição geral do círculo do au- res oficiais de contas seus representantes no
ditor e outra do círculo do auditado82, poden- exercício dessas funções» (91º/4 EOROC)lxx;
do depois calibrar os regimes, remetendo para f) De tipo VI: «os sócios de sociedades de revi-
a totalidade ou apenas para uma parte desses sores oficiais de contas que exerçam funções
círculos. A razão deste assistematismo é sem- em entidades de interesse público» (91º6
pre a mesma: o legislador nacional não orga- EOROC).
nizou ao transpor o direito europeu, e este não O círculo do auditado também dá lugar a
organizou ao receber normas feitas em estilo mais de uma definição83:
anglo-americanolxix. a) Tipo A – adquirente ou adquirido ou fusão
Há várias definições do círculo do auditor: do auditado (71º/9 EOROC);
a) De tipo I: «quaisquer pessoas singulares em b) Tipo B – supervisões públicas do auditado
posição de influenciar direta ou indireta- (89º/1, 4, 5, 6 EOROC);
mente o resultado da revisão legal ou volun- c) Tipo C – quem tem funções de admi-
tária de contas» (71º/1 EOROC); nistração, gestão, direcção ou gerência
b) De tipo II: «a sua rede, os seus gestores, au- (89º/2, 5, 6 EOROC)
ditores, empregados, qualquer outra pessoa d) Tipo D - relacionados com auditado
singular cujos serviços estejam à disposição (89º/3, 4, 5, 6 EOROC)lxxi;
ou sob o controlo do revisor oficial de contas e) Tipo E «administradores ou quadros direti-
ou da sociedades de revisores oficiais de con- vos com influência significativa sobre a pre-
tas ou qualquer pessoa ligada direta ou indi- paração das contas dessa entidade de inte-
retamente ao revisor oficial de contas ou às resse público» (91º/5 EOROC);
sociedades de revisores oficiais de contas por f) Tipo F - entidade associada a uma entida-
lxxii
uma relação de domínio» (71º/2 EOROC); de auditada (75º/7/b EOROC) ;
c) De tipo III: «a sua rede ou qualquer pessoa g) Tipo G – relação de domínio ou grupo com
singular em posição de influenciar o resulta- a auditada (89º/3/b EOROC, também o
do da revisão legal das contas, e a entidade 28º/2 CSC);
auditada» (71º/3 EOROC); h) Tipo H - «entidade associada a uma enti-
d) De tipo IV: «os seus sócios principais, os seus dade auditada» (71º/8 EOROC).
empregados e quaisquer outras pessoas sin- O recorte barroco da lei torna muito difícil

82
Uso a expressão «círculo do auditado» e não «partes relacionadas» porque é uma expressão que de tanto ser usada em gíria profissional perdeu grande parte da sua pertinência e neste contexto

só geraria equivocidade.
83
Os tipos do círculo do auditado são designados por letras para não complicar mais as designações tipológicas.

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encontrar linhas claras do regime. Mas exis- De comum aos dois círculos o cônjuge e
tem apesar de tudo alguns traços que se po- pessoa com quem viva em união de facto. Mas
dem encontrar. já as relações divergem na sua enunciação:
No círculo do auditor aparecem: a) No tipo IV (auditor) referem-se «descen-
a) Os sócios do auditor pessoa colectiva (ti- dentes a seu cargo e outros familiares que
pos IV, V e VI); consigo coabitem há mais de um ano»;
b) A rede (tipos II, IV); b) No lugar paralelo do tipo D (auditado)
c) A cláusula geral dos influenciadores (tipo «parentes em linha reta» e «parente ou afim
I, III); na linha reta ou até ao 3.º grau, inclusive, na
d) Os dominantes ou dominados do auditor linha colateral».
(tipo II); O regime não podia ser mais barroco,
e) Os gestores do auditor (tipo II); abrindo destrinças que não têm muita razão de
f) Os auditores e empregados do auditor ser material. Os círculos podiam ser, como se
(tipo II); disse, desenhados uniformemente para o au-
g) Pessoa singular cujos serviços estejam à ditor e o auditado, calibrando depois o regime.
disposição ou sob o controlo do ROC ou da
SROC (tipos II, IV), no caso do tipo IV que c) Tipos de incompatibilidades
esteja directamente envolvida nas activi-
dades de revisão legal das contas; Em abstracto, e quanto à direcção, há três
h) As pessoas estreitamente relacionadas tipos de incompatibilidades possíveis:
(tipo IV). a) As consequentes ou dextrogiras, em que
No círculo do auditado aparecem em se estatui que quem está ou esteve a exer-
sobreposição: cer as funções de auditor deve ou não pode
a) apenas alguns casos do tipo C e do tipo E; praticar certos factos, estar em certas si-
b) pessoas de natureza muito variada nos ti- tuações – ser auditor faz parte da previ-
pos A, D, F, G e H. são (v.g., 71º/1, 4, 5, 8, 9, 10, 91º/4, 5, 6, 7
Mais impressivo é o parentesco entre as EOROC84).
«pessoas estreitamente relacionadas» do tipo IV b) As antecedentes ou levogiras, em que se
do círculo do auditor (71º/4, 5, 7, 8 EOROC) e determina que quem está em certas situa-
algumas das pessoas relacionadas do tipo D do ções não pode exercer funções de auditor
auditado (89º/3, 4, 5, 6 EOROC). É muito co- – não ser auditor faz parte da estatuição
85
mum o intérprete se perder na sua semelhan- (71º/7, 89º/1, 2, 3, 4, 5, 6 e 134º EOROC
lxxii
ça, não percebendo por que razão são consa- ).
gradas normas diversas. A primeira diferença, c) As simétricas: as duas situações são in-
com a tipologia que expusemos, torna-se no- compatíveis independentemente de qual
tória: o primeiro respeita ao círculo do auditor surgiu primeiro (71º/2, 3, 88º, 90º, 91º/1,
e o segundo ao do auditado. 2, 3, 139º EOROC).

84
Nas sociedades comerciais ver o 28º/2, 414º-A CSC.
85
Nas sociedades comerciais ver «1 - O fiscal único e o suplente têm de ser revisores oficiais de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas e não podem ser accionistas.» (414º/1 CSC).

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Se bem se vir, a forma como o regime está e direto, nem participar na transação de
estruturado não é indiferente para a sua análi- quaisquer instrumentos financeiros emiti-
se. As duas primeiros exigem em cúmulo, um, dos, garantidos ou de qualquer outra forma
e um só sentido, temporal: apoiados por qualquer entidade auditada
a) Nas dextrogiras quem já é auditor e depois que recaia no domínio das suas atividades de
faz algo ou lhe acontece algo; revisão legal das contas, com exceção de in-
b) Nas levogiras, a quem já algo aconteceu, e teresses que indiretamente possuam através
depois pretende ser auditor. de organismos de investimento coletivo di-
Nas simétricas irreleva o sentido tempo- versificado, incluindo fundos sob gestão, no-
ral. Irreleva se antes era auditor ou se antes meadamente fundos de pensões ou seguros
havia a situação que gera incompatibilidade: de vida» (71º/4 EOROC);
uma e outra são proibidas. c) Os auditores «não podem solicitar nem
O legislador chega mesmo a determinar o aceitar ofertas pecuniárias ou não pecuniá-
que se passa com as levogiras no caso de su- rias, nem favores da entidade auditada ou de
perveniência. Em princípio há uma situação qualquer entidade associada a uma entidade
que impede ser auditor. Mas se a situação for auditada, exceto se uma parte terceira ob-
superveniente? O legislador não esqueceu essa jetiva, razoável e informada pudesse consi-
situação e no 89º/5 EOROC estatui que que gera derar o seu valor insignificante ou inconse-
caducidade da designação como auditor86. quente» (71º/8 EOROC);
Um sistema muito mais simples seria o d) Há o dever de identificar ou avaliar inte-
de ter apenas incompatibilidades simétri- resses actuais ou recentes incluindo ser-
cas, e, nas que fossem assimétricas, regu- viços distintos da auditoria no caso de fu-
lar apenas os regimes de nojo. Mas como não são ou aquisição da ou pela auditada (71º/9
é esse o caso, é o actual regime que temos de EOROC);
compreender. e) Há o dever de pôr termo a interesses ou
Esta destrinça parece ser meramente relações incompatíveis (71º/10 EOROC);
classificatória, mas permite organizar as con- f) Há o impedimento de exercer funções de
sequências jurídicas, os efeitos de situações administração ou gerência na auditada
indesejadas pelo legislador. ou sua participada ou participante (91º/4
Nas incompatibilidades consequentes ou EOROC), implicando a nulidade da eleição
dextrogiras: ou designação (91º/7 EOROC);
a) O auditor não pode participar na toma- g) Também é consagrado o impedimento de
da de decisões da auditada (71º/1 EOROC). designar ROC ou sócios da SROC na revi-
Saliente-se da tomada de quaisquer deci- são legal de contas a EIP (91º/5 EOROC);
sões, independentemente do nível ou da h) É determinado o impedimento de cele-
lxxiv
matéria de decisão . brar contratos de trabalho com EIP (91º/6
b) Os auditores «não podem deter nem ter EOROC);
qualquer interesse económico material i) «2 - O revisor que tenha elaborado o relató-

86
A tentação seria a de considerar esta incompatibilidade como simétrica, porque se aplica num e noutro sentido temporal. Mas em boa verdade, o regime não é o mesmo caso a sequência temporal

seja uma ou outra. De qualquer forma, este é mais um sintoma que revela a dificuldade de dar clareza ao regime.

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rio exigido pelo número anterior [Verificação c) A impossibilidade de exercer auditoria em


das entradas em espécie] não pode, duran- geral (88º EOROC);
te dois anos contados da data do registo do d) A cessação de funções e suspensão na
contrato de sociedade, exercer quaisquer OROC (90º EOROC) – mais uma vez se
cargos ou funções profissionais nessa socie- verifica que é simétrica, porque se apli-
dade ou em sociedades que com ela se en- ca tanto em relação a auditorias que ainda
contrem em relação de domínio ou de gru- não aceitou como a auditorias já aceites;
po.» (28º/2 CSC). e) É proibido o exercício não exclusivo da au-
As incompatibilidades antecedentes ou ditoria nos termos e limites da lei (91º/2, 3
levogiras têm consequências diversas: EOROC);
a) Não poder participar ou influenciar a revi- f) Pode ser igualmente motivo de exclusão
são legal de contas (71º/7 EOROC); de sócio nos termos do 139º/1/b EOROC.
b) O impedimento de exercer funções de O resultado final desta descrição pode
revisão ou auditoria a supervisionadas ser pouco estimulante, porque nos temos de
quando se é auditor de supervisão públi- orientar numa tessitura de normas algo gon-
ca (89º/1 EOROC), membro de órgão de górica. Mas, apesar de tudo, conseguimos es-
gestão (89º/2 EOROC), quando for rela- tabelecer o seu âmbito de aplicação, territorial
cionado com o auditado (ver tipo D supra) e substantivo (geral, funções de interesse pú-
(89º/3 EOROC), aplicando-se apenas aos blico, auditoria às contas), os círculos do audi-
sócios de SROC e não a todos os agentes tor e do auditado, a direcção das incompatibi-
da SROC se só queles tiverem esse impedi- lidades (dextrogiras, levogiras e simétricas), e
mento (89º/4 EOROC), e não se aplicando as suas consequências jurídicas próprias.
o impedimento em relação aos suplentes
(89º/6 EOROC); D.3. Benefícios
c) O impedimento de exercer auditoria inde-
pendente por parte do sócio de SROC salvo Os auditores são profissionais, e sobretudo os
quando o auditor estiver de saída da SROC de maior dimensão assumem uma natureza
(134º EOROC). empresarial muito complexa. É, por isso, na-
d) O impedimento de exercer quaisquer car- tural e legítimo que queiram retirar benefícios
lxxv
gos ou funções (28º/2 CSC). da sua actividade . A questão é que estes be-
Nas incompatibilidades simétricas são nefícios podem afectar a independência, e por
outros os efeitos: isso são regulados pelo legislador quanto à sua
a) O dever de tomar medidas adequadas dimensão, a sua origem e a sua naturezalxxvi.
(71º/2 EOROC);
b) O impedimento de realizar revisão legal a) Honorários
ou voluntária de contas (71º/3 EOROC) –
a natureza simétrica desta incompatibi- A lei estatui que:
lidade nota-se pela estatuição conjugada a) São devidos honorários pelos serviços
com a previsão: está impedido de aceitar prestados nos termos contratuais (58º/1
o trabalho caso haja o impedimento, está EOROC);
impedido de prosseguir o trabalho caso b) as despesas dos auditores podem ser
haja impedimento; reembolsadas (58º/2 EOROC);

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c) no exercício de funções de interesse pú- já antes bastamente havida a propósito das


blico, os honorários: incompatibilidades.
1) são estabelecidos de acordo com crité- Interessa, por isso, nesta sede tentar per-
rios de proporcionalidade nas funções de ceber o regime sob o ponto de vista objectivo.
interesse público (59º/3 EOROC); O auditor e os do seu círculo não podem
2) não podem pôr em causa a sua inde- solicitar nem aceitar. Significa que o legisla-
pendência profissional e a qualidade do dor coloca no mesmo pé uma postura activa ou
seu trabalho, nem ser influenciados ou passiva. Mas significa igualmente que se es-
determinados pela prestação de serviços tatuem deveres para além dos auditores. Na
adicionais à entidade auditada, nem ser perspectiva da construção de infracções espe-
em espécie, contingentes ou variáveis em cíficas esta extensão é significativa.
função dos resultados do trabalho efetua- Estão abrangidas ofertas e favores. Uma
do (59º/2 EOROC); oferta traduz-se num bem, num activo ou
3) se forem significativamente baixos serviço. O favor refere-se não aos activos, bem
presume-se violação de normas (69º/4/b, ou serviço enquanto tais, mas os termos (mais
5 EOROC); favoráveis, por definição) em que é dado aces-
d) se existir uma dependência excessiva dos so a eles.
honorários a pagar pelo cliente conside- O que é um valor insignificante não se
ra-se que existe risco de interesse pessoal pode quantificar rigidamente. Se o legislador
(71º/11/b EOROC)lxxvii. o tivesse querido quantificar tinha-o feito.
Por isso: Apenas se podem dar linhas de concretização.
a) os honorários têm de ser comunicados à Historicamente são valores não insignifican-
OROC (57º/2 EOROC); tes €5000 (em 2022)lxxix, 13800 escudos (em
b) do registo de clientes constam os honorá- 1994)lxxx, mas são considerados insignifican-
rios recebidos (75º/8/c EOROC)lxxviii. tes 500 escudos (em 1994)lxxxi. Por exemplo,
no Brasil usa-se o conceito de insignifican-
c) Ofertas te para o que não ultrapassa o salário míni-
molxxxii. Mas temos de ter em conta que o salá-
Reza a lei: «não podem solicitar nem aceitar rio mínimo no Brasil é o de um país bem mais
ofertas pecuniárias ou não pecuniárias, nem fa- pobre, per capita e em desenvolvimento hu-
vores (…), exceto se uma parte terceira objetiva, mano, que Portugal. O critério tem a vantagem
razoável e informada pudesse considerar o seu de ter um elemento quantitativo, mas peca por
valor insignificante ou inconsequente» (71º/8 excesso no caso português. Por exemplo pu-
87
EOROC ). Como era de esperar, este aspec- blicita-se que o «furto de barras de alumínio
to do regime relaciona, no círculo do audi- no valor de 150 reais não pode ser considerado
lxxiii
tor, o tipo IV, e, no círculo do auditado, o pró- insignificante » Em 30 de Maio de 2022 isto
prio auditado e o tipo H. Por isso, descrever correspondia a 29,63€lxxxiv.
os círculos envolvidos é retomar a questão Resta saber o que significa inconsequente.

87
Cf. A 63 ISQM 1 «The firm prohibits the acceptance of gifts and hospitality from a client, even if the value is trivial and inconsequential.»

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

É uma excepção que o legislador contemplou A única exclusão típica considerada na lei
com origem, como a insignificância, no artigo é a de o seu valor ser insignificante ou incon-
22º/5 DA, e faz sentido considerar o seu signi- sequente. É significativo que o legislador não
ficado autónomo: quando a oferta decorre de o use dois critérios que seriam possíveis em
auditor, por coincidência, estar incluído numa alternativa:
determinada categoria, e apenas por essa ra- a) O da proporcionalidade;
zão, e essa categoria é suficientemente abs- b) o dos usos sociais, nos «donativos con-
tracta para não dar probabilidade ao auditor de forme aos usos sociais» (940º/2, 1682º/4
a receber mais elevada que a de um não audi- Código Civil).
tor. Não interessa pois saber se a categoria foi O primeiro significaria que, para se apre-
criada com a intenção de favorecer o auditor, ciar a licitude de uma oferta, se teria de verifi-
mas apenas a de saber se o favorece, mesmo car o seu valor relativo ao valor, seja do traba-
que de forma potencial. lho de auditoria, seja o da auditada. O facto de
Por exemplo, se um banco atribuir uma o legislador não ter usado esse critério exclui
oferta a clientes com mais de x anos, se o au- a possibilidade de invocar a proporcionalida-
ditor estiver nesse caso, não faz sentido recu- de. Não faz sentido dizer que numa auditoria
sar a oferta. Mas se o prémio ou a vantagem pequena uma caneta esferográfica correspon-
for dado apenas clientes que numa agência te- de a, numa auditoria grande, uma caneta de
nham mais de x anos e se dá o caso de o au- marca em ouro, uma pequena auditoria per-
ditor nessa agência ser o único a preencher o mite um almoço num restaurante de bairro e
requisito, ou haver menos nesse situação que uma grande num restaurante de luxo. O seu
noutras agências no banco, já se mantém ple- valor é apreciado em si mesmo, objectiva e ab-
namente a proibição em relação às ofertas- solutamente, em relação à sociedade88 como
lxxxv
. Isso também não impede que um auditor um todo e não em proporção.
de uma empresa de energia beneficie de des- Também a não referência a usos sociais
contos do preço substantivamente categoriais é relevante. Não interessa saber se num de-
e que não o favoreçam, nem que seja tenden- terminado meio há usos mais generosos que
cialmente. Esta excepção é importante sobre- noutros. Mais uma vez o critério é da aprecia-
tudo em serviços em oligopólio, em que a es- ção absoluta.
colha do cliente é reduzida.
Em suma, é lícita uma oferta ao auditor d) Serviços distintos de auditoria
caso esta seja atribuída a este noutra catego-
ria que não de auditor, nos termos em que esta Na revisão às contas (repare-se, seja ou não de
categoria a receberia, e caso a categoria não EIP), havendo fusão da auditada ou aquisição
favoreça, nem que potencialmente, o auditor. da mesma ou pela mesma isso implica que o
Em síntese há ofertas que são lícitas por auditor avalie as implicações tendo em conta
força da sua dimensão (insignificantes) ou da igualmente os serviços distintos da auditoria
lxxxvi
sua causa (inconsequentes) . (71º/9 EOROC).

88
Sociedade, saliento, não no sentido de sociedade comercial, mas de sociedade total.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

A remuneração da prestação de serviços Já quanto ao conteúdo da prestação, como este


distintos de auditoria não pode ser elemento decorre da lei no seu núcleo, não sobra muito
ou critério da avaliação de desempenho e da espaço para a autonomia privada.
remuneração de qualquer pessoa que possa
influenciar a realização da auditoria (74º/10 D.5. Limites temporais
EOROC).
Da mesma forma, nas sociedades comer- Embora o regime nas EIP seja muito mais rico,
ciais, as demonstrações financeiras referem não se pode dizer que o regime geral seja ine-
os honorários dos auditores, e devem distin- xistente. Existem regras gerais sobre a dura-
guir os serviços distintos de auditoria dos de ção dos mandatos dos auditores:
revisão (66º-A/1/b, 508º-F/1/b CSC). a) Os auditores na revisão legal das contas
são inamovíveis durante o mandato, salvo
D.4. Contratação justa causa (54º/1 EOROC)lxxxix;
b) A extinção do mandato pode ser uma das
A relação de funções de interesse público é condutas adequadas para pôr termo a
constituída por contrato escrito (53º EOROC), conflitos de interesse91 xc.
que no caso da auditoria às contas segue mo- Mesmo no regime geral, como se vê, a
delo da OROC (53º/1 EOROC)89, havendo pra- preocupação do legislador é dupla:
zo para a aceitação pelo auditor depois da de- a) A de preservar o mandato contra ameaças,
signação pelo órgão competente da auditada dando-lhe uma duração mínima (a téc-
(50º, 53º/1 EOROC)90 lxxxviii. nica da inamovibilidade é mais uma ga-
A forma escrita (e mesmo padroniza- rantia que se encontra também no Direito
da na revisão das contas) garante que as re- Público com a mesma finalidade);
lações entre o auditor e auditado estão claras, b) a de impedir a manutenção de um manda-
nomeadamente no que respeita ao seu âmbi- to em que não esteja garantida a indepen-
to temporal e as auditadas objecto do serviço. dêncialxi. l

89
Ver a GAT 4, de 19/12/2016 Multifuncoes Ineo-20161219135716 (oroc.pt).
90
A referência ao registo feita pelo artigo 50º/4 EOROC, compreende-se nomeadamente porque está sujeita a registo «a designação e cessação de funções, por qualquer causa que não seja o decurso

do tempo, dos membros dos órgãos (…) de fiscalização das sociedades» (3º/1/m, 66º/2 Código do Registo Comercial, CRC), nas empresas públicas igualmente (5º/c CRC), com os efeitos do 17º/3 CRC

(::: DL n.º 403/86, de 03 de Dezembro (pgdlisboa.pt)).


91
Os já estudados «medidas adequadas» (71º/2 EOROC), «medidas necessárias» para pôr termo a conflitos de interesse (71º/10 EOROC), 25/a ISQC 1), «acção apropriada» (A17 ISA 200), «tomar as acções

apropriadas» (11 ISA 220), «acção apropriada, que pode incluir a eliminação da actividade ou interesse que cria a ameaça ou a renúncia ao trabalho de auditoria, quando essa renúncia for possível segundo

a lei ou regulamento aplicável» (A3 ISA 220), «medidas necessárias para pôr termo a quaisquer interesses ou relações atuais suscetíveis de comprometer a sua independência» (71º/10 EOROC).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

E. A CONFIGURAÇÃO NORMATIVA DA INDEPENDÊNCIA

E.1. Os bens jurídicos Em primeiro lugar, é o próprio


legislador que inclui no interesse pú-
a) Âmbito blico interesses de terceiros em re-

A
lação ao auditor. Por exemplo, os
independência enquanto princí- interesses dos consumidores, dos in-
pio geral consta do EOROC como vi- vestidores, dos credores, dos sócios,
mos, mas aparece esparso em várias dos trabalhadores (cf., v.g., 64º/1/b
normas92. CSC). Mas não são estes interesses
Os auditores exercem funções de enquanto tal que são tutelados. São-
interesse público93. Esse é o centro no apenas se e na medida em que o le-
da sua actividade. Por isso, enquan- gislador os tenha incorporado como
to a exercem, mais nenhum interesse integrantes do interesse público.
deve ser tido em conta. Ser indepen- Em segundo lugar, é evidente que
dente é ser independente de quais- o auditor não trabalha por caridade.
quer interesses que não sejam os pú- Tem um interesse egoísta e legítimo
blicos94 xcii. no exercício da actividade de audito-
Este o princípio geral, que não ria. Basicamente o de ser remunerado
tem excepções, mas tem de ser du- pelo seu trabalho e ser respeitado nas
plamente matizado. suas funções. E este interesse pode

92
14, A14 ISA 200, A21 ISA 260.
93
Isto também é reconhecido pelas ISA. Vejam-se o A16 ISA 200.
94
Ver o ISQM 1 «15. The public interest is served by the consistent performance of quality engagements. (…)», «28. The firm shall establish the following quality objecti-

ves that address the firm’s governance and leadership, which establishes the environment that supports the system of quality management: (a) The firm demonstrates

a commitment to quality through a culture that exists throughout the firm, which recognizes and reinforces: (Ref: Para. A55–A56) (i) The firm’s role in serving the public

interest by consistently performing quality engagements», «A130.The firm’s determination of when it is appropriate to communicate with external parties about the firm’s

system of quality management is a matter of professional judgment and may be influenced by matters such as: (…) • The public interest benefits of external communi-

cation and whether it would reasonably be expected to outweigh the costs (monetary or otherwise) of such communication». Ver igualmente o 7 ISQM 2.

Também em relação aos técnicos oficiais de contas o ISQM 1 reza: «A2. The IESBA Code7 contains requirements and application material for professional accountants

that enable professional accountants to meet their responsibility to act in the public interest. As indicated in paragraph 15, in the context of engagement performance

as described in this ISQM, the consistent performance of quality engagements forms part of the professional accountant’s responsibility to act in the public interest.»

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

em situações de conflito justificar suspensão, pendência quando alguém tivesse danos com
redução ou extinção contratual nos termos a conduta do auditor, sendo assim necessário
gerais. Não pode é nunca ser fundamento para demonstrar danos para imputar tal violação?
alterar o conteúdo ou a qualidade da presta- Ou então de perigo concreto? Não seriam ne-
ção95 xciii. cessários danos, mas ter-se-ia de demonstrar
Mais uma vez um lugar paralelo torna de qualquer forma que tinha havido no caso
mais claros os contornos da situação. O traba- concreto perigo da sua produção?
lhador em funções públicas pode em caso de É bom de se ver que nenhuma das res-
conflito laboral estar legitimado para a sus- postas é a correcta. O dever de independência
pensão, redução ou extinção contratual. Não constitui-se como um tipo de aptidão. Para
pode é dar informação incompleta aos parti- esta conclusão conduz mais de um argumento.
culares, ter menor diligência na instrução dos Em primeiro lugar, a letra do preceito.
processos, ou dar fundamento insuficiente Remete apenas para o bem jurídico. Em parte
aos actos que elabora. O conteúdo e a qualida- nenhuma refere danos ou perigos. Esta é a tí-
de da prestação em nada podem ser afectados pica redacção de tipos de aptidão.
pela situação de conflito laboral. Em segundo lugar, a integração sistemá-
Por isso, o princípio geral que inicialmen- tica da norma. Referem-se «ameaças» à inde-
te se afirmou mantém-se incólume: o auditor pendência mesmo que «eventuais»96 xcv. A tu-
no exercício das suas funções de interesse pú- tela da aparência, que é comum nos tipos de
blico tem de atender apenas ao interesse pú- aptidão, é assumida expressamente97.
blico, e tem de ser absolutamente indepen- Em terceiro lugar, a finalidade da regra.
dente dos seus próprios interesses ou dos de O que se visa é orientar o auditor na sua acti-
terceiros. vidade. O modo como conforma a sua actua-
ção tem de ser preventivo da lesão de bens, no
b) Tipo de perigo caso, o de o seu trabalho ser orientado por ou-
tros bens que não os de interesse público.
Temos, por outro lado, de perceber que rela- Por outro lado, há condições de indepen-
ção estabelecem as normas dos artigos 61º/2 dência que são expressamente estabelecidas
e 71º/1 EOROC com o bem jurídico. São normas nas normas:
de dano, de perigo concreto, de perigo abs- a) O auditor não tem responsabilidade na
tracto, de aptidão? preparação das demonstrações financei-
De perigo abstracto definitivamente não ras, (A11 ISA 210);
podem ser. Nestas normas nenhuma conduta é b) não tem responsabilidades no sistema de
descrita, salvo por referência ao bem jurídico. controlo interno da auditada (A11, A17 ISA
De dano? Ou seja, só haveria violação da inde- 210);

95
Parece que entro em contradicção quando digo ao mesmo tempo que pode haver redução da prestação mas não pode haver diminuição da qualidade da mesma. A contradicção é só aparente. Pode

haver redução por exemplo quando faz parte do contrato auditar várias entidades e só em relação a uma parte delas há ameaças à independência sem que isso afecte a independência nas restantes.
96
16º/2c RJSA, 71º/6, 73º/b, 74º/5, 78º, EOROC, 11 preâmbulo DA, 22º, 22º-B, 24º/1/e DA, 7, 10 preâmbulo REA, 4º/3, 5º/4, 5, 6º REA, 21º/b, 22/c/iii, A12, A15 ISQC 1, 11, A3 ISA 220, 17/b, A22, A40 ISA 260.
97
A16 ISA 200: «O Código da IFAC descreve a independência como compreendendo não só a independência da mente como a independência na aparência.»

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

c) pode receber a informação necessária para que tem da sua personalidade, e isso afectar a
o seu trabalho (A11 ISA 210, 11 ISA 22098). sua forma de realizar a auditoria (por exem-
Todos estes elementos levam a concluir plo, afirmando que certas condutas não têm
que se trata de um regime de aptidão, com as de ser examinadas), também este interesse
suas consequências: a conduta devida define- futuro afecta a independência.
-se em função do bem jurídico, não da sua le- Mas isto não significa que o legislador te-
são, ou perigo concreto. nha considerado sempre irrelevante a tem-
poralidade dos interesses. Certos tempos são
c) A dimensão temporal dos interesses particularmente críticos, e por isso são ti-
dos em conta, nomeadamente nos regimes de
Se os factos e as omissões têm um momen- segurança.
to ou lapso de tempo em que são praticados, a Nuns casos o período temporal estabele-
questão é a de saber se o momento da geração cido refere-se directamente às funções como
de interesses tem um limite temporal. A res- auditor ou no auditado, visando segregá-las:
posta à questão é negativa. O interesse pode a) «período abrangido pelas demonstrações
ter surgido em qualquer momento no passado financeiras a auditar» (22º/1 DA, 71º/1
sem qualquer limite temporal. Mas também se EOROC) – vigência da independência e em
pode referir a interesses futuros. consequência «não participam na tomada
Se um auditor hoje descura um procedi- de decisões dessa entidade»;
mento de revisão para esconder uma infrac- b) «período durante o qual é realizada a revisão
ção prescrita que ainda hoje em dia deveria legal de contas» (22º/1 DA, 71º/1 EOROC) –
ter impacto na situação patrimonial e finan- vigência da independência - «não partici-
ceira da auditada, se hoje não analisou prova pam na tomada de decisões dessa entidade»;
que mostraria factos ilegais praticados por um c) «um prazo mínimo de um ano (…) desde a
antepassado e que seria relevante, são os fac- sua cessação das suas funções enquanto re-
tos praticados hoje que relevam e não a data visor oficial de contas ou sócio principal res-
em que surgiram os interesses. Se essa data ponsável» (22º-A/1, 2 DA, 72º EOROC) an-
for muito antiga mas ainda afectar ou puder tes de assumir certas funções;
afectar a situação objecto de auditoria, não d) «tenha exercido nos últimos três anos fun-
deixa de ser relevante por ser antiga. Isto em ções de membro dos seus órgãos de admi-
nada afecta as garantias do auditor enquan- nistração» - impedimento para ser auditor
to autor ou comparticipante numa infracção. (89º/3/e EOROC)
Estará a ser julgado por factos recentes que e) «nos últimos dois anos tenham exercido
praticou, mesmo que os interesses que visou funções de revisão legal das contas em em-
proteger fossem muito antigos. Também se presa ou outra entidade» (91º/4 EOROC) -
o auditor sabe que o filho terá uma profissão, impedimento de fazer parte de órgãos de
por exemplo a de médico, e antecipa futuros gestão do auditado99.
erros do filho tendo em conta o conhecimento Noutros casos, a remissão para a tempo-

98
Ver 34, A29, A113 ISQM 1, e na versão em inglês revista, A24, A40 ISA 220, 27, A101 ISA 600.
99
Também «dois anos contados da data do registo do contrato de sociedade» do 28º/2 CSC, quando faz avaliação das entradas em espécie.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

ralidade refere-se a relações indirectas: definidos pelo bem jurídico, como posterior-
a) «outros familiares que consigo coabitem há mente veremos. Este é o quadro típico das nor-
mais de um ano» (71º/5/a EOROC) – na de- mas de aptidão. Mas este mesmo quadro per-
finição de pessoa estreitamente relacio- mite-nos avançar na definição da estrutura
nada - «não podem participar nem influen- das acções que podem violar a independência.
ciar de qualquer modo o resultado da revisão Como esta visa proteger os interesses pú-
legal das contas» (71º/5 EOROC); blicos, qualquer acto de auditoria em funções
b) «relações atuais ou recentes» (71º/9 EOROC) de interesse público potencialmente é ade-
- no caso da fusão ou aquisição de ou pela quado a violar a independência. Seja a práti-
auditada. ca de actos de organização, seja a aceitação de
Finalmente, noutros casos a temporalidade é a trabalho, de planeamento, execução ou resul-
do próprio exercício de funções: tados finais.
a) «período máximo de três anos a contar da A questão que se coloca é a de saber se ac-
data de celebração do primeiro contrato de tos praticados fora das funções de interesse
prestação de serviços» para o regime de não público são igualmente potencialmente aptos
dedicação exclusiva (49º/3 EOROC); para o efeito. A resposta é positiva. Por exem-
b) «períodos de quatro anos, salvo com o seu plo, um auditor que nas suas funções de do-
expresso acordo, manifestado por escrito, cência defender uma tese que tem por efeito
ou verificada justa causa» como período proteger os interesses do cliente. O argumen-
supletivo de duração de mandato (54º/1 to da liberdade de expressão não colhe aqui. Já
EOROC); foi usado no âmbito da publicidade e não teve
A ideia fundamental é a que inicialmen- vencimentoxcvi. Se um auditor funcionalizar a
te foi exposta. Não existe qualquer limite para sua actividade de docência ou outra que não
a temporalidade dos interesses, o que rele- de interesse público para defender interes-
va é a temporalidade das condutas realizadas ses próprios ou de clientes por exemplo, está
pelo auditor. Quando o legislador remete para a violar o dever de independência. Se der prio-
temporalidades de interesses limitadas está ridade à sua liberdade de expressão tem uma
a regular zonas particularmente críticas, re- solução simples: deixa de ser auditor, e pode
gimes de segurança, com particular cuidado, assim defender livremente os interesses pró-
mas não quer em nenhum caso excluir outros prios ou alheios que não os públicos.
períodos temporais.
b) Autores e comparticipantes
E.2. A estrutura das condutas
A norma geral sobre independência refere-se
100
a) Âmbito a ROC e SROC (62º/1) .
Outras normas respeitantes ao regi-
O legislador não define os actos que podem me da independência referem-se a auditores
violar a independência. Estes são em geral (16º/2/b, 4 RJSA; 22º/6 DA, A15, A51 ISCQ 1; 1,

100
Também o 16 ISQM 1 «Firm – A sole practitioner, partnership or corporation or other entity of professional accountants, or public sector equivalent. (Ref: Para. A18)».

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

14, A14, A 16, ISA 200; A1, A11, A17 ISA 210; 22, nomo, e só é referido para evitar equívocos na
A4, A30 ISA 220101, Apêndice 2 ISA 240; 4, 17, definição dos contornos do dever de indepen-
20, A21, A23, A40, ISA 260; 6, A6, A7 ISA 300; dência. Nos trabalhos de auditoria intervêm
13, A19 ISA 402; A20 ISA 500; A4 ISA 510; 19, muitos agentes, uns que são trabalhadores do
20, 40, 41, A36, A39, Apêndice 4, Apêndice 5 auditor, outros que lhe prestam serviços, ou-
ISA 600102; 4 ISA 610103; A12, A13 ISA 620; 21, tros peritos, ainda auditores de componentes,
A15 ISA 700104; A9 ISA 800105; A5 ISA 805106; 14, empresas do grupo da auditada. Isto para já
A11 ISA 810107). não referir supervisões das auditadas a quem
O 8º/2 Cd.VM prefere o conceito de audi- se pedem informações, agentes e membros de
tor igualmente108 (cf. 10º, 115º/1/g, 318º/1/j, órgãos destas e assim por diante. O trabalho
389º/3/d Cd.VM). O elenco de auditores ainda de auditoria é desenvolvido e depende da co-
é enunciado de forma mais explícita nos ter- laboração de muitos intervenientes.
mos do 1º RJSA109. O dever de independência é um dever es-
O sócio responsável é previsto igualmen- pecífico dos auditores. Alguns deveres de
te, e no complexo de normas sobre indepen- segurança são específicos do sócio respon-
dência (cf. 45º/1/d RJSA, 23, 25/b, A51 ISQC 1, sável, ou de certos auditores (da entidade
actualmente ISQM 1; A17 ISA 200, 11, A3, A 30 consolidante, por exemplo, ou auditores das
ISA 220110). componentes). Na perspectiva da responsa-
A equipa de trabalho é referida neste mes- bilidade gera tipos específicos. No entanto,
mo universo (38, A67 ISQC 1, actualmente ISQM há que ter em conta o regime de imputação
1; A17 ISA 200; 3, 21, A2 ISA 220; 17 ISA 260; 19, da responsabilidade que implica nomeada-
40, 41, A36, A39, Apêndice 5 ISA 600111). mente comunicação da ilicitude (16º Regime
O tema só por si mereceria estudo autó- Geral das Contra-Ordenações112, 401º Cd.VM,

101
Referimos a versão em português. Na versão inglesa o recurso a «auditor» é ainda mais vasto.
102
Na versão portuguesa. Ver o 25 ISA 600 na versão inglesa revista.
103
Na versão portuguesa. A mesma observação: na versão inglesa o recurso a «auditor» é ainda mais vasto.
103
Na versão portuguesa. A mesma observação: na versão inglesa o recurso a «auditor» é ainda mais vasto.
104
Na versão portuguesa. A mesma observação: na versão inglesa o recurso a «auditor» é ainda mais vasto.
105
Na versão portuguesa. A mesma observação: na versão inglesa o recurso a «auditor» é ainda mais vasto.
106
Na versão portuguesa. A mesma observação: na versão inglesa o recurso a «auditor» é ainda mais vasto.
108
«2 - O revisor oficial de contas e a sociedade de revisor oficial de contas referidos no número anterior são, para efeitos deste Código, designados por auditor, e por auditoria a atividade por eles

desenvolvida.»
109
«O Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria (doravante designado regime jurídico) regula a atividade de supervisão pública de revisores oficiais de contas (ROC), das sociedades de revisores oficiais

de contas (SROC), de auditores e entidades de auditoria de Estados membros da União Europeia e de países terceiros registados em Portugal, definindo a competência, a organização e o funcionamento

desse sistema de supervisão, em articulação com o disposto, quanto a entidades de interesse público, no Regulamento (UE) n.º 537/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, e nos

respetivos atos delegados.»


110
O «engagement partner» é referido, em sede de independência, nas versões em inglês pelos 25, A11, A44 ISQM 2, 16-21, A13, A24, A39 ISA 220, 25, 27, A69 ISA 600.
111
A «engagement team» é prevista, em sede de independência, nas versões em inglês, pelos A64, A112 ISQM 1, 18, 20 ISQM 2, 17-19, A6, A20, A40, A43 ISA 220, A63, Appendix 3 ISA 600, A40 ISA 610, A33, A34

ISA 700.
112
::: DL n.º 433/82, de 27 de Outubro (pgdlisboa.pt).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

46º RJSA113). d) A auto-revisão


Não sendo este o tema directo do presen-
te estudo, é importante salientar o seguinte: A ISA 260 estabelece no seu A22 uma tipolo-
não é pelo facto de não ser auditor, ou au- gia, que embora se refira às ameaças à inde-
ditor de uma auditada específica, ou apenas pendência116 xcix e não pense directamente nos
membro da equipa de trabalho que não au- bens jurídicos tutelados, cobre razoavelmente
ditor, ou em geral de não ter a qualidade exi- as situações de risco que em abstracto se pre-
gida pela lei que alguém deixa de ser respon- tendem evitar:
sável pela protecção da independência, desde a) Ameaças de interesse próprio;
que lhe seja imputável a conduta nos termos b) ameaças de auto-revisão;
gerais114. c) ameaças de advocacia («advocacy threa-
ts»), que melhor se traduzia por ameaças
c) Acção e omissão de representação;
d) ameaças de familiaridade; e
A violação da independência pode ocorrer e) ameaças de intimidação.
tanto por acção como por omissãoxcvii Como o Sob o ponto de vista estrutural a mais im-
dever é o da protecção de bens públicos, estes portante destrinça é a que existe entre a au-
podem ser lesados potencialmente por se te- to-revisão e as restantes ameaças à inde-
rem omitido factos protectores do bem ou se pendência. Com efeito, esta destrinça não é
terem praticado factos que o podem violar, ou definida em função de valores ou interesses
ambos. Qual é a natureza dos actos protecto- mas de estrutura117. Este é o único caso em que
res? O elenco não é fechadoxcviii, mas o percurso a mera estrutura impede a independência. Não
pela periferia do sistema já nos deu elementos interessa saber quão bom ou independente é
para perceber a sua tipologia principal: actos um auditor. O limite inultrapassável em qual-
de controlo, medidas de separação de interes- quer circunstância é o da auto-revisão. Em
ses, recusa de benefícios, extinção, redução ou circunstância nenhuma pode fazer auto-re-
suspensão da relação contratual115. visãoc. Ninguém é bom juiz em causa própria,

113
A discussão da responsabilidade civil implicaria doutrinar sobre os artigos 490º e 491º do Código Civil e a sua relação com a responsabilidade infraccional, que seria aqui desproporcionada. Da

mesma forma a responsabilidade disciplinar suscita questões que são igualmente desproporcionadas com a finalidade deste estudo.
114
É o que resulta, nomeadamente sob o ponto de vista contra-ordenacional, do artigo 16º do Regime Geral das Contra-ordenações (::: DL n.º 433/82, de 27 de Outubro (pgdlisboa.pt)), ex ui 46º RJSA.
115
Este não é um trabalho em sede infraccional, por mais que as técnicas infraccionais tenham sido indispensáveis para o seu desenvolvimento. Por isso, não faz sentido aqui tratar do conceito de

omissão impura ou da violação da independência em tentativa ou por negligência. Apenas lembramos que estas últimas são previstas pela lei (46º RJSA, 402º Cd.VM).
116
Na versão constante de ISA-260-Revised_1.pdf (ifac.org) é o A30:«A30. The relationships and other matters, and safeguards to be communicated, vary with the circumstances of the engagement, but

generally address: | (a) Threats to independence, which may be categorized as: self-interest threats, self-review threats, advocacy threats, familiarity threats, and intimidation threats; and | (b) Safeguards

created by the profession, legislation or regulation, safeguards within the entity, and safeguards within the firm’s own systems and procedures.»
117
A DA, nas várias versões linguísticas, opõe literalmente esta visão da estrutura à de interesse no seu preâmbulo no nº 12: «caso de auto-revisão ou de interesse pessoal», «casos de autorrevisión o

interés propio», «cas d'autorévision ou d'intérêt personnel», «caso di autoriesame o interesse personale», «cases of self-review or self-interest».

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

por mais honesto e competente que seja118. Sob e) O conteúdo dos actos a praticar
o ponto de vista estrutural esta traduz-se em
auditar um objecto119: Os auditores praticam actos nessa qualida-
a) em cuja elaboração participou o auditor seja de que podem ser dos mais diversos conteú-
no papel do auditado («participa na elabo- dos. Quando são referidos os actos do au-
ração dos registos contabilísticos ou das con- ditor usa-se a expressão «auditoria» (das
tas do cliente da revisão legal das contas» contas) (41º/1/a EOROC), «certificação» (legal
71º/11/a EOROC; «assumir da responsabilida- das contas) (45º EOROC, cf. 297º/1/b, 240º/4,
de pela preparação das demonstrações finan- 451º/2, 3, 453º/2 CSC), «identificar» (45º/2/a
ceiras ou pelo controlo interno da entidade re- EOROC), «descrição do âmbito da revisão legal
lacionado com essa preparação» A11 ISA 210; de contas» (45º/2/b EOROC), «apresentar cla-
«não serve como substituto da manutenção ramente a opinião» (45º/2/c EOROC), «ima-
do controlo interno necessário para a prepa- gem verdadeira e apropriada, de acordo com a
ração de demonstrações financeiras pela ge- estrutura de relato financeiro aplicável» (45º/2/
rência» A17 ISA 210), seja no do auditor de c/i EOROC), «se as contas cumprem os requi-
uma componente, por exemplo («A equipa sitos legais» (45º/2/c/ii EOROC), «descrever»
de trabalho do grupo não poderá ultrapassar (45º/2/d EOROC), «parecer sobre a coerência
o facto de um auditor do componente não ser do relatório de gestão com as contas» (45º/2/e/i
independente envolvendo-se no seu trabalho EOROC), «parecer sobre o conteúdo do relatório
ou executando procedimentos adicionais de de governo societário» (45º/2/h EOROC), «pa-
avaliação do risco ou procedimentos de audi- recer» (362º/2CSC), «declaração» (45º/2/e/ii,
toria adicionais sobre a informação financeira 2/f EOROC, 452º/3 CSC), relatório (47º EOROC,
do componente» A39 ISA 600120); 490º/2 CSC), «atestar» (451º/6 CSC).
b) em cuja decisão participou o auditor (22º/1 Verificar (46º/1/b, c, 2, EOROC, 28º/1,
DA, «não pode exercer funções de revisão ou 89º/4, 123º/3, 349º/3, 420º/4, 421º/1 CSC), exa-
auditoria às contas numa empresa ou outra minar (52º/4, 84º/3/d EOROC, 99º/2, 3, 379º/4,
entidade o revisor oficial de contas que exer- 420º/4, 421º/1, 451º/2, 453º/2, 508º-D CSC),
ça, nela, em qualquer sociedade nela parti- fazer relatório (45º/10, 47º, 52º/2, 75º/9/b, 11,
cipante ou em que ela participe, funções de 81º/1/c, 128º/1, 4 EOROC), fazer revisão (420º/4
administração, gestão, direção ou gerência», CSC) são outros tipos de actos que aparecem
89º/2 EOROC, cf. 89º/5 EOROC). com regularidade nas normas121 ci.

118
O 22º/1 DA reza «ameaça de autoavaliação» mostrando o que é a auto-revisão: é avaliar-se a si mesmo.
119
A extensão deste regime à rede é preocupação do nº 11 do preâmbulo à DA. Ver 71º/3 EOROC. Na carta do CEAOB de 30 May 2022, refere-se a «Self-review threat that might be created by the provision of

non-assurance services (NAS) by a component auditor firm outside the network» (CEAOB comment letter to IESBA proposed revisions to definition of engagement team and group audits (europa.eu)).
120
Versão portuguesa. Ver na versão inglesa revista o A18 ISA 600: «A18. The exercise of professional skepticism by the group auditor includes remaining alert for inconsistent information from component

auditors, component management and group management about matters that may be significant to the group financial statements.»
121
Em GLARE, P. G. W. (ed.), Oxford Latin Dictionary, Clarendon Press, Oxford, 2009, p. 631 para «examinare» aparece «1 to swarm 2 to weigh, balance 3 to weigh evenly, put in equilibrium, 4 to consider

critically, examine», «auditor» é um ouvinte (p. 209), o verbo «auditare» é ouvir com frequência (p. 209), não é actividade ocasional, o campo semântico de «relatus» e «relator» (pp. 1603-1604) res-

peita a expor uma matéria perante o Senado, a referência a um padrão, ou medida de comparação, o relato de eventos, a acção de trazer de volta no sentido físico, o relator é o que propõe moção ao

senado, o que regista; não aparece «verificare», tudo indicando não ser verbo clássico.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

Tendo em conta a amplitude da definição res paralelos;


legal de funções de interesse público (2º/1/j b) Entre o dever de independência e os regi-
RJSA), não se podem definir conteúdos gerais mes de segurança.
das condutas dos auditores sem se fazer um Quanto aos primeiros, apenas se tem de sin-
inventário de todas as situações em que uma tetizar o que se disse a propósito dos regi-
norma prevê a intervenção de auditor, como mes paralelos:
obrigatória ou facultativa. Esse só por si é um a) Há concursos efectivos entre a violação da
tema que mereceria um estudo autónomo. independência e a violação dos deveres de
Mas há apesar de tudo tendências que se po- competência e objectividade;
dem desenhar. A intervenção do auditor é pre- b) Pode haver concursos efectivos ou con-
vista em normas em duas situações: sunção com o dever de adequação, repu-
a) Quando se prevê que verifique (com tação, cepticismo profissional, e qualida-
âmbitos, e efeitos diversos) certas situações. de de trabalho;
b) Quando se prevê que um auditor avalie c) O dever de responsabilidade não gera con-
um activo, aproveitando a credibilidade que cursos por ser vazio normativamente.
tem a sua profissão (v.g. a versão antiga do Já o concurso entre as violações do dever
188º Cd.VM, o 28º/1, 105º/2, 490º/2 CSC). de independência e os de segurança podem
De uma forma ou de outra, a interven- ser mais complexos. A regra geral no direito
ção do auditor tem sempre a ver com a procu- infraccional é o de que as infracções de enri-
ra122, a verificação123 e a transmissão da verda- quecimento consomem as de segurança. Ora,
decii. Uma verdade mediada normativamente, sob o ponto de vista da sanção, a solução nes-
é certo (à luz de regras contabilísticas ou ou- te caso é neutra, ao contrário do que costuma
trasciii), mas a verdadeciv. acontecer, dado que no direito infraccional o
tipo de enriquecimento é tipicamente mais
f) Os concursos fortemente sancionado que o de segurança.
Por contraste, o 45º/1/d RJSA trata a violação
Não é possível resolver todos os concursos de «deveres de independência», englobando
possíveis nesta matéria. Teoricamente qual- na mesma sanção a violação do dever geral e
quer violação de normas relativas aos audi- dos seus desenvolvimentos, como decorre da
tores pode entrar em concurso, aparente ou enunciação meramente exemplificativa que
cv
efectivo, com a violação de outras normas consagra .
relativas a auditores. A violação do dever de Uma resposta cabal na matéria careceria
independência não é excepção a esta regra. de uma teorização da conduta dos auditores
Podem, no entanto, estudar-se os dois tipos que ainda não existe. Mas podem-se adiantar
de concursos que estruturalmente são mais soluções nesta matéria:
importantes nesta sede: a) Cada auditoria a cada auditada é uma con-
a) Entre o dever de independência e os deve- duta diversa. Por isso, a violação da inde-

122
181º/3, 214º/4, 288º/3, 421º/1 CSC.
123
Cf. 28º CSC na avaliação de entradas em espécie fala-se em «verificação». Também no 89º/4 CSC. 263º/3 CSC.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

pendência pela mesma causa gera tantas c) Mas a demonstração mais impressiva é a
condutas quanto as auditadas. sinépica. Imaginemos que alguém vio-
b) Cada auditoria é diversa quanto à sua na- la o regime da contratação e dos benefí-
tureza : se em relação a uma entidade um cios. São inequivocamente duas violações
auditor faz uma auditoria às contas in- ao regime da independência. Mas se, em
dividuais e às consolidadas, ou faz uma acréscimo, pratica uma terceira infracção
geral e uma para finalidades especiais, que apenas cabe no princípio geral? Quem
por exemplo, cada uma delas gera uma defendesse a consunção do regime de se-
conduta autónoma, e consequentemen- gurança pelo de enriquecimento teria de
te concurso efectivo, mesmo que as cau- chegar a uma conclusão inadmissível nos
sas de violação de independência sejam as próprios termos: quem pratica duas viola-
mesmas ou uma só. ções ao regime de segurança está a prati-
Nesta perspectiva, não interessa saber se car duas infracções em concurso efectivo,
foram violados ao mesmo tempo deveres de mas se praticar em acréscimo uma ter-
segurança e o dever de independência. ceira, estaria a praticar apenas uma. A al-
O problema é o de saber se alguém, no âm- ternativa seria a de considerar que nunca
bito da mesma auditoria, viola ao mesmo tem- haveria concursos efectivos no regime de
po controlos e incompatibilidades, benefícios, independência, e por isso, receber trin-
regras de contratação, limites temporais e, em ta ofertas seria o mesmo que receber uma,
acréscimo, viola por outros factos o princípio e, a partir do momento em que se pratica
geral da independência. Cada uma destas vio- uma infracção relativa à independência,
lações sustenta-se a si mesma como conduta não seria possível praticar mais nenhuma:
autónoma? Temos tantas infracções em con- seria possível não fazer rotação do auditor,
curso quantos os regimes institucionais vio- não respeitar as regras de contratação, re-
lados, acrescidos de uma violação do princí- ceber ofertas, não fazer controlos, porque
pio geral autónoma, ou todas as infracções são tudo isso seria apenas uma infracção.
consumidas pela violação do princípio geral Esta conclusão absurda obriga-nos a con-
enquanto infracção de enriquecimento? cluir o seguinte: da mesma forma que cada vio-
A solução tem de passar pela análise nos lação de um dever de segurança pode gerar uma
três níveis clássicos - estrutural, axiológico e infracção autónoma, assim a violação de um ou
sinépico: mais deveres de segurança e, cumulativamente,
a) Sob o ponto de vista estrutural, o legisla- por razões autónomas, do dever geral de inde-
dor trata todas as violações de indepen- pendência, faz com que não haja qualquer con-
dência no mesmo plano no artigo 45º. Não sunção, mas concurso efectivo de infracções.
distingue entre violações de regime de se- Se alguém, no âmbito de uma mesma audito-
gurança e do princípio geral. ria, aceita uma oferta ilegal de A, presta servi-
b) Sob o ponto de vista axiológico, trata da ços distintos de auditoria ilegais para A ou B, e
mesma maneira ambos, sancionando-os favorece os interesses de C está a praticar pelo
da mesma forma. menos três infracções em concurso124. l

124
Pelo menos, porque pode haver mais de uma oferta, mais de um serviço distinto excedente ou proibido, e assim por diante.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

F. OS EFEITOS

A
independência constitui-se como um car nulidade da eleição ou desig-
dever, mas é igualmente uma qua- nação para o correspondente car-
lidade e um requisito na perspec- go (91º/7 EOROC);
tiva dos seus efeitos. A sua presen- c) há período de nojo de um ano an-
ça ou ausência têm consequências tes de assumir funções em audi-
jurídicas. tada (72º EOROC, ou de dois anos
O primeiro grupo de efeitos en- no caso do 28º/2 CSC).
contra-se nas várias modalidades de Na relação com a OROC, é condi-
responsabilidade: ção de escusa de exercício de funções
a) contra-ordenacional (45º, 46º profissionais na OROC quando haja
RJSA)cviii; impedimento (67º/1 EOROC).
b) disciplinar (92-100º EOROC), Tem implicações no exercício
que é independente da civil e criminal de quaisquer outras profissões (88º
(95º/2 EOROC) e também da contra- EOROC), devendo o auditor cessar as
-ordenacional de acordo com juris- funções de revisor oficial de contas,
prudência corrente . O quadro sancio- e requerer a suspensão de exercício
natório disciplinar tem como limite ou o cancelamento de inscrição, con-
mínimo a multa em casos de violação soante o caso (90º EOROC).
de impedimentos (91º/7, 8 EOROC); Na suspensão do registo por ini-
c) civil (115º, 136º, 137º EOROC); ciativa da CMVM, o 13º/2 RJSA desta-
d) fiscal (24º Lei Geral Tributária) . ca a independência, embora esta seja
O regime de independência tem um elemento da idoneidade, e este
implicações igualmente na relação regime tenha de ser lido em cotejo
entre o auditor e o auditado (para com o artigo 364º-A/8 Cd.VM.
além dos regimes de segurança, no- A preocupação aqui não pode ser
meadamente dos deveres de controlo a de estudar em profundidade cada
antes estudados, em que, dentro das uma destas consequências, até por-
medidas adequadas, se inclui cessar que muitas delas (nomeadamente as
funções): responsabilidades), não são especí-
a) é condição de aceitação de traba- ficas do regime da independência. O
lhos (73º/a EOROC, A1 ISA 210); que é importante salientar é que o re-
b) a violação de impedimentos ou gime da independência tem efeitos, e
incompatibilidades pode impli- estes não são inócuos. l

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

G. REGIMES ESPECIAIS

G.1. Âmbito palavras, o 62º EOROC em relação a

H
uma EIP, e precisamente por haver
á regimes especiais com impacto na regimes de segurança bem mais de-
independência que aparecem espar- senvolvidos (desenvolvimentos pe-
samente na regulação. Este é o caso riféricos), pode implicar exigências
das cooperativas e caixas económicas legais mais apertadas no próprio
(nº 6 do preâmbulo do REAcix, 2º/3, princípio (centro do sistema).
4 REA, nº 11 preâmbulo DA, 2º/4, A questão é que, mesmo antes
3º/4/b, 32º/4A DA) ou o dos audito- de qualquer teorização na matéria,
res do sector público (A15 ISQC1, ac- é importante perceber as implica-
tualmente A66 ISQM 1, A11 ISQM 2, ções especiais da independência no
A4, A30 ISA 220 , A23 ISA 260), no- regime das EIP. Este regime consta
meadamente auditores de Tribunal do RJSA, do EOROC, merece referên-
de Contas (A51 ISQC 1, actualmente cia nas ISA mas consta sobretudo do
ISQM 1), por exemplo. Estes não po- REAcx.
dem ser esquecidos. Mas não são, da O que caracteriza o REA, como se
mesma forma, os mais importantes. disse, é sobretudo um conjunto de re-
O mais desenvolvido é o regime forços nos regimes de segurança (de
das EIP. Se o seu regime não é exclu- que é sinal a adopção das ISA – ver 9º
sivamente de independência126, foi REA, sem prejuízo do 45º/9 EOROC).
estabelecido em grande medida para Se as condutas devidas se definem
127
a reforçar . Por isso se percebe que no regime geral pelo contexto, aqui
contenha sobretudo regimes de se- o contexto já está definido, o da au-
gurança bem mais desenvolvidos que ditoria a EIPs, e o legislador retira
128
os comuns. Não que o regime da in- consequências automáticas dele . É
dependência geral numa EIP não me- esse o sentido destas normas de se-
reça leitura especial. Dito por outras gurança especiais.

125
Na versão em inglês actual ver o A48 ISA 220.
126
O nº 5 do preâmbulo REA refere as «integridade, independência, objetividade, responsabilidade, transparência e fiabilidade».
127
Nºs 6, 7, 8, 9, 10, 13, 21, 24, 31 preâmbulo REA, 1º, 2º/3, 4, 4º/3, 5º/2, 3/c, 4, 5, 6º, 8º/5/a, 9, 11º/2/a, c, 13º/2/g, 26º/7/a REA.
128
A ideia de que o contexto está definido no caso das empresas cotadas pelo próprio legislador é reconhecido pela versão inglesa actual A38 ISA 220 e 39 ISA 700.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

G.2. Controlos revisão de contas de EIP nunca pode haver pro-


cedimentos simplificados (74º/14 «a contra-
Em sede de controlos, logo à primeira ob- rio» EOROC). Na ISA 260 - Comunicação com
servação, vemos que há um maior desenvol- os Encarregados da Governação o A23 respei-
vimento dos controlos públicos. Há funções ta grosso modo a comunicações relativas a in-
intensificadas da CMVM (4º, 40º RJSA), coo- dependência em EIPcxi. Em relação às empresas
peração reforçada entre esta, a Autoridade de cotadas o 38 ISQC 1, actualmente ISQM 1, rege as
Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, políticas e procedimentos que exijam que a re-
o Banco de Portugal e a Inspecção-geral de visão do controlo de qualidade do trabalho te-
Finanças (81º/5 EOROC, 38º RJSA), a troca e nha certos requisitos (também o 21 ISA 220129).
a divulgação de informação com autorida- As salvaguardas da independência pelo
des competentes de países terceiros (27º/6 auditor são igualmente reguladas de modo
RJSA), a periodicidade do controlo de qualida- expresso (nºs 9, 10, preâmbulo REA), no-
de depende de serem ou não EIP as auditadas meadamente em relação a honorários (4º/3
(41º/1/g RJSA, nº 24 do preâmbulo REA, 26º/2 REA), serviços distintos de auditoria (5º/4,
REA), o objecto do controlo de qualidade é re- 5/b REA), ameaças à independência (6º/2/b
forçado (26º/7 REA), há deveres de informa- REA). De igual forma, estão previstas medidas
ção à supervisão pública (no caso português, do auditor (8º/5/b REA), confirmações (nº 10
a CMVM) (12º REA). A CMVM intervém igual- preâmbulo REA, 6º/2/a, 10º/2/e, 11º/2/c REA),
mente na determinação da data relevante para debates (nº 10 preâmbulo REA, 6º/2/b, 8º/6,
efeitos de rotação (54º/10 EOROC). 11º/2/§2º REA). São, em acréscimo, previs-
Nos termos do 3º Lei nº 148/2015, de 9 de tas informações à auditada e outros interve-
Setembro, o órgão de fiscalização tem várias nientes (nºs 34 preâmbulo REA, 4º/3, 7º REA;
funções de apreciação do trabalho de audito- no caso das empresas cotadas o 17 ISA 260, -
ria. O órgão de fiscalização (chamado pelo REA cf. o A23 ISA 260 que alarga a outras entida-
de comité de auditoria – cf. 2º/3 RJSA) passa des este dever), avaliações (5º/4, 5, 6º/1, 8º/1,
aliás a ter um papel de controlo reforçado (nºs 5, 10º/2/c/iii, REA). O registo (8º/4, 7 REA) e
7, 9, 10, 14, 18, preâmbulo REA), em matéria documentação (6º/1, 2/b REA) são previstos,
de honorários (4º/3 REA), serviços distintos bem como o arquivo (15º REA).
de auditoria (5º/3, 4 REA), ameaças em rela- Estas auditorias estão sujeitas a deveres
ção à independência (6º/2 REA), qualidade de de transparência reforçados. Os auditores que
trabalho (8º/5/f, 10º/2/e, 3, 11º REA), na no- as realizam divulgam relatório de transpa-
meação do auditor (16º REA), na prorrogação rência (62º EOROC; nº 17 preâmbulo REA, 13º,
do seu mandato (17º/5 REA). 26º/6/c, 8 REA) e consta de registo público na
A revisão do controlo de qualidade de tra- OROC a identificação dos auditores e das EIP
balho no âmbito do próprio auditor obedece a que auditam (172º/4/e, 6/k EOROC). Este re-
regras reforçadas (8º REA), devendo ter por ob- gisto é condição de eficácia dos actos dos au-
jecto a independência do auditor (8º/5 REA). Na ditores em relação às EIP (172º/8 EOROC).

129
Ver na versão inglesa actual A38 ISA 220 e 39 ISA 700.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

G.3. Incompatibilidades (4º/2, 3, 4 REA, 77º/2 EOROC), dependendo a


sua ultrapassagem de autorização da CMVM
Em sede de incompatibilidades aparecem (77º/15 EOROC), e estão sujeitos a um regime
igualmente reforços. de transparência, obrigando a declarações no
Só os auditores em regime de dedica- relatório de auditoria ou certificação legal de
ção exclusiva podem fazer auditorias em EIP contas (10º/2/f REA), a um relatório de trans-
(91º/2/a EOROC). parência (13º/2/k REA) e a informações ime-
Mais complexo é o regime de nojo espe- diatas à CMVM (77º/6, 7 EOROC), e à CMVM e à
cial. Se bem se atentar, todas elas se referem OROC sobre receitas (31º RJSA), a organização
a incompatibilidades dextrogiras ou conse- de um arquivo próprio (77º/12, 13, 14 EOROC).
quentes. Ou seja, não impedem ser auditor al- Os próprios honorários são registados,
guém que tenham tido antes outras funções, não podendo ser considerados contingentes
mas impedem de exercer outras funções quem (4º/1 REA130: cf. nºs 7, 8, 9 do preâmbulo REA).
tenha sido auditor de EIP.
Pelo 72º/1 EOROC o período de nojo é de G.5. Contratação
dois anos e não um ano antes de poder assu-
mir funções de gestão ou membros de órgãos A nomeação dos auditores pela auditada obe-
em auditada. dece a regras próprias (16º REA, 50º/2 EOROC).
Nos termos do artigo 91º/6 EOROC, o pe- Antes da aceitação e da continuação do
ríodo de nojo é de três anos para a celebração trabalho o auditor tem deveres de verificação,
de contratos de trabalho. documentação e comunicação adicionais (78º
Nos termos do 21º/§3º REA, em relação às EOROC, nº 10 preâmbulo REA, 6º REA).
entidades de supervisão pública, o período de
nojo é de três anos para poderem ser membros G.6. Limites temporais
do órgão de gestão, ou responsáveis pela to-
mada de decisões, ou (26º/5/c REA) ter fun- Parte do regime especial já estava consagrado,
ções de inspector nelas. em relação a empresas cotadas, quanto à rota-
ção do sócio responsável e do revisor de qua-
G.4. Benefícios lidade (25º/b, A14 ISQC 1, actualmente ISQM
131 cxiv
1 ). Mas o REA vem dar certeza ao regime .
Em sede de benefícios, mais uma vez temos O legislador cria três tipos de rotações:
regras de segurança adicionais. a) A do próprio auditor, cujo mandato tem
Há serviços proibidos (5º REA)cxii. um limite entre um mínimo de dois e um
Por outro lado, os serviços distintos da máximo de dez anos (54º/3, 8, 9 EOROC,
auditoria obedecem a requisitos mais aperta- nº 21 preâmbulo REA, 17º REA);
dos (nºs 8, 9, 34, preâmbulo REAcxiii), que pas- b) a do sócio responsável, com um máximo de
sam a ter limites quantitativos (percentuais) sete anos (54º/2, 8, 9 EOROC, 17º/7 REA);

130
Mas veja-se o 59º/2 EOROC, que mostra como foi generalizado este princípio.
131
A63 ISQM 1.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

c) a gradual dos quadros superiores da equi- de independência, sob o ponto de vista estru-
pa (54º/7 EOROC) . tural, e independentemente do crivo axiológi-
A comparação com o regime geral mos- co, da mesma maneira o 5º/5 REA cria novas
tra o que tem de novo este regime. Não tanto figuras que estruturalmente afastam sem-
o princípio que visa evitar familiaridade e em pre a independência. «Para efeitos do presen-
geral o enfraquecimento da independência, te número: a) Considera-se que o envolvimento
mas a enunciação de regras estrictas, quanto na tomada de decisões da entidade auditada e a
às duas primeiras rotações. O que era regime prestação dos serviços referidos no n.o 1, segun-
de aptidão passa a ser de perigo abstracto. do parágrafo, alíneas b), c) e) afetam sempre a
independência e que esse efeito não é suscetível
G.7. Bens jurídicos de ser mitigado por quaisquer salvaguardas».
Os serviços são «b) Os serviços que envolvam
Os bens jurídicos são conformados no regime qualquer participação na gestão ou na tomada
especial acolhendo o regime geral. Há no en- de decisões da entidade auditada; | c) A elabo-
tanto algumas ênfases. O «funcionamento or- ração e lançamento de registos contabilísticos e
denado dos mercados» (nº 1 preâmbulo REA), de demonstrações financeiras; | (…) e) A conce-
em particular do mercado financeiro (nº 2 ção e aplicação de procedimentos de controlo in-
preâmbulo REA, 12º/1/§2º REA) e o próprio terno ou de gestão de riscos relacionados com a
«mercado de auditoria» (nºs 20, 30 preâmbu- elaboração e/ou o controlo da informação finan-
lo REA), o «mercado de prestação de serviços de ceira ou a conceção e aplicação dos sistemas in-
revisão legal de contas a entidades de interesse formáticos utilizados na preparação dessa infor-
público» (nº 25 preâmbulo REA, 27º REA), a mação». Rapidamente se verifica que se trata
«confiança dos investidores e dos consumidores» de uma norma sobretudo enunciativa, por-
(nº 22 preâmbulo REA) e em geral o «mercado que mesmo no regime geral os casos das alí-
interno» (nºs 5, 22, 26 preâmbulo REA)cxvi. neas b) e c) já estão previstos como implican-
No entanto, é a temporalidade do interes- do auto-revisão, e o caso da alínea e) apenas
se que é regida em especial no 5º/1 REA para salienta o que já resultaria igualmente do re-
os serviços distintos de auditoria: «a) Durante gime geral, que a responsabilidade pelo siste-
o período compreendido entre o início do período ma de controlo interno é da gestão da audita-
auditado e a emissão do relatório de auditoria ou da. Em suma, são apenas uma enunciação da
certificação legal das contas; e | b) Durante o exer- auto-revisão.
cício financeiro imediatamente anterior ao perío- O momento da emissão do relatório é re-
do referido na alínea i) em relação aos serviços gulado. Não pode ser emitido antes de termi-
enumerados no segundo parágrafo, alínea g).» nada a revisão do controlo da qualidade do
A alínea b) tem uma gralha, como se veri- trabalho de auditoria (nº 12 preâmbulo REA,
fica pelas outras versões linguísticas referin- 8º/1 REA).
do-se à alínea a) anterior e não a uma suposta O próprio relatório deve conter elementos
cxvii
alínea i) . adicionais em relação ao regime geral (45º/3
EOROC, nº 13 preâmbulo REA, 10º REA).
G.8. Estrutura das condutas Prevê-se, em acréscimo um relatório adi-
cional dirigido ao órgão de fiscalização (nº 14
Como a auto-revisão implica sempre ausência preâmbulo REA, 11º REA).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

G.9. Efeitos nam os membros dos órgãos de fiscalização


(45º/3/e RJSA). Da mesma forma é consagrado
Em matéria de efeitos relevam os contra-or- o princípio da cessação das funções de audi-
denacionais, em relação às revisões de infor- toria quando é afectada a independência, no-
mação financeira intercalar (45º/3/a/v RJSA). meadamente em sede de colisão com serviços
Mas os mais específicos são os que sancio- distintos de auditoria (5º/5 REA).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

H. CONCLUSÕES

E
ste estudo permite-nos chegar a al- das suas funções. Actuando sem in-
gumas conclusões. dependência, deturpa-as.
A primeira é a de que, numa Viola a independência por acção
área tão incipiente sob o ponto de ou omissão, neste último caso quan-
vista dogmático como o Direito da do omite medidas de protecção das
Auditoria, qualquer esforço de or- suas funções: controlos, anulação de
ganização deixa forçosamente pon- incompatibilidades, recusa de be-
tos a aprofundar, critérios a afinar, nefícios, de contratação, de funções.
novos elementos a ter em conta. É Mas pode violar por acção, quando
tão trivial esta observação quase não por exemplo, valora certas provas,
merecia referência, não fora ser es- define âmbitos de amostras ou realiza
quecida com demasiada frequência. certas diligências para defender um
Qualquer resultado a que tenhamos interesse que não o público. Por ac-
chegado, é bem sabido, vai permi- ção quando pratica actos que têm por
tir quando muito que venham outros função dificultar ou impedir a procu-
para dar consistência maior ao que ra, a demonstração ou a transmissão
afirmamos. da verdade. Saliento: função e não in-
Que significa violar a indepen- tenção, porque o dever pode ser vio-
dência? Em funções de interesse pú- lado por negligência. Assim é quando
blico qual é a função do auditor? destrói prova, realiza procedimentos
Procurar, demonstrar e transmitir a ineptos, por exemplo. No âmbito do
verdade sobre o objecto do seu tra- trabalho pode desvalorizar uma pista
balho tal como este é definido por de análise, escarnecer das dúvidas de
normas. Violar a independência sig- um colega ou subordinado, desorga-
nifica desviar-se da sua função. É nizar a prova. A violação da indepen-
auditor, mas já não é um auditor dência por acção mostra-se ocasião
independente. fértil para concursos de infracções,
Violando os deveres paralelos, como com os deveres de documenta-
e apenas estes, está a exercer mal as ção, ou a competência.
suas funções, mas ainda está a exer- A segunda, não menos importan-
cer as funções a que é obrigado. Sem te, visa afastar um lugar comum que
a objectividade, ou o sentido crítico se vai instalando aos poucos: as EIP
que a lei lhe impõe, mas ainda dentro têm um regime desenvolvido, mas o

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

regime geral dos auditores (dentro e fora das mas de perigo abstracto, que adiciona ele-
funções de interesse público, dentro ou fora mentos de informação aumentando a trans-
das auditorias às contas) é muito lasso, não parência, e aumenta o controlo por parte dos
permitindo a construção de um regime geral. órgãos de fiscalização das auditadas. Mas que,
Se bem se vir, toda a construção que fizemos em boa verdade, sob o ponto de vista dogmá-
assentou em primeiro lugar, e com absoluta tico, ainda assenta muito nos conceitos e es-
autonomia, no regime geral, e só em capítulo truturas mentais do regime geral. A tipologias
autónomo estudámos as EIP. E, como se veri- dos actos de controlo, a sua sequência pro-
fica, o regime geral já tem dimensão e consis- cessual, as tipologias de incompatibilidades,
tência suficiente para estabelecer uma dog- a processualização das relações entre audi-
mática e um regime sólido da independência. tores e auditados em nada recebem aprofun-
As EIPs ficam assim reduzidas o que são: damentos ou soluções inovatórias no regime
um regime especial, particularmente impor- especial. Isto não retira o seu valor prático.
tante e desenvolvido, é certo, mas um mero Mas enfraquece de alguma forma o seu valor
regime especial. E um regime especial que dogmático.
convola o que são regras de aptidão em nor-

i
PICKETT, K. H. Spencer, The Internal Auditing Handbook, 2nd Ed., Wiley & Sons, Chichester, 2006, p. 259-2632 associação a independência à objectividade, mas também à imparcialidade e à liberdade

em relação a pré-conceitos. Mostra uma ligação entre independência e imparcialidade COSTA, Joana Oliveira Martins, A Independência do Auditor, Instituto Superior de Contabilidade e Administração

do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021, p. 8 (Joana_Costa_MA_2021.pdf (ipp.pt)).

O próprio Tribunal de Contas vive bem com a polissemia entre a independência de um tribunal e a independência nas suas funções de auditoria (Manual de Auditoria e Procedimentos, vol. I, do Tribunal

de Contas, pp. 7, 8, 12, 19, 24, 78, 97, 98, 104, 106 (PARTE PRIMEIRA (tcontas.pt)). O mesmo se encontra no Auditoria Pública na União Europeia, Edição de 2019, do Tribunal de Contas Europeu, pp. 3, 5, 9,

10, 14, 23, 25, 26, 29 (AUDITORIA PÚBLICA NA UNIÃO EUROPEIA - EDIÇÃO DE 2019 (europa.eu)). A mesma polissemia aparece em A Independência da Auditoria de Controle Externo: Um Ajuste Necessário,

Federação Nacional dos Servidores do tribunais de Contas do Brasil, Outubro de 2015, pp. 3-4, 7 (Independencia_da_Auditoria.pdf (sindicontaspr.org.br)).

Hesitei muito entre duas vias: ou ia colocando a propósito de cada aspecto do regime da independência paralelos com o regime da imparcialidade, ou sintetizava de forma sistemática os paralelos.

Como em tudo, cada solução tem os seus méritos. Mas, como a cultura jurídica da imparcialidade administrativa é muito mais desenvolvida que a da independência do auditor, percebi que a sua

síntese sistemática tinha mais forte poder de persuasão. Mostra de forma global que o quadro que desvelo nada tem de estranho, e assenta em pilares que são trivialmente usados nomeadamente

em Direito Administrativo.

Nunca é demais salientar: em parte nenhuma digo que o regime da imparcialidade de Direito Administrativo é aplicável aos auditores. O que digo é bem mais importante: a estrutura dogmática do

conflito real ou potencial de interesses públicos e privados tem muitos elementos comuns em vários ramos do Direito. Por isso, muitas das soluções a que cheguei, se podem suscitar surpresa a quem

vive na cultura da auditoria, mais não são que estruturas banais para quem conhece os regimes de protecção dos interesses públicos.

Há dois tipos de homologias a considerar:

a) Fundamentais;

b) Institucionais.

A. Homologias fundamentais

A.1. A natureza de perigo e não de dano

É comum, e embora a jurisprudência não use esta expressão, é consistente com um regime de aptidão.

É disso exemplo o Acórdão STA, Pleno da Secção do CA, Processo: 031806, de 11/12/2003: «I - Não envolve nulidade por excesso de pronúncia (arts. 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d) do C.P.C.) a anulação do

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acto que aprova as classificações finais num concurso da carreira médica hospitalar, com fundamento em não ter sido notificada aos candidatos acta da deliberação do júri em que este estabeleceu o

método de classificação, pondo em causa os princípios da imparcialidade e da transparência, se os recorrentes contenciosos alegaram oportunamente essa falta de notificação, embora sem mencionarem

a violação de tais princípios - pois que se trata apenas de uma configuração diferente, e mais completa, do mesmo vício alegado - o comportamento da Administração que viola a lei. | II - A mencionada

violação da transparência consuma-se pela criação do risco ou perigo de quebra do dever de imparcialidade, que é consequência do estabelecimento de uma zona envolvente desse bem jurídico que alarga

o seu campo de incidência; não é, assim, necessário que o recorrente demonstre que a violação da transparência teve reflexos concretos no acto decisório - sem prejuízo de o recorrido fazer a prova de

que tais reflexos não existiram. | III - Se todos os membros do júri classificaram os candidatos por unanimidade, e na ausência de indícios que ponham em causa o facto de terem exprimido, um a um, a

sua classificação, é dispensável a elaboração, por cada um deles, de documento com a sua notação individual.» Mas também o Acórdão STA, 1ª Subsecção do CA, Processo: 041027, de 04/30/1998: «I - No

recrutamento para os cargos dirigentes de director de serviço e chefe de divisão, na redacção do DL 323/89-26SET anterior às alterações decorrentes da Lei 13/97-23MAI e do DL 231/97-3SET, a entidade

competente podia optar pela escolha ou pelo concurso, processando-se este aos termos definidos pelo respectivo aviso de abertura. No silêncio do aviso de abertura, o regime legal supletivo tinha de ser

procurado, em primeira linha, no Cód. Proc. Adm. (art. 6/2) e não no DL 498/88- -30DEZ. | II - Do disposto nos arts. 77 a 80 do CPA - contrariamente ao que sucede em alguns procedimentos especiais, desig-

nadamente no regulado pelo DL 498/88 - resulta que os requerimentos e outras intervenções escritas dos interessados (art. 82 do CPA), se consideram eficazes na data em que são recebidos nos serviços

dos órgãos a que são dirigidos ou nos serviços em que é permitida a apresentação indirecta (serviços desconcentrados, secretaria do Governo Civil, Gabinete do Ministro da República, representações di-

plomáticas e consulares) (teoria da recepção) e não na data em que a correspondência é confiada ao registo dos correios (teoria do envio). | III - Além da função de "legitimação pelo procedimento", a opção

pelo concurso em vez da escolha cumpria o objectivo de optimização do direito de acesso a cargos públicos (art. 50 da CRP), alargando a todos os que reunissem os requisitos legais a possibilidade de fazer

valer os seus méritos para o desempenho do cargo. Assim, devendo na interpretação dos actos administrativos presumir-se a racionalidade e a maximização de eficiência dos procedimentos adoptados,

se os termos do aviso de abertura deixarem subsistir a dúvida sobre o modo de contagem do prazo, deve optar-se pelo sentido mais favorável à apresentação de candidaturas (teoria do envio). IV - A fi-

xação dos parâmetros de avaliação e do sistema classificativo pelo júri do concurso após a realização das provas viola o princípio da imparcialidade, ainda que não se prove a consideração de interesses

indevidos ou a não consideração de interesses que deveriam sê-lo.»

A.2. A tutela da aparência ou reputação

Um exemplo encontra-se no Acórdão STA, 2ª Subsecção do CA, Processo: 023934, de 09/27/1988: «I - O Decreto-Lei 370/83, de 6 de Outubro, foi publicado com o objectivo de concretizar o principio da

imparcialidade na acção da Administração Publica. | II - De acordo com o disposto em tal diploma legal, ocorrendo circunstancia pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da isenção ou da rectidão

da conduta do Titular de determinado órgão, deve o interessado, caso este não deduza o pedido de escusa, opor a respectiva oposição ate ser proferida a decisão definitiva ou praticado o acto. | III - Não

agindo deste modo, não pode depois o interessado fundar o pedido de anulação do acto no facto de o referido Titular o ter praticado não obstante ocorrer aquela circunstancia geradora da suspeição.»

Outro no Acórdão STJ, de 29-04-2021, Proc. n.º 34/20.9YFLSB, em que se parece plasmar a distinção entre independência na mente e independência na aparência: «IV - A imparcialidade subjetiva - que

constitui o primeiro dever do agente como garantia da prossecução do bem público – há-de, por isso, presumir-se até prova em contrário, para a qual se exige que sejam alegados e demonstrados factos ou

circunstâncias que permitam revelar exteriormente, ou em sinais objetivos, matéria do foro íntimo daquele. | V - Na garantia da imparcialidade objetiva, sobreleva a compreensão externa sobre a aparência

de correção da atuação da Administração.» (sum_acor_contencioso_2021.pdf (stj.pt)).

A.3. A sequenciação devida de actos

Assim como a protecção da independência passa por fazer certas coisas antes de outras (v.g. antes da aceitação do trabalho) também na imparcialidade. No fim de contas, são fenómenos de pro-

cessualização como forma de garantia.

Há muitos exemplos deste fenómeno:

a) Acórdão STA, 2ª Subsecção, Processo: 036719, de 09/24/1996: «Se o Júri procedeu à fixação das fórmulas e o estabelecimento dos critérios a aplicar na avaliação curricular tendo presentes os

currículos dos candidatos ao concurso de provimento, tal actuação, independentemente de ter produzido ou não actuações parciais, faz, perigar as garantias de isenção, imparcialidade que a

norma do art. 5 n. 1, al. d) do DL 498/88 de 30/12 visa acautelar no processo concursal, violando aquele preceito legal.»

b) Acórdão STA, 2ª Subsecção, 029108, de 02/25/1993: «Quando o júri teve acesso aos processos de candidatura antes de fixar os critérios de avaliação, há violação do disposto na alínea a) do n. 1

do artigo 5 do Decreto-Lei n. 498/88, sendo posto em causa o princípio da transparência e imparcialidade que deve nortear a actividade administrativa.»

c) Acórdão STA, Pleno da Secção do CA, de 036164, de 01/20/1998, «I - Os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, consagrados no art. 266 n 2 da Constituição da República e também

no art. 5 n 1 do Dec.Lei n 498/88 de 30 de Dezembro impedem que os critérios de avaliação e selecção sejam fixados pelo júri de concurso em momento posterior à discussão e apreciação dos cur-

rículos dos candidatos. | II - Com esta regra acautela-se o perigo de actuação parcial da Administração, sendo elemento constitutivo do respectivo ilícito a lesão meramente potencial do interesse

do particular.»

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d) Acórdão STA, 1ª Subsecção do CA, Processo: 041906, de 04/02/1998: «I - Embora o art. 3, n. 1 do DL n. 235/90, de 17/06 não mencione expressamente o princípio da imparcialidade, o da divulgação

atempada dos métodos de selecção e do sistema de classificação final, tem por finalidade a sua garantia. | II - No regime concursal fixado pelo DL n. 235/90, o princípio da imparcialidade, bem como

o da igualdade - consagrados no n. 2 do art. 266 da Constituição, 5 e 6 da CPA - são garantidos pelo estatuído na al. c) do n. 1 do art. 3, interpretado no sentido de que o júri deve definir e publicitar

o sistema de classificação antes de apreciar os processos de candidatura e conhecer os respectivos currículos. | III - Viola esse princípio, por inobservância do estatuído na última norma citada, a

deliberação do júri que define o sistema de classificação em reunião efectuada mais de um mês após a anterior em que tomou conhecimento dos currículos dos candidatos.»

e) Acórdão STA, 2ª Subsecção do CA, Processo: 036164, de 05/14/1996: «I - O art. 5, n. 1, d) do DL 498/88 de 30/12, concretiza, no processo concursal o princípio constitucional consagrado no art. 266,

n. 2 Constituição da imparcialidade, isenção e transparência administrativa, e deve ser interpretado no sentido de que devem ser fixados os sistemas de classificação final e critérios de valoração

e ponderação antes de conhecidos os elementos curriculares e os trabalhos apresentados pelos candidatos e sempre antes de começar a respectiva apreciação de discussão. | II - Viola esta norma

o procedimento do júri que fixa os critérios de avaliação e ponderação dos elementos curriculares e dos trabalhos dos candidatos na última acta, na qual foram também ordenados os concorrentes

e elaborada a respectiva lista classificativa, quando se prova no processo que nessa altura já tinham sido distribuídos aos elementos do júri cópias dos currículos e trabalhos apresentados pelos

candidatos e sobre eles já o júri discutira em reuniões privadas de que não existem actas.»

f) Acórdão STA, 2ª Subsecção do CA, Processo: 038508, de 03/16/1999: «I - Os recorrentes têm interesse directo, pessoal e material na continuação e eventual procedência deste recurso, aferindo-se

a utilidade, pelos efeitos respeitantes à antiguidade na categoria a que foram promovidos. | II - Os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, consagrados no art. 266 n. 2 da C.R. Port.

e também no art. 5 n. 1 do Dec-Lei n. 498/88, de 30/DEZ, impedem que os critérios de avaliação e de selecção sejam fixados pelo júri de concurso, em momento posterior à discussão e apreciação

dos currículos dos candidatos.»

B. Homologias institucionais

B.1. A existência de controlos

São consagrados deveres de

a) comunicação (v.g. 69º/5, 70º/1, 2 CPA);

b) declaração (69º/4, 74º/4 CPA);

c) detecção (70º/4 CPA, conjugado com os artigos 4º, 5º e 58º do mesmo CPA);

d) prevenção (70º/3, 71º/2 CPA);

e) mitigação e correcção (71º/2 CPA);

f) suspensão e exclusão (71º/1, 72º CPA).

Ver, v.g., o Acórdão STA, 1ª Subsecção do CA, Processo: 027461, de 12/06/1990: «A técnica superior, dum serviço público, que presta informações sobre as propostas apresentadas a um concurso de ad-

judicação, com vista a escolha do adjudicatório e, sendo um dos proponentes um colaborador profissional daquela técnica, fora da função pública, não informa os superiores hierárquicos da existência

dessa relação profissional, comete a infracção disciplinar consistente na violação do dever de contribuir para a confiança do publico na Administração (art. 3, n. 3, do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo

DL 24/84, de 16/1).»

B.2. A existência de impedimentos e figuras afins

A diferença é que no Direito Administrativo, mais maduro, existe, como se propõe para a independência, uma só definição de círculos e não várias (69º/1, 73º CPA).

O Acórdão STA, 1ª Subsecção do CA, Processo: 030218, de 12/03/1992 estabelece uma ligação expressa entre imparcialidade e impedimento: «O impedimento de intervenção de titular de órgão da

Administração em procedimento ou acto administrativo nos quais tenha interesse pessoal - alínea a) do n. 1 do art. 1 do D.L. 370/83, de 6/10 - funciona como garantia do princípio constitucional da impar-

cialidade da Administração (art. 266 n. 2 da C.R.P.), mas não exclui ou paralisa os direitos de audiência prévia daquele, como administrado, na formação de decisão sobre assunto do seu interesse (art.

267 n. 4 C.R.P.), ou como arguido em processo disciplinar (art. 269 n. 3 da C.R.P.).» O mesmo no Acórdão STA, 2ª Subsecção do CA, processo nº 044275, de 12/15/1998: «I - A garantia da imparcialidade da

Administração decorrente do princípio consignado no art. 266 n. 2 da Constituição implica, entre outras medidas, o estabelecimento de impedimentos dos titulares de órgãos e agentes Administrativos

para intervirem em assuntos em que tenham interesse pessoal e directo ou indirecto nomeadamente em que sejam interessados familiares próximos ou outras pessoas que a lei considera fazerem parte

do âmbito de interesses do funcionário. | II - Concretizando, no procedimento Administrativo, aquele principio, o art. 44 do CPA 91, estatui, na sua alínea b), o impedimento de participação em procedimento

em que sejam interessado o cônjuge do titular do órgão ou agente a quem caiba decidir ou preparar a decisão.»

O Acórdão STA, 2ª Subsecção, Processo: 031589, de 11/26/1996 mostra que o conceito de representação é lato: «I - O Presidente da Câmara e o Vereador que tomaram parte em deliberação camarária

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

que desafectou do domínio público municipal e cedeu a um clube de futebol de que um era Presidente da Assembleia Geral e outro Vice-Presidente da Direcção, uma parcela de terreno, estavam impedidos

nos termos da al. a) do n. 1 do art. 1 do DL n. 370/83, em vigor à época dos factos. | II - Aqueles titulares do órgão executivo municipal tinham um interesse por si, para conseguir maior popularidade no meio

social e por essa via melhores resultados em futuras eleições para órgãos políticos nacionais ou autárquicos e actuaram também no interesse presumido, mas simultaneamente objectivo, do clube de cujos

corpos dirigentes faziam parte. | III - Para se preencherem as condições de facto que constituem o impedimento para intervir em deliberação, que afecta o titular do órgão da administração, nos termos

daquela al. a) não é necessária uma representação de interesses de outra pessoa em sentido técnico jurídico, porque o legislador na previsão deste preceito teve em vista toda e qualquer situação em que

um titular transporte para o seio do órgão público interesses que são de entidades estranhas de forma objectivamente caracterizada, mesmo que não actue com procuração, nem no exercício de um man-

dato. Basta confluir no titular do órgão um interesse estranho ao órgão da Administração que esteja numa relação de tal modo estreita com o mesmo titular que objectivamente ele seja considerado como

interessado em defendê-lo ou representá-lo, apenas no sentido de o procurar fazer valer na tomada de decisão do órgão da Administração, para existir impedimento.»

B.3. Regimes de benefícios

Por exemplo, o Acórdão STA, 2ª Subsecção do CA, processo nº 025436, de 01/30/1990: «I - Uma médica, na qualidade de funcionária pública, não pode receber contrapartidas económicas de determinado

laboratório por ter testado, em doentes do hospital em que presta serviço, preferencialmente, um produto farmacêutico daquele laboratório. | II - A lei impõe que o funcionário publico, no exercício das suas

funções não de tratamento preferencial a um particular ou empresa em detrimento dos demais, e, por tal razão, vai ao ponto de punir o recebimento de vantagens económicas ainda que as mesmas não

se repercutam no serviço, o que evidencia a extrema exigência com que o legislador pretende implementar o principio de isenção na administração publica. | III - Não e factor excludente da ilicitude, nem

mesmo da culpa, a circunstancia de ser pratica generalizada ensaios clínicos em hospitais similares dos levados a cabo pela medica recorrente, mediante gratificações ou contrapartidas económicas ou

outras pois a reiteração do ilícito não o torna licito, e o recebimento de dadivas, gratificações ou outras contrapartidas económicas por causa do exercício de funções integra sempre infracção disciplinar

por violação do dever geral de isenção. | IV - A ignorância dos deveres gerais ou especiais, por um funcionário publico, decorrentes do exercício da sua função, não lhe aproveita quer como causa de exclu-

são da ilicitude, quer como causa de exclusão da culpa, pois e sua obrigação conhece-los.»

B.4. Contratação

As regras de contratação pública bem como de recrutamento público têm limites e processos próprios, como a contratação de auditores.

B.5. Limites temporais

Em muitos regimes se impõem limites de mandatos, como por exemplo em sede autárquica ou no regime das entidades reguladoras.

DIALLO, Khady, DIOP, Cheikh Mbacké, «Les Facteurs Explicatifs de l’Independance de l’Auditeur Externe», in Revue du Contrôle de la Comptabilité et de l’Audit, Volume 4 : numéro 4, par. 15 (669-Article

Text-2527-1-10-20210207.pdf), mostra a homologia entre os riscos da independência da auditoria financeira e os de certificação de qualidade.
iii
No IP/02/723, Brussels, 16th May 2002 reconhece-se a destrinça entre tipos de aptidão («principles-based») e normas de segurança, que não recorta totalmente a dicotomia referida (há normas de

segurança com elementos de aptidão), mas a segue em traços gerais: «The principles-based approach to auditor independence is combined with other broader safeguards set out in the Recommendation.

These include the full disclosure, at least annually, of fees for audit and non-audit services, and a written declaration confirming independence, which must be made by the auditor to the audit client's

governance body, for example a board of non-executive Directors or a supervisory board. Furthermore, all EU statutory audits should be subject to external quality assurance systems that require auditors

to review compliance with ethical principles and rules, including independence rules, according to the Commission's existing Recommendation on "Quality Assurance for the statutory audit in the EU" (see

IP/00/1327 and http://ec.europa.eu/internal_market/en/company/audit/news/quality.htm In the light of the Enron case, Commissioner Bolkestein reconsulted the EU Committee on Auditing in order to

ensure that the text of the proposed Recommendation was appropriate, notably concerning the provision of non-audit services to audit clients, employment with an audit client and auditor rotation. The

outcome of those discussions has been taken into account in finalising the Recommendation.» (https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_02_723).

MIRANDA, Joana Correia de, HENRIQUES, Sérgio Coimbra, «Riscos de Auto-Revisão e Interesse Pessoal. – Contributos para a Compreensão das Ameaças à Independência dos Auditores», Cadernos do

Mercado dos Valores Mobiliários, nº 55, p. 155, (Cadernos MVM 55D.pub (cmvm.pt)), falam de normas tendentes ao reforço da independência, num embrião do conceito de regimes de segurança. O que

chamamos de regimes de segurança chama mais tradicionalmente BANDEIRA, Paulo, A Independência dos Auditores de Sociedades Cotadas, RDS III (2011), 2, 301-334, p. 320 (RDS 2011-2 (301-334)

- Governo das Sociedades - Paulo Bandeira - A independência dos auditores de sociedades cotadas.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)) de mecanismos de salvaguarda (tradução de «safe-

guards»). Também usa o conceito de salvaguardas SANTOS, Ana Sofia Pires dos, Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira, Escola Superior de Gestão de Tomar, s.d., p. 28 (Procedimentos

Substantivos em Auditoria Financeira (rcaap.pt)).


iv
«(9) Os revisores oficiais de contas deverão respeitar as normas deontológicas mais exigentes. Por conseguinte, deverão estar sujeitos a uma deontologia profissional que abranja, pelo menos, a sua

144 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

função de interesse público, a sua integridade e objectividade e a sua competência e diligência profissionais. A função de interesse público dos revisores oficiais de contas significa que uma comunidade

mais vasta de pessoas e instituições confia na qualidade do seu trabalho. A boa qualidade da auditoria contribui para o funcionamento ordenado dos mercados, melhorando a integridade e a eficiência

das demonstrações financeiras. A Comissão poderá adoptar medidas de execução em matéria de deontologia profissional que constituam normas mínimas. Ao fazê-lo, poderá ter em conta os princípios

enunciados no Código de Deontologia da Federação Internacional de Contabilistas (IFAC).»

Artigo 21º «1. Os Estados-Membros devem assegurar que todos os revisores oficiais de contas e sociedades de revisores oficiais de contas se encontrem sujeitos a princípios de deontologia profissional que

abranjam, pelo menos, a sua função de interesse público, a sua integridade e objectividade e a sua competência e diligência profissionais.»
v
No preâmbulo: «(1) Os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de contas estão incumbidos por lei de proceder à revisão legal das contas das entidades de interesse público para

aumentar o nível de confiança do público nas demonstrações financeiras anuais e consolidadas dessas entidades. A função de interesse público da revisão legal de contas significa que um vasto conjunto

de pessoas e instituições confia na qualidade do trabalho dos revisores oficiais de contas ou das sociedades de revisores oficiais de contas. A boa qualidade da auditoria contribui para o funcionamen-

to ordenado dos mercados, melhorando a integridade e a eficiência das demonstrações financeiras. Os revisores oficiais de contas desempenham, assim, um papel social particularmente importante.»
vi
«Artigo 6.º Atribuições Sem prejuízo das competências de supervisão pública legalmente atribuídas à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), constituem atribuições da Ordem: (…) b)

Supervisionar a atividade de auditoria às contas de empresas ou de outras entidades, de acordo com as normas relativas a auditores em vigor e nos termos previstos no artigo 4.º do Regime Jurídico da

Supervisão de Auditoria, bem como o exercício de outras funções de interesse público, incluindo em matéria de controlo de qualidade e de ações de supervisão de auditores que não realizem revisão legal

de contas de entidades de interesse público, desde que estas últimas não decorram de denúncia de outra autoridade nacional ou estrangeira».
vii
«Artigo 48.º Outras funções | Constituem também funções dos revisores oficiais de contas, fora do âmbito das funções de interesse público, o exercício das seguintes atividades: | a) Docência; | b)

Membros de comissões de auditoria e de órgãos de fiscalização ou de supervisão de empresas ou outras entidades; | c) Consultoria e outros serviços no âmbito de matérias inerentes à sua formação e

qualificação profissionais, designadamente avaliações, peritagens e arbitragens, estudos de reorganização e reestruturação de empresas e de outras entidades, análises financeiras, estudos de viabilida-

de económica e financeira, formação profissional, estudos e pareceres sobre matérias contabilísticas, revisão de declarações fiscais, elaboração de estudos, pareceres e demais apoio e consultoria em

matérias fiscais e parafiscais e revisão de relatórios ambientais e de sustentabilidade, desde que realizadas com autonomia hierárquica e funcional; | d) Administrador da insolvência e liquidatário; | e)

Administrador ou gerente de sociedades participadas por sociedades de revisores oficiais de contas.»


viii
No MEMO/11/856, Brussels, 30 November 2011, salienta-se a importância de uma regulação europeia e uma supervisão nacional «National audit supervisory authorities would be strengthened.

The mandate, powers and independence requirements for audit supervisors would be established at EU level, but supervision would be carried out nationally.» (https://ec.europa.eu/commission/

presscorner/detail/en/memo_11_856)
ix
«Artigo 6.º Registo para o exercício de funções de interesse público | 1 - Sem prejuízo da inscrição na OROC, cabe à CMVM proceder ao registo de ROC, SROC e auditores e entidades de auditoria de Estados

membros e de países terceiros que pretendam exercer funções de interesse público, nos termos definidos no presente regime jurídico. | 2 - Só podem exercer funções de interesse público os ROC, SROC,

auditores e entidades de auditoria de Estados membros e de países terceiros que se encontrem registados na CMVM, nos termos e para os efeitos do presente regime jurídico. | 3 - A inscrição efetuada junto

da OROC pelos ROC, SROC, auditores e entidades de auditoria de Estados membros que não pretendam exercer funções de interesse público assegura a sua qualificação para todos os efeitos e atividades

não incluídas nas funções de interesse público. | 4 – (Revogado.)».


x
Sobre registo de auditores na CMVM ver a CIRCULAR AOS AUDITORES - REGISTO NA CMVM PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE INTERESSE PÚBLICO DATA: 28/04/2016 (1 (cmvm.pt)), embora não se refira

ao novo conceito de funções de interesse público do RJSA, que não estava em vigor à data.
xi
A independência é o fulcro da auditoria (PORTER, Brenda, SIMON, Jon, HATHERLY, David, Principles of External Auditing, Wiley & Sons, Chichester, 1998, p. 64; JOHNSTONE, Karla M., GRAMLING, Audrey

A., RITTENBERG, Larry E., Auditing. A Risk-Based Approach to Conducting a Quality Audit, South-Western, Mason, 2014, p. 137) ou um dos seus fulcros (SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence.

The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010¸ pp. 2, 16), juntamente com a competência (ARENS, Alvin A., RANDAL, Elder, J,

BEASLEY, Mark S., HOGAN, Chris E., Auditing and Assurance Services, 16th Ed., Pearson, Boston, 2017, p. 877). «Para Almeida (2015), a característica mais importante de um auditor é a independência, a qual

para o autor, consiste em ter capacidade para resistir à pressão feita por parte dos seus clientes, ou seja, existir imparcialidade profissional, colocando assim a ética profissional em prática.» (COSTA,

Juliana Moreira da, Atitude dos Revisores Oficiais de Contas e Colaboradores de Sociedades de Auditoria Perante Dilemas Éticos, Bragança, novembro, 2019, p. 13 (Costa_Juliana.pdf (ipb.pt)).

«Não tendo sido possível avaliar um grande número de inquiridos as conclusões poderão não ser tão precisas o quanto desejável, o que leva a sugerir não generalizar as conclusões tiradas. No en-

tanto é possível afirmar que pela análise das diversas respostas, a independência, é, foi e será um fator imprescindível para a atividade de auditoria.» (ROCHA, Mário André Cabral, A Importância da

Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, p. iii (Mário_Rocha_MA_2020.

pdf (ipp.pt)). «L'indépendance de l’auditeur est la pierre angulaire de la responsabilité de la profession et de la comptabilité nationale (Sweency, 1992, Mednick, 1997).» (ABOUDOU Maman Tachiwou,

L’independance de l’Auditeur comme Determinant de la Qualite de l’Information Financiere : Une Perception par les Auditeurs du Contexte Togolais, p. 3 (L'indépendance de l'auditeur comme déterminant

de la qualité de l'information financière: une perception par les auditeurs du contexte togolais (archives-ouvertes.fr)).

145 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

xii
«Analisando as 123 respostas, percebemos que a maioria da amostra (98%) concorda que a independência tem uma importância fulcral no processo de auditoria, onde cada vez mais é um fator pri-

vilegiado pelas empresas. 86% dos inquiridos concordam que os auditores externos exercem a sua atividade com maior independência que os auditores internos e que por isso, a independência não

os afeta da mesma forma. Em relação à ausência de independência 71% dos inquiridos concordam que esta pode prejudicar as empresas financeiramente.» (ROCHA, Mário André Cabral, A Importância

da Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, p. 49 (Mário_Rocha_MA_2020.

pdf (ipp.pt)).

POWER, Michael, The Audit Society. Rituals of Verification, Oxford University Press, Oxford, 1999, p. 132, salienta que o que diferencia para muitos a auditoria interna da externa é precisamente a inde-

pendência, embora lembre a prudência que temos de ter nestas distinções (também JOHNSTONE, Karla M., GRAMLING, Audrey A., RITTENBERG, Larry E., Auditing. A Risk-Based Approach to Conducting

a Quality Audit, South-Western, Mason, 2014, p. 760; a independência e a objectividade do auditor interno em SAWYER, Lawrence B, DITTENHOFER, Mortimer A, SCHEINER, James H., Sawyer’s Internal

Auditing: The Practice of Modern Internal Auditing, 5th Ed., The Institute of Internal Auditors, 2005, pp. 8, 840). Mesmo na auditoria interna, a independência é vista como necessária para se fazer um bom

trabalho (PICKETT, K. H. Spencer, The Internal Auditing Handbook, 2nd Ed., Wiley & Sons, Chichester, 2006, pp. 18, 250), e também nesta está associada à objectividade (p. 240). Por isso não faz muito

sentido destrinçar a auditoria interna por não ser independente, enquanto a externa (ou independente em geral) o seria. Na auditoria interna os agentes são funcionários, ou de outras formas vincula-

dos à organização. Na independente não o são. Por isso, no caso de uma auditoria interna não ser independente haverá duas consequências: a responsabilidade disciplinar, na medida em que a falta

de independência não for imputável à gestão, ao poder interno na organização, mas sobretudo a desconsideração como auditoria. Pode ser uma análise, uma inspecção, um estudo, e valer como tal,

mas não deu «assurance», nem merece a credibilidade de uma auditoria. A criação de uma unidade de auditoria interna, geralmente não imposta por lei, é a de que o organismo tem interesse na sua

própria credibilidade. Dá-lhe valor (também PINHEIRO, Joaquim Leite, Auditoria Interna, Rei dos Livros, s.l., 2ª ed., 2010, p. 195, fala desse valor). Se destruiu esse valor a regra é que se criou um dano para

si mesmo. O trabalho realizado pelos seus auditores não é uma auditoria. Quando estamos a falar do auditor independente, o seu trabalho é sempre uma auditoria. Mas por o ser está a violar normas.

Em suma, no caso a auditoria interna, a violação da independência gera exclusão da imputação, no caso da independente gera sanções. A auditoria interna e o controlo interno não devem ser confun-

didos para BERNARD, Frédéric, GAYRAUD, Rémi, ROUSSEAU, Laurent, Contrôle Interne, Maxima, Paris, 2013, pp. 42, 213 (o mesmo para PINHEIRO, Joaquim Leite, Auditoria Interna, Rei dos Livros, s.l., 2ª ed.,

2010, p. 10, que fala em «double check), e mesmo em relação ao controlo interno refere a sua independência noutro sentido BERNARD, Frédéric, GAYRAUD, Rémi, ROUSSEAU, Laurent, Contrôle Interne,

Maxima, Paris, 2013, p. 39 ; como PINHEIRO, Joaquim Leite, Auditoria Interna, Rei dos Livros, s.l., 2ª ed., 2010, p. 201 e BERNARD, Frédéric, GAYRAUD, Rémi, ROUSSEAU, Laurent, Contrôle Interne, Maxima,

Paris, 2013, p. 110). Em geral, qualquer serviço de «assurance» se caracteriza pela independência (ARENS, Alvin A., RANDAL, Elder, J, BEASLEY, Mark S., HOGAN, Chris E., Auditing and Assurance Services,

16th Ed., Pearson, Boston, 2017, p. 32). ALMEIDA, José Joaquim Marques de, «A Profissão de ROC: Evolução e Perspectivas», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para

a Profissão, OROC, 2000, p. 19, refere-se com razão a tendência para a dissolução das fronteiras entre auditoria interna e externa hoc sensu (o que chamei de independente em sentido lato e é o

conceito usado por ARENS, Alvin A., RANDAL, Elder, J, BEASLEY, Mark S., HOGAN, Chris E., Auditing and Assurance Services, 16th Ed., Pearson, Boston, 2017, p. 29). Em O Controlo Interno na Administração

Pública, Inspecção-Geral de Finanças, Lisboa, 1996, pp. 166 ss., a oposição é entre controlo interno, e externo (jurisdicional). A independência e a objectividade são qualidades essenciais da gestão

para JOHNSTONE, Karla M., GRAMLING, Audrey A., RITTENBERG, Larry E., Auditing. A Risk-Based Approach to Conducting a Quality Audit, South-Western, Mason, 2014, p. 50. Também nesta sede se verifica

que o mesmo conceito corresponde a intensidades e feixes de deveres diversos. TEIXEIRA, Maria de Fátima, O Contributo da Auditoria Interna para uma Gestão Eficaz, Coimbra, Novembro de 2006, p.

11 ((Microsoft Word - O Contributo da Auditoria Interna para uma Gest\343o Eficaz.d\205) (core.ac.uk)), usa o conceito de auditoria externa, mas de forma impressiva, não no sentido do Cd.VM.

O 4 ISA 610 tenta diferenciar a auditoria interna e externa pelo uso do conceito de autonomia contra o de independência («4. Independentemente do grau de autonomia e objectividade da função

de auditoria interna, tal função não é independente da entidade, como se exige do auditor externo quando expressa uma opinião sobre as demonstrações financeiras. O auditor externo tem a respon-

sabilidade exclusiva pela opinião de auditoria que expressa, responsabilidade essa que não é reduzida pelo facto de usar o trabalho dos auditores internos.»). Mas esta diferenciação visa sobretudo

mostrar que o auditor independente não se pode escudar exclusivamente no trabalho do auditor interno. HAMMAR., S. H., 2016, «Indépendance de l’Auditeur Interne: un Construit Social ou un Mythe»,

Revue de Management et de Stratégie, (2:2), pp. 30-47, https://www.revue-rms.fr/attachment/644303/, refere-se expressamente à independência do auditor interno. SANTOS, Ana Sofia Pires dos,

Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira, Escola Superior de Gestão de Tomar, s.d., p. 40 (Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira (rcaap.pt)) lembra que é a própria ISA 610

a reconhecer que os auditores internos podem ter independência. «Notre intérêt manifesté au profit de l’audit interne s’aligne avec la mouvance actuelle des études anglo-saxonnes s’intéressant à ses

multiples facettes. On peut le comprendre, puisque, sur le plan international, lors de la crise financière et les séries de faillite, l’audit interne n’a pas fait échec. Chez Worldcom, c’est précisément l’audit in-

terne qui a révélé les fraudes au grand jour. Chez Enron, son rôle n’a pas pu être rempli puisque Arthur Andersen était en même temps l’AI externalisé et le commissaire aux comptes» (HAMMAR., S. H., 2016,

«Indépendance de l’Auditeur Interne: un Construit Social ou un Mythe», Revue de Management et de Stratégie, (2:2), pp. 30-47, p. 32 https://www.revue-rms.fr/attachment/644303/).

Em SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018, p. 5 (Denise_Sousa_

MA_2018.pdf (ipp.pt)) aparece apenas a oposição entre auditoria interna e externa. ROCHA, Mário André Cabral, A Importância da Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior

de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, pp. 1, 8-9 (Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)), também distingue apenas entre auditoria interna e ex-

terna. «Em relação à afirmação “No processo de auditoria os auditores externos exercem a sua atividade com mais independência que os internos”, 53% dos inquiridos concordam totalmente com

146 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

a afirmação, que representava 65 pessoas que responderam. Cerca de 33% concordavam com esta afirmação, sendo que apenas 7% não estavam de acordo com a afirmação (3% discordavam e

4% discordavam totalmente)» (pp. 38-39). A referência ao auditor externo em GOMES, José João Montes Ferreira, A Fiscalização Externa das Sociedades Comerciais e a Independência dos Auditores

a Reforma Europeia, A Influência Norte-Americana e a Transposição para o Direito Português, p. 9 (Microsoft Word - José Ferreira Gomes - A FISCALIZAÇÃO EXTERNA DAS SOCIEDADE… (uria.com)).
viii
«Os administradores independentes, de acordo com Berkman e Zuta (2017), representam melhor os interesses dos shareholders que os administradores que não são independentes. Em Klein (2002),

salienta-se que a independência da comissão de auditoria aumenta em função da composição e independência do conselho de administração. No entanto, para Krishnan (2005), a independência da

comissão de auditoria esta negativamente relacionada com problemas no controlo interno. As características da comissão de auditoria são: (1) a composição e a frequência com que se reúnem, (2)

independência, e (3), experiência» (CORREIA, Carina, A Influência da Composição da Comissão de Auditoria na Ocorrência de Eventos Negativos: o Caso das Entidades Cotadas no PSI20, ISCAL, Lisboa,

Fevereiro de 2019, p. 33 (Dissertação_Vfinal_Carina_Correia20160231 - Cópia.pdf (ipl.pt)). A generalização do conceito acaba por o tornar vazio, como se vê em : «a fase “Independência Profissional”

é essencial na prática de qualquer profissão. Para um auditor ser considerado independente, deve possuir uma atitude que inspire confiança e não seja subordinado a terceiros.» (GONÇALVES, Mónica

Albertina Vieira, Auditoria e Qualidade: a Solução para os Novos Desafios da Sociedade, Porto, Setembro de 2013, p. IX (8.pdf (occ.pt)).

Em 2021 83% dos auditores inquiridos achavam que eram independentes (COSTA, Joana Oliveira Martins, A Independência do Auditor, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto,

Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021, pp. 39, 52 (Joana_Costa_MA_2021.pdf (ipp.pt)). «Concluímos que existe influência da cultura portuguesa na independência dos auditores portugue-

ses uma vez que os resultados do questionário, tanto para o caso 1 como para o caso 2, apresentaram uma probabilidade elevada do auditor externo português efectuar trabalho adicional de audi-

toria (67% e 69%, respectivamente), resultado esse que transpondo para o que foi preconizado por Hofstede (1980), numa sociedade com baixo nível de individualismo (nível 27) seria expectável que

muito provavelmente o auditor seguiria as regras de se efectuar trabalho adicional de auditoria, apesar de sofrer pressões quer ao nível de tempo quer ao nível de familiaridade e proximidade com o

cliente. Pelo contrário numa sociedade individualista seria expectável que o auditor pudesse infringir as regras e regulamentos em benefício próprio.» (PINHEIRO, Bruno Miguel Braia, Independência

dos Auditores Portugueses: O Efeito Cultural, ISEG, Setembro de 2012, pp. 41-42 (Independência de Auditoria: A evolução em Portugal (ulisboa.pt)).

«A auditoria interna não existe em todos municípios portugueses, apenas existe uma percentagem reduzida de municípios que têm um departamento independente de auditoria interna.» (TEIXEIRA,

Maria de Fátima, O Contributo da Auditoria Interna para uma Gestão Eficaz, Coimbra, Novembro de 2006, p. 89 ((Microsoft Word - O Contributo da Auditoria Interna para uma Gest\343o Eficaz.d\205)

(core.ac.uk)).

xiv

Versão em português Entrada em vigor Versão em inglês Entrada em vigor

1) ISA 200 - Objectivos Gerais do Auditor Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 200 OVERALL OBJECTIVES Effective for audits of financial

Independente e Condução de uma financeiras de períodos com início em ou OF THE INDEPENDENT AUDITOR AND THE CONDUCT OF AN AUDIT IN statements for periods beginning

Auditoria de Acordo com as Normas após 15 de Dezembro de 2009 ACCORDANCE WITH INTERNATIONAL STANDARDS ON AUDITING on or after December 15, 2009

Internacionais de Auditoria; Microsoft Word - A008 2010 IAASB Handbook ISA 200 (ifac.org)

2) ISA 210 - Acordar os Termos de Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 210 AGREEING THE Effective for audits of financial

Trabalhos de Auditoria; financeiras de períodos com início em ou TERMS OF AUDIT ENGAGEMENTS statements for periods beginning

após 15 de Dezembro de 2009 Microsoft Word - A009 2010 IAASB Handbook ISA 210 (ifac.org) on or after December 15, 2009

3) ISA 220 - Controlo de Qualidade para Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 220 QUALITY Effective for audits of financial

uma Auditoria de Demonstrações financeiras de períodos com início em ou MANAGEMENT FOR AN AUDIT OF FINANCIAL STATEMENTS statements for periods beginning

Financeiras; após 15 de Dezembro de 2009 IAASB-International-Standard-Auditing-220-Revised.pdf (ifac.org) on or after December 15, 2022

4) ISA 240 - As Responsabilidades Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 240 THE AUDITOR’S Effective for audits of financial

do Auditor Relativas a Fraude financeiras de períodos com início em ou RESPONSIBILITIES RELATING TO FRAUD IN AN AUDIT OF statements for periods beginning

numa Auditoria de Demonstrações após 15 de Dezembro de 2009 FINANCIAL STATEMENTS on or after December 15, 2009

Financeiras; Microsoft Word - A012 2010 IAASB Handbook ISA 240 (ifac.org)

147 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

Versão em português Entrada em vigor Versão em inglês Entrada em vigor

5) ISA 260 - Comunicação com os Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 260 COMMUNICATION Effective for audits of financial

Encarregados da Governação; financeiras relativas a períodos com WITH THOSE CHARGED WITH GOVERNANCE statements for periods beginning

início em ou após 15 de Dezembro de 2009 Microsoft Word - A014 2010 IAASB Handbook ISA 260 (ifac.org) on or after December 15, 2009

6) ISA 300 - Planear uma Auditoria de Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 300 PLANNING AN Effective for audits of financial

Demonstrações Financeiras; financeiras para períodos com início em AUDIT OF FINANCIAL STATEMENTS statements for periods beginning

ou após 15 de Dezembro de 2009 Microsoft Word - A016 2010 IAASB Handbook ISA 300 (ifac.org) on or after December 15, 2009

7) ISA 402 - Considerações de Auditoria Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 402 AUDIT Effective for audits of financial

Relativas a uma Entidade que Utiliza financeiras de períodos com início em ou CONSIDERATIONS RELATING TO AN ENTITY USING A SERVICE statements for periods beginning

uma Organização de Serviços; após 15 de Dezembro de 2009 ORGANIZATION on or after December 15, 2009

Microsoft Word - A020 2010 IAASB Handbook ISA 402 (ifac.org)

8) ISA 500 - Prova de Auditoria; Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 500 AUDIT EVIDENCE Effective for audits of financial

financeiras de períodos com início em ou Microsoft Word - A022 2010 IAASB Handbook ISA 500 (ifac.org) statements for periods beginning

após 15 de Dezembro de 2009 on or after December 15, 2009

9) ISA 510 - Trabalhos de Auditoria Iniciais. Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 510 INITIAL AUDIT Effective for audits of financial

Saldos de Abertura; financeiras de períodos com início em ou ENGAGEMENTS—OPENING BALANCES statements for periods beginning

após 15 de Dezembro de 2009 Microsoft Word - A025 2010 IAASB Handbook ISA 510 (ifac.org) on or after December 15, 2009

10) ISA 600 - Considerações Especiais. Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 600 (REVISED), SPECIAL Effective for audits of financial

Auditorias de Demonstrações financeiras de grupos de períodos com CONSIDERATIONS—AUDITS OF GROUP FINANCIAL STATEMENTS statements for periods Beginning

Financeiras de Grupos (Incluindo o início em ou após 15 de Dezembro de 2009 (INCLUDING THE WORK OF COMPONENT AUDITORS) on or after December 15, 2023

Trabalho dos Auditores do Componente); IAASB-ISA-600-Revised.pdf (ifac.org)

Há proposta de alteração em Proposed International Standard

on Auditing 600 (Revised): Special Considerations -- Audits of

Group Financial Statements (Including the Work of Component

Auditors) | IFAC (iaasb.org)

11) ISA 610 - Usar o Trabalho de Auditores Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 610 (REVISED 2013) Effective for audits of financial

Internos; financeiras de períodos com início em ou USING THE WORK OF INTERNAL AUDITORES statements for periods ending

após 15 de Dezembro de 2009 ISA-610-(Revised-2013).pdf (ifac.org) on or after December 15, 2013,

except for material shaded in

gray pertaining to the use of

internal auditors to provide direct

assistance, which is effective for

audits of financial statements

for periods ending on or after

December 15, 2014

148 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

Versão em português Entrada em vigor Versão em inglês Entrada em vigor

12 ISA 620 - Usar o Trabalho de um Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING 620 USING THE WORK OF Effective for audits of financial

Perito do Auditor; financeiras de períodos com início em ou AN AUDITOR’S EXPERT statements for periods beginning

após 15 de Dezembro de 2009 Microsoft Word - A035 2010 IAASB Handbook ISA 620 (ifac.org) on or after December 15, 2009

13) ISA 700 - Formar uma Opinião Aplicável a auditorias de demonstrações INTERNATIONAL STANDARD ON AUDITING (ISA) 700 (REVISED), ISA 700 (Revised) is effective for

e Relatar sobre Demonstrações financeiras de períodos com início em ou FORMING AN OPINION AND REPORTING ON FINANCIAL STATEMENTS audits of financial statements

Financeiras; após 15 de Dezembro de 2009 International Standard on Auditing (ISA) 700 (Revised), Forming for periods ending on or after

an Opinion and Reporting on Financial Statements | IFAC (iaasb. December 15, 2016

org)

ISA-700-Revised_8.pdf (ifac.org)

14) ISA 800 - Considerações Especiais. Aplicável a auditorias de demonstrações ISA 800 (REVISED), SPECIAL CONSIDERATIONS─AUDITS OF ISA 800 (Revised) is effective for

Auditorias de Demonstrações financeiras de períodos com início em ou FINANCIAL STATEMENTS PREPARED IN ACCORDANCE WITH audits of financial statements

Financeiras Preparadas de Acordo após 15 de Dezembro de 2009 SPECIAL PURPOSE FRAMEWORKS for periods ending on or after

com Referenciais com Finalidade IAASB-ISA-800-Revised_0.pdf (ifac.org) December 15, 2016

Especial;

15) ISA 805 - Considerações Aplicável a auditorias de períodos com ISA 805 (REVISED), SPECIAL CONSIDERATIONS─AUDITS OF SINGLE ISA 805 (Revised) is effective for

Especiais ? Auditorias de início em ou após 15 de Dezembro de 2009 FINANCIAL STATEMENTS AND SPECIFIC ELEMENTS, ACCOUNTS OR audits of financial statements

Demonstrações Financeiras Isoladas ITEMS OF A FINANCIAL STATEMENT for periods ending on or after

e de Elementos, Contas ou Itens ISA 805 (Revised), Special Considerations─Audits of Single December 15, 2016

Específicos de uma Demonstração Financial Statements and Specific Elements, Accounts or Items

Financeira; of a Financial Statement | IFAC (iaasb.org)

16) ISA 810 - Trabalhos para Relatar Aplicável a trabalhos de períodos com ISA 810 (Revised) will become effective at the same time as ISA 810 (Revised) will become

Sobre Demonstrações Financeiras início em ou após 15 de Dezembro de 2009 the auditor reporting standards addressing general purpose effective at the same time as the

Resumidas. financial statements auditor reporting standards ad-

IAASB-ISA-810-Revised.pdf (ifac.org) dressing general purpose finan-

cial statements–for engagements

to report on summary financial

statements for periods ending on

or after December 15, 2016

149 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

xv
International Standard on Quality Management (ISQM) 1, Quality Management for Firms that Perform Audits or Reviews of Financial Statements, or Other Assurance or Related Services

Engagements | IFAC (iaasb.org).


xvi
REIS, José Vieira dos, «Sessão de Abertura», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, p. 4, salienta o alargamento, na altura havido, dos

poderes da OROC das auditorias à contas estatutárias e contratuais e o reforço dos poderes de supervisão (p. 10).

A tendência tem sido para o alargamento das responsabilidades dos auditores, como forma de lhes dar efectiva utilidade social e satisfazer as expectativas sociais (ALMEIDA, José Joaquim Marques

de, «A Profissão de ROC: Evolução e Perspectivas», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, p. 8). O auditor deve analisar com maior rigor

e profundidade o risco inerente ao negócio (p. 10). Para isso o auditor tem de ter uma formação mais multidisciplinar, e não apenas assente na contabilidade (p. 21). Se o conhecimento do negócio

é fundamento da actividade de auditoria, hoje em dia a necessidade desse conhecimento está intensificada (SISMEIRO, Manuel Heleno, «Revisão /Auditoria às Empresas da “Nova Economia”», in VII

Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, s/p.).
xvii
Na carta do EUROPEAN COMMISSION DIRECTORATE-GENERAL FOR ENERGY de 1 de Setembro de 2015 «To the voluntary schemes that have been recognised by the Commission for demonstrating

compliance with the sustainability criteria for biofuels» é reconhecida como qualidade essencial de auditores, mesmo fora das auditorias às contas, a sua independência (PAM%20to%20vs%20an-

nual%20reporting_0.pdf (europa.eu)).

Para VECCHIO, Giuseppina, Il Controlo Interno di Gestione dei Ministeri, CLUEB, Bologna, 2006, p. 14-15, os ministérios, não sendo empresas sob o ponto de vista jurídico, são-no sob o ponto de vis-

ta económico. Este raciocínio pode ser generalizado e corrigido. Os ministérios, como os restantes organismos públicos, são organizações. E, como todas as organizações, as empresas incluídas,

têm muitos elementos em comum entre si. Por isso, existem muitas homologias entre a auditoria de um organismo público e de uma empresa. Estas homologias aparecem também em COOPERS &

LYBRAND, Student’s Manual of Auditing, 3rd Ed, London, 1989, p. 1. ARENS, Alvin A., RANDAL, Elder, J, BEASLEY, Mark S., HOGAN, Chris E., Auditing and Assurance Services, 16th Ed., Pearson, Boston, 2017,

p. 36, estabelece uma tipologia de serviços de auditoria: operacional, de conformidade e sobre as demonstrações financeiras. HELIODORO, Paula Alexandra Godinho Pires, A Mudança de Auditor e o

Relatório de Auditoria Financeira, Lisboa, 2014, pp. 36-39 (TESE DE DOUTORAMENTO (uab.pt)), faz uma tipologia de auditores quanto à independência, dividindo duas auditorias financeiras, uma dita

independente ou às contas, da interna, embora me parece pouco estruturada e fecunda. Já quanto ao objecto é mais proveitosa (pp. 39-42), distinguindo a de gestão, de informática, mas não desen-

volvendo. Haveria muitos mais objectos a ter em conta.

Também MIRANDA, Joana Correia de, HENRIQUES, Sérgio Coimbra, «Riscos de Auto-Revisão e Interesse Pessoal. – Contributos para a Compreensão das Ameaças à Independência dos Auditores»,

Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, nº 55, pp. 151-152 (Cadernos MVM 55D.pub (cmvm.pt)), defendem que a independência vai além da actividade de auditoria às contas, e abrange todas as

funções de interesse público. A diferença é que na altura o RJSA não tinha ainda estendido o conceito de funções de interesse público.
xviii
Na carta do CEAOB de 30 May 2022, «6. The CEAOB supports the standard setting boards efforts to improve alignment, consistency, and compatibility between the International Standards on Auditing

and the Code. We believe that it is important that the IESBA strengthens the relevant independence considerations that apply in a group audit, whether the component auditor(firm) is part of the group auditor

firm’s network or not. | 7. The CEAOB continues to consider that it is important to facilitate further convergence between the concepts used in Code and in the European Union (“EU”) regulations. To this end,

the CEAOB encourages the IESBA to pursue its benchmarking initiative comparing its International Independence Standards against the independence rules of the EU regulations to provide information to

stakeholders about the similarities and key differences. Specific comments Regarding the proposals in the Exposure Draft, we would like to make the following comments: Responsibility for requirements

in relation to independence of the component auditor firm 8. We suggest clarifying in section 405 which individual in the component auditor firm is responsible for the performance of the procedures rela-

ted to independence required by section 405. 9. We suggest adding a requirement in paragraph R405.8 for the component auditor firm outside the group auditor firm’s network to also perform inquiries or

other procedures within that component auditor firm’s network to identify whether a threat to the component auditor firm’s independence exists.» (CEAOB comment letter to IESBA proposed revisions to

definition of engagement team and group audits (europa.eu)).

«La flexibilité des règles et méthodes comptables est considérée comme un des facteurs susceptibles d’avoir une influence négative importante sur le niveau d’indépendance perçue de l’audi-

teur. Lorsqu’un grand éventail de règles comptables existe, il est beaucoup plus difficile pour l’auditeur de s’opposer aux choix effectués. Les entreprises peuvent avoir la tentation de choisir les

cabinets d’audit qui acceptent les options comptables les plus favorables.» (PRAT, Christian, «L'indépendance perçue de l'auditeur», in Revue Française de Gestion 2003/6 (no 147), pages 105 à 117,

L'indépendance perçue de l'auditeur | Cairn.info).

xix

1) ISA 200 - Objectivos Gerais do Auditor Independente e Condução de uma Auditoria de Acordo com as Normas Internacionais de Auditoria;

2) ISA 210 - Acordar os Termos de Trabalhos de Auditoria;

3) ISA 220 - Controlo de Qualidade para uma Auditoria de Demonstrações Financeiras;

4) ISA 240 - As Responsabilidades do Auditor Relativas a Fraude numa Auditoria de Demonstrações Financeiras;

5) ISA 260 - Comunicação com os Encarregados da Governação;

150 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

6) ISA 300 - Planear uma Auditoria de Demonstrações Financeiras;

7) ISA 402 - Considerações de Auditoria Relativas a uma Entidade que Utiliza uma Organização de Serviços;

8) ISA 500 - Prova de Auditoria;

9) ISA 510 - Trabalhos de Auditoria Iniciais. Saldos de Abertura;

10) ISA 600 - Considerações Especiais. Auditorias de Demonstrações Financeiras de Grupos (Incluindo o Trabalho dos Auditores do Componente);

11) ISA 610 - Usar o Trabalho de Auditores Internos;

12) ISA 620 - Usar o Trabalho de um Perito do Auditor;

13) ISA 700 - Formar uma Opinião e Relatar sobre Demonstrações Financeiras;

14) ISA 800 - Considerações Especiais. Auditorias de Demonstrações Financeiras Preparadas de Acordo com Referenciais com Finalidade Especial;

15) ISA 805 - Considerações Especiais ? Auditorias de Demonstrações Financeiras Isoladas e de Elementos, Contas ou Itens Específicos de uma Demonstração Financeira;

16) ISA 810 - Trabalhos para Relatar Sobre Demonstrações Financeiras Resumidas.
xx

1) ISA 230 - Documentação de Auditoria;

2) ISA 250 - Consideração de Leis e Regulamentos numa Auditoria de Demonstrações Financeiras;

3) ISA 265 - Comunicar Deficiências no Controlo Interno aos Encarregados da Governação e à Gerência;

4) ISA 315 - Identificar e Avaliar os Riscos de Distorção Material Através do Conhecimento da Entidade e do Seu Ambiente;

5) ISA 320 - A Materialidade no Planeamento e na Execução de uma Auditoria;

6) ISA 450 - Avaliação de Distorções Identificadas durante a Auditoria;

7) ISA 501 - Prova de Auditoria. Considerações Especificas para Itens Seleccionados;

8) ISA 505 - Confirmações Externas;

9) ISA 520 - Procedimentos Analíticos;

10) ISA 530 - Amostragem de Auditoria;

11) ISA 540 - Auditar Estimativas Contabilísticas, Incluindo Estimativas Contabilísticas de Justo Valor e Respectivas Divulgações;

12) ISA 550 - Partes Relacionadas;

13) ISA 560 - Acontecimentos Subsequentes;

14) ISA 580 - Declarações Escritas;

15) ISA 705 - Modificações à Opinião no Relatório do Auditor Independente;

16) ISA 706 - Parágrafos de Ênfase e Parágrafos de Outras Matérias no Relatório do Auditor Independente;

17) ISA 710 - Informação Comparativa ? Números Correspondentes e Demonstrações Financeiras Comparativas;

18) ISA 720 - As Responsabilidades do Auditor Relativas a Outra Informação em Documentos que Contenham Demonstrações Financeiras Auditadas.
xxi
Veja-se o exemplo do 71º/11 EOROC que dá definições de conceitos que não são usados no diploma.
xxii
PALMROSE, Zoe-Vonna, «Trials of Legal Disputes Involving Independent Auditors: Some Empirical Evidence», in Journal of Accounting Research, Vol. 29 Supplement 1991, p. 149, dá uma pista para

explicar a pobreza histórica da jurisprudência na auditoria : «Trial verdicts, whether by judge or jury, are assumed to reflect the merits of cases, i.e., the correct application of the law to the events

that actually occurred (Alexander 119911). Although less than 5% of civil securities actions are litigated to verdict (Alexander 11991, p. 5251), the option of trial is thought to exist in all cases. The option

is critical because it means that pretrial resolutions also tend to reflect the merits of cases».

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, de 2 de Dezembro de 2021, Processo: 290/20.2YUSTR.L1, (Acórdão TRL_

KPMG.pdf (cmvm.pt)) pp. 78, 499, 502, 523, 593, 609, é referida apenas lateralmente a independência na auditoria das contas consolidadas, que não era tema do processo. No acórdão do Tribunal da

Relação de Lisboa, Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, de 13 de Janeiro de 2022, Processo: 290/20.2YUSTR.L1 (Acórdão (cmvm.pt)), não é sequer referida.

Na sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão 1° Juízo — J1, de 21 de Julho de 2021 (Sentença KPMG_divulgação.pdf (cmvm.pt)), pp. 114, 484, 488, 515, 525-526, 530, 637, 685, 686,

687, 688, 690, 703, 711, 717, 1060. é referida de modo lateral mais uma vez pela mesma razão. No entanto, há algumas referência que merecem destaque. A pp. 525-526: «Apesar de não o ter feito, resulta

daquela documentação que a Recorrente aceitou a solicitação do BES para realizar trabalhos de auditoria sobre a quase totalidade das componentes do Grupo, independentemente de um critério formal

de classificação da importância financeira da componente (solicitação, confirmada, em juízo, quanto a este segmento de motivação da atuação, pelas testemunhas Fernando Antunes e Inês Viegas). isto é,

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

pondo de lado princípios de. independência e cepticismo que se lhe impunham perante a entidade auditada, aceitou e acomodou a solicitação do BES sobre a seleção das componentes que seriam, ou não,

auditadas. Neste conspecto, verifica-se que a Recorrente documentou nos papéis de trabalho um conjunto de 14 entidades por si identificadas que não seriam objecto de trabalhos de auditoria, por repre-

sentarem, em conjunto, cerca de 0,5 pot cento do ativo consolidado do grupo; portanto, destituídas de relevância financeira. Nesse conjunto, não se acham incluídos o AMAN Bank nem o ES Bank Miami. Ora,

estas duas componentes representavam, em conjunto, cerca de 1,5 do ativo do consolidado do Grupo BES, isto é, o triplo do valor que a Recorrente convocou, implicitamente, para justificar a ausência de

importância financeira naquelas 14 entidades por si identificadas.» Na página 685 refere ao reconhecimento pela Comissão Europeia do fracasso da auto-regulação como forma de garantir a independência

dos auditores. E a p. 548 «Sucede que, tal risco está ainda exponenciado por esta confluência de fatores que, não obstante, a sua verificação, não conduziu a que a Recorrente documentasse a execução

de procedimentos de auditoria de natureza corroborativa: tratam-se de declarações meramente verbais (não se refere corroboração documental ou outra); e as declarações são da própria gestão, isto é,

da entidade auditada, relativamente à qual a Recorrente deve manter rigorosos princípios de independência e cepticismo.» (sublinhado meu).

Uma das partes «Sustenta a importância da independência do auditor para a segurança do mercado» (PRONUNCIAMENTO de 23 de setembro de 2017, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Supremo

Tribunal Federal (stf.jus.br), mas o tema não foi desenvolvido pelo tribunal.
xxiii
Decreto-Lei n.º 1/72, de 3 de janeiro Decreto-Lei n.º 1/72 | DRE.
xxiv
«1. (…) Nesta ordem de ideias, o actual diploma configura e designa as sociedades de revisão como sociedades de revisores de contas, acentuando que se trata de sociedades civis profissionais. Com

isso se procura não só atender ao princípio da responsabilidade pessoal dos revisores associados, mas também conferir certo lustre e independência à profissão. Coordenadas que, sem dúvida, orientam

toda a disciplina. (…) | É ainda previsto que os revisores de contas prestem serviços de consulta compreendidos no âmbito da sua especialidade. Trata-se de um aspecto com evidente interesse prático: não

afecta a estrutura básica da profissão e pode contribuir para que adquira o prestígio e a autoridade desejáveis, tal como vem acontecendo no estrangeiro. | 2. Deve concluir-se, em síntese, que a organização

da actividade de revisor oficial de contas tem por fim assegurar o bom exercício desta e a salvaguarda da dignidade e independência dos respectivos profissionais. Ela compreende a formação e a actua-

lização de uma lista dos revisores de contas, o seu agrupamento num organismo com sede em Lisboa, denominado Câmara dos Revisores Oficiais de Contas - podendo haver também secções regionais da

Câmara nas sedes. das Relações -, e a disciplina profissional. | O presente diploma não contende com os princípios da organização corporativa. Pareceu, todavia, aconselhado, tendo em vista as especiais

características da actividade dos revisores de contas, que estes se integrem num organismo diferente do sindicato que venha a abranger os diversos graus e variedades da profissão de contabilista. Até

porque foi considerado preferível que se estabelecesse um nexo de dependência em relação ao Ministério da Justiça, o que, aliás, não representa situação inédita.»
xxv
«ARTIGO 38.º (Incompatibilidades absolutas) Os revisores de contas não podem ser administradores ou directores de sociedades anónimas, nem gerentes de sociedades em comandita por acções ou de

sociedades por quotas. | ARTIGO 39.º (Incompatibilidades relativas) 1. São aplicáveis aos revisores, ainda que exercendo a sua actividade como empregados de sociedades de revisores, as causas de incom-

patibilidade previstas nas alíneas a) a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 49381, de 15 de Novembro de 1969. | 2. As circunstâncias referidas no número anterior, que se verifiquem em relação a qualquer

dos sócios de sociedade de revisores, constituem causa de incompatibilidade da mesma sociedade ou de outra de que essa seja sócia. | 3. Os revisores de contas que prestem serviços a uma entidade não

podem, durante os três anos seguintes ao termo do respectivo contrato e ainda que deixem de ser revisores, desempenhar quaisquer funções na mesma entidade, por escolha desta ou eleição; a proibição

é extensiva às empresas que, segundo o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 49381, de 15 de Novembro de 1969, devam considerar-se dominadas. | 4. O disposto no número anterior abrange: | a) Os sócios da socie-

dade que preste os serviços e os sócios de sociedade de revisores que seja sócia daquela; | b) Os empregados, com a qualidade de revisor, que, por qualquer forma, participem na prestação dos serviços.»
xxvi
«ARTIGO 32.º (Deveres gerais dos revisores de contas) 1. Os revisores de contas têm o dever de: a) Desempenhar conscienciosa e diligentemente as funções de que sejam incumbidos».
xxvii
Decreto-Lei n.º 519-L2/79, de 29 de Dezembro Decreto-Lei n.º 519-L2/79 | DRE.
xxviii
«4. A ampliação legal das funções de revisores, bem como a experiência colhida desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 1/72, têm revelado a indispensabilidade da reformulação desse diploma,

em ordem a rodear o exercício das funções de interesse público prosseguidas pelos mesmos das necessárias garantias de independência face às entidades que fiscalizam, a dotar a mesma fiscalização da

maior eficácia que os interesses em jogo impõem e a definir um nível de profissionalização e de responsabilização coerente com as funções em causa. | 5. Em sintonia com os parâmetros definidos, cujo

paralelo é constatado nos países da Europa com larga experiência na matéria, prevê-se, designadamente: | a) A obrigatoriedade da certificação legal de contas por revisores, dotada de fé pública, para as

empresas actualmente sujeitas a inclusão dos mesmos nos respectivos órgãos de fiscalização, prevendo-se, simultaneamente, a sua extensibilidade a outras empresas ou entidades, de acordo com a sua

dimensão ou projecção social, e não com o seu tipo; | b) O estatuto específico do revisor no exercício de funções de interesse público, integrado por garantias de independência, de dignificação da profissão

e de responsabilização correlativa, sem prejuízo da sua sujeição, cumulativamente, ao conjunto de poderes e deveres definidos em geral para os membros dos órgãos de fiscalização; | c) A definição de um

sistema rigoroso de incompatibilidades e impedimentos, coerente com o grau de profissionalização requerido: | d) Um complexo de normas e processos para acesso à profissão norteados pelo escopo da

selecção exigente de profissionais dotados do perfil traçado e exigido, para os mesmos, a nível europeu.»
xix
«Artigo 5.º (Modalidades) 1 - O revisor desempenha as funções contempladas neste diploma em regime de completa independência funcional e hierárquica relativamente às entidades a quem presta

serviços».
xxx
«Artigo 96.º (Incompatibilidades em geral) A profissão de revisor é incompatível com qualquer outra que possa implicar diminuição da independência, do prestígio ou da dignidade da mesma ou ofenda

outros princípios de deontologia profissional.»

152 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

xxxi
Decreto-Lei n.º 422-A/93, de 30 de Dezembro Decreto-Lei n.º 422-A/93 | DRE.
xxxii
«Artigo 40.º Modalidades 1 - O revisor desempenha as funções contempladas neste diploma em regime de completa independência funcional e hierárquica relativamente às empresas ou outras enti-

dades a quem presta serviços».


xxxiii
«Artigo 66.º Incompatibilidades em geral A profissão de revisor é incompatível com qualquer outra que possa implicar a diminuição da independência, do prestígio ou da dignidade da mesma ou ofenda

outros princípios de ética e deontologia profissional.»


xxxiv
«Artigo 150.º Estatuto profissional (…) 3 - A aplicação do disposto no n.º 1 do presente artigo tem lugar independentemente de o revisor comunitário ter estabelecimento profissional em Portugal e

na medida em que a sua observância for concretamente viável e justificada para assegurar o exercício correcto, em Portugal, da actividade de revisor e a independência, o prestígio e a dignidade da

profissão.»
xxxv
Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 224/2008, de 20 de novembro, e 185/2009, de 12

de Agosto ::: DL n.º 487/99, de 16 de Novembro (pgdlisboa.pt).


xxxvi
JO L 91 de 31.3.2001, p. 91.
xxxvii
JO L 191 de 19.7.2002, p. 22.
xxxviii
«(11) Os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de contas deverão ser independentes quando realizarem revisões legais das contas. Poderão informar a entidade examinada

das questões suscitadas pela revisão ou auditoria mas deverão abster-se dos processos de decisão internos da entidade examinada. Caso estejam numa situação em que a importância das ameaças à

sua independência seja elevada, mesmo após a aplicação de salvaguardas para atenuar estas ameaças, deverão renunciar ou abster-se do trabalho de revisão ou auditoria. A constatação da existência de

uma relação que comprometa a independência do revisor oficial de contas pode ser diferente consoante se trate de uma relação entre o revisor oficial de contas e a entidade examinada, ou entre a rede

e a entidade examinada. Sempre que uma cooperativa na acepção do ponto 14 do artigo 2.o, ou qualquer entidade similar a que se refere o artigo 45.o da Directiva 86/635/CEE, deva ou seja autorizada

nos termos das disposições nacionais a ser membro de uma entidade de auditoria sem fins lucrativos, uma parte terceira objectiva, sensata e informada não deverá concluir que esta relação baseada na

participação compromete a independência do revisor oficial de contas, desde que, quando tais entidades realizem a revisão legal de contas de um dos seus membros, os princípios da independência sejam

aplicados aos revisores oficiais de contas que realizam a revisão ou auditoria e às pessoas susceptíveis de estarem em posição de exercer influência sobre a revisão legal de contas. Constituem exemplos

de ameaças para a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas os interesses financeiros, directos ou indirectos, na entidade examinada e a prestação de

quaisquer serviços adicionais que não sejam de revisão ou auditoria. O nível de honorários recebidos de uma entidade objecto de revisão ou auditoria e/ou a estrutura dos honorários podem igualmente

ameaçar a independência do revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas. O tipo de medidas de salvaguarda a aplicar para limitar ou eliminar essas ameaças incluirá proibições,

restrições, outras políticas e procedimentos e divulgação de dados. Os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de contas deverão recusar-se a prestar qualquer serviço adicional

que não seja de revisão ou auditoria que comprometa a sua independência. A Comissão poderá adoptar medidas de execução em matéria de independência que constituam normas mínimas. Ao fazê-lo, a

Comissão poderá ter em conta os princípios constantes da acima referida Recomendação de 16 de Maio de 2002. A fim de determinar a independência dos revisores oficiais de contas, o conceito de «rede»

em que estes funcionam terá que ser claro. A este respeito, deverão ser tidas em conta diversas circunstâncias como, por exemplo, casos em que a estrutura pode ser definida como rede na medida em

que se destina a partilhar os lucros ou custos. Os critérios para demonstrar a existência de uma rede deverão ser avaliados e ponderados com base em todas as circunstâncias factuais conhecidas, tais

como a existência ou não de clientes habituais comuns.»

«(12) No caso de auto-revisão ou de interesse pessoal, quando for necessário salvaguardar a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas, deverá competir ao

Estado-Membro — e não ao revisor oficial de contas ou à sociedade de revisores oficiais de contas — decidir se o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas deverá renunciar ou

abster-se do seu trabalho de revisão ou auditoria relativamente aos clientes dos seus serviços de revisão ou auditoria. Não obstante, isto não deverá ocasionar uma situação tal que aos Estados-Membros

incumba um dever geral de impedir os revisores oficiais de contas ou as sociedades de revisores oficiais de contas de prestar serviços que não sejam de revisão ou auditoria aos clientes dos seus serviços

de revisão ou auditoria. Para determinar se é conveniente, em caso de interesse pessoal ou de auto-revisão, que um revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas não deva

executar a revisão legal de contas, a fim de salvaguardar a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas, os factores a ter em conta deverão incluir a questão

de saber se a entidade de interesse público examinada emitiu ou não valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado na acepção do ponto 14 do n.o 1 do artigo 4.o da Directiva

2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros».

«(22) O revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas deverão ser nomeados pela assembleia geral de accionistas ou membros da entidade examinada. A fim de proteger a inde-

pendência do revisor oficial de contas, é relevante que a destituição seja apenas possível quando houver justificação válida para tal e se esta for comunicada à autoridade ou autoridades responsáveis

pela supervisão pública.»

«(26) A fim de reforçar a independência dos revisores oficiais de contas das entidades de interesse público, os sócios principais responsáveis pelas funções de revisão legal das contas de tais entidades

deverão ser sujeitos a rotação. Para organizar esta última, os Estados-Membros deverão exigir a substituição dos sócios principais responsáveis pelas funções de revisão ou auditoria que trabalhem com

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

a entidade examinada, permitindo entretanto que a sociedade de revisores oficiais de contas a que aqueles estão associados continue a proceder à revisão legal de contas das referidas entidades. Caso

um Estado-Membro o considere necessário para a realização dos objectivos prosseguidos, poderá, alternativamente, exigir a mudança de sociedade de revisores oficiais de contas, sem prejuízo do n.o 2

do artigo 42.o».
xxxix
«Artigo 8.o Prova de conhecimentos teóricos 1. A prova de conhecimentos teóricos incluída no exame deve abranger, em especial, as seguintes matérias: (…) j) Deontologia profissional e

independência.»
xl
«Artigo 22.o Independência e objectividade | 1. Os Estados-Membros asseguram que, aquando da realização de uma revisão legal de contas, os revisores oficiais de contas ou as sociedades de revi-

sores oficiais de contas, bem como quaisquer pessoas singulares em posição de influenciar direta ou indiretamente o resultado da revisão legal de contas, sejam independentes relativamente à enti-

dade auditada e não se encontrem envolvidos na tomada de decisões dessa entidade. | A independência é exigida pelo menos durante o período abrangido pelas demonstrações financeiras a auditar

e o período durante o qual é realizada a revisão legal de contas. | Os Estados-Membros asseguram que os revisores oficiais de contas ou as sociedades de revisores oficiais de contas tomam todas as

medidas razoáveis para garantir que, quando realizam uma revisão legal de contas, a sua independência não é afetada por conflitos de interesses existentes ou potenciais nem por relações comerciais

ou outras relações diretas ou indiretas que envolvam o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas que realizam essa revisão legal de contas e, se aplicável, a sua rede, os

seus gestores, auditores, empregados, qualquer outra pessoa singular cujos serviços estejam à disposição ou sob o controlo do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas

ou qualquer pessoa ligada direta ou indiretamente ao revisor oficial de contas ou à sociedade de revisores oficiais de contas por uma relação de controlo. | Os revisores oficiais de contas ou as socie-

dades de revisores oficiais de contas não realizam uma revisão legal de contas se houver qualquer ameaça de autoavaliação, interesse próprio, representação, familiaridade ou intimidação criado por

relações financeiras, pessoais, comerciais, de trabalho ou outras entre: | — o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas, a sua rede e qualquer pessoa singular em posição de

influenciar o resultado da revisão legal de contas, e | — a entidade auditada, | em resultado da qual uma parte terceira objetiva, razoável e informada possa, tendo em conta as medidas de salvaguarda

aplicadas, concluir que a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas está comprometida. | 2. Os Estados-Membros asseguram que os revisores oficiais

de contas ou as sociedade de revisores oficiais de contas, os seus sócios principais, os seus empregados e quaisquer outras pessoas singulares cujos serviços estejam à disposição ou sob o controlo

desses revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas e que estejam diretamente envolvidas nas atividades de revisão legal de contas, bem como as pessoas que lhes estejam

estreitamente associadas na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2004/72/CE ( 22 ), não detêm nem têm um interesse económico material e direto nem participam na transação de qualquer dos ins-

trumentos financeiros emitidos, garantidos ou de qualquer outra forma apoiados por qualquer entidade auditada que recaia no domínio das suas atividades de revisão legal de contas, com exceção de

interesses que indiretamente possuam através de organismos de investimento coletivo diversificado, incluindo fundos sob gestão, nomeadamente fundos de pensões ou seguros de vida. | 3. Os Estados-

Membros devem assegurar que o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas registe nos documentos de trabalho da revisão ou auditoria todas as ameaças importantes que

possam comprometer a sua independência, bem como as medidas de salvaguarda aplicadas para limitar esses riscos. | 4. Os Estados-Membros asseguram que as pessoas ou sociedades a que se refere

o n.o 2 não participam nem influenciam de qualquer modo o resultado da revisão legal de contas de uma determinada entidade auditada caso: | a) Detenham instrumentos financeiros da entidade au-

ditada, com exceção de interesses que indiretamente detenham através de organismos de investimento coletivo diversificado; | b) Detenham instrumentos financeiros de qualquer entidade associada

a uma entidade auditada, cuja propriedade possa causar ou ser geralmente considerada como causadora de um conflito de interesses, com exceção de interesses que indiretamente detenham através

de organismos de investimento coletivo diversificado; | c) Tenham tido, durante o período a que se refere o n.o 1, uma relação de trabalho, comercial ou de outro tipo com a entidade auditada, que possa

causar ou ser geralmente considerada como causadora de um conflito de interesses. | 5. As pessoas ou sociedades a que se refere o n.o 2 não podem solicitar nem aceitar ofertas pecuniárias ou não

pecuniárias nem favores da entidade auditada ou de qualquer entidade associada a uma entidade auditada, exceto se uma parte terceira objetiva, razoável e informada pudesse considerar o seu valor

insignificante ou inconsequente. | 6. Se, durante o período abrangido pelas demonstrações financeiras, uma entidade auditada for adquirida por outra entidade, fundida com outra entidade, ou adquirir

outra entidade, o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas identificam e avaliam quaisquer interesses ou relações atuais ou recentes, incluindo a prestação de serviços a

essa entidade que não sejam de auditoria, com essa entidade que, tendo em conta as salvaguardas disponíveis, possa comprometer a independência do auditor e a sua capacidade de continuar a revi-

são legal de contas após a data efetiva da fusão ou da aquisição. | Logo que possível, e em todo o caso no prazo de três meses, o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas

tomam todas as medidas necessárias para pôr termo a quaisquer interesses ou relações atuais suscetíveis de comprometer a sua independência e, sempre que possível, adotam medidas de salvaguarda

para minimizar qualquer ameaça à sua independência decorrente de interesses e relações prévios e atuais.»
xli
«Os Estados-Membros devem assegurar a existência de regras adequadas que disponham que os honorários relativos às revisões legais das contas: | a) Não sejam influenciados ou determinados pela

prestação de serviços adicionais à entidade examinada; | b) Não se possam basear em qualquer forma de contingência.»
xlii
DL n.º 225/2008, de 20 de Novembro, CONSELHO NACIONAL DE SUPERVISÃO DE AUDITORIA – CNSA ::: DL n.º 225/2008, de 20 de Novembro (pgdlisboa.pt).
xliii
Artigo 16º «2 - Para efeitos da alínea c) do número anterior, só podem ser registados auditores e entidades de auditoria de países terceiros desde que, cumulativamente: (…) d) Realizem as revisões

legais das contas individuais ou consolidadas previstas no n.º 1 de acordo com normas de auditoria aplicáveis em Portugal, bem como em consonância com os requisitos de independência, objectividade

e de fixação de honorários estabelecidos na lei portuguesa».

154 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

vliv
Artigo 20º «1 - O sistema de controlo de qualidade pauta-se pelos seguintes princípios: (…) e) O âmbito das acções de controlo de qualidade inclui a verificação da evidência constante dos dossiers de

revisão legal das contas seleccionados e uma apreciação do cumprimento das normas de auditoria aplicáveis, dos requisitos de independência e da adequação dos recursos utilizados e dos honorários de

auditoria praticados, assim como uma avaliação do sistema interno de controlo de qualidade».
vlv
«1 - Constitui contra-ordenação grave, punível com coima entre (euro) 10 000 e (euro) 50 000, a violação: a) De deveres de independência ou de segredo dos revisores oficiais de contas e das sociedades

de revisores oficiais de contas relativos à preparação e emissão de certificação legal de contas».


vlvi
A independência é um dos principais motores da reforma da legislação europeia em sede de auditoria. No MEMO/04/12, Brussels, 21st January 2004 «Parmalat affair potential impact on EU policies

[…] "On rules for statutory auditors, the Commission is finalising its proposals to revise the 8th Company Law Directive. The proposal, due to be presented in March, will amongst other things: | tighten the

oversight of auditors at the level of Member States | introduce the principle that the group auditor is fully responsible for the audit report in relation with the consolidated accounts of a group of companies |

establish rules on audit quality assurance | specify rules on independence of auditors and on ethics | impose the use of high quality auditing standards for all statutory audits | seek to ensure that there are

independent audit committees in all listed companies | strengthen sanctions for malpractice and | enhance cooperation of oversight bodies at European level and with third country regulators."» (https://

ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/memo_04_12). No SPEECH/02/459, Speech by Frits Bolkestein, Member of the European Commission in charge of the Internal Market and Taxation,

Financial markets - a matter of trust, Annual meeting of World Federation of Equities at Euronext, Amsterdam, 6th October 2002: «The second element is that there should be a proper system of checks

and balances. This rule is broken when outside advisers like accountants are torn between their consulting fee and their auditing responsibility. The independence of auditors is pivotal to assure accurate

accounting. The Commission recently issued a recommendation on auditor independence. It requires that they shall not engage in any work, including non-audit services, which is likely to threaten their

objectivity and independence in carrying out statutory audit. It requires disclosure of audit and non audit fees, mandatory rotation of partners in audit firms every seven years, and a two year cooling off

period for partners before they can start working for their audit clients.» (https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/speech_02_459) No comunicado IP/05/1249, Brussels, 11 October

2005 «Internal Market and Services Commissioner Charlie McCreevy said: ”This is a crucial Directive, which will bring EU financial reporting into the 21st century by introducing a much more rigorous

and ethical audit process for company accounts. Importantly, it will also require the application of international auditing standards and establish criteria for public supervision. All this will help to restore

faith in the profession and in its independence, which was greatly undermined by recent high-profile scandals. I am very happy with the agreement reached by the Council today”. […] Moreover, sound and

harmonised principles of independence applicable to all statutory auditors through the EU have been defined. | The Directive further improves the independence of auditors by requiring listed companies to

set up an audit committee (or a similar body) with clear functions to perform. It also foresees the use of international standards on auditing for all statutory audits conducted in the EU. Adoption of these

standards will be subject to strict conditions such as their quality and whether they are conducive to the European public good.» (https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_05_1249)

No SPEECH/05/306, Charlie McCREEVY, European Commissioner for Internal Market and Services, A changing landscape for business in Europe, Annual Conference of the Institute of Certified Public

Accountants in Ireland, Dublin, 27 May 2005: «Another important issue is independence of auditors. Independence is a vital vehicle that enables the issue of objective and reliable auditors' reports. The

difficult issue here is to which extent non-audit services can still be provided to the audit client. You are, I am sure, fully aware of the debate in the US. I am concerned that we should not overact in the

EU and I think that the compromise on the table in the negotiations on the 8th Directive is balanced. | I know that the business world is concerned about a mandatory requirement for an audit committee.

Some flexibility has been introduced, but I am convinced that, for listed companies, an audit committee function can significantly contribute to the ring-fencing of auditor independence. Management of

companies should not exercise undue influence on the auditor's judgement. Auditors must be firm and not cave in to pressure from companies. Partners and senior managers must show the young and

ambitious auditors that this is the way to conduct an audit.» (https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/speech_05_306).


xlvii
«15. O auditor deve planear e executar uma auditoria com cepticismo profissional, reconhecendo que podem existir circunstâncias que originaram que as demonstrações financeiras estejam mate-

rialmente distorcidas. (Ref: Parágrafos A18-A22)».

ISA 220

«Independência | 11. O sócio responsável pelo trabalho deve elaborar uma conclusão sobre o cumprimento dos requisitos de independência que se aplicam ao trabalho de auditoria. Ao fazê-lo, o sócio

responsável pelo trabalho deve: | (a) Obter informação relevante da firma e, quando aplicável, das firmas da rede, para identificar e avaliar as circunstâncias e os relacionamentos que criem ameaças à

independência; | (b) Avaliar a informação sobre falhas identificadas, caso existam, nas políticas e procedimentos de independência da firma, para determinar se constituem uma ameaça à independência

do trabalho de auditoria; e | (c) Tomar as acções apropriadas para eliminar tais ameaças ou reduzi-las a um nível aceitável por aplicação de salvaguardas, ou, se for considerado apropriado, renunciar ao

trabalho de auditoria, quando essa renúncia for possível segundo lei ou regulamento aplicável. O sócio responsável pelo trabalho deve comunicar imediatamente à firma qualquer incapacidade para resolver

uma determinada questão, para que seja tomada acção apropriada. (Ref: Parágrafos A5-A7)».

«21. Para auditorias de demonstrações financeiras de entidades admitidas à cotação, o revisor do controlo de qualidade do trabalho, ao executar a revisão do controlo de qualidade do trabalho, deve tam-

bém considerar os seguintes elementos: | (a) A avaliação pela equipa de trabalho da independência da firma em relação ao trabalho de auditoria;».

«22. O auditor deve incluir na documentação de auditoria[1]: | (a) As questões identificadas no que respeita ao cumprimento de requisitos éticos relevantes e a forma como foram resolvidas; | (b As conclu-

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

sões sobre o cumprimento de requisitos de independência aplicáveis ao trabalho de auditoria e quaisquer discussões no seio da firma que suportem essas conclusões; | (c) As conclusões atingidas no que

respeita à aceitação e continuação dos relacionamentos com os clientes e dos trabalhos de auditoria».

«A2 Salvo se a informação prestada pela firma ou por outras entidades sugerir o contrário, a equipa da trabalho pode confiar no sistema de controlo de qualidade da firma em relação a, por exemplo: |

Competência do pessoal, por via do seu recrutamento e formação formal. | · Independência por via da recolha e comunicação de informação relevante sobre independência. | · Manutenção de relacionamen-

tos com os clientes através de sistemas de aceitação e continuação. | · Aderência aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis através do processo de monitorização.»

«Confiança no Sistema de Controlo de Qualidade da Firma (Ref: Parágrafo 4) | A2 Salvo se a informação prestada pela firma ou por outras entidades sugerir o contrário, a equipa da trabalho pode confiar

no sistema de controlo de qualidade da firma em relação a, por exemplo: | Competência do pessoal, por via do seu recrutamento e formação formal. | · Independência por via da recolha e comunicação de

informação relevante sobre independência. | · Manutenção de relacionamentos com os clientes através de sistemas de aceitação e continuação. | · Aderência aos requisitos legais e regulamentares apli-

cáveis através do processo de monitorização.»

«Ameaças à Independência (Ref: Parágrafo 11(c)) | A3. O sócio responsável pelo trabalho pode identificar uma ameaça à independência respeitante ao trabalho de auditoria que as salvaguardas não per-

mitam eliminar ou reduzir para um nível aceitável. Nesse caso, conforme exigido pelo parágrafo 11(c), o sócio responsável pelo trabalho contacta as pessoa(s) relevante(s) dentro da firma para determinar

a acção apropriada, que pode incluir a eliminação da actividade ou interesse que cria a ameaça ou a renúncia ao trabalho de auditoria, quando essa renúncia for possível segundo a lei ou regulamento

aplicável.»

«A4. Podem existir medidas estatutárias que proporcionem salvaguardas para a independência dos auditores do sector público. Porém, os auditores do sector público ou as firmas de auditoria que realizem

auditorias do sector público em nome do auditor estatutário podem, dependendo dos termos do mandato numa dada jurisdição, necessitar de adaptar a sua abordagem a fim de promover o cumprimento

do espírito do parágrafo 11. Tal pode incluir, quando o mandato do auditor do sector público não permitir a renúncia do trabalho, a divulgação por meio de um relatório público das circunstâncias ocorridas

e que, no sector privado, conduziriam à renúncia do auditor.«

«A30. No sector público, um auditor designado oficialmente (por exemplo, um Auditor do Tribunal de Contas ou outra pessoa devidamente qualificada designada em seu nome), pode agir com funções

equivalentes às de sócio responsável pelo trabalho com a responsabilidade geral por auditorias do sector público. Em tais circunstâncias, quando aplicável, a selecção do revisor do controlo de qualidade

do trabalho inclui a apreciação da necessidade de independência em relação à entidade auditada e da capacidade do revisor do controlo de qualidade do trabalho para fazer uma avaliação objectiva.»

ISA 260

«4. Esta ISA está principalmente centrada nas comunicações do auditor aos encarregados da governação. Apesar de tudo, uma comunicação eficaz nos dois sentidos é importante para ajudar: | (a) O

auditor e os encarregados da governação a compreender matérias relacionadas com a auditoria em presença e a desenvolver um relacionamento de trabalho construtivo. Este relacionamento é estabele-

cido sem prejuízo da manutenção da independência e objectividade do auditor; | (b) O auditor a obter dos encarregados da governação informação relevante para a auditoria. Por exemplo, os encarregados

da governação podem ajudar o auditor a compreender a entidade e o seu ambiente, a identificar fontes apropriadas de prova de auditoria e a obter informação acerca de transacções ou acontecimentos

específicos; (…)».
xlviii
POWER, Michael, The Audit Society. Rituals of Verification, Oxford University Press, Oxford, 1999, p. 123, mostra o risco de a auditoria ser uma solução cosmética e uma forma de obnubilar os ver-

dadeiros riscos.
xlix
A independência também é definida no COOPERS & LYBRAND, Student’s Manual of Auditing, 3rd Ed, London, 1989, p. 2, como liberdade em relação a interesses, no caso, que possam afectar a objecti-

vidade. Também na auditoria interna a independência é definida em função dos interesses (SAWYER, Lawrence B, DITTENHOFER, Mortimer A, SCHEINER, James H., Sawyer’s Internal Auditing: The Practice

of Modern Internal Auditing, 5th Ed., The Institute of Internal Auditors, 2005, p. 1388).
l
«Les normes professionnelles recommandent habituellement à l’auditeur d’être à la fois compétent et indépendant, c’est-à-dire que l’auditeur doit être d’une part, capable, doté de bonnes connais-

sances, suffisamment expérimenté pour réaliser de manière satisfaisante l’ensemble des diligences d’audit et d’autre part, être mentalement capable d’analyser les comptes et d’en rendre compte

dans son rapport de façon non biaisée et sans causer de préjudice aux tiers. La compétence est le niveau d’expertise suffisant pour atteindre les objectifs d’audit explicités. Cette expertise est un

continuum qui évolue, à travers un processus d’apprentissage, du point intitulé «savoir que» vers un autre point «savoir comment» | La compétence et l’indépendance sont les ingrédients d’un audit

réussi. L’indépendance peut précéder la compétence définie par le niveau de technicité, de connaissance et d’expérience de l’auditeur. Mais, un auditeur peut difficilement être indépendant s’il n’est

pas compétent. La compétence de l’auditeur est une condition nécessaire à son indépendance. La décision de l’auditeur d’être dépendant ou indépendant ne peut être prise que si sa compétence lui

permet d’accomplir de manière totalement satisfaisante l’ensemble de ses travaux d’audit. La maîtrise technique est nécessaire pour pouvoir exprimer un jugement sur les comptes et résister à des

pressions non fondées.» (PRAT, Christian, «L'indépendance perçue de l'auditeur», in Revue Française de Gestion 2003/6 (no 147), pages 105 à 117, L'indépendance perçue de l'auditeur | Cairn.info).
li
O «professional behaviour» referido em COLLINGS, Steven, Interpretation and Application of International Standards of Auditing, Wiley & Sons, Chichester, 2011, p. 17, parece recortar o que resulta, no

EOROC, dos princípios da adequação a normas, a objectividade e a responsabilidade. A tipificação do complexo de condutas devidas é ainda muito incipiente como se verifica.
lii
Também VEIGA, Alexandre Brandão da; «Idoneidade e Supervisão», in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 55, Dezembro 2016 Cadernos%20MVM%2055d.pdf (cmvm.pt), v.g. pp. 45, 48,

156 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

49, 50, 51, maxime 58. A importância de manter a imagem de isenção em DIAS, José Duarte Assunção, «Independência Profissional: Limites e Salvaguardas», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de

Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, p. 4, lembrando que os auditores devem ser e parecer isentos de qualquer interesse incompatível (pp. 6, 11). Também SIDDIQUI, Javed, Regulation

of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, pp. 2-3, 17, 37, 42, 46; ARENS, Alvin A., RANDAL, Elder,

J, BEASLEY, Mark S., HOGAN, Chris E., Auditing and Assurance Services, 16th Ed., Pearson, Boston, 2017, p. 113, COLLINGS, Steven, Interpretation and Application of International Standards of Auditing, Wiley

& Sons, Chichester, 2011, pp. 5-6. Há quem divida a independência em «practitioner independence» no sentido em que é capaz de exercer as suas funções no planeamento, execução e resultados

finais e «professional independence», no sentido de manutenção da aparência (SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-

2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 18).

«O Código de Ética da OROC determina que a definição de independência compreende dois tipos de independência distintos mas bastante relacionados: independência da mente e aparência na in-

dependência.» (SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018, p. 9 (Denise_

Sousa_MA_2018.pdf (ipp.pt)). Ver 4.1.3. do Código de Ética da OROC (CodigoEtica2011.pdf (oroc.pt)). Esta destrinça não é ociosa. Tem efeitos mesmo no trabalho empírico: «O trabalho empírico rea-

lizado tem por base a análise das principais condicionantes da independência dos auditores externos. Uma vez que o estudo incide sobre independência, esta encontra-se subdividida em dois temas

principais: independência na mente e aparência na independência.» (SOUSA, Denise Ribeiro de, op. cit, p. 29). A destrinça está trivialmente aculturada como se vê também em COSTA, Joana Oliveira

Martins, A Independência do Auditor, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021, p. 20 (Joana_Costa_MA_2021.pdf (ipp.pt)),

ROCHA, Mário André Cabral, A Importância da Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto –

Julho 2020, p. 11 (Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)) e BANDEIRA, Paulo, A Independência dos Auditores de Sociedades Cotadas, RDS III (2011), 2, 301-334, pp. 308, 318, 321 (RDS 2011-2 (301-334) -

Governo das Sociedades - Paulo Bandeira - A independência dos auditores de sociedades cotadas.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)). «A qualidade da auditoria em aparência é a base de

avaliação da reputação e independência do auditor (Branson et al, 2010).» (PINHEIRO, Bruno Miguel Braia, Independência dos Auditores Portugueses: O Efeito Cultural, ISEG, Setembro de 2012, p. 8

(Independência de Auditoria: A evolução em Portugal (ulisboa.pt)). «Também o código de ética da IFAC vem reforçar este princípio, na medida em que define que independência tem duas vertentes,

a independência da mente e a independência na aparência.» (SANTOS, Ana Sofia Pires dos, Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira, Escola Superior de Gestão de Tomar, s.d., p. 27

(Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira (rcaap.pt)) (cf. p. 34). Numa tese centrada no problema da reputação afirma-se que «apesar de não haver uma diferença significativa na in-

terpretação do conceito de “independência na aparência” entre os auditores e os destinatários dos relatórios financeiros, há diferenças que é importante o auditor ter em consideração» (CURTO, Ana

Cláudia Ferreira, Independência na Aparência: a Perspetiva dos Auditores e dos Utentes do Relatório de Auditoria, ISEG, 2016, p. i (DM-ACFC-2016.pdf (utl.pt)), «Apesar de ser exigido aos ROC que cumpram

o CEOROC, podem existir disparidades na interpretação do conceito de “independência na aparência” entre os auditores e os destinatários dos relatórios de auditoria. Assim, através de um inquérito

por questionário foram construídos uma série de cenários por forma a avaliar se ambos os grupos estão em concordância. | Através dos mesmos podemos concluir que: • Os utentes da informação

financeira não são condescendentes às relações de amizade entre auditores e órgãos superiores, assim como práticas de atividades conjuntas e frequentação dos mesmos grupos; | • Os utentes da

informação financeira não concordam que a prestação de serviços de consultoria financeira, de gestão de risco, fiscal e serviços de auditoria interna sejam prestados à empresa auditada; • Os uten-

tes da informação financeira dão muita importância aos honorários recebidos pelas firmas de auditoria, quer em relação aos trabalhos de auditoria quer de extra-auditoria; • Apesar dos auditores

desvalorizarem esta questão, os utentes da informação financeira acreditam na existência pressões que podem dissuadir e influenciar a objetividade do auditor. Por exemplo, a possibilidade de a

entidade auditada mudar de firma de auditoria no ano seguinte; • Também o facto de o trabalho de auditoria não fazer parte do Programa Anual de Controlo de Qualidade preocupa os utentes; • É de

extrema importância para os utentes da informação financeira que todas as situações de ameaça à independência do auditor venham mencionadas no relatório de auditoria. Em suma, as médias das

respostas no seu todo são semelhantes, contudo há certas questões que os utentes da informação valorizam e que o auditor devia ter em consideração.» (pp. 31-32). «Segundo Beattie & Fearnley

(2002) “se um auditor não for visto como um agente independente da gestão, então a auditoria perde o valor para todas as partes".» (p. 2). «A realidade e a perceção da independência do auditor são

fundamentais para a confiança dos utentes nos relatórios financeiros» (p. 4), «A independência na aparência é baseada em perceções, tornando-se, de certo modo, substituta da independência na

mente, uma vez que esta última não pode ser observada. A perceção do público é uma medida de independência dos auditores, mesmo que imperfeita e imprecisa, pois a sua perceção pode prejudicar

tanto como uma violação real da independência. Como a velha máxima “Não basta ser, tem que transparecer”» (p. 15). A destrinça entre independência mental e na aparência em ALMEIDA, Mauro

Leandro Ferreira de, A Fraude de Relato Financeiro e a Independência dos Auditores, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2015, pp. 32-33 (Versao final.pdf (ual.pt)). «Figueiredo (2013) menciona

que existem dois tipos de independência, a independência da mente e a independência na aparência, a primeira refere-se ao “estado de espírito” onde o julgamento profissional nunca é afetado por

influências, a segunda refere-se à “perceção de um terceiro” sobre o exposto.» (COSTA, Juliana Moreira da, Atitude dos Revisores Oficiais de Contas e Colaboradores de Sociedades de Auditoria Perante

Dilemas Éticos, Bragança, novembro, 2019, p. 12 (Costa_Juliana.pdf (ipb.pt)). «Outro conceito mencionado no CEOROC é o da independência; os auditores perante o exercício das funções, têm de ser

independentes dos seus clientes dado todos os pressupostos assentarem em interesses públicos. A independência converge de dois fatores, da mente e da aparência. A independência da mente está

conexa ao estado mental (opiniões) e a independência na aparência está conexa com as circunstâncias, ambas com integridade e ceticismo profissional, conforme capítulo quarto do CEOROC.» (p.

14). «A independência dos auditores está intimamente relacionada com sua reputação, o seu activo mais valioso empenhado na verificação ou certificação de informação divulgada aos investidores.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

A redução da sua independência põe em causa o equilíbrio de incentivos, na medida em que este é estabelecido entre o incentivo para manter a reputação – como condição de acesso ao mercado – e

o incentivo para colaborar (activa ou passivamente) nos actos fraudulentos da sociedade auditada. Se estes profissionais tiverem mais incentivos para colaborar com os seus clientes do que para

defender a sua reputação, todo o sistema entrará em ruptura. Este é o pressuposto base do entendimento do auditor como Gatekeeper.» (A referência ao auditor externo em GOMES, José João Montes

Ferreira, A Fiscalização Externa das Sociedades Comerciais e a Independência dos Auditores a Reforma Europeia, A Influência Norte-Americana e a Transposição para o Direito Português, p. 12 (Microsoft

Word - José Ferreira Gomes - A FISCALIZAÇÃO EXTERNA DAS SOCIEDADE… (uria.com)). «Os auditores têm de “ser” e “parecer ser” independentes» (p. 40). «Il existe différentes formes d’indépendance

et la distinction la plus classique, base de notre argumentation, propose d’analyser cette notion en termes d’indépendance de fait et d’indépendance d’apparence. (…) Autrement dit, l’auditeur doit

rendre son indépendance apparente pour susciter la confiance du marché financier. Le rapport produit par l’auditeur est dès lors fondamentalement et avant toute autre chose dépendant de l’indépen-

dance apparente de l’auditeur. Celui-ci se doit d’être dans une position qui démontre effectivement qu’il résiste aux pressions de l’équipe dirigeante. Notre réflexion s’articulera autour de cette distinc-

tion indépendance de fait/indépendance d’apparence et des logiques qui la sous-tendent. Il s’agira ainsi de souligner que paraître indépendant signifie gérer les conflits potentiels d’intérêt alors que

tenter d’être indépendant est avant une question de gestion de l’information et de son asymétrie» (RICHARD, Chrystelle, «L'Indépendance de l'Auditeur: Pairs et Manques», in Revue Francaise de Gestion

147(6), December 2003, p. 6 (L'indépendance de l'auditeur : pairs et manques | Cairn.info)). É referida expressa a reputação a pp. 14 ss. Também o 2.1.4. e 3.5.3. do Código de Ética da Ordem dos

Revisores Oficiais de Contas (CodigoEtica2011.pdf (oroc.pt)) refere a reputação do auditor, o 3.2.8. a reputação do perito. «Face à atual prevalência dos recursos intangíveis sobre os ativos tradicionais

das empresas, a reputação constitui um pressuposto do exercício da atividade económica (RODRÍGUEZ GUITIÁN, 1996, p. 155). No entanto, a lesão da reputação não afeta só os concorrentes, pressu-

posto em que assenta o modelo profissional de concorrência desleal, mas também o comportamento económico dos consumidores, que atribuem ao valor da confiança um papel de referência, so-

bretudo num contexto de excesso de oferta.» (AMORIM, Ana Clara Azevedo de, Liberdade de Expressão na Atividade Económica, (não paginado mas na p. 16) Liberdade de expressão na atividade eco-

nómica - Ana Amorim .pdf (uportu.pt)). A importância da reputação é um dado constante na profissão como PALMROSE, Zoe-Vonna, «Trials of Legal Disputes Involving Independent Auditors: Some

Empirical Evidence», in Journal of Accounting Research, Vol. 29 Supplement 1991, pp. 162-163, verifica: «Priest and Klein's discussion considers one type of defendant reputation effect, that impounded

in defendants' expected stakes because of the consequences of adverse outcomes, where outcomes reflect the merits. To place this argument in an audit context, verdicts finding auditors liable

likewise indicate audit failures, so these verdicts diminish defendants' reputations for audit quality." At least two other types of reputation effects exist, neither of which affects stakes because they

are not linked to case merits or outcomes. Both types tend to push trial success rates toward 50% and increase the likelihood of pretrial settlements. One decreases the likelihood of auditors being

sued. | The second type of reputation effect comes from disclosures alleging audit failures during litigation which diminish auditor reputations for quality. The allegations alone matter, not their merits

(see Palmrose [1988; 19911). In the expected value calculation, this type of reputation effect increases defendants' relative estimated costs of continuing litigation to verdict. Thus, settlement not trial

becomes more likely, consistent with the notion of " settling quickly and quietly" out of court» (sublinhado meu). «Anandarajan., et al (2010) reviram diferentes concepções de IA e concluíram que a

definição, e seguramente o alcançar, da independência é profundamente problemático, uma vez que esta é impossível de se realizar. Na sua visão, a “verdadeira” independência é extremamente difícil

de alcançar, devido a um leque abrangente de pressões contraditórias ao nível social, profissional, financeiro e legal que enfrentam os auditores e as suas empresas. | A utilidade de uma auditoria

depende da qualidade da mesma. No entanto, a avaliação da qualidade da auditoria é problemática (Moizer 1997), uma vez que a qualidade da auditoria normalmente não é observável (Barton 2005;

Francis 2004). Assim, os auditores podem adicionar credibilidade às DF’s ao expressarem uma opinião real e verdadeira da posição económico-financeira da empresa (IAPS: 1004 § 2) mas apenas até

ao ponto em que os utilizadores das DF’s percepcionam que essa opinião é credível e valiosa. A qualidade da auditoria deve assim, não ser apenas vista de uma perspectiva de qualidade da auditoria

de facto, mas também da perspectiva de qualidade da auditoria em aparência (Watkins et al, 2004).» (PINHEIRO, Bruno Miguel Braia, Independência dos Auditores Portugueses: O Efeito Cultural, ISEG,

Setembro de 2012, pp. 13-14 (Independência de Auditoria: A evolução em Portugal (ulisboa.pt)). «L’«être» correspond au comportement effectif et à la capacité réelle de l’auditeur à résister aux

pressions des dirigeants pour exprimer son opinion en âme et conscience. Quant au «paraître», il s’agit de tous les moyens mis en œuvre pour renforcer l’indépendance des auditeurs et la perception

que peuvent en avoir l’ensemble des parties prenantes de la gouvernance des entreprises. Si un comportement réellement indépendant en mission permet de renforcer la pérennité de la mission, un

niveau élevé d’indépendance perçue garantit la légitimité de la mission de l’auditeur légal.» (PRAT, Christian, «L'indépendance perçue de l'auditeur», in Revue Française de Gestion 2003/6 (no 147), pages

105 à 117, L'indépendance perçue de l'auditeur | Cairn.info). «Très classiquement, une grande partie de la littérature sur l'indépendance des auditeurs (auditeurs externes spécifiquement) distingue

entre l'apparence d'indépendance et l'indépendance de fait «souvent appelé l'indépendance d'esprit» (Prat Dit Hauret, (2002). L’indépendance psychologique ou de fait se réfère au processus mental

de l’auditeur, en tant que praticien professionnel, analysant de manière objective et non biaisée les différentes preuves d’audit. L’indépendance d’esprit, étant inobservable, se rapproche à partir des

perceptions des actionnaires, investisseurs, marché financier, etc. (Bédard, Gonthier-Besacier et Richard, 2001)» (HAMMAR., S. H., 2016, «Indépendance de l’Auditeur Interne: un Construit Social ou un

Mythe», Revue de Management et de Stratégie, (2:2), pp. 30-47, pp. 33-34 https://www.revue-rms.fr/attachment/644303/). Também MIRANDA, Joana Correia de, HENRIQUES, Sérgio Coimbra, «Riscos

de Auto-Revisão e Interesse Pessoal. – Contributos para a Compreensão das Ameaças à Independência dos Auditores», Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, nº 55, p. 153 (Cadernos MVM 55D.

pub (cmvm.pt)), referem a destrinça independência de espírito e aparente.


liii
«A Independência pode ser considerada como a “Inexistência total de qualquer tipo de condição/situação que possa representar uma ameaça real ou potencial à objetividade do auditor. Essas

ameaças devem ser geridas a vários níveis, desde o nível individual de cada auditor até ao nível organizacional” (GAAI/IPAD, 2009).» (ROCHA, Mário André Cabral, A Importância da Independência dos

158 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, pp. 1, 8-9 (Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)).

Também aqui se confunde o plano da independência e o da objectividade. «La forte rentabilité générée par les missions de conseil peut inciter les auditeurs à prendre des risques plus importants

lors de leur mission d’audit, ce qui pourrait compromettre leur objectivité.» (PRAT, Christian, «L'indépendance perçue de l'auditeur», in Revue Française de Gestion 2003/6 (no 147), pages 105 à 117,

L'indépendance perçue de l'auditeur | Cairn.info). Também na auditoria de gestão se afima que «L’audit du système de gestion est : «un processus systématique, indépendant et documenté permet-

tant d’obtenir des enregistrements, des énoncés de faits ou d’autres informations pertinentes, et de les évaluer de manière objective pour déterminer dans quelle mesure les exigences spécifiées sont

respectées» (ISO, 2004, § 4.4.). Dans le cadre de cette étude, les exigences sont celles de la norme ISO 14001. L’indépendance et l’objectivité sont des principes essentiels qui contribuent à la qualité de

l’audit et à la crédibilité à la certification (ISO, 2006, 2011 ; Lang, 1999 ; Power, 1997).» (DIALLO, Khady, DIOP, Cheikh Mbacké, «Les Facteurs Explicatifs de l’Independance de l’Auditeur Externe», in Revue

du Contrôle de la Comptabilité et de l’Audit, Volume 4 : numéro 4, par. 9 (669-Article Text-2527-1-10-20210207.pdf)).


liv
O cepticismo profissional em PICKETT, K. H. Spencer, The Internal Auditing Handbook, 2nd Ed., Wiley & Sons, Chichester, 2006, p. 88. A prova obtida de terceiros é tipicamente mais credível que a

obtida junto do auditado (ARENS, Alvin A., RANDAL, Elder, J, BEASLEY, Mark S., HOGAN, Chris E., Auditing and Assurance Services, 16th Ed., Pearson, Boston, 2017, p. 223). SIDDIQUI, Javed, Regulation of

Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 58, nomeadamente cita teorias institucionais de

comportamento que assentam na ideia, não da racionalidade dos agentes, mas no facto de estarem influenciados por inércias sociais e cognitivas.
lv
Também liga impedimentos e incompatibilidades à independência (SANTOS, Ana Sofia Pires dos, Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira, Escola Superior de Gestão de Tomar, s.d., p. 28

(Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira (rcaap.pt)), e a rotação dos auditores (p. 29).
lvi
O dever de auto-controlo em ABOUDOU Maman Tachiwou, L’independance de l’Auditeur comme Determinant de la Qualite de l’Information Financiere : Une Perception par les Auditeurs du Contexte

Togolais, p. 3 (L'indépendance de l'auditeur comme déterminant de la qualité de l'information financière: une perception par les auditeurs du contexte togolais (archives-ouvertes.fr)).
lvii
A ideia de auto-controlo antes da aceitação de um trabalho e a necessidade de o auditor verificar se cumpre os requisitos para poder aceitar um novo trabalho em COLLINGS, Steven, Interpretation

and Application of International Standards of Auditing, Wiley & Sons, Chichester, 2011, pp. 19-20. O controlo interno da SROC em relação à equipa a pp. 326-326. A necessidade de auto-controlo pelas

organizações em geral em SAWYER, Lawrence B, DITTENHOFER, Mortimer A, SCHEINER, James H., Sawyer’s Internal Auditing: The Practice of Modern Internal Auditing, 5th Ed., The Institute of Internal

Auditors, 2005, pp. 419-438.

«La mise en place de la révision du dossier d’audit par un deuxième associé pousse l’associé signataire non seulement à se comporter avec une plus grande indépendance au moment de l’émission

de son opinion mais également à faire des sondages plus nombreux au moment de l’appréciation des forces et faiblesses du contrôle interne et de la révision des comptes. Le second associé utilise-

rait une stratégie de résolution des problèmes rencontrés nettement plus efficace et perfectionnée que celle du premier associé.» (PRAT, Christian, «L'indépendance perçue de l'auditeur», in Revue

Française de Gestion 2003/6 (no 147), pages 105 à 117, L'indépendance perçue de l'auditeur | Cairn.info).
lviii
Para PORTER, Brenda, SIMON, Jon, HATHERLY, David, Principles of External Auditing, Wiley & Sons, Chichester, 1998, p. 10, a auditoria fornece controlos preventivos, de detecção e de reporte.

BARQUERO, Miguel, Manual Práctico de Control Interno. Teoria y Aplicación Práctica, Profit Editorial, Barcelona, 2013, p. 43, apenas estabelece a diferença entre controlos preventivos e de detecção.

Além destes dois, SAWYER, Lawrence B, DITTENHOFER, Mortimer A, SCHEINER, James H., Sawyer’s Internal Auditing: The Practice of Modern Internal Auditing, 5th Ed., The Institute of Internal Auditors,

2005, pp. 71-73, fala igualmente dos controlos correctivos. A detecção e prevenção como trabalho do auditor em SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto Superior

de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018, p. 7 (Denise_Sousa_MA_2018.pdf (ipp.pt)).
lix
A documentação como forma de controlo em BERNARD, Frédéric, GAYRAUD, Rémi, ROUSSEAU, Laurent, Contrôle Interne, Maxima, Paris, 2013, p. 272 e SAWYER, Lawrence B, DITTENHOFER, Mortimer A,

SCHEINER, James H., Sawyer’s Internal Auditing: The Practice of Modern Internal Auditing, 5th Ed., The Institute of Internal Auditors, 2005, p. 72. Mesmo na auditoria contínua se salienta a importância de

documentar (ABDOLMOHAMMADI, Mohammad J, SHARBATOUGLIE, Ahmad, Continuous Auditing: an Operational Model for Internal Auditores, The IIA Research Foundation, Florida, 2005, p. 28).
lx
A declaração da sua própria independência pelos auditores na Austrália em HELIODORO, Paula Alexandra Godinho Pires, A Mudança de Auditor e o Relatório de Auditoria Financeira, Lisboa, 2014, p. 30

(TESE DE DOUTORAMENTO (uab.pt)), mostra que estas declarações não são irrelevantes. Responsabilizam os auditores e obrigam-nos a confrontar com eventuais falsidades.
lxi
POWER, Michael, The Audit Society. Rituals of Verification, Oxford University Press, Oxford, 1999, p. 133, destaca a independência epistémica como um aspecto importante da independência: o au-

ditor não está dependente do auditado para obter informação. A informações são essenciais para o controlo (VECCHIO, Giuseppina, Il Controlo Interno di Gestione dei Ministeri, CLUEB, Bologna, 2006,

pp. 83 ss.).
lxii
A auditoria contínua pode existir em todos os sectores e para controlar os mais diversos aspectos, desde a qualidade de produção à protecção de fraude e o branqueamento de capitais

(ABDOLMOHAMMADI, Mohammad J, SHARBATOUGLIE, Ahmad, Continuous Auditing: an Operational Model for Internal Auditores, The IIA Research Foundation, Florida, 2005, p. 21). Particularmente, o back

office, as actividades transversais, inespecíficas, são oportunidade de aplicar auditoria contínua com facilidade (p. 23). Mas as exigências de reporte no sistema financeiro são também motivo para

instalar auditoria contínua (p. 31). Os sistemas de auditoria contínua assentam em sistemas de controlos automáticos (v.g., pp. 33, 47, 89-91), data mining (p. 79). A tendência para a auditoria contínua já

era referida por ALMEIDA, José Joaquim Marques de, «A Profissão de ROC: Evolução e Perspectivas», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000,

159 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

p. 13. As mesmas ferramentas, nomeadamente informáticas podem ser usadas para o controlo interno e para a auditoria (CHAMBERS, Andrew, RAND, Graham, The Operational Auditing Handbook. Auditing

Business Process. Wiley & Sons, Chichester, 1999, p. 34). Desde pelo menos 1993 os controlos informáticos já eram referidos na lei italiana em relação à Administração Pública (VECCHIO, Giuseppina, Il

Controlo Interno di Gestione dei Ministeri, CLUEB, Bologna, 2006, p. 102).


lxiii
«Outre les facteurs liés à l’indépendance communément soulevés par la littérature, l’activisme politique du responsable du cabinet et le profil du dirigeant de l’entité sont deux facteurs importants

pouvant influencer l’indépendance de l’auditeur et donc son jugement. Dans l’optique de recherche de la nature des liaisons, nous avons administré un questionnaire à trente-deux chefs de mission

ayant opéré sur un dossier spécifique de leur choix. Les tests statistiques ont montré premièrement que plus il y’a rotation des chargés de mission sur un dossier, mieux l’information est fiable. En

deuxième position, un auditeur politiquement engagé au Togo, sera à l’aise de déceler toutes les anomalies possibles car il se sentira protégé selon les répondants. En fin, plus le dirigeant dominant

de l’entité est instruit, mieux il aura de l’engouement pour l’information financière et exigera une analyse minutieuse» (ABOUDOU Maman Tachiwou, L’independance de l’Auditeur comme Determinant

de la Qualite de l’Information Financiere : Une Perception par les Auditeurs du Contexte Togolais, p. 2 (L'indépendance de l'auditeur comme déterminant de la qualité de l'information financière: une

perception par les auditeurs du contexte togolais (archives-ouvertes.fr)).


lxiv
A tipologia das fases de trabalho do Tribunal de Contas é semelhante à que referimos, embora não tenha em conta a organização, na medida em que a organização, no seu caso, seria a do pró-

prio Tribunal de Contas. «De uma forma geral, e independentemente dos seus objectivos e da entidade por ela responsável, qualquer auditoria desenvolve-se sempre por três grandes fases sequen-

ciais, cuja observância é determinante para o respectivo sucesso. Assim, teremos, como fases essenciais, as seguintes: • planeamento; • execução; • avaliação e elaboração do relatório.» (Manual de

Auditoria e Procedimentos, vol. I, do Tribunal de Contas, p. 65 (PARTE PRIMEIRA (tcontas.pt)).

«Segundo Isabel Barrote (2010), a independência não é apenas uma consideração de momento, requer apreciação contínua pelo revisor ao longo do trabalho.» (SANTOS, Ana Sofia Pires dos,

Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira, Escola Superior de Gestão de Tomar, s.d., p. 29 (Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira (rcaap.pt)).
lxv
«Este estudo pretendeu analisar a importância dos factores que afectam a independência dos auditores (ou seja, as necessidades do investidor, retenção de clientes, valores e obrigações profis-

sionais e pressões de tempo/orçamentárias), em dois cenários e em fase de realização dos trabalhos de auditoria. O primeiro cenário (caso 1) está relacionado com a pressão de tempo em face do

prazo de entrega do relatório de auditoria, enquanto que o segundo (caso 2) se refere à relação próxima com o cliente de auditoria. A amostra é composta por 100 auditores que exercem actividade

em Portugal. No caso 1, os resultados sugerem que a importância da confiança dos accionistas na profundidade da auditoria foi o principal e único factor com poder explicativo sobre a decisão de

fazer mais trabalho de auditoria antes de assinar o relatório de auditoria. No caso 2, os resultados sugerem que a obrigação do auditor de servir como representante independente na investigação de

todas as questões relevantes foi o principal factor com poder explicativo sobre a decisão de fazer mais trabalho de auditoria antes de assinar o relatório de auditoria» (PINHEIRO, Bruno Miguel Braia,

Independência dos Auditores Portugueses: O Efeito Cultural, ISEG, Setembro de 2012, p. 3 (Independência de Auditoria: A evolução em Portugal (ulisboa.pt)). Salienta-se que o método usado neste

trabalho foi o de inquérito (p. 25), por isso tem um valor descritivo da realidade limitado e quando muito pode ter relevância na descrição das percepções.

«A visão da plena independência da auditoria é insustentável quando se busca averiguar atividades que são intrinsicamente políticas (Grasso & Sharkansky, 2001). No caso dos Tribunais de Contas,

a questão da independência se desdobra nas duas camadas - técnica de auditores e judicante de natureza política (Loureiro, Teixeira, & Moraes, 2009). Tanto auditores, em geral servidores públicos

concursados, devem ser independentes, quanto conselheiros, apontados politicamente ou de carreira técnica - devem ter mesma independência em relação aos governos de seus jurisdicionados. O

Tribunal de Contas é significativamente suscetível à interferência política, uma vez que os conselheiros são designados pelo executivo e legislativo (Gomes, 2006). Se o relatório de auditoria passa

pelo crivo de conselheiros, escolhidos por meio de indicação política, a independência fique comprometida nos Tribunais de Contas.» (AZAMBUJA, Patricia Adriana, TEIXEIRA, Aridelmo, NOSSA, Silvania

Neris, «Aprovação de Contas Municipais com Irregularidades Gravíssimas: Quando a Auditoria Técnica não é Suficiente», Revista de Contabilidade e Organizações, 29 Dezembro 2018, s. p. (Aprovação

de contas municipais com irregularidades gravíssimas: quando a auditoria técnica não é suficiente (redalyc.org)). «Nous avons introduit une variable méconnue par la littérature mais impactant

l’indépendance de l’auditeur et surtout la qualité de l’opinion émise. Cette variable est l’engagement politique du responsable du cabinet car selon eux, au Togo, l’auditeur est plus indépendant quand

il n’affiche pas son appartenance politique ; mais ce critère est déterminant dans l’octroi des contrats, or un cabinet évolue aussi grâce aux contrats» (ABOUDOU Maman Tachiwou, L’independance de

l’Auditeur comme Determinant de la Qualite de l’Information Financiere : Une Perception par les Auditeurs du Contexte Togolais, p. 9 (L'indépendance de l'auditeur comme déterminant de la qualité de

l'information financière: une perception par les auditeurs du contexte togolais (archives-ouvertes.fr)).

«La mauvaise situation financière d’un client audité peut être un risque d’audit. Les auditeurs en relation avec des clients qui sont en mauvaise situation financière sont sujets à un risque de mise en

cause de leur responsabilité civile et pénale beaucoup plus élevé que dans le cas où leurs clients seraient en bonne santé financière (Palmrose, 1987). Les utilisateurs de l’information financière perçoi-

vent que les dirigeants ont beaucoup plus de chance d’obtenir satisfaction en cas de conflit avec l’auditeur si l’entreprise est en bonne santé financière. Les auditeurs sont plus vigilants lorsqu’ils sont

en relation avec des clients qui sont en mauvaise situation financière (Knapp, 1985). Un cabinet d’audit qui réalise qu’il y a peu de risques de mise en cause de sa responsabilité, en raison de l’excellente

situation financière de son client, risque d’être moins motivé pour résister aux pressions des dirigeants de la société auditée. Le risque perçu par les cabinets de mise en cause de leur responsabilité

est inversement proportionnel à la santé financière du client. Les sociétés en mauvaise santé financière sont tentées de manipuler les comptes et produisent des états financiers qui ont beaucoup

plus d’erreurs que les sociétés qui sont en bonne santé financière (Kreutzfeldt et Wallace, 1986).» (PRAT, Christian, «L'indépendance perçue de l'auditeur», in Revue Française de Gestion 2003/6 (no 147),

160 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

pages 105 à 117, L'indépendance perçue de l'auditeur | Cairn.info). Casos recentes mostraram que esta análise é algo simplista. Um auditado em dificuldades financeiras pode ter ainda maior apoio

do seu auditor, porque se tinham gerado relações de cumplicidade quando a crise parecia temporária, resolúvel e por isso o auditor se sentia envolvido na falsa informação. Também podem existir

fenómenos de dissonância cognitiva que mereceriam ser estudados com maior profundidade.
lxvi
Também MATIAS, Tiago dos Santos, «Os Auditores e os Serviços Distintos de Auditoria Proibidos: Algumas Pistas sobre o Novo Regime» Revista de Direito das Sociedades 3 (2017, p. 494 (RDS 2017-03

(491-532) - Governo das Sociedades - Tiago dos Santos Matias - Os auditores e os serviços distintos de auditoria proibidos - Algumas postas sobre o novo regime.pdf (revistadedireitodasso-

ciedades.pt)), associa deveres organizativos a independência. A independência é dividida em financeira e organizacional por (RICHARD, Chrystelle, «L'Indépendance de l'Auditeur: Pairs et Manques»,

in Revue Francaise de Gestion 147(6), December 2003, p. 20 (L'indépendance de l'auditeur : pairs et manques | Cairn.info).
lxvii
Nas falhas a destacar o CMVM, Resultados Globais do Sistema de Controlo de Qualidade da Auditoria - Ciclo 2020/2021, pp. 4, 6 (CMVM - Relatório de Supervisão de auditoria_2020_2021.pdf), refere

a «Insuficiência de políticas e procedimentos para assegurar o cumprimento dos requisitos éticos, nomeadamente a independência.»
lxviii
«Artigo 178.º Estatuto profissional | 1 - No que respeita às regras reguladoras do modo de exercício da profissão, designadamente as relativas aos direitos e deveres, às incompatibilidades, à respon-

sabilidade e ao código de ética, os revisores oficiais de contas da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu estão sujeitos às condições de exercício aplicáveis aos revisores oficiais de contas

nacionais. | 2 - Nas matérias não compreendidas no número anterior, aplicam-se aos revisores oficiais de contas da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu as regras em vigor no Estado mem-

bro de proveniência. | 3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente de o revisor oficial de contas da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu ter estabelecimento profissional em Portugal

e na medida em que a sua observância for concretamente viável e justificada para assegurar o correto exercício, em Portugal, da atividade de revisor oficial de contas e a independência, o prestígio e a

dignidade da profissão.»
lxix
Uma das fontes de flutuação terminológica tem a ver com o confronto entre o direito nacional e o europeu, como mostra MATIAS, Tiago dos Santos, «Os Auditores e os Serviços Distintos de Auditoria

Proibidos: Algumas Pistas sobre o Novo Regime» Revista de Direito das Sociedades 3 (2017), p. 510 (RDS 2017-03 (491-532) - Governo das Sociedades - Tiago dos Santos Matias - Os auditores e os

serviços distintos de auditoria proibidos - Algumas postas sobre o novo regime.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)).

A proliferação de definições de círculos tem alguma explicação caso se compare o EOROC com a DA e com o antigo Estatuto da OROC (DL n.º 487/99, de 16 de Novembro, na sua última versão - ::: DL

n.º 487/99, de 16 de Novembro (pgdlisboa.pt)) e os standards internacionais (ISQM 1 e 2 ISAs). Saliento mais uma vez que apenas se citam normas que respeitam à independência e não outras. Por

exemplo, o conceito de rede aparece bem mais vezes nas normas.

No círculo do auditor:

EOROC Antigo EOROC DA Standards

De tipo I: «quaisquer pessoas singulares em posição de influen- XXX 11 preâmbulo «pessoas susceptíveis de XXX

ciar direta ou indiretamente o resultado da revisão legal ou volun- estarem em posição de exercer influência

tária de contas» (71º/1 EOROC); sobre a revisão legal de contas»

22º/1 «quaisquer pessoas singulares em po-

sição de influenciar direta ou indiretamente

o resultado da revisão legal de contas»

24º-A/1/j «qualquer pessoa que possa

influenciar a realização da revisão ou

auditoria»

De tipo II: «a sua rede, os seus gestores, auditores, empregados, 68º-A/2, 5 – rede 22º/1/§2º «a sua rede, os seus gestores, au- 11 ISA 220, 17 ISA 260 - rede

qualquer outra pessoa singular cujos serviços estejam à 68º-A/10 «10 - A proibição de prestação ditores, empregados, qualquer outra pessoa

disposição ou sob o controlo do revisor oficial de contas ou da de serviços a que se referem os n.os 4 singular cujos serviços estejam à disposição

sociedades de revisores oficiais de contas ou qualquer pessoa e 7 aplica-se também às sociedades de ou sob o controlo do revisor oficial de contas

ligada direta ou indiretamente ao revisor oficial de contas ou às revisores oficiais de contas, aos respecti- ou da sociedade de revisores oficiais de

sociedades de revisores oficiais de contas por uma relação de vos sócios e, ainda, às pessoas colectivas contas ou qualquer pessoa ligada direta ou

161 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

EOROC Antigo EOROC DA Standards

domínio» (71º/2 EOROC); que integrem a rede a que a sociedade de indiretamente ao revisor oficial de contas ou

revisores pertença.» à sociedade de revisores oficiais de contas

por uma relação de controlo»

De tipo III: «a sua rede ou qualquer pessoa singular em posição XXX 11 preâmbulo, 22º/1. 11 ISA 220, 17 ISA 260 - rede

de influenciar o resultado da revisão legal das contas, e a entida-

de auditada» (71º/3 EOROC);

De tipo IV: «os seus sócios principais, os seus empregados e XXX 26 preâmbulo «A fim de reforçar a indepen- XXX

quaisquer outras pessoas singulares cujos serviços estejam à sua dência dos revisores oficiais de contas das

disposição ou sob o seu controlo e que estejam diretamente en- entidades de interesse público, os sócios

volvidas nas atividades de revisão legal das contas, bem como as principais responsáveis pelas funções de

pessoas estreitamente relacionadas» (71º/4, 5, 7, 8 EOROC); revisão legal das contas de tais entidades

deverão ser sujeitos a rotação. Para organi-

zar esta última, os Estados-Membros deverão

exigir a substituição dos sócios principais

responsáveis pelas funções de revisão ou

auditoria que trabalhem com a entidade

examinada»

2º/16 definição de sócios principais

22º-A «sócios principais, de um revisor

oficial de contas ou de uma sociedade de

revisores oficiais de contas que realize uma

revisão legal de contas, bem como qualquer

outra pessoa singular cujos serviços estejam

à disposição ou sob o controlo desse revisor

oficial de contas ou sociedade de revisores

oficiais de contas»

24º-B/1, 4/b organização do trabalho

22º/1 «sua disposição»

De tipo V: «os sócios de sociedade de revisores oficiais de contas 79º/1 «os sócios de sociedade de XXX

seus representantes no exercício dessas funções» (91º/4 EOROC); revisores seus representantes no exercício

dessas funções»

De tipo VI: «os sócios de sociedades de revisores oficiais de 79º/3 «os sócios de sociedades de XXX

contas que exerçam funções em entidades de interesse público» revisores que exerçam funções

(91º6 EOROC). em entidades de interesse público»

162 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

EOROC Antigo EOROC DA Standards

Tipo A – adquirente ou adquirido ou fusão do auditado (71º/9 XXX 22º/6 «uma entidade auditada for adquirida XXX

EOROC); por outra entidade, fundida com outra enti-

dade, ou adquirir outra entidade»

Tipo B – supervisões públicas do auditado (89º/1, 4, 5, 6 EOROC); XXX XXX XXX

Tipo C – quem tem funções de administração, gestão, direcção 77º/1 «membros de órgãos de adminis- 21º/2 «pessoas responsáveis pela sua XXX

ou gerência (89º/2, 5, 6 EOROC) tração, gestão, direcção ou gerência», governação»

78º/1/b, e

Tipo D - relacionados com auditado (89º/3, 4, 5, 6 EOROC); 78º XXX XXX

Tipo E «administradores ou quadros diretivos com influência XXX XXX XXX

significativa sobre a preparação das contas dessa entidade de

interesse público» (91º/5 EOROC);

Tipo F - entidade associada a uma entidade auditada (75º/7/b XXX 22º/4/b «entidade associada a uma entidade XXX

EOROC); auditada, cuja propriedade possa causar ou

ser geralmente considerada como causadora

de um conflito de interesses, com exceção

de interesses que indiretamente detenham

através de organismos de investimento cole-

tivo diversificado»

22º/5 «qualquer entidade associada a uma

entidade auditada»

Tipo G – relação de domínio ou grupo com a auditada (89º/3/b 44º-A/1/c para o grupo 27º/3 XXX

EOROC, também o 28º/2 CSC);

Tipo H - «entidade associada a uma entidade auditada» (71º/8 XXX 22º/4/a, 5 «qualquer entidade associada a XXX

EOROC). uma entidade auditada»

163 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

O que resulta deste cotejo é o seguinte:

a) Umas vezes o legislador recolhe os conceitos da DA;

b) Outras vai buscá-los à tradição legislativa portuguesa;

c) Os standards internacionais não tiveram grande contributo para a complicação do regime.

Seja como for, a análise que se fez, e que poderia eventualmente ser ainda mais aprofundada, apenas nos mostra uma coisa: o regime poderia ser muito mais simples, tanto no regime europeu,

quanto sobretudo no nacional.

Em JOHNSTONE, Karla M., GRAMLING, Audrey A., RITTENBERG, Larry E., Auditing. A Risk-Based Approach to Conducting a Quality Audit, South-Western, Mason, 2014, p. 137-138, são enumerados como perigos

para a independência os interesses financeiros directos e indirectos, relações familiares, empréstimos, e os serviços distintos de auditoria. A proibição de investimentos no auditado em ARENS, Alvin

A., RANDAL, Elder, J, BEASLEY, Mark S., HOGAN, Chris E., Auditing and Assurance Services, 16th Ed., Pearson, Boston, 2017, p. 114).
lxx
A questão do auditor como representante em MATIAS, Tiago dos Santos, «Os Auditores e os Serviços Distintos de Auditoria Proibidos: Algumas Pistas sobre o Novo Regime» Revista de Direito das

Sociedades 3 (2017), p. 524 (RDS 2017-03 (491-532) - Governo das Sociedades - Tiago dos Santos Matias - Os auditores e os serviços distintos de auditoria proibidos - Algumas postas sobre o

novo regime.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)).


lxxi
«Lack of auditor independence because client employed TE partner's brother as internal auditor for portion of year.» (PALMROSE, Zoe-Vonna, «Trials of Legal Disputes Involving Independent

Auditors: Some Empirical Evidence», in Journal of Accounting Research, Vol. 29 Supplement 1991, p. 176). A incompatibilidade do auditor independente prestar auditoria interna em MATIAS,

Tiago dos Santos, «Os Auditores e os Serviços Distintos de Auditoria Proibidos: Algumas Pistas sobre o Novo Regime» Revista de Direito das Sociedades 3 (2017), pp. 525-526 (RDS 2017-03

(491-532) - Governo das Sociedades - Tiago dos Santos Matias - Os auditores e os serviços distintos de auditoria proibidos - Algumas postas sobre o novo regime.pdf (revistadedirei-

todassociedades.pt)).
lxxii
Já num caso em 1959 «Independence an issue as auditor in foreign office also a director of subsidiary and relationship notdisclosed» PALMROSE, Zoe-Vonna, «Trials of Legal Disputes Involving

Independent Auditors: Some Empirical Evidence», in Journal of Accounting Research, Vol. 29 Supplement 1991, p. 181).
lxxiii
«Ex-auditores podem também explorar as falhas nos procedimentos de auditoria em benefício da actual empresa em que exercem funções (Mahoney e Roush, 1994).» (PINHEIRO, Bruno Miguel

Braia, Independência dos Auditores Portugueses: O Efeito Cultural, ISEG, Setembro de 2012, p. 24 (Independência de Auditoria: A evolução em Portugal (ulisboa.pt)). «Método Cooling-off - A existên-

cia do chamado Cooling-off, que corresponde ao período durante o qual o auditor não pode aceitar um cargo de gestão numa sociedade que tenha sido sua cliente, é visto como, outro meio capaz de

diminuir o risco de perca de independência do auditor.» (ALMEIDA, Mauro Leandro Ferreira de, A Fraude de Relato Financeiro e a Independência dos Auditores, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa,

2015, p. 34 (Versao final.pdf (ual.pt)).


lxxiv
A referência à participação ou tomada de decisões no nº 8 preâmbulo REA e nº 11 preâmbulo DA referidos por MATIAS, Tiago dos Santos, «Os Auditores e os Serviços Distintos de Auditoria Proibidos:

Algumas Pistas sobre o Novo Regime» Revista de Direito das Sociedades 3 (2017, p. 515 (RDS 2017-03 (491-532) - Governo das Sociedades - Tiago dos Santos Matias - Os auditores e os serviços

distintos de auditoria proibidos - Algumas postas sobre o novo regime.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)).


lxxv
BOTO, Manuel Maria de Paula Reis, «A Actuação do ROC no Plano Ético-Deontológico», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, s/p., sa-

lienta que a auditoria é um negócio.

Os «side payments» vistos com desconfiança em geral (SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic

Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 30).


lxxvi
«Podemos concluir então da análise destas três questões que os inquiridos afirmam que o comportamento e a experiência do auditor são decisivos no que toca à sua independência no decorrer

dos seus trabalhos assim como os impedimentos e incompatibilidades das normas atestam a independência do auditor. Desta forma, aluímos, ainda, que os inquiridos acham que deveriam ser cria-

dos organismos independentes de forma a remunerar e atribuir, aleatoriamente e de acordo com as normas, as empresas a auditar aos auditores.» (COSTA, Joana Oliveira Martins, A Independência do

Auditor, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021, p. 49 (Joana_Costa_MA_2021.pdf (ipp.pt)). Mas parece-me que esta questão

já mereceu alguma resposta: «Ora, convém aquilatar se a nomeação para a função por parte da sociedade e o pagamento dos serviços por parte do auditado não constituem, desde logo, uma ruptura

na independência de facto (ou de espírito) do auditor, porquanto o facto de “os auditores serem pagos pela empresa que é objecto da auditoria, embora sendo responsáveis perante os accionistas

da empresa e as restantes partes interessadas, cria uma distorção no sistema”. | A questão é de relevância óbvia e de difícil maturação. Na realidade, a independência não se impõe por decreto, mas

cria-se e mantém-se com o estabelecimento de condições que permitam ao ente que se quer independente sê-lo. Sendo tal entidade designada e paga pelo sujeito auditado não se cumpre o desi-

derato inicial de se estabelecer um distanciamento e uma ausência de interesse do auditor face ao auditado. A existência de interesse verificar-se-á, desde logo, na candidatura apresentada pelo

auditor num eventual processo de concurso que a sociedade a auditar abra para obtenção de prestador para aquele serviço, por exemplo. | Ao regime instituído não haverá, convenhamos, muitos ce-

nários alternativos que mostrem ser verdadeiros sucedâneos. | O ideal seria que a nomeação do auditor e o pagamento pelo serviço dos mesmos fosse assumido por uma entidade terceira. Mas qual?

164 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

Como? Pago com que fundos?» (BANDEIRA, Paulo, A Independência dos Auditores de Sociedades Cotadas, RDS III (2011), 2, 301-334, (RDS 2011-2 (301-334) - Governo das Sociedades - Paulo Bandeira - A

independência dos auditores de sociedades cotadas.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)). «É esperado pelos stakeholders que o auditor preste um serviço de forma imparcial e verdadeiro, ou

seja, análise de forma detalhada e minuciosa as demonstrações financeiras e consequentemente comunique à administração, caso existem, todas as falhas, erros, omissões que tenha encontrado

nas demonstrações financeiras auditadas. Porém, a empresa cliente, por vezes deseja precisamente o contrário, ou seja, que o auditor ignore os problemas e omissões que encontrou (Koo & Sim,

1999). Sempre que o auditor ceda ao cliente neste sentido, a auditoria realizada neste âmbito está comprometida (Alleyne & Devonish, 2006)». (HELIODORO, Paula Alexandra Godinho Pires, A Mudança

de Auditor e o Relatório de Auditoria Financeira, Lisboa, 2014, p. 53 (TESE DE DOUTORAMENTO (uab.pt)). Dito por outras palavras, o nervo do problema da independência surgem de um auditado ter de

pagar por um serviço que pode ser desagradável, paga para ser criticado, e só adquire porque é obrigado por lei. Tem assim incentivos para desejar uma menor independência do autor e se se achar

com direito a isso, dado que é ele quem os paga.

«De uma forma geral a emissão de um relatório de auditoria qualificado poderá produzir determinadas consequências: a administração da empresa poderá fazer “pressão” no auditor para que este

emita um relatório de auditoria limpo, o valor as ações poderá ser afetado e os honorários da administração poderão ser igualmente afetados (Davidson et al., 2004). | Outros fatores podem ainda

ser apontados como basilares na mudança do auditor, bem como reduzir a sua independência, designadamente, uma discórdia sobre o conteúdo das demonstrações financeiras, desacordo sobre a

opinião emitida pelo auditor no relatório de auditoria financeira, a ocorrência de mudança na administração da empresa e a dimensão da empresa de auditoria (Banimahd, 2013)» (HELIODORO, Paula

Alexandra, LOPES, Manuel Mouta, Do Início da Auditoria à Mudança do Auditor, pp. 9-10 (57.pdf (occ.pt)).
lxxvii
A dependência económica como um dos factores de falta de independência (SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK

2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 193). «A independência de um auditor deverá ser também uma independência económica, não só devido a ser um profissional externo

à organização, mas também devido ao facto da percentagem de faturação desse cliente em relação à totalidade da faturação do auditor, não deverá ser significativa.» SANTOS, Ana Sofia Pires dos,

Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira, Escola Superior de Gestão de Tomar, s.d., p. 27 (Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira (rcaap.pt)). HELIODORO, Paula Alexandra

Godinho Pires, A Mudança de Auditor e o Relatório de Auditoria Financeira, Lisboa, 2014, pp. 51-52 (TESE DE DOUTORAMENTO (uab.pt)), apresenta como factores da falta de independência a dependência

económica e os conflitos de interesses.


lxxviii
Carta do CEAOB, de 5 May 2020, «Comment letter relating to the IESBA’s Proposed Revisions to the Fee-related Provisions of the Code», «5. The CEAOB strongly supports the IESBA’s effort to enhance

the fee-related provisions of the Code. Our comments below only focus on the differences identified between the Exposure Draft (ED) and the European Audit Regulation and Directive that apply to the CEAOB

members.» (200505-ceaob-comment-letter-iesba-fees_en.pdf (europa.eu)).

MIRANDA, Joana Correia de, HENRIQUES, Sérgio Coimbra, «Riscos de Auto-Revisão e Interesse Pessoal. – Contributos para a Compreensão das Ameaças à Independência dos Auditores», Cadernos do

Mercado dos Valores Mobiliários, nº 55, p. 164 (Cadernos MVM 55D.pub (cmvm.pt)), podem ter razão em dizer que o legislador português, ao contrário do italiano, não incorporou formalmente a questão

dos honorários no tema da independência. Mas a questão é dogmática e não exegética, e na perspectiva dogmática faz sentido integrar os honorários no tema da independência. «Como não existe,

nenhum sensor que detete os bons dos maus auditores, o presente estudo demonstrou que, o alcance da verdadeira independência, engloba três temas: serviços de não auditoria prestados em si-

multâneo com serviços de auditoria; o tempo consecutivo que, os auditores permanecem a auditar uma empresa e os honorários oferecidos.» (ALMEIDA, Mauro Leandro Ferreira de, A Fraude de Relato

Financeiro e a Independência dos Auditores, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 56 (Versao final.pdf (ual.pt)). Os honorários são tratados como um risco de dependência do auditor

(COSTA, Joana Oliveira Martins, A Independência do Auditor, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021, p. 13 (Joana_Costa_MA_2021.

pdf (ipp.pt)). «A realização de ações pontuais de controlo de qualidade baseadas em indícios de irregularidades em termos de qualidade da auditoria ou de independência dos auditores (exemplos:

honorários muito baixos, mandatos demasiado prolongados» (CMVM, Resultados Globais do Sistema de Controlo de Qualidade da Auditoria - Ciclo 2020/2021, p. 35 (CMVM - Relatório de Supervisão de

auditoria_2020_2021.pdf)). «No estudo de Carcello et al. (2002) foi detetada uma relação positiva entre os procedimentos de corporate governance, avaliados de acordo com independência, diligên-

cia e os honorários de auditoria suportados pelas empresas, devido ao facto de um conselho de administração mais dinâmico procurar defender os interesses dos acionistas, procurando serviços de

auditoria de melhor qualidade, e consequentemente com custos superiores, e evitando assim possíveis dilemas legais.» (COSTA, Joana Oliveira Martins, A Independência do Auditor, Instituto Superior

de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021, p. 15 (Joana_Costa_MA_2021.pdf (ipp.pt)).

«-Há que traçar uma fronteira entre um comportamento infrator assumido pela autora, com a inserção num cartão continente de quantias de reduzido montante que eram de clientes da ré (e não

desta) que pelos mais variados motivos não os queriam e que a autora utilizou em produtos nos hipermercados continente, de outro tipo de comportamentos substancialmente mais graves, desig-

nadamente, a retirada da caixa de uma quantia em numerário ainda que insignificante resultante de uma venda efetuada ou da apropriação de parte das quantias em numerário de valor superior a

5.000€ que lhe eram confiadas.» (Acórdão do STJ de 30/3/2022, 4ª Secção, proc. 764/20.5T8VNG.P1.S1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt).
lxxx
«II - Não é de identificar o insignificante valor com um valor pequeno ou reduzido, mas sim com um valor sem qualquer significado, ou seja, um valor sem qualquer relevância, utilidade ou virtualidade.

| III - Tendo um crime de furto sido praticado por vários agentes, de noite, com arrombamento e, por esta forma, se haverem introduzido num estacionamento comercial de onde subtraíram mercadorias no

valor de 13800 escudos, mesmo que fosse havida esta importância como de valor insignificante - o que não é - nunca se poderia falar em furto formigueiro ou furto simples dado que nem vem provada a

165 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

necessidade nem os outros pressupostos para aquele crime (o formigueiro).» (Acórdão do STJ, de 20/10/1994, proc nº 047006) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt).
lxxxi
«O valor de 500 escudos é insignificante, para efeitos do n. 3 do artigo 297 do Código Penal.» (Acórdão STJ, de 16/11/1994, proc nº 046830 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt)).
lxxxii
SILVA, Sheron Rose Arantes da, PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: o entendimento dos Tribunais Superiores para a sua aplicação nos crimes de furto, pp. 16-17 Monografia - Sheron Rose.pdf (aee.edu.br).
lxxxiii
Furto de barras de alumínio no valor de 150 reais não pode ser considerado insignificante (jusbrasil.com.br).
lxxxiv
Conversor de Moeda | Banco de Portugal (bportugal.pt).
lxxxv
O problema de a definição abstracta de categorias não isentar de deveres é por demais conhecido. Apesar de um Presidente da República ser uma instituição qualquer oferta que a ele se refe-

risse deixa claro o seu destinatário. Da mesma forma o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz

respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) EUR-Lex - 32016R0679 - EN - EUR-Lex

(europa.eu) aplica as mesmas regras, seja a pessoa identificada, seja identificável. Veja-se o nº 26 do rpmabulo, por exemplo («(26) Os princípios da proteção de dados deverão aplicar-se a qualquer

informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável. Os dados pessoais que tenham sido pseudonimizados, que possam ser atribuídos a uma pessoa singular mediante a utilização de

informações suplementares, deverão ser considerados informações sobre uma pessoa singular identificável. Para determinar se uma pessoa singular é identificável, importa considerar todos os meios

suscetíveis de ser razoavelmente utilizados, tais como a seleção, quer pelo responsável pelo tratamento quer por outra pessoa, para identificar direta ou indiretamente a pessoa singular. Para determinar

se há uma probabilidade razoável de os meios serem utilizados para identificar a pessoa singular, importa considerar todos os fatores objetivos, como os custos e o tempo necessário para a identificação,

tendo em conta a tecnologia disponível à data do tratamento dos dados e a evolução tecnológica.») ou o seu artigo 4º/1) («1) «Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou

identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo

um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural

ou social dessa pessoa singular»).


lxxxvi
As várias versões linguísticas do 22º/5 DA não ajudam muito na sua interpretação: em francês «insignifiante ou négligeable». A versão italiana inverte os termos «valore trascurabile o insignifi-

cante», em espanhol «su valor es insignificante o intrascendente», «the value thereof as trivial or inconsequential». No 11 U.S. Code § 554 - Abandonment of property of the estate «(a)After notice and

a hearing, the trustee may abandon any property of the estate that is burdensome to the estate or that is of inconsequential value and benefit to the estate. | (b)On request of a party in interest and

after notice and a hearing, the court may order the trustee to abandon any property of the estate that is burdensome to the estate or that is of inconsequential value and benefit to the estate.» 11 U.S.

Code § 554 - Abandonment of property of the estate | U.S. Code | US Law | LII / Legal Information Institute (cornell.edu). O significado de inconsequente aqui é idêntico ao de insignificante, mas em

relação a um património específico. Este é mais uma caso em que a um conjunto de conceitos recebidos de outras ordens jurídicas tem de ser dada consistência na nossa ordem jurídica, a nacional

e a europeia. LONG, Leonard J. Long, «Burdensome Property, Onerous Laws, and Abandonment: Revisiting Midlantic National Bank

v. New Jersey Department of Environmental Protection», in Hofstra Law Review, Volume 21 | Issue 1, 1992, pp. 96-97 (Burdensome Property, Onerous Laws, and Abandonment: Revisiting Midlantic

National Bank v. New Jersey Department of Environmental Protection (hofstra.edu), «The Bankruptcy Code does not authorize the trustee's abandoning certain property, despite the fact that the

property is burdensome (and of relatively inconsequential value and benefit to the estate), because under applicable state law the debtor will be exposed to certain liabilities running continuously

with the abandoned property. The competing concerns, principles or objectives sharpening the dilemma's two horns do not pertain to whether certain nonbankruptcy, federal or local, environmental

laws are preempted by the abandonment provisions of the Bankruptcy Code, or vice versa», mostra que a questão da natureza inconsequente no contexto da insolvência é de ponderação de bens e

de causalidade. Em cada contexto o mesmo conceito pode ter vários significados. para VAN WINKLE, Landon G., «Anatomy of the § 1111(b) Election», in Bankruptcy & Finance, (Anatomy of the § 1111(b)

Election - Business Law Today from ABA), «Some courts will compare the value of the collateral to the amount of the creditor’s total claim, and deem the collateral of “inconsequential value” if it

represents a small proportion of the creditor’s total claim, typically less than 10%.[6] Other courts have held that the correct approach is to compare the value of the creditor’s secured claim to the

value of the collateral.». Ou seja, num outro contexto, remete para ideias de proporcionalidade. Dentro do ordenamento jurídico europeu o ARRÊT DE LA COUR (grande chambre) de 16 septembre 2008

(62007CJ0288 (europa.eu)) em matéria de IVA usa o conceito dizendo que «La Commission est d’avis que l’expression «d’une certaine importance» renvoie à une distorsion qui n’est pas insignifiante

ou négligeable». embora noutro ramo do Direito, o fiscal, é significativo que surjam ambos os conceitos juntos, ambos numa perspectiva de dimensão e não de causalidade. O Decreto legislativo del

27/01/2010 n. 39 no seu artigo 10/13 (Documentazione Economica e Finanziaria - Dettaglio Articolo (finanze.it), pdf (gazzettaufficiale.it)) apenas reproduz a expressão do 22º/5 DA. Na SENTENZA

DELLA CORTE (Quinta Sezione), 24 marzo 2021 (62019CJ0950 (europa.eu)), cita-se a expressão do 22º/5 DA sem a explorar.
lxxxvii
Quanto aos serviços distintos há três posições: uma rígida, que os proíbe totalmente, outra intermédia, que os proíbe em relação à entidades em relação à quais se realiza auditoria, e uma mais

flexível, que permite a realização simultânea para a mesma entidade de serviços de auditoria e serviços distintos (DIAS, José Duarte Assunção, «Independência Profissional: Limites e Salvaguardas»,

in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, p. 9). Por aqui se vê que o regime europeu e nacional optou por um sistema mais flexível, ao con-

trário do que se afirma por vezes. A prestação de serviços distintos pode gerar perda de credibilidade e de legitimidade não só do auditor como do auditado (SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor

Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, pp. 4, 11, 119, 153, 154 180-181), havendo alguma evidência de que

166 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

o prejuízo vem tipicamente da prestação recorrente de serviços distintos, e não de um serviço único (p. 35), mas, mesmo assim, e em geral, afectando a percepção de independência (p. 38), indepen-

dentemente da natureza do serviço distinto prestado (p. 39). O Cadbury Report de 1992 propôs a absoluta proibição de prestação de serviços distintos (p. 84). MOREIRA, José de Oliveira, «As Sociedades

Multidisciplinares e a Experiência de Outros Países», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, pp. 23-24, defende que a longo prazo deveria

ser incompatível uma sociedade fazer auditoria e prestar serviços distintos de auditoria. A crítica à Anderson por, no caso Enron, ter prestado ao mesmo tempo auditoria interna e externa (PICKETT,

K. H. Spencer, The Internal Auditing Handbook, 2nd Ed., Wiley & Sons, Chichester, 2006, p. 89). Este caso não afectou apenas o auditor e o auditado concreto, mas a credibilidade da própria profissão

de auditor (SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, pp. 43-44).

Uma das mitigações para os serviços distintos é a de impor a sua divulgação (SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-

2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 105). E existiu uma tendência para os auditados, após os escândalos de 2001-2002, aumentarem por sua vontade a divulgação dos serviços

distintos que solicitavam (p. 176).

MATIAS, Tiago dos Santos, «Os Auditores e os Serviços Distintos de Auditoria Proibidos: Algumas Pistas sobre o Novo Regime» Revista de Direito das Sociedades 3 (2017), pp. 497, 498 (RDS 2017-03

(491-532) - Governo das Sociedades - Tiago dos Santos Matias - Os auditores e os serviços distintos de auditoria proibidos - Algumas postas sobre o novo regime.pdf (revistadedireitodasso-

ciedades.pt)), liga claramente os serviços distintos proibidos e a independência. «Des enquêtes menées par les Nations unies ont mis en évidence les importantes augmentations des revenus liés

au conseil pour les cabinets d’audit, ce qui a engendré une inquiétude plus forte chez les utilisateurs de l’information financière» (PRAT, Christian, «L'indépendance perçue de l'auditeur», in Revue

Française de Gestion 2003/6 (no 147), pages 105 à 117, L'indépendance perçue de l'auditeur | Cairn.info).
lxxxviii
Como condição de aceitação de um trabalho um auditor tem de ter declaração de auditado que pode contactar o antigo auditor (COOPERS & LYBRAND, Student’s Manual of Auditing, 3rd Ed,

London, 1989, p. 28).


lxxxix
«Park (1990) a étudié les effets de la concurrence sur la capacité des dirigeants à influencer les auditeurs compte tenu du pouvoir qu’ils détiennent de renouveler ou de ne pas renouveler leur

mandat. L’étude menée révèle que les dirigeants qui ont reçu des observations sur les comptes annuels dont ils avaient la responsabilité ont tendance à changer d’auditeurs plus fréquemment que ceux

qui ont des comptes annuels certifiés sans aucune observation.» (PRAT, Christian, «L'indépendance perçue de l'auditeur», in Revue Française de Gestion 2003/6 (no 147), pages 105 à 117, L'indépendance

perçue de l'auditeur | Cairn.info).


xc
A rotação dos auditores é medida proposta pelo relatório Cadbury em Inglaterra e na Espanha (ALMEIDA, José Joaquim Marques de, «A Profissão de ROC: Evolução e Perspectivas», in VII Congresso

dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, p. 20).
xci
«Neste sentido, (U.S. Senate, 1976, p.211; Petty e Guganesan, 1996) alegam que o trabalho realizado pelo auditor requer um longo período de tempo de contacto entre o auditor e a administração.

Assim, com o decorrer do tempo o auditor pode começar a identificar-se mais com os interesses da administração do que com os dos stakeholders, e desta forma é reduzida a sua capacidade de

auditar as demonstrações da empresa de forma imparcial. Uma relação de longa duração pode ocasionar ao auditor uma dependência económica, uma vez que se o auditor perceber o cliente como

um rendimento perpétuo, a sua independência pode ser colocada em causa (Commission on Public Trust and Private Enterprise, 2003; Palmore, 1989; Deis e Giroux, 1992; Raghunanthan et al, 2002).»

(HELIODORO, Paula Alexandra Godinho Pires, A Mudança de Auditor e o Relatório de Auditoria Financeira, Lisboa, 2014, p. 108 (TESE DE DOUTORAMENTO (uab.pt)). «“A independência estaria conexio-

nada com a integridade e a competência: o argumento básico de Taylor estrutura-se na ideia de que sendo o auditor pago pelo cliente, esta situação pode criar, potencialmente, imparidades na

independência”» (ALMEIDA, Mauro Leandro Ferreira de, A Fraude de Relato Financeiro e a Independência dos Auditores, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 2 (Versao final.pdf (ual.pt)).
xcii
A ideia de que, apesar de celebrar contrato com o auditado, o auditor representa os interesses dos accionistas (PORTER, Brenda, SIMON, Jon, HATHERLY, David, Principles of External Auditing, Wiley

& Sons, Chichester, 1998, p. 51) hoje em dia não se pode defender. Defende interesses públicos, de entre os quais o dos accionistas são apenas uma parte, além dos dos trabalhadores, consumidores,

credores, ambiente, branqueamento de capitais, mercados e assim por diante. A independência do auditor aumenta a qualidade da auditoria e a confiança dos investidores nos mercados (JOHNSTONE,

Karla M., GRAMLING, Audrey A., RITTENBERG, Larry E., Auditing. A Risk-Based Approach to Conducting a Quality Audit, South-Western, Mason, 2014, p. 17). PORTER, Brenda, SIMON, Jon, HATHERLY, David,

Principles of External Auditing, Wiley & Sons, Chichester, 1998, pp. 7-9, assentam uma parte da necessidade de auditores no fenómeno da «agency», ou seja, o de ter havido separação entre capital e

gestão (também SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 26,

51-54). Refere a teoria da agência CURTO, Ana Cláudia Ferreira, Independência na Aparência: a Perspetiva dos Auditores e dos Utentes do Relatório de Auditoria, ISEG, 2016, p. 10 (DM-ACFC-2016.pdf (utl.

pt)). Refere igualmente a agência RICHARD, Chrystelle, «L'Indépendance de l'Auditeur: Pairs et Manques», in Revue Francaise de Gestion 147(6), December 2003, p. 10 (L'indépendance de l'auditeur :

pairs et manques | Cairn.info). «Há já muito que se reconhece que a revisão legal de contas serve interesses de terceiros para além dos interesses dos accionistas, sendo geralmente classificada

como uma função de interesse público. Assim acontece em Portugal desde 1979» (GOMES, José João Montes Ferreira, A Fiscalização Externa das Sociedades Comerciais e a Independência dos Auditores

a Reforma Europeia, A Influência Norte-Americana e a Transposição para o Direito Português, p. 13 (Microsoft Word - José Ferreira Gomes - A FISCALIZAÇÃO EXTERNA DAS SOCIEDADE… (uria.com)).

De SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018, p. 10 (Denise_Sousa_

MA_2018.pdf (ipp.pt)) resulta que historicamente a independência tem sido definida em função do interesse e do poder (e lateralmente confundida com a objectividade). Merece alguma reflexão.

167 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

Até ao momento assentei todo o estudo nos interesses e não no poder. A razão de ser é simples. É que o poder do auditor é pressuposto, a sua imunidade em relação a poderes alheios. É certo. Mas

em última análise esse poder tem uma finalidade: à protecção do interesse público. Por isso, o estudo das relações de poder é relevante, mas apenas instrumental. No final, é sempre de interesses

que tratamos. COSTA, Joana Oliveira Martins, A Independência do Auditor, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021 (Joana_

Costa_MA_2021.pdf (ipp.pt)) cita auditor que associa a independência a interesses e emoções. Mas o tema da emoção encontra-se regido pela objectividade. «Em última instância, a independência

do auditor significa que dispõe de livre arbítrio e de capacidade para formular uma opinião justa e desinteressada.» (Manual de Auditoria e Procedimentos, vol. I, do Tribunal de Contas, p. 98 (PARTE

PRIMEIRA (tcontas.pt)). «O revisor oficial de contas deve exercer a sua profissão com absoluta independência profissional livre de pressões, quer interiores (resultante dos seus próprios interes-

ses), quer exteriores, de forma a emitir uma opinião justa e isenta.» (SANTOS, Ana Sofia Pires dos, Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira, Escola Superior de Gestão de Tomar, s.d., p. 27

(Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira (rcaap.pt)).

O Código de Ética da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (CodigoEtica2011.pdf (oroc.pt)) tem uma tipologia de situações potencialmente conflituantes com a independência:

1) Interesses financeiros;

2) Empréstimos e garantias;

3) Relacionamentos empresariais;

4) Relações familiares e pessoais;

5) Quadro de um cliente em que foi auditor;

6) Auditor que foi quadro de um cliente;

7) Associação prolongada de profissionais com cargos de maior responsabilidade (incluindo rotação de sócios) com um cliente de auditoria;

8) Prestação de outros serviços a clientes de auditoria.


xciii
Num sentido congruente com o da redução da prestação nunca pode diminuir a prestação de cada auditoria vai COSTA, Joana Oliveira Martins, A Independência do Auditor, Instituto Superior de

Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021, p. 13 (Joana_Costa_MA_2021.pdf (ipp.pt)): «De acordo com Gregory e Collier (1996), o trabalho do auditor

não deverá estar limitado ao montante dos seus honorários, mas sim basear-se no julgamento do que é necessário para atingir uma adequada opinião.» «No que diz respeito à questão 13 sobre a

recusa de trabalho por parte dos auditores que afete a sua independência, a maioria da amostra é da opinião que isto acontece na maioria das vezes (44%), 17% eram da opinião que os auditores

recusam sempre, 36% consideravam que só se verificava às vezes e apenas 3% achavam que nunca acontecia.» (ROCHA, Mário André Cabral, A Importância da Independência dos Auditores no Trabalho

de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, p. 19 (Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)). Também ROCHA, Mário André

Cabral, A Importância da Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, p. 19

(Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)), mostra que o auditor deve «recusar trabalho» quando está em risco a sua independência.
xciv
Os efeitos de uma auditoria independente, o seu valor social, em suma, encontra-se refecido em vários autores. Da mesma forma, em espelho, as suas crises:

1) «A independência dos auditores constitui, ainda, a garantia mínima da adequada fiscalização das sociedades comerciais, sendo essa fiscalização essencial à manutenção do equilíbrio do

sistema e à protecção dos interesses dos investidores, credores e trabalhadores bem como do interesse público em geral.» (GOMES, José João Montes Ferreira, A Fiscalização Externa das

Sociedades Comerciais e a Independência dos Auditores a Reforma Europeia, A Influência Norte-Americana e a Transposição para o Direito Português, p. 39 (Microsoft Word - José Ferreira Gomes

- A FISCALIZAÇÃO EXTERNA DAS SOCIEDADE… (uria.com)).

2) «A independência do auditor afeta a qualidade da auditoria (Tepalagul & Lin, 2015), e aumenta a percepção do público sobre sua independência (Yu-Cheng et al., 2017). Sem o pressuposto

da independência, a própria administração poderia apresentar as suas contas e avaliar seu próprio trabalho, de acordo com seus interesses (Houghton et al., 2005).» (AZAMBUJA, Patricia

Adriana, TEIXEIRA, Aridelmo, NOSSA, Silvania Neris, «Aprovação de Contas Municipais com Irregularidades Gravíssimas: Quando a Auditoria Técnica não é Suficiente», Revista de Contabilidade

e Organizações, 29 Dezembro 2018, s. p. (Aprovação de contas municipais com irregularidades gravíssimas: quando a auditoria técnica não é suficiente (redalyc.org)).

3) «Todas as entidades públicas nos países desenvolvidos estão sujeitas a regras de divulgação e revisão independente por um auditor (Schelker, 2008). Alt e Lassen (2006) salientam que as

auditoria são importantes e mostram que aumentam a transferência fiscal e reduzem os défices públicos. Um estudo de Olken (2007) na Indonésia apresentou evidência que o aumento de

auditoria reduzia os desperdícios nas despesas no sector público» (AGUIAR, Daniela Rodrigues Martins Amorim, Atuação dos Auditores nas Entidades Públicas – O Estudo de Caso nos Municípios,

Faculdade de Economia e Gestão, Universidade Católica, Setembro 2014, p. 3 (ÍNDICE (ucp.pt)).

4) «A ideia de uma carreira de Auditoria Pública de Controle Externo, exercida de forma independente, chegou com a exigência de combate à corrupção e resposta a má qualificação dos serviços

públicos, apoiando o desenvolvimento de boa governança.» (A Independência da Auditoria de Controle Externo: Um Ajuste Necessário, Federação Nacional dos Servidores do tribunais de Contas

do Brasil, Outubro de 2015, p. 8 (Independencia_da_Auditoria.pdf (sindicontaspr.org.br)).

5) «A independência, responsabilidade e transparência é um requisito fundamental para aumentar a credibilidade» (CUMBE, Luís Leonardo, Impacto da Auditoria Externa na Gestão dos Fundos

168 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

Públicos: Estudo de Caso do Fundo Comum do INE de Moçambique, Universidade de Aveiro, 2016, p. 8 (Dissertação 11_07_2016.pdf (ua.pt)).

6) A relação entre independência e qualidade da auditoria e confiança nas demonstrações financeiras em HELIODORO, Paula Alexandra Godinho Pires, A Mudança de Auditor e o Relatório de

Auditoria Financeira, Lisboa, 2014, p. 51 (TESE DE DOUTORAMENTO (uab.pt))).

7) A crise na credibilidade dos auditores financeiros teve impacto também na auditoria de qualidade («En somme, ces études s’attardent très peu sur l’indépendance, encore moins sur ses fac-

teurs de risque comme la permanence de l’auditeur chez un client. Elles révèlent tout de même que la crédibilité du processus de certification ISO 14001 peut être remise en question, en lien

avec les problèmes d’indépendance à l’image des scandales dans le domaine de la vérification financière.») (DIALLO, Khady, DIOP, Cheikh Mbacké, «Les Facteurs Explicatifs de l’Independance

de l’Auditeur Externe», in Revue du Contrôle de la Comptabilité et de l’Audit, Volume 4 : numéro 4, par. 12 (669-Article Text-2527-1-10-20210207.pdf)).

8) «Uma das questões algumas vezes posta em causa no decorrer de escândalos financeiros, perante os quais é questionada a intervenção do auditor, tem que ver com a sua independência.

Este é considerado o maior trunfo profissional de um auditor, ao passo que qualquer negligência neste sentido afetará o valor dos seus serviços. O auditor deve então convencer o mercado

da sua independência, constatada quando o mesmo é capaz de agir de acordo com princípios acima definidos (Wines, 2012, p. 7).» (MESTRE, Tânia Miranda, Reforma Europeia de Auditoria:

Perspetiva dos Intervenientes do Setor no Contexto Português, Outubro 2016, p. 8 (Tese_final_281016.pdf (iscte-iul.pt)).

9) Embora se refira a um país africano e ao sector público é impressivo para reflectir ter em conta a seguinte observação: «Os resultados de Tulli (2014) são de que nem a auditoria interna nem

a auditoria externa podem trazer eficiência numa organização, a menos que sejam apoiados por partes influentes e interessadas. Os resultados fornecem ainda evidência de como a auditoria

pode ser usada como instrumento para promover a eficiência organizacional através de interação de vários atores, utilização de auditoria participativa e a utilização de relatórios de auditoria

por várias partes interessadas.» (CUMBE, Luís Leonardo, Impacto da Auditoria Externa na Gestão dos Fundos Públicos: Estudo de Caso do Fundo Comum do INE de Moçambique, Universidade de

Aveiro, 2016, p. 23 (Dissertação 11_07_2016.pdf (ua.pt)).

10) «Após os grandes escândalos contabilísticos no início deste milénio, como é o caso da Parmalat, WorldCom, Enron, etc, foram colocadas diversas interrogações e dúvidas no que toca ao

trabalho de auditoria externa, nomeadamente no que respeita à sua independência.» (SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto Superior de Contabilidade e

Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018, p. 1 (Denise_Sousa_MA_2018.pdf (ipp.pt)).

11) Um dos efeitos potenciais da falta de independência é a de que a «sua [dos auditores] opinião pode ser corrompível» (COSTA, Joana Oliveira Martins, A Independência do Auditor, Instituto

Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Outubro 2021, p. 2 (Joana_Costa_MA_2021.pdf (ipp.pt)). No limite é esse o resultado que se visa evitar:

o que que haja distorção da opinião e consequentemente da credibilidade da opinião (cf. a remissão para a confiança do público a p. 9).

12) Os «relatórios de auditoria acrescentam valor à informação contabilística» (ROCHA, Mário André Cabral, A Importância da Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior

de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, p. 11 (Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)).

13) «Este estudo foi realizado com o intuito de compreender a importância que a independência tem no processo de auditoria e se é ou não, um fator importante na credibilização da atividade e

em geral do mercado global» (ROCHA, Mário André Cabral, A Importância da Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto,

Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, p. iii (Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)). A ligação entre a credibilidade a independência e a regularidade do mercado de auditoria está

clara neste objectivo de estudo.

14) «A falta de credibilidade das contas de várias grandes empresas nos EUA representaram pois, mais do que um prejuízo efectivo para os accionistas e credores dessas mesmas sociedades,

uma verdadeira ameaça à segurança de todo o mercado de capitais.» (BANDEIRA, Paulo, A Independência dos Auditores de Sociedades Cotadas, RDS III (2011), 2, 301-334, pp. 306-307 (RDS 2011-2

(301-334) - Governo das Sociedades - Paulo Bandeira - A independência dos auditores de sociedades cotadas.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)).
xcv
A destrinça que se faz entre ameaças e riscos em MIRANDA, Joana Correia de, HENRIQUES, Sérgio Coimbra, «Riscos de Auto-Revisão e Interesse Pessoal. – Contributos para a Compreensão das

Ameaças à Independência dos Auditores», Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, nº 55, p. 166 (Cadernos MVM 55D.pub (cmvm.pt)), pressupõe uma subtileza e um rigor do legislador que não

existe. A esturras dogmáticas são ainda demasiado frágeis para se poder determinar que existem diferenças entre estas figuras. Tudo indica, bem pelo contrário, que se trata de uma mera flutuação

terminológica e o problema é um só. O perigo. ALMEIDA, Mauro Leandro Ferreira de, A Fraude de Relato Financeiro e a Independência dos Auditores, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2015, pp.

39-43 (Versao final.pdf (ual.pt)), não distingue ameaças de riscos, só fala em ameaças.
xcv
iDe AMORIM, Ana Clara Azevedo de, Liberdade de Expressão na Atividade Económica, Liberdade de expressão na atividade económica - Ana Amorim .pdf (uportu.pt) resulta, independentemente

das variações e destrinças doutrinais e jurisprudenciais que a liberdade de expressão tem limites, tem de ser confrontada com outros bens jurídicos, e obedece a um princípio de proporcionalidade.

Por exemplo, «em conformidade com o que resulta do artigo 10.º n.º 2 da CEDH, a liberdade de expressão não deve servir como fundamento de licitude da divulgação de informações confidenciais»

(p. 19).
xcvii
No IP/02/723, Brussels, 16th May 2002 a dimensão comissiva e omissiva das condutas é referida de forma impressiva como «dos» e «don’ts»: «Auditing: Commission issues Recommendation on

independence of statutory auditores […] Dos | According to the Recommendation, statutory auditors should be required to consider and to document, for each individual audit engagement, any potential

169 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

risks or threats to their independence, as well as the safeguards for mitigating those risks. The independence of auditors needs to be protected systematically. Threats to independence vary in nature and in

seriousness and auditors need to put in place different safeguards depending on the circumstances. The ultimate safeguard ("prohibition") is not to enter into certain relationships or not to provide certain

additional services to the audit client. | Don'ts | The Recommendation also indicates clearly what is not acceptable. For example, auditors should not conduct a statutory audit: | if they have any direct or

significant indirect financial interest in the audit client | a close family member working in a management position in the audit client or | if they receive an unduly high proportion of their revenue from one

client.» (https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_02_723).
xcviii
Mesmo no âmbito dos controlos públicos, e perante garantias públicas relativas às regiões administrativas, a Corte Constituzionale italiana em 1995 determinou que não havia um princípio de

taxatividade de controlos sobre as regiões (VECCHIO, Giuseppina, Il Controlo Interno di Gestione dei Ministeri, CLUEB, Bologna, 2006, p. 70).
xcix
A tipologia dos riscos para a independência em COLLINGS, Steven, Interpretation and Application of International Standards of Auditing, Wiley & Sons, Chichester, 2011, p. 6. É também útil a tipologia

que divide os riscos numa trilogia: «riscos de auto-revisão, interesse pessoal, familiaridade ou confiança e intimidação» (SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto

Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018, p. 12 (Denise_Sousa_MA_2018.pdf (ipp.pt)).
c
Mesmo que os auditores vendam ferramentas informáticas de controlo ao auditado pode não haver problema de independência, desde que haja salvaguardas e a gestão assuma o pelo controlo in-

terno, segundo SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 200).

No entanto, cada vez mais esta excepção é uma intenção pia. Quando o know how não é plenamente aculturado pelo auditado, o domínio sobre a ferramenta não está totalmente nas mãos do auditado

e os auditores tendem a confiar nos controlos da própria ferramenta sem fazerem substanciais controlos próprios, existe um risco muito grande de auto-revisão. Também o problema da auto-revisão

na auditoria interna em PICKETT, K. H. Spencer, The Internal Auditing Handbook, 2nd Ed., Wiley & Sons, Chichester, 2006, p. 262. Na auditoria independente ver SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor

Independence. The Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 22.

MIRANDA, Joana Correia de, HENRIQUES, Sérgio Coimbra, «Riscos de Auto-Revisão e Interesse Pessoal. – Contributos para a Compreensão das Ameaças à Independência dos Auditores», Cadernos do

Mercado dos Valores Mobiliários, nº 55, p. 159 (Cadernos MVM 55D.pub (cmvm.pt)), mostram como os serviços distintos potenciam os riscos de auto-revisão. A temática dos serviços distintos é asso-

ciada à da auto-revisão por MATIAS, Tiago dos Santos, «Os Auditores e os Serviços Distintos de Auditoria Proibidos: Algumas Pistas sobre o Novo Regime» Revista de Direito das Sociedades 3 (2017),

pp. 505, 506, 517, 529 (RDS 2017-03 (491-532) - Governo das Sociedades - Tiago dos Santos Matias - Os auditores e os serviços distintos de auditoria proibidos - Algumas postas sobre o novo

regime.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)).
ci
A auditoria é definida como «independent examination» (COOPERS & LYBRAND, Student’s Manual of Auditing, 3rd Ed, London, 1989, p. 1).
cii
«Por seu lado Mautz (1985) refere que a redação do relatório é essencialmente um problema de comunicação e transmissão de ideias a terceiros, que deve ser redigido da maneira que transmita

melhor a mensagem, tornando-a útil, tendo em consideração o tipo de informação a transmitir, assim como os conhecimentos sobre o assunto dos possíveis leitores. Desrespeitar estas exigências

segundo o mesmo é indício de falta de competência e/ou independência» (SANTOS, Ana Sofia Pires dos, Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira, Escola Superior de Gestão de Tomar, s.d.,

p. 17 (Procedimentos Substantivos em Auditoria Financeira (rcaap.pt)).


ciii
VEIGA, Alexandre Brandão da; «Normas de Auditoria», in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 55, Dezembro 2016 (Cadernos MVM 55E.pdf (cmvm.pt)).
civ
No MEMO/11/856, Brussels, 30 November 2011 responde-se a uma questão cândida: «1. Why is audit important? | The role of audit is to contribute to the credibility and reliability of financial statements.

For this reason, it is an integral part of the financial reporting environment and its importance is reflected in statute (Fourth and Seventh Company Law Directives) with a requirement for certain companies

to have an audit. Moreover, only approved auditors can undertake these statutory audits. | Statutory audit refers to the mandatory annual audit of companies and is aimed at providing an accurate reflection

of the veracity of a company's financial statements to stakeholders.» (https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/memo_11_856).

A ideia do «true and fair» relativo às contas em PORTER, Brenda, SIMON, Jon, HATHERLY, David, Principles of External Auditing, Wiley & Sons, Chichester, 1998, p. 82 e COOPERS & LYBRAND, Student’s

Manual of Auditing, 3rd Ed, London, 1989, p. 13, que apresenta a sua negação (p. 14): a sobrestimação ou a subestimação, a ocultação da verdade, o ambíguo, enganador, a omissão de informação rele-

vante, a falta de clareza, a incompletude. De certa maneira, e em muitas mais palavras, a estrutura é idêntica à do artigo 7º Cd.VM. Os auditores como «error spotters» em BERNARD, Frédéric, GAYRAUD,

Rémi, ROUSSEAU, Laurent, Contrôle Interne, Maxima, Paris, 2013, p. 11. A importância da análise dos erros em VECCHIO, Giuseppina, Il Controlo Interno di Gestione dei Ministeri, CLUEB, Bologna, 2006, p. 173).

«A aplicação destas normas de revisão/auditoria e o cumprimento de um Código de Ética, por parte dos profissionais, é uma garantia para os mercados da fiabilidade das demonstrações financeiras,

cumprindo assim a sua função de serviço de interesse público» (FERNANDES, Otávio de Brito Gastambide, «A Globalização e as Normas de Revisão/Auditoria», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de

Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, p. 11; também JOHNSTONE, Karla M., GRAMLING, Audrey A., RITTENBERG, Larry E., Auditing. A Risk-Based Approach to Conducting a Quality Audit,

South-Western, Mason, 2014, p. 6). A opinião de um auditor acrescenta credibilidade às demonstrações financeiras (SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The Joint Provision of Audit

and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 16).

MIRANDA, Joana Correia de, HENRIQUES, Sérgio Coimbra, «Riscos de Auto-Revisão e Interesse Pessoal. – Contributos para a Compreensão das Ameaças à Independência dos Auditores», Cadernos do

Mercado dos Valores Mobiliários, nº 55, p. 154 (Cadernos MVM 55D.pub (cmvm.pt)), salientam a função de informação dos auditores, e o seu papel em assegurar a veracidade da informação (p. 157).

170 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

Remete também para a veracidade MESTRE, Tânia Miranda, Reforma Europeia de Auditoria: Perspetiva dos Intervenientes do Setor no Contexto Português, Outubro 2016, p. 4 (Tese_final_281016.pdf

(iscte-iul.pt)).

«As rápidas alterações e exigências que se têm verificado atualmente no mercado, têm colocado grandes desafios para as organizações, exigindo cada vez mais da Auditoria. A necessidade de

demonstrações financeiras fiáveis e verdadeiras por parte das organizações portuguesas é uma realidade cada vez mais presente e, até mesmo, uma necessidade para sobreviver a um mercado

altamente competitivo.» (SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018,

p. 1 (Denise_Sousa_MA_2018.pdf (ipp.pt)). «A opinião especializada de um revisor sobre as contas anuais da empresa, representa verdadeiramente a posição financeira da mesma» (ROCHA, Mário

André Cabral, A Importância da Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020,

p. 12 (Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)). «A revisão de contas poderá até aproveitar à sociedade auditada permitindo a correcção de situações anómalas ou objecto de erro, mas a sua instituição

enquanto obrigação legal destina-se prioritariamente a garantir a terceiros (e para benefício destes) a veracidade da informação financeira relativa à sociedade» BANDEIRA, Paulo, A Independência

dos Auditores de Sociedades Cotadas, RDS III (2011), 2, 301-334, p. 309 (RDS 2011-2 (301-334) - Governo das Sociedades - Paulo Bandeira - A independência dos auditores de sociedades cotadas.

pdf (revistadedireitodassociedades.pt)). A relação entre auditoria e exame, verificação, certificação e oposição a erro em SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto

Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018, pp. 3-4, 7 (Denise_Sousa_MA_2018.pdf (ipp.pt)). «No que concerne a fraude, verificou-se que não é da

responsabilidade do auditor no combate e deteção a fraude, mas sim do órgão de gestão, através de mecanismos como, um bom sistema de controlo interno. Entretanto, as normas técnicas de au-

ditoria não isentam o auditor dessas mesmas funções, uma vez que, os auditores devem adotar uma postura cética tendo em atenção a ocorrência de fraude ou de erros.» (ALMEIDA, Mauro Leandro

Ferreira de, A Fraude de Relato Financeiro e a Independência dos Auditores, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 55 (Versao final.pdf (ual.pt)). (Sublinhados meus).
cv
No memo MEMO, Brussels, 17 December 2013, mostra-se que os regimes de segurança são parte do regime da independência «2. A strong independence regime | Mandatory rotation of audit firms:

Audit firms will be required to rotate after an engagement period of 10 years. After maximum 10 years, the period can be extended by up to 10 additional years if tenders are carried out, and by up to 14

additional years in case of joint audit, i.e. if the company being audited appoints more than one audit firm to carry out its audit. A calibrated transitional period taking into account the duration of the au-

dit engagement is foreseen to avoid a cliff effect following the entry into force of the new rules. | Prohibition of certain non-audit services: Audit firms will be strictly prohibited from providing non-audit

services to their audit clients, including stringent limits on tax advice and services linked to the financial and investment strategy of the audit client. This aims to limit risk of conflicts of interest, when

auditors are involved in decisions impacting the management of a company. This will also substantially limit the 'self-review' risks for auditors. | Cap on the provision of non-audit services: To reduce the

risks of conflicts of interest, the new rules will introduce a cap of 70% on the fees generated for non-audit services others than those prohibited based on a three-year average at the group level.» (https://

ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/memo_13_1171).

CURTO, Ana Cláudia Ferreira, Independência na Aparência: a Perspetiva dos Auditores e dos Utentes do Relatório de Auditoria, ISEG, 2016, p. 14 (DM-ACFC-2016.pdf (utl.pt)), ao citar do nº 2 do 22º DA lem-

bra que «O mesmo número indica ainda que, mesmo aplicando as salvaguardas a estas ameaças, se a independência estiver comprometida, o auditor não deve proceder aos trabalhos», o que mostra

indirectamente que o regime de segurança não impede a aplicação do princípio geral.


cvi
BOTO, Manuel Maria de Paula Reis, «A Actuação do ROC no Plano Ético-Deontológico», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, s/p., refere

a independência como um conceito moral, o que numa perspectiva social pode fazer sentido. No entanto, é preciso salientar que hoje em dia integra um regime jurídico, regime esse tutelado por

sanções infraccionais. Por isso, e mesmo que se possa ter esta discussão sob o ponto de vista social, psicológico e filosófico, é enquanto regime jurídico que nos interessa, neste estudo. JACINTO,

Albino Rodrigues, «Contributos para a Revisão do Código de Ética e Deontologia Profissional», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, p.

4, é o primeiro a reconhecer que tem de haver sanções para o incumprimento de deveres éticos. A necessidade de regulação aparece em SIDDIQUI, Javed, Regulation of Auditor Independence. The

Joint Provision of Audit and Non-Audit Services in the UK 2000-2007, Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2010, p. 82. A auditoria representa uma tendência social para assentar a confiança

em guardiães de n-ésimo nível (POWER, Michael, The Audit Society. Rituals of Verification, Oxford University Press, Oxford, 1999, p. 135, mostrando que a simples acumulação de níveis de controlo não

basta para a substância dos mesmos.

«La mise en cause de la responsabilité des auditeurs et éventuellement les sanctions judiciaires prononcées contre les auditeurs permettent de renforcer le niveau d’indépendance perçue par les uti-

lisateurs de l’information comptable et financière. Les sanctions judiciaires sont une réponse au danger créé par une organisation qui chercherait à être auditée pour la forme sans que l’audit réalisé

ait une véritable substance. L’audit ne doit pas devenir une forme de rituel inutile, qui privilégierait la forme par rapport au fond et qui serait guidé par une mentalité docile des auditeurs. En France, les

auditeurs légaux sont soumis à une triple responsabilité (civile, pénale et disciplinaire) qui est un contrepoids partiel à une tentation de comportement opportuniste.» (PRAT, Christian, «L'indépendance

perçue de l'auditeur», in Revue Française de Gestion 2003/6 (no 147), pages 105 à 117, L'indépendance perçue de l'auditeur | Cairn.info).
cvii
A jurisprudência é vasta. Mas podem-se dar alguns exemplos.

A nossa jurisprudência aplica, mesmo que sejam os mesmos factos, duas sanções acessórias de natureza diversa (penal e contraordenacional) em simultâneo, mesmo que tenham efeito equivalente,

como se verifica pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 5ª secção, proc. 9201/2003-5, de 03-02-2004: «condenando o arguido na pena acessória de proibição de conduzir nos termos do art.º

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

69º, n.º1 al. b) CP pelo período de 12 meses e na sanção de inibição de conduzir pelo período de três meses, correspondente a cada uma das contraordenações, num total de 9 meses de inibição de conduzir

a cumprir em dias seguidos e após o cumprimento da pena acessória aplicada nos termos do art.º 69º n,º1 b) CP referida, mantendo-se no mais a decisão recorrida.» O que foi confirmado no Acórdão do

Tribunal Constitucional n.º 356/2006, Processo nº 1056/2005, 2ª Secção, de 8 de Junho de 2006, que aceitou o sancionamento com estas duas sanções acessórias simultaneamente em relação ao

mesmo arguido por factos realizados no mesmo contexto e na mesma altura.

No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/02/1996 (Proc. n.º 9610001) que deixa claro que a punição de um arguido com uma pena principal e uma sanção acessória «não viola

o princípio «ne bis in idem»: o mesmo facto não é julgado mais do que uma vez. «a lei é que estabelece para o mesmo facto duas “sanções” em acumulação».

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/94 (1.ª Secção, processo n.º 566/92) que, debruçando-se sobre a punição do mesmo facto a título de crime e de infração disciplinar, entendeu que «(…)

é evidente que a problemática do princípio de non bis in idem se põe relativamente a cada direito sancionatório (…). Situação diversa é a da convergência ou concurso real de normas de diferente

natureza que sancionam o mesmo facto, dando origem a um concurso real de infracções. Neste caso, não há que falar em princípio de non bis in idem (…). É que tratando-se de actos ilícitos de diferente

natureza, sancionados com penas diferentes, apreciados em processos diversos por autoridades diferentes (…) não pode falar-se de um duplo julgamento (…).» (sublinhados meus).

No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 303/05 (Processo n.º 242/05, 3.ª Secção, de 8/06/2005) e J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa

Anotada (Artigos 1.º a 107.º), Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 497-498 (anotação XI ao art. 29.º).

Também neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/1995 (Processo n.º 048439), defendendo que não viola o princípio da proibição do ne bis in idem a condenação do arguido

por contravenção relativa à condução sob a influência do álcool e por crime de homicídio por negligência na condução de veículo automóvel sob influência do álcool.
cviii
FERNANDES, José Domingos da Silva, «Responsabilidade Fiscal», in VII Congresso dos Revisores Oficiais de Contas. Novas Perspectivas para a Profissão, OROC, 2000, p. 5, lembra a responsabilidade

fiscal nos termos do 24º LGT. Cf. o 24º/2 LGT «2 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas colectivas em que

os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários destas resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.» (::: DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro (pgdlisboa.pt)).
cix
«(6) A revisão legal de contas de cooperativas e caixas económicas em determinados Estados-Membros caracteriza-se por um sistema que não lhes permite escolher livremente os seus revisores oficiais

de contas ou as suas sociedades de revisores oficiais de contas. A associação de revisores oficiais de contas de que a cooperativa ou a caixa económica são membros é obrigada por lei a realizar a revisão

legal de contas. Tais associações de revisores oficiais de contas não têm fins lucrativos, não sendo movidas por interesses comerciais, como resulta da sua natureza jurídica. Além disso, as unidades or-

ganizativas dessas associações não estão ligadas a interesses económicos comuns, o que poderia comprometer a sua independência. Consequentemente, os Estados-Membros deverão ter a possibilidade

de isentar do presente regulamento as cooperativas na aceção do artigo 2.o, ponto 14, da Diretiva 2006/43/CE, as caixas económicas ou entidades similares a que se refere o artigo 45.o da Diretiva 86/635/

CEE ou as suas filiais ou os seus sucessores legais, desde que sejam respeitados os princípios de independência previstos na Diretiva 2006/43/CE».
cx
REA:

«Artigo 1.o Objeto O presente regulamento estabelece requisitos para a realização da revisão legal de demonstrações financeiras anuais e consolidadas de entidades de interesse público, regras relativas à

organização e seleção dos revisores oficiais de contas e das sociedades de revisores oficiais de contas pelas entidades de interesse público, destinadas a promover a sua independência e evitar conflitos

de interesses, e regras relativas à supervisão do cumprimento desses requisitos pelos revisores oficiais de contas e sociedades de revisores oficiais de contas.»

«Artigo 2.o Âmbito de aplicação 1.O presente regulamento é aplicável: a) Aos revisores oficiais de contas e às sociedades de revisores oficiais de contas que realizam revisões legais de contas de entida-

des de interesse público; b) Às entidades de interesse público.»

Nº 5 do preâmbulo «(5) É importante definir regras pormenorizadas a fim de assegurar que as revisões legais de contas de entidades de interesse público tenham a qualidade adequada e sejam realizadas

por revisores oficiais de contas e sociedades de revisores oficiais de contas que estejam sujeitos a requisitos rigorosos. Uma abordagem regulamentar comum deverá reforçar a integridade, independência,

objetividade, responsabilidade, transparência e fiabilidade dos revisores oficiais de contas e das sociedades de revisores oficiais de contas que realizam a revisão legal de contas de entidades de interesse

público, contribuindo para a qualidade da revisão legal de contas na União e, dessa forma, para o bom funcionamento do mercado interno, garantindo, simultaneamente, um elevado nível de proteção dos

consumidores e dos investidores. A elaboração de um ato legislativo distinto para as entidades de interesse público também deverá assegurar uma harmonização coerente e uma aplicação uniforme das

regras e contribuir, assim, para um funcionamento mais eficaz do mercado interno. Esses requisitos rigorosos só deverão ser aplicáveis aos revisores oficiais de contas e às sociedades de revisores oficiais

de contas na medida em que realizem revisões legais de contas de entidades de interesse público».
cxi
«A23. Os requisitos de comunicação relativos à independência do auditor que se apliquem no caso de entidades cotadas podem também ser relevantes no caso de outras entidades, em particular

quando possam assumir interesse público significativo, uma vez que, em resultado dos seus negócios, da sua dimensão ou do seu estatuto empresarial, envolvem uma vasta gama de pessoas inte-

ressadas. Exemplos de entidades que não são entidades admitidas à cotação mas em relação às quais poderão ser apropriadas comunicações relativas à independência do auditor incluem entidades

do sector público, instituições de crédito, companhias de seguros e fundos de benefícios de reforma».


cxii
«Quanto à proibição da prestação de serviços distintos de auditoria, as Big 4 defendem que esta não é uma medida vantajosa. A APPM SROC e a VLS SROC defendem que esta medida se reflete numa

vantagem ao reforçar a independência do auditor. A VASROC afirma que a medida não traz qualquer vantagem nem garantia de independência. A RVSROC e a OROC defendem que a mesma já estaria

172 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

incorporada no código de ética não respondendo diretamente à questão colocada. A CMVM considera que a medida é vantajosa.» (MESTRE, Tânia Miranda, Reforma Europeia de Auditoria: Perspetiva dos

Intervenientes do Setor no Contexto Português, Outubro 2016, p. 40 (Tese_final_281016.pdf (iscte-iul.pt)).

MATIAS, Tiago dos Santos, «Os Auditores e os Serviços Distintos de Auditoria Proibidos: Algumas Pistas sobre o Novo Regime» Revista de Direito das Sociedades 3 (2017), pp. 503 ss. (RDS 2017-03 (491-

532) - Governo das Sociedades - Tiago dos Santos Matias - Os auditores e os serviços distintos de auditoria proibidos - Algumas postas sobre o novo regime.pdf (revistadedireitodassocieda-

des.pt)), tem uma tipificação de serviços distintos proibidos. Como assentou a análise sobretudo no artigo 77º EOROC e não no 5º REA tem hoje em dia de ser lido com alguma reserva. Mas as questões

que coloca são pertinentes e cada uma das proibições mereceria análise própria.
cxiii
Sobre serviços distintos de auditoria ver a CIRCULAR AOS AUDITORES DE EIP - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DISTINTOS DE AUDITORIA DATA: 16/03/2016 (1 (cmvm.pt)).
cxiv
No CEAOB 2019-041, Adopted on 28 November 2019, «Duration of the audit engagement» emitem-se entendimentos sobre os limites temporais nas EIP (CEAOB guidelines on duration of the audit

engagements (europa.eu)).

«Beattie e Fearnley (2002) referem que usar o termo consultoria para englobar todos os serviços de não auditoria pode levar a interpretações inadequadas. Assim, consideram que os serviços de

não auditoria são todos aqueles que são prestados por auditores aos seus clientes, e que não estejam contemplados nessa mesma auditoria.» (SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência

dos Auditores, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018 (Denise_Sousa_MA_2018.pdf (ipp.pt)). Há basta literatura que sustenta que o

cúmulo de serviços de auditoria e distintos de auditora é um risco efectivo para a independência, mesmo que haja quem entenda que seja benéfico (pp. 15-16). Mas também a rotação tem benefícios

e desvantagens, nomeadamente o menor conhecimento do auditado (pp. 16-17). A discussão é clássica. Nada é ausente de custos. Mas as escolhas do legislador estão feitas. «Apenas 22% dos in-

quiridos concordam que a rotação dos auditores pode diminuir a qualidade do trabalho de auditoria, sendo lógico perceber que há uma discordância maior. Atendendo à literatura revista, podemos

constatar que os inquiridos não apresentam uma consistência com esta opinião. | Já em relação a se esta rotação contribui para a isenção e independência da opinião de auditoria, 66% concordam

com esta afirmação. Para além disto 61% dos inquiridos consideravam que as empresas preferiam não rodar de auditor, uma vez que o conhecimento do seu negócio é fundamental.» (ROCHA, Mário

André Cabral, A Importância da Independência dos Auditores no Trabalho de Auditoria, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – Julho 2020, p.

50 (Mário_Rocha_MA_2020.pdf (ipp.pt)). Tentando ponderar vantagens e desvantagens da rotação BANDEIRA, Paulo, A Independência dos Auditores de Sociedades Cotadas, RDS III (2011), 2, 301-334, pp.

323-324 (RDS 2011-2 (301-334) - Governo das Sociedades - Paulo Bandeira - A independência dos auditores de sociedades cotadas.pdf (revistadedireitodassociedades.pt)).

Quanto à rotação, «II. Em geral, os apoiantes desta solução afirmam que a rotação do auditor pode aumentar a sua independência de duas formas distintas. Por um lado, reduz a cumplicidade que na-

turalmente se desenvolve em relações contínuas. Para assegurar a independência das avaliações e juízos do auditor é essencial que este mantenha a objectividade aquando da análise das transacções

e registos contabilísticos do cliente. A relação continua entre o auditor e o seu cliente cria laços profissionais e (por vezes) pessoais que acarretam uma crescente cumplicidade. A rotação periódica

reduz este risco, potenciando análises mais objectivas. Por outro lado, a rotação obrigatória introduz um efeito dissuasor na medida em que o trabalho efectuado por um auditor será necessariamente

revisto por outro auditor no fim do prazo de rotação. Para uma sociedade auditada será mais difícil persuadir o auditor a colaborar numa fraude perante o risco de essa colaboração ser detectada no

futuro por outro auditor.» (GOMES, José João Montes Ferreira, A Fiscalização Externa das Sociedades Comerciais e a Independência dos Auditores a Reforma Europeia, A Influência Norte-Americana e a

Transposição para o Direito Português, p. 35 (Microsoft Word - José Ferreira Gomes - A FISCALIZAÇÃO EXTERNA DAS SOCIEDADE… (uria.com)).

«As conclusões deste estudo indicaram que a rotação dos auditores e a prestação de serviços de não auditoria em simultâneo com os serviços de auditoria, são os fatores que mais condicionam a in-

dependência dos auditores.» (SOUSA, Denise Ribeiro de, O preço da Independência dos Auditores, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto – 2018,

p. ii (Denise_Sousa_MA_2018.pdf (ipp.pt)). «Nos résultats corroborent ceux de El Azary et Touab (2016). Ils trouvent que dans l’optique d’un renouvellement annuel ayant dépassé la durée d’audit de

5ans, les diligences d’audit déployées pour contrôler les comptes ne restent plus les mêmes et les auditeurs deviennent de plus en plus dépendants de leurs clients. Nos résultats sont contradictoires

à ceux de Siegel (1999) qui trouvent au contraire que la rotation des associés sur un dossier ne constitue nullement pas une véritable solution à la problématique de l’indépendance perçue de l’audi-

teur. Pour lui, la rotation a un prix couteux dans la mesure où les nouveaux auditeurs trouvent énormément de difficultés quant à la compréhension de l’activité et des opérations de l’entreprise qu’ils

commencent à auditer.» (ABOUDOU Maman Tachiwou, L’independance de l’Auditeur comme Determinant de la Qualite de l’Information Financiere : Une Perception par les Auditeurs du Contexte Togolais,

p. 18 (L'indépendance de l'auditeur comme déterminant de la qualité de l'information financière: une perception par les auditeurs du contexte togolais (archives-ouvertes.fr)).
cxv
«Os resultados permitem concluir que o nível de independência é maior nos ROC face aos colaboradores e que o nível de independência influencia negativamente o julgamento ético dos ROC e

seus colaboradores. Em relação ao compromisso com o interesse público não foi possível identificar diferenças estatisticamente significativas entre ROC e seus colaboradores, nem que o mesmo é

mais valorizado à medida que aumenta a experiência dos ROC. Analogamente, não existem evidências estatísticas para comprovar que a experiência dos ROC é significativa em relação a julgamentos

éticos. Similarmente, em relação ao julgamento ético não é possível averiguar se este é diferente entre ROC e colaboradores bem como se o compromisso com o interesse público determina o julga-

mento ético dos ROC e seus colaboradores. | Como todos os estudos, este também não está isento de limitações, essencialmente pelo facto de a amostra obtida ser pequena» (COSTA, Juliana Moreira

da, Atitude dos Revisores Oficiais de Contas e Colaboradores de Sociedades de Auditoria Perante Dilemas Éticos, Bragança, novembro, 2019, p. 32 (Costa_Juliana.pdf (ipb.pt)).
cxvi
Em nome da independência podem-se criar normas em violação da livre circulação segundo a Comissão Europeia. «Articles 24 and 29 (III, second paragraph) of the Code of Ethics concern non-audit

173 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INDEPENDÊNCIA DOS AUDITORES

services provided worldwide by any member of an international network. Under these rules, the provision of a large number of non-audit services to any company that is either a parent or a subsidiary of a

company audited in France is deemed to be incompatible with the independence requirements of the French statutory auditor. Due to the fact that these presumptions cannot be challenged, an auditor and

its network are not in a position to demonstrate that the independence of an audit is unaffected.» (https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_08_1035). No comunicado IP/09/1139,

Brussels, 15 July 2008, a Comissão Europeia «Internal Market and Services Commissioner Charlie McCreevy said: "The current financial crisis makes it vital that we have a truly sustainable audit market,

and the consultation results published today provide valuable insight into problematic issues. The Commission will now carefully consider what actions can be taken at EU level to encourage new market

players, whilst ensuring that auditors' independence and audit quality are not undermined."» (https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_09_1139). A independência confronta-se e

concilia-se com a livre circulação do modo clássico. Através da harmonização ou uniformização de regimes.

«Apesar do Auditing Standards Board (ASB) do American Institute of Certified Public Accountants (AICPA) 8, continuar a dar relevância à problemática da independência, a concorrência no mercado

de auditoria, ligada à complexidade internacional das práticas de negócio, traduziram-se na prática, por um desvio a favor da consultoria, em detrimento da auditoria e da interpretação neutral das

normas de contabilidade.» (ALMEIDA, Mauro Leandro Ferreira de, A Fraude de Relato Financeiro e a Independência dos Auditores, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 28 (Versao final.

pdf (ual.pt)).
cxvii
«Article 5 | Interdiction de fournir des services autres que d'audit | 1. Le contrôleur légal des comptes ou le cabinet d'audit procédant au contrôle légal des comptes d'une entité d'intérêt public, ou tout

membre du réseau dont fait partie le contrôleur légal des comptes ou le cabinet d'audit, ne fournissent pas, directement ou non, à l'entité contrôlée, à son entreprise mère ou aux entreprises qu'elle contrôle

dans l'Union des services autres que d'audit interdits: | a) au cours de la période s'écoulant entre le commencement de la période contrôlée et la publication du rapport d'audit; et | b) au cours de l'exercice

précédant immédiatement la période visée au point a) en ce qui concerne les services énumérés au deuxième alinéa, point g).» «Artículo 5 | Prohibición de prestar servicios ajenos a la auditoría | 1. Ni el

auditor legal o sociedad de auditoría que realice la auditoría legal de una entidad de interés público, ni los miembros de la red de la que forme parte el auditor legal o sociedad de auditoría, podrán prestar

dentro de la Unión, directa o indirectamente, a la entidad auditada, a su empresa matriz o a las empresas que controle, los servicios prohibidos ajenos a la auditoría durante: | a) el período comprendido

entre el principio del período auditado y la emisión del informe de auditoría, y | b) el ejercicio inmediatamente anterior al período mencionado en la letra a) en relación con los servicios enumerados en la

letra g) del segundo párrafo.» «Articolo 5 | Divieto di prestare servizi diversi dalla revisione contabile | 1. Un revisore legale o un'impresa di revisione contabile che effettua la revisione legale dei conti di

un ente di interesse pubblico o qualsiasi membro della rete a cui il revisore legale o l'impresa di revisione contabile appartenga, non fornisce, direttamente o indirettamente, all'ente sottoposto a revisione,

alla sua impresa madre o alle sue imprese controllate all'interno dell'Unione alcun servizio diverso dalla revisione contabile vietato durante: | a) il lasso di tempo compreso tra l'inizio del periodo oggetto

di revisione e l'emissione della relazione di revisione; e | b) l'esercizio immediatamente precedente a tale periodo di cui alla lettera a) per quanto riguarda i servizi di cui alla lettera g), secondo comma.»

174 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A INAMOVIBILIDADE
DO REVISOR OFICIAL
DE CONTAS

FILIPA VILA NOVA

Advogada e Mestre em Direito das Empresas e do Trabalho pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da
Empresa (ISCTE-IUL)

INÊS SOARES SIMÃO

Advogada e Mestranda em Direito das Empresas e do Trabalho no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e
da Empresa (ISCTE-IUL)

JOANA FERNANDES

Jurista e Mestranda em Direito das Empresas e do Trabalho no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da
Empresa (ISCTE-IUL)

175 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

O
presente artigo resulta de um trabalho de grupo apresentado, em abril de 2021,
na unidade curricular de Direito das Sociedades Comerciais II, que integra o
plano de estudos do XIV Mestrado em Direito das Empresas e do Trabalho, le-
cionado no Departamento de Economia Política da Escola de Ciências Sociais e
Humanas do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE-
IUL), sob a orientação do Senhor Professor Doutor Luís Vasconcelos Abreu.

Inclui algumas notas relativas às alterações legislativas introduzidas pela


Lei n.º 99-A/2021, de 31 de dezembro, ao Estatuto da Ordem dos Revisores
Oficiais de Contas, aprovado pela Lei n.º 140/2015, de 7 de setembro, à Lei n.º
148/2015, de 9 de setembro, e ao Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria,
aprovado pela Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro. l

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. ATOS PRÓPRIOS E EXCLUSIVOS DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS –


FUNÇÕES DE INTERESSE PÚBLICO

3. A FISCALIZAÇÃO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS –


O REVISOR OFICIAL DE CONTAS

4. INAMOVIBILIDADE E ROTAÇÃO DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS –


O PRAZO DO MANDATO

5. CONCLUSÕES 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1. INTRODUÇÃO

O
presente artigo tem como finalidade que, salvo melhor opinião, contraria
abordar, em traços gerais, o regime a legislação aplicável, nomeadamen-
jurídico aplicável à inamovibilidade te normas imperativas do Estatuto
do Revisor Oficial de Contas designa- da Ordem dos Revisores Oficiais
do para o exercício da revisão legal de de Contas, aprovado pela Lei n.º
contas de sociedades comerciais, em 140/2015, de 7 de setembro (EOROC),
especial no que respeita às sociedades pelo que tentaremos humildemente
anónimas e por quotas. defender esta posição.
Intimamente ligados ao prin- Apesar da Lei n.º 99-A/2021, de 31
cípio da inamovibilidade encon- de dezembro, não prever a alteração
tram-se determinados deveres que quanto ao período dos mandatos do
o Revisor Oficial de Contas é obriga- Revisor Oficial de Contas no âmbito
do a respeitar, como é o caso do dever das sociedades comerciais (com ex-
de independência nas suas diversas ceção das entidades de interesse pú-
vertentes. blico), introduz alterações significa-
Conceito diverso da inamovibili- tivas ao EOROC, bem como ao Regime
dade, mas com ele relacionado, está o Jurídico da Supervisão de Auditoria,
da rotação, atualmente aplicável ape- aprovado pela Lei n.º 148/2015, de 9
nas às entidades de interesse público. de setembro (RJSA), pelo que enten-
Fazendo uma breve incursão pe- demos inserir algumas notas rela-
las funções de interesse público exer- tivas àquela no quadro da legislação
cidas pelo Revisor Oficial de Contas, enunciada, tentando conferir-lhe um
tendo em vista compreender o seu caráter atualista.
papel no seio dos diversos tipos de No final, são apresentadas as
sociedades comerciais, será então conclusões dos temas abordados que
tratado o tema relativo aos manda- têm como principal objetivo lançar a
tos, em concreto no que respeita ao discussão acerca dos mesmos, dan-
período temporal. do o nosso humilde contributo para o
Alguma doutrina tem defendido a efeito. l
possibilidade da existência de man-
datos do Revisor Oficial de Contas
sem prazo ou de duração incerta no
âmbito das sociedades por quotas, o

177 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

2. ATOS PRÓPRIOS E EXCLUSIVOS


DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS –
FUNÇÕES DE INTERESSE PÚBLICO

O
s Revisores Oficiais de Contas pra- revisão legal das contas, exercida em
ticam atos próprios e exclusivos no cumprimento de disposição legal ou
exercício das seguintes funções de estatutária; a revisão voluntária de
interesse público: auditoria às con- contas, exercida em cumprimento de
tas; quaisquer outras funções que por vinculação contratual; assim como os
lei exijam a sua intervenção própria e serviços relacionados com a revisão
autónoma sobre determinados factos legal ou voluntária de contas, quando
patrimoniais de empresas ou de ou- tenham uma finalidade ou um âmbi-
tras entidades; e outras funções de to específicos ou limitados, conforme
interesse público que a lei lhes atri- resulta das alíneas a) a c) do artigo
bua com caráter de exclusividade, se- 42.º do EOROC.
gundo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do ar- A opinião do Revisor Oficial de
tigo 41.º do EOROC. Contas sobre as demonstrações fi-
No que respeita à atividade de nanceiras assume, na legislação por-
auditoria às contas, esta integra os tuguesa, a forma de “certificação le-
exames e outros serviços relaciona- gal de contas” ou de “relatório de
dos com as contas de empresas ou de auditoria”, conforme aquela seja re-
outras entidades efetuados de acor- sultado do exercício da revisão legal
do com as normas internacionais de das contas ou da revisão voluntária
auditoria (ISA)1 e normas internacio- de contas, respetivamente3.
nais de controlo de qualidade (ISQC) O Revisor Oficial de Contas de-
2
e outras normas conexas , na medida sempenha as funções de interesse
em que sejam relevantes para a revi- público contempladas no EOROC em
são legal de contas compreendendo a regime de completa independência

1
A anterior redação apenas fazia menção a “normas de auditoria”.
2
Atualmente todas emitidas pelo International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) da International Federation of Accountants (IFAC).
3
Vide os n.ºs 1 e 10 do artigo 45.º do EOROC.

No que respeita à forma e aos elementos essenciais da certificação legal das contas, veja-se o n.º 2 do artigo 45.º do EOROC, bem como o artigo 10.º do Regulamento

(UE) n.º 537/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014 (Regulamento UE), este último no que concerne às entidades de interesse público.

178 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

funcional e hierárquica relativamente às em- mo, «funções de interesse público» são aque-
presas ou outras entidades a quem presta ser- las em que é prevista, em lei ou regulamento,
viços, podendo exercer a sua atividade a títu- nacional ou da União Europeia, a intervenção
lo individual; ou como sócio de uma Sociedade obrigatória ou facultativa de auditor (i), assim
de Revisores Oficiais de Contas; ou sob con- como a auditoria às contas (ii).
trato celebrado com um Revisor Oficial de Para além das funções de interesse público,
Contas em exercício de atividade a título in- os Revisores Oficiais de Contas podem exercer
dividual ou com uma Sociedade de Revisores outras funções, nomeadamente a docência, a
Oficiais de Contas, nos termos conjugados das administração da insolvência e a consultoria
alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 49.º do EOROC. e outros serviços no âmbito de matérias ine-
Aliás, conforme resulta do 5.º parágra- rentes à sua formação e qualificação profis-
fo do preâmbulo do Código de Ética da Ordem sionais, designadamente avaliações, perita-
dos Revisores Oficiais de Contas4, «uma marca gens e arbitragens, estudos de reorganização
distintiva da atividade dos Revisores Oficiais de e reestruturação de empresas e de outras enti-
Contas […] é a sua aceitação da responsabilidade dades, análises financeiras, estudos de viabi-
para agir no interesse público, competindo-lhe, lidade económica e financeira, formação pro-
por isso, ir muito para além da satisfação das ne- fissional, estudos e pareceres sobre matérias
cessidades de um cliente em particular».5 contabilísticas, revisão de declarações fiscais,
Conforme refere LAURA LEAL6, é de sa- elaboração de estudos, pareceres e demais
lientar que o conceito de “funções de interes- apoio e consultoria em matérias fiscais e pa-
se público”, supra explanado, não se confunde rafiscais e revisão de relatórios ambientais e
com o de “entidade de interesse público”7. de sustentabilidade, desde que realizadas com
Ainda, estabelece a alínea j) do n.º 1 do autonomia hierárquica e funcional, tudo nos
artigo 2.º do RJSA que, para efeitos do mes- termos do artigo 48.º do EOROC. l

4
Regulamento 551/2011, de 14 de outubro, disponível in https://www.oroc.pt/Uploads/Files/CodigoEtica2011.pdf
5
No mesmo sentido, veja-se a norma 100.1 A1 do International Code of Ethics for Professional Accountants (including International Independence Standards) do International Ethics Standards Board for

Accountants (IESBA), 2018, publicado pelo IFAC, p. 16, disponível em https://www.ifac.org/system/files/publications/files/IESBA-Handbook-Code-of-Ethics-2018.pdf


6
In «Algumas Notas sobre as Limitações Temporais do Mandato dos Revisores Oficiais de Contas / Sociedades de Revisores Oficiais de Contas de Entidades de Interesse Público», Cadernos do Mercado

de Valores Mobiliários n.º 55, Edição Especial sobre Auditoria, 2016, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), p. 89, disponível em

https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Pages/Cadernos-do-mercado-de-valores-mobiliarios.aspx?pg
7
Para efeitos do RJSA, são qualificadas como entidades de interesse público todas as indicadas nas alíneas a) a l) do seu artigo 3.º. Da nova redação do artigo 3.º resulta uma significativa diminuição

daquelas, a saber: as empresas de investimento (revogação da alínea c)), os organismos de investimento coletivo sob forma contratual e societária, previstos no regime geral de categorias de entida-

des de interesse público, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (revogação da alínea d)), as sociedades de capital de risco, as sociedades de investimento em capital de risco e os fundos de

capital de risco, previstos no Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, aprovado pela Lei n.º 18/2015, de 4 de março (revogação da alínea e)), as so-

ciedades de investimento alternativo especializado e os fundos de investimento alternativo especializado, previstos no Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento

Especializado, aprovado pela Lei n.º 18/2015, de 4 de março (revogação da alínea f)), as sociedades de titularização de créditos e os fundos de titularização de créditos (revogação da alínea g)) e

as empresas públicas que, durante dois anos consecutivos, apresentem um volume de negócios superior a €50.000.000, ou um ativo líquido total superior a €300.000.000 (revogação da alínea l)).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

3. A FISCALIZAÇÃO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS –


O REVISOR OFICIAL DE CONTAS

«O órgão de fiscalização não existe tração executivo, um conselho geral e


(como órgão típico) nalgumas socieda- de supervisão e um Revisor Oficial de
des, pode existir noutras, e tem de existir Contas.
em outras».8 A primeira modalidade acima

N
referida, também denominada de
a verdade, a lei não prevê a existência “clássica”, “monista”, “latina” ou
de um órgão de fiscalização nas so- “tradicional”, atribui a administra-
ciedades em nome coletivo nem nas ção da sociedade a um conselho de
sociedades em comandita simples.9 administração e a fiscalização a um
Relativamente às sociedades conselho fiscal. Porém, conforme re-
anónimas, estabelece a alínea g) do sulta do n.º 2 do artigo 278.º do CSC,
artigo 272.º do Código das Sociedades ao invés do conselho de administra-
Comerciais, aprovado pelo Decreto- ção pode existir um administrador
Lei n.º 262/86, de 2 de setembro único, desde que o capital social não
(CSC), que do contrato de sociedade seja superior a 200.000,00€ (duzen-
deve especialmente constar a estru- tos mil Euros), nos termos do n.º 2 do
tura adotada para a administração e artigo 390.º do CSC, assim como ao
fiscalização da sociedade, resultan- invés do conselho fiscal pode exis-
do do n.º 1 do artigo 278.º do mesmo tir um fiscal único que seja Revisor
diploma legal que a administração Oficial de Contas ou Sociedade de
e a fiscalização da sociedade podem Revisores Oficiais de Contas, nos ter-
ser estruturadas por um conselho de mos da primeira parte da alínea a) do
administração e um conselho fiscal; n.º 1 do artigo 413.º do CSC.
ou por um conselho de administra- Caso a fiscalização caiba a um
ção, compreendendo uma comissão conselho fiscal, a sociedade anóni-
de auditoria e um Revisor Oficial de ma pode igualmente repartir a com-
Contas; ou um conselho de adminis- petência em causa por um Revisor

8
ABREU, J. M. C. (2021) in Curso de Direito Comercial, Das Sociedades, Volume II, 7.ª edição, Almedina, p. 71.
9
Acerca do órgão de fiscalização das sociedades em comandita por ações, vide nomeadamente RAMOS, M. E. (2019) in Comentário ao artigo 478.º do Código das

Sociedades Comerciais, Coord. ABREU, J. M. C., Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume VI (artigos 373.º a 480.º), 2.ª edição, Almedina, pp. 1167 a 1171.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

Oficial de Contas ou por uma Sociedade de Revisor Oficial de Contas, nos termos das alí-
Revisores Oficiais de Contas, desde que estes neas m), n) e o) do n.º 1 do artigo 423.º-F do
não integrem aquele10, também conhecido por CSC, respetivamente.
“modelo clássico reforçado” ou “modelo lati- Segundo o n.º 4 do artigo 423.º-B do CSC,
no reforçado” (veja-se a alínea b) do n.º 1 do no caso das sociedades emitentes de valores
artigo 413.º do CSC). Esta faculdade concedida mobiliários admitidos à negociação em mer-
às sociedades anónimas é facultativa, nos ter- cado regulamentado ou das sociedades que
mos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, ex- preencham os requisitos mencionados na alí-
ceto para as sociedades que sejam emitentes nea a) do n.º 2 do artigo 413.º do mesmo diplo-
de valores mobiliários admitidos à negociação ma legal, a comissão de auditoria deve incluir,
em mercado regulamentado e para as socie- pelo menos, um membro que tenha curso su-
dades que, não sendo totalmente dominadas perior adequado ao exercício das suas funções
por outra sociedade que adote este modelo, e conhecimentos em auditoria ou contabilida-
durante dois anos consecutivos, ultrapassem de e que, nos termos do n.º 5 do artigo 414.º do
dois dos seguintes limites: CSC, seja independente.
— total do balanço: 20.000.000,00€; O n.º 5 do artigo 278.º do CSC prevê que as
— total das vendas líquidas e outros provei- sociedades com administrador único não po-
tos: 40.000.000,00€; dem adotar a modalidade em apreço.
— número de trabalhadores empregados em Quanto à terceira modalidade acima iden-
média durante o exercício: 250.11 tificada, respeitante a um conselho de admi-
A segunda modalidade prevista, que con- nistração executivo, um conselho geral e de
siste na existência de um conselho de admi- supervisão e um Revisor Oficial de Contas,
nistração, compreendendo uma comissão de apelidada de “dualista” ou “germânica”, per-
auditoria e um Revisor Oficial de Contas, é mite que, ao invés do conselho de administra-
também denominada de “anglo-saxónica” ou ção, tenhamos um administrador executivo
“monista”, sendo que resulta do n.º 1 do arti- único, caso o capital social não seja superior
go 423.º-B do CSC que «a comissão de auditoria a 200.000,00€ (duzentos mil Euros), nos ter-
a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 278.º mos do n.º 2 do artigo 424.º do CSC. Por seu
é um órgão da sociedade composto por uma par- turno, não é permitido um órgão de composi-
te dos membros do conselho de administração». ção singular em substituição do conselho ge-
À comissão de auditoria compete nomea- ral e de supervisão.
damente propor a nomeação do Revisor Oficial No que concerne às sociedades emitentes
de Contas à assembleia geral, fiscalizar a revi- de valores mobiliários admitidos à negociação
são de contas e fiscalizar a independência do em mercado regulamentado ou que ultrapas-

10
«Um ROC ou uma SROC fora do conselho fiscal diminui os riscos de auto-revisão (e, em certa medida, de “familiaridade”). Tanto mais que nem sequer é o conselho fiscal que nomeia o ROC ou a SROC,

apenas apresentando uma proposta (art. 420.º, 2,b)). Além disso, o conselho fiscal irá fiscalizar a própria revisão de contas (art.420.º, 2, c)) e fiscalizar a independência do ROC (art.420.º, 2, d))» - MARTINS,

A. S. (2018) in Comentário ao artigo 278.º do Código das Sociedades Comerciais, Coord. ABREU, J. M. C., Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V (artigos 271.º a 372.º-B), 2.ª edição,

Almedina, p. 128.
11
Tudo nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 413.º do CSC.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

sem os limites estabelecidos na alínea a) do que a comissão para as matérias financeiras


n.º 2 do artigo 413.º do CSC, o conselho geral tem de incluir, pelo menos, um membro que
e de supervisão tem o dever de constituir uma tenha curso superior adequado ao exercício
comissão para as matérias financeiras, espe- das suas funções e conhecimentos em audito-
cificamente dedicada ao exercício das seguin- ria ou contabilidade e que seja independente,
tes funções12: nos termos do n.º 5 do artigo 414.º daquele di-
- Verificar, quando o julgue conveniente ploma legal. Caso estejamos perante socieda-
e pela forma que entenda adequada, a regu- des emitentes de ações admitidas à negocia-
laridade dos livros, registos contabilísticos ção em mercado regulamentado, os membros
e documentos que lhes servem de suporte, da comissão em causa devem, na sua maioria,
assim como a situação de quaisquer bens ou ser independentes, conforme resulta do n.º 6
valores possuídos pela sociedade a qualquer do artigo 444.º do CSC.
título; Relativamente às entidades de interesse
— Verificar se as políticas contabilísticas e os público, o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 148/2015,
critérios valorimétricos adotados pela so- de 9 de setembro, prevê que aquelas «[…] ado-
ciedade conduzem a uma correta avalia- tam um dos modelos de administração e fiscali-
ção do património e dos resultados; zação previstos no n.º 1 do artigo 278.º do Código
— Dar parecer sobre o relatório de gestão e das Sociedades Comerciais, sendo aplicável, no
as contas do exercício; caso do modelo previsto na alínea a) do referido
— Fiscalizar a eficácia do sistema de ges- artigo, o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo
tão de riscos, do sistema de controlo in- 413.º do mesmo Código».
terno e do sistema de auditoria interna, se Independentemente do modelo adota-
existentes; do pelas entidades de interesse público, sem
— Receber as comunicações de irregularida- prejuízo de outras exigências legais aplicáveis
des apresentadas por acionistas, colabo- em razão do setor de atividade, do tipo socie-
radores da sociedade ou outros; tário ou de outras especificidades, o órgão de
— Fiscalizar o processo de preparação e de fiscalização daquelas está sujeito, pelo me-
divulgação de informação financeira; nos, aos seguintes requisitos de composição
— Propor à assembleia geral a nomeação do (cumulativos):
Revisor Oficial de Contas; — Deve incluir, pelo menos, um membro que
— Fiscalizar a revisão de contas aos docu- tenha habilitação académica adequada ao
mentos de prestação de contas da socie- exercício das suas funções e conhecimen-
dade; e tos em auditoria ou contabilidade;
— Fiscalizar a independência do Revisor — Os seus membros devem ter, no seu con-
Oficial de Contas, designadamente no to- junto, formação e experiência prévias para
cante à prestação de serviços adicionais.13 o setor em que opera a entidade; e
O n.º 5 do artigo 444.º do CSC estabelece — A maioria dos seus membros, incluindo o

12
O que resulta do n.º 2 do artigo 444.º do CSC.
13
Vide as alíneas f) a o) do n.º 1 do artigo 441.º, aplicáveis ex vi n.º 2 do artigo 444.º, todos do CSC.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

seu presidente, deve ser considerada in- tificadamente a preferência por um deles, nos
dependente, nos termos do n.º 5 do artigo termos do artigo 16.º do Regulamento UE.
414.º do CSC.14 A fiscalização orgânica nas sociedades por
De entre os deveres do órgão de fiscaliza- quotas tem caráter excecional, podendo o con-
ção das entidades de interesse público, resul- trato de sociedade determinar que esta tenha
tantes nomeadamente das alíneas a) a f) do um conselho fiscal, que se rege pelo disposto
n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 148/2015, de 9 de a esse respeito para as sociedades anónimas,
setembro, destacamos o de verificar e acom- conforme resulta do n.º 1 do artigo 262.º do
panhar a independência do Revisor Oficial de CSC15. No entanto, se durante dois anos conse-
Contas ou da Sociedade de Revisores Oficiais cutivos forem ultrapassados dois dos três li-
de Contas nos termos legais, incluindo o ar- mites enunciados nas alíneas a) a c) do n.º 2 do
tigo 6.º do Regulamento UE e, em especial, artigo 262.º do CSC, a fiscalização da socieda-
verificar a adequação e aprovar a prestação de por quotas torna-se obrigatória e é assegu-
de outros serviços, para além dos serviços de rada in casu pelo conselho fiscal, caso exista,
auditoria, nos termos do artigo 5.º do mes- ou por Revisor Oficial de Contas designado pe-
mo Regulamento; assim como o de selecionar los sócios ou, no limite, nomeado pela Ordem
os Revisores Oficiais de Contas ou Sociedades dos Revisores Oficiais de Contas ou pelo tribu-
de Revisores Oficiais de Contas a propor à as- nal, tudo nos termos do n.º 4 do artigo 262.º
sembleia geral para eleição e recomendar jus- do CSC.16 l

14
Os requisitos enunciados resultam das alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro.
15
Como alerta DIAS, G. F. (2017) in Comentário ao artigo 262.º do Código das Sociedades Comerciais, Coord. ABREU, J. M. C., Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume IV (artigos 246.º a

270.º-G), 2.ª edição, Almedina, p. 197: «a leitura que dessa remissão deve ser feita deve contudo ter em consideração um princípio de proporcionalidade que permita adequar as exigências que justifica-

damente são feitas para as sociedades anónimas, em razão da sua dimensão e complexidade, mas também e sobretudo em razão dos riscos que importam para os sócios e para o mercado em geral, mas

que podem não relevar na maioria das sociedades por quotas e sobretudo quando a instituição de um conselho fiscal seja opcional […]».
16
Acerca do órgão de fiscalização das sociedades unipessoais por quotas, veja-se, a título de exemplo, MENESES, G. (2011), Responsabilidade solidária dos membros dos órgãos de fiscalização por actos

e omissões dos gestores das sociedades comerciais, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 71, Vol. 4 (Outubro-Dezembro 2011), Ordem dos Advogados, pp. 13 e 14.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

4. INAMOVIBILIDADE E ROTAÇÃO DO REVISOR


OFICIAL DE CONTAS – O PRAZO DO MANDATO

N
o que respeita à designação dos cia, de forma a evitar conclusões que
Revisores Oficiais de Contas para o coloquem em causa a integridade, a
exercício da revisão legal das contas, objetividade ou o ceticismo profis-
o n.º 1 do artigo 54.º do EOROC esta- sional, conforme resulta nomeada-
belece que aqueles «[…] são inamoví- mente do artigo 71.º do EOROC e da
veis antes de terminado o mandato ou, secção 1 do capítulo 4 do Código de
na falta de indicação deste ou de dispo- Ética da Ordem dos Revisores Oficiais
sição contratual, por períodos de quatro de Contas.
anos, salvo com o seu expresso acordo, Na verdade, devemos ter presen-
manifestado por escrito, ou verificada te que a opinião do Revisor Oficial de
justa causa arguível nos termos pre- Contas tem como finalidade aumen-
vistos no CSC e na legislação respeti- tar o grau de confiança dos destinatá-
va para as demais empresas ou outras rios das demonstrações financeiras,
entidades». conforme resulta nomeadamente do
A inamovibilidade está intima- parágrafo 3.º da ISA 20017, sendo re-
mente relacionada com o dever de conhecido como um gatekeeper.18
independência que o Revisor Oficial No que concerne às sociedades
de Contas deve observar, no exercí- anónimas, o n.º 1 do artigo 415.º do
cio das suas funções, relativamente CSC estabelece que o Revisor Oficial
à entidade auditada, compreenden- de Contas é eleito pela assembleia ge-
do a independência da mente, tendo ral, pelo período estabelecido no con-
em vista a elaboração de uma opinião trato de sociedade, mas não superior
sem ser afetado por influências que a quatro anos e, na falta de indica-
comprometam o julgamento profis- ção do período por que foi eleito, en-
sional, e a independência na aparên- tende-se que a nomeação é feita por

17
Vide IAASB, 2018, Manual das Normas Internacionais de Controlo de Qualidade, Auditoria, Revisão, Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade e Serviços Relacionados,

Parte I, IFAC, traduzido e republicado pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, p. 88.
18
COFFEE, J. C. (2001) in The Acquiescent Gatekeeper: Reputational Intermediaries, Auditor Independence and the Governance of Accounting, disponível em

https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=270944

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

quatro anos.19 ficarem durante dois anos consecutivos, con-


Também o n.º 2 do artigo 446.º do CSC es- forme resulta do n.º 3 do artigo 262.º do CSC.
tabelece que a designação do Revisor Oficial de Portanto, conforme refere GABRIELA
Contas é feita por tempo não superior a 4 anos. FIGUEIREDO DIAS21 «[…] é pertinente questio-
Daqui se pode concluir que, quer o EOROC, nar, perante o silêncio da lei, se é admissível a
quer o CSC, estão em conformidade quanto à designação do revisor oficial de contas sem es-
norma supletiva de quatro anos, em caso de tabelecimento de prazo e sem que seja necessá-
omissão do prazo da designação do Revisor rio fazer intervir aquelas normas a título de dis-
Oficial de Contas, para além da possibilidade positivos supletivos: se não for determinado um
de fixação de um prazo sem limite mínimo, prazo, deve entender-se que o revisor oficial de
mas nunca superior a 4 anos. contas se encontra mandatado até que ocorra a
Ao contrário do que sucede para as socie- circunstância prevista no artigo 262.º, 3 – isto é,
dades anónimas, o legislador não estabeleceu quando deixem de estar preenchidos os pressu-
um limite máximo (nem mínimo) para o man- postos que determinam a fiscalização obrigató-
dato do Revisor Oficial de Contas nas socie- ria – ou até que, de outro modo, os sócios enten-
dades por quotas, não remetendo, quanto ao dam proceder à sua substituição? […]».
prazo, para o regime previsto para aquelas.20 O n.º 1 do artigo 53.º do EOROC dispõe: «o
Por outro lado, o n.º 1 do artigo 54.º do revisor oficial de contas só pode exercer audito-
EOROC, aplicável a qualquer tipo societário, ria às contas após a celebração, no prazo má-
não refere limites mínimos nem limites má- ximo para aceitação da designação previsto no
ximos para o mandato do Revisor Oficial de n.º 5 do artigo 50.º, de contrato escrito de pres-
Contas, estabelecendo apenas uma regra su- tação de serviços, que pode seguir o modelo fi-
pletiva de quatro anos, quando aquele ou dis- xado pela Ordem», sendo a duração do serviço
posição contratual sejam omissos quanto ao um dos elementos essenciais daquele contra-
prazo da designação, para além da inamovibi- to, nomeadamente nos termos do ponto 3.2.4.
lidade antes de terminado o mandado (inde- da secção 2 do Capítulo 3 do Código de Ética
pendentemente da sua duração). da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, a
A designação do Revisor Oficial de Contas propósito da aceitação do cliente.
deixará de ser necessária se a sociedade passar Para além disso, o n.º 3 do artigo 59.º do
a ter conselho fiscal ou se dois dos três requi- EOROC, relativo aos honorários, refere que
sitos fixados no número anterior não se veri- estes têm em conta critérios de razoabilidade

19
A este propósito veja-se, a título de exemplo, DIAS, G. F. (2019) in Comentário ao artigo 415.º do Código das Sociedades Comerciais, Coord. ABREU, J. M. C., Código das Sociedades Comerciais em

Comentário, Volume VI (artigos 373.º a 480.º), 2.ª edição, Almedina, pp. 606 e 607: «O período de duração do mandato dos titulares de funções de fiscalização pode ser livremente estabelecido pelo contrato

de sociedade ou pela assembleia geral, na mesma deliberação em que elege os sujeitos em causa, devendo todavia respeitar o limite máximo de 4 anos. Subsidiariamente, é também de 4 anos o período

fixado para a duração do mandato caso o contrato e a deliberação da assembleia geral sejam omissos quanto a este aspeto. Os estatutos podem, assim, fixar um prazo inferior a 4 anos […]» e CUNHA, P.

O. (2021) in Direito das Sociedades Comerciais, 7.ª edição, Almedina, p. 926: «[...] o revisor oficial de contas é um órgão - designado para um mandato máximo de quatro anos [...]».
20
Ibidem, pp. 791 e 792.
21
in Comentário ao artigo 262.º do Código das Sociedades Comerciais, Coord. ABREU, J. M. C., Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume IV (artigos 246.º a 270.º-G), 2.ª edição, (2017),

Almedina, p. 202

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

que atendam, em especial, à natureza, exten- Não obstante a inexistência de limites le-
são, profundidade e tempo do trabalho neces- gais quanto ao prazo do mandato do Revisor
sário à execução de um serviço de acordo com Oficial de Contas, não deve ser descura-
as normas relativas a auditores e os princípios do o dever da independência, alertando para
éticos aplicáveis, o que pressupõe, salvo me- as ameaças de familiaridade ou intimidação
lhor opinião, o prévio conhecimento da dura- criada por relações nomeadamente pessoais
ção do mandato para o efeito. que possam influenciar o resultado da revisão
Ainda, a este propósito, reiteramos a exis- legal das contas.23/24
tência do princípio da inamovibilidade e do Questão diversa é a de saber se existe
dever de independência, sem os quais a opi- obrigatoriedade de rotação do Revisor Oficial
nião do Revisor Oficial de Contas pode ser de Contas quer nas sociedades anónimas, quer
afetada por influências que comprometam o nas sociedades por quotas.
julgamento profissional, a integridade, a ob- Nem o CSC nem o EOROC estabelecem a
jetividade ou o ceticismo profissional, reti- obrigatoriedade de rotação do Revisor Oficial
rando-lhe a sua finalidade, que consiste em de Contas nas sociedades anónimas e/ou nas
aumentar o grau de confiança dos destinatá- sociedades por quotas, fazendo-o apenas no
rios das demonstrações financeiras. que respeita às entidades de interesse público
Deste modo, rejeitamos a ideia de que não quando aquele é designado para o exercício da
há necessidade de estabelecer uma duração revisão legal das contas destas, nos termos do
para o mandato do Revisor Oficial de Contas e n.º 2 do artigo 54.º do EOROC.25
de que a designação deste se possa fazer sem Por outras palavras, findo o mandato
prazo ou ter duração incerta. Pelo contrário, do Revisor Oficial de Contas nas sociedades
defendemos que o mandato deve estabelecer anónimas e nas sociedades por quotas, este
o período durante o qual o Revisor Oficial de pode ser imediatamente designado para novo
Contas é inamovível, não existindo atualmen- mandato, cujo prazo tem de ser certo, sob pena
te, nos termos legais, período mínimo nem de aplicação da norma supletiva que estabele-
período máximo, aplicando-se supletivamen- ce o período de 4 anos: n.º 1 in fine do artigo
te o período de quatro anos estabelecido no n.º 415.º do CSC e n.º 1 do artigo 54.º do EOROC,
1 do artigo 54.º do EOROC em caso de omissão. respetivamente. l

22
No sentido da designação sem prazo, veja-se, a título de exemplo, CUNHA, P. O. (2021), Direito das Sociedades Comerciais, 7.ª edição, Almedina, pp. 793 e 794.
23
Vide o n.º 3 do artigo 71.º do EOROC, as alíneas d) e e) do ponto 3.1.3 da secção 1 do capítulo 3 do Código de Ética da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e parágrafos A29 a A32 da ISA 260 do

Manual das Normas Internacionais de Controlo de Qualidade, Auditoria, Revisão, Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade e Serviços Relacionados, Parte I, do IAASB, publicado pelo IFAC, 2018, traduzido

e republicado pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, pp. 267 e 268.
24
A este propósito, somos a indicar uma das recomendações da CMVM no âmbito da supervisão do controlo de qualidade executado pela OROC: «a realização de ações pontuais de controlo de qualidade

baseadas em indícios de irregularidades em termos de qualidade da auditoria ou de independência dos auditores (exemplos: honorários muito baixos, mandatos demasiado prolongados)» - ponto 2.2.3 do

Relatório de Supervisão de Auditoria 2019/2020 (“Resultados Globais do Sistema de Controlo de Qualidade da Auditoria 2019/2020”), setembro de 2020, CMVM, p. 27, disponível in

https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/Publicacoes/relat%C3%B3rio_auditoria/Documents/CMVM%20-%20Relat%C3%B3rio%20de%20Supervis%C3%A3o%20de%20

Auditoria_2019_2020.pdf
25
Para mais desenvolvimentos acerca da utilidade, vantagens e desvantagens da rotação veja-se, a título de exemplo, GONÇALVES, M. D. N. (2019), Rotação de Auditores e Governo da Sociedade, Working

Paper No. 2/2019, Governance Lab, pp. 14 a 19, disponível em https://governancelab.org/wp-content/uploads/2019/09/190917_GOVLAB_WP_2_2019_ROTACAO-DE-AUDITORES_vf.pdf

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

5. CONCLUSÕES

O
presente artigo tem como objetivo novo mandato, cujo prazo tem de ser
principal demonstrar que a inamovi- certo, sob pena de aplicação da norma
bilidade do Revisor Oficial de Contas é supletiva que estabelece o período de
um princípio fundamental no âmbito 4 anos.
do exercício das suas funções de in- A Lei n.º 99-A/2021, de 31 de de-
teresse público, mormente a revisão zembro, não parece, salvo melhor
legal das contas/auditoria às contas, opinião, introduzir alterações no
e, como tal, requer que o seu man- que respeita ao tema principal aqui
dato seja definido a priori em termos abordado, apesar de reformular a re-
temporais, mesmo nas sociedades dação ao disposto no artigo 54.º do
por quotas – é isto que resulta da lei EOROC, revogando os seus n.ºs 4 a
e da aplicação de determinados deve- 6, relativos à prorrogação excecional
res éticos, como é o caso do dever da do período máximo do mandato do
independência. Revisor Oficial de Contas nas entida-
Para além disso, abordámos des de interesse público, bem como
também o conceito de rotação, ape- do cooling-off period ali previsto.
nas aplicável às entidades de interes- Por último, salientamos que a
se público, nos termos do EOROC. pretensão do presente artigo não é a
Deste modo, concluímos que, de encerrar o tratamento das maté-
findo o mandato do Revisor Oficial rias trazidas à colação, mas a de lan-
de Contas nas sociedades anónimas e çar a discussão acerca das mesmas,
nas sociedades por quotas, este pode dando o nosso humilde contributo
ser imediatamente designado para para o efeito.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Jorge Manuel Coutinho de - Curso de Direito Comercial, Das Sociedades, Volume II,
7.ª edição, 2021, Almedina

COFFEE, John C. - The Acquiescent Gatekeeper: Reputational Intermediaries, Auditor


Independence and the Governance of Accounting, 2001, disponível em
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=270944

Comissão do Mercado de Valores Mobiliários - Relatório de Supervisão de Auditoria


2019/2020 (“Resultados Globais do Sistema de Controlo de Qualidade da Auditoria 2019/2020”),
setembro de 2020, disponível em
https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/Publicacoes/
relat%C3%B3rio_auditoria/Documents/CMVM%20-%20Relat%C3%B3rio%20de%20
Supervis%C3%A3o%20de%20Auditoria_2019_2020.pdf

CUNHA, Paulo Olavo - Direito das Sociedades Comerciais, 7.ª edição, 2021, Almedina

DIAS, Gabriela Figueiredo - Comentário ao artigo 262.º do Código das Sociedades


Comerciais, Coord. ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Código das Sociedades Comerciais
em Comentário, Volume IV (artigos 246.º a 270.º-G), 2.ª edição, 2017, Almedina

DIAS, Gabriela Figueiredo - Comentário ao artigo 415.º do Código das Sociedades


Comerciais, Coord. ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Código das Sociedades Comerciais
em Comentário, Volume VI (artigos 373.º a 480.º), 2.ª edição, 2019, Almedina

GONÇALVES, Manuel Duarte Neves - Rotação de Auditores e Governo da Sociedade, Working


Paper No. 2/2019, 2019, Governance Lab, disponível em
https://governancelab.org/wp-content/
uploads/2019/09/190917_GOVLAB_WP_2_2019_ROTACAO-DE-AUDITORES_vf.pdf

International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) - Manual das Normas
Internacionais de Controlo de Qualidade, Auditoria, Revisão, Outros Trabalhos de Garantia
de Fiabilidade e Serviços Relacionados, Parte I, publicado pelo International Federation of
Accountants (IFAC), 2018, traduzido e republicado pela Ordem dos Revisores Oficiais de
Contas

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A INAMOVIBILIDADE DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

International Ethics Standards Board for Accountants (IESBA) - International Code of Ethics
for Professional Accountants (including International Independence Standards), publicado
pelo International Federation of Accountants (IFAC), 2018, disponível em
https://www.ifac.org/system/files/publications/files/IESBA-Handbook-Code-of-
Ethics-2018.pdf

LEAL, Laura - Algumas Notas sobre as Limitações Temporais do Mandato dos Revisores
Oficiais de Contas / Sociedades de Revisores Oficiais de Contas de Entidades de Interesse
Público, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários n.º 55, Edição Especial sobre Auditoria,
2016, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, disponível em
https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/
CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Pages/Cadernos-do-mercado-de-valores-
mobiliarios.aspx?pg

MARTINS, Alexandre de Soveral - Comentário ao artigo 278.º do Código das Sociedades


Comerciais, Coord. ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Código das Sociedades Comerciais
em Comentário, Volume V (artigos 271.º a 372.º-B), 2.ª edição, 2018, Almedina

MENESES, Gonçalo - Responsabilidade solidária dos membros dos órgãos de fiscalização por
actos e omissões dos gestores das sociedades comerciais, Revista da Ordem dos Advogados,
Ano 71, Vol. 4 (Outubro-Dezembro 2011), Ordem dos Advogados

RAMOS, Maria Elisabete - Comentário ao artigo 478.º do Código das Sociedades


Comerciais, Coord. ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Código das Sociedades Comerciais
em Comentário, Volume VI (artigos 373.º a 480.º), 2.ª edição, 2019, Almedina

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A DISPONIBILIDADE
DOS PORTUGUESES
PARA
INVESTIMENTOS
SUSTENTÁVEIS

VICTOR MENDES*

CMVM - COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

CEFAGE - UE, UNIVERSIDADE DE ÉVORA

CICEE – CENTRO DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÓMICAS


E EMPRESARIAIS

* As opiniões expressas neste artigo são as do autor, não refletindo posições oficiais da CMVM.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1. INTRODUÇÃO

O
crescimento de produtos e serviços tável foram colocadas junto de inves-
financeiros que incorporam carac- tidores institucionais.
terísticas de sustentabilidade (SRI – Os investidores institucionais
Socially Responsible Invesments) tem têm investido mais em produtos ESG
sido intenso. Com efeito, na Europa, do que os investidores de retalho,
na primeira metade de 2021 assistiu- mas o envolvimento ativo dos inves-
-se a um crescimento de 20% do va- tidores de retalho é cada vez maior e
lor sob gestão coletiva de fundos de pode constituir uma fonte importan-
investimento ESG1 (que atingiu cerca te do crescimento futuro da procura
de 1,5 biliões de euros) e de 40% do por produtos e serviços financeiros
valor vivo de instrumentos de dívida sustentáveis. Não obstante, pouco se
com características ESG (que atingiu sabe sobre o conhecimento e as pre-
888 mil milhões de euros).2 ferências dos investidores individuais
Em Portugal, existiam seis fun- em Portugal. Tanto quanto se conse-
dos de investimento com a sigla guiu apurar, apenas Silva e Mendes
“ESG” na respetiva designação no fi- (2020) estudam o perfil do investidor
nal de agosto de 2021. Estes fundos de português em fundos de investimen-
investimento detinham 481 milhões to sustentáveis, concentrando a sua
de euros sob gestão, o que correspon- análise nas características sociode-
de a um crescimento de 24% em rela- mográficas e de experiência financei-
ção ao final de 2020. No que respeita à ra desses investidores.
emissão de dívida sustentável, 10 so- O objetivo central deste estudo é
ciedades tinham emitido dívida com distinto. Assim, não só se procuram
características ESG nos primeiros dez identificar as características dos in-
meses de 2021, num montante global divíduos, investidores ou não, que os
que rondava os 3 mil milhões de eu- possam levar a manifestar preferên-
3
ros. Estas emissões de dívida susten- cia por sustentabilidade e em simul-

1
ESG provém da designação anglo-saxónica Environment, Society e Governance.
2
Fonte: ESMA (https://www.esma.europa.eu/sites/default/files/library/esma50-165-1842_trv2-2021.pdf).
3
Fonte: CMVM (2022).

191 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

tâneo a preterir a rentabilidade, mas também estatístico, é igualmente diferente para uns e
se avalia o impacto das fontes e tipos de in- outros.
formação utilizados e ainda o impacto de fa- No entanto, no que respeita aos valores e
tores não económicos na tomada de decisão atitudes, os resultados são muito semelhan-
dos (não)investidores. Beal et al. (2005), por tes para investidores e não investidores. Com
exemplo, concluem que menos da metade dos efeito, quanto maior a tolerância ao risco, me-
investidores consideram a maximização da nor a sensibilidade para as questões da sus-
respetiva riqueza como o fator mais impor- tentabilidade ambiental e maior a importân-
tante nas suas decisões de investimento. Neste cia da rentabilidade esperada na decisão de
quadro, afigura-se relevante investigar os fa- investir. Por outro lado, indivíduos que reti-
tores não económicos que possam contribuir ram mais prazer em gastar dinheiro do que em
para a tomada de decisões financeiras relacio- poupar para o futuro preferem lucros a sus-
nadas com sustentabilidade, pelos investido- tentabilidade ambiental, enquanto que níveis
res e não investidores em Portugal. mais elevados de valores pós-materiais estão
A análise efetuada permite concluir que a associados a preferências mais fortes por in-
sensibilidade dos portugueses para as ques- vestimentos sustentáveis. Finalmente, no que
tões da sustentabilidade é diferente em inves- diz respeito à confiança, fator determinante
tidores e não investidores, não só no que res- dos comportamentos individuais e da toma-
peita às fontes usadas, mas também no que da de decisão, os indivíduos que confiam nos
toca aos temas sobre os quais procuram infor- outros têm maior probabilidade de efetuar in-
mação. Os investidores são mais influenciados vestimentos sustentáveis.
pela informação que obtêm nos jornais, e os Este texto está organizado do seguin-
não investidores são mais influenciados pela te modo: a seção 2 descreve a amostra usada
informação obtida nos contactos sociais com neste estudo e a seção 3 apresenta a metodo-
a família e os amigos e ainda nas informações logia adotada. Na seção 4 apresentam-se os
divulgadas pelas empresas. A influência da in- resultados obtidos e na última seção são apre-
ternet, embora menos forte do ponto de vista sentadas as conclusões principais.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

2. AMOSTRA

A
base de dados usada neste estudo bilidade, uma vez que estes inqué-
é baseada num inquérito da CMVM ritos decorreram em pleno período
à população Portuguesa (incluin- pandémico.4
do continente e ilhas), que, numa Na primeira fase do inquérito fo-
primeira fase, foi realizado entre 5/ ram efetuados 15 173 contactos, que
out/2020 e 12/nov/2020. A amostra, permitiram identificar 9 969 entre-
estratificada por género, idade, re- vistados que eram decisores ou co-
gião e dimensão da localidade, in- decisores, nos respetivos agregados
cluiu cerca de 10 000 pessoas com 18 familiares, em matérias de natureza
ou mais anos, e as entrevistas foram financeira. Estes entrevistados res-
efetuadas através de Computer Aided ponderam a um pequeno questioná-
Telephone Interviews (CATI) para te- rio, que permitiu identificar aqueles
lefones fixos e móveis. Esta fase per- que (não) tinham aplicações em va-
mitiu identificar investidores e não lores mobiliários e/ou outros produ-
investidores em valores mobiliá- tos financeiros.
rios. Numa segunda fase, que decor- Na segunda fase do inquérito fo-
reu entre 19/out/2020 e 22/jan/2021, ram entrevistadas 2 207 pessoas,
sub-amostras representativas de não das quais 706 detinham valores mo-
investidores e de investidores fo- biliários no momento do inquérito
ram inquiridos através de Computer (Tabela 1). Uns e outros responderam
Assisted Personal Interviews (CAPI), a um conjunto de perguntas comuns e
Computer Assisted Web Interviewing a perguntas específicas para cada um
(CAWI) ou CATI, consoante a possi- dos grupos.

4
O inquérito foi financiado pela Comissão Europeia. Detalhes sobre o inquérito podem ser encontrados em

Financial literacy for investors in the securities market in Portugal.pdf (cmvm.pt).

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

TABELA 1: AMOSTRA

Inquiridos 1ª fase Inquiridos 2ª fase

Número % Número %

Investidores 2 722 27,3 706 32,0


Não investidores 7 247 72,7 1 501 68,0
Total 9 969 100,0 2 207 100,0

Este texto analisa as respostas à única rências recentes.


questão do inquérito relacionada com sus- Não obstante, discordar da afirmação
tentabilidade: “Numa escala de 1 a 5, em que 1 contida naquela questão significa aceitar, ou
(concordo totalmente), 2 (concordo), 3 (não con- concordar, que é mais importante investir em
cordo, nem discordo), 4 (discordo) e 5 (discordo empresas que minimizam o respetivo impacto
totalmente), diga como se identifica com a afir- ambiental mesmo que tal signifique prescindir
mação: Penso que é mais importante investir em de lucro, o que pode significar que estes res-
empresas que estão a obter lucros do que escolher pondentes estão mais sensibilizados para as
empresas que estão a minimizar o seu impac- questões da sustentabilidade.5 Os responden-
to ambiental.” A analise das respostas permite tes que aceitem prescindir de lucro de forma a
uma melhor compreensão sobre o modo como minimizar o impacto ambiental dos seus in-
investidores e não investidores (no fundo, a vestimentos constituem o mercado preferen-
procura, efetiva ou potencial) olham para a cial de instrumentos financeiros com caracte-
questão da sustentabilidade do ponto de vista rísticas de sustentabilidade. Embora a questão
do binómio lucro/sustentabilidade ambiental. apenas proporcione uma avaliação grosseira
É certo que a literatura aponta para a ideia de preferência por sustentabilidade, já exis-
de que investimentos sustentáveis não são te na literatura académica referência a meto-
sinónimos de investimentos não lucrativos dologias semelhantes. Veja-se, por exemplo,
(ver, por exemplo, Badia e al., 2021 e Edmans, Delsen e Lehr (2019), que usam a questão “Do
2011). Existem vários artigos que concluem que you agree with the following statement: My pen-
os agentes económicos podem obter utilidade sion fund should do responsible investment, even
(não pecuniária) através de investimentos so- if this will require me to pay a higher pension
cialmente responsáveis – ver, por exemplo, premium or receive a lower pension”.
Barber et al. (2021), Bauer et al. (2021) e Rossi As respostas dos inquiridos encontram-
et al. (2019), para citar apenas algumas refe- -se sumariadas na Tabela 2. Algumas conclu-

5
A discordância com aquela afirmação pode ter um outro significado: discorda quem sabe que não é necessário prescindir de retorno para ter investimentos sustentáveis. Dado o reduzido conhe-

cimento sobre estas matérias evidenciado por uma amostra (embora não representativa) de residentes em Portugal (ver CMVM, 2022), é razoável admitir que não é este o significado a atribuir às

respostas dadas a esta questão.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

sões de relevo emergem dessas respostas. Em (concordam). Em segundo lugar, os investido-


primeiro lugar, a proporção dos responden- res em valores mobiliários são quem mais pri-
tes mais sensíveis à sustentabilidade (isto é, vilegia o lucro à sustentabilidade, pois 53,9%
à minimização do impacto ambiental) do que concordam ou concordam completamente
ao lucro é menor. Com efeito, apenas 7,9% com aquela afirmação e apenas 15,4% discor-
(13,6%) dos respondentes discordam total- dam ou discordam completamente. Idênticas
mente (discordam) daquela afirmação, en- percentagens para os não investidores são de
quanto 13,2% (25,8%) concordam totalmente 32,0% e 24,4%, respetivamente.

TABELA 2: RESPOSTAS À QUESTÃO SOBRE SUSTENTABILIDADE

Penso que é mais importante investir em empresas Investidores Não investidores Total
que estão a obter lucros do que escolher empresas
que estão a minimizar o seu impacto ambiental Número % Número % Número %

1 = concordo totalmente 155 22,0 137 9,1 292 13,2


2 = concordo 225 31,9 344 22,9 569 25,8
3 = não concordo, nem discordo 203 28,8 499 33,2 702 31,8
4 = discordo 75 10,6 225 15,0 300 13,6
5 = discordo totalmente 34 4,8 141 9,4 175 7,9
NS / NR 14 2,0 155 10,3 169 7,7
Total 706 100,0 1 501 100,0 2 207 100,0

Para a identificação do perfil dos res- 36,1% são, no momento em que foram inqui-
pondentes e a avaliação da importância das ridos, investidores em valores mobiliários. Em
fontes de informação e dos valores e atitudes termos de conhecimentos financeiros, 30,8%
na sensibilidade às questões da sustentabili- dos indivíduos da amostra autoavaliam-se
dade foram trabalhadas 30 perguntas do in- com conhecimentos inferiores ou muito infe-
quérito. Dado que alguns inquiridos não res- riores à média da população portuguesa.
pondem à totalidade das questões, a amostra No que respeita ao conhecimento efeti-
final usada neste estudo inclui 1 757 respon- vo sobre matérias de natureza financeira (re-
dentes, cuja breve caracterização se encontra velado no acerto das respostas), um pouco
na Tabela 3. menos de um em cada cinco responde corre-
Um em cada cinco respondentes tem o en- tamente a 8, 9 ou a todas as 10 questões que
sino superior ou politécnico concluído, sendo foram colocadas, enquanto 6,5% respondem
maioritariamente casados, com rendimen- corretamente a três ou menos questões. Quase
to mensal líquido superior a 1 000€ e 24,6% metade dos inquiridos usam a internet como
vivem com pelo menos um menor de 18 anos fonte de informação sobre mercados e produ-
no agregado familiar. A amostra encontra-se tos financeiros (um pouco menos usam a TV),
equilibrada em termos de género, 33,6% dos procurando obter maioritariamente notícias
respondentes não pouparam no último ano e gerais sobre economia.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

TABELA 3: ANÁLISE DESCRITIVA DA AMOSTRA

Número %

Ensino politécnico/superior concluído 348 19,8


Casado 1 184 67,4
Empresários 73 4,2
Género (Mulher) 895 50,9
Menores de 18 anos no agregado familiar 433 24,6
Rendimento mensal líquido
Superior a 1 000€ 1 076 61,2
Inferior a 500€ 118 6,7
Residência em local com mais de 100 000 habitantes 315 17,9
É atualmente investidor 634 36,1
Literacia financeira
Autoavaliação: inferior ou muito inferior à média 541 30,8
Número de respostas certas 8, 9 ou 10 342 19,5
Número de respostas certas 0, 1, 2 ou 3 114 6,5
Fontes de informação
Amigos 451 25,7
Empresas 178 10,1
Gestor conta 480 27,3
Internet 863 49,1
Jornais 543 30,9
TV 833 47,4
Nenhuma 196 11,2
Tipo de informação
Imobiliário 394 22,4
Legislação 142 8,1
Mercado acionista 286 16,3
Notícias gerais sobre economia 1 001 57,0
Taxas de juro 674 38,4
Não poupou no último ano 590 33,6
Número de respondentes na amostra 1 757 100,0

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

3. METODOLOGIA

C
omo referido, o principal objetivo 3.1. Fatores sociodemográficos
deste texto é o de identificar as ca-
racterísticas dos indivíduos que os Muitos estudos concluem que as mu-
possam levar a manifestar maior lheres estão mais interessadas do
sensibilidade às questões da susten- que os homens em investimentos
tabilidade em detrimento dos lucros SRI (Delsen e Lehr, 2019; Dorfleitner
empresariais. e Nguyen, 2016; Rossi et al, 2016;
A variável de interesse (Interesse Wins e Zwergel, 2016; Hood et al.,
em SRI) é usada como variável depen- 2014; Junkus e Berry, 2010; Nilsson,
dente no modelo: 2008; Clark-Murphy e Soutar, 2004 e
Tippet, 2001, por exemplo). Todavia,
Interesse em SRI = f (sociodemo- Haigh (2007) conclui o oposto, en-
gráficos, informação, valores e quanto Chamorro-Mera e Palacios-
atitudes) González (2019), Riedl e Smeets
(2017), Williams (2007) e McLachlan
Este modelo combina as diferen- e Gardner (2004) não encontram
tes características sociodemográficas qualquer diferenciação de género.
dos inquiridos, as suas atitudes e va- No que respeita ao estado civil,
lores e as fontes e o tipo de informa- as conclusões dos poucos estudos
ção que procuram para avaliar até que existentes que analisam este tema
ponto essas características, atitudes e são mais frágeis porque são contra-
valores influenciam a preferência por ditórias. Assim, Rossi et al. (2019) e
sustentabilidade. Wins e Zwergel (2016) concluem que
A variável explicada resulta dire- investidores SRI são mais provavel-
tamente das respostas a uma ques- mente casados, enquanto Junkus e
tão do inquérito (ver seção 2), que foi Berry (2010) reportam que os inves-
codificada numa escala de Likert de tidores SRI são mais provavelmente
1 a 5. Dado tratar-se de uma variá- solteiros e Pérez-Gladish et al. (2012)
vel ordinal, os vários modelos orde- não encontram nenhuma associação
red logit são estimados por máxima entre estado civil e investimentos em
verosimilhança. fundos sustentáveis.
A existência de dependentes, re-
lacionada com a dimensão do agre-

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

gado familiar, não se revelou estatistica- mas não para Espanha, e Williams (2007) e
mente significativa em Delsen e Lehr (2019), McLachan e Gardner (2004) não encontram
relativo a investidores em fundos de pen- uma relação estatisticamente significativa
sões na Holanda, e em Méndez-Rodríguez et entre estas variáveis.
al. (2015), relativo a investidores espanhóis Quanto à idade, Gutsche et al. (2021),
e australianos. Contudo, Wins e Zwergel Riedl e Smeets (2017), Dorfleitner e Nguyen
(2016) reportam uma associação positiva (2016), Bauer e Smeets (2015), Hood et al.
entre a existência de dependentes e a pro- (2014), Cheah et al. (2011), Junkus e Berry
babilidade de o indivíduo investir em fundos (2010) e Tippet (2001) referem que os inves-
socialmente responsáveis, enquanto Rossi et tidores SRI tendem a ser mais jovens, mas
al. (2016) concluem que o interesse em pro- Pérez-Gladish et al. (2012), Woodward (2000)
dutos financeiros com características SRI di- e Lewis e Mackenzie (2000) concluem que um
minui quando existem crianças no agregado investidor SRI típico é de meia idade, enquan-
familiar. to Rossi et al. (2019) sustentam que indivíduos
Em termos da atividade ou ocupação, mais velhos tendem a ser mais sensíveis a este
Woodward (2000) afirma que um investi- tipo de investimentos. Por seu turno, Wins e
dor SRI típico tem uma ocupação profissio- Zwergel (2016) e McLachlan e Gardner (2004)
nal ou de gestão, enquanto Pérez-Gladish et não encontram relação entre investidores SRI
al. (2012) sustentam que este investidor tra- e idade.
balha essencialmente no setor dos serviços. Outra variável considerada na literatura é
Todavia, Rossi et al. (2016) concluem que o a área de residência. Rossi et al. (2019), Pérez-
“working status” não influencia as decisões fi- Gladish et al. (2012) e Nilsson (2008) referem
nanceiras dos indivíduos em matérias de in- que os investimentos socialmente respon-
vestimentos SRI. Delsen e Lehr (2019), por seu sáveis são mais relevantes para os habitan-
turno, referem que “self-employed persons” e tes das grandes cidades, mas Wins e Zwergel
“housekeepers” têm maior propensão a prefe- (2016) não encontram uma tal relação entre
rir sustentabilidade. essas variáveis. Williams (2007) encontra uma
A literatura documenta resultados mais associação positiva para o caso de investido-
homogéneos no que respeita à escolaridade. res australianos, mas não para investidores
Chamorro-Mera e Palacios-González (2019), na Alemanha, Canadá, Reino Unido e Estados
Delsen e Lehr (2019), Rossi et al. (2019), Unidos.
Riedl e Smeets (2017), Wins e Zwergel (2016), Ainda em matéria de caracterização so-
Pérez-Gladish et al. (2012), Cheah et al. (2011), ciodemográfica, duas outras variáveis têm
Junkus e Berry (2010), Nilsson (2008), Haigh sido referidas na literatura: literacia finan-
(2007), Getzner e Grabner-Kräuter (2004), ceira e rendimento. Para Junkus e Berry
Tippet (2001) e Woodward (2000) encontram (2010) e Tippet e Leung (2001), os investi-
uma associação positiva entre nível de esco- dores SRI têm rendimentos mais baixos, en-
laridade, nomeadamente ensino universitá- quanto Rossi et al. (2019), Cheah et al. (2011)
rio, e detenção (ou disponibilidade para de- e Getzner e Grabner-Kräuter (2004) referem
ter) investimentos socialmente responsáveis, o oposto. Pérez-Gladish et al. (2012) apre-
enquanto Méndez-Rodríguez et al. (2015) sentam resultados consistentes com a ideia
encontram igual associação para a Austrália de que os investidores SRI têm rendimen-

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

to médio, mas Riedl e Smeets (2017), Wins e contexto, e em virtude de as conclusões diver-
Zwergel (2016), Nilsson (2008) e McLachlan sas poderem estar relacionadas com diferen-
e Gardner (2004) reportam a inexistência de ças culturais, mais relevante se torna analisar
relação entre investimentos socialmente res- o caso português.
ponsáveis e rendimento. Já Williams (2007)
conclui que o rendimento é uma variável re- 3.2. Informação
levante nos casos da Austrália e do Canadá,
mas não na Alemanha, Reino Unido e Estados No que respeita à influência da informação
Unidos. obtida sobre mercados e produtos financei-
Quanto à literacia financeira, Rossi et al. ros, Abreu e Mendes (2012) sustentam que o
(2019) e Riedl e Smeets (2017) reportam uma comportamento dos investidores em termos
associação inexistente ou mesmo negativa da negociação de instrumentos financeiros é
entre investimentos SRI (ou interesse nes- impactado pelas fontes de informação usa-
te tipo de investimentos) e autoavaliação de das pelos indivíduos. Em particular, investi-
conhecimento financeiro, o que é consistente dores excessivamente confiantes negoceiam
com os resultados de Bauer e Smeets (2015). menos frequentemente quando obtêm infor-
No entanto, Rossi et al. (2019) apresentam mação junto de amigos e familiares, enquan-
uma associação positiva entre literacia finan- to os não sobreconfiantes transacionam com
ceira objetiva e interesse em investimentos mais frequência quando usam fontes especia-
SRI, mas em Gutsche et al. (2021) essa corre- lizadas de informação. Peress (2004) refere
lação é negativa. Este último trabalho conclui ser expectável que os investidores que adqui-
igualmente que "we generally find no signifi- rem informação, ou que gastam mais tempo
cant relationship between self-reported finan- a obter informação, transacionem mais fre-
cial literacy and ‘share of sustainable invest- quentemente. Também Barreda-Tarrazona
ments larger than zero’. In some specifications, et al. (2011) concluem, num estudo experi-
however, we find a weak positive correlation su- mental, que os indivíduos são sensíveis à in-
ggesting that self-reported financially literate formação ética que recebem e que a sua in-
persons are more likely to invest in a sustainable tenção de investir em fundos de investimento
manner.” Por outro lado, Gutsche et al. (2020) socialmente responsáveis aumenta quando
encontram relação positiva entre detenção de têm mais informação. Conclui-se, pois, que as
investimentos socialmente responsáveis e co- fontes de informação usadas podem influen-
nhecimento financeiro efetivo. ciar a opinião dos indivíduos sobre o binómio
Em síntese, a evidência empírica existente rentabilidade/sustentabilidade.
não tem produzido resultados homogéneos no A procura de informação junto de ami-
que respeita à caracterização sociodemográ- gos e família é um exemplo do modo como são
fica dos (potenciais) investidores em ativos transmitidos (e recebidos) sinais/informa-
socialmente responsáveis. Alguns trabalhos ções através da interação social, através dos
(e.g., Gutsche e Zwerger, 2020; Riedl e Smeets, quais se procura obter aprovação social num
2017; Williams, 2007) chegam mesmo a refe- determinado grupo, ou evitar a desaprovação
rir que encontram pouca evidência de que os social dentro desse grupo. Esta interação so-
fatores sociodemográficos influenciam os in- cial pode ser uma importante fonte de infor-
vestimentos socialmente responsáveis. Neste mação antes de serem tomadas decisões sobre

199 Voltar ao índice cmvm.pt


CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

investimentos (Gutsche et al. 2021; Gutsche e encontram evidência de recurso diferente a


Zwergel, 2020; Hong et al., 2004). consultores financeiros por investidores com
Alguma literatura empírica documenta a maior e com menor envolvimento em inves-
existência de impactos dos ‘pares’ em decisões timentos SRI. Williams (2007) sustenta que,
tomadas na área financeira quando os ‘pares’ dado que a análise das questões éticas requer
interagem uns com os outros. É o caso da deci- informações mais detalhadas, é de esperar que
são de participação nos mercados financeiros os investidores SRI sejam mais ativos no uso
(Hong et al., 2004), da poupança para a refor- da internet como fonte de informação, muito
ma (Duflo e Saez, 2003) e da aversão ao risco embora apenas encontre sustentação empíri-
(Ahern et al., 2014). Estes estudos concluem ca para esta hipótese no caso de um dos cinco
que a influência dos ‘pares’ provoca um com- países por si analisados. Contudo, Chamorro-
portamento mais consonante com a norma Mera e Palacios-González (2019) concluem
desses pares. Beshears et al. (2015), no entan- que o conhecimento prévio sobre investimen-
to, concluem que a informação dos pares pode tos socialmente responsáveis não contribui
gerar uma reação de oposição: informações para a identificação de diferentes segmentos
sobre maiores taxas de poupança dos pares de aforradores.
podem levar os indivíduos com baixa poupan-
ça a abandonar a norma dos pares e diminuir 3.3. Valores e atitudes
a respetiva poupança. No caso dos investi-
mentos SRI, Riedl e Smeets (2017) encontram São cada vez mais numerosos os estudos que
uma correlação positiva entre a interação com analisam o impacto de fatores não económi-
família e amigos e este tipo de investimen- cos na tomada de decisão dos (não)investido-
tos, mas tal não acontece em Bauer e Smeets res. Beal et al. (2005), por exemplo, concluem
(2015), enquanto a evidência apresentada por que menos da metade dos investidores con-
Gutsche et al. (2019) sugere igualmente uma sideram a maximização da respetiva riqueza
associação positiva (embora não inteiramente como o fator mais importante nas suas de-
conclusiva) entre aquelas variáveis. cisões de investimento. Releva, por isso, in-
Nilsson et al. (2010) também concluem vestigar os fatores não económicos que pos-
que investidores SRI e convencionais usam sam contribuir para a tomada de decisões
fontes e tipos diferentes de informação antes financeiras.
de efetuarem os seus investimentos. Os in- Entre os diferentes tipos de valores e pre-
vestidores SRI recorrem mais frequentemen- ferências que podem condicionar as decisões
te a consultores financeiros de modo a obte- de investimento, a literatura tem analisa-
rem informação sobre as características SRI do os seguintes: contexto social, por exemplo
de produtos financeiros (fundos de investi- através da comunicação com amigos e fami-
mento, no caso), o que poderá eventualmente liares (ver seção anterior); preferências so-
ser explicado pela possibilidade destes inves- ciais (Bauer et a., 2021); preferências por sin
tidores estarem mais preocupados com as di- stocks (Pasewark e Riley, 2010); valores am-
mensões de sustentabilidade dos seus investi- bientais (Gutsche et al., 2020); afiliação polí-
mentos financeiros do que com preocupações tica (Gutsche et al., 2021); religiosidade (Bauer
financeiras mais tradicionais (e.g., risco e re- e Smeets, 2015); altruísmo (Brodback et al.,
torno). Não obstante, Nilsson et al. (2010) não 2019); generosidade (Gutsche et al., 2021);

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A DISPONIBILIDADE DOS PORTUGUESES PARA INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS

preferência ou apetite pelo risco (Riedl e préstimos, seguros) que adquire?”. As alter-
Smeets, 2017); confiança individual (Gutsche nativas de resposta são: “sim, leio com muito
e Zwergel, 2020).6 detalhe”; “sim, leio com algum detalhe”; “sim,
Neste estudo não é possível analisar a leio, mas com pouco detalhe”; “não leio, con-
maioria destes temas porquanto o inquérito fio no que o funcionário ao balcão me transmite
que lhe serviu de base não contém as pergun- oralmente”; “não leio, não dou muita importân-
tas necessárias. No entanto, o inquérito inclui cia”. Para Nilsson (2008) e Gutsche e Zwergel
perguntas relativas a alguns valores e atitu- (2020), por exemplo, os indivíduos que con-
des dos inquiridos. Entre as perguntas usa- fiam nos outros têm maior probabilidade de
das neste estudo encontram-se as seguintes: efetuar investimentos sustentáveis. Assim, os
“Gostaria de saber o quanto concorda ou dis- inquiridos que afirmam não ler os contratos
corda das seguintes afirmações: dos produtos financeiros que adquirem por-
que confiam no que o funcionário ao balcão
• “Dá-me mais prazer gastar dinheiro do que lhes transmite oralmente são considerados
poupar para o futuro” indivíduos que confiam nos outros (“confia” é
• “Controlo pessoalmente e sistematicamente uma variável binária, igual a 1 para os indiví-
as minhas finanças pessoais” duos que confiam no que o funcionário ao bal-
• “Antes de comprar qualquer coisa, pondero cão lhes transmite oralmente).
com cuidado se posso suportar essa despesa” É também possível construir um indica-
dor que permite quantificar a preferência ou
As respostas a estas 3 perguntas são co- tolerância ao risco dos inquiridos com base na
dificadas numa escala de Likert de 1 a 5, em pergunta: “Se recebesse inesperadamente 100
que 1 corresponde a “discordo totalmente” e 000 euros para investir, com a condição de os
5 a “concordo totalmente”. Com base nestas investir nas seguintes opções, como distribuiria
respostas foram construídas as variáveis bi- o dinheiro entre essas opções: depósitos bancá-
nárias “prazer gastar dinheiro”, “não controlo rios ou produtos similares com garantia de ca-
finanças” e “pondero despesas”, que são iguais pital; obrigações ou fundos de investimento em
a 1 nos casos em que as respostas a estas per- obrigações; fundos de investimento com ações e
guntas são, respetivamente, “concordo total- obrigações; uma carteira com cerca de 15 ações
mente”, “discordo totalmente” e “concordo de empresas diferentes; ações de uma empresa
totalmente”. que conheço bem; ouro, prata, petróleo e outras
Uma outra pergunta permite construir commodities; outras aplicações”. Neste caso, foi
uma proxy para a confiança (trust), uma ati- construída a variável contínua “aplicações de
tude que é considerada por Guiso e al. (2008) risco”, que corresponde à soma das percen-
e Falk et al. (2018) como essencial para com- tagens aplicadas em “obrigações ou fundos
preender os comportamentos individuais: “Lê de investimento em obrigações”, “fundos de
os contratos dos produtos financeiros (por exem- investimento com ações e obrigações”, “uma
plo, aplicações de poupança, investimentos, em- carteira com cerca de 15 ações de empresas di-

6
Citada apenas uma das várias referências existentes para cada tema.

201 Voltar ao índice cmvm.pt


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ferentes” e “ações de uma empresa que co- rido relativamente ao conhecimento efetivo
nheço bem”. Esta variável varia entre 0 e 100, manifestado. Na amostra, o número médio de
correspondendo maiores valores a uma maior respostas certas às 10 questões de literacia fi-
tolerância ao risco. nanceira é de 6. Assim, foram considerados
Finalmente, com base numa pergunta re- sobreconfiantes os inquiridos que autoavalia-
lacionada com a autoavaliação do conheci- ram os seus conhecimentos como iguais à mé-
mento financeiro (“numa escala de 1 (mui- dia da população portuguesa e que responde-
to mais baixo que a média) a 5 (muito mais alto ram corretamente a menos de 5 perguntas de
que a média), como avalia os seus conhecimen- literacia financeira, e ainda os que autoavalia-
tos financeiros quando comparado com a média ram os seus conhecimentos como mais altos
da população portuguesa?”) e em 10 pergun- ou muito mais altos que a média da população
tas relativas a conhecimento financeiro efe- portuguesa e que responderam corretamente
tivo (ver Anexo 2), foi possível construir um a 7 ou menos perguntas de literacia financeira.
indicador de sobreconfiança, que permite afe- A variável binária “sobreconfiante” é igual a 1
rir do excesso de autoavaliação de cada inqui- nestes casos (e é igual a 0 em caso contrário). l

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

4. RESULTADOS

4.1. Fatores sociodemográficos características sociodemográficas

N
dos inquiridos (colunas [1] a [9]), e
a Tabela 4 encontram-se os resulta- na coluna [10] as estimativas obtidas
dos da estimação de vários modelos para o modelo que inclui todas aque-
em que foram alternadamente usadas las variáveis.
como variáveis explicativas algumas

TABELA 4: MODELO LOGIT ORDENADO – FATORES SOCIODEMOGRÁFICOS

[1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10]

Mulher 0,312 *** 0,289 ***


3,62 3,27
Casado -0,381 *** -0,373 ***
-4,14 -3,44
Número adultos -0,014 0,062
-0,26 1,05
Número menores 18 anos 0,026 0,108
0,41 1,58
Patrão/Empresário -0,787 *** -0,769 ***
-3,23 -3,06
Profissional liberal -0,399 ** -0,379 **
-2,12 -1,99
Trabalhador conta outrem -0,211 * -0,189
-1,89 -1,61
Incapacitado -0,839 * -0,765 *
-1,89 -1,71
Ensino superior concluído 0,209 ** 0,203 *
2,02 1,74
Menos que ensino primário -0,276 * -0,323 *
-1,77 -1,94

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TABELA 4: MODELO LOGIT ORDENADO – FATORES SOCIODEMOGRÁFICOS

[1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10]

Idade 18 a 25 anos (Z) 0,343 ** -0,017


2,15 -0,09
Idade 26 a 40 anos (MIL) 0,054 -0,015
0,49 -0,11
Idade 41 a 55 anos (X) -0,025 -0,012
-0,23 -0,09
Literacia financeira baixa 0,157 0,001
0,83 0,01
Literacia financeira alta 0,135 0,076
1,03 0,55
Residência - até 5 000 hab. 0,197 0,194
1,43 1,38
Residência - entre 5 000 0,296 ** 0,272 *
e 20 000 hab. 2,13 1,91
Residência - entre 20 000 0,279 ** 0,265 *
e 100 000 hab. 2,09 1,93
Rendimento alto -0,064
-0,049
-0,49 -0,367
Rendimento baixo 0,671 *** 0,565 ***
4,07 3,29
LR stat 13,2 *** 17,2 *** 0,25 21,4 *** 8,8 ** 4,9 1,6 6,0 16,3 *** 78,6 ***
Número observações 1 757 1 757 1 753 1 757 1 757 1 757 1 757 1 757 1 757 1 753

*, ** e *** indicam significância estatística em testes bilaterais, a 10%, 5% e 1%, respetivamente.

No caso das profissões/ocupações, apenas foram incluídas na tabela (coluna 4) as categorias que se revelaram estatisticamente significativas.

A primeira conclusão que pode ser reti- (composição do agregado familiar e literacia
rada destes resultados é a de que, contraria- financeira nos modelos [3], [7] e [10], e ida-
mente a Gutsche e Zwerger (2020), Riedl e de no modelo [10]), as demais variáveis socio-
Smeets (2017) e Williams (2007), a evidência demográficas caracterizadoras do perfil dos
disponível aponta para a relevância dos fa- inquiridos são significativas para os níveis de
tores sociodemográficos na sensibilidade das significância usuais.
famílias portugueses a investimentos com ca- Em concreto, conclui-se que as mulheres
racterísticas de sustentabilidade. Com efeito, e os detentores de grau académico (licencia-
apesar de algumas variáveis não se revelarem tura ou politécnico) são mais sensíveis à sus-
significativas de um ponto de vista estatístico tentabilidade (preferindo sustentabilidade

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aos lucros das empresas). Estes resultados são influenciar a sensibilidade de investidores e de
comuns aos reportados pela maior parte dos não investidores para as questões da susten-
trabalhos consultados. Também se encontra tabilidade versus lucros empresariais (Tabela
evidência de que a ocupação dos indivíduos é 5). Face aos indivíduos do mesmo grupo que
relevante, com patrões e profissionais liberais não procuram informação, os investidores são
a apresentarem maior apetência pelos lucros mais influenciados pela informação que obtêm
do que pela sustentabilidade ambiental. nos jornais, e os não investidores são mais in-
Quanto ao rendimento, os nossos resul- fluenciados pela informação obtida nos con-
tados são semelhantes aos de Junkus e Berry tactos sociais com família e amigos e ainda nas
(2010) e Tippet e Leung (2001), e permitem informações divulgadas pelas empresas. A in-
identificar as famílias com rendimentos mais fluência da internet, embora menos forte do
baixos como mais sensíveis à sustentabilida- ponto de vista estatístico, é igualmente dife-
de. Finalmente, no que respeita à residência, os rente para uns e outros.
resultados são contrários aos da literatura na Em segundo lugar, alguns resultados são
medida em que permitem identificar os habi- surpreendentes. Com efeito, os não investido-
tantes das maiores cidades (mais de 100 000 res que obtêm informação através da interação
habitantes) como aqueles que têm maior ape- com familiares e amigos identificam-se mais
tência pelos lucros empresariais, a par dos ha- com a afirmação “penso que é mais importante
bitantes de localidades mais pequenas (menos investir em empresas que estão a obter lucros
de 5 000 habitantes). do que escolher empresas que estão a minimi-
zar o seu impacto ambiental”, manifestando,
4.2. Informação portanto, menor sensibilização para as ques-
tões ambientais. Tal é dissonante com os re-
Existem diferenças de relevo entre investido- sultados reportados por Riedl e Smeets (2017)
res e não investidores no que respeita às fontes e parcialmente por Gutsche et al. (2019). Entre
de informação usadas, e também no que res- os trabalhos consultados, apenas Beshears et
peita aos temas sobre os quais procuram infor- al. (2015) sugerem a existência de uma relação
mação. Assim, a amostra foi dividida entre in- negativa entre a obtenção de informação junto
vestidores e não investidores, de modo a serem dos respetivos pares e similitude de comporta-
melhor identificadas as diferenças entre estes mento em investimentos SRI. No caso dos in-
dois grupos. vestidores, a não significância estatística desta
A primeira conclusão é a de que são dife- fonte de informação é consonante com os re-
rentes as fontes de informação suscetíveis de sultados de Bauer e Smeets (2015).

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TABELA 5: MODELO LOGIT ORDENADO – FONTES DE INFORMAÇÃO

[1] [2]
Fontes de informação usadas
Investidores Não investidores

Amigos e família -0.183 -0.456 ***


-1.15 -3.25
Empresas -0.211 -0.543 **
-1.09 -2.26
Gestor de conta 0.042 -0.194
0.29 -1.32
Internet -0.211 0.203 *
-1.39 1.77
Jornais 0.458 *** -0.175
2.78 -1.21
TV -0.174 0.153
-1.17 1.35
LR stat 10.5 28.9 ***
Número de observações 634 1 123

*, ** e *** indicam significância estatística em testes bilaterais, a 10%, 5% e 1%, respetivamente.

Um resultado interessante diz respeito à formato padronizado e auditável.


informação obtida diretamente junto das em- No caso da informação mais especializa-
presas, por exemplo nas respetivas demons- da obtida junto do gestor de conta, consulto-
trações financeiras. Também neste caso, esta res financeiros e/ou corretores, os resultados
fonte de informação é apenas relevante para obtidos permitem concluir pela não influên-
não investidores, e com sinal negativo. Embora cia desta fonte de informação nem para inves-
sendo expectável que a obtenção de mais in- tidores nem para não investidores. Apesar de
formação (a categoria de base corresponde à ser a terceira fonte de informação menos ci-
dos indivíduos que não procuram informação tada pelos inquiridos, tal não parece ter im-
sobre mercados e produtos financeiros) possa pacto relevante na respetiva sensibilidade às
conduzir a um aumento da sensibilidade dos questões dos lucros empresariais/impacto
indivíduos para as questões da sustentabilida- ambiental, o que é de algum modo consonan-
de, a correlação negativa detetada pode estar te com os resultados reportados por Nilsson et
relacionada com menor confiança dos indi- al. (2010).
víduos na informação divulgada diretamente Quanto à utilização da internet, o coefi-
pelas empresas (Williams, 2007), nomeada- ciente positivo (e estatisticamente significa-
mente porque ainda não existia, à data do in- tivo no caso da regressão [2]) está de acordo
quérito, obrigatoriedade de divulgação de in- com a conjetura de Williams (2007), pese em-
formação não financeira pelas empresas em bora a sua falta de sustentabilidade empírica

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para a maioria dos países analisados por este xas de juro parece ter um impacto negativo e
autor. O coeficiente positivo associado à ob- muito semelhante para investidores e não in-
tenção, por investidores, de informação atra- vestidores, sugerindo que quem acompanha
vés de jornais e revistas está em concordân- a evolução das taxas de juro manifesta rela-
cia com os resultados de Nilsson et al. (2010), tivamente maior preferência por lucros em-
que concluem ser esta uma fonte de informa- presariais. As notícias gerais sobre economia
ção mais relevante para os investidores com são mais relevantes para não investidores, en-
maior envolvimento em investimentos SRI. quanto as notícias sobre o mercado imobiliário
No que respeita ao tipo de informação que o são para os investidores, num e noutro casos
os inquiridos acompanham com regularidade aumentando a preferência por sustentabilida-
(Tabela 6), a obtenção de informação sobre ta- de em detrimento dos lucros das empresas.

TABELA 6: MODELO LOGIT ORDENADO – TIPOS DE INFORMAÇÃO

[1] [2]
Tipos de informação
Investidores Não investidores

Mercado imobiliário 0.538 *** 0.117


3.13 0.68
Legislação 0.107 -0.191
0.38 -0.61
Mercado acionista -0.001 -0.412 *
-0.01 -1.89
Notícias gerais -0.163 0.209 *
-1.02 1.88
Taxas de juro -0.339 ** -0.287 **
-2.24 -2.26
Outra informação 0.431 -0.037
0.31 0.09
LR stat 14.5 ** 19.1 ***
Número de observações 634 1 123

*, ** e *** indicam significância estatística em testes bilaterais, a 10%, 5% e 1%, respetivamente.

4.3. Valores e atitudes coeficientes e da significância estatística. Com


efeito, quanto maior a tolerância ao risco (i.e.,
Os resultados da estimação do modelo logit quanto maior a percentagem em aplicações de
ordenado para as variáveis relativas a valo- risco), menor a sensibilidade para as questões
res e atitudes encontram-se na Tabela 7. Os da sustentabilidade ambiental e maior a pre-
resultados são semelhantes para investidores ferência por lucros empresariais. Este resulta-
e não investidores, em termos de sinais dos do é concordante com os resultados de Bauer

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e Smeets (2015), que sustentam que clientes co tenha alguma influência na preferência por
tolerantes ao risco alocam uma quantidade sustentabilidade.
menor de seus investimentos a bancos social- De modo semelhante, indivíduos que reti-
mente responsáveis, e de Bassen et al. (2019), ram mais prazer em gastar dinheiro do que em
que concluem que pessoas tolerantes ao risco poupar para o futuro valorizam mais lucros em-
dão menos importância ao desempenho cli- presariais do que sustentabilidade ambiental, o
mático dos fundos de investimento em com- que pode estar relacionado com a maior pre-
paração com a sua performance financeira, ferência pelo imediato/presente (significan-
mas contradiz Riedl e Smeets (2017), que re- do que as taxas de desconto destes indivíduos
portam uma associação positiva entre a tole- são elevadas). A preferência intertemporal pelo
rância ao risco e o valor investido em fundos de consumo presente em detrimento do consumo
ações socialmente responsáveis, e Nakai et al. futuro pode ser interpretada como um indica-
(2018), que não encontram efeitos significati- dor de (im)paciência (Falk et al., 2018; Gusche
vos nas preferências declaradas para investi- et al., 2021). No entanto, estes autores não en-
mentos em empresas socialmente responsá- contraram evidência de impacto das preferên-
veis. Delsen e Lehr (2019), por seu turno, não cias temporais dos indivíduos nas respetivas
encontram evidência de que o apetite pelo ris- preferências por investimentos sustentáveis.

TABELA 7: MODELO LOGIT ORDENADO – VALORES E ATITUDES

Valores e atitudes [1] [2] [3] [4] Não


Investidores Investidores Investidores Investidores

Não controlo finanças 2.126 *** 1.087 * 1.929 *** 0.919


4.66 1.89 3.32 -1.56
Prazer gastar dinheiro -1.289 *** -1.211 *** -1.607 *** -1.073 ***
-2.64 4.89 -3.04 -3.99
Confia 0.377 0.323 ** 0.382 0.288 *
1.51 2.12 1.43 1.82
Pondero despesas -0.419 *** -0.164 -0.607 *** -0.188
-2.88 -1.52 -3.75 -1.62
Aplicações de risco -0.008 *** -0.005 *** -0.007 *** -0.004 **
-3.51 -2.84 -2.63 -2.29
Sobreconfiante -0.091 -0.131 -0.236 -0.163
-0.55 -1.12 -1.27 -1.31
Inclui fontes informação Não Não Sim Sim
Inclui tipos informação Não Não Sim Sim
Inclui sociodemográficas Não Não Sim Sim
LR stat 52.5 *** 63.6 *** 155.9 *** 114.8 ***
Número de observações 634 1 123 632 1 121

*, ** e *** indicam significância estatística em testes bilaterais, a 10%, 5% e 1%, respetivamente.

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As variáveis “pondero despesas” e “não os relativos à subamostra dos investidores,


controlo finanças” podem ser interpretadas porquanto a respetiva significância estatística
como proxies para a existência de valores ma- é mais fraca. Não obstante, todos os resultados
teriais e pós-materiais (post-materials), res- confirmam a associação e os resultados empí-
petivamente. Os valores materiais estão as- ricos de Delsen e Lehr (2019). No que respei-
sociados à preferência pelo cumprimento das ta à sobreconfiança, apesar do sinal negativo
necessidades materiais (comida, habitação, obtido para os coeficientes desta variável em
por exemplo), enquanto os valores pós-mate- todas as regressões, esta variável não influen-
riais estão associados à satisfação de necessi- cia a sensibilidade dos inquiridos ao binómio
dades não materiais como a liberdade, a autoe- lucros/sustentabilidade.
xpressão, ou a proteção ambiental. Níveis mais Finalmente, no que respeita à confian-
elevados de valores pós-materiais estão asso- ça, apesar de as estimativas obtidas terem si-
ciados a maior preferência por investimentos nal positivo em todas as regressões (estando,
sustentáveis (Delsen e Lehr, 2019). Apesar de portanto, em conformidade com os resulta-
os sinais das estimativas para o conjunto dos dos reportados por Nilsson, 2008, e Gutsche
inquiridos serem consistentes com esta hipó- e Zwergel, 2020), apenas há significância es-
tese, os resultados obtidos para a subamostra tatística nas regressões efetuadas para não
dos não investidores são menos fortes do que investidores.

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CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

5. CONCLUSÃO

E
ste trabalho estuda a sensibilida- res qualificados por conta de outrem
de dos portugueses para as questões estão mais dispostos a prescindir dos
de sustentabilidade, nomeadamente lucros empresariais. É consequente-
no que respeita à sua disponibilidade mente possível definir grupos alvo
para abdicar de lucro em benefício de para a colocação de produtos finan-
uma maior sustentabilidade ambien- ceiros com características de susten-
tal. O estudo é baseado num inquérito tabilidade, mesmo que ofereçam re-
representativo da população portu- tornos menos competitivos do que
guesa, que decorreu entre o final de produtos alternativos.
2020 e o início de 2021. No que respeita às fontes de in-
Os resultados obtidos permi- formação, os investidores são mais
tem concluir que os respondentes influenciados pela informação que
que manifestam disponibilidade para obtêm nos jornais, e os não investi-
prescindir de lucro em prol de maior dores são mais influenciados pela in-
sustentabilidade são em menor nú- formação obtida junto da família ou
mero do que aqueles que não mani- amigos, ou na informação divulgada
festam esta disponibilidade. Os in- pelas empresas (demonstrações fi-
vestidores em valores mobiliários são nanceiras). Embora fosse expectável
quem menos valoriza a sustentabi- que a obtenção de mais informação
lidade (53,9% não manifestam dis- junto das empresas pudesse condu-
ponibilidade para prescindir de lu- zir a um aumento da sensibilidade
cro por esta causa). Isto significa que dos indivíduos para as questões da
a procura potencial por produtos e sustentabilidade, a correlação nega-
serviços financeiros SRI é fortemente tiva detetada pode estar relacionada
dependente da rentabilidade desses com menor confiança dos indivíduos
produtos. na informação divulgada diretamen-
Características sociodemográfi- te pelas empresas, o que pode re-
cas permitem identificar grupos de sultar da inexistência de um forma-
indivíduos mais sensíveis à susten- to padronizado para a divulgação de
tabilidade. As mulheres com ensi- informação não financeira pelas em-
no superior concluído, os residentes presas. Dado o coeficiente negativo
em locais de dimensão entre 5 mil e associado ao maior recurso a infor-
100 mil habitantes, e os trabalhado- mação pelos indivíduos, indiciador

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de que muita informação pode ser contrapro- de serem os investidores quem mais privilegia
ducente, a adoção de um formato padroniza- o lucro, tal significa que o aumento da procura
do para a divulgação deste tipo de informação por ativos SRI depende criticamente da renta-
pode ser um fator dinamizador da confiança bilidade oferecida. Por outro lado, a preferên-
dos indivíduos e do aumento da sensibilidade cia pelo presente e pelos valores materiais faz
para as questões da sustentabilidade. aumentar a preferência por investimentos em
Por último, as atitudes e valores têm uma empresas que se restringem à maximização
grande influência na sensibilidade dos indiví- dos lucros. Finalmente, a confiança dos in-
duos para as questões da sustentabilidade. Por divíduos está positivamente associada à res-
um lado, a maior tolerância ao risco está asso- petiva sensibilidade para as questões da sus-
ciada a menor sensibilidade para as questões tentabilidade. É, assim, imperioso aumentar a
da sustentabilidade ambiental. Considerando confiança nos mercados, nomeadamente nos
que os investidores têm maior tolerância ao mercados financeiros.
risco e apontando os resultados para o facto

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ANEXO 1 – VARIÁVEIS USADAS

Sociodemográficas Definição

Mulher variável binária, igual a 1 se mulher

Casado variável binária, igual a 1 se casado ou em união de facto

Número adultos número de adultos no agregado familiar

Número menores 18 anos número de menores de 18 anos no agregado familiar

Patrão/Empresário variável binária, igual a 1 se é patrão ou empresário

Profissional liberal variável binária, igual a 1 se profissional liberal

Trabalhador conta outrem variável binária, igual a 1 se trabalhador não qualificado por conta de outrem

Incapacitado variável binária, igual a 1 se incapacitado/reformado por invalidez

Ensino superior concluído variável binária, igual a 1 se concluiu o ensino superior ou politécnico

Menos que ensino primário variável binária, igual a 1 se não concluiu o ensino primário

Idade 18 a 25 anos (Z) variável binária, igual a 1 se tem entre 18 e 25 anos

Idade 26 a 40 anos (MIL) variável binária, igual a 1 se em entre 26 e 40 anos

Idade 41 a 55 anos (X) variável binária, igual a 1 se tem entre 41 e 55 anos

Literacia financeira baixa variável binária, igual a 1 se responde corretamente a 3 ou menos questões de literacia financeira

Literacia financeira alta variável binária, igual a 1 se responde corretamente a 8 ou mais questões de literacia financeira

Residência - até 5 000 hab. variável binária, igual a 1 se reside em localidade com até 5 000 habitantes

Residência - entre 5 000 e 20 000 hab. variável binária, igual a 1 se reside em localidade com mais de 5 000 mas menos de 20 000 habitantes

Residência - entre 20 000 e 100 000 hab. variável binária, igual a 1 se reside em localidade com mais de 20 000 mas menos de 100 000 habitantes

Rendimento alto variável binária, igual a 1 se rendimento familiar mensal bruto superior a 1 000 €

Rendimento baixo variável binária, igual a 1 se rendimento familiar mensal bruto inferior a 500 €

Fontes de informação

Amigos variável binária, igual a 1 se costuma obter informações sobre produtos e questões de natureza financeira junto de amigos, familiares ou colegas

Empresas variável binária, igual a 1 se costuma obter informações sobre produtos e questões de natureza financeira através de informações divulgadas pelas

empresas, por exemplo nas demonstrações financeiras

Gestor de conta variável binária, igual a 1 se costuma obter informações sobre produtos e questões de natureza financeira junto do gestor de conta, consultores

financeiros ou corretores

Internet variável binária, igual a 1 se costuma obter informações sobre produtos e questões de natureza financeira na internet

Jornais variável binária, igual a 1 se costuma obter informações sobre produtos e questões de natureza financeira em jornais e revistas

TV variável binária, igual a 1 se costuma obter informações sobre produtos e questões de natureza financeira na tv ou na rádio

Tipos de informação

Mercado imobiliário variável binária, igual a 1 se acompanha com regularidade notícias sobre o mercado imobiliário

Legislação variável binária, igual a 1 se acompanha com regularidade notícias sobre legislação e regulamentação de produtos financeiros

Mercado acionista variável binária, igual a 1 se acompanha com regularidade notícias sobre o mercado acionista

Notícias gerais variável binária, igual a 1 se acompanha com regularidade notícias gerais sobre economia

Taxas de juro variável binária, igual a 1 se acompanha com regularidade notícias sobre a evolução das taxas de juro

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ANEXO 1 – VARIÁVEIS USADAS

Sociodemográficas Definição

Outra informação variável binária, igual a 1 se acompanha com regularidade outra informação

Valores e atitudes

Não controlo finanças variável binária, igual a 1 se discorda totalmente da afirmação "controlo pessoalmente e sistematicamente as minhas finanças pessoais"

Prazer gastar dinheiro variável binária, igual a 1 se concorda totalmente com a afirmação "dá-me mais prazer gastar dinheiro do que poupar para o futuro"

Confia variável binária, igual a 1 se a resposta à questão "lê os contratos dos produtos financeiros que adquire?" é "não leio, confio no que o funcionário ao

balcão me transmite oralmente"

Pondero despesas variável binária, igual a 1 se concorda totalmente com a afirmação "antes de comprar qualquer coisa, pondero com cuidado se posso suportar essa

despesa"

Aplicações de risco variável contínua que corresponde à soma das percentagens aplicadas em “obrigações ou fundos de investimento em obrigações”, “fundos de in-

vestimento com ações e obrigações”, “uma carteira com cerca de 15 ações de empresas diferentes” e “ações de uma empresa que conheço bem”

Sobreconfiante variável binária, igual a 1 se inquiridos autoavaliaram os seus conhecimentos como iguais à média da população portuguesa e responderam corre-

tamente a menos de 5 perguntas de literacia financeira, e ainda se autoavaliaram os seus conhecimentos como mais altos ou muito mais altos que

a média da população portuguesa e responderam corretamente a 7 ou menos perguntas de literacia financeira

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ANEXO 2 – QUESTÕES DE LITERACIA FINANCEIRA

1. Suponha que 5 irmãos recebem 1 000 euros e que esse valor é distri-
buído equitativamente por todos. Com quanto dinheiro fica cada um?
(R: 200 euros)
2. Suponha agora que os 5 irmãos têm de esperar um ano para receber a sua
parte dos 1 000 euros. Se a taxa de inflação for 2%, daqui a um ano vão con-
seguir comprar:
i) Mais do que conseguiriam comprar hoje; ii) O mesmo que conseguiriam
comprar hoje; iii) Menos do que conseguiriam comprar hoje.
3. Suponha que coloca 100 euros num depósito a prazo com uma taxa de juro
anual de 2%. Não faz mais depósitos, não levanta dinheiro da conta e não
há impostos nem comissões. Quanto é que terá na conta ao fim de um ano?
(R: 102 euros)
4. E ao fim de 5 anos, sabendo que no fim de cada ano deixa o valor dos juros
ficar nesse mesmo depósito a prazo [lembre ainda que não há comissões,
impostos, novos depósitos ou levantamentos]. Seria:
i) Mais de 110 euros; ii) Exatamente 110 euros; iii) Menos de 110 euros; iv) É
impossível responder com base na informação disponibilizada.
5. Se emprestar 25 euros a um amigo e ele lhe devolver os 25 euros no dia se-
guinte, quanto é que ele pagou de juros? (R: 0 euros)
6. Por favor diga-me se a seguinte afirmação é verdadeira ou falsa: “Um inves-
timento com um retorno elevado tem geralmente associado um risco elevado”
(R: verdadeira)
7. Por favor diga-me se a seguinte afirmação é verdadeira ou falsa: “Geralmente
é possível reduzir o risco do investimento no mercado de capitais se comprarmos
um conjunto diversificado de ações” (R: verdadeira)
8. O que significa um valor mobiliário ter capital garantido na data de
vencimento?
i) Tenho direito a receber o dinheiro investido, em qualquer momento; ii)
Na data de vencimento recebo sempre o dinheiro investido; iii) Na data de
vencimento recebo o dinheiro investido, se o emitente do valor mobiliário
tiver condições financeiras para me pagar.
9. Para alguns produtos financeiros, o retorno é indexado a uma taxa de refe-
rência, que costuma ser a "Euribor". Diga-me, a Euribor:

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ANEXO 2 – QUESTÕES DE LITERACIA FINANCEIRA

i) É uma taxa definida pelo Governo Português; ii) É uma taxa definida pelo
Banco de Portugal; iii) É uma taxa definida pelo Banco Central Europeu;
iv) É uma taxa que resulta dos empréstimos realizados entre um conjunto
de bancos europeus.
10. Qual é o valor de um investimento de 1 000 euros em ações se o preço dessas
ações cair 50% nos primeiros seis meses e depois aumentar 80% nos três
meses seguintes (assumindo que não existem custos nem comissões)?
i) Valor inferior a 1 000 euros; ii) Valor igual a 1 000 euros; iii) Valor supe-
rior a 1 000 euros.

Nota: (As respostas corretas encontram-se assinaladas a negrito).

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CADERNOS
DO MERCADO
DE VALORES
MOBILIÁRIOS
Nº 72 | AGOSTO 2022

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