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ASCENSÃO DO TALIBÃ E

INSTAURAÇÃO DE NOVA ORDEM


JURÍDICA RELIGIOSA – PERDA DE
DIREITO DAS MULHERES NO
AFEGANISTÃO
O mundo inteiro vem acompanhando com
grande preocupação a situação do
Afeganistão. Com a retirada das tropas
americanas, o Talibã começo a tomar
cidade por cidade, até chegar à capital
Cabul, e por fim dominar todo o país. Com
a volta ao poder do grupo fundamentalista
islâmico, após 20 anos, os direitos
recentemente conquistados das mulheres e
meninas afegãs se viram ameaçados.
O Talibã é um grupo armado que atua no
Afeganistão e Paquistão. Nos anos 1990, o
Afeganistão se viu mergulhado em conflitos
entre facções para controlar o país. Aqui
surge o Talibã, em 1994, liderado por
Mullah Mohammed Omar. Um grupo
conhecido pela aplicação da lei islâmica
de forma mais restrita e se dedica a
combater a influencia do ocidente nessa
região.
Contudo, uma questão de extrema
importância é a situação das mulheres
afegãs e a manutenção dos seus direitos. O
Talibã disse, através de um porta-voz que
eles “estão comprometidos com os direitos
das mulheres sob a Sharia”. Sharia - o
caminho claro para a água, em tradução
literal - é a lei islâmica, o sistema jurídico
do Islã. Basicamente, um conjunto de
normas derivadas do Corão, dos
ensinamentos e condutas do profeta
Maomé e algo como jurisprudências de
pronunciamentos legais dos estudiosos.
Ela regula o comportamento dos
muçulmanos, incluindo sobre orações,
jejuns e doações aos pobres.
A Sharia também inclui algumas punições
que já foram banidas em outros lugares do
mundo, como a amputação em caso de
roubo e apedrejamento em adultérios.
Todavia, a aplicação dessa lei no mundo é
variável, podendo ser mais ou menos
rígida. Antes dos Estados Unidos
retirarem os Talibãs do poder, eles
chegaram a governar o pais durante 5
anos. Esses anos servem de parâmetro
para entender como será aplicada essa lei
pelo grupo fundamentalista. Infelizmente,
quando estava no poder, o Talibã aplicou
uma das interpretações da Sharia mais
rígidas e mais violentas do mundo.
Haviam execuções públicas,
apedrejamentos, amputações e até punições
com chicotadas.
Os direitos da população eram suprimidos; o
país viveu em uma espécie de regime
opressor e extremamente violento. E as
mulheres e meninas são grandes vítimas
dessa violência. No passado, quando o Talibã
governou o país, mulheres não podiam
frequentar escolas, trabalhar, eram obrigadas
a usar burca e quando saiam, deveriam estar
sempre acompanhadas de um homem. Se
infringissem essas regras poderiam sofrer
humilhações e espancamentos públicos de
acordo com a Sharia.
Entretanto, a situação das mulheres estava
mudando. Elas frequentavam escolas,
universidades e acessavam trabalhos que
antes não lhes era permitido. Porém, os
fundamentalistas tentavam parar esse
progresso, matando as mulheres jornalistas,
médicas, policiais, estudantes...
Giorgio Agamben dissertou sobre a questão
do estado de exceção. Ele pode ser definido
como uma anomalia constitucional diante
de uma situação específica e extraordinária.
Para ele a estrutura sociopolítica se
encontra em conflito, o que leva à
deturpação da ordem jurídica e consequente
consumação da violência. Instaura-se uma
guerra civil legal para permitir a eliminação
e controle sistemático de inimigos políticos
e até mesmo categorias de cidadãos que não
sejam vistos como integráveis ao sistema
político.
Como aplicar isso na situação do
Afeganistão? A situação do país é
gravíssima, e explícita. Um grupo
fundamentalista toma o poder e deturpa a
ordem jurídica de um país, aplicando uma
ordem jurídica religiosa. Aqui também há a
questão da religião: quando a religião se
mistura com o Direito e impele homens a
criarem leis baseadas em suas próprias
convicções. Quando isso acontece, o direito
das minorias pode não ser respeitado, como
o caso das mulheres na Sharia.
Quando esse estado de exceção é
instaurado, há incutido à nova ordem
jurídica uma nova guerra.: Guerra à
diferença. No caso do Talibã, uma guerra
religiosa ao ocidente vai acontecer. O grupo
está focado em findar as interferências do
ocidente na região. Vários estrangeiros
deixaram o país com medo desse novo
governo. Cenas terríveis de tumultos em
aeroportos de pessoas tentando deixar o
país circularam o mundo. O aumento de
refugiados vai aumentar consideravelmente,
principalmente nas regiões vizinhas. Todos
estão com medo, principalmente os alvos
mais claros, como empregados do Governo,
ex-militares, jornalistas, mulheres ativistas,
defensoras dos direitos humanos, juízes e
promotores, pessoas que trabalharam com
forças estrangeiras; grupos que já foram
alvo do Talibã.
Ademais, a violência tem sido usada como
forma de manutenção do sistema jurídico.
Quando ele é ameaçado, o Direito passa a
efetivar a violência. Isso pode ser visto no
caso das mulheres no Afeganistão. Sendo
vistas como uma categoria “a parte” da
sociedade; vistas como indivíduos
invisíveis, com uma existência
condicionada à conveniência útil do Estado.
Eis que surge uma categorização de
mulheres como “vidas nuas”, conceito de
Agamben que define indivíduos que
perdem sua individualidade e
consequentemente seus direitos; são grupos
marginalizadas e que sua existência é
apenas condicionada a uma necessidade.
paragrafo Mulheres são vistas com
inferioridade e não integráveis ao sistema
jurídico como indivíduos, por isso não
possuem direitos. Esses grupos
marginalizados possuem uma existência
fantasmagórica. No Afeganistão, mulheres
têm sido escondidas debaixo das burcas,
sua voz calada, seu direito ao estudo tirado
e sua presença em sociedade se resume à
presença do homem que a acompanha. A
única função da mulher é o casamento e
reprodução. Não há direito de escolha
porque as mulheres não existem nesse
estado de exceção; tudo o que elas são é
parte de um grupo que só serve para servir
os homens. Isso é gravíssimo. Há uma
supressão da individualidade da mulher
como mulher. Mulheres se tornam cidades
invisíveis. Calvino não teria previsto essa
situação, quando mulheres se equiparam às
suas cidades, que só passam a existir
quando são visitadas. Elas não existem por
si próprias.
O Talibã já comunicou que pretende
respeitar os direitos das mulheres. Foi dito
que serão inclusivos e permitirão que
mulheres trabalhem e meninas estudem.
Mas muitos não acreditam no discurso
moderado que tem sido proclamado pelo
Talibã. O temor está em quando o mundo
parar de olhar com atenção à situação do
país. É função da comunidade internacional
interferir nessa situação e pressionar o
Talibã para garantir os direitos humanos,
principalmente das mulheres. A situação do
Afeganistão é grave e tem potencial para
ser ainda pior.

REFERÊNCIAS
“OS TALIBÃS COMEÇARAM A IR DE CASA
EM CASA À PROCURA DAS MULHERES
ATIVISTAS”, DENUNCIA HUMIRA SAQIB -
Medo dos islamistas já está mudando a
maneira de agir das mulheres no
Afeganistão. El País. Dubai - 17 de agosto
2021. Disponível em
https://brasil.elpais.com/internacional/202
1-08-17/os-talibas-comecaram-a-ir-de-
casa-em-casa-a-procura-das-mulheres-
ativistas-denuncia-humira-saqib.html.
Acesso em 20 de agosto de 2021.
AFEGANISTÃO: O QUE É A SHARIA, LEI
ISLÂMICA QUE O TALIBÃ QUER APLICAR NO
PAÍS? Mulheres que fugiram de áreas
controladas pelos fundamentalistas dizem
que as novas regras já estão sendo
impostas pelo grupo. BBC News Mundo. 17
de agosto de 2021. Disponível em
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021
/08/17/afeganistao-o-que-e-a-sharia-lei-
islamica-que-o-taliba-quer-aplicar-no-
pais.ghtml. Acesso em 20/08/2021.
AFGHANISTAN : LE CRUEL ABANDON DES
FEMMES. Le monde. 28 juillet 2021.
Disponível em
https://www.lemonde.fr/idees/article/202
1/07/28/afghanistan-le-cruel-abandon-
des-femmes_6089788_3232.html. Acesso
em 20 de agosto de 2021.
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção,
trad. I. Poleti, São Paulo: Boitempo, 2004.
ASCENSÃO DO TALIBÃ AMEAÇA DIREITOS
CONQUISTADOS POR MULHERES AFEGÃS
EM 20 ANOS. CNN. 15 de agosto de 2021.
Reuters. Disponível em
https://www.cnnbrasil.com.br/internacion
al/2021/08/15/ascensao-do-taliba-
ameaca-direitos-conquistados-por-
mulheres-afegas-em-20-anos. Acesso em
19 de agosto de 2021.
O QUE JÁ COMEÇA A MUDAR PARA
MULHERES COM TALEBÃ NO PODER NO
AFEGANISTÃO. BBC News Mundo. 17 de
agosto 2021. Disponível em
https://www.bbc.com/portuguese/interna
cional-58242204. Acesso em 20 de agosto
de 2021.
RECUL REDOUTÉ POUR LES FEMMES EN
AFGHANISTAN. Deutsche Welle.
17.08.2021. Disponível em
https://www.dw.com/fr/afghanistan-
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20 de agosto de 2021.
TALIBÃ E SUA ATUAÇÃO NO MUNDO DO
TERRORISMO. Politize. 16 de agosto de
2021. Disponível em
https://www.politize.com.br/taliba-
terrorismo/. Acesso em 20/08/2021.
THE FRAGILITY OF WOMEN'S RIGHTS IN
AFGHANISTAN. Human Rights Watch.
August 17, 2021. Disponível em
https://www.hrw.org/news/2021/08/17/fr
agility-womens-rights-afghanistan. Acesso
em 20 de agosto de 2021.

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