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A POSIÇÃO DA MULHER NO IRÃ ANTES E DEPOIS DA REVOLUÇÃO IRANIANA EM

COMPARAÇÃO COM A TURQUIA

Amanda Stinghen Moretão1

Resumo: O presente trabalho objetiva avaliar como o direito das mulheres no Irã mudou a partir da Revolução Iraniana
e realizar uma comparação com o Estado secular da Turquia, além de analisar como os movimentos feministas se
enquadraram em ambas as sociedades. Tanto a secularidade como o islamismo influenciaram esses países de formas e
intensidades diferentes; este artigo visa avaliar como essas mudanças afetaram a vida das mulheres seculares e
muçulmanas, em especial nos âmbitos do trabalho, educação, casamento, e participação das mulheres na política e nos
governos. Além da questão do uso do hijab, que é amplamente discutida nos dois países. O Irã e a Turquia são países
majoritariamente muçulmanos, porém não são árabes. Apesar destas semelhanças, os dois países são muito diferentes
com relação à suas formas de governo, o Irã é um país islâmico que segue as leis da Sharia, enquanto a Turquia é um
Estado secular com grande influência ocidental.

Palavras-chave: Empoderamento feminino, islamismo, secularismo, mulher muçulmana.

História e política no Irã e na Turquia

Após o fim da Primeira Guerra Mundial e o fim do Império Otomano, forças nacionalistas
de resistência se formaram na Turquia, defendendo a independência do país. É nesse cenário que
surge Mustafa Kemal, nomeado mais tarde de Atatürk (Pai dos Turcos), um militar que liderou os
movimentos nacionalistas que levaram a Guerra da Independência Nacional, em 1919. Em 1922, a
Grande Assembleia Nacional aboliu o Sultanato Otomano e, em 1923, com a assinatura do Tratado
de Lausanne, a Turquia é oficialmente reconhecida como uma República secular, assim como suas
fronteiras, tendo Kemal Atatürk como seu primeiro presidente (Mango, 2008, p.159).
Atatürk lançou um programa de reformas sociais e políticas para modernizar a Turquia, que
ficou conhecido como kemalismo. Algumas das reformas incluíram a abolição do califado, o
encerramento de escolas islâmicas, e a substituição das leis islâmicas por leis seculares (Kayali,
2008, p.145). Além disso, as leis civis, comerciais e o código penal foram alterados e baseados em
modelos europeus, e o alfabeto turco foi estabelecido com escrita latina, eliminando os alfabetos
árabe e persa. Para as mulheres, foi desencorajado o uso do véu e encorajado o uso de roupas
ocidentais, além de que lhes foi concedido o direito ao voto e o direito de serem eleitas. Para ele,
modernização significava ocidentalização.
As reformas do regime de Atatürk foram realizadas de forma muito rápida e, apesar de
receber o apoio de grande parte da população, acabaram excluindo classes mais baixas, pessoas que
viviam no interior, e a população muçulmana mais conservadora.

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Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba, Curitiba, Brasil.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
No Irã, em 1925, Reza Pahlavi chega ao poder. O novo xá tinha como objetivos de seu
governo a modernização - ocidentalização - e a independência iraniana. Reza Xá Pahlavi tinha
como modelo o vizinho turco Kemal Atatürk, e suas políticas incluíram um código civil baseado em
modelos europeus, a modernização do sistema de educação (se afastando da religião) e a eliminação
de vestimentas típicas para homens e mulheres (Adghirni, 2014, p.138). Além do "Despertar da
Mulher", campanha que repudiava o véu islâmico e incentivava as mulheres a participar do
governo, negócios, das academias e dos esportes.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a neutralidade do Irã e a recusa de que o país fosse
utilizado como base logística americana, levaram a Grã-Bretanha e a Rússia a depor o xá e colocar
em seu lugar seu filho Mohammad Reza Pahlavi, em 1941. Depois de dois anos no poder, as
potências – Rússia, Grã-Bretanha e Estados Unidos – reconheceram a independência do Irã e o
novo xá assumiu plenos poderes.
Na década de 1950, o xá, apoiado pelo ocidente, estabeleceu fortes políticas de
modernização e ocidentalização do Estado, assim como se tornou cada vez mais opressor com a
ajuda de sua polícia secreta, a SAVAK.
Em 1979, a Revolução Iraniana derrubou o xá Reza Pahlavi a partir da união de um país
inteiro contra um regime corrupto e opressor. A revolta do povo uniu nacionalistas, esquerdistas,
sindicalistas, religiosos, e diversos outros movimentos a favor de um único objetivo (Adelkhah,
2009 apud Adghirni, 2014, p. 146-147.). Após a deposição do xá, diversas vertentes políticas
queriam o poder, o primeiro-ministro não conseguia controlar os movimentos políticos, então, o
aiatolá Ruhollah Khomeini realizou um referendo para tornar o país uma República Islâmica.
A partir do momento em que houve a formação de uma República Islâmica, a lei adotada
passou a ser a Sharia. Além das novas leis, Khomeini instituiu uma série de restrições morais,
proibindo tudo o que remetesse ao Ocidente. Deste modo, o código de vestimentas mudou para
ambos os sexos e o uso do véu se tornou obrigatório. Foi proibido o consumo de bebidas alcoólicas
e adúlteros passaram a ser sentenciados à pena de morte por apedrejamento. Além disso, mulheres
foram proibidas de andar de bicicleta, cantar, nadar em público e praticar esportes junto com
homens. O cinema foi censurado assim como a mídia e quem tivesse algo para falar contra o
regime.
Muitas mulheres já eram religiosas dentro do Irã, entretanto, outras tantas que antes
defendiam o secularismo, acabaram abraçando o islamismo como uma alternativa ao governo
repressor de Reza Pahlavi. Acima de uma religião, o islamismo se tornou uma linha de resistência

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política, uma forte oposição a um governo o qual a maior parte da população rejeitava. Segundo
Hamideh Sedghi (2007, p.193), as mulheres buscavam uma nova resposta para a vida que elas
consideravam alienante, e essa resposta caiu sobre o Islã.
Centenas de mulheres marcharam em Teerã com a volta do aiatolá Khomeini, entretanto, a
partir da sua chegada, os direitos seculares impostos pelo xá foram revogados em favor da Sharia, o
que representou uma grande mudança. Com a Revolução, as mulheres que usavam o véu passaram
a ser reconhecidas como poderosas revolucionárias, enquanto as mulheres seculares passaram a ser
consideradas como ocidentalizadas, defensoras da monarquia e indecentes. Nos olhos dos
revolucionários não havia outra opção: ou você era a favor da República Islâmica, ou da monarquia.
A pressão para as mulheres usarem o véu aumentou cada vez mais a partir de 1979. Muitas
mulheres começaram a ser assediadas e sofrer violência física em público. Como forma de lutar
contra as normas, diversas mulheres se uniram em grupos de discussão, publicaram artigos,
organizaram debates em universidades, participaram de organizações femininas sobre os direitos no
Irã, e realizaram protestos. Algumas tiveram que sair do país e ainda vivem em exílio. Na realidade,
até hoje mulheres decidem sair do Irã por causa das leis discriminatórias do país.
As novas normas da República Islâmica também proibiram as mulheres de assumir certos
cargos, como é o caso do posto de juiz, além de instituir políticas discriminatórias que
desencorajaram a população feminina de trabalhar fora. Entretanto, as iranianas já tinham ganhado
direitos trabalhistas e muitas delas trabalhavam fora de casa, portanto nem a repressão do regime
islâmico conseguiu fazer com que as mulheres abandonassem completamente seus empregos. Além
disso, com a guerra do Iraque (1980-1988) e quase um milhão de iranianos mortos, em sua maior
parte homens, houve a necessidade da inserção das mulheres no mercado de trabalho (Sedghi, 2007,
p.20).
Na década de 1980, foi a vez da Turquia de utilizar o Irã como inspiração para mudanças.
Como já mencionado, as reformas kemalistas não melhoraram a vida da população mais pobre e do
interior, na realidade ainda aumentou o contraste entre ricos e pobres na sociedade turca. Não
apenas com relação a classes sociais, mas as reformas também falharam nas questões femininas.
Apesar de terem adquirido direitos pela lei, faltaram políticas públicas para realmente cumprir com
os direitos e diminuir a desigualdade. Outro aspecto diz respeito à política, que, apesar de as
mulheres poderem votar e serem votadas, o regime primeiramente não permitiu a fundação de
partidos (negando o Partido do Povo das Mulheres) e, em 1981, proibiu os partidos de formarem
organizações de mulheres (Arat, 2005, p.41).

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Desta forma, nos anos 1980, começam a surgir partidos e organizações islâmicas que tinham
uma visão diferente de liberdade e lutavam pelos direitos das mulheres. Na realidade, alguns
movimentos ficaram tão populares que muitas mulheres seculares aderiram. De acordo com Şerif
Mardin (1989 apud Arat, 2005, p.31), uma razão para o tamanho sucesso desses movimentos era
que o islamismo tinha um encanto que a ideologia do Estado não podia ter, uma vez que era
pragmática, positivista, e racionalista, e não conseguia apelar para o coração da população.
No final da década de 1980, as mulheres turcas passaram a ter muita importância no cenário
político. O Partido do Bem Estar decidiu incorporar mulheres no partido por acreditar que elas
conseguiriam recrutar tanto homens como mulheres (Arat, 2005, p.32). Em 1989, então, foi
aprovada a sua incorporação no partido e este primeiro grupo mais tarde formaria a primeira
Comissão de Senhoras do Partido do Bem Estar.
As mulheres membros das comissões vinham principalmente de classes mais baixas e de
famílias conservadoras, e foram uma das principais razões para o crescimento e sucesso do partido.
Essas mulheres também foram responsáveis por grande parte dos votos das eleições de 1994 e 1995
para o Partido do Bem Estar. Em 1997, as turcas constituíam um terço do partido em Istambul;
nenhum outro partido conseguiu uma adesão tão grande da população feminina.
No Irã, em 1997, Seyyed Mohammad Khatami foi eleito o novo presidente. Seu governo
visava uma maior abertura política da sociedade, com liberdades individuais garantidas por um
estado de direito (Polk, 2009, p.155). Durante seu mandato, Khatami tentou incorporar mais
mulheres na política, nomeando Masumeh Ebtekar como a primeira vice-presidente e estabelecendo
um Centro para Participação de Mulheres. Além disso, treze mulheres reformistas foram eleitas
para o parlamento.
Essas mulheres conseguiram conquistar algumas mudanças, como a permissão de mulheres
para viajar para fora do país para estudar, a lei sobre custódia dos filhos, e a idade mínima legal
para as meninas casarem. Contudo, apesar de tentarem fazer maiores mudanças nos direitos das
mulheres, elas eram constantemente vetadas pelo Conselho de Guardiões (Barlow; Shahram, 2008,
p.25).
Até o momento, as mulheres iranianas conquistaram apenas cargos de vice-presidente,
governadora, ministra e deputada. As mulheres participam ativamente das disputas políticas no Irã,
entretanto, ainda não conseguem tanta representatividade no governo, ocupando apenas 3,1% dos
assentos no parlamento.

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Na Turquia, as mulheres têm um pouco mais de participação no governo. Em 1993, Tansu
Çiller foi eleita Primeira Ministra, sendo a primeira e única mulher a conquistar esse feito no país.
Segundo dados do PNUD, as mulheres ocupam 14,9% dos assentos no parlamento.

O direito do uso do hijab

Durante o período da Revolução houve uma união geral do país, onde não importava classe,
gênero ou ideologias, todos estavam juntos para acabar com o regime opressor do xá. Algumas
mulheres seculares, normalmente de classes mais altas, utilizavam calças, blusas e saias. Enquanto
as mulheres que já utilizavam vestimentas islâmicas continuaram usando-a. Contudo, muitas
mulheres, principalmente da classe média urbana, passaram a participar de grupos de estudos
islâmicos e receber uma maior influência da religião, o que alterou seus padrões de se vestir no
período revolucionário. A moda europeia praticamente sumiu das ruas no final dos anos 1970, e
diversas mulheres adotaram o xador, ou o hijab com túnicas e calças.
Em 1979, após a revolução, Khomeini determinou a obrigatoriedade do uso do véu. Apesar
dos protestos, a questão do hijab se tornou obrigatória por lei, sendo incluída no Código Penal
iraniano. Portanto, no território iraniano é obrigatório para todas as mulheres, locais ou turistas,
cobrir o corpo de maneira que não mostre as suas formas. Algumas mulheres usam o xador, mas
muitas delas, principalmente nas cidades maiores, utilizam uma calça, uma túnica que deve cobrir
até o joelho pelo menos e o hijab - que deveria cobrir toda a cabeça, mas as iranianas mais
modernas já o utilizam mostrando boa parte dos cabelos.
Apesar de a lei estabelecer penas duras pelo uso de vestimentas indevidas, a polícia moral já
não é mais tão rigorosa. As mulheres até chegam a ser levadas para a delegacia, e têm de assinar um
termo se comprometendo a seguir as normas, mas dificilmente elas terão que enfrentar algum
processo jurídico (Adghirni, 2014, p.182). Essa questão também depende muito de cada governo,
Khatami (1997-2005) foi mais liberal quanto às liberdades civis e as vestimentas femininas, já
Ahmadinejad (2005-2013) foi mais rigoroso com a questão do hijab, sendo mais repressor. O atual
presidente Hassan Rouhani também é mais liberal, tendo já entrado em conflito com o clérigo pela
questão do véu.
O uso do véu incomoda muitas mulheres, especialmente as de classes mais altas. Entretanto,
dentre todos os problemas reais do país, o véu acaba sendo um aspecto social que não tem muita
importância na vida das iranianas. As mulheres que moram no Irã não se preocupam muito em
como respeitar as regras de utilização do hijab, ele já é utilizado mais solto, mostrando parte dos

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cabelos. O maior problema com relação ao uso do véu é o fato de ele ser compulsório. Para muitas
mulheres, o problema não é usar o hijab, e sim não ter o poder de escolha, é o Estado fazer as
escolhas por elas.
Essa também acaba sendo uma grande questão na Turquia, uma vez que, ao contrário do
hijab compulsório, o Estado, mais uma vez interferindo nas escolhas das mulheres, proibiu seu uso
nas escolas, em cargos públicos e nas forças armadas.
A partir da década de 1980, com o surgimento do Partido do Bem Estar e o aumento da
influência islâmica, muitas mulheres muçulmanas que utilizavam o véu começaram a frequentar as
universidades. Esse acontecimento não agradou nem um pouco os membros do Estado que
defendiam acima de tudo o kemalismo e o secularismo do país. Um ano após o golpe de 1980, o
general Kenan Evren baniu o uso do véu por estudantes e funcionárias do governo por meio de um
decreto do Conselho de Segurança Nacional (Arat, 2005, p.24). Em 1982, o Conselho de Educação
baniu o véu nas universidades.
Nos anos 1990, as mulheres que eram impedidas de usar o véu começaram a contar as
histórias das injustiças que estavam sofrendo através de livros, jornais e revistas. Em 1998, centenas
de mulheres protestaram em Ancara pelo direito de utilizar o véu nas universidades. E, em 1999, a
deputada Merve Kavakçı, eleita pelo Partido da Virtude, que sucedeu o Partido do Bem Estar,
tentou tomar seu assento no parlamento usando um véu, causando um caos na câmara. Ela se
recusou a tirar o véu, portanto, não foi autorizada a tomar posse e foi escoltada para fora (White,
2008, p.399).
A luta das mulheres pelo direito de cobrirem seus cabelos iniciou nos anos 1980 e continua
sendo uma questão contraditória até hoje. Apenas no final de 2010 que o conselho de educação, que
tinha como maioria membros do AKP, retirou a proibição do uso do véu em universidades. Em
2013, o governo retirou a proibição do uso do véu em instituições do governo. Em 2014, foi retirada
a proibição nas escolas e, apenas neste ano as mulheres receberam a permissão de utilizar o véu nas
forças armadas.
A questão do véu nas universidades e em espaços públicos em geral se torna um problema,
uma vez que as mulheres que escolhem usar o véu muitas vezes acabam sofrendo preconceitos. Há
relatos de mulheres que acreditam sofrerem certas discriminações ao usarem o véu, porque
seculares turcos associam o véu a pessoas pobres e que não têm acesso à educação (Perrier, 2007).
Muitas mulheres que foram educadas em escolas seculares, ou mesmo as de escolas
islâmicas, na maioria das vezes não querem um Estado baseado na Sharia, querem apenas o seu

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direito de poder estudar usando o véu, o que não interfere de maneira nenhuma no direito de outras
pessoas. Mas o Estado vê a situação como sendo uma afronta aos ideais kemalistas da República,
continuamente tentando impedir meninas de estudarem. Ao entrar na universidade, as mulheres não
são mais crianças ou adolescentes que são obrigadas a ir para a escola sem o véu - o que já
prejudica o ensino secundário nas áreas rurais, onde as famílias não aceitam que as meninas saiam
de casa sem o véu -, mas sim adultas que podem lutar pelos seus direitos. Algumas turcas optam por
estudar fora do país; outras que não têm condições para fazer o mesmo, ou simplesmente não
querem deixar o país, acabam desistindo de seus estudos por causa de seus princípios.
As mulheres que entram nas universidades por vezes vêm de escolas boas que as preparam
para assumir cargos importantes dentro da sociedade turca, mas a opção pelo uso do véu as acaba
impedindo de finalizar seus estudos e assumir funções públicas de alto nível. No ensino superior,
segundo dados de 2007 do Comitê de Direitos das Mulheres da União Europeia, a porcentagem de
mulheres era apenas de 30%, além disso, o órgão denunciava que nas áreas rurais havia pouca
inclusão de mulheres na educação desde o ensino básico (Bozkurt, 2007, p.24).
A questão do uso do hijab é muito discutida tanto no Irã como na Turquia. O uso
compulsório do véu no Irã é um incômodo para as mulheres, mas não necessariamente chega a ser
um problema tão grande, uma vez que as mulheres se preocupam mais com questões gerais ligadas
a um país em desenvolvimento, como questões políticas, econômicas, sociais, e de justiça
(Adghirni, 2014, p.184); e o direito de usar ou não uma peça de roupa acaba ficando em segundo
plano. As questões que afetam a população geral acabam se sobrepondo sobre a causa do hijab.
Na Turquia, a questão do véu é um problema mais sério, porque não é apenas uma questão
de liberdade individual, mas também acaba privando da educação meninas e mulheres que não vão
abandonar seus princípios e crenças.

Lutas feministas atuais

Apesar de um país ter leis seculares e o outro leis islâmicas, as mulheres de ambos os países
sempre lutaram por seus direitos. No Irã, uma campanha muito importante foi a "One Million
Signatures for Change and Equality", de 2006, que como o nome já diz, busca um milhão de
assinaturas em apoio a mudanças nas leis do país que vão contra a igualdade de direitos entre a
população. A campanha foi criada por mulheres ativistas, advogadas, editoras e escritoras em
resposta às leis que favorecem a sociedade patriarcal. Uma estudante de Direito, em 2008, explicou

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que a campanha busca apoio de todos os gêneros e classes e tem como intenção a conscientização
do status jurídico das mulheres:

como mães, esposas, ou simplesmente cidadãs. O direito ao divórcio, a custódia de ambos


filhos e filhas sem limites de idade, a igualdade de status na morte com relação ao blood
money [ou diya, é um pagamento compensatório pela morte de alguém] ou compensação
pela perda de vida, a revisão da idade de casamento para meninas, e a dissolução da
poligamia estão entre as propostas de mudanças (HOLLIDAY, 2010, p.129).

De acordo com o Código Civil iraniano, artigo 1133, um homem pode divorciar de sua
mulher quando ele desejar fazê-lo. A mulher não possui o mesmo direito, podendo pedir o divórcio
em situações específicas. O homem também pode conceder a sua esposa os mesmos direitos de
divórcio que ele possui em um contrato de casamento.
Nos casos de divórcio, o maior problema enfrentado pelas mulheres é a questão da guarda
dos filhos. De acordo com o Código Civil do país, a custódia da criança após o divórcio será
estabelecida com base na sua idade. O artigo 1169 originalmente dava a custódia para a mãe até o
filho fazer dois anos e a filha sete anos, porém, este foi mais tarde alterado para que a custódia
permaneça com a mãe até os sete anos, independente do sexo da criança.
Entretanto, de acordo com o artigo 1170, a mãe perde custódia da criança se ela se casar
novamente. Essa disposição não se aplica aos homens, se o pai se casar novamente, seus direitos
relativos à guarda e custódia permanecem os mesmos.
O problema relacionado à custódia das crianças afeta muito as mães, que por vezes têm de
permanecer em um casamento abusivo pelo bem dos filhos, e também prejudica muito a saúde
mental (e às vezes física) das crianças. Além dos problemas enfrentados pelas mulheres que
permanecem no casamento, outros tantos aparecem a partir do divórcio e a perda da custódia.
Algumas mulheres relatam que os filhos acabam ficando abandonados durante o dia, porque os pais
trabalham o dia inteiro, ou que eles sofrem certos tipos de abuso.
Outro ponto abordado pela causa é a questão da nacionalidade iraniana, que é passada de pai
para filho, não sendo aceito que as mães passem a nacionalidade. Então, se a mulher iraniana se
casa com um afegão, por exemplo, seus filhos não são reconhecidos como cidadãos iranianos, o que
dificulta o direito à educação e à saúde pública.
No Irã, a luta por direitos acontece tanto a partir de feministas seculares, como de feministas
islâmicas. As feministas islâmicas abordam a questão dos direitos a partir de uma perspectiva
religiosa. Elas acreditam que os problemas que elas têm são resultados de interpretações masculinas
erradas dos textos sagrados, e não dos próprios princípios do Islã (Barlow;Shahram, 2008, p.4).

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Segundo Brooks (1995, p.233), "nem os mais estreitos fundamentalistas podem criticar as
credenciais islâmicas de mulheres como Zahra Mastafavi, a filha de Khomeini, ou Faezeh Hashemi,
a filha de Rafsanjani".
Zahra é PhD em filosofia e professora na Universidade de Teerã, além de ser a Secretária
Geral da Sociedade das Mulheres. A Sociedade é uma organização feminina que tem como objetivo
a maior participação de mulheres na sociedade e a garantia dos direitos das mulheres com base nos
preceitos islâmicos. Zahra acredita que como os homens, as mulheres devem ser incentivadas a se
desenvolver na política, na educação, na academia e nas ciências.
Faezeh Hashemi trabalhou muito para conquistar direitos relacionados aos esportes para as
iranianas. Além desse trabalho, Hashemi lutou pelos direitos das mulheres como uma representante
do parlamento de Teerã de 1996 a 2000. Em 2009, após mostrar apoio aos manifestantes que foram
brutalmente reprimidos nos protestos contra a eleição de Ahmadinejad, ela foi sentenciada a seis
meses de prisão e uma proibição de cinco anos de participar de atividades políticas e culturais, sob a
acusação de "propaganda contra o regime".
Na Turquia, independente de suas crenças quanto à extensão da religião na sociedade, as
mulheres lutam com força para a obtenção de seus direitos. Em 1986, elas organizaram uma
campanha para que a Convenção para a Eliminação de Todos os Tipos de Discriminação Contra
Mulheres (CEDAW, em inglês) das Nações Unidas fosse instituída (Arat, 2008, p.422). As questões
mais reivindicadas pelas turcas se referiam à sexualidade das mulheres, o abuso sexual e a violência
doméstica. Esta última se tornou a prioridade da luta feminista nos anos seguintes, levando a
diversos protestos nas cidades. Da década de 1990 em diante, mais de 280 fundações e associações
foram criadas para a defesa dos direitos e proteção das mulheres.
Dois dos principais esforços das turcas diz respeito às mudanças necessárias no Código Civil
e no Código Penal. O Código Civil de 1926 estabelecia uma posição inferior da mulher em relação
ao homem no casamento. Os homens seriam os chefes da família, tomariam as decisões que as
envolvesse, e o mais importante: a lei do divórcio reconhecia a separação total de bens, o que
prejudicava a maioria das turcas que não trabalhava fora de casa e não tinha nada e seu nome (Arat,
2008, p.402). Diversas organizações adotaram a causa, conseguindo inclusive apoio internacional.
A União Europeia teve grande influência nas conquistas femininas na Turquia, uma vez que
para cumprir alguns requisitos e aderir ao bloco, o país teve que apresentar um Programa Nacional
em 2001. Este programa reconhecia que o Código Civil turco tinha que ser mudado em curto prazo.

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O novo código foi aprovado no mesmo ano e entrou em vigor em janeiro de 2002. Dentro
dos novos direitos garantidos por ele estavam: a comunhão parcial de bens, que dava as mulheres
uma maior proteção em caso de divórcio; a idade mínima para casamento passou a ser 18 anos para
ambos os sexos, sendo que antes era dezessete anos para o homem e quinze para a mulher; o direito
a herança passou a ser igual para crianças nascidas fora e dentro do casamento; e pais solteiros
passaram a poder adotar crianças (Ilkkaracan, 2006, p.2). Além dessas alterações, a igualdade entre
o homem e a mulher dentro do casamento foi finalmente estabelecida na Constituição, no artigo 41.
Logo após o sucesso da campanha para a reforma do Código Civil turco, as organizações
focaram nas mudanças necessárias no Código Penal. A experiência adquirida, a organização e força
das ONGs femininas, junto com os princípios da União Europeia aos quais o país deveria se
adequar, levaram a rápidos resultados. O novo Código Penal turco foi aprovado em 2005, contendo
mais de trinta alterações favoráveis a igualdade de gênero e a proteção dos direitos das mulheres na
Turquia.

Conclusão

Enquanto o Irã foi inspirado pelo secularismo da Turquia nos anos 1920 e 1930, a Turquia
foi inspirada pelo islamismo do Irã nos anos 1980 e 1990. Em ambos os países o secularismo
normalmente recebe maior apoio das elites, enquanto a população do interior e de camadas mais
populares acaba sendo marginalizada. É devido a essa marginalização que movimentos islâmicos
acabam ganhando força, uma vez que a população vai buscar uma resposta para seus problemas
sociais em uma ideologia mais passional.
A questão do véu é muito interessante nos dois países, enquanto o Irã instituiu o hijab
compulsório, a Turquia teve por muitos anos a proibição do uso do véu em escolas, nos cargos
públicos e nas forças armadas. Apesar de terem sistemas de governo muito diferentes, os dois países
interferiram no direito de escolha das mulheres indo em direção a extremos.
É interessante ver como uma questão tão simples para nós como o uso do véu é utilizado por
essas mulheres como forma de resistência aos regimes opressores, ele se tornou um símbolo
político. Seja na Turquia com as mulheres lutando pelo uso do véu, ou no Irã onde as mulheres já
lutaram por esse direito e hoje lutam pelo direito de escolha. A questão do véu foi um dos motivos
que levou as iranianas a lutar na Revolução e as turcas a se unirem aos movimentos islâmicos no
final da década de 1980.

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Não importa a posição em relação ao hijab, as iranianas e turcas utilizam o feminismo para
lutar por seus direitos. Sendo para tirar ou usar o véu, a luta é pelo direito de se vestir como
desejarem, e não como as ideologias, secular ou islâmica, determinam.
Apesar das diferenças em seus governos, os dois países estão em busca de desenvolvimento.
Tanto o Irã como a Turquia tem ótimos índices de alfabetismo, o que ainda falta para as mulheres é
a maior representatividade no governo e maiores oportunidades de emprego. Outras questões como
a violência de gênero e uma maior igualdade de direitos ainda precisam ser abordadas. É importante
não apenas mudar as leis, mas executá-las, que é o maior problema para qualquer país em
desenvolvimento do mundo. Apesar dessas restrições e direitos, as mulheres no Irã são muito ativas
na vida pública, elas trabalham, tem cargos no governo, e representam 60% nas admissões de
faculdades. As turcas já tem um maior índice de participação no governo e no mercado de trabalho
(30,4%, enquanto no Irã o índice é de 16,2%), porém, também ainda precisam melhorar muito para
alcançar a igualdade de gênero.
O mais importante é perceber que não importa se o país é secular ou islâmico, as mulheres
sempre conseguem encontrar formas de lutar por seus direitos e buscar seu espaço em uma
sociedade mais igualitária.

Referências

ADGHIRNI, Samy. Os Iranianos. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2014.


ARAT, Yeşim. Rethinking Islam and Liberal Democracy: Islamist Women in Turkish Politics. 1.
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The situation of Muslim women in Iran before and after the Iranian Revolution compared
with Turkey.

Abstract: This paper aims to assess how women's law in Iran has changed since the Iranian
Revolution and to make a comparison with the secular state of Turkey, as well as to analyze how
feminist movements fit into both societies. Both secularism and Islam influenced these countries in
different ways and intensities. This article aims to assess how these changes have affected the lives
of secular and Muslim women, especially in the areas of labor, education, marriage, and women's
participation in politics and in the government. In addition to the question of the use of hijab, which
is widely discussed in both countries. Iran and Turkey are mostly Muslim countries, but they are not
Arabs. Despite these similarities, the two countries are very different when it comes to their forms
of government; Iran is an Islamic country that follows Sharia law, while Turkey is a secular state
with great Western influence.
Keywords: Women's Empowerment, Islam, secularism, Muslim woman.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

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