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Líderes Políticos da
Antiguidade
Desalinho
Editor-chefe Pablo Rodrigues
Selo Pórtico
Direção Científica
Anderson de Araujo Martins Esteves – UFRJ
Conselho Editorial
Claudia Beltrão da Rosa – UNIRIO
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Conselho Consultivo
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Assessoria Executiva
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Carlos Eduardo da Costa Campos – UERJ
Carlos Eduardo Schmitt – UFRJ
Carlos Eduardo da Silva dos Santos – UFRJ
Fábio Frohwein de Salles Moniz – UFRJ
Pedro Ivo Zaccur Leal – UFRJ/UERJ
g
Líderes Políticos da
Antiguidade
Anderson de Araujo Martins Esteves
Luis Filipe Bantim de Assumpção
Ricardo de Souza Nogueira
(Organizadores)
Desalinho
Rio de Janeiro
2016
Líderes Políticos da Antiguidade
Anderson de Araujo Martins Esteves
Luis Filipe Bantim de Assumpção
Ricardo de Souza Nogueira
(Organizadores)
Revisão
Arthur Rodrigues Pereira Santos – UFRJ
Braulio Costa Pereira – UFRJ
Lucas Matheus Caminiti Amaya– UFRJ
351 p.; 24 cm
ISBN: 978-85-92789-03-9
CDD 930
Em busca de Licurgo – debates documentais
e historiográficos sobre a tradição política
espartana
1. Introdução
1965) e Oswyn Murray (The Greek City, 1990) chegaram a declarar que
não poderíamos conhecer “praticamente nada” da História de Esparta,
afinal, o sistema político espartano seria apreendido apenas através de
sua forma mítica ou pelos olhares externos, o que acabaria interferin-
do na percepção dos valores característicos da pólis de Esparta. Chester
Starr criticou veementemente os escritos de Plutarco pelo lapso tem-
poral que separa este autor do Período Clássico da Hélade, bem como
pela sua idealização de Esparta através do legislador Licurgo (STARR,
2002.p.26-44). Já Murray destaca que Esparta seria um “mito coletivo”
que pretendia falsificar a realidade e transmitir uma representação de
uma pólis ideal (MURRAY, 1990.p.03-13). Mediante o comentado pode-
mos afirmar que tanto Starr quanto Murray parecem acreditar que os
vestígios históricos dos espartanos não são historicamente confiáveis,
sobretudo aqueles provenientes dos escritos de Plutarco.
Longe de querermos minimizar as contribuições acadêmicas de
Chester Starr e Oswyn Murray, ambos demonstram certo ceticismo
científico, típico do século XIX, quando a História se tornou uma Ci-
ência e buscou “provar a verdade” dos fatos que analisava, através da
materialidade precisa dos documentos oficiais que eram empregados.
Imersos nessa ótica, foi no XIX que a ciência histórica se opôs à Li-
teratura, pois esta, ao permitir que os seus intelectuais fossem livres
para criar, fazia com que nem todos os seus argumentos tivessem uma
comprovação histórica. Ampliando os nossos apontamentos, Durval
de Albuquerque Junior afirmou que, nesta conjuntura, os historia-
dores passaram a ser considerados como aqueles que lidam com os
fatos e detinham o compromisso com a “verdade”. Diferentemente, os
literatos poderiam inventar os acontecimentos que narravam, tornan-
do a Literatura fruto da pura imaginação (ALBUQUERQUE JUNIOR,
2007.p.44). Entretanto, a noção de passado não é sinônima de Histó-
ria, assim como os eventos de outrora não são capazes de contar sobre
os seus próprios feitos e acontecimentos. Sendo assim, o saber histó-
rico não necessita da habilidade do historiador para trazê-lo à tona de
forma agradável, crítica e instigante ao seu público? Do mesmo modo,
o ofício do historiador não seria próximo, em certos aspectos, ao do
literato em seu processo de narrar os fatos? Por fim, será que não po-
demos considerar uma obra de Literatura pelo seu teor histórico, ou
pelo contexto histórico em que foi produzida? Esses questionamen-
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jetória seguida por Licurgo, Plutarco afirmou que este teria saído de
seu território ancestral e ido a Creta, onde se manteve próximo dos
homens identificados como “os primeiros” de sua sociedade. Possivel-
mente, em virtude de sua proximidade com sujeitos importantes em
Creta, Licurgo teve acesso às suas leis (nomoi) onde pôde recolher al-
gumas e adaptá-las para Esparta (Plut., Lic., 4.1). O mesmo teria acon-
tecido quando o espartano esteve no Egito, onde teria reproduzido
a instituição política que separava os guerreiros dos demais grupos
sociais (Plut., Lic., 4.5). Um aspecto curioso seria a ideia de que Licur-
go foi o responsável por transportar para a Hélade continental a obra
completa de Homero, afinal, até então alguns helenos possuíam ape-
nas fragmentos (Plut., Lic., 4.4). Em certa medida, sustentamos que a
associação dos escritos de Homero junto a Licurgo seria um meio de
transmitir a ideia de que entre os espartanos seria uma tradição os
homens escutarem a recitação da Ilíada e da Odisséia, cujo objetivo se-
ria formá-los em conformidade aos valores ancestrais e ao modelo dos
heróis homéricos.
Em um trecho posterior, o biógrafo beócio declarou que Licurgo
teria ido ao santuário de Apolo em Delfos visando garantir a autenti-
cidade de suas leis. Entretanto, como verificamos anteriormente, Plu-
tarco destacou que Licurgo teria obtido algumas de suas leis em Creta,
aspecto que nos permite inferir que parte de sua constituição estava
previamente organizada (Plut., Lic., 4.1). Por sua vez, em outra passa-
gem desta mesma obra, Licurgo teria se encaminhado a Delfos com os
melhores homens de Esparta e ali solicitou boas leis a Apolo (eunomías)
(Plut., Lic., 5.3). Se compararmos ambos os excertos iremos perceber
há uma incongruência discursiva em Plutarco. Afinal, se o legislador
espartano já detinha uma constituição pré-moldada, qual a motivação
em solicitar a Apolo “boas leis”? Ao problematizarmos a representação de
Licurgo proposta por Plutarco poderemos sugerir que este não estaria
confiante do impacto e da aplicabilidade de suas medidas políticas,
tornando necessária a aprovação do divino como um mecanismo de
legitimidade política. Logo, a presença de Apolo sacralizaria os pres-
supostos políticos e faria com que os cidadãos espartanos estivessem
mais propensos a obedecê-las.
Importa-nos demarcar que a concepção de Plutarco acerca do
estabelecimento da constituição espartana por Licurgo é controversa
e não foi partilhada por toda tradição literária que o precedeu. Como
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exemplo podemos citar Platão (Leis, I, 624 a), o qual atribuiu as leis de
Esparta ao próprio deus Apolo. No entanto, Xenofonte adotou um viés
distinto do apresentado por Platão, pois, para o guerreiro ateniense,
Licurgo elaborou a sua constituição e submeteu-a à aprovação de Apo-
lo, através do oráculo de Delfos (Xen., Cons. Lac., 8.5). Cabe-nos pon-
tuar que a perspectiva de Xenofonte endossa o ponto de vista exposto
por Plutarco. Já Heródoto nos permite conjeturar que ambas as ten-
dências expostas no século IV A.E.C. se faziam presentes no século V
A.E.C. (Her., I, 65.4). Diferentemente dos autores citados, o pensador
macedônio Polieno (séc. II E.C.), em seus Estratagemas, escreveu que
Licurgo teria subornado a sacerdotisa Pítia para que esta aprovasse
as suas leis, fazendo os espartanos e lacedemônios obedecerem esta
constituição por temerem as ações divinas (Polieno, Estratagemas, I,
16.1). De qualquer maneira, podemos sugerir que a tradição exposta
por Polieno já deveria ser conhecida no período de Plutarco22, porém,
devido ao viés moralizante de sua obra e à seleção das informações
das quais dispunha, o biógrafo foi levado a relegar a perspectiva de
Polieno.
A relação formal entre as instituições de Licurgo e as deter-
minações de Apolo teria se fundamentado na Retra23. Nos dizeres de
Plutarco, a Retra seria um oráculo que a sacerdotisa Pítia do santuário
de Apolo em Delfos teria transmitido a Licurgo. Seguindo o discur-
so de Plutarco verificamos que a Retra institui questões de organiza-
ção política, social e religiosa para Esparta. Na Vida de Licurgo temos a
oportunidade de observar que esta determinação política atribuída ao
deus Apolo tinha a pretensão de restabelecer o espaço do sagrado em
Esparta, em virtude da instituição de um santuário para Zeus Silâneo
e Atena Silânea. Do mesmo modo, Apolo teria sido o responsável por
organizar os cidadãos em tribos e em obai (vilarejos) sendo este um in-
dício da tentativa de se estabelecer um mecanismo para se reconhecer
a identidade dos cidadãos de Esparta, bem como o seu pertencimen-
to a um grupo específico, o que os distinguiria dos demais habitan-
tes da Lacedemônia. Por fim, a Retra acabou estipulando a dimensão
dos poderes dos basileus, dos gerontes e do demos espartano (Plut., Lic.,
6.1). Contudo, a Retra teria dado poder de decisão política ao demos, o
qual acabava distorcendo o proposto visando benefícios próprios. Para
tanto, o biógrafo beócio declarou que a Retra acabou tendo inserções
posteriores aos seus pressupostos iniciais, ficando essas modificações
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valores que descreviam a pólis de Esparta. Para Nafissi a Retra foi uma
reconstrução retrospectiva forjada em períodos posteriores com a in-
tenção de se representar um passado glorioso para os esparciatas (NA-
FISSI, 2009, p.127-131). Eugene Tigerstedt endossa Nafissi e estende
as suas considerações, uma vez que Licurgo permitia que os valores
espartanos transcendessem a tradição histórica da Hélade e se tornas-
se uma realidade perene entre os cidadãos espartanos (TIGERSTEDT,
1965, p.73). Ao interagirmos com Hans van Wees podemos consolidar
a perspectiva historiográfica hegemônica na atualidade. Como a tra-
dição espartana destacou que a Retra foi elaborada por Licurgo em
um momento anterior a Tirteu, essa tendência pretendia confirmar
o quão antigas eram as leis espartanas, mas também que, diferente-
mente de outras sociedades, Esparta alcançou o seu equilíbrio político
já no Período Arcaico (VAN WEES, 2009, p.01). Com isso, sempre que
houvesse momentos de crise, a sociedade se remeteria aos feitos de
Licurgo como algo que permeava a natureza dos cidadãos de Esparta.
Considerações Parciais
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Notas
entre os séculos IV e III A.E.C. Através desta lista, com a qual o nome dos
vencedores nos jogos foi listado, os helenos puderam contar os anos. De todo
modo, a listagem das Olimpíadas não foi o único sistema que as sociedades
helênicas desenvolveram para contar a passagem dos anos, já que em Esparta
durante o Período Clássico marcava-se o passar dos anos por meio do nome
do éforo que liderava essa magistratura. Por meio de um processo de equi-
valência com o calendário gregoriano os historiadores modernos puderam
chegar ao ano em que os Jogos Olímpicos foram “retomados” (CHRISTESEN,
2007.p.02-05, 277).
10. Cabe a nós destacar que em Esparta havia duas dinastias que go-
vernavam simultaneamente, sendo estas os Ágidas e os Euripôntidas. Em
Heródoto temos a explicação de que esta magistratura foi sancionada pela
sacerdotisa de Apolo em Delfos, no contexto do “retorno dos heráclidas” ao
Peloponeso. Nesse processo, os “descendentes de Héracles” expulsaram os gover-
nantes aqueus e dividiram os territórios peloponésios. A Lacedemônia teria
sido assegurada a Aristodemos, porém, este faleceu deixando filhos gêmeos
idênticos. A esposa do heráclida, de nome Argeia, afirmou não saber qual dos
bebês nasceu primeiro para que o outro não fosse privado da realeza (Heródo-
to, Histórias, VI, 52). Ainda que haja controvérsias quanto ao estabelecimento
desta dupla magistratura, as mesmas foram nomeadas em conformidade ao
nome de governantes cujas atitudes foram emblemáticas em cada uma das
casas reais, isto é, Ágis e Euriponte.
11. Lacedemônios era uma designação empregada para se remeter
àqueles que haviam nascido na Lacedemônia, onde existiam inúmeras póleis,
dentre elas podemos destacar Esparta. No entanto, com base na documenta-
ção literária, a historiografia passou a se remeter à Lacedemônia como a área
geográfica em que Esparta exercia a sua autoridade. Sendo assim, os cida-
dãos de Esparta, os esparciatas, detinham a supremacia política sobre a Lace-
demônia. Devemos pontuar que as “leis” de Licurgo foram empregadas para
estabelecer a ordem entre os lacedemônios, porém, garantia e legitimava a
preponderância dos esparciatas sobre as demais póleis da região e os demais
segmentos que ali residiam.
12. Na Constituição dos Lacedemônios, Xenofonte chegou a expor que Li-
curgo viveu “[...] no tempo dos heráclidas” (Xenofonte, Constituição dos Lacede-
mônios, 10.8). Embora essa assertiva queira transmitir a ideia de um período
muito recuado no tempo, ela não nos esclarece sobre a linhagem de Licurgo.
Hans van Wees sugeriu que Xenofonte tenha feito inferência aos poemas de
Tirteu e aos “heráclidas” citados pelo poeta, cujos descendentes estavam com-
batendo na Segunda Guerra da Messênia. Dessa forma, van Wees defendeu
que Xenofonte teria tentado atrelar as transformações de Licurgo ao mo-
mento em que os esparciatas foram levados a combater os messênios. Poste-
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riormente a esse conflito, devido a uma situação de crise social, Licurgo teria
recebido a sua “constituição” da sacerdotisa pítia, em Delfos, e reorganizado a
pólis de Esparta (VAN WEES, 2009, p.18).
13. A principal tradução dos fragmentos de Aristóteles foi realizada
pelo classicista germânico Valentin Rose, sendo inicialmente publicada em
1863. Os estudos de Rose ainda são amplamente empregados em detrimento
de traduções mais modernas, sobretudo no que concerne às suas marcações.
14. Basicamente, o cargo político de éforo seria o mais proeminente
em Esparta, tinha duração anual e seus membros (cinco esparciatas) pode-
riam ser eleitos dentre todos os cidadãos pela apellazein. Não seria incorreto
afirmarmos que as atribuições políticas dos éforos perpassavam pela esfera
moderna do judiciário, do executivo e, em certa medida, do legislativo (AS-
SUMPÇÃO, 2011b, p.11). Nas palavras de Xenofonte, os éforos teriam sido
criados no intuito de incutir a obediência através do medo, e os mesmos ti-
nham poderes para multar e punir até os próprios basileus (Xen., Cons. Lac.,
8.4).
15. Nas Histórias, Heródoto pontuou que Aristodemos era bisneto de
Hilos, sendo este o primogênito de Héracles (Her., VI, 51.1).
16. Dentre os diversos significados da palavra demos, esta será empre-
gada aqui como “população do sexo masculino”. Devido às transformações
políticas pelas quais Esparta perpassou, somente os cidadãos eram conside-
rados membros do demos espartano.
17. Citação original: “ἐπεὶ καὶ Σιμωνίδης ὁ ποιητὴς οὐκ Εὐνόμου
λέγει τὸν Λυκοῦργον πατρός, ἀλλὰ Πρυτάνιδος καὶ τὸν Λυκοῦργον
καὶ τὸν Εὔνομον, οἱ δὲ πλεῖστοι σχεδὸν οὐχ οὕτω γενεαλογοῦσιν, ἀλλὰ
Προκλέους μὲν τοῦ Ἀριστοδήμου γενέσθαι Σόον, Σόου δὲ Εὐρυπῶντα,
τούτου δὲ Πρύτανιν, ἐκ τούτου δὲ Εὔνομον, Εὐνόμου δὲ Πολυδέκτην
ἐκ προτέρας γυναικός, Λυκοῦργον δὲ νεώτερον ἐκ Διωνάσσης, ὡς
Διευτυχίδας ἱστόρηκεν, ἕκτον μὲν ἀπὸ Προκλέους, ἑνδέκατον δὲ ἀφ᾽
Ἡρακλέους.” (Plut., Lic., 1.4).
18. Ainda que tenhamos nos referido a Licurgo como o “legislador espar-
tano”, neste trecho de sua biografia o mesmo ainda não realizou as transfor-
mações políticas de Esparta.
19. Na Helênica, Xenofonte se utiliza da mesma denominação para se
referir a Aristodemo como o “guardião” do jovem basileu Agesípolis (Xen., Hel.,
IV, 2.9).
20. Essa cobiça pelo poder mesclada ao temor de sua perda pode ser
verificada na personagem Hermione da tragédia Andrômaca de Eurípides,
onde a filha de Menelau tenta dar cabo da vida de Andrômaca com a argu-
mentação de que esta interferia no seu matrimônio com Neoptólemo. Por
fim, ao perceber que não teria sucesso aceita partir do reino de seu marido
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