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UNESP/FAAC/Arquitetura e Urbanismo/Fundamentos Socioeconômicos I: Cidade e Cidadania

Obra: CALDEIRA, T.P. Enclaves Fortificados: a nova segregação urbana. Novos Estudos, nº47. São Paulo:
CEBRAP, 1997.

Sinopse: O artigo “Enclaves Fortificados: A nova segregação urbana” elaborado pela antropóloga
Teresa Caldeira, tem como objetivo analisar a formação, influência e resultado dos enclaves
fortificados, fenômeno que acentua a segregação econômica e racial por meio de ambientes e
sistemas de segurança privados e barreiras físicas. Caldeira pontua o aumento da habitação por parte
da classe média e alta da sociedade em espaços fechados justificados pelo medo da violência, e por
consequência, tornando o espaço público urbanamente desigual, marginalizado e precarizado.

Anotações:
“As mudanças urbanas das décadas de 80 e 90 em São Paulo e o novo padrão de segregação espacial
delas resultante [...] se combinaram em quatro diferentes processos de mudança.” (CALDEIRA, 1997,
p.156).
“Primeiro, a crise econômica que resultou na "década perdida" de 80, isto é, nos anos de recessão
econômica, altas taxas de inflação, desemprego e aumento significativo da pobreza. [...] a periferia
vem se tornando inacessível para os mais pobres. [...] Em consequência, a população mais pobre teve
que se mudar para favelas ou cortiços” (CALDEIRA, 1997, p.156).
“Segundo [...] Desde meados da década de 70, os movimentos sociais organizados por moradores da
periferia pressionaram as administrações locais a melhorar a infra-estrutura e os serviços públicos de
seus bairros [...] A contrapartida desses processos foi a diminuição da oferta de lotes baratos no
mercado.” (CALDEIRA, 1997, p.157).
“Terceiro, durante os anos 80 [...] São Paulo está sob um processo de terceirização. [...] tornando-se
basicamente um centro financeiro, comercial e coordenador de atividades produtivas e serviços [...] As
áreas industriais mais antigas estão sofrendo processos combinados de deterioração e gentrification.”
(CALDEIRA, 1997, p.158).
“o quarto [...] o crescimento do crime violento e do medo. [...] os cidadãos adotam novas estratégias
de proteção, as quais estão modificando a paisagem urbana, os padrões de residência e circulação, as
trajetórias cotidianas [...] impõe sua lógica de vigilância e distância como forma de status e muda o
caráter da vida e das interações públicas.” (CALDEIRA, 1997, p.158).
“São propriedades privadas para uso coletivo; são fisicamente isolados, seja por muros, espaços vazios
ou outros recursos arquitetônicos; estão voltados para dentro, e não para a rua; são controlados por
guardas armados e sistemas de segurança privada que põem em prática regras de admissão e
exclusão., de modo que são codificados como algo que confere alto status.” (CALDEIRA, 1997, p. 159).
“[...] os anúncios elaboraram o mito de um "novo conceito de moradia" a partir da articulação de
imagens de segurança, isolamento, homogeneidade, instalações e serviços. [...] opõe-se à da cidade,
representada como um mundo deteriorado, permeado não apenas por poluição e barulho, mas
principalmente por confusão e mistura [...].” (CALDEIRA, 1997, p.160).
“Num contexto de medo crescente do crime, em que os pobres são muitas vezes associados à
criminalidade, as classes médias e altas temem contato e contaminação, mas continuam a depender
de seus empregados. Anseiam por encontrar maneiras mais eficientes de controlar essas pessoas que
lhes prestam serviços e com quem mantêm relações tão ambíguas de dependência e evitação,
intimidade e desconfiança.” (CALDEIRA, 1997, p. 161).
“Para as classes altas paulistas, os modelos do Primeiro Mundo são bons na medida em que podem ser
adaptados para incluir o controle completo (especialmente dos pobres) e a erradicação da
heterogeneidade racial e social.“ (CALDEIRA, 1997, p.163).
“Assim, com a sua [enclaves fortificados] proliferação, as ruas públicas tornam-se espaços para a
circulação das elites em seus automóveis e dos pobres a pé ou em transporte coletivo. Andar nas ruas
vai se tornando um sinal de classe em muitas cidades ou zonas urbanas, uma atividade que as elites
estão abandonando.” (CALDEIRA, 1997, p. 164).
“ [...] seu [Los Angeles] estilo de vigilância mais discreto está em parte associado ao fato de que os
pobres estão longe do West Side, enquanto no Morumbi eles moram nas favelas vizinhas aos
condomínios fechados.” (CALDEIRA, 1997, p.170).
“A segregação urbana contemporânea é complementar à questão da violência urbana. [...] o medo do
crime é usado para legitimar medidas progressivas de segurança e vigilância. Por outro, a produção
cada vez mais intensa de falas sobre o crime [...] geram e fazem circular estereótipos, classificando
diferentes grupos sociais como perigosos e, portanto, como grupos a serem temidos e evitados.”
(CALDERA, 1997, p.174).
“Uma das condições necessárias para a democracia é que as pessoas reconheçam os membros de
grupos sociais diferentes dos seus como concidadãos, isto é, como pessoas que têm os mesmos
direitos. [...] As cidades de muros não reforçam a cidadania; antes, contribuem para sua erosão.”
(CALDERA, 1997, p.175-176).

Temas para discussão:


○ Compreende-se por enclaves fortificados a tendência isolacionista das elites de confinar-se em
espaços cada vez mais privatizados e controlados. Esses enclaves compreendem não somente áreas
residenciais, mas também shopping centers, complexos de escritórios, parques de diversões, etc.
Algumas das consequências mais relevantes dos enclaves fortificados incluem a crescente inutilização
das ruas das cidades pelas classes altas, que passa a ser vista com falta de prestígio, renegando o
espaço urbano e degradando o conceito de cidadania. Este também sofre pela consolidação da
segregação socioespacial e criação de núcleos homogêneos e isolados, o que afeta diretamente a
política local, devido à falta de participação civil. Ademais, a naturalização e a incorporação dos
projetos de enclaves fortificados na sociedade brasileira também coage a um conformismo das classes
mais baixas ao modelo.
○ A construção de Brasília se inspirou fortemente nos conceitos do urbanismo modernista, que
tinha como um de seus preceitos principais o ataque às ruas, principalmente as ruas-corredores, pois
os modernistas a viam como uma fonte inquestionável de desigualdade social nas cidades. As ruas se
tornaram um eterno paradoxo, sendo ao mesmo tempo locais públicos e habitáveis por todas as
classes e locais onde ficava mais claro que nunca a desigualdade social. Os modernistas decidiram
então excluir as ruas como conceito que busca igualdade. Porém, os efeitos deste modo de construir as
cidades tornaram Brasília uma das cidades mais desiguais do país, devido a segregação espacial que tal
ideologia causava. Os enclaves fortificados viram as consequências de tal urbanismo voltado para
dentro como causador de uma segregação social e se aproveitaram para criar um sistema que
intencionalmente causa exclusão das camadas mais baixas da sociedade, diferente das ideias dos
modernistas, que visavam com a exclusão das ruas, criar uma cidade mais igualitária.
○ A autora discorre também sobre a cidade de Los Angeles e suas relações com São Paulo. As
diferentes estruturas dos enclaves na cidade estadunidense e na brasileira devem-se a diferenças
fundamentais entre o processo de urbanização das duas: a segregação social em São Paulo, por
exemplo se dá pela forte presença de barreiras físicas, já que não existe uma distância real significativa
entre “áreas pobres” e “áreas ricas”, enquanto que em Los Angeles há uma estrutura mais dispersa,
que faz com que as distintas classes sociais se assentem em regiões distantes umas das outras e as
classes mais altas não sintam a necessidade de ocupar e privatizar ruas públicas por meio da
arquitetura defensiva. Além disso, em Los Angeles a estrutura urbana é muito mais polinucleada, com
menos uso das ruas, enquanto que em São Paulo ainda há uma área central e uma série de
ruas-corredores intensamente utilizadas pela população. Caldeira também destaca uma diferença
fundamental entre o comportamento das classes mais altas de Los Angeles, que formam associações
lobistas para obter vantagem política, enquanto em São Paulo, as práticas governamentais tem sido
tão eficientes em manter a segregação socioespacial que ainda não se popularizou a formação de
grupos e associações deste sorte.
○ As classes mais altas têm o privilégio de poderem viver um Brasil diferente e melhor, de se
isentarem da necessidade de espaços públicos de qualidade e até mesmo de transformarem tal
separação num símbolo de status e riqueza desejável por todos aqueles que ainda não o possuem,
auxiliando na disseminação e aceitação da segregação socioespacial estabelecida pelos enclaves. Na
cidade segregada, o muro interfere no uso democrático dos ambientes da cidade, fazendo com que o
espaço público, cada vez mais, perca sua extensão para os interesses privados. Entretanto, espaços da
cidades foram feitos para serem vivenciados por todos os indivíduos e detém valores coletivos
agregados por estes, estabelecendo uma importância pública de interação entre os mais diferentes
indivíduos, importante para a democracia e para o sentimento de “ser cidadão” que não são
permitidas em uma cidade infectada por enclaves fortificados.
○ As redes de comunicação funcionam como uma via de mão dupla, podendo auxiliar na
interação entre classes e popularização de hábitos e culturas, sendo um meio permeável entre as
bolhas sociais. Porém, pode também fortalecer os estereótipos através da manipulação midiática,
fazendo com que os indivíduos se separem ainda mais, que o medo dos pobres se intensifique e que
haja apropriação cultural. Os enclaves se comportam de forma que apenas permeie por seus muros o
que é socialmente aceito pelas elites, permitindo a entrada de pobres apenas como empregados e das
culturas marginalizadas apenas se desjuntadas de colocações sobre lutas e injustiças sociais que
incomodam a sociedade utópica criada pelos que têm muito poder aquisitivo, tornando as redes de
comunicação uma via de mão única, em que um grupo apenas toma indefinidamente.
○ Atualmente, um fenômeno que se vê é o alastramento dos projetos que se configuram como
enclaves fortificados para fora das metrópoles a caminho de cidades médias e pequenas, se tornando
uma compulsão das cidades e incorporando ainda mais a repulsa aos centros públicos e o medo das
camadas mais baixas.
○ Por fim, Caldeira conclui com uma afirmação relativamente esperançosa. Sabe-se que os
enclaves fortificados e a segregação socioespacial caminham de mãos dadas, mas as ruas ainda não
foram totalmente dominadas. Há uma crescente mobilização social em várias cidades da América
Latina que acena para um possível progresso, fazendo com que os cidadãos vítimas desse processo de
exclusão social tomem consciência de seu direito à cidade, e, quanto mais explícitos são os símbolos da
segregação, como os muros e grades, mais perto estamos dessa consciência coletiva e,
consequentemente, do caminho para as comunidades marginalizadas tomarem seus espaços públicos
nas cidades.
Autores: Fernanda Augusta Borges Martins/RA: 201030731; Gabriely Aparecida /RA: 211031666;
Giovanna Cecchi/RA: 201033356; Gustavo Henrique/RA: 211030066; Ian Stehling/RA: 211030465;
Nicolly Correa Vaz/RA: 201030871; Paula Galafazzi/RA: 201032538

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