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Segregação sócio-espacial

Análise do conceito
Texto: CALDEIRA, T. P. R. São Paulo: três padrões
de segregação espacial. In Cidade de Muros:
Crime, Segregação e Cidadania, S.P.: Ed. 34,
2000.
Divisão social do espaço e segregação
• Nem toda divisão social do espaço denota
segregação.

• A formação de bairros segundo profissões, etnias


ou preferências culturais não necessariamente
produz uma situação de segregação. Na verdade
pode gerar efeitos positivos de fortalecimento de
vínculos e de identidades.

• Há segregação quando há barreiras que impedem


ou dificultam a interação
Características

• A segregação é a espacialização da estratificação


da sociedade e, como conseqüência, ela é
compreendida como decorrência de lógicas
coletivas cujo fundamento são as relações sociais.

• É expressão das desigualdades sociais, mas não se


expressa no espaço como um espelho das
desigualdades.

• Trata-se de um conceito relacional. Um grupo está


segregado em relação a outro.
• Os territórios são mais segregados quanto mais
homogêneos socialmente eles forem.

• Os territórios são menos segregados quanto


maior mistura social eles mostrarem.
Características
• Dependendo de como as desigualdades sociais se
manifestam nos diferentes países, a segregação
pode se dar por questões étnicas, religiosas ou
socioeconômicas, basicamente.

• No Brasil e na América Latina tem prevalecido um


tipo de segregação por condições
socioeconômicas ou por classes sociais. Segundo
Lefebvre (2001) a cidade é produzida socialmente
é apropriada individualmente; desta forma a
desigualdade no uso e apropriação do solo será
expressa na heterogeneidade da paisagem.
Tipos de segregação
• Segregação ocorre de 3 formas (SIMULTANEAS ou
SUCESSIVAS)
• 1) Segregação espontânea: resulta do preço da
terra/imóvel, do quanto se pode pagar para permanecer
nela.

• 2) Segregação voluntária: resulta do desejo de distância,


de separação (auto-segregação dos condomínios
fechados) ou quando o grupo busca se isolar.

• 3) Segregação programada (ou imposta): sob ação do


estado, do planejamento (conjuntos habitacionais) – ou
quando os grupos não têm escolha. Ex: periferias.
Os produtores da segregação
• A segregação é a expressão das desigualdades sociais,
mas a sua dimensão espacial está relacionada à ação
daqueles que têm mais poder sobre a organização
espacial das cidades:

• Mercado imobiliário

• Estado – política urbana, habitacional, mobilidade,


distribuição dos serviços, do trabalho, dos
equipamentos culturais, infraestrutura urbana,
legislação comercial e residencial.
Segregação no Brasil
• Por muito tempo tem prevalecido o modelo de
segregação centro-periferia (hoje há também
enclaves fortificados e gentrificação).

• O centro aqui não corresponde ao centro (bairro)


histórico da cidade, mas à área central. Periferia
tem sentido geográfico e social. Não dá para
tratar as favelas, que estão nas áreas centrais
como espaços das áreas centrais. São espaços
segregados (há barreiras) que os aproximam
socialmente mais das periferias do que dos
moradores das áreas centrais
Segregação no Brasil
• As classes médias e altas estão altamente concentradas nas
áreas centrais (mesmo se levarmos em conta o fenômeno
dos condomínios). No entanto outros grupos se fazem
presentes nesse espaço, o que o torna mais heterogêneo.

• Os pobres estão altamente concentrados nas periferias, mas


diferentemente das áreas centrais, esse espaço não atrai os
grupos de alta renda. Por isso ele é mais homogêneo
socialmente.

• Elites são muito segregadas. Pobres são mais espalhados


pela cidade.

• Espaço das elites mais heterogêneo. Espaço dos pobres,


mais homogêneo
Segregação no Brasil
• A partir dos anos 1990 os estudiosos começaram a
identificar algumas mudanças nesse modelo:

• - presença de condomínios nas áreas periféricas das


grandes cidades – deslocamento de parte das classes
altas e médias para as periferias – maior mistura mas com
fortes barreiras (enclaves fortificados: maior novidade)

• - maior presença dos estratos médios nas áreas


periféricas – maior mistura social, mas entre grupos
sociais mais próximos do que no caso acima.

• - expansão da periferia
• Novo padrão de segregação: enclaves
fortificados: espaços privatizados, fechados e
monitorados para residência, consumo,
consumo, lazer e trabalho
• Justificativa: medo do crime violento (abandono
da esfera pública tradicional para os pobres)
• Transformação da vida pública e do espaço
público (mudança do seu caráter e da
participação dos cidadãos na vida pública)
• Perda dos valores mais importantes das cidades
modernas: princípios de acessibilidade e livre
circulação
Place de la Concorde, E. Degas, Paris final do
século XIX (bulevares)
• Bulevares parisienses (século XIX): anonimato e
individualismo, livre circulação, desatenção às
diferenças, coexistência de classes (ainda que
não houvesse contato), imagem de um espaço
público aberto e igualitário
• Valores em xeque hoje em dia ↑
• Hoje: acentuação das diferenças de classe e
estratégias de separação no espaço público =
novo padrão de segregação
• 1º padrão de segregação em São Paulo (1890-
1940): Separação física e proximidade espacial

• Cidade era concentrada e diversa socialmente


• Escala da cidade permitia proximidade maior, ainda
que a localização e a forma da moradia se
diferenciasse.
• Pobres estavam na região central
• Separação se dava pelo preço da terra (aluguel) –
segregação espontânea
• Separação se dava pelas normas urbanísticas –
segregação programada
• industrialização, concentração e
heterogeneidade, maior densidade demográfica,
espaço urbano caótico, funções não
espacialmente separadas (comércio, indústria,
habitação)
• Pequena segregação: elite nas partes altas, casas
grandes e próprias, trabalhadores em cortiços
(“condições promíscuas e pouco higiênicas”), de
aluguel.
• Preocupação das elites com a organização do
espaço urbano: saneamento, saúde e higiene
das classes baixas (“moralidade”)
• Higienização, controle social, medo de
epidemias (hoje, o crime), mudança das elites
para áreas mais afastadas: novo bairro
Higienópolis
• Organização, limpeza do centro (como os
bulevares em Paris) e expulsão dos
trabalhadores para casas unifamiliares mais
distantes: dispersão, isolamento e limpeza como
solução para o caos urbano.
• Primeira legislação urbana (1920): separação
entre a região urbana (central e “legal”) e a
suburbana
• 2º padrão de segregação: Centro – Periferia (1940-
1980) – Construção das Periferias (“Segregação
Programada”)
• Mudança no padrão de industrialização (pesada) e
maior migração interna (do Nordeste)
• Maior dispersão e menos densidade demográfica
• Maior distância espacial das classes sociais: classes
médias e altas nos bairros centrais, equipados e
legalizados, e os mais pobres nas periferias.
• Casa própria como regra para todos
• Transporte público (ônibus) para os pobres e
automóveis para os mais ricos
• Centro da cidade: políticas públicas para
embelezamento ou abertura de viário (fluidez)
• Estado inviabiliza planos expansão da Light
(bondes elétricos). Em 1948: 52% transporte
era por bondes. Em 1966: 2,6%
• Novo modelo transporte: rodoviarismo (GM e
Ford entram no país).
• A urbanização da periferia ficou por conta da
iniciativa privada, de acordo com seus
interesses (até 1970)
• As zonas suburbanas e rurais praticamente não
tinham regulação (terrenos grilados, abaixo do
tamanho mínimo, sem infraestrutura mínima,
sem aprovação de planta) (em 1990, 65% da
população de São Paulo morava em residências
com alguma ilegalidade). Mas a ilegalidade é,
muitas vezes, a condição para a casa própria.
• Ausência de políticas de financiamento para os
mais pobres: processo de autoconstrução
• Melhorias só em períodos democráticos e em
razão da pressão de moradores da periferia.
• A proporção de imóveis próprios é maior na
periferia (68,5%) do que na média da cidade
(63,57%)
• Classe média: financiamento habitacional
subsidiado pelo governo (BNH, SFH) (década de
60) para compra de apartamentos, que passou a
ser aceito como opção de moradia
• A legislação criou barreiras para a construção de
prédios para a população mais pobre nas áreas
centrais
• “Na década de 70, São Paulo tinha se tornado
uma cidade na qual pessoas de diferentes
classes sociais não só estavam separadas por
grandes distâncias, mas também tinham tipos
de habitação e qualidade de vida urbana
radicalmente diferentes” (p. 227)
• Aumento da mortalidade infantil e diminuição
das expectativas de vida nas décadas de 60 e 70
nas periferias
• As indústrias ficavam nas periferias, mas o
comércio e serviços nas áreas mais centrais
• Período de “desatenção às diferenças de
classes” (suposta “paz social”) porque:
• Havia pouco encontro das classes diferentes
• “Milagre econômico” (crença na mobilidade)
• Repressão da ditadura às formas de
reivindicação e participação política
• Mas a partir de meados de 70: emergência de
movimentos sociais urbanos
• 3º momento: Auto-segregação “enclaves
fortificados”
• Segregação voluntária
• Centro-periferia ainda marca a cidade, mas não
é mais o modelo: há várias formas de inscrição
da desigualdade social
• Região metropolitana mais complexa,
distribuição diferente das classes e atividades
econômicas
• “Cidade de Muros”: obsessão por segurança e
discriminação social
• Queda na taxa de crescimento da cidade
• Mudança da ênfase na indústria para os
serviços e comércio
• Moradores ricos mudando para regiões
distantes e deixando as regiões centrais
• Surgimento de condomínios fechados em
municípios vizinhos e regiões antes pobres.
• Aumento de favelas e cortiços em razão da
dificuldade de ter casas nas periferias, agora
mais urbanizadas e caras e da maior dificuldade
da autoconstrução.
• Expulsão dos mais pobres para os limites da
cidade
• Surgimento dos condomínios fechados: de
casas, mas também de edifícios, com segurança
privada, com grande terreno, área verde,
instalações de uso coletivo
• Condomínios adjacentes a áreas muito pobres
(favelas), com urbanização precária, como no
Morumbi: a nova face da segregação social da
cidade. A sensação de segurança compensa a
falta de serviços e infraestrutura.
• 4º momento: Gentrificação

• Ruth Glass (1964) verifica na Inglaterra que bairros


operários londrinos foram invadidos por classes
médias. Casinhas modestas tornam-se elegantes
residências, pensões que ocupavam residências
vitorianas foram “recuperadas”. Chamou de
gentrificação (enobrecimento) a mudança
morfológica e social de bairros antigos.

• A gentrificação tornou-se mundial, mas as


experiências são muito diferentes (contexto local).

• Gentrificação implica na expulsão de população


pobre das áreas centrais (natureza classista do
processo).
• EUA: era esporádica até fim anos 1970 (atores individuais).
Consolidou-se nos anos 1980 com atuação público-privado
(Soho, Harlem). Generalizou-se anos 1990 (Brooklin,
Queens, Nova Jersey).

• Terceira onda da gentrificação: não se restringe a


reabilitação de moradias. Novos restaurantes, parques em
frente a rios, cinemas, museus, complexos culturais.

• Caráter residencial não se separa de uma nova paisagem do


lazer e do consumo.

• Pseudo-democratização da cidade: “consumo do centro


depois de eliminada a miséria”. Ao contrário: paisagens
gentrificadas são altamente vigiadas (controle de acesso e
intimidação)

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