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Data de Submissão: 01/09/2020

Data de Aprovação: 30/09/2020


ARTIGO ORIGINAL

Icterícia neonatal: fatores associados à necessidade de fototerapia


em alojamento conjunto
Neonatal jaundice: risk factors associated with phototherapy treatment in rooming-in care

Vitória Silva Souza Dias1, Simone Manso de Carvalho Pelicia2, José Eduardo Corrente3, Ligia Maria Suppo de Souza Rugolo2

Palavras-chave: Resumo
Fototerapia, Objetivo: Investigar a frequência da icterícia e do uso de fototerapia, bem como fatores de risco associados à
Recém-Nascido, necessidade de fototerapia em alojamento conjunto (AC). Métodos: Estudo retrospectivo com RN de 35 semanas ou
Icterícia Neonatal, mais de idade gestacional (IG) internados em AC de hospital terciário no período de outubro a dezembro de 2017,
Alojamento Conjunto. divididos em dois grupos: tratados e não tratados com fototerapia. Incluídos todos os nascidos no serviço com IG maior
ou igual a 35 semanas, sem anomalias congênitas, e admitidos no AC. Excluídos os que necessitaram de internação
em enfermaria neonatal. Avaliados dados clínicos maternos, gestacionais, neonatais e práticas assistenciais. Desfecho:
uso de fototerapia. Associações entre grupos foram avaliadas pelo teste t-Student e pelo qui-quadrado. Regressão
logística múltipla foi empregada para identificar fatores independentes associados ao uso de fototerapia. Resultados:
376 RN estudados. Do total, 176 (47%) tiveram icterícia e destes 66 (18%) foram tratados com fototerapia. O grupo
tratado teve menor IG (38 x 39 semanas), maior bilirrubina em sangue de cordão (2 x 1,5mg/dL), maior perda de peso
(7 x 6%), incompatibilidade ABO mais frequente (35 x 10%) e internação mais prolongada (79 x 50 horas). Regressão
logística identificou como fatores independentes de risco para fototerapia: IG (OR=6), bilirrubina de cordão (OR=16),
incompatibilidade ABO (OR=12) e perda de peso (OR=1,24). Conclusão: Icterícia foi frequente nos RN em AC e quase
20% deles realizaram fototerapia. Perda de peso foi o único fator evitável de risco para fototerapia e nenhum fator
de proteção foi evidenciado.

1
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Residente de Pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu - Botucatu - São Paulo - Brasil.
2
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu - Botucatu - São Paulo - Brasil.
3
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Departamento de Bioestatística do Instituto de Biociências - Botucatu - São Paulo - Brasil.

Endereço para correspondência:


Simone Manso de Carvalho Pelicia.
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Av. Universitária, nº 3780, Altos do Paraíso.
Botucatu - SP. Brasil. CEP: 18610-034. E-mail: carvalhomone@terra.com.br

Residência Pediátrica; 2022: Ahead of Print. DOI: 10.25060/residpediatr-2022.v12n3-459


Este trabalho está licenciado sob uma Creative Commons Attribution
4.0 International License. 1
Keywords: Abstract
Phototherapy, Objective: To investigate the frequency of neonatal jaundice and use of phototherapy. To identify risk factors associated
Jaundice, with phototherapy in rooming-in care (RC). Methods: Retrospective study with newborns = 35 weeks in a Tertiary
Neonatal, Hospital RC from October to December 2017. Newborns were divided into two groups: treated and untreated for
Infant, jaundice. Included: inborn neonates without congenital anomalies. Newborns who were admitted in a neonatal ward
Rooming-in Care. were excluded. Maternal, gestational, neonatal clinical data and care practices were evaluated. Outcome: use of
phototherapy. Associations between groups were assessed using the Students t-test for continuous variables and chi-
square for categorical ones. Multiple logistic regression was used to identify independent risk factors associated with
phototherapy. Results: 376 newborns were included. 176 newborns (47%) were diagnosed with neonatal jaundice and
66 newborns (18%) were treated with phototherapy. Treated group had lower gestational age (38 x 39 weeks), higher
level of bilirubin in umbilical cord blood (2 x 1.5mg/dL), greater weight loss (7 x 6%), more frequent ABO incompatibility
(35 x 10%) and prolonged length of hospital stay (79 x 50 hours). Logistic regression identified as independent risk factors
for phototherapy: gestational age (OR=6); umbilical cord bilirubin (OR=16); ABO incompatibility (OR=12) and weight
loss (OR=1.24). Conclusion: Neonatal jaundice was frequent in RC and almost 20% of the newborns were treated with
phototherapy. Weight loss was the only preventable risk factor for phototherapy and no protective factor was found.

INTRODUÇÃO Fototerapia é um procedimento seguro, com raros


efeitos adversos7,10. Entretanto, seu uso no RN em AC implica
A icterícia é uma intercorrência frequente no período em prolongar o tempo de internação. As normas atuais em AC
neonatal, com incidência estimada em 50% nos recém-nasci- orientam a alta hospitalar com 48 horas pós-parto, o que gera
dos (RN) de termo e 80% nos RN prematuros1. É a expressão preocupação com o subtratamento da icterícia e possibilidade
clínica da hiperbilirrubinemia, observada quando a bilirrubina de encefalopatia bilirrubínica, séria complicação dos altos
atinge valores acima de 4 a 6mg/dL. Pode ser avaliada pela níveis de bilirrubina capaz de ocasionar sequelas neurológi-
coloração da pele do RN no exame físico utilizando-se a clas- cas permanentes, comprometendo o prognóstico do RN7,12.
sificação de Kramer, pela dosagem da bilirrubina transcutânea Assim, seria interessante predizer quais RN têm maior risco de
não invasiva e pela dosagem sérica da bilirrubina2-6. necessitar de fototerapia e, mais importante ainda, identificar
Icterícia fisiológica, caracterizada por aumento discreto fatores evitáveis de risco e fatores de proteção. Esse estudo
da bilirrubina, é comum em RN saudáveis nos primeiros dias teve como objetivo avaliar a frequência da icterícia e do uso
após o nascimento e geralmente não necessita de fototerapia. de fototerapia nos RN em AC de hospital terciário, bem como
No entanto, a necessidade de fototerapia aumenta na icterícia investigar os fatores associados à necessidade de fototerapia.
de causa hemolítica, principalmente por incompatibilidade
ABO ou Rh, deficiência de G6PD ou outras causas de hemólise. MÉTODO
Também se eleva na presença de fatores de risco para hiper-
bilirrubinemia grave, tais como: prematuridade, antecedente Estudo retrospectivo com RN internados em AC de
familiar de irmão com icterícia neonatal, raça asiática, cefa- hospital terciário no período de outubro a dezembro de 2017.
lohematoma ou tocotraumatismo significante, aleitamento O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
materno exclusivo, indução do parto com ocitocina, atraso na da Instituição (parecer no 3.748.815) e os responsáveis pelos
eliminação de mecônio e diabetes materno3,5,7,8. pacientes que tiveram seguimento ambulatorial no serviço
A fototerapia é o método de eleição no tratamento da assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
icterícia, altamente efetivo com os equipamentos atualmente Foram incluídos todos os RN com idade gestacional ≥35
disponíveis9. A frequência do uso de fototerapia em alojamen- semanas, nascidos no serviço e admitidos no AC de hospital
to conjunto (AC) é variável e dependente de múltiplos fatores, terciário. Excluídos os RN com anomalias congênitas e os que
como a realização de testes de triagem, o perfil de risco dos RN precisaram ser transferidos para enfermaria neonatal.
e o tipo de guideline utilizado para sua indicação10. Estudo re- Foram avaliados dados maternos e gestacionais,
cente em 6 hospitais terciários dos EUA, utilizando o guideline incluindo: idade, paridade, doenças gestacionais (diabetes
da Academia Americana de Pediatria (AAP), documentou uso mellitus, hipertensão crônica, hipertensão gestacional, pré-
da terapia em 7% dos RN, sendo esses saudáveis e com idade -eclâmpsia), uso de drogas, tabagismo, uso de álcool e tipo
gestacional ≥35 semanas11. Em uma maternidade de baixo de parto.
risco na Noruega, fototerapia foi necessária em apenas 3,1% As variáveis dos RN foram: idade gestacional (calculada
dos RN, seguindo guidelines locais, enquanto na Nigéria 5,9% pela melhor estimativa obstétrica: US precoce ou data precisa
dos RN de termo foram qualificados para fototerapia pelos da última menstruação), peso ao nascer, adequação do peso
guidelines internacionais normalmente utilizados10. para idade gestacional (conforme critério de Fenton e Kim,

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201313), gênero, necessidade de ventilação com pressão po- indicação de fototerapia é feita conforme a curva proposta
sitiva por balão e máscara ao nascimento, APGAR de primeiro pela AAP em 2004 para RN de termo e pré-termos tardios
e quinto minutos, presença de incompatibilidade ABO ou Rh, (recém-nascidos entre 34 semanas e 1 dia até 36 semanas e
deficiência de G6PD, bilirrubina total em sangue de cordão 6 dias de idade gestacional)6,14.
umbilical, bilirrubina total máxima, peso no segundo dia de Neste estudo, os pacientes foram estratificados em dois
vida, porcentagem de perda de peso no segundo dia de vida, grupos: tratado = RN que receberam fototerapia e não tratado
peso na alta hospitalar, tempo de internação13. = RN que não receberam fototerapia.
As práticas assistenciais avaliadas foram: tempo de Associações entre grupos foram avaliadas pelo teste
clampeamento de cordão, contato pele a pele, amamentação t-Student para variáveis contínuas e pelo qui-quadrado para
na primeira hora de vida e aleitamento materno exclusivo. as categóricas. As variáveis que diferiram entre os grupos na
A rotina do serviço para avaliação da icterícia inclui análise univariada com p<0,05 pelo teste qui-quadrado foram
dosagem de bilirrubina em sangue de cordão umbilical ao nas- submetidas à análise de regressão logística múltipla para
cimento e avaliação clínica do RN, realizada entre 6-12 horas de identificar os fatores independentes associados ao uso de
vida e diariamente durante a internação. Para RN com valores fototerapia. Foi considerado significância estatística p<0,05 e
de bilirrubina de cordão ≥4mg/dL é realizada coleta de exames as odds ratio são do modelo ajustado sem correção.
séricos (bilirrubina sérica, hemograma, reticulócitos) e iniciado
fototerapia até os resultados dos exames. A avaliação clínica RESULTADOS
do RN é feita através das zonas de Kramer por dois membros
da equipe médica do AC, sendo um deles diarista da unidade. No período de estudo 448 recém-nascidos foram
Quando a icterícia atinge zona 2 nas primeiras 24 horas de vida internados no AC, sendo que 376 preencheram os critérios
ou zona 3 entre 24 e 48 horas é realizada dosagem transcu- de inclusão. Desse total, 176 apresentaram icterícia, o que
tânea em região esternal através do Bilicheck4. Nesses casos, corresponde a 46,8% da amostra. A necessidade de fototerapia
quando os valores estimados pelo Bilicheck são maiores que ocorreu em 66 RN, correspondendo a 17,6% da amostra total.
12mg/dL, é realizada dosagem de bilirrubina sérica. Quando Assim, o grupo tratado foi composto por 66 RN e o grupo não
ocorre icterícia precoce, é realizada coleta de amostra san- tratado por 310 RN. A Figura 1 mostra o fluxograma do estudo.
guínea para dosagem de bilirrubina e outros marcadores de Dentre as variáveis maternas, apenas a hipertensão ges-
hemólise, como reticulócitos, hemoglobina e hematócrito. A tacional e o parto vaginal diferiram entre os grupos (Tabela 1).

Figura 1. Fluxograma do estudo.

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Tabela 1. Dados maternos e gestacionais nos grupos tratado e não tratado.
Variáveis Tratado (n=66) Não tratado (n=310) p-valor
Idade (anos) ± DP 27 ± 7 26 ± 6 0,069
Primigesta (%) 20 (30) 103(33) 0,646
Hipertensão crônica (%) 4 (6) 13 (4) 0,507
Hipertensão gestacional (%) 2 (3) 45(14,5) 0,010
Pré-eclâmpsia (%) 2 (3) 21(6,5) 0,249
Diabetes (%) 5(7) 26(8,5) 0,828
Uso de drogas (%) 2(3) 4(1,3) 0,306
Tabagismo (%) 10(15) 37(12) 0,473
Uso de álcool (%) 4(6) 12(4) 0,424
Parto vaginal (%) 51(77) 188(61) 0,011
* DP = Desvio-padrão.

No grupo tratado houve menor porcentagem de hipertensão estudo ter sido realizado em hospital universitário, que conta
gestacional (3,0 x 14,5%; p=0,010) e o parto vaginal foi mais com uma rotina sistematizada e critérios padronizados de ava-
frequente (77 x 61%; p=0,011). liação e conduta para RN ictéricos em AC. Diferentes métodos
Os RN apresentaram boa vitalidade ao nascimento e frequência de triagem da hiperbilirrubinemia, bem como
com média de Apgar no 1º minuto de 9 em ambos os grupos. diferenças entre os guidelines para tratamento são fatores que
Apenas um RN do estudo apresentou incompatibilidade Rh influenciam na frequência do uso de fototerapia10. Importante
e esse RN não necessitou de fototerapia. Nenhum caso de notar que o uso de fototerapia implicou em prolongamento
deficiência de G6PD foi identificado no período. Os principais do tempo de internação (79 x 50 horas), o que gera maiores
dados dos RN estão apresentados na Tabela 2, na qual se ob- custos para o sistema de saúde e ansiedade nos familiares15-17.
serva diferenças significativas entre os grupos (Tabela 2). As A icterícia própria do RN é influenciada por múltiplos fato-
práticas assistenciais não diferiram entre os grupos (Tabela 3). res, incluindo diabetes materno, raça, uso de medicações pela mãe,
Todas as variáveis que tiveram diferença significativa prematuridade, sexo masculino, cefalohematoma, aleitamento
(p<0,05) entre os grupos na análise bivariada, exceto o tempo materno, perda de peso, atraso na eliminação de mecônio3,7.
de internação, e ainda as variáveis que não tiveram significân- A relação do tipo de parto com a icterícia neonatal é
cia, mas que são consideradas associadas à necessidade de controversa, sendo documentado associação do parto vaginal
fototerapia, como sexo masculino e tempo de clampeamento com aumento e também com diminuição da incidência de ic-
de cordão, foram incluídas na análise multivariada com regres- terícia18,19. Tal discordância possivelmente se deve a fatores de
são logística. Através dessa análise foram identificados vários confusão envolvidos na decisão pela via de parto, bem como o
fatores independentes de risco e nenhum fator de proteção uso de ocitocina para indução do parto, tempo prolongado de
para a necessidade de fototerapia (Tabela 4). trabalho de parto e maior incidência de cefalohematoma em
parto vaginal, que aumentam o risco de hiperbilirrubinemia
DISCUSSÃO neonatal3,20. Em nosso estudo o parto vaginal foi mais preva-
lente no grupo que necessitou fototerapia, porém não foram
A icterícia é uma das intercorrências mais comuns no investigados os fatores que poderiam justificar esse achado.
período neonatal e, embora quase sempre benigna, pode Nossos resultados não mostraram influência de fatores
causar danos ao sistema nervoso dos RN com sequelas em maternos, embora a hipertensão gestacional tenha sido mais
longo prazo. A prevalência da icterícia no presente estudo foi frequente no grupo que não necessitou de fototerapia. Esse
de 46,8%, valor semelhante ao documentado na literatura, achado contraria resultado de estudo prévio que identificou
que apresenta cifras de 50% nos RN de termo e até 80% em a doença hipertensiva da gestação como fator de risco para
RN prematuros tardios, mostrando a importância da avaliação, hiperbilirrubinemia, por estar associada à prematuridade21.
diagnóstico e tratamento adequado da icterícia neonatal para Deve-se considerar que nosso estudo envolveu RN em AC,
prevenção das complicações associadas à hiperbilirrubine- assim, além da frequência de doenças maternas ter sido bai-
mia1,3,7. xa, também não seria esperado repercussão das mesmas nos
Um resultado que chamou a atenção foi o uso de foto- recém-nascidos já que esses nasceram a termo ou próximo
terapia em quase 20% dos RN em AC, cifra essa mais elevada ao termo e sadios.
que a relatada na literatura, que descreve valores menores Incompatibilidade ABO mostrou-se um fator de risco
de 10% em RN saudáveis a termo ou prematuros tardios10,11. importante, aumentando em 12 vezes a chance de necessidade
A diferença encontrada pode em parte ser devida ao fato do de fototerapia, resultado já esperado, uma vez que a doença

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Tabela 2. Dados dos RN nos grupos tratado e não tratado.
Variáveis Tratado (n=66) Não tratado (n=310) p-valor
IG (semanas) média ± DP 38 ± 1,4 39 ± 1,2 < 0,001
IG < 37 semanas (%) 12(20) 13(4,5) < 0,001
PN (g) média ± DP 3200 ± 390 3235 ± 420 0,530
Peso adequado para IG (%) 59(89,5) 267(86) 0,610
Gênero masculino (%) 33(50) 149(48) 0,881
Necessidade de reanimação (%) 3(5) 29(9) 0,214
Incompatibilidade ABO (%) 23(35) 31(10) < 0,001
BT cordão (mg/dL) média ± DP 2 ± 0,6 1,5 ± 0,4 < 0,001
Icterícia < 24 horas de vida (%) 9(13) 0(0) < 0,001
BT máxima (mg/dL) média ± DP 10,5 ± 2,1 8,8 ± 1,4 < 0,001
Peso no 2º dia (g) média ± DP 2980 ± 345 3035 ± 390 0,261
%↓ peso no 2o dia ± DP 7±2 6±2 0,017
Peso na alta (g) média ± DP 2995 ± 350 3040 ± 385 0,376
Tempo de internação (h) ± DP 79 ± 28 50 ± 20 < 0,001
*IG = Idade gestacional; DP = Desvio-padrão; PN = Peso de nascimento; g = Gramas; BT = Bilirrubina total; h = Horas.

Tabela 3. Práticas assistenciais nos grupos tratado e não tratado.


Variáveis Tratado (n=66) Não tratado (n=310) p-valor
Clampeamento de cordão > 2 min (%) 31(48) 158(51) 0,411
Contato pele a pele (%) 27(41) 118(38) 0,631
Amamentação na 1a hora de vida (%) 59(89) 247(80) 0,079
Aleitamento materno exclusivo (%) 59(89) 281(91) 0,754

Tabela 4. Fatores de risco associados à fototerapia. Recém-nascidos prematuros tardios em AC tiveram


Variáveis Odds ratio* (IC95%) aumento de 6 vezes na chance de necessitar de fototerapia. Tal
Idade gestacional < 37 semanas 6,0 (1,8 - 19,4)
achado corrobora com a literatura, alertando para necessidade
de maior atenção a esse grupo de RN, que geralmente recebe
Bilirrubina de cordão (cada 1mg/dL) 16,6 (6,3 - 43,5)
cuidados similares aos RN de termo, porém apresenta morbi-
Incompatibilidade ABO 12,3 (4,6 - 32,7) dade até 4 vezes maior23. Icterícia, além de mais frequente, é
Perda de peso (cada 1%) 1,2 (1,1 - 1,5) mais acentuada e prolongada nos prematuros tardios, devido
*Odds ratio modelo ajustado sem correção. a diversos mecanismos como: menor meia-vida das hemácias,
menor captação e conjugação hepática da bilirrubina e au-
hemolítica do RN é causa de aumento rápido e acentuado dos mento da circulação entero-hepática por imaturidade do trato
níveis de bilirrubina8. O conhecimento da tipagem sanguínea gastrointestinal, sendo que esse último pode ser exacerbado
do binômio mãe-filho pode alertar para o maior risco de icte- pelas dificuldades alimentares. Os prematuros tardios têm
rícia e auxiliar na detecção e tratamento precoces da icterícia maior predisposição a dificuldades alimentares, necessitando
associada à essa condição. de avaliação mais rigorosa do aleitamento materno, orien-
O presente estudo mostrou que o valor de bilirrubina tações e aconselhamento às mães, que por vezes precisam
de cordão elevado é fator de risco relevante para necessidade aumentar a frequência das mamadas23. Em prematuros tardios,
de fototerapia. Estudo com 1411 RN de termo mostrou que, reinternação para fototerapia é causa frequente de readmissão
em mães com tipagem sanguínea do grupo O, a bilirrubina hospitalar, conforme documentado no estudo de Punaro et al.
de cordão ajudou a predizer a incidência de icterícia, sendo (2011)24, que mostrou 18,9% de indicação de fototerapia após
uma estratégia útil para identificação precoce de RN com a alta em RN de 35-37 semanas de idade gestacional.
risco para icterícia hemolítica22. Os resultados do presente O resultado mais importante deste estudo foi a identi-
estudo ampliam a utilidade da bilirrubina dosada em sangue ficação de um fator evitável de risco para icterícia com neces-
de cordão umbilical, pois quanto maior o valor encontrado, sidade de fototerapia: a perda de peso nos primeiros dias de
maior a chance do RN apresentar icterícia com necessidade de vida. Tal achado alerta para a importância da hipoalimentação
fototerapia, independente da presença de doença hemolítica. nos primeiros dias, que contribui para a acentuação da

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icterícia. Esse dado implica na necessidade de atuação ativa 5. Almeida MFB, Draque CM. Icterícia no recém-nascido com idade gesta-
junto às puérperas por parte dos profissionais envolvidos cional maior ou igual a 35 semanas. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira
de Pediatria (SBP); 2012.
nos cuidados do RN, garantindo orientação técnica e apoio à
6. Kramer LI. Advancement of dermal icterus in the jaundiced newborn. Am
amamentação durante todo o período de internação no AC. J Dis Child. 1969 Set;118(3):454-8.
Estímulo e apoio ao aleitamento materno fazem parte das 7. Lauer BJ, Spector ND. Hyperbilirubinemia in the newborn. Pediatr Rev.
boas práticas assistenciais e podem ter impacto positivo na 2011 Ago;32(8):341-51.
perda de peso dos primeiros dias, um fator evitável de risco 8. Christensen RD, Yaish HM. Hemolytic disorders causing severe neonatal
para necessidade de fototerapia em AC25. hyperbilirubinemia. Clin Perinatol. 2015 Set;42(3):515-27.
Este estudo tem algumas limitações por ter sido retros- 9. Sherbiny HS, Youssef DM, Sherbini AS, El-Behedy R, Sherief LM. High-
pectivo e realizado em um único centro terciário que atende -intensity light-emitting diode vs fluorescent tubes for intensive photo-
therapy in neonates. Paediatr Int Child Health. 2016 Mai;36(2):127-33.
população de alto risco, o que pode diminuir sua validade
10. Hansen TWR, Maisels MJ, Ebbesen F, Vreman HJ, Stevenson DK, Wong
externa. Por se tratar de estudo retrospectivo, foram analisa-
RJ, et al. Sixty years of phototherapy for neonatal jaundice - from seren-
dos dados obtidos de rotina e que constavam no prontuário dipitous observation to standardized treatment and rescue for millions.
dos RN, sendo que alguns fatores de risco para icterícia como J Perinatol. 2020 Fev;40(2):180-93.
raça, tocotraumatismo, uso de ocitocina, antecedente de ir- 11. Bhutani VK, Stark AR, Lazzeroni LC, Poland R, Gourley GR, Kazmierczak S, et
mão com necessidade de fototerapia e atraso na eliminação al. Predischarge screening for severe neonatal hyperbilirubinemia identifies
de mecônio não puderam ser avaliados por indisponibilidade infants who need phototherapy. J Pediatr. 2013 Mar;162(3):477-482.e1.
dessas informações. 12. Costa HPF. Tempo de permanência hospitalar do recém-nascido a termo
saudável. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP); 2012.
Entretanto, o estudo tem pontos fortes, pois foram
13. Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the
estudados RN de AC, ou seja, RN sadios, o que reflete a Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013;13(1):59.
realidade de outros serviços públicos. A amostra estudada 14. American Academy of Pediatrics (AAP). Management of hyperbilirubi-
permitiu identificar fatores de risco para a necessidade de nemia in the newborn infant 35 or more weeks of gestation. Pediatrics.
fototerapia em AC, fatores esses que podem ser vigiados 2004;114(1):297-316.
desde o nascimento, como prematuridade, incompatibilidade 15. Nascimento TF, Avila MAG, Bocchi SCM. Do sofrimento à resignação: experi-
ABO e bilirrubina em sangue de cordão umbilical. Ainda, foi ência materna com recém-nascido em fototerapia na abordagem Grounded
Theory. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2018 Jan/Mar;18(1):143-51.
detectado um fator de risco evitável: a perda de peso. Esse
conhecimento pode contribuir para melhorar a prática clínica 16. Silva SA, Valácio RA, Botelho FC, Amaral CFS. Fatores de atraso na alta
hospitalar em hospitais de ensino. Rev Saúde Pública. 2014;48(2):314-21.
e os cuidados aos RN em AC.
17. Passos SSS, Pereira A, Nitschke RG. Cotidiano do familiar acompanhante
Novos estudos devem ser realizados para confirmar durante a hospitalização de um membro da família. Acta Paul Enferm.
nossos achados e avaliar também os RN internados em en- 2015;28(6):539-45.
fermaria neonatal, nos quais mais fatores de risco podem 18. Mojtahedi SY, Izadi A, Seirafi G, Khedmat L, Tavakolizadeh R. Risk factors
estar presentes. associated with neonatal jaundice: a cross-sectional study from Iran. Open
Concluindo, icterícia é frequente em recém-nascidos Access Maced J Med Sci. 2018 Ago;6(8):1387-93.
de alojamento conjunto e quase 20% deles necessitam de 19. Brits H, Adendorff J, Huisamen D, Beukes D, Botha K, Herbst H, et al. The
prevalence of neonatal jaundice and risk factors in healthy term neonates
fototerapia. Apesar de terem sido encontrados diversos fato- at National District Hospital in Bloemfontein. Afr J Prim Health Care Fam
res de risco para fototerapia, perda de peso foi o único fator Med. 2018;10(1):1582.
evitável, enfatizando a necessidade de extremo cuidado com 20. Hui W, Bei L, Xiao-Mei T. A single-center study of the incidence of neo-
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