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Vaporização na câmera substomática e difusão para


atmosfera
Carlos Henrique Britto de Assis Prado1, Lis Schwartz Miotto2, Luciane Pivetta2, Marlei
Leandro de Mendonça2

1
Professor Associado do Departamento de Botânica, Universidade Federal de São Carlos
São Paulo, Brasil.
2
Alunas do curso de graduação, Ciências Biológicas, Universidade Federal de São Carlos

Os últimos condutores do xilema na folha estão próximos das câmeras

estomáticas, que são câmeras de evaporação logo abaixo da epiderme foliar. A água

perdida pela câmera na forma de vapor é reposta pela água dos elementos condutores

terminais do xilema. No conjunto de tecidos envolvidos no transporte hídrico da raiz para

folhagem a região da câmera estomática deve apresentar o menor valor de potencial

hídrico para que esse transporte seja feito no sentido raiz-copa. Portanto, próximo ao

aparato estomático há a maior tensão hidráulica da rede de distribuição de água. Essa

tensão é o resultado da diminuição da energia livre da água em finos capilares da parede

celular das células da câmera estomática (Figura 1).

Como a folha está sempre com os espaços internos úmidos (próximo de 100 % de

umidade relativa) a folhagem facilmente perde água para a atmosfera mais seca quando o

poro estomático se abre. Dessa forma, a umidade relativa da atmosfera e o grau de

abertura do poro estomático condicionam fortemente a intensidade de transpiração da

planta. A velocidade do vento também determina a taxa de transpiração. Uma massa de

ar se deslocando com valores maiores que 2,0 m s-1 dissipam a concha de evaporação

sobre os estômatos expondo diretamente a atmosfera da câmera de evaporação (Figura

1).
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Figura 1 – Esquema representando o aparato estomático por meio de um corte


transversal da folha na região do poro. O vapor de água está indicado pelos pequenos
círculos sólidos em azul no interior da câmera estomática a na interface folha-atmosfera
formando a concha de evaporação na região do poro estomático. A água na forma de
vapor sai da câmera e atinge a atmosfera através do poro estomático. As cores azuis
mais escuras dos círculos representam maior concentração de vapor de água. As células
dos parênquimas paliçádico, lacunoso e da epiderme da câmera apresentam rápida perda
de água quando o poro está aberto. A água na forma de vapor que satura o interior da
câmera estava na forma líquida nos espaços entre fibras de celulose da parede celular
das células (representação no topo da figura). Os espaços entre fibras celulósicas formam
finos capilares com um diâmetro médio de cerca de 4 nm, capazes de diminuir a energia
livre da água resultando em uma tensão de cerca de -72 MPa. Desenho: Luciane Pivetta.
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A água perdida na forma de vapor esfria a folha e movimenta a coluna de água no

contínuo solo-planta-atmosfera. Apesar de ser um componente negativo do balanço

hídrico, a transpiração é fundamental para manter a temperatura foliar sob controle e

promover a distribuição dos solutos da seiva bruta pelo corpo da planta. Geralmente há

uma elevada diferença de potencial hídrico entre o interior da câmera estomática e a

atmosfera externa à folha. O interior da câmera apresenta umidade relativa próxima de

100 % e a atmosfera uma concentração de vapor de água menor, geralmente entre 20 e

80%. Para calcular o potencial hídrico da água na forma de vapor podemos utilizar a

fórmula (Larcher, 2000):

Ψar = -1,06 Tabs log10 (100/UR) MPa (I)

onde:

Tabs = Temperatura absoluta, em graus Kelvin (K)

UR = umidade relativa (%)

Por exemplo, para uma atmosfera externa à folha com 20 ou 80% de umidade

relativa e 25°C os valores de potencial hídrico são -220,8 e -30,6 MPa, respectivamente

(fórmula I). Por outro lado se a folha apresentar 100% de umidade relativa o valor de

potencial hídrico é 0,0 MPa sob qualquer temperatura (fórmula I). Essa grande diferença

de energia livre da água entre o interior da câmera estomática e a atmosfera resulta em

uma rápida perda de água da folhagem na forma de vapor (Figura 2). As paredes

celulares das células da câmera estomática secam continuamente conforme ocorre

transferência de vapor da folha para a atmosfera.


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Figura 2 – Transpiração intensa de uma folha de Hibiscus sp. (mancha branca) revelada

por papel de cobalto (azul). A mancha branca é formada após o contato da água que sai

na forma de vapor na epiderme da folha com o papel impregnado por cobalto. A mancha

é formada em cerca de 3 minutos após o contato com o papel de cobalto em plantas de

Hibiscus sp. bem iluminadas e irrigadas crescendo sob condições naturais. Foto: Carlos

Henrique Britto de Assis Prado e Carlos Aparecido Casali.

A câmera estomática perde água na forma de vapor e a parede celular das células

que compõem essa câmera perdem água na forma líquida (Figura 1). A passagem de

água do estado líquido das paredes celulares para a atmosfera da câmera estomática

resfria a folha. Cada grama de água consome 540 calorias quando passa do estado

líquido para o gasoso. A folha exposta à irradiância solar é uma necessidade para a

planta produzir matéria orgânica e a transpiração foliar é necessária para resfriar a folha

exposta ao sol. Portanto, fotossíntese e transpiração são processos interdependentes.

Para a produção de 1,0 kg de material orgânico seco passa pela planta um fluxo de 300 –

700 kg de água.

A força de sucção para a subida da água em uma coluna até a copa é exercida

pelos capilares parcialmente secos da parede das células da câmara estomática (Figura

1). Como esses capilares são muito finos (cerca de 4 nm em média) a energia livre da
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água é fortemente reduzida no interior do capilar (Figura 1). Para calcular a diminuição da

energia livre da água no capilar de uma matriz como a parede celular podemos utilizar a

seguinte fórmula (Larcher, 2000):

Ψparede celular = - 0,290 D-1 (MPa) (II)

Onde:

Ψparede celular = energia livre da água nos capilares da parede celular

D = diâmetro médio dos capilares que retêm água na parede celular (µm)

MPa = mega Pascal, 1 MPa = cerca de 10 atmosferas

Fazendo o cálculo para um diâmetro médio de 4 nm (0,004 µm) utilizando a fórmula

(II) obtemos a energia livre da água no capilar da parede:

Ψparede celular = - 0,290 x 0,004 -1 (MPa)

Ψparede celular = - 72,5 (MPa)

Portanto, a força motora responsável pela tensão que resulta na subida da seiva

bruta está na câmera de evaporação do aparato estomático na folha. Mais

especificamente é nos finos capilares da parede celular das células que compõe a câmera

estomática que reside a força de sucção da copa (Figura 1). Os valores de potencial

hídrico do solo na região da raiz dificilmente são menores que -2,5 MPa. Somente em

solos muito secos o valor de energia livre da água alcança -4,0 MPa. Nessa situação a

água se encontra em capilares do solo com diâmetro de aproximadamente 0,07 µm

(fórmula II). Portanto, mesmo sobre solos secos ainda há uma diferença de potencial
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hídrico muito elevada entre a água presa nos capilares do solo (-4,0 MPa) e a água presa

nos capilares da parede celular na câmera substomática (-72 MPa). Essa diferença de

potencial hídrico promove a movimentação da água no sentido raiz-copa através do corpo

da planta.

Por outro lado, a atmosfera seca é a o agente causador da evaporação da água

através do poro estomático (Figura 1 e fórmula I). Mesmo atmosferas consideradas

confortáveis para seres humanos como 70% de umidade relativa e 25°C ainda apresenta

valor de energia livre da água muito reduzido (-49 MPa, fórmula I). É a atmosfera com

reduzida energia livre da água que cria a diferença de potencial hídrico entre a câmera de

evaporação e o exterior da folha promovendo a transferência de água da planta para a

atmosfera. As câmeras de evaporação posicionadas na copa e a exposição dessas

câmeras a uma atmosfera com energia livre reduzida são, respectivamente, o aparato e a

força motora responsáveis pela manutenção do fluxo de água no contínuo solo-planta-

atmosfera.

Síntese

O final da rede de transporte de água em fluxo em massa na folha termina com os

últimos elementos condutores do xilema próximos às câmeras de evaporação do aparato

estomático. Nessa região estomática de trocas gasosas com a atmosfera a tensão

hidráulica é elevada e responsável pela manutenção do gradiente decrescente de

potencial hídrico da raiz até a folhagem. Quando o poro estomático está aberto a folha

perde água na forma de vapor, pois a atmosfera na câmera de evaporação no interior da

folha está quase sempre mais úmida que a atmosfera externa à folha. A perda de água

por transpiração através do poro estomático reduz a umidade na câmera secando a

parede celular das células. Os capilares parcialmente vazios da parede celular das células
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da câmera estomática são finos o suficiente para promover uma tensão hidráulica de até -

72 MPa, valor muito mais negativo do necessário para manter o fluxo de água no sentido

raiz-copa. As câmeras de evaporação posicionadas na folhagem da copa e a exposição

dessas câmeras a uma atmosfera com energia livre reduzida são, respectivamente, o

aparato e a força motora responsáveis pela manutenção do fluxo de água no contínuo

solo-planta-atmosfera.

Referência

Larcher W (2000) Ecofisiologia Vegetal. Editora Rima, tradução de Carlos Henrique


Britto de Assis Prado, São Carlos, 513 p.

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