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Energia livre da água durante a perda de


volume do protoplasto

Carlos Henrique Britto de Assis Prado1, Carlos Aparecido Casali2

1
Professor Titular do Departamento de Botânica da Universidade Federal de
São Carlos, UFSCar, São Carlos, SP, Brasil – caique@ufscar.br
2
Ex-técnico do Departamento de Botânica da Universidade Federal de São
Carlos, São Carlos, SP, Brasil

O movimento da água líquida na célula vegetal é contínuo através das


biomembranas. A água entra no simplasto (citoplasma e organelas
correspondentes, menos o vacúolo) passando pelas aquaporinas hidratando o
citoplasma. A água também sai do citoplasma embebendo a parede celular
(parte do apoplasma da planta). Água líquida que se movimenta ao nível celular
entrando e saindo altera imediatamente o volume da célula vegetal. Importante
notar que a entrada e saída de água líquida na célula são constantes e
simultâneas. A quantidade de água que se movimenta para dentro e fora do
protoplasto (simplasto mais o vacúolo) dificilmente é a mesma resultando em
uma variação do balanço hídrico celular. Significativo para a célula é o balanço
hídrico, se está positivo ou negativo. A organela essencial para a manutenção
de um balanço hídrico favorável é o vacúolo. O simplasto hidratado pelo vacúolo
mantem as rotas metabólicas no citosol e nas organelas, incluindo no núcleo.

O vacúolo ocupa a maior parte do espaço protoplasmático. Não é exagero


afirmar que o citoplasma na maior parte das células vegetais forma uma camada
relativamente fina que envolve o vacúolo. O simplasto necessariamente diminui
de volume ao ceder água para a parede celular. Se o vacúolo repõe a água
perdida pelo citoplasma o volume do vacúolo também diminui. Ou seja, é a água
que determina a variação do volume protoplasmático. Se o balanço hídrico é
negativo, o volume do protoplasto necessariamente diminui. A água líquida é
crucial para a manutenção do volume celular, também é para definir o formato
de células com paredes maleáveis. Células plenas de água com pressão de
parede elevada são capazes de empurrar e deformar a parede celular
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arqueando-as para fora (Figura 1). A força de pressão exercida pelo protoplasto
empurrando a parede é acompanhada pela mesma força da parede sobre o
protoplasto no sentido contrário. Essa força da parede sobre o protoplasto é a
pressão de pressão de parede. São forças de ação (protoplasto empurrando a
parede) e de reação (parede celular empurrando o protoplasto).

Figura 1 – Esquerda - Plantas de Rhoeo discolor (L´Herit.) Hance (Commelinaceae) de


origem mexicana crescendo em canteiro no Departamento de Botânica da UFSCar.
Essa herbácea é conveniente para cortes epidérmicos foliares. As células da epiderme
inferior são coloridas naturalmente pela antocianina avermelhada localizada no vacúolo.
Direita – Aparato estomático da epiderme inferior mostrando um par de células-guarda
com cloroplastos verdes. As paredes celulares de todas as células do aparato estão
arqueadas para fora devido à pressão de parede. Foto dos autores.

A pressão de parede do aparato estomático das células na Figura 1 aumenta o


potencial hídrico da água no protoplasto. A água sobre pressão pode exercer maior
trabalho cinético como discutido em detalhes no capítulo 2. O potencial hídrico
condicionado pela pressão é grafado como p. A pressão de parede executa uma
mecânica simples ao nível celular: o protoplasto empurra a parede e essa o protoplasto
(Figura 1). A água líquida quando comprimida não tem o mesmo comportamento dos
gases, ou seja, não diminui o seu volume sob pressão. A força de pressão de parede
empurrando o protoplasto não diminui em nada o volume protoplasmático.

Em um balanço hídrico desfavorável favorece um movimento da água para fora


da célula. A perda excessiva de água tem como consequência a diminuição do volume
do protoplasto. A parede celular maleável pode acompanhar essa diminuição de volume
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protoplasmático perdendo a forma de arco e estabilizando em uma posição sem


deformação. Se o protoplasto ainda tocar a parede em toda a extensão da célula após
uma diminuição de volume, então pode ocorrer ainda uma certa pressão do protoplasto
sobre essa parede (Figura 2).

Se o protoplasto perder água em excesso parede celular, apesar de maleável,


pode não acompanhar mais a diminuição do volume protoplasmático. Essa situação
ocorre quando colocamos um tecido celular submerso em uma solução com uma
energia livre da água bastante reduzida. Essa solução aquosa pode ser facilmente
obtida em temperatura ambiente por meio de solutos domésticos como sal de cozinha
ou açúcar de mesa (sacarose). A sacarose é o soluto mais utilizado, pois não se dissocia
formando mais moléculas e também é inerte, não ataca as estruturas celulares. Uma
solução de sacarose concentrada a ponto e se tornar um xarope apresenta uma energia
livre da água extremamente reduzida. Os tecidos foliares que estiverem submersos
nessa solução (em uma placa de Petri, por exemplo) irão perder água para a solução
adoçada. O protoplasto de todas as células irá diminuir de volume. Em perda contínua
de água para a solução exterior o protoplasto reduzido pressiona cada vez menos a
parede (Figura 3).

Figura 2 – Células da epiderme inferior da folha da herbácea Rhoeo discolor (L´Herit.)


Hance (Commelinaceae). A cor avermelhada é dada pela antocianina no vacúolo. Não
há espaço entre a parede e o protoplasto. A plasmalema toca a parede celular em toda
a sua extensão. Apesar das paredes celulares não estarem arqueadas para fora, pode
haver pressão do protoplasto sobre a parede e a parede reagir mecanicamente com
uma força igual em sentido contrário. Foto dos autores.
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Figura 3 – Célula vegetal em processo de perda excessiva de água para uma


solução externa com menor energia livre. A – Início de um balanço hídrico
negativo em uma célula túrgida, com máxima pressão de parede. B - A perda de
água em excesso causou a diminuição do protoplasto e perda de pressão de
parede. O protoplasto ainda toca toda a extensão da parede celular, pode haver
ainda pressão de parede. C – O protoplasto não toca mais a parede em toda sua
extensão. A solução externa ocupa o local entre a parede celular e a plasmalema
onde a plasmalema não toca mais a parede celular. Não há mais pressão de
parede (p = O MPa). Desenho original dos autores.

Quando a parede celular não acompanha mais a redução do volume do


protoplasto devido à perda de água em células submersas em solução, a
plasmalema pode se descolar da parede celular (Figura 3 C). Esse evento de
descolamento da plasmalema da parede celular que ocorre somente em células
submersas é denominado de plasmólise. Nesse descolamento a solução externa
que embebeu a parede ocupa também o espaço entre a parede e a plasmalema.
O descolamento da plasmalema da parede celular (plasmólise) é um artefato.
Esse processo não ocorre em ambiente natural. Nas células vegetais que
dessecam naturalmente ao extremo o protoplasto reduzido pode puxar a parede
celular para dentro no sentido do centro da célula (arqueando a parede para
dentro). Mas essa situação é extrema, instável e nomeada de citorize, se mantida
ocorre o rompimento da plasmalema, o vazamento do protoplasto para o exterior
e a morte celular.
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Simultaneamente à perda de água para a solução externa (Figura 3)


ocorre uma concentração de solutos no simplasto. Com a redução do volume do
simplasto mais solutos estão proporcionalmente disponíveis para serem
solvatados para um volume cada vez menor de água. O protoplasto se concentra
em solutos com a perda de água. Então, conforme a perda de água, o protoplasto
tem uma energia livre da água cada vez mais reduzida. A tendência é o simplasto
apresentar uma energia livre da água tão reduzida quanto a da solução externa
após uma perda excessiva de água. O equilíbrio energético com a solução
externa pode ocorrer somente após uma redução drástica do protoplasto se a
solução apresentar uma concentração elevada, como, por exemplo 1,0 molal de
sacarose (Figura 4).

Figura 4 – Redução extrema do protoplasto em células da epiderme inferior da


folha de Rhoeo discolor (L´Herit.) Hance (Commelinaceae) após perda excessiva
de água para uma solução externa de 1,0 molal de sacarose. O protoplasto
aparece avermelhado devido ao enorme vacúolo repleto de antocianina. O
espaço translúcido entre o protoplasto e a parede celular é ocupado pela solução
externa de sacarose. Foto dos autores.

Portanto, a cinética da perda excessiva de água pelo protoplasto é


acompanhada pela variação correspondente dos valores de pressão de parede
tendendo a zero e uma redução da energia livre da água no protoplasto
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condicionada pelo aumento da concentração de solutos. O potencial osmótico,


grafado pelas letras  é o componente que mede a energia livre da água
condicionada pela concentração de solutos no protoplasto celular. Conforme a
água é cedida para o exterior com uma solução de reduzido valor de energia
livre, o protoplasto diminui, se concentra e apresenta, assim, valores cada vez
mais reduzidos de . Quando a plasmalema não tocar mais a parede celular
em ao menos algum ponto, a pressão de parede não condiciona mais a energia
livre da água no protoplasto. A partir desse momento somente os solutos e a
temperatura determinam a energia livre da água. Se continuar a perder água
para a solução o valor de  será cada vez mais negativo, e a pressão de parede
continua sendo nula, pois já não há mais contato parede-plasmalema para
exercer pressão sobre o protoplasto.

A pressão de parede aumenta e os solutos diminuem a energia livre da


água no simplasto. Assim, cada um dos eventos (variação da pressão de parede
e da concentração de solutos) recebem sinais contrários na determinação do
valor da energia livre da água total na célula vegetal, grafado como c (potencial
hídrico total da água na célula vegetal).

c = (+p) + (-) ()

Onde:

c = energia livre da água total na célula vegetal

+p = energia livre da água condicionada pela pressão de parede na célula


vegetal

- = energia livre da água condicionada pelos solutos e pela temperatura da


água na célula vegetal
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A cinética da variação dos três componentes da fórmula I acima em um


protoplasto celular perdendo água pode ser acompanhada por meio de um
diagrama, o “diagrama de Höfler”. Nesse diagrama a célula vegetal perde água
para uma solução externa continuamente e a variação dos valores de c, p e
 podem ser visualizados graficamente (Figura 5). Acesse a página contendo
uma animação do diagrama de Höfler dos autores desse texto no repositório
público Zenodo. Faça o download do arquivo autoexecutável em flash e observe
a cinética dos componentes do potencial hídrico celular em um protoplasto com
balanço hídrico negativo: https://doi.org/10.5281/zenodo.3746963

Figura 5 – Imagem inicial (esquerda) e final (direita) de uma animação do


diagrama de Höfler. É possível acompanhar a variação dos valores de potencial
hídrico total celular (c), potencial osmótico () e do potencial de parede (p)
durante a perda excessiva de água de uma célula vegetal. Desenhos retirados
da animação original dos autores. Para baixar e executar a animação original em
programa flash visite a página seguinte do repositório público Zenodo:
https://doi.org/10.5281/zenodo.3746963

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