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Publicado em dezembro de 2011 www.viaciencia.com.br Todos os diretos reservados

Fluxo em massa da raiz em direção à folhagem

Carlos Henrique Britto de Assis Prado1, Lis Schwartz Miotto2, Luciane Pivetta2,
Marlei Leandro de Mendonça2

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Professor Associado do Departamento de Botânica, Universidade Federal de
São Carlos, São Paulo, Brasil 13565-905.

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Alunas do curso de graduação, Ciências Biológicas, Universidade Federal de
São Carlos

O xilema está estruturado em vários tecidos e alguns apresentam


células mortas na maturidade. Essas células podem estar conectadas pela
extremidade formando um verdadeiro tubo que conduz água por fluxo em
massa em grandes distâncias no corpo da planta. A distância pode ser de
alguns metros até dezenas de metros. O fluxo em massa é o movimento da
água líquida sob pressão (empurrada pela raiz) ou sob tensão (succionada pela
folhagem da copa). No fluxo em massa a distância média das moléculas da
massa de água em movimento não é alterada e a água é conduzida na forma
líquida como um corpo íntegro e dentro de um duto condutor.
A capacidade de condução de água nas células mortas do xilema
depende fortemente do diâmetro que as células condutoras apresentam e se
as extremidades celulares oferecem resistência mecânica ao fluxo em massa.
Nas plantas vascularizadas terrestres as células condutoras de diâmetro menor
são os traqueídes e as de maior diâmetro são os elementos de vaso. Os
traqueídes são encontrados nas gimnospermas e nas plantas vasculares sem
sementes. Além de menor diâmetro os traqueídes apresentam extremidades
que não foram dissolvidas resultando em maior resistência mecânica para a
condução da massa de água. As angiospermas apresentam traqueídes e
células condutoras com maior diâmetro, os elementos de vaso. Em contraste
com os traqueídes os elementos de vaso apresentam a extremidade da parede
celular quase ou totalmente ausente, que diminui a resistência para a condução
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de água nas angiospermas. Quando a extremidade da parede do elemento de


vaso está presente ela é intensamente perfurada. Os elementos de vaso são
as principais células condutoras da seiva do xilema nas angiospermas.
Como são células com lúmen sem protoplasto os traqueídes e os
elementos de vaso enfileirados resultam em um tubo capaz de transportar água
em fluxo em massa como na tubulação hidráulica artificial de casas, ruas e
indústrias (Figuras 1 e 2). Os dutos formados são capazes de sustentar uma
coluna de água contínua desde a raiz até a folhagem mais alta da copa. É
nesse feixe de tubos que a água retirada do solo é elevada movida por uma
pressão causada pela raiz e uma sucção causada pela copa.

Figura 1 – Corte transversal de um ramo de eucalipto (Eucalyptus sp.)


destacando o lúmen dos elementos de vaso do xilema onde flui a seiva bruta
até a folhagem da copa. O diâmetro do lúmen do xilema secundário (XS) é de
cerca de 60 µm, equivalente ao diâmetro de um fio de cabelo. Note a escala de
100 µm no lado inferior esquerdo da figura. MX = metaxilema. PX =
protoxilema. Foto: Carlos Henrique Britto de Assis Prado e Carlos Aparecido
Casali.
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Os elementos condutores do xilema apresentam parede secundária


espessa e com ornamentos de reforço para suportar a tensão causada pela
sucção da copa. Há vários tipos de ornamento que aumentam a resistência da
parede como as pontuações com bordas reforçadas, anéis isolados (anéis
anulares) e anéis em espiral (Figura 2).

Figura 2 – Corte longitudinal do xilema do caule de gerânio (Pelargonium sp.).


No elemento de vaso em (A) é possível visualizar o lúmen por onde passa a
coluna de água da seiva bruta em direção à folhagem na copa. Em (B) o
elemento de vaso não foi seccionado pelo corte longitudinal e é possível
visualizar os anéis íntegros da parede secundária dispostos em espiral. Esses
anéis reforçam o elemento de vaso para suportar a tensão da coluna de água
succionada pela folhagem. Foto: Marcos Arduin, Prof. Do Departamento de
Botânica da Universidade Federal de São Carlos.

O lúmen dos condutores que abrigam a coluna de água da raiz em

direção à copa é parte do apoplasto da planta. Portanto, o transporte de longa

distância da raiz até a folhagem mais alta não é feita pela via simplasmática.

Essa distância pode ser de alguns centímetros em plantas herbáceas

pequenas como o Impatiens balsaminea (Figura 3). No entanto, da raiz até a


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folhagem pode haver dezenas de metros como em árvores de eucalipto ou até

de uma centena de metros em árvores gigantes como as sequóias, Sequoia

sempervirens (Figura 4).

Figura 3 – (A) Feixe de células condutoras do xilema de uma planta herbácea


(Impatiens balsaminea) corados em vermelho (faixa escura no meio do caule,
seta maior). O caule foi cortado próximo ao solo e submerso na altura do corte
em uma solução aquosa com o corante fucsina ácida. Após a transpiração o
corante vermelho é acumulado na folha (seta menor). (B) Para melhor
visualização o caule deve ser visto contra uma luz intensa depois de uma hora
de submersão do corte na solução colorida. Fotos: Carlos Henrique Britto de
Assis Prado e Carlos Aparecido Casali.

Se a espécie for uma planta herbácea com altura reduzida (Figura 3)

não haverá muita resistência para elevar a coluna de água contra a gravidade.

Não é o caso de espécies arbóreas com dezenas de metros de altura (Figura

4). Nessa situação a força de sucção necessária é de várias atmosferas para

manter a coluna de água na vertical contra a gravidade. Por outro lado, uma
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força adicional terá que ser exercida para movimentar a coluna de água na

vertical em direção à folhagem na copa.

Figura 4 - Base (A) e alturas medianas (B) e (C) de troncos de sequóia,


Sequoia sempervirens. Os indivíduos dessa espécie arbórea podem viver mais
de 1000 anos, ultrapassar 100 metros de altura e atingir dezenas de metros de
circunferência. Fotos obtidas no Parque Nacional da Califórnia, Estados
Unidos, por Peter Brennan.

A planta tem que extrair água do solo para movimentar a coluna de água
em direção à copa e repor a massa transpirada pela folhagem. A transpiração
na copa diminui o volume de água nos dutos do xilema resultando uma tensão
de sucção ao longo da coluna. Essa força de sucção é a principal na
movimentação da coluna de água no caule em direção à folhagem. A sucção
da copa tende a esvaziar os feixes condutores da folha, do caule e do cilindro
central da raiz resultando em valores de tensão de várias atmosferas.
Para manter a massa de água parada na vertical é necessária a força de
sucção de 1 atmosfera para cada 10 metros de coluna de água. Uma árvore de
eucalipto com 30 metros de altura necessita manter uma sucção de 3
atmosferas, cerca de 0,3 MPa, somente para manter a coluna d´água parada
na vertical. Para movimentar a coluna repondo a massa transpirada na
folhagem é necessária uma força adicional de sucção. A tensão de sucção na
coluna de água geralmente alcança o valor de 15 atmosferas (1,5 MPa) sob um
estresse hídrico reduzido no solo e até 40 atmosferas (4,0 MPa) sob déficit
hídrico severo. Como essa força de sucção causa tensão e não pressão na
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coluna de água o sinal negativo é colocado antes do valor para representar a


tensão (contrário de pressão) na coluna de água do xilema, por exemplo, - 1,5
ou -4,0 MPa.
Os valores de tensão são geralmente menores perto do meio dia nas
plantas lenhosas. Nesse horário a planta lenhosa já transpirou a água de
reserva em seus tecidos, mas ainda não conseguiu repor a massa de água
perdida por meio do fluxo no xilema. O resultado durante o curso do dia são
valores mais negativos (maior tensão) ao redor do meio dia (Figura 5).

Figura 5 – Curso diurno da


tensão de água na coluna do
xilema, Ψ (MPa), em oito
espécies lenhosas nativas do
Cerrado crescendo sob
condições naturais nos dias
24 e 26 de agosto de 1996
em São Carlos, São Paulo,
Brasil. Note os menores
valores atingidos próximos
ao meio dia para todas as
espécies em ambos dias de
medição. Valores mínimos
estão geralmente entre -1,0 e
-2,0 MPa. Dados não
publicados de Carlos
Henrique Britto de Assis
Prado & Manuel Cardoza
Rojas.

Conforme a tensão na coluna de água aumenta sob estresse hídrico a

parede das células do parênquima que envolve o xilema pode ser sugada

através de perfurações na lateral do elemento de vaso (Figura 6). A projeção

da célula parenquimática adjacente para o interior do elemento de vaso pode

obliterar parcial ou totalmente a condução de seiva bruta nesse sítio. Portanto,


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a tensão causada pela sucção da copa pode ter um efeito colateral que aos

poucos fecha o lúmen do elemento de vaso aumentando a resistência

hidráulica para a subida da água até a folhagem. Por outro lado, os elementos

condutores podem sofrer injúrias mecânicas devido ao tombamento ou

dobramento do caule ou ainda por crescimento de patógenos no interior do

xilema. O crescimento da bactéria Xylella fastidiosa no lúmen dos elementos de

vaso de plantas economicamente importantes (por exemplo, laranjeira e

videira) causa prejuízo significativo por meio do aumento de resistência ou total

interrupção da condução da seiva bruta no xilema.

Uma forma de diminuir o efeito mecânico de fechamento do lúmen do

elemento de vaso é por meio da produção de novos tecidos condutores no

xilema. O tecido meristemático cambial poderá produzir novos elementos

condutores resultando no crescimento secundário do caule. Esses tecidos

contendo novos traqueídes e elementos de vaso livres de injúria poderão

assumir a condução de seiva bruta que os condutores nos tecidos mais velhos

já não podem realizar. Portanto, não é de se estranhar que a condução de

seiva xilemática é mais rápida próximo à casca, onde se encontram os

elementos condutores xilemáticos mais novos e livres de impedimentos e

injúrias.
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Figura 6 – Corte longitudinal no xilema do caule de gerânio (Pelargonium sp.).


As células parenquimáticas que envolvem os elementos de vaso podem ser
sugadas através das perfurações da parede lateral obliterando o lúmen. Esse
evento é conseqüência da força de sucção (tensão na coluna de água)
provocada pela transpiração da folhagem na copa. As paredes celulares
primárias estão coradas em azul e as secundárias em vermelho. Foto: Prof.
Marcos Arduin do Departamento de Botânica da Universidade Federal de São
Carlos.

Síntese

O movimento da água cobrindo longas distâncias no corpo da planta é

realizado por um tecido no xilema que abriga elementos condutores: os

traqueídeos e elementos de vaso. Essas células são mortas na maturidade,

apresentam lúmen livre de protoplasto e servem de dutos condutores de seiva

quando estão enfileirados. As gimnospermas e as plantas vasculares terrestres


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sem sementes apresentam somente traqueídes. Os elementos de vaso são os

principais condutores nas angiospermas terrestres. O fluxo em massa de água

caminha dentro dos condutores do xilema sob tensão causada pela sucção da

copa. Os condutores apresentam ornamentações nas paredes secundárias

capazes de oferecer resistência mecânica à tensão da coluna de água

provocada pela sucção da folhagem. Essa tensão geralmente atinge valores

maiores que 15 atmosferas ao redor do meio dia nas plantas lenhosas

crescendo em condições naturais. O valor de tensão da coluna de água no

xilema é expresso com sinal negativo indicando que a tensão e não a pressão

é a força motora da coluna de água. A tensão causada pela sucção da copa

pode projetar as células do parênquima xilemático para o interior do elemento

de vaso obliterando parcial ou totalmente a condução de seiva durante o ciclo

de vida da planta lenhosa. Por outro lado, o lenho poderá produzir novos

elementos condutores por meio do meristema cambial minimizando o efeito

mecânico de fechamento dos elementos de vaso.

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