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VOCABULÁRIO

O diálogo deve corresponder ao vocabulário próprio da personagem. Um


pescador não fala como um físico nuclear.

SUBTEXTO

Embora em muitos momentos a personagem parece estar dizendo o que lhe


vem na cabeça, todos os diálogos carregam um sub texto. O autor pode intensificar
ou abrandar o sub texto.

PALAVRAS

Embora a personagem comande o vocabulário, não esquecer que a matéria


prima do autor são as palavras. Muito mais do que escrever bem, o bom autor
precisa de intimidade com o seu idioma.

LIRISMO E IMAGINAÇÃO

Além das exigências do discurso de cada personagem, o autor pode dosar o


diálogo com lirismo e imaginação.

Vejamos o diálogo inicial da peça “A Paixão de Ajuricaba”.

“O Coro afasta-se para os cantos do palco e se anula. Em cena,


Ajuricaba e Inhambu.

INHAMBU - O medo põe asas nos pés. O medo nos prega no chão. Eu tenho
medo do medo que me toma a razão. Os que muito sofreram na guerra e nela foram
feridos estão curtidos demais para temerem. Os que temem pela vida, pelos seus
bens e por seus parentes, vivem em constante angústia e não mais se alimentam,
enquanto os banidos, os escravos, continuam a viver, a comer e beber.
AJURICABA - Eu não compreendo a natureza humana e ignoro como o medo
atua nos homens. Mas dizem os pajés que nada nos coloca fora do bom senso
como medo. E já vi o medo provocar terríveis alucinações em nobres guerreiros.

INHAMBU - Ponho de lado o homem vulgar que acredita que seus


antepassados sairão do túmulo para atemorizá-la. Não é deste medo que te falo.
Hoje vivemos sob domínio do medo de perder o que amamos. Medo de perder
nossos campos de caça, nossos rios de pesca. Medo de nunca mais comer uma
tartaruga ou um moquém de tambaqui. Eu tenho medo, meu amado, eu tenho medo
de um dia não mais poder te abraçar.

AJURICABA - Eu vi os muhra caírem sob o grande medo. E os amantes


muhra se separarem. Eu vi, minha amada, eu vi. Ouviam-se os gritos de pavor; os
bravos precipitarem-se fora de suas casas em chamas; os bravos caírem pelo fogo
trovejante dos canhões portugueses. Eu o medo lançar os bravos entre si e
trucidarem-se como se o inimigo houvesse entrado na maloca. Os muhra caíam
derrotados pela desordem, filha do medo.

INHAMBU - Os amantes separados pelo medo. Que aflição será mais penosa
e injustificável que a amante tomar o amado destroçado nos braços?

AJURICABA - O medo abafará na loucura a dor da amante. Ela segurará o


amado como um boneco de barro que nada mais sente. O medo nos tira todo o
sentimento.

INHAMBU - O medo expulsa do coração toda a sabedoria.

AJURICABA - O medo é injusto sempre, e somente a injustiça sobrevive nele.


É preciso combater o medo, minha amada.

INHAMBU - Não nos esqueçamos que o tempo gasta-se a cada hora e não
repartimos toda a beleza vivida. Ainda assim, a ameaça nos estimula. Diz ao teu
povo que ame até à velhice, e que isso dito seja como uma lição pois a beleza
passa, mas o amor fica como um leve sabor nos lábios secos.
AJURICABA - Quando estou aqui parado e nada penso, o medo me invade e
me põe incerto, errante como a lua que desaparece. Serei tão idiota assim que não
contenho esse temor cada vez mais forte de te perder? Desejaria que a paz
permitisse que toda a tua beleza perdurasse para sempre.

INHAMBU - É preciso amar, por Jurupari, é preciso.


Não há remédio para a nossa gente.
Não é para um estranho que agora confidencio: hoje somos nós, meu querido,
que destroem, amanhã será a selva, os pássaros, os bichos e o rio se tornará lama
apodrecida.

AJURICABA - Mas que importa o sacrifício da luta, ou de mergulharmos em


nossos abraços,
se o ferro quente marca a pele de irmãos aprisionados, com uma palavra que
desconhecíamos: escravo!
Terá sido válido o nosso sacrifício?

INHAMBU - É tudo que podes dizer?


Muito bem, eu escurecerei um dia à tua porta, e quero que tu nunca duvides
de mim.
Sinto agora o quanto temes o nosso fim,
esse futuro incerto que escapa como um hálito.”

Fugindo da tentação de mimetizar um “idioma primitivo”, os diálogos são


construídos liricamente, dando a dimensão épica e trágica das personagens,

RITMO, TEMPO E SONORIDADE

Um bom diálogo, aquele que consegue o máximo de fidelidade à


personagem, além de ser fiel ao seu discurso, tem de ter ritmo, tempo e sonoridade.
O autor precisa escrever o diálogo compondo um ritmo que se ajuste às emoções da
personagem e ao clima da cena. O diálogo deve nascer com tempo. E a observação
das consonâncias e assonâncias pelo autor leva a personagem a dizer seus
diálogos com sonoridade.
O ritmo cria no diálogo um padrão de variações e entonações. O tempo faz o
diálogo ser dito na velocidade apropriada.
A sonoridade intensifica a emoção através da dicção dos fonemas de cada
palavra. Observemos o famoso solilóquio de Hamlet:
“Hamlet – Ser ou não ser, eis a questão. Qual será a atitude mais nobre:
suportar o fardo e as agressões de um destino injusto ou se levantar em armas
contra um mundo de desventuras e acabar com elas resistindo? Morrer, dormir,
nada mais; dizer que dormindo podemos curar os sofrimentos do coração e os mil
conflitos que constituem a natural herança da carne, é, na verdade, a solução que
desejamos. Morrer! Dormir; dormir, sonhar, talvez? Eis o ponto de interrogação.
Quais serão os sonhos que teremos no sono da morte, quando escaparmos ao
torvelinho da vida. Esta é a reflexão que prolonga a vida miserável; pois se assim
não fosse, quem suportaria as humilhações de nossa época, as injúrias dos
opressores, as afrontas dos poderosos, as agonias do amor desprezado, a lentidão
da justiça, a valorização da mediocridade, se estivesse em suas mãos obter sossego
na ponta de um punhal? Quem suportaria tão dura carga, gemendo e suando ao
peso de uma vida de trabalho, se não fosse o medo de alguma coisa após a morte,
terra misteriosa de onde nenhum viajante jamais regressou? É isto que nos inibe
a vontade, nos fazendo aceitar os males conhecidos, com medo de encontrarmos
outros que não conhecemos. A consciência nos faz a todos covardes. Nossas
resoluções mais firmes empalidecem perante o débil clarão de nosso viciado
raciocínio e é assim que nossas ações, com tais reflexões deixam de ser ação...
Agora, silêncio!”

TÉNICAS DE DIÁLOGO.

CONSTRUÇÃO DO DIÁLOGO
O autor deve escolher a ordem dos elementos do diálogo por sua
importância. MOSTRE A EMOÇÃO, NÃO DIGA
Nunca ponha a personagem para descrever suas emoções. Os diálogos
devem tratar de coisas concretas e ali suas emoções estarão implícitas.

EVITE GENERALIDADES
Ninguém fala sobre os aspectos genéricos das coisas, as pessoas falam
sobre situações específicas e gostam de detalhes.

MONÓLOGOS

Na vida real dificilmente as pessoas monopolizam uma conversa. Por isso o


monólogo não é natural, é um recurso cênico e só existe no teatro. Embora o
monólogo prenda a personagem num só lugar e não tenha antagonistas visíveis, o
texto segue a mesma estrutura de narrativa exigida para a construção de uma peça.
Os monólogos possuem unidade, verdade, ação, crise, etc.

DIÁLOGO E EXPLICAÇÃO

Algumas vezes é preciso explicar algo ao público, algum tipo de informação


para tornar inteligível uma ação ou fazer a peça andar. O autor deve evitar a
explicação óbvia, e há várias formas de introduzir uma explicação.

Explicando através de um conflito. Explicando comicamente.


Explicando através de pergunta e resposta. Explicando através de uma
confidência.
Explicando através de um flash-back.
Explicando através de um narrador. Palavra final sobre diálogo.
O diálogo é um reflexo da personagem que está falando. Assim como muitas
pessoas, certos personagens não falam coerentemente, usando as regras
gramaticais. Elas gaguejam, hesitam, corrigem a garganta e fazem pausas. Somente
quando naqueles momentos de crucial entendimento elas podem dizer coisas
poéticas.

ANOTAÇÕES, ESCREVENDO E REESCREVENDO.

As peças teatrais podem vir de muitas fontes. Shakespeare começava a partir


de uma história, geralmente utilizando fontes italianas. Ibsen e Bernard Shaw
começavam por um tema, um ponto de vista básico que desejavam expor. Eugene
O’Neill partia das personagens. Quaisquer dos casos que os dramaturgos usaram
tiveram sua origem de uma coleção de anotações e rascunhos.

“Você não deve começar o seu trabalho antes de ter em mente com clareza
as cenas, os movimentos e a fala. Você terá dificuldade de chegar a um ponto
quando não sabe exatamente onde está.”

Alexandre Dumas.

O TÍTULO DA PEÇA.

O título põe em foco a peça. Deve representar a totalidade do trabalho.


Não é incomum que o autor tenha de finalizar a peça para encontrar o título.
Quando isto acontece, encontre um título de trabalho e comece a escrever.

NOMES DAS PERSONAGENS.

Escolha os nomes das personagens logo no começo do trabalho, para que se


tornem criaturas e não abstrações. A escolha do nome é critério do autor. Alguns se
imortalizam e entram para a linguagem do dia a dia, como o Tartufo.

RESUMO.

O entrecho da peça começa a ficar claro quando o autor a divide em


pequenos segmentos, as cenas. O conjunto de cenas que tenha coerência
dramática forma um ato.

ATOS.

É o segmento maior de uma peça. Hoje em dia o mais comum é que a peça
tenha apenas um ato longo, de aproximadamente 90 minutos. Passando desse
tempo, é melhor dividir em dois atos. Mas a divisão não é apenas mecânica ou
atada à duração. Uma peça bem acabada é exemplo de equilíbrio dramático e
duração de seus atos.
ESQUETES.

Certos espetáculos trabalham com textos de curta direção. Uma esquete, que
pode durar de 5 a 10 minutos, exige o mesmo cuidado de uma peça de maior
duração.

LUGAR.

As peças acontecem num lugar, numa geografia. O lugar é parte constitutiva


da criação de um texto teatral. Você pode imaginar “Um Bonde Chamado Desejo” se
passando em Manacapuru?

CENÁRIOS.

Os cenários são aquilo que o público vê no palco. Na peça “O Bonde


Chamado Desejo”, por exemplo, o lugar é Nova Orleans, mas o cenário mostra a
sala e a cozinha de Stanley Kowalski. Um cenário deve não apenas reproduzir com
fidelidade a cultura do lugar, mas também as personagens.

TEMA.

O tema é a afirmação da peça, a verdade inerente à peça. Raramente os


autores sabem de antemão o tema, ou os temas, que sua peça ira tratar. Quase
sempre o autor chega ao tema depois de algumas versões da peça, porque o tema é
muito mais que uma máxima, é uma descoberta que o autor faz da natureza
humana. No entanto, o tema não é feito de aço, mas de material maleável que o
autor pode moldar de acordo com as motivações e conflitos. Nas peças em que o
tema tem a consistência do aço, a complexidade é sacrificada e o que deveria ser
arte se torna propaganda. Os temas são sugeridos, nunca impostos.

ESCREVENDO.

Para tomar a decisão de escrever uma peça, o autor deve responder às


seguintes perguntas:
1. A peça vai se comunicar com uma ampla platéia?
2. Minha idéia é teatro, ou cinema?
Escrever é um trabalho como outro qualquer. Como trabalho exige disciplina,
organização e esforço físico. E exatamente como os músicos, que precisam ensaiar
pelo menos quatro horas por dia, um escritor deve fazer o mesmo.
O escritor escreve.

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