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Reflexão individual sobre o filme "Que horas ela volta?

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Ana Cardoso – 3190115

“Que horas ela volta?” é o nome do célebre filme que ousou criticar o paralelismo
entre os mundos sociais a que estamos expostos. Val, uma simples empregada, que
decide ir trabalhar para São Paulo – deixando para trás a filha Jéssica e o marido, e,
passando a morar em casa dos patrões. Bárbara, uma mãe de sucesso, mas que
mantém esta mesma distância do filho (como Val) – de nome Fabinho. Apesar destas
mães apresentarem este padrão de afastamento dos filhos, são por razões
completamente diferentes. Val trabalha para proporcionar melhores condições de vida
à filha – o que ocasionou o afastamento – mas aproxima-se imenso de Fabinho. Por
obra do destino, Fabinho e Jéssica vão fazer o famoso Vestibular. Mas, para isso, Val
pede à patroa, a quem ela trata por “Dona Bárbara”, para Jéssica ficar na casa deles até
ela realizar o vestibular. Esta junção de realidades sociais distintas leva a um grande
conflito.
Gostaria de abordar e analisar primeiramente o título deste filme. Penso que possa
fazer referência ao momento em que as mães voltam para casa após o trabalho, e estão
com os filhos. Apesar disso, uma mãe trabalhadora e de classe social baixa, iria
trabalhar para dar o melhor às suas crianças. Por outro lado, uma mãe rica pagaria a
alguém para cuidar dos seus filhos – e já aqui rompe um pouco a relação entre mãe-
filho; pois, não participará (eventualmente) ativamente na vida do seu filho (a).
Segundo Pierre Bordieu, a reprodução cultural é uma apropriação dos bens/herança
por parte das gerações mais jovens – que advêm da sua família. Só devido a isso, já se
pratica a desigualdade social. E, todos aqueles valores ideológicos em que se fala
(justiça, liberdade, …) são apenas hipotéticos. Então, temos o mais famoso caso de
Fabinho – com pais que detêm grandes posses, que passarão esses bens para o seu
filho – mas com a enorme falta de aproximação e conhecimento real do rapaz.
Se a mudança, que supostamente, teria de advir de grande esforço e dedicação, no
filme advém de oportunidades iguais de acesso, de instrução e, principalmente,
educação. Já no lado de Jéssica, foram os seus professores que decidiram incutir nela,
uma reflexão mais séria do mundo à sua volta. Assim, então todos somos donos e
responsáveis pelo nosso destino. Outra adversidade, é a diferença de comportamento
entre Val e Jéssica. Val é obrigada a manter a distância, vive num quarto minúsculo,
apertado, quente; a sua rotina é puxada e é pouco valorizada pelos patrões. Já Jéssica,
não entende o porquê (e questiona mesmo) de ter que agir como se fossem pessoas
completamente diferentes. Tal como Jéssica disse “... eu só não acho que sou
inferior”. Esta pequena frase, leva a uma ponderação mais cuidada deste tema.
Quanto ao capital cultural, falamos por exemplo, da dominação da língua materna
e da estrangeira, da forma como nos comportamos numa festa mais requintada. Temos
dois tipos de capital cultural: incorporado e objetivado.
Incorporado é quando já faz parte do nosso habitus, dos agentes sociais (práticas,
bens, escolhas, …);
Objetivado é quando é declarado através de um diploma, títulos ou provas.
Portanto, temos respetivamente o retrato de Fabinho e de Jéssica.
Quando Bárbara sabe que Jéssica fará o vestibular junto com o seu filho Fabinho, que
são classes completamente diferentes, mostra-se cética pois diz que é um exame muito
concorrido. Resultado deste ceticismo: Bárbara acha que uma filha de empregada será
empregada. Mas tudo isto é quebrado quando Jéssica passa no vestibular, mas Fabinho
não. Como qualquer outro tipo de capital, confere um certo poder que propicia
diversas possibilidades (económicas, culturais, sociais e simbólicas).
Capital social é um conjunto de recursos sociais que um indivíduo porta e que lhe
permite influenciar outros círculos. Arrisco dizer que uma das pessoas mais
influenciadoras do filme é Val. Indiretamente, ela inculca valores no Fabinho, que
procura o amor de uma mãe e vê isso, na empregada. Também Jéssica é um fator
influenciador no filme (para mim) já que luta contra a ideia estereotipada do Senhor
Carlos.
Já o habitus, é um conjunto de predisposições sociais que constituem princípios e
ideologias partilhadas/peculiares de um grupo de pessoas. Jéssica foi capaz de
derrubar as barreiras dos seus “limites” (que a sociedade impõe a pessoas de classes
sociais baixas) e conseguir passar no vestibular. Dona Bárbara tenta destruir a
felicidade e expectativas de Val, aquando a notícia da filha Jéssica ter passado. No
entanto, para Fabinho, o habitus trabalha de forma diferente - já que ele tinha ao seu
dispor todas e quaisquer hipóteses para vencer na vida e em qualquer meio em que é
testado. Desta forma, percebemos que a sociedade tenta abater as minorias, atacando
os seus cenários (sejam eles económica e socialmente bons ou maus), ou através do
que se imagina por trás de uma imagem mais simples da pessoa, em jogo.
No que diz respeito ao arbitrário cultural, podemos relacionar com o habitus – em
que se acentuam mais estas diferenças sociais. O arbitrário cultural procura a
dominação de um grupo social – que seja favorável à sociedade – em detrimento das
classes mais inferiores. Deste modo, a cultura seria mais perfeita e verdadeira – o que
acontece no Brasil desde há muitos anos. Dominação é a melhor palavra a ser
utilizada neste conceito porque é isso que acontece em todo o filme. Val é dominada
pelas regras dos patrões e da casa e tem que seguir um padrão para poder manter o
emprego para ajudar a filha. Jéssica rebate toda esta ideia (como já referido acima
algumas vezes), e posteriormente, Val também o fará. A entrada de Val (durante a
noite) na piscina dos patrões, mostra um rompimento entre estas ideias de classes
sociais e de submissão para com outros que não a valorizam.
Por fim, a violência simbólica retratada no filme, é possível ver através dos danos
causados tanto no psicológico de Val, como no de Fabinho e Jéssica. Ambos, sentem a
distância das mães (voluntária ou involuntária) e com isso sofrem de maneiras
diferentes - já que todo o amor que Fabinho recebe por parte de Val, deveria ter sido
dado a Jéssica. Jéssica ressente por isso, porque a mãe a deixou para poder ter
dinheiro para as suas despesas – e para que Jéssica pudesse ter uma vida mais
tranquila. Mas toda esta violência, que ronda os filhos, é bastante semelhante, sentidas
da mesma forma, mas em contextos muitos diferentes. Val sofre com a indiferença
dos patrões, com o seu distanciamento da filha e do marido, com o seguimento de
normas – que com o tempo, se tornam normais para Val.
Em suma, todo este filme é uma crítica social às sociedades que ainda persistem no
Brasil (e em muitos outros lugares). Val é um produto do pensamento egocêntrico e
imodesto – e que se torna difícil de lutar contra - já que estas minorias se conformam
com tais atitudes para obterem um bem maior.

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