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Numa sociedade com grande hierarquização social como a que existe no Brasil,
ainda que de forma “velada”, existem certas atitudes que são profundamente
preconceituosas, porém consideradas “senso comum”, como a própria Val fala para
a filha Jéssica no trecho “Tem coisas que você já nasce sabendo”, quando tenta
explicar para ela o por quê de aceitar sua situação de submissão e desigualdade,
por exemplo, algo bem especificado no seguinte trecho de Val: “Onde já se viu? A
filha da empregada sentar na mesma mesa que come o patrão?”. O fato de até
comer na mesma mesa que uma pessoa teoricamente numa posição de poder
superior a você, ser considerado um privilégio que não é para ser dado para uma
“classe tão baixa” quanto a de um empregado, demonstra esse preconceito
cotidiano e normalizado. É também um privilégio poder comer uma comida de
qualidade melhor do que a outra, já que, no caso do sorvete no filme, apenas um
seleto número de pessoas poderia consumir algo tão bom (no longa, essa pessoa é
o filho Fabinho), enquanto que as demais, não incluídas nessa classe especial, tem
que se contentar com uma comida ruim e/ou as sobras.
Isso fica ainda mais marcado no filme quando Jéssica, por causa das
brincadeiras de Fabinho e seu amigo, fazem com que ela caia na piscina e jogue
com eles. O problema aqui é porque, na concepção de Val, a empregada doméstica,
e da sua patroa, Bárbara, nem ela e nem a filha podem entrar na piscina, como se
nadar no mesmo ambiente que os patrões suja-se ele. Bárbara reage ao
acontecimento relatado exatamente assim, ligando imediatamente para um de seus
funcionários para que esvazia-se a piscina e limpasse ela, porque houve problemas
com “ratos”.
Por fim, esse preconceito de classes sociais diferentes, incutido tanto nas classes
baixas quanto imposto pelas classes mais altas, pode ser resumido na seguinte
frase de Val: “Quando eles oferecem algo que é deles, é por educação, porque já
esperam que a gente diga não”.
5) O enredo do filme muda quando Val recebe sua filha Jéssica (Camila
Márdila), que vai morar junto com a mãe na casa dos patrões. Jéssica não
age da maneira esperada por Val e, principalmente, por seus patrões. Quais
são os comportamentos e o lugar determinados para seu grupo social que
Jéssica começa a questionar?
Jéssica, ao se mudar para São Paulo, passa a morar com a mãe na casa dos
patrões, ela se recusa a ser tratada como uma empregada doméstica e desafia as
expectativas que os donos da casa tinham sobre ela.
Um dos questionamentos da jovem acerca de uma posição social imposta para si
é sobre os locais da casa que ela pode frequentar. Logo de início ela não aceita
dormir no quartinho de sua mãe, não só por ser de qualidade inferior ao resto dos
quartos da casa, mas também porque ela não vê sentido e dividir um cômodo tão
pequeno e sem ventilação se há quartos melhores disponíveis. Outra cena que ela
desafia esses comportamentos impostos é quando ela come do sorvete do filho dos
chefes da mãe ao invés de comer o “sorvete dos empregados”. Essas cenas
utilizam de elementos muitos sutis para mostrar os preconceitos velados na
sociedade.
Outro momento marcante que enfatiza a quebra dos padrões esperados por
pessoas da classe de Jéssica é a cena em que ela passa no vestibular de uma
universidade em São Paulo, mesmo usando apenas livros velhos e tendo estudado
em um colégio de má qualidade, enquanto Fabinho, que estudou em escolas de
ótima qualidade, não consegue passar. No decorrer da cena, é possível notar que
Bárbara, mãe de Fabinho patroa de Val, se mostra desconfortável ao saber da
notícia e até mesmo tenta descredibilizar Jéssica, tentando diminuir sua conquista e,
em diversos momentos anteriores a esse, Bárbara parece incrédula com a escolha
de Jéssica por um curso difícil e concorrido, sempre duvidando da capacidade da
jovem e reforçando preconceitos de que pessoas de classes sociais inferiores não
conseguiriam passar em uma universidade de renome.